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1 de 141
Baixar para ler offline
ISBN 85-01-05984-6
t'""
2001
[i:x. {11
v.
Biblioteca - ICI-iS/UFOP
i I 1I III
II 11, 11I
""10001130156'"
, Outras obras do autor
CARLOS FICO
1
I
A história do Brasil (1980/1989): elementos para uma avaliação
hlstoriogrdfica - 2 volumes - Ed. UFOP, 1992
Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social
no Brasil- Ed. FGV, 1997
O regime militar - Ed. Saraiva, 1999
lbase: usina de idéias e cidadania - Ed. Garamond, 2000
SISBIN - UFOP
1/1/111111111/11111111/11
1013131613166
como
eles
•
aqiam
Os subterrâneos da Ditadura Militar:
espionagem e polícia política
Prefácio de Jacob Gorender
_10---
EDITORA RECORD
RIO DE JANEIRO • SÃO PAULO
2001
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Aos mestres que, sem o saber, ensinaram-me a fazer histó-
ria: com engenho e arte, como Manuela; sem pejo de in-
dicar a melancólica trajetória política brasileira, como
Iglésias; sem medo de apontar o "nacionalês" das leituras
dissolventes das diferenças sociais, como Mata; sem espe-
rança de agradar o decoro acadêmico das unanimidades
fáceis, das modas editoriais e da indigência teórica, como
'Ciro.
Fico. Carlos
F468c Como eles agiam I Carlos Fico. -, Ri o de Janeiro: Record,
2001.
Anexos
Inclui bibliografia
ISBN 85-01-05984-6
I. Brasil- História - 1964-1985. 2. Serviço Nacional de
Informação (Brasil). 3. Serviços de inteligência - Brasil -
História - 1964-1985. I. Título.
Direitos exclusivos desta edição reservados pela
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A.
Rua Argentina 171- Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: 585-2000
Impresso no Brasil
01-0014
CDD -981.06
CDU -981
Copyright © 2001 by Carlos Fico
Capa: Sérgio Campante
Imagens de capa: Alberto França! Agência JB;
Acervo da DSII Arquivo Nacional
ISBN 85-01-05984-67
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL
Caixa Postal 23.052
Rio de Janeiro, RJ - 20922-970
If
7
Sumário
Prefácio 9
Agradecimentos 15
Introdução 17
1. Escalada inicial 33
2. A estrutura de espionagem: o SISNI 71
o SNI 81
Espionagem nos ministérios civis 83
Espionagem em outros órgãos 89
A produção de informações 95
As técnicas do SISNI 100
3. A estrutura de repressão: o SISSEGIN 111
O sistema com/DOI 115
O ethos da comunidade 136
4. O discurso moral contra a corrupção:
o sistema CGI 149
CARLOS FICO
5. O Es ado contra o povo 165
Censura 168
Meios de comunicação
Estudantes e professores
Clero 192
Estrangeiros 197
181
187
Prefácio
6. O dificil desmonte 211
Bibliografia 221
Com este livro, Carlos Fico realiza um trabalho pioneiro
no âmbito da pesquisa historiográfica da Ditadura Militar
do período 1964-1985. Período muito recente, prolongado
até a atualidade, mas já suficientemente demarcado como
história. A bibliografia a ele dedicada é numerosa, com lar-
ga predominância da memorialística, mas inclui também
obras analíticas, dentre as quais as abordagens acadêmicas
ainda são escassas.
O pioneirismo de Como eles agiam consiste na exploração,
feita pela primeira vez, de um arquivo de documentos oficiais,
procedentes de órgãos do governo, principalmente daqueles
diretamente envolvidos com a repressão às organizações da es-
querda armada. No caso, trata-se do arquivo da extinta Divi-
são de Segurança e Informações (DSI) do Ministério da Justiça,
hoje entregue à guarda do Arquivo Nacional, no Rio de Janei-
ro. O autor pôde investigar a parte dos documentos reservados'
e confidenciais, aqueles com acesso já permitido ao público.
Embora com a restrição de evitar menções a pessoas envolvi-
das, a investigação resultou notavelmente proveitosa à amplia-
ção do conhecimento sobre a atuação dos órgãos de espionagem
e repressão ditatorial.
Anexos 229
ANEXO 1 - Bancos assaltadosem ações de guerrilha, no
Brasil, até 30 de setembro de 1970 231
ANEXO 2 - Crimes contra a segurança nacional. Nú-
mero de denunciados, absolvidos ou condenados em
primeira instância, cujas sentenças foram examinadas
pelo Supremo Tribunal Militar através de recursos de
apelação - 1970/1973 233
ANEXO 3- Proibições determinadas pela censura aos
órgãos de imprensa entre agosto de 1971 e dezembro
de 1972 237
Cronologia 243
Índice Geral 255
8 9
CARLOS FICO
- ,
Professor de história e p.esquisador de competência profis-
sional, Fico estava preparado para a tarefa por sua obra prece-
dente na mesma área de interesse, publicada em 1997:
Reinventando o otimismo - ditadura, propaganda e imagindrio
soaal no Brasil. Nesta obra, encontramos a exposição das moti-
vações ideológicas da intervenção propagandística dos milita-
res, que dominavam o poder do Estado. Motivações que tinham
sua fonte no imaginário do Brasil Potência, como objetivo na-
cional do presente, mas também se inseriam-numa vertente an-
tiga da mentalidade brasileira, aquela vertente que se expressou,
no século XVII, nos Diálogos das grandezas do Brasil, da lavra
do colono português Ambrósio Fernandes Brandão, e se mani-
festou modernamente, no começo do século, com o Por que
me ufano do meu país, do conde Mfonso Celso (que enrique-
ceu o idioma com o termo ufanismo), seguido, quarenta anos
depois, pelo célebre Brasil- país do futuro, de Stefan Zweig,
tendo a subliteratura do Estado Novo de permeio.
No livro, que a Editora Record oferece aos leitores, o histo-
riador faz o levantamento, cuidadosamente reconstituído, do
processo de formação de uma estrutura policial-burocrática-to-
talitária, promovida pelos altos comandos militares, para tarefas
de espionagem, informação e realização de operações policiais,
concentradas na captura e interrogatório de oponentes do regi-
me, incluindo a tortura sistemática entre seus métodos. Do tex-
to resulta a conclusão de que nunca houve, na história do Brasil,
um aparelho estatal tão ramificado e rico de recursos a serviço
dos setores sociais e políticos de extrema direita.
Embora formulada nos projetos dos conspiradores milita-
res e civis, que conduziram ao golpe de 1964, essa estrutura
policial-burocrática-totalitária não surgiu pronta e acabada, mas
se constituiu num processo paulatino, que culmina em 1970,
quando são implantados o Sistema Nacional de Informações
10
I:
l
t
Ii
I
, COMO ELES AGIAM
(SISNI) e os Centros de Operações de Defesa Interna - Desta-
camentos de Operações de Informações (CODI-DOI). Este
processo não se deu sem contradições e disputas internas nos
meios militares e entre eles e os setores civis aliados, contradi-
ções e disputas nem sempre suficientemente esclareci das pela
conhecida dicotomia "linha dura" / "linha moderadà'.
Sob este aspecto, a Ditadura Militar brasileira se diferen-
ciou das congêneres do Cone Sul, ou seja, as ditaduras do Chi-
le, Argentina e Uruguai. Surgida bastante antes, a ditadura
brasileira só atingiu seu ápice repressivo em 1971, sete anos após
o golpe, quando passa ao extermínio físico sistemático dos mi-
litantes da esquerda aprisionados sem visibilidade pública. A
essa altura, a esquerda já tinha suas fileiras consideravelmente
reduzidas, o que explica, ao menos em parte sem dúvida, o
número de mortos e desaparecidos bem menor no Brasil (em
termos relativos e absolutos). No Chile e no Uruguai, as dita-
duras militares se instalaram em 1973. Na Argentina, em 1976.
Aproveitando a experiência brasileira, deflagraram o máximo
de atividade repressiva desde o início. No Chile, a "caravana da
morte", responsável pelo assassinato, com perversidade requin-
tada, de cerca de oitenta presos políticos, praticou seus crimes
logo depois da deposição do presidente Allende. Mas, se preci-
'sou de mais tempo para chegar a crimes tão horrendos, a dita-
dura brasileira não ficou atrás das suas similares em matéria de
crueldade repressiva. Bem pelo contrário, serviu-Ihes de mo-
delo e para elas exportou seu know-how.
Para o título do seu livro, Carlos Fico se inspirou num fo-
lheto, que vazou da DSI do Ministério da Educação e Cultura,
em janeiro de 1974, publicado na íntegra pelo diário O Estado
de S. Paulo. Intitulado Como elesagem, o alvo deste folheto, cujo
vazamento decorreu de um descuido ou de algum propósito
11
CARLOS FICO
des!onhecido, era o movimento comunista iaternacional e os
seus supostos métodos de atuação, descritos' com exageros e
distorções às vezes ridículos. No livro de Fico.o alvo se inverte:
a pesquisa focaliza os órgãos da Ditadura Militar, sua ideolo-
gia, seus procedimentos e ações. Com base não em suposições
derivadas de obsessão persecutória, mas em documentos ofici-
ais emanados daqueles mesmos órgãos e examinados com ob-
jetividade rigorosa.
Devidamente municiados do ponto de vista factual e teóri-
co, os leitores poderão devassar o que ficou conhecido como
"porões" da "comunidade de informações" e seus intrincados
meandros, rotulados por numerosas siglas, dando idéia de que,
na criação de siglas, a direita não foi menos fértil do que a es-
querda. A importância deste devassamento não deve ser subesti-
mada, se considerarmos, dentre tantos outros aspectos, que nada
menos do que três presidentes da República passaram pela dire-
ção dos órgãos de segurança e informação. Geisel foi secretário- ~
geral do Conselho de Segurança Nacional, e Médici e Figueiredo
dirigiram o SNI. Espionagem, informação e repressão policial
foram funções precípuas e fundamentais da Ditadura Militar, o
que nada tinha de casual, mas decorria de sua natureza intrínse-
ca de Estado contra o povo, como escreve Carlos Fico.
O historiador faz a afirmação enfática e correta de que a
prática da tortura não se devia a "excessos" de subalternos, mas
era determinada pelo alto comando miÚtar e pelo escalão pre-
sidencial. A responsabilidade deste já ficou suficientemente
atestada na declaração do presidente Geisel sobre a necessida-
de da tortura de prisioneiros, que caberia apenas levar a efeito
sem dar na vista, de maneira clandestina.
Com os dados hoje disponíveis, pode-se estimar que cerca
de cinqüenta mil pessoas tiveram, no período ditatorial, a ex-
12
'l
1
II.
I
I!
COMO ELES AGIAM
periência traumática da passagem pelos "porões" e, destas, não
menos de vinte mil foram submetidas à violência da tortura.
Nos cerca de oitocentos processos por crimes contra a seguran-
ça nacional, encaminhados àjustiça Militar, figuraram onze mil
indiciados e oito mil acusados, resultando em alguns milhares
de condenações.
O que hoje nos parece uma monstruosidade, um pesadelo
de noites e dias não remotos, fluiu do ideário que pretendeu
mutilar o povo brasileiro no leito de Procusto de uma utopia
totalitário-fascistóide. Esse ideário se alimentava de variadas
obsessões: a obsessão anticomunista, a obsessão da imposição à
-sociedade civil da disciplina e hierarquia características do ethos
militar, a obsessão persecutória dos divergentes, a obsessão da
construção de uma grande potência. Esta mescla frágil de idéias
toscas não pode ter sua significação compreendida de maneira
completa fora do contexto da Guerra Fria e da influência polí-
tica americana, cujos efeitos se fizeram sentir poderosamente
na conjuntura dos anos 60 e 70.
A pesquisa brilhante de Carlos Fico comprova que o co-
nhecimento historiográfico sobre os chamados anos de chum-
bo da recente história nacional fará seus principais avanços
garimpando os arquivos dos órgãos governamentais, como é o
, caso do sistema extinto de informação e repressão, bem como
das forças armadas. Do lado da esquerda, certamente não estão
esgotadas' as fontes capazes de fornecer revelações significati-
vas, mas o principal já foi extraído dessas fontes. Ficaram por
esclarecer detalhes, sobretudo concernentes a atuações indivi-
duais. Já do lado da direita, o acervo arquival apenas começou
a ser explorado com este Como elesagiam.
A importância da pesquisa historiográfica não se encerra nos
limites que lhe são próprios. Não se trata, no caso, de levar a efeito
13
I
"1ií,!
I',
CARLOS FICO
tão-somente um progresso acadêmico. Tendo em vista o perío-
do ditatorial, o avanço do conhecimento historiográfico nos ajuda
a eliminar com mais eficiência suas seqüelas, ainda persistentes
e, às vezes, surpreendentes. Seqüelas derivadas, em boa parte,
precisamente do sistema de espionagem e repressão estudado
neste livro. O conselho nacional e vários conselhos regionais de
medicina têm tido a tarefa penosa de investigar as denúncias so-
bremédicos participantes desevíciasdepresospolíticos e de cassar
a licença profissional de vários deles, como foi o caso de Ricardo
Agnese Fayad, punido em 1994. Apesar disso, Fayad, no posto
de general, assumiu, em abril de 1998, o cargo de subdiretor de
saúde do Exército. Viu-se logo forçado, no entanto, a se afastar
do cargo, ao ser exposto às revelaçõesdas vítimas das sessões de
tortura, das quais participou, durante os anos 70, no quartel da
Polícia do Exército, no Rio de Janeiro. Ainda mais recentemen-
te, em dezembro de 2000, o generalAlberto Cardoso, ministro-
chefe do Gabinete de Segurança Institucional, demitiu o coronel
Ariel de Cunto, diretor-geral da Agência Brasileirade Inteligên-
cia (ABIN), por ter colocado em cargo de confiança o ex-tenen-
te do Exército Carlos Alberto del Menezzi, um dos torturadores
relacionados na lista do projeto Brasil nunca mais e também de-
mitido, depois de publicamente denunciado.
O aprofundamento.e o fortalecimento do regime demo-
crático, no Brasil, dependem, no fundamental, da luta dos seg-
mentos sociais interessados, os quais constituem a grande
maioria do povo brasileiro. Sem dúvida, no entanto, o avanço
democrático tem muito a ganhar com o esclarecimento fiel do
passado histórico.
Jacob Gorender
14
Agradecimentos
Algumas pessoas colaboraram para tornar possível este livro.
Atila Roque recebeu-me inúmeras vezes no Rio deJaneiro, for-
necendo, generosamente, as melhores condições para que eu
pudesse pesquisar nesta cidade. Ronald Polito, como sempre,
avaliou todas as versões preliminares e auxiliou de múltiplas
formas, inclusive livrando o trabalho de certas insuficiências
teóricas. Celso Castro ajudou-me a localizar alguns documen-
tos e indicou passagens confusas dos originais, que pude corri-
gir a tempo. Marco Antonio Villa também leu previamente o
texto e deu sugestões valiosas. Elio Gaspari e Pio Penna Filho
forneceram-me cópias de fontes a que tiveram acesso. Em se
tratando de livro que aborda temas melindrosos, cabe reiterar
a velha ressalva: a responsabilidade pelo texto é estritamente
minha.
Foram os funcionários do Setor de Arquivos Intermediá-
rios do Arquivo Nacional que, realmente, possibilitaram o tra-
balho. Ana Celeste e Isabel Oliveira não apenas coordenaram a
organização do acervo da extinta Divisão de Segurança e Infor-
mações do Ministério da Justiça (material histórico básico des-
ta pesquisa), como me deram instruções fundamentais sobre a
documentação. Os demais funcionários do setor foram obri-
15
CARLOS FICO
gados a dividir seu espaço de trabalho comigo, até que fossem
definidas normas que viabilizassem a pesquisa dos documen-
tos sigilosos em local adequado. No âmbito da direção geral do
Arquivo, Maria Izabel Falcão eJaime Antunes da Silva sempre
trataram com toda seriedade e competência meus pedidos de
acesso à documentação. O Arquivo Nacional prova que as re-
partições públicas, mesmo no Brasil, podem ser democráticas,
competentes e ágeis.
A todos, meus agradecimentos.
Rio, junho de 2000
CF
16
1
I
It
I
I
I
t•
I
I
f
~
Introdução
liA linguagem do despotismo tem certa força e
energia, que não será fácil imitar."
(Joaquim Felício dos Santos, Memória do Distrito
Diamantino. Epígrafe do poema .~ siglas (1964)", de
Affonso Ávila, que não constou, como deveria, da
edição de Código de Minas, feita pela Civilização
Brasileira, em 1969, sendo editado, afinal, pela Sette
Letras, em 1997.)
Setores preponderantes das Forças Armadas, em 1964, toma-
ram o poder no Brasil, derrubando o governo Goulart e inici-
ando uma ditadura que só terminaria 21 anos depois. Foram
várias as razões do golpe de Estado e muitos os desdobramen-
tos políticos e econômicos do regime militar. Aqueles foram
anos de profundo obscurantismo e sectarismo, geradores de
conseqüências perversas que, ainda hoje, todos lutamos por
superar. Este não é um livro sobre o golpe de 64 ou sobre o
regime militar como um todo, mas sobre uma de suas mais
17 B!BUOIECt4
~ •.IOHS / MAiRIll.BBA
CARLOS FICO
,
temidas facetas: o sistema de informações e de segurança, ou
seja, o conjunto de órgãos encarregados de fazer espionagem e
reprimir os brasileiros considerados "subversivos".
Como é sabido, houve variações na intensidade da repres-
são durante a Ditadura Militar: em certos momentos, como na
fase imediatamente posterior ao golpe ou na conjuntura que se
iniciou em 1968, a repressão foi muito intensa; em outras fa-
ses, como no período seguinte às primeiras punições (junho de
1964 a outubro de 1965) e durante a "distensão" e "abertura"
políticas promovidas nos governos Geisel e Figueiredo, o nú-
mero de punições decresceu. Por causa dessas variações, alguns
analistas classificaram o período de combate à luta armada como
o "auge da repressão" (1968/1974), enquanto outros, sublinhan-
do a coexistência do regime político de exceção com períodos
de diminuição relativa da coerção, mencionaram o neologis-
mo burlesco "ditabranda".
Na verdade, essa aparente "ciclotimia" encobre um penoso
processo de evolução e involução demoradas que correspondeu
à montagem, ao apogeu e à decadência de um complexo e po-
deroso sistema nacional de segurança e informações. Tal siste-
ma somente se consolidou entre 1969 e 1970, mais de cinco
anos depois do golpe, e sua desmontagem se estenderia para
além da volta do país à democracia política - com resquícios
persistindo ainda hoje.
A partir do golpe de 31 de março de 1964, a elite política
brasileira e a assim chamada "opinião pública" assistiram, estu-
pefatas, a uma escalada, jamais vista em nossa história, de atos
arbitrários de toda natureza. Parcelas desses e de outros setores
que apoiaram a derrubada de Goulart surpreenderam-se com
o ânimo punitivo dos golpistas. Os momentos em que a re-
pressão serenava - e que a muitos pareciam confirmar uma
18
1
I
I
I
COMO ELES AGIAM
esperança de não abandono total da democracia, ao menos
como horizonte - correspondiam a fases de intensas maqui-
nações, por parte dos setores militares mais exaltados, tenden-
tes a definitivamente implantar - ou fazer perdurar
indefinidamente - um forte esquema repressivo capaz de con-
trolar, pela força, quaisquer dissensões.
Surpreendentemente, todos os generais-presidentes prome-
tiam, sobretudo quando iniciavam seus mandatos, medidas de
liberalização do regime militar. Tais medidas, de ordinário,
consistiam apenas na incorporação, pela Constituição, dos
poderes arbitrários conferidos pela "Revolução" aos presiden-
tes." Como se vê, essas promessas de liberalização não passa-
vam de simples institucionalização dos desmandos, mas, ainda
assim, eram vistas pelos militares mais exaltados como iniciati-
vas aço dadas que implicavam risco de perda de controle ante a
"subversão", o "comunismo internacional" ou o "terrorismo."
Por isso, eles tudo fizeram para retardá-Ias, e, desse modo, à
história da implantação e decadência do sistema de segurança
e informações corresponde uma outra, qual seja, a história da
perda e reconquista do controle do poder pelos militares mo-
derados.
Esses militares foram os sujeitos históricos que implemen-
taram um regime político capaz de atender às necessidades de
conhecida combinação de capitais, nacionais e internacionais,
associados através de extratos específicos das respectivas bur-
guesias. Também buscando esclarecer as bases sociais do regi-
'Castelo Branco fez isso com a Constituição de 1967; Costa e Silva tentou fazer o
mesmo com uma nova constituição, mas adoeceu e seu projeto foi relativamente
alterado pela Junta Militar que o substituiu, através da Emenda Constitucional de
17 de outubro de 1969; Geisel, no final de seu governo, para extinguir o AI-5,
criou a figura do "Estado de Emergência".
19
CARLOS FICO
me militar, análises historiográficas e jornalísticas contem-
porâneas têm caracterizado o golpe de 64 como "cívico-mili-
tar", assim destacando, ao que parece, tanto o apoio inicial
de expressivos setores da classe média urbana quanto a parti-
cipação efetiva de lideranças políticas civis que ajudaram na
eclosão do movimento. É correta a lembrança. Quando mais
não fosse, até mesmo para sempre recordarmos certo ranço
autoritário que impregna nossa sociedade e, diga-se também,
para não deixar apenas aos militares a "conta a ser pagà', já
que muitas daquelas lideranças civis assumem, hoje, modos
de democratas. Porém, desde as primeiras horas, o movimen-
to foi indubitavelmente militar. Não há como tergiversarso-
bre isso. Sua deflagração deveu-se a tropas militares." Com a
declaração da vacância do cargo de presidente da República, **
o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assu-
miu apenas formalmente o lugar de João Goulart, tendo de tra-,
tar como superior o general que efetivamente dava as ordens. ***
O primeiro presidente foi escolhido numa tumultuada reunião
de chefes civis com o general Arthur da Costa e Silva, tão humi-
lhante para os civis, que, na segunda rodada, não compareceram
os governadores Carlos Lacerda e Magalhães Pinto.
*Na manhã do dia 31 de março, o comandante da 4~Região Militar (juiz de Fora
. - MG), general Olímpio Mourão Filho, deu ordens para que suas tropas se diri-
gissem para o Rio de Janeiro, onde estava o presidente da República.
**Auro de Moura Andrade, senador por São Paulo, presidente do Congresso Na-
cional, declarou a vacância em uma sessão fulminante, às 2h40min da madrugada
do dia 2 de abril de 1964.
***Ao se dirigir a Costa e Silva como "ministro", Mazzilli foi admoestado pelo
militar, que exigiu o tratamento de "general". Note-se que Costa e Silva "empossou-
se" no cargo de ministro da Guerra através de uma radiocomunicação que passou
aos quatro exércitos e principais comandos alegando ser o mais antigo dos generais
do Exército em função no Alto Comando.
20
COMO ELES AGIAM
Sublinho, aqui, a presença dos militares, não porque dis-
corde da atribuição de força causal às bases sociais apontadas,
que, de fato, apoiaram o golpe e sustentaram o regime. Mas o
material que consultei -. como se verá - é especialmente útil
para classificar os militares que participaram das comunidades
de segurança e de informações como um "corpo de especialis-
tas'" que, tendo constituído um campo de produção e de cir-
culação de mensagens relativamente autônomo, lograram
situar-se como produtores especializados do discurso que sus-
tentou tanto suas próprias ações (espionagem, violência), quanto
a conduta omissa dos moderados que os toleraram. Essa "aliança
ambígua" fundava-se num "mal-entendido mais ou menos cons-
ciente"," qual seja, a admissão, pelos moderados, do caráter in-
dispensável da espionagem e da repressão que, não obstante,
concomitantemente, eram por eles condenados quando se ex-
cediam (tortura, assassinatos, atentados). Os milhares de pa-
péis sigilosos que a comunidade de informações fazia circular
internamente tinham como público ela própria, claro está, mas
também informavam autoridades militares (e civis) que não a
integravam diretamente. Tais informações não se constituíam
em um amontoado caótico de folhas dispersas abordando te-
mas fragmentados, por vezes de maneira ridícula e sempre
mobilizando um certo jargão. Configuravam, isto sim, uma rede
intertextual produtora de eficazes efeitos de sentido e de con-
vicção. Mas, ao contrário do que pensa importante corrente
radical da teoria literária, tais efeitos de sentido não são tudo o
que a história pode almejar recuperar," Esse material retórico,
como já disse, municiou o "corpo de especialistas" de convic-
ções para agir e forneceu (enquanto foi reconhecido) aos mili-
tares não participantes da comunidade certos sentidos
jusriflcadores da repressão. Portanto, gerava efeitos extra-
21
CARLOS FICO
discursivos, podendo ser analisado como a narrativa de uma
infâmia ou o poder simbólico do algoz. Assim, uma das for-
mas mais eficazes do agir da comunidade de segurança e de
informações foi o estabelecimento dessa relação entre ela pró-
pria, que "executava", e os demais militares, que a admitiam,
baseada na força de elocução de um tal discurso - que assim
vivificava, recriava-se continuamente e sustentava ações.
Como ia dizendo, o movimento foi indubitavelmente mi-
litar e, por isso mesmo, a solução dos problemas viria manu
militari. Os primeiros momentos do governo do marechal
Castelo Branco deram a impressão, a boa parte dos analistas,
de que a elite política ainda poderia barganhar posições, sobre-
tudo aquelas que garantissem o funcionamento do Congresso
Nacional e a realização futura de eleições. No dia 7 de abril, o
Congresso ainda discutia se autorizaria ou não a anulação de
mandatos. Inicialmente, cogitou-se de atribuir ao próprio Con- ~
gresso poderes ampliados de cassação de mandatos, até porque
líderes não militares exaltados insistiam na necessidade, como
Herbert Levi," bem como apregoavam o caráter "misericordio-
so" da punição quando imposta aos que erram - posição
aberrante defendida pelo cardeal do Rio de Janeiro, Jaime de
Barros Câmara.' Os chefes do movimento logo dirimiriam
quaisquer dúvidas, decretando, entre os dias 10 e 13 de abril,
45 cassações de mandatos, 162 suspensões de direitos políticos
por dez anos e 146 transferências de militares para a reserva.f
As medidas de força, para boa parte dos parlamentares rema-
nescentes, analistas políticos e "opinião pública", surgiam como
inevitáveis, mas havia uma esperança de retorno à normalida-
de, até porque os próprios militares adotaram a auto-imposi-
ção de uma data-limite para as punições arbitrárias. Essa
esperança seria bastante abalada por episódios posteriores, como
22
COMO ELES AGIAM
o Ato Institucional n2 2. Tratarei, no próximo capítulo, da crô-
nica de alguns acontecimentos daqueles tempos, para melhor
situar o surgimento do sistema de segurança e informações. Por
ora, cabe destacar o progressivo pasmo das elites políticas civis
liberais diante das "ousadias" da Ditadura Militar. Resignação,
acomodação, protestos reprimidos ou oprimidos foram algu-
mas das manifestações observadas diante da escalada de endu-
recimento do regime, tanto quanto, do outro lado do complexo
político, na esquerda comunista, transitar-se-ia, ao longo do
tempo, da estupefação às opções desesperadas pela guerrilha
urbana e rural.
Não se pode falar do papel dos militares genericamente, pois
existiam diferenças significativas entre os que apoiavam e/ou
integravam o sistema de informações e de segurança, que sem-
pre queriam mais punições e vida longa para a ditadura, e os
demais. Épreciso notar, para além da já consolidada percepção
da diferença entre "moderados" e "duros", que havia matizes
internos a essas correntes, sendo de algum modo restritivo pen-
sar-se apenas nos dois grupos. Evidentemente, nem todo mili-
tar da linha dura atuou, efetivamente, nos sistemas de segurança
e de informações. Aliás, mesmo os militares radicais que inte-
graram tais sistemas afirmam que os casos de tortura, por exem-
plo, ou não existiram ou não foram mais do que excessos
pontuais, contrapondo-se, assim, à acusação de "institucio-
nalização" da prática desses suplícios? De outro lado, modera-
dos, como alguns castelistas, admitiam a tortura como um mal
necessário, como confessou o ex-presidente Ernesto Geisel,"
nesse ponto concordando com a opinião de militares da linha
dura, que acreditavam indispensável uma "certa dose, pelo
menos, de tortura pslcológica"? Portanto, trata-se de classifi-
cação convencional e, sobretudo, controversa, pois é bastante
23
CARLOS FICO
subjetivo atribuir-se a alguém que suponha a tortura um "mal
menor" o rótulo de "moderado". Se quiséssemos estabelecer uma
rigorosa tipologia dos militares que protagonizaram o período,
haveria que considerar outros aspectos, notadamente os de
natureza política, para além dessas posturas que admitiam maior
ou menor violência contra os "inimigos" do regime.'?
Seja como for, tendo em vista essa diferenciação básica em
dois grupos (admitida, inclusive, pelos militares), bem como a
estrutura hierarquizada da carreira militar, alguns analistas têm
mencionado a autonomia que os órgãos de espionagem e de
repressão teriam, isto é, eles atuavam independentemente das
cadeias de comando representadas pela hierarquia militar;'! o
que significa dizer que os chefes não estariam tão diretamente
envolvidos nas ações mais violentas, como tortura e assassinato
de presos políticos, e, sobretudo, que tais ações eram feitas sem
autorização da alta hierarquia. Tal autonomia - segundo essa
concepção - teria ensejado a constituição de um ramo parale-
lo, que funcionava segundo as necessidades, mais prementes e
violentas, dos órgãos de repressão. 12 Portanto, embora emula-
dos pelos generais radicais, as ações violentas teriam sido per-
petradas sem sua autorização direta, estabelecendo-se um
sistema inercial difícil de modificar. Trata-se, evidentemente,
de uma questão de ênfase, problema quase acadêmico, pois, não
obstante possa-se concordar com a idéia de que "esse aparato
ganhou uma tal autonomia que, embora subordinado à linha
de comando das forças armadas, estava a constituir-se gradual-
mente num poder paralelo"," prefiro destacar sua subordina-
ção hierárquica aos comandos das grandes unidades militares.
Minhas ressalvas em relação a essas leituras serão apresenta-
das ao longo do trabalho, mas posso deixar clara, desde já, mi-
nha impressão: os crimes de tortura e assassinato de presos
24
COMO ELES AGIAM
políticos foram cometidos com a conivência dos oficiais-ge-
nerais responsáveis pelas diretrizes e operações de segurança
interna. Foram, aliás, os oficiais-generais moderados que
criaram a idéia de uma grande autonomia dos responsáveis
diretos pela tortura e assassinato, com isso, talvez, procurando
justificar o que, em última instância, deve ser caracterizado
como omissão."
Por ora, cabe esclarecer melhor a gênese deste livro: como
tive acesso aos documentos sigilosos da Divisão de Segurança e
Informações (DSI) do Ministério da Justiça, que se constituem
no principal material histórico aqui trabalhado?
No início de 1993; buscando fontes para minha tese de
doutorado sobre o regime militar, fiquei sabendo que o Minis-
tério da Justiça havia transferido para o Arquivo Nacional o
acervo documental da extinta DSI da pasta. Isso foi feito, pro-
vavelmente, por uma necessidade de espaço físico. Ocorre que,
em 1991, havia sido aprovada uma lei permitindo o acesso
irrestrito aos documentos públicos'", e, baseado nela, solicitei
acesso ao acervo da DSI do Ministério da Justiça. Como os
documentos são sigilosos, o então ministro da Justiça indefe-
riu meu pedido, até que o Arquivo Nacional procedesse ao tra-
tamento técnico dos documentos e à desclassificação do seu
sigilo." O Arquivo Nacional, na época, comprometeu-se em
priorízar tal atividade. Para que se entenda bem a situação,
porém, convém explicar outros detalhes.
Um documento produzido na esfera pública poderá ser si-
giloso sempre que isso for indispensável à segurança da socie-
dade e do Estado. Atualmente, no Brasil, eles se classificam da
seguinte maneira: (a) ultra-secretos (os que requerem excepcio-
nais medidas de segurança); (b) secretos (os que requerem ri-
gorosas medidas de segurança); (c) confidenciais (aqueles cujo
25
I
CARLOS FICO
conhecimento e divulgaçãopossam ser prejudiciais aos interesses
do país); (d) reservados (os que não devam ser, imediatamente,
do conhecimento do público em geral). Somente algumas au-
toridades podem atribuir tais categorias aos documentos: a clas-
sificação de ultra-secreto, por exemplo, pode ser dada apenas
pelos chefes dos poderes Executivo, Legislativo eJudiciário fe-
derais. A partir do momento em que um documento é produ-
zido como sigiloso, seu acesso fica interditado por um certo
tempo - o que se chama "prazo de classificação". Assim, os
documentos ultra-secretos têm prazo de classificação máximo
de trinta anos; os secretos, vinte; os confidenciais, dez, e os re-
servados, cinco anos.
Éisso o que estabelece um decreto de 1997 que regulamen-
tou a já mencionada garantia de acesso irrestrito estabelecida
pela lei de 1991 (decreto regulamentador que não existia quan-
do fiz o primeiro pedido).'? Além disso, diz o decreto que os •.
órgãos responsáveis "poderão autorizar o acesso a documentos
públicos de natureza sigilosa a pessoas devidamente cre-
denciadas, mediante apresentação, por escrito, dos objetivos da
pesquisa"." Ora, em 1997-mesmo ano da promulgação desse
decreto -, fiquei sabendo que o Arquivo Nacional havia cum-
prido sua promessa de 1993: organizara o acervo e elaborara
instrumentos de pesquisa. Portanto, na ocasião, o Ministério
da Justiça já tinha condições de avaliar a possibilidade de auto-
rizar, ou não, uma solicitação de pesquisa do acervo. Por isso,
fiz outro pedido. Entretanto, o decreto resguarda também "a
intimidade, a honra e a imagem das pessoas", tornando inaces-
síveis, por cem anos, os documentos que envolvam essesaspec-
tos. Assim, para que a autorização seja dada, é preciso que o
pesquisador se comprometa a não identificar pessoas. Afinal,
em outubro de 1997, foi-me concedida autorização para con-
26
COMO ELES AGIAM
sultar o acervoda extinta DSI/M]. Tive permissão para pesquisar
todos os documentos não classificados, todos os reservados e
os confidenciais produzidos até 1977.*
Neste livro, portanto, não serão encontradas revelações
chocantes envolvendo o nome de pessoas conhecidas: além do
comprometimento com a lei, parece-me equívoco o entendi-
mento da "história como intriga", modalidade em relativo de-
suso mas que, anos atrás, animou alguns autores.
Note-se que os documentos fazem referência a uma infini-
dade de assuntos, e, por isso, foi necessário selecionar alguns
tópicos mais relevantes. Como pretendo continuar trabalhan-
do com essee outros acervos, assemelhados, decidi fornecer ao
leitor, neste trabalho, um painel geral do tema, enfatizando
questões estruturais e o modusfociendi do sistema de informa-
ções e de segurança. Épossível que, no futuro, aborde questões
pontuais, em trabalhos monográficos. Além da multiplicidade
de assuntos abordados pela documentação, outra característica
do acervo influenciou o perfil deste livro: havia grande troca
de papéis entre os diversos órgãos de segurança e de informa-
ções: as DSI dos diversos ministérios, o CIE (Centro de Infor-
mações do Exército), o CISA (Centro de Informações de
Segurança da Aeronáutica), o CENIMAR (Centro de Informa-
ções da Marinha), o SNI (Serviço Nacional de Informações), a
CGI (Comissão Geral de Investigações), as segundas seções das
unidades militares, as delegacias de ordem política e social
(DOPS) vinculadas às secretarias estaduais de segurança etc.**
"São raros os documentos das comunidades de informações e de segurança não
classificados. A norma era classificá-Ias como "confidencial", no mínimo.
**Veja explicação sobre a "difusão" dos papéis produzidos pelos órgãos de infor-
mações na P: 100.
27 BiBLiOTECA I
.f1l'i'Oi?"lOB I ~llau.uA t
CARLOS F1CO
Portanto, o meu próprio entendimento sobre o que é história
e o caráter do acervo (extremamente plural, multifacetado) é
que definiram os caminhos adotados neste trabalho. Não se trata
de contar uma história linear, nem, como já foi dito, de uma'
exploração escandalosa de eventos lamentáveis envolvendo pes-
soas citadas em documentos sigilosos, mas de um esforço para
revelar algo que permanecia parcialmente oculto até agora: o
funcionamento das comunidades de informações e de segurança
da Ditadura Militar.
O primeiro capítulo aborda o surgimento da linha dura,
ainda no governo Castelo Branco, originalmente um grupo de
pressão política que, com o passar dos anos, gerou uma polícia
política, justamente a comunidade de segurança. Indica, tam-
bém, o surgimento da "comunidade de informações".
Os dois capítulos seguintes abordam os dois grandes siste-
mas que integravam os chamados "porões da ditadura": o "Sis-
tema Nacional de Informações" (SISNI) e o "Sistema de
Segurança Interna no País" (SISSEGIN). Portanto, embora ab-
solutamente correlacionadas, as atividades de informações e as
de segurança - vale dizer, a espionagem e a repressão - eram
normatizadas, coordenadas e executadas em esferas próprias.
Esclarecer tal especialização é um dos meus objetivos princi-
paIs.
O quarro capítulo trata da Comissão Geral de Investiga-
ções (CGI), organismo vinculado ao Ministério da Justiça, cria-
do em 1968, e que tinha por missão o combate à corrupção,
especialmente no que se refere ao enriquecimento ilícito. Por-
tanto, esses três últimos capítulos buscam revelar os mecanis-
mos empregados pelo regime militar para dar conta de sua
pretensão inicial de lutar contra o comunismo e a corrupção
(principais bandeiras do movimento golpista): para os acusa-
28
COMO ELES AGIAM
dos de comunismo, intensa atividade de espionagem e repres-
são; para os suspeitos de corrupção, os rigores da investigação
, .
sumaria.
O penúltimo capítulo elenca alguns exemplos do entendi-
mento das comunidades de informações e de segurança so bre a
censura, os meios de comunicação, os intelectuais, o clero e
problemas internacionais. O último capítulo, à guisa de con-
clusão, trata da reação do Sistema Nacional de Informações e
do Sistema de Segurança Interna no País ao projeto de "distensão
política".
Para não sobrecarregar o texto com notas que interessam
apenas aos pesquisadores, situei, no final de cada capítulo, as
de natureza documental (em geral indicam o lugar em que se
encontra esse ou aquele documento) e bibliográfica. Algumas
notas explicativas complementam o sentido de certas questões
e estão postas no rodapé das páginas respectivas.
Aos leitores que não estejam familiarizados com a sucessão
de episódios que marcaram o período, poderá ser útil consul-
tar a cronologia que inseri ao final.
29
NOTAS DA INTRODUÇÃO
1. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. z- ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1998. p. 12.
2. Idem. p. 153
3. PÉCORA, Alcir. Documentação histórica e literatura. Revista USp,
n. 40, dez./fev; 1998/1999. p. 156.
4. BRANCO, Carlos Castello. Os militares no poder: Castelo Branco.
3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. P: 6.
5. DULLES, John W F. CasteloBranco: o caminho para a presidência.
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979. p. 384.
6. Aros do Comando Supremo da Revolução em abril de 1964: n2 1,
Suspende direitos políticos. 10 abr.; n" 2, Cassa mandatos legislatiuos.
10 abr.; n" 3, Transferênciapara a reservade oficiais das ForçasArma-
das. 11 abr.; n2 4, Suspende direitos políticos. 13 abr.; n2 5, Suspende
direitospolíticos. 13 abr.; n26, Transferênciapara a reservade oficiais
das ForçasArmadas. 13 abr.; n" 7, Transferênciapara a reserva de ofi-
ciais das ForçasArmadas. 13 abro
7. Veja-se, como exemplo, o depoimento do brigadeiro João Paulo
Moreira Burnier publicado em D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES,
Gláucio Ary Dillon, CASTRO, Celso (Int. e Org.). Os anos de chum-
bo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relurne-
Dumará, 1994. pp. 179-228.
8. Depoimento do general Ernesto Geisel publicado em D'ARAUJO,
Maria Celina, CASTRO, Celso (Orgs.). Ernesto Geisel.2. ed. Rio de
Janeiro: FGY, 1997. p. 225.
9. Depoimento do general Adyr Fiúza de Castro publicado em
D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary DilIon, CAS-
TRO, Celso (Int, e Org.). Op. citopp. 68-69.
10. Ver, a propósito, ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição
no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984. P: 59.
30
I
,<-
tí
f
-J
i
COMO ELES AGIAM
11. Ver, por exemplo, KLEIN, Lucia, FIGUElREDO, Marcus F.Legiti-
midade e coação no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Forense-Universi-
tária, 1978. pp. 46-47. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. As ForçasArmadas:
política e ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Vozes, 1976.
p. 105. STEPAN, Alfred. C. Os militares: da Abertura à Nova Repú-
blica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 21.
12. Note-se que análises mais atentas enfatizam a existência de uma rede
"complexa e informal", embora não atribuam total autonomia aos
órgãos de segurança. Ver D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES,
Gláucio Ary Dillon, CAST.RO, Celso (Int, e Org.). Op. citopp. 18-
19.
13. PAULO NETTO, José. Em busca da conrernporaneidade perdida:
a esquerda brasileira pós-64. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.).
Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000): a grande
transação. São Paulo: Senac, 2000. P: 232.
14. Ver, por exemplo, os depoimentos dos generais Gustavo Moraes Rego
Reis e Octávio Costa publicados em D'ARAUJO, Maria Celina,
SOARES, Gláucio Ary Dillon, CASTRO, Celso (Int, e Org.). Op.
citorespectivamente nas páginas 156-157 e 273.
15. Artigo 22 da Lei n" 8.159, de 8 jan. 1991. _
16. Ofício [dirigido ao autor] AN/GAB n2 447-93, de 27 dez. 1993.
17. Decreto n" 2.134, de 24 jan. 1997.
18. Idem. Artigo 9.
31
,
1
ESCALADA INICIAL
Asprincipais posições já estavam conquistadas pelos mili-
tares golpistas no dia 1Q de abril de 1964. João Goulart não
ofereceu resistência, malgrado algumas demandas nesse sen-
tido, provenientes de assessores diretos do presidente vir-
tualmente deposto. Ele voou do Rio de Janeiro, onde estava,
para Brasília e, de lá, decidiu seguir para Porto Alegre. Darcy
Ribeiro, chefe do Gabinete Civil de Goulart, e Waldir Pi-
res, consultor-geral da República, tentando evitar a caracte-
rização de urna fuga, rapidamente redigiram um ofício ao
Congresso Nacional informando sobre o deslocamento do
presidente. Eram já as primeiras horas da madrugada do dia
2 e nem havia datilógrafos disponíveis. O cuidado se expli-
cava, porque o presidente não poderia se ausentar do país
sem autorização prévia do Congresso: tratava-se de registrar
que o deslocamento se dava dentro do território nacional.
33
,
CARLOS FICO
Às 2h40min do dia 2 de abril de 1964, em uma sessão ful-
minante, mesmo informado de que Goulart estava no país,
Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacio-
nal, declarou vago o cargo de presidente da República, sob
os protestos de alguns parlamentares do PTB. Pronto: esta-
va consumado o golpe de 1964.1
Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados,
assumiu a Presidência da, República, simplesmente entrando
no Palácio do Planalto, às escuras, acompanhado de uns pou-
cos assessores. Uma formalidade constrangedora, pois o po-
der não estava ali. Estava, defacto, no Rio de Janeiro, nas mãos
do "Comando Supremo da Revolução", instância criada e
presidida por um dos conspiradores, o general Costa e Silva,
que o integrava juntamente com o vice-almirante Augusto
Hamann Rademaker Grünewald e o brigadeiro Francisco de
Assis Correia de Melo.
Na madrugada do dia 2 para o dia 3, uma decisiva reunião
aconteceu no 7Q
andar do Ministério da Guerra, no Rio." Esta-
vam presentes inúmeros líderes civis comprometidos com o
golpe: os governadores Carlos Lacerda (GB), Magalhães Pinto
(MG), Ildo Meneghetti (RS), Ademar de Barros (SP), Ney
Braga (PR) e Mauro Borges (GO). Também compareceram o
deputado Costa Cavalcanti, o ex-governador Juracy Magalhães
e o marechal Juarez Távora. Buscavam convencer o chefe do
"Comando Supremo", Costa e Silva, do acerto de se indicar o
nome do general Castelo Branco para a presidência da Repú-
blica. Castelo projetara-se como líder da conspiração desde que,
atuando como chefe do Estado-Maior do Exército do ministro
da Guerra de João Goulart, Jair Dantas Ribeiro, criticara o
governo, através de momentosa avaliação que fizera circular
34
COMO ELES AGIAM
entre seus subordinados.* Na tarde do dia 2, os líderes civis
mencionados haviam se encontrado no Palácio Guanabara e
acertado a indicação de Castelo Branco. Agora, na reunião com
Costa e Silva, surgia um problema: o "Tio Velho" (apelido de
Costa e Silva) desejava adiar a decisão, alegando não ser cabível
escolher-se um militar e, muito menos, fazer-se qualquer tipo
de eleição. Estava intransigente e ríspido, tratando asperamen-
te os governadores Lacerda e Magalhães Pinto, que insistiam
na indicação e tentavam de algum modo preservar a importân-
cia de suas posições. O desdém pelos civis era patente, e a obs-
tinação de Costa e Silva levou à suspensão da reunião por volta
das quatro horas da manhã.
Muitas dúvidas no ar: Costa e Silva queria apenas indicar
um outro nome? Ansiava por ser, ele próprio, presidente da
República? Pretendia erigir-se em eminência parda do
manipulável Mazzilli ou estaria pensando em instalar uma di-
tadura indisfarçável? Analistas do período sugerem que ele so-
mente admitiria a eleição depois de efetuada uma rigorosa
"operação limpeza", isto é, depois de eliminados os "inimigos
da Revolução"."
Muito embora, no dia seguinte, Costa e Silva acabasse con-
cordando com a indicação proposta pelos líderes civis, não havia
dúvida: o governo Castelo Branco contaria com um condestável.
O primeiro governo "revolucionário" começaria sob o influxo
da linha dura.
Costa e Silva seria indicado por Castelo Branco para a pas-
*A Circular Reservada do Estado-Maior do Exército, de 20 de março de 1964,
afirmava: "(...) há quem deseje que as Forças Armadas fiquem omissas ou caudatárias
do comando da subversão. Parece que nem uma coisa nem outra. E, sim, garantir
a aplicação da lei, que não permite, por ilegal, movimento de tamanha gravidade
(...):' O documento já foi publicado diversas vezes.
35
CARLOS FICO
ta da Guerra* e, em torno de seu ministério e de sua liderança,
aglutinar-se-iam os militares mais exaltados. As duas teses prin- •••
cipais desse grupo eram o fechamento do Congresso Nacional
e a implantação da mencionada "operação limpeza", através da
cassação de mandatos de parlamentares, da suspensão de direi-
toS políticos e de expurgos no funcionalismo civil e militar.
Falava-se de uma lista de 5.000 punições, e seu anúncio disse-
minava o medo.
No dia 9 de abril, o "Comando Supremo" baixou um 'l.to
Institucional" que, posteriormente à decretação de outros, nos
anos seguintes, passaria a ser conhecido como AI-I. Este primei-
ro ato conferia ao "Comando Supremo da Revolução" o poder
de promover as punições desejadas pelos radicais. Tal poder pas-
saria às mãos do presidente da República, por sessenta dias após
a posse. Porém, demonstrando claramente seu ânimo e sua pre-
eminência, Costa e Silva, através do "Comando", fez expedir, na
antevéspera da posse de Castelo, o "Ato do Comando Supremo
da Revolução nQ
9" e a "Portaria nQ
1". O primeiro estabelecia
que os encarregados de inquéritos e processos (visando às sus-
pensões de direitos políticos, às cassações de mandato etc.) po-
deriam delegar atribuições referentes a diligências ou a
investigações, bem como requisitar inquéritos ou sindicâncias
levados a cabo em outras esferas.' A portaria determinava a aber-
tura de Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar crimes mi-
litares praticados contra o Estado e a ordem política e social.' Com
isso, foram criadas as condições para que vários coronéis, tenen-
tes-coronéis, majores e capitães exaltados persistissem na "caça
às bruxas", mesmo depois da posse de Castelo Branco, pois eles
assumiram a responsabilidade pela condução dos IPM.
"Assim era chamado o atual Ministério do Exército.
36
COMO ELES AGIAM
Esse ethos persecutório não se traduzia num programa de
ação político-administrativo, fundando-se, tão-somente, no
anseio de "eliminar o inimigo", visto como subversivo interes-
sado na implantação de uma "república sindicalista" contrária
aos "valores morais da democracia ocidental". Esse jargão -
de forte conotação ético-moral, tendente a identificar a origem
dos problemas tanto nas pretensões "subversivas" quanto numa
difusa "crise moral" - provinha de consolidada cultura políti-
ca de direita, por isso mesmo anticomunista, inspirada em cer-
ta liderança civil:
Não é segredo que a mentalidade dessa corrente militar radi-
cal forjou-se ao longo da pregação do sr. CarIos Lacerda, so-
bretudo de 1954 a 1964. O sr. Carlos Lacerda, nessa época,
moldou os ideais de uma geração militar, dos que eram te-
nentes e capitães e chegaram em dez anos ao segundo esca-
lão da hierarquia};
Portanto, a situação estava aparentemente definida. Sob
o estímulo e a liderança do ministro da Guerra, os coronéis
exaltados começaram a "agir" (a expressão, muito usada na
época, traduzi~ claramente o voluntarismo já mencionado),
conduzindo os IPM e propondo miríades de punições. O
presidente da República, militar legalista, tentava minimizar
os efeitos 'da atuação da linha dura, sendo moderado nas pu-
nições. Essa foi a impressão que ficou, origem da distinção
entre radicais e moderados ou "duros" e "castelistas". Porém,
no que se refere a Castelo Branco, bem caberia uma revisão
de sua biografia, pois a fama de liberal e moderado discrepa
da sem-cerimônia com que se serviu de atos de força, sempre
37
CARLOS FICO
que necessário* - para além da evidência de ter conspirado
contra seu chefe e as instituições. Ademais, para firmar-se no
governo, que alternativa haveria se não a de tentar enquadrar
os colegas radicais?
Seja como for, Castelo Branco teve grandes problemas com
a linha dura desde os primeiros dias de seu governo. Arbitrarie-
dades eram praticadas pelo país afora, especialmente no inte-
rior e na região Nordeste. Oficiais, mesmo depois de já instalado
o governo, continuavam agindo como se a "Revolução" ainda
estivesse por ser ganha. Os governadores, constrangidos pelas
arbitrariedades, dirigiam suas reclamações a Castelo." O pior,
entretanto, estava por vir. Os processos de cassação, chegados
de todo o país,
assoberbavam o secretário do Conselho de Segurança Nacio-
nal, incumbido de os examinar e organizar, para submetê-los
ao presidente. Este desejava reduzir ao mínimo possível as
punições, cingindo-se apenas aos casos imperiosos: evitava
transformar a Revolução em instrumento de vinganças ou
perseguições (...).8
Sempre que podia, Castelo tentava distinguir-se dos radi-
cais, afirmando que a "Revolução" não poderia entregar-se a
"uma ação desvairada", Para ele, os decretos punitivos consti-
tuíam-se em
atos políticos da Revolução. Não os inspirou uma veleidade
simplista de punir. Ao contrário, observou-se em cada caso
'Veja-se, como exemplos, o recesso do Congresso Nacional, em outubro de 1966,
e, sobretudo, a Lei de Segurança Nacional, que decretou em março de 1967.
38
COMO ELES AGIAM
rigorosa apuração de responsabilidades. É mister relembrar
que todo processo revolucionário pressupõe, no seu contex-
to, medidas de natureza repressiva. Em muito poucos, entre-
tanto, agiu-se com a justeza e moderação do movimento de
março de 1964.9
Seus atos indicavam que ele supunha ser possível governar
dentro dos limites da lei, depois de afastados da vida pública
alguns "elementos que a perturbavam". 10 Diferentemente dos
"coronéis dos IPM" (a expressão era pejorativamente usada pelos
assessores de Castelo), ele não julgava necessário perpetuar os
poderes discricionários do início do movimento. De fato, afir-
"malefí d d"
mava contrapor-se tanto aos m encios e extrema-esquer a
quanto à "direita reacionária".'! Se assim é, como enfatizam os
biógrafos que o julgam favoravelmente.F seu governo foi um
melancólico fracasso, pois a vitória da linha dura foi indubitável,
com a edição do AI-2 e a "eleição" de Costa e Silva.
Essa, em linhas gerais, a origem da linha dura: capitães,
majores, tenentes-coronéis e coronéis que, com um discurso
anticomunista e anticorrupção - emulados e também in-
fluenciando oficiais-generais -, ansiavam por maiores prazos
para completar os expurgos. Em Carlos Lacerda, admiravam a
retórica retumbante e as atitudes audaciosas; em Costa e Silva,
enxergavam não apenas o chefe militar de maior antigüidade,
mas também o líder que logo iniciou o processo de punições.
A escalada de radicalização do regime prosseguiria sem in-
terrupções, Em junho de 1964, terminou o prazo estabelecido
pelo Ato Institucional para as cassações e suspensões de direi-
tos políticos. Dois dias antes dessa data, a 13 de junho, foi cria-
do o Serviço Nacional de Informações (SNI). A proposta causou
desconforto em vários políticos, que temiam a instalação de
39
~r~~~--~~~~~------------------------~-------------
CARLOS FICO
organismo nos moldes do antigo Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), de Getúlio Vargas. Castelo precisou nego-
ciar com as lideranças parlamentares que o apoiavam a aprova-
ção do projeto no Congresso Nacional. 13 Aparentemente, a
criação do SNI inseria-se no contexto de radicalização. Porém
o projeto era de autoria do general Golbery do Couto e Silva,
um moderado da "Sorbonne" (como era conhecida a Escola
Superior de Guerra- ESG), devorado r de livros, embora mau
escritor, com fumaças de político astuto e de grande analista de
geopolítica. Golbery estudava a necessidade de um órgão desse
tipo desde os anos 195014
e, durante a conspiração, montou
uma rede de informações que preparou dossiês sobre mais de
400.000 pessoas." Para a montagem do SNI, Golbery contou
com sugestões de consultores norte-americanos. 16 Já existia um
Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFIC!),
criado no final do governo Kubitschek, ligado à secretaria do
Conselho de Segurança Nacional, mas o novo governo sentia-
se "desamparado de um sistema de coleta de informações segu-
ras'"? e, sobretudo, queria implantar um serviço que estivesse
em conformidade com a "doutrina de segurança nacional". Vale
fazer uma digressão sobre este último aspecto.
Cientistas políticos, sociólogos e historiadores tradicional-
mente têm atribuído grande importância ao caráter sistêmico
e sistematizador do conjunto de idéias conhecido por "ideolo-
già' ou "doutrina de segurança nacional e desenvolvimento" .18
Tal enfoque tem sido especialmente útil quando nos auxilia a
perceber o cunho orgânico que possuíam certas instâncias
partícipes da conspiração que levou ao golpe de 1964, nota-
damente a Escola Superior de Guerra, o Instituto Brasileiro de
Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisas e Estu-
dos Sociais (IPES) - organizações que congregavam, basica-
40
I,;;:
..-
.~.
COMO ELES AGIAM
mente, empresários e militares de elite. Essa visão, entretanto,
deve ser matizada não só em função da grande diversidade, já
aludida, entre os militares, mas, sobretudo, pela importância
relativamente pequena que planos de ação e doutrinas sistemá-
ticos tiveram posteriormente, quando da implantação de polí-
ticas efetivas dos governos militares.
A doutrina ou ideologia de segurança nacional e desenvol-
vimento teve de se adaptar, ao longo do tempo, aos ditames
dos mandantes do momento. Aliás, observou-se uma gradual
decadência da ESG, no pós-1964. Em se tratando de fenôme-
no tão recente, é natural que existam dificuldades analíticas e
lacunas de informação. Somente alguns oficiais estavam
adstritos, em uníssono, aos cânones da "doutrina", Como já foi
dito, o amálgama ordinariamente reduzido à expressão "os
militares" compunha-se de uma variada gama de cores políti-
cas que se estendia desde aqueles que eram comprometidos com
as formalidades da legislação democrática (especialmente os mi-
litares oriundos da ESG) até despóticos que as desprezavam vis-
à-vis suas utopias autoritárias (extremistas de direita que tinham
posições anticornunistas): ou desde os que se batiam por um
nacionalismo ufanista baseado nas "grandezas brasileiras" e os
que admitiam as insuficiências do país tendo em vista um pro-
jeto global de desenvolvimento.
Produzida, basicamente, no âmbito da ESG, a "doutrina"
supunha que o Brasil integrava-se ao contexto internacional da
Guerra Fria considerando (a) sua grande população e extensão
territorial; (b) seu posicionamento geopolítico, que lhe confe-
ria importância estratégica no âmbito das relações políticas in-
ternacionais e (c) sua vulnerabilidade ao comunismo, à luz de
supostas fragilidades internas (população "despreparada" e po-
líticos "corruptíveis"). Desse diagnóstico, decorria que (a) o
41
CARLOS FICO
Brasil tinha condições de se tornar uma das grandes potências
mundiais e (b) era necessário precaver-se contra a "ameaça co-
munista". Em conseqüência, a ESG elaborou caminhos brasi-
leiros possíveis para (a) hipóteses de guerra entre os países
capitalistas e comunistas; (b) mecanismos internos de combate
ao comunismo e (c) um desenvolvimento econômico que re-
forçasse o destino brasileiro de "grande potência", isto é, de país
superiormente desenvolvido do ponto de vista industrial e, tam-
bém, estratégico quanto à interlocução política internacional.
Essa elaboração intelectual encontrou em Golbery do Couto e
Silvaseu principal proponente, especialmente quanto ao aspecto
geopolítico (a variável econômica, orientada por técnicos alta-
mente especializados, tendeu ao favorecimento do capital es-
trangeiro, mesmo com resistências internas, tal como previra,
aliás, a ESG). No efetivo cotidiano dos sucessivos governos
militares, porém, esse conjunto lógico e sistemático de idéias
mesclou-se de diversas maneiras ou, dito de outro modo, hou-
ve momentos e/ou grupos em que certos aspectos da "doutri-
na" sobrepuseram-se a outros.
Não surpreende, portanto, que Golbery tenha se tornado
o primeiro chefe do SNI. Falarei desse organismo oportuna-
mente. Por ora, cabe registrar o seguinte: o SNI foi criado em
1964, momento em que a linha dura ainda agia de maneira
assistemática, ou, para dizê-lo cabalmente, faseem que inexistia
o sistema de segurança que se implantaria formalmente cerca
de cinco anos depois. Por certo, houve tentativas de ampliar as
atribuições do SNI, tornando-o um órgão de "mão dupla", isto
é, dando-lhe tarefasde propaganda política, idéia rechaçada por
Castelo Branco, que não queria comparações com o velho Dlp'19
Golbery era um esguiano, moderado; identificar-se-ia como
castelista nos anos seguintes. Nada tinha a ver com a índole dos
42
COMO ELES AGIAM
radicais. Ao contrário, no futuro seria considerado inimigo da
linha dura. Portanto, embora seja compreensível a leitura so-
bre o SNI que tende a identificã-lo como órgão repressivo
(mesmo porque pouco se sabia, até recentemente, sobre os "po-
rões da ditadura"), ele era, na verdade, precipuamente um ór-
gão de informações. Essa é uma distinção básica para um
entendimento histórico mais refinado, como já foi notado por
di d I d 20
importantes estu lOS0S o peno o.
Enquanto o sistema de informações já se consolidava for-
malmente, a montagem de um setor especificamente repressi-
vo, vale dizer, uma polícia política, era obstada por Castelo
Branco. O ministro da Guerra, Costa e Silva, propôs a criação
de um órgão nesses moldes, mas não obteve a concordância do
presidente." Aproximava-se o dia 15 de junho, data final para
aplicação das medidas punitivas. * O general Estevão Taurino
de Resende Neto - que fora nomeado pela Portaria nQ
1 do
"Comando Supremo da Revolução" como encarregado pelos
IPM - pediu ao presidente da República que prorrogasse o
prazo para cassações de mandatos e suspensões de direitos po-
líticos, mas Castelo Branco não o atendeu, enchendo de revol-
ta os "coronéis dos IPM".22 Daí para a frente, Castelo passou a
fazerrigorosa triagem dos processos de punição - seja por efe-
tiva formação liberal, seja para demarcar sua esfera-de poder
em contraste com a atuação dos radicais. Ao invés do anuncia-
do "listão" de punidos, as cassações e suspensões de mandatos
iam surgindo a pouco e pouco - para maior irritação dos ra-
dicais. Logo apareceriam rumores de implantação de um.Esta-
"Note-se que o Ato Insrirucional, como um todo, vigeria até 31 de janeiro de
1966, mas a suspensão de direitos políticos e a cassação de mandatos somente
poderiam ser praticadas até 15 de junho de 1964.
43
CARLOS FICO
do de Sítio, depois do dia 15, para perpetuar o ânimo puniti-
vo, mas isso também não se verificou." Do mesmo modo, ge-
nerais de projeção davam entrevistas perturbadoras, pondo em
xeque a autoridade do presidente da República. Taurino de
Resende, por exemplo, declarou que a recusa de Castelo Bran-
co de prorrogar o prazo de cassações era simples opinião pes-
soal, pois o Conselho de Segurança Nacional não fora ouvido
sobre a questão.é
Vivia-se um confronto aberto. Reagindo à movimentação
dos radicais, Castelo Branco fez um discurso, na Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais, no começo de julho de 1964.Ele
advertia a linha dura:
Quanto ao expurgo, ele segue inexoravelmente prazos e con-
dições que são exigidos para que tudo se processe em am-
biente de seriedade. O expurgo não pode entregar-se a uma
ação desvairada e deve dar à nação a impressão de que ajus-
tíça se faz obedecendo à lei e a todos os processos que esta
impõe."
Embora Castelo tenha conseguido manter a data-limite, as
tensões continuavam, porque os IPM se arrastavam. Também
prosseguiam as tensões pelo interior do país, com conflitos
ptotagonizados. por militares exaltados, que insistiam em pa-
trocinar prisões arbitrárias, inquirições despropositadas e ou-
tras violências. No âmbito da cúpula militar, já se falava da tese
da "autonomia" excessivadessessetoresradicais, que pretendiam
atuar independentemente da vontade do presidente da Repú-
blica, e a figura do ministro da Guerra era identificada como o .
elo de ligação com tais grupos autonomistas." Sabia-se, cla-
ramente, desses desmandos e, mesmo, de casos flagrantes de
44
COMO ELES AGIAM
tortura, francamente denunciados por jornais como o Correio
da Manhã e o VItima Hora. Castelo não se animava a mandar
apurar as acusações, talvez na esperança de que o ímpeto dos
radicais amainasse.
Em setembro, porém, veio à tona a notícia da morte do
sargento Manoel Alves de Oliveira, que se deu em maio, nas
dependências de um hospital militar no Rio de Janeiro. Teria
sido vítima de torturas, praticadas na unidade militar onde
atuava e fora preso. Os oficiais moderados, até então desinte-
ressados das acusações, agora abalaram-se, preocupados com a
possibilidade de serem atingidos e com a quebra da hierarquia
militar," Castelo não pôde ficar indiferente e acabou por no-
mear seu chefe da Casa Militar, o general Ernesto Geisel, para
a espinhosa missão de investigar as denúncias, inclusive no
Nordeste. Obviamente, Geisel voltou daviagem tergiversando
e apresentou um relatório no qual apontava ter havido tortura
nos primeiros dias da "Revolução", mas nada afirmando quan-
to ao momento da missão (empreendida meses depois dos epi-
sódios denunciados) .28
Castelo Branco nada fezde maisvisível,29
talvez supondo que a existência da missão, por si só, fossesufi-
ciente para desestimular novos episódios de tortura.
O problema é que outras instâncias do governo davam si-
nal em sentido oposto, não propriamente em favor da tortura,
obviamente, mas favorecendo iniciativas francamente obscu-
rantistas, como a presença de coronéis investigadores em uni-
versidades. O ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda
- que em 6 de novembro assinaria a "Lei Suplicy", proibindo
atividades políticas estudantis -, estimulava essas ações poli-
ciais."
Outras atitudes de Castelo Branco também irritaram os
militares radicais. No início de seu governo, ele afirmou estar
45
CARLOS FICO
providenciando a divulgação de um "livro branco" que com-
.provaria a existência de subversão e corrupção, capaz, portan,
to, de justificar as ações rigorosas do regime. Com o tempo,
porém, a idéia foi abandonada, provavelmente em função do
constrangimento que adviria da admissão de envolvimemo de
militares nos episódios que o "livro branco" deveria documen-
tar. Para os radicais, entretanto, a desistência deve ter soado
como falta de coragem."
Assim, em novembro de 1964, já se falava abertamente da
necessidade de um segundo ato institucional, para a retomada
e ampliação do processo punitivo, paralelamente a outros epi-
sódios que mais estimulariam a linha dura.
Em abril de 1965, o Supremo Tribunal Federal concedeu
habeas corpus a Miguel Arraes, que se recusou a depor como
índiciadc no IPM que o convocou." A concessão deste e de
outros habeas corpus era interpretada, pela linha dura, como
contestação à "Revolução", tornando-se notório o desconten-
tamento dos coronéis que conduziam os IPM, que, assim, al-
çavam-se à condição de virtuais opositores do governo Castelo
Branco:
Essa oposição ao governo, pois a tanto equivalem as restri-
ções, abrange o inconformismo com a condução geral dos
negócios públicos do país e é feita em nome da Revolução
que se estaria frustrando por culpa dos compromissos
legalistas do presidente. Suagravidade estaria em que ela atin-
ge e mobiliza um grupo de militares, cuja impaciência pode-
ria provocar graves acontecimentos desde que, entre eles e o
poder civil, encarnado pelo presidente Castelo Branco, já não
há um escalão de apelo, tradicionalmente constituído pela
ação unida e uniforme das Forças Armadas. 33
46
COMO ELES AGIAM
,
No mês de maio, ainda persistiam nove IPM sendo condu-
zidos por coronéis. A irritação do grupo provinha das limita-
ções que a Justiça impunha às suas iniciativas, fornecendo habeas
corpus que obstavam as investigações. Tal estado de ânimo es-
praiava-se como cultura política radical pelos escalões inferio-
res, articulando-se a questões políticas do momento. Um dos
problemas políticos que mais mobilizava o descontentamento
da linha dura era o risco de, nas eleições para governadores
marcadas para outubro, vir a ser eleito um político "inimigo"
ou, pior ainda, alguém investigado pelos IPM. Portanto, os
radicais projetavam-se como atuantes para além da perspectiva
da conclusão dos IPM, que se previa para alguns meses antes
das eleições. Tratava-se, já, de um grupo de pressão plenamen-
te constituído.ê"
Corria no Congresso, por iniciativa do então deputado
Nélson Carneiro (UDN/BA), um projeto de emenda à Cons-
tituição que possibilitava a abertura de processos de revisão das
suspensões de direitos políticos. Fadado ao fracasso, o projeto
pouco preocupava a base parlamentar do regime, mas, parale-
lamente, dava mais munição aos radicais. Estes, espalhados por
todo o país, elaboravam suas listas de "inelegíveis", isto é, no-
mes de políticos que não poderiam candidarar-se às eleições para
governadores de onze estados, em outubro, em função de
pretensos comprometimentos com a "subversão" ou a cor-
rupção.*
Em julho, o governo aprovou as novas normas de
inelegibilidade e de incompatibilidade, que atenderam parcial-
mente às preocupações da linha dura. Como tal legislação pa-
recia pôr cobro aos reclamos dos radicais, enquadrando-os de
-o, demais governadores eram eleitos segundo outro calendário.
47
,
CARLOS FICO
algum modo, logo o comandante do I Exército veio a público
"esclarecer" que os IPM continuavam privilegiados.ê? Para os
setores moderados do governo, porém, a esperança era de que
tais inquéritos estivessem encerrados dois ou três meses antes
da eleição,36 recomendação expressa do presidente. Os traba-
lhos eram conduzidos pela Comissão Geral de Investigação,
criada ainda pelo "Comando Supremo da Revolução", mas
então presidida pelo almirante Paulo Bosísio, mais afinado com
Castelo Branco do que o general Taurino de Resende, nomea-
do por Costa e Silva. Bosísio teve de dar conta de 1.110 pro-
cesses." Mas o afastamento de Taurino acirrou o ânimo dos
condutores dos IPM que, em represália, adotaram postura ain-
da mais radical:
Nada os embaraçava. Não davam satisfações a ninguém.
Erigiam-se em autoridade, acima das leis. Prendiam a torto e
a direito, por prazo indeterminado. Se a autoridade judiciária
concedia habeas cotpus, desrespeitavam-no. Era hábito (...) se-
qüestrar aqueles que desejavam ouvir (...). Valiam-se, tam-
bém, do recurso de passar a vítima da alçada de uma para a
de outros (...). O interrogante sentia-se investido de autorida-
de ilimitada e dotada do sentimento de quem está realmente
salvando a civilização, a pátria e a família."
A aprovação das leis de inelegibilidade e incompatibilidade
foi muito desgastante para o governo, que não queria legislar
tendo em vista a estigmatização específica desse ou daquele
nome vetado pelos radicais. Mas foi precisamente isso o que
aconteceu, em função de uma crise iniciada pelos "coronéis dos
IPM" e que obrigou o governo a recuar.
No dia 21 de junho, insatisfeitos com a instrução presiden-
48
COMO ELES AGIAM
dai que demandava a conclusão dos inquéritos, três coronéis
pediram demissão das chefias dos IPM. Eis o relato dos episó-
dios, feito pelo chefe da Casa Civil de Castelo Branco, Luís
Viana Filho:
Um oficial da Aeronáutica, Júlio Valente, homiziara-se no Rio
após manifestações contrárias ao governo de S. Paulo, e aca-
bara preso. Antes o coronel Martinelli fora punido por decla- .
rações políticas; a Líder," que reunia também militares ligados
a Lacerda, tivera a sua extinção decretada; e também o cel,
Pina deixara com alarde o IPMdo ISEB.Em São Paulo, um dos
inquéritos mais rumorosos foi o da Caixa Econômica Federal,
presidido pelo coronel Paulo Emílio Souto, que a certa altura,
espicaçado pelos boatos, dando-o como pressionado para
encobrir políticos, reuniu a imprensa e declarou apenas con-
siderar indiciados o ex-presidente da Caixa Econômica e o
presidente da Codema Comercial Importadora. E acrescen-
tou "não mais suportar as insinuações de que a comissão se
estaria curvando a pressões políticas". Era a conseqüência
das malévolas interpretações que envolviam os inquéritos.
Tornara-se evidente a conveniência de concluí-l os com bre-
vidade."
Dois dias depois da declaração à imprensa do coronel Pau-
lo Emílio Somo, o governo distribuiu uma nota à imprensa em
que reafirmava achar-se "encerrada a fase de aplicação, pelo Exe-
cutivo, das sanções previstas nos artigos 7 e lado Ato
Institucional", informando que os processos remanescentes
. . d 'J . 40
seriam envia os a usnça,
"Liga Democrática Radical, espécie de associação política dos oficiais exaltados.
49
II
CARLOS FICO
Aproximava-se a data das eleições, e, embora a campanha
transcorresse sem maiores incidentes, o clima não era de tran-
qüilidade. Assim,
(...)para acalmar os exaltados, especialmente os da linha dura,
pareceu bem que o presidente falasse à nação nas vésperas do
pleito, e isso foi acordado numa reunião, no Laranjeiras, dos
ministros militares e do general Geisel com o presidente."
Expressão bastante significativa desse clima foi o pedido de
exoneração do ministro da Justiça, Mílton Campos, discreto
liberallegalista. Desde o início do governo, ele relatava a ami- "
gos íntimos algo que o impressionava: a profusão de projetos
de leis e atos arbitrários que chegavam ao Ministério da Justi-
ça, propondo toda a sorte de restrições à democracia. Ele cha-
mava os juristas produtores desses projetos de decretos fulminantes
de "os laboratórios". Mílton Campos certamente soube que
estava sendo preparado um segundo ato institucional, para
depois das eleições, e por isso pediu demissão ainda rio dia 12
de outubro."
De fato, o resultado da eleição, que apontou a derrota do
governo na Guanabara e em Minas Gerais, deixou o grupo ra-
dical bastante exaltado, sobretudo na Guanabara, pois o fra-
casso do governador Carlos Lacerda, não elegendo seu sucessor,
tornava o líder civil da linha dura vulnerável em suas preten-
sões presidenciais. No dia 5 de outubro, os boatos deixaram o
palácio presidencial de Laranjeiras agitado: chegavam notícias
de movimentação em alguns quartéis, mas os problemas na Vila
Militar eram os mais importantes. Costa e Silva colocou as tro-
pas de prontidão e solidarizou-se com Castelo Branco, atitude
que também tomou o general Amauri K.ruel, comandante do
50
"
COMO ELES AGIAM
II Exército (SP). Portanto, havia um perigo real a ser conside-
rado por essas autoridades. Costa e Silva teve de se dirigir para
a Vila Militar, onde procurou serenar, os ânimos, comprome-
tendo-se a obter do presidente as medidas que fossem necessá-
rias para manter sob controle os governadores oposicionistas
recém-eleitos e para retomar a "operação limpeza".
O insucesso nas eleições era a culminância de uma sucessão
de problemas. A própria manutenção das eleições diretas, se-
gundo alguns analistas, não deixou de ser um equívoco de Cas-
telo (pela ótica do regime militar), que se decidiu por elas
quando Carlos Lacerda, em uma carta, informou o presidente
de que estaria de acordo com a prorrogação dos mandatos dos
governadores, mas, preferencialmente, posicionava-se pelas elei-
ções diretas, o que seria "o melhor, o certo, o corajoso, o de-
mocrático", termos tidos como farisaicos por Castelo." Seu
ministro da Guerra, Costa e Silva, também lhe sugerira a indi-
cação de inrerventores." Castelo, para contrastar com os dois
chefes da linha dura, teria tentado afirmar-se um democrata
respeitador das leis, quando, liderando um regime de exceção
que acabara de se implantar, não teria dificuldades para optar
por quaisquer das saídas sugeridas. Agora, os fracassos nas elei-
ções da Guanabara e de Minas Gerais traziam-lhe problemas,
embora significassem, também, o enfraquecimento de Carlos
Lacerda e de Magalhães Pinto, notórios candidatos a presiden-
te da República, que, por isso mesmo, tendiam a retirar das mãos
de Castelo a condução exclusiva do processo sucessório.
Castelo Branco consultou informalmente lideranças do
Congresso Nacional com a esperança de obter, sem recurso a
atos discricionários, as medidas reclamadas pelos duros. No dia
12 de outubro, cogitava-se de suprimir o foro especial dos
governantes depois que eles deixassem os cargos, de ampliar os
I
I
I
I
51 1
J
I CARLOS FICO
casos de intervenção federal e de criar um "Estatuto dos Cassa-
dos".? Estas e outras medidas, porém, não obteriam assenti-
mento do Congresso Nacional. Tampouco agradava à linha dura
a idéia de se submeter ao parlamento e às suas discussões, por
vezes intermináveis. O novo ato institucional viria.
Auxiliando a construção de uma mitologia em torno de sua
própria figura, Castelo, na manhã do dia 27, ao convocar o novo
ministro da Justiça, Juracy Magalhães, ao Palácio do Planalto,
informou-o de que se decidira por assinar o ato após uma noi-
te em "vigília cívica" e que havia tomado a decisão condiciona-
da àsua própria inelegibilidade." De fato, o artigo 26 doAI-2,
que estabelecia a eleição indireta do presidente da República,
veio com um parágrafo único impedindo a reeleição de Caste-
lo. Tanto pior para o presidente, pois Costa e Silva sentiu-se
liberado para postular sua candidatura, que oficializaria menos
de três meses depois, à revelia do presidente. honze horas do
dia 27 de outubro, com o Palácio do Planalto repleto de auto-
ridades, iniciava-se a leitura do Ato lnstitucional n2 2, que
Castelo introduziu com um breve discurso, no qual afirmava
que "a Revolução brasileira C..) está sujeita a contingências, até
mesmo a circunstâncias várias" Y O vanilóquio não conseguia
esconder a evidência: se o Congresso Nacional tivesse rejeitado
as medidas que, agora, oAI-2 impunha e ampliava, Castelo teria
. sido deposto e o Congresso fechado. Vitória da linha dura.
As principais medidas estabelecidas pelo AI-2 eram as se-
guintes: possibilidade de suspensão de direitos políticos e de
cassação de mandatos parlamentares; imposição da eleição in-
direta de presidente da República; permissão para o presidente
da República decretar o recesso do Congresso Nacional e de-
mais casas legislativas; extinção dos partidos políticos; delega-
ção, ao presidente da República, do poder de legislar por
52
, "1'
, '1,
COMO ELES AGIAM
decretos-leis; estabelecimento de foro especial para civis acusa-
dos de crimes contra a segurança nacional ou as instituições mili-
tares; suspensão das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade
e estabilidade; ampliação de onze para dezesseis do número de
ministros do Supremo Tribunal Federal. O último artigo do
ato estabelecia seu prazo de vigência: até 15 de março de 1967,
data da posse do sucessor de Castelo Branco.
Apesar de ser uma concessão aos radicais, o AI- 2 não os
acalmou. Colaborou para isso a leva de punições que recaíram
precisamente sobre o grupo, espécie de dissimulação da fragili-
dade do presidente:
Breve observação revelava que os mais inquietos da "linha
dura" haviam sido punidos ou dispersas por Costa e silva.
Osnelli Martinelli partira para o Colégio Militar de Salvador;
Gérson Pina fora reformado; RuiCastro tivera uma prisão dís-
cíplínar: Hélio Lemos vira-se transferido para Bagé; e Prancis-
co Boaventura (...) deveria seguir para Mato Grosso, após
cumprir uma pena. (...) a Líder, que congregava tantos exalta-
dos, fora fechada pacificamente. De São Paulo, pelo general
Agostinho Cortes, sabia-se que o general Kruel não gostara
do ato, que, afinal, voltava-se contra os que o haviam ocasio-
nado."
Esses militares exaltados não abandonavam facilmente suas
teses, repisando-as sistematicamente, numa técnica que viria a
se constituir, futuramente, num dos modusfaciendi do grupo.
Continuavam, por ora, reclamando da posse dos governadores
oposicionistas. O coronel Ferdinando Carvalho, responsável
pelo IPM nQ
709 (contra o PCB), usou todos os expedientes
possíveis para evitar a posse do novo governador da Guanabara,
53
I
CARLOS FICO
Negrão de Lima. Afirmando que Negrão contava com o apoio
dos comunistas, o coronel encaminhou um pedido de prisão
preventiva do governador eleito ao Superior Tribunal Militar.
a Tribunal negou a solicitação, já depois da posse, mas, neste
ínterim, boatos diversos tumultuaram a cena política."
Mais grave ainda, a linha dura disseminava a idéia da exis-
tência de uma "força autônoma", algo como o braço autêntico
da "Revolução". Reagindo, Castelo fezdiscurso veemente, quan-
do visitou o interior da Bahia, menos de um mês após o AI-2.
Afirmou não reconhecer a legitimidade de nenhuma "força
autônoma", mas que, se ela existisse, que se apresentasse aber-
tamente para a luta. Não surpreendia que o presidente tentasse ..
enquadrar os radicais; chocante foi a resposta publicada por
Francisco Boaventura, sob a forma de carta aberta, no Jornal
do Brasil, atacando a atitude governista de garantir a posse dos
eleitos.50 Essas notícias sobre a "força autônoma" já incomoda-
vam o presidente havia tempos. Em junho, ele soubera que
oficiais ligados aos encarregados dos IPM planejavam destruir
o teatro onde estava sendo encenada a peça Liberdade. Escre-
vendo para o ministro da Guerra, afirmou:
,
i
(...) as ameaças de que oficiaisvão acabar como espetáculo
são de aterrorizar a liberdade de opinião. Ainda mais. Há
oficiais que mandam apreender livros. Isso só serve para
baixar o nível intelectual da Revolução,pois, além de nada
adiantar, constitui um ato governamental só usado em paí-
ses comunistas ou nazistas. Eu lhe pediria, então, que exa-
minasse e diligenciasse a respeito do que acabo de lhe
assinalar. A "força autônoma" precisa ser, com a necessária
oportunidade, devidamente esclarecida, contida, e, se for o
caso, reprímída."
54
COMO ELES AGIAM
Bem se vê, portanto, que se ia constituindo não apenas um
grupo de oficiais igualados na adesão aos procedimentos radi-
cais no âmbito da grande política, isto é, desejosos de cassar
mandatos, suspender direitos políticos e demitir funcionários
públicos. Formava-se,· além disso, um grupo de homens dis-
postos a agir por conta própria, sem maiores considerações pelas
normas legais, tendentes a fazervaler suas idéias pela força. Era
o embrião da comunidade de segurança, do caráter e modo de
agir dos futuros membros dos órgãos de segurança. a chefe
desse grupo, para quem Castelo dirigiu a correspondência
mencionada, não os esclareceu, conteve ou reprimiu.
Porém não foram apenas os "coronéis dos IPM", acober-
tados por Costa e Silva e outros oficiais-generais, que colabo-
raram para a chocante escalada radical da linha dura. apróprio
Castelo Branco tomou iniciativas que muito auxiliaram a pro-
eminência do grupo. A mais importante colaboração própria
de Castelo Branco à consolidação da linha dura foi a nova
Constituição que elefezaprovar em prazo recorde, em boa parte
para limitar a liberdade de ação do general Costa e Silva52 -
que, como se previa, foi "eleito" sem dificuldades para suceder
Castelo Branco.
A Constituição de 1967, aprovada menos de dois meses
antes da posse de Costa e Silva, incorporou boa parte das me-
didas arbitrárias estabelecidas pelos atos institucionais. A que
importa para o entendimento da.criação de um setor especifi-
camente voltado para a repressão política foi o postulado de
que "toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segu-
rança nacional, nos limites definidos em lei".53 Com igual im-
pacto, o foro militar ficou definitivamente estendido aos civis,
nos casos de crimes contra a segurança nacional. Logo, urgia
aprovar uma Lei de Segurança Nacional, tipificando os crimes
55
r
,
j
I
CARLOS FICO
previstos na Constituição. O novo ministro da Justiça de Cas-
telo Branco, Carlos Medeiros, com a ajuda do chefe do Gabi-
nete Militar, Ernesto Geisel, redigiu tal lei. O próprio Castelo
colaborou com a definição de "segurança interna", "guerra psi-
cológicà' e "guerra revolucionárià' ,54dando forma final ao tex-
to que foi expedido através de decreto-lei, em 13 de março de
1967 (antevéspera da posse de Costa e Silva).55 Portanto, cou-
be a Castelo Branco tornar legal a noção de "guerra interna" e
permitir que brasileiros civis fossem indiscriminadamente acu-
sados de "subversivos" - base jurídica e conceitual indispen-
sável para que a linha dura passasse da simples condição de grupo
de pressão para a perigosa posição de "sistema de segurançà',
com permissão para investigar, prender e interrogar, erigindo-
se em polícia política.
Assim, ao assumir a presidência da República, Costa e Sil-
va, sem o Ato Institucional nl!2, contava "apenas" com a Lei de
Segurança Nacional para "defender a Revolução". O general
queixava-se de não ter fechado o Congresso Nacional em
1964,56 quando poderia ter sido feita uma aprofundada "ope-
ração limpeza", Agora, no início de seu governo, às voltas com
inúmeras manifestações de descontentamento, lamentava não
ter sido ainda mais rigoroso quando chefiava o "Comando
Supremo da Revolução".
Situemos mais uma vez nosso objetivo, 'para melhor sus-
tentar a seleção de episódios que norteiam esta narrativa. Tra-
ta-se de compreender o surgimento dos sistemas de informações
e de segurança. Certamente, não será surpresa para o leitor afir-
mar que a constituição desses sistemas amparou-se na opção
definitiva, pelo governo de Costa e Silva, em favor da ditadura
tout court, representada pelo tristemente famoso "Ato
Institucional nQ
5", ou ''AI-5'', de 13 de dezembro de 1968. Ora,
56
COMO ELES AGIAM
a quase totalidade dos militares e civis que apoiaram a ditadura
afirma, ainda hoje, que o AI-5 foi uma resposta à escalada do
"terrorismo", isto é, uma reação inevitável, por parte do regi-
me, àqueles que pretendiam derrubá-lo através do "terrorismo
de esquerda" (atos como seqüestros, assaltos, atentados etc.),
da guerrilha urbana e da guerrilha rural (entendidas como "luta
armada" contra o regime militar). Portanto, uma das questões
historiográficas mais momentosas da recente história do Brasil
é a resposta à seguinte pergunta: o AI-5 decorreu da opção ex-
tremada pelas armas, feita por boa parte da esquerda comunis-
ta revolucionária, ou, ao contrário, induziu tal escolha (já que,
com o AI-5, a oposição legal tornou-se indefensa)?
No proscênio das manifestações antigovernamentais que
mais incomodavam o regime - e, por decorrência, a linha dura
-, estavam os comunistas, os estudantes, a Igreja católica, as
diatribes políticas de Carlos Lacerda e os operários.
Os operários tiveram seus sindicatos completamente desor-
ganizados após o golpe de 1964, e, embora tenharri feito uma
greve expressiva e relativamente vitoriosa em abril de 1968 (ini-
ciada pelos trabalhadores da siderúrgica Belgo Mineira, na ci-
dade mineira de Contagem), não conseguiram reproduzir o feito
em tentativa seguinte, na cidade paulista de Osasco (junho do
mesmo ano), e tampouco alcançaram deflagrar a greve geral
programada para outubro.
Carlos Lacerda, agastado com os bloqueios às suas preten-
sões políticas, propôs uma aliança aJoão Goulart e a Juscelino
Kubitschek, batizada de "Frente Ampla". Em março de 1967,
a "Frente" lançou seu manifesto, propondo eleições diretas,
constituição democrática e anistia geral. O episódio mais
impactante, entretanto, foi o chamado "Acordo de Montevi-
déu ", acertado entre Carlos Lacerda e João Goulart, em setem-
57
-=l~
BIBLlOTECli
l1mP. IOal / MA.tliAIIA
l
CARLOS FICO
bro, e que defendia a volta da democracia no país A aliança,
embora inócua, gerou grande bulha entre políticos e imprensa
especializada, mas sobretudo selou o destino de Carlos Lacerda
diante da linha dura. Afinal, era incompreensível para os mili-
tares radicais que Lacerda patrocinasse uma "volta ao passado",
associando-se ao presidente que o golpe de 64 derrubara e ao
ex-presidente que, com grande repercussão negativa, Castelo
Branco cassara em 1964. A "Frente Ampla" seria fechada em
abril de 1968, e Carlos Lacerda cassado em dezembro.
Também a Igreja católica apresentava claros sinais de des-
contentamento, discrepando da boa vontade e apoio dos mo-
mentos iniciais do regime. Em novembro de 1967, a prisão de
integrantes daJuventude Operária Católica e de um padre fran-
cês levou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a lançar
um manifesto de protesto. Conflitos como esse se ampliariam
daí para a frente.
Porém, embora compusessem um quadro geral de insatis-
fação com o regime militar, o movimento operário declinante,
o derradeiro ato político de Lacerda e os primeiros sinais opo-
sicionistas da Igreja não se constituíam no principal foco de
preocupações do governo. Elas eram causadas pelos estudantes
e pelos comunistas.
O movimento estudantil, posto na ilegalidade desde o
governo Castelo Branco, continuava sendo alvo de inúme-
ras medidas arbitrárias e violentas, como as invasões de uni-
versidades, que mais de uma vez resultaram em prisões e
ferimentos graves. * As lideranças estudantis, mesmo per-
"Em junho de 1968, aproximadamente 15 pessoas foram feridas e 300 termina-
ram presas durante invasão da UFR] pela polícia. Em a'gosto, um estudante foi
atingido na cabeça por um tiro, em episódio assemelhado na UnB.
58
COMO ELES AGIAM
seguidas, ameaçadas e muitas vezes presas, conseguiam ca-
nalizar as insatisfações específicas do setor (falta de vagas,
arcaísmo do ensino) no sentido de uma politização fran-
camente de esquerda. Em 1968, os protestos estudantis ti-
veram grande projeção, em função da alta incidência,
dramaticidade e grande número de participantes. Em mar-
ço, a morte de um secundarista, abatido por policiais, em
pleno centro do Rio de Janeiro, repercutiu grandemente,
inclusive no seio da classe média, que aderiu às manifesta-
ções de protesto. Novas violências e inúmeras prisões fize-
ram com que os protestos se alastrassem pelo país. Nos meses
seguintes, grandes passeatas desafiaram, nas ruas do Rio de
Janeiro, Recife e outras capitais, o poderio dos militares. Em
outubro, outro estudante seria morto, na Faculdade de Fi-
losofia da USP, atacada pelo "Comando de Caça aos Cornu-
nistas"* e estudantes direitistas,
Os comunistas, surpreendidos pelo golpe de 1964 e colo-
cados na clandestinidade, começavam a se rearticular, buscan-
do alguma forma de atuação. Fragmentados em diversas
tendências e siglas, enfrentavam, a um só tempo, a necessidade
de refletir sobre as causas da derrota de 1964 (fragorosa, por-
que, no período 1960-1964, assistira-seao "ponto mais alto das
lutas dos trabalhadores brasileiros neste século?") e sobre o
debate quanto à opção pela luta armada, que animava diversos
grupos comunistas, desde a consolidação do mito do "fo-
"Note-se, portanto, que organizações semiclandesrinas de perseguição aos co-
munistas já existiam, como este ccc. Tais grupos, acobertados pela linha
dura, promoviam atentados políticos violentos contra artistas, intelectuais e
estudantes, e, com a constituição de um setor repressivo oficial, tenderiam ao
declínio.
S9
r
I
CARLOS FICO
quismo"* como teoria explicativa do sucesso da Revolução de
Cuba." A Conferência da Organização Latino-Americana de
Solidariedade (OLAS), realizada em Havana entre 31 de julho.
e 10 de agosto de 1967, foi um grande divisar de águas para os
comunistas brasileiros, especialmente no que teve de estímulo
para que Carlos Marighella - até então membro da Comissão
Executiva do PCB - adotasse, de uma vez, a tese da luta ar-
mada, que já o animava havia algum tempo. Em Cuba,
Marighella fez um acordo para o envio da primeira turma de
brasileiros a serem treinados como guerrilheiros."
Não cabe, aqui, descrever as ações da "Ação Libertadora
Nacional" (ALN), de Marighella, e de outros grupamentos co-
munistas que enveredaram pela guerrilha, já superiormente
descritas e analisadas por outros aurores/" Porém é necessário
registrar as iniciativas que, antes do AI -5, deixaram clara a exis-
tência da opção feita por esses grupos, já que somente elas po-
deriam ser consideradas como causadoras do ato.
Ações guerrilheiras inspiradas no foquismo cubano existi-
ram no Brasil mesmo antes do golpe de 1964. Francisco julião,
à frente do "Movimento Revolucionário Tiradentes" (MRT),
estabeleceu um campo de treinamentos em Dianópolis (GO),
em abril de 1962. Mas a iniciativa foi logo reprimida, resultan-
do em prisões e apreensão de armas e munições. Em dezembro
de 1967, aALN iniciou uma onda de assaltos a bancos, com o
propósito de levantar recursos para sustentar a organização.
Porém somente em novembro de 196861
a polícia saberia defi-
nitivamente quem estava por trás do repentino aumento do
*0 foquismo afirmava a possibilidade de instauração de uma guerrilha rural a
partir da atuação de pequeno grupo de revolucionários junto a camponeses em
região de difícil acesso para forças legalistas.
60
COMO ELES AGIAM
número de assaltos a casas bancárias." Em junho de 1968, houve
um ataque ao Hospital Militar, em Cambuci (SP), do qual fo-
ram roubados alguns fuzis. Em julho, foi a vez de um "jus-
riçamento": pretendendo matar um capitão boliviano tido como
responsável pela prisão de Che Guevara, o "Comando de Li-
bertação Nacional" (COLINA) acabou por executar um major
alemão que fazia o curso da Escola de Estado-Maior do Exérci-
to, no Rio de Janeiro. A morte de um capitão norte-america-
no, suspeito de pertencer à Central In telligence Agency (CIA) ,
foi outro "justiçamenro", este ocorrido em outubro, em São
Paulo. Note-se que um grupo não comunista já havia tentado
ações guerrilheiras anteriormente. Este foi o caso do "Movimen-
to Nacionalista Revolucionário", de inspiração nacionalista,
claro está, ligado a Leonel Brizola. A idéia era instalar um foco
guerrilheiro na Serra de Caparaó (região fronteiriça entre Mi-
nas Gerais e Espírito Santo). Um pequeno grupo chegou a fi-
xar-se no local, para treinamentos, mas logo foi detectado pela
Polícia Militar mineira e preso em abril de 1967.
Pode-se retomar, agora, a pergunta anterior: o rigor estabe-
lecido a partir de 1968 foi causa ou conseqüência da guerrilha
urbana e rural? As prisões arbitrárias, torturas e "desaparecimen-
tos" levaram a esquerda a intensificar os preparativos da "guer-
ra popular" ou, ao contrário, surpreendidos pelos seqüesrrose
pela guerrilha rural, os militares foram levados a criar o maior
aparato repressivo que o Brasil já conheceu?
Infelizmente, malgrado a tentativa anterior, o estabelecimen-
to de uma cronologia não resolve o problema: as ações dos co-
munistas adeptos da luta armada que vieram a público, em
1968, indicavam certamente uma mudança importante, em
'Veja relação de bancos assaltados, segundo o sistema de informações, no Anexo 1.
61
CARLOS FICO
favor de ações violentas, mas os episódios que realmente con-
firmariam essa estratégia (como os rumorosos seqüestros de
embaixadores e a guerrilha do Araguaia) só aconteceram ou
foram conhecidos pelos militares posteriormente. Embora o PC
do B tenha fixado alguns militantes às margens do Rio Araguaia
já em 1967,* o fato ainda não era do conhecimento dos milita-
res. O famoso seqüestro do embaixador dos Estados Unidos
deu-se em setembro de 1969, depois do AI-5, mas os termos
do ato institucional já vinham sendo discutidos no âmbito do
governo desde muito tempo: o general Emílio Garrastazu Mé-
dici, chefe do SNI, solicitou ao presidente Costa e Silva, em
julho de 1968, um instrumento como o AI_5.62 Mais impor-
tante, o famoso sistema conhecido como "DOI-CODI" foi
implantado antes do seqüestro, em julho de 1969, diferente-
mente do que afirmam alguns militares.P
Como se vê, formulada dessa maneira a questão parece in-
frutífera, não surpreendendo o caráter pouco conclusivo ou
muito politízado das tentativas de resposta. Não se pode espe-
rar que a história estabeleça explicações lineares, fundadas em
relações simplistas de causa e efeito, muito menos quando se
trata de explicar fenômenos que expressam o enfrentamento de
posições radicalmente antagônicas: para setores da esquerda,
lutar pelo comunismo, tendo como estratégia o estabelecimento
de uma "guerra popular", deflagrada a partir de focos de guer-
rilha rural e preparada por ações de guerrilha urbana (geradora
de recursos financeiros e clima político para a conflagração ge-
"Note-se que as duas primeiras tentativas (fracassadas) de combate à guerrilha do
Araguaia, patrocinadas pelo Exército, deram-se em abril e setembro/outubro de
1972, algum tempo depois, portanto, do estabelecimento do sistema de segurança
- como se verá.
62
I r
COMO ELES AGIAM
ral). não era, obviamente, apenas uma decorrência do endu-
recimento do regime militar brasileiro, mas um projeto geral
que os animava. Seria concepção igualmente redutora explicar
a criação do sistema de segurança do regime militar com base
. em fatores reativos: na verdade, a montagem de um "setor es-
pecificamente repressivo", 64 paralelamente à constituição do
sistema de informações, era um projeto que, apoiado em ou-
tros instrumentos (como a censura e a propaganda política),
pretendia eliminar ou ocultar do país tudo o que constituísse
divergência em relação à diretriz geral da "segurança nacional" .
Nem o projeto da luta armada nem o do envolvimento das
Forças Armadas na repressão contavam com unanimidade in-
terna.65 O PCB não concordava com a guerrilha; nem todos os
militares concordavam com o sistema de segurança. Não se quer
estabelecer uma analogia incabível, igualmente redutora caso
sustentasse a similirude dos dois projetos, pois, para além das
delicadas questões políticas e éticas em pauta, restará sempre o
fato incontestável de que o Estado brasileiro poderia ter opta-
do pela repressão legal dos assaltos, dos seqüestros e do ensaio
de luta armada.* O governo de Costa e Silva, ao optar pelo
caminho da ditadura, marcou definitivamente sua entrada na
história como responsável por inúmeros crimes hediondos.
Ademais, é certo que uma inrer-relação estabeleceu-se en-
tre repressão e luta armada: o AI-5 já mencionava a "guerra
revolucionãria''J'" e, por seu turno, diante do estabelecimento
definitivo da ditadura que o ato significou, os setores da esquer-
da revolucionária que defendiam a luta armada viram "confir-
"Pedro Aleixo, vice-presidente de Costa e Silva, foi o único membro do Conselho
de Segurança Nacional a cogitar de uma saída constitucional na reunião que apro-
vou o AI-5, principal instrumento repressivo do regime a partir de então.
63
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  • 1. ISBN 85-01-05984-6 t'"" 2001 [i:x. {11 v. Biblioteca - ICI-iS/UFOP i I 1I III II 11, 11I ""10001130156'"
  • 2. , Outras obras do autor CARLOS FICO 1 I A história do Brasil (1980/1989): elementos para uma avaliação hlstoriogrdfica - 2 volumes - Ed. UFOP, 1992 Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil- Ed. FGV, 1997 O regime militar - Ed. Saraiva, 1999 lbase: usina de idéias e cidadania - Ed. Garamond, 2000 SISBIN - UFOP 1/1/111111111/11111111/11 1013131613166 como eles • aqiam Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política Prefácio de Jacob Gorender _10--- EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO • SÃO PAULO 2001
  • 3. CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Aos mestres que, sem o saber, ensinaram-me a fazer histó- ria: com engenho e arte, como Manuela; sem pejo de in- dicar a melancólica trajetória política brasileira, como Iglésias; sem medo de apontar o "nacionalês" das leituras dissolventes das diferenças sociais, como Mata; sem espe- rança de agradar o decoro acadêmico das unanimidades fáceis, das modas editoriais e da indigência teórica, como 'Ciro. Fico. Carlos F468c Como eles agiam I Carlos Fico. -, Ri o de Janeiro: Record, 2001. Anexos Inclui bibliografia ISBN 85-01-05984-6 I. Brasil- História - 1964-1985. 2. Serviço Nacional de Informação (Brasil). 3. Serviços de inteligência - Brasil - História - 1964-1985. I. Título. Direitos exclusivos desta edição reservados pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171- Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: 585-2000 Impresso no Brasil 01-0014 CDD -981.06 CDU -981 Copyright © 2001 by Carlos Fico Capa: Sérgio Campante Imagens de capa: Alberto França! Agência JB; Acervo da DSII Arquivo Nacional ISBN 85-01-05984-67 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 Rio de Janeiro, RJ - 20922-970
  • 4. If 7 Sumário Prefácio 9 Agradecimentos 15 Introdução 17 1. Escalada inicial 33 2. A estrutura de espionagem: o SISNI 71 o SNI 81 Espionagem nos ministérios civis 83 Espionagem em outros órgãos 89 A produção de informações 95 As técnicas do SISNI 100 3. A estrutura de repressão: o SISSEGIN 111 O sistema com/DOI 115 O ethos da comunidade 136 4. O discurso moral contra a corrupção: o sistema CGI 149
  • 5. CARLOS FICO 5. O Es ado contra o povo 165 Censura 168 Meios de comunicação Estudantes e professores Clero 192 Estrangeiros 197 181 187 Prefácio 6. O dificil desmonte 211 Bibliografia 221 Com este livro, Carlos Fico realiza um trabalho pioneiro no âmbito da pesquisa historiográfica da Ditadura Militar do período 1964-1985. Período muito recente, prolongado até a atualidade, mas já suficientemente demarcado como história. A bibliografia a ele dedicada é numerosa, com lar- ga predominância da memorialística, mas inclui também obras analíticas, dentre as quais as abordagens acadêmicas ainda são escassas. O pioneirismo de Como eles agiam consiste na exploração, feita pela primeira vez, de um arquivo de documentos oficiais, procedentes de órgãos do governo, principalmente daqueles diretamente envolvidos com a repressão às organizações da es- querda armada. No caso, trata-se do arquivo da extinta Divi- são de Segurança e Informações (DSI) do Ministério da Justiça, hoje entregue à guarda do Arquivo Nacional, no Rio de Janei- ro. O autor pôde investigar a parte dos documentos reservados' e confidenciais, aqueles com acesso já permitido ao público. Embora com a restrição de evitar menções a pessoas envolvi- das, a investigação resultou notavelmente proveitosa à amplia- ção do conhecimento sobre a atuação dos órgãos de espionagem e repressão ditatorial. Anexos 229 ANEXO 1 - Bancos assaltadosem ações de guerrilha, no Brasil, até 30 de setembro de 1970 231 ANEXO 2 - Crimes contra a segurança nacional. Nú- mero de denunciados, absolvidos ou condenados em primeira instância, cujas sentenças foram examinadas pelo Supremo Tribunal Militar através de recursos de apelação - 1970/1973 233 ANEXO 3- Proibições determinadas pela censura aos órgãos de imprensa entre agosto de 1971 e dezembro de 1972 237 Cronologia 243 Índice Geral 255 8 9
  • 6. CARLOS FICO - , Professor de história e p.esquisador de competência profis- sional, Fico estava preparado para a tarefa por sua obra prece- dente na mesma área de interesse, publicada em 1997: Reinventando o otimismo - ditadura, propaganda e imagindrio soaal no Brasil. Nesta obra, encontramos a exposição das moti- vações ideológicas da intervenção propagandística dos milita- res, que dominavam o poder do Estado. Motivações que tinham sua fonte no imaginário do Brasil Potência, como objetivo na- cional do presente, mas também se inseriam-numa vertente an- tiga da mentalidade brasileira, aquela vertente que se expressou, no século XVII, nos Diálogos das grandezas do Brasil, da lavra do colono português Ambrósio Fernandes Brandão, e se mani- festou modernamente, no começo do século, com o Por que me ufano do meu país, do conde Mfonso Celso (que enrique- ceu o idioma com o termo ufanismo), seguido, quarenta anos depois, pelo célebre Brasil- país do futuro, de Stefan Zweig, tendo a subliteratura do Estado Novo de permeio. No livro, que a Editora Record oferece aos leitores, o histo- riador faz o levantamento, cuidadosamente reconstituído, do processo de formação de uma estrutura policial-burocrática-to- talitária, promovida pelos altos comandos militares, para tarefas de espionagem, informação e realização de operações policiais, concentradas na captura e interrogatório de oponentes do regi- me, incluindo a tortura sistemática entre seus métodos. Do tex- to resulta a conclusão de que nunca houve, na história do Brasil, um aparelho estatal tão ramificado e rico de recursos a serviço dos setores sociais e políticos de extrema direita. Embora formulada nos projetos dos conspiradores milita- res e civis, que conduziram ao golpe de 1964, essa estrutura policial-burocrática-totalitária não surgiu pronta e acabada, mas se constituiu num processo paulatino, que culmina em 1970, quando são implantados o Sistema Nacional de Informações 10 I: l t Ii I , COMO ELES AGIAM (SISNI) e os Centros de Operações de Defesa Interna - Desta- camentos de Operações de Informações (CODI-DOI). Este processo não se deu sem contradições e disputas internas nos meios militares e entre eles e os setores civis aliados, contradi- ções e disputas nem sempre suficientemente esclareci das pela conhecida dicotomia "linha dura" / "linha moderadà'. Sob este aspecto, a Ditadura Militar brasileira se diferen- ciou das congêneres do Cone Sul, ou seja, as ditaduras do Chi- le, Argentina e Uruguai. Surgida bastante antes, a ditadura brasileira só atingiu seu ápice repressivo em 1971, sete anos após o golpe, quando passa ao extermínio físico sistemático dos mi- litantes da esquerda aprisionados sem visibilidade pública. A essa altura, a esquerda já tinha suas fileiras consideravelmente reduzidas, o que explica, ao menos em parte sem dúvida, o número de mortos e desaparecidos bem menor no Brasil (em termos relativos e absolutos). No Chile e no Uruguai, as dita- duras militares se instalaram em 1973. Na Argentina, em 1976. Aproveitando a experiência brasileira, deflagraram o máximo de atividade repressiva desde o início. No Chile, a "caravana da morte", responsável pelo assassinato, com perversidade requin- tada, de cerca de oitenta presos políticos, praticou seus crimes logo depois da deposição do presidente Allende. Mas, se preci- 'sou de mais tempo para chegar a crimes tão horrendos, a dita- dura brasileira não ficou atrás das suas similares em matéria de crueldade repressiva. Bem pelo contrário, serviu-Ihes de mo- delo e para elas exportou seu know-how. Para o título do seu livro, Carlos Fico se inspirou num fo- lheto, que vazou da DSI do Ministério da Educação e Cultura, em janeiro de 1974, publicado na íntegra pelo diário O Estado de S. Paulo. Intitulado Como elesagem, o alvo deste folheto, cujo vazamento decorreu de um descuido ou de algum propósito 11
  • 7. CARLOS FICO des!onhecido, era o movimento comunista iaternacional e os seus supostos métodos de atuação, descritos' com exageros e distorções às vezes ridículos. No livro de Fico.o alvo se inverte: a pesquisa focaliza os órgãos da Ditadura Militar, sua ideolo- gia, seus procedimentos e ações. Com base não em suposições derivadas de obsessão persecutória, mas em documentos ofici- ais emanados daqueles mesmos órgãos e examinados com ob- jetividade rigorosa. Devidamente municiados do ponto de vista factual e teóri- co, os leitores poderão devassar o que ficou conhecido como "porões" da "comunidade de informações" e seus intrincados meandros, rotulados por numerosas siglas, dando idéia de que, na criação de siglas, a direita não foi menos fértil do que a es- querda. A importância deste devassamento não deve ser subesti- mada, se considerarmos, dentre tantos outros aspectos, que nada menos do que três presidentes da República passaram pela dire- ção dos órgãos de segurança e informação. Geisel foi secretário- ~ geral do Conselho de Segurança Nacional, e Médici e Figueiredo dirigiram o SNI. Espionagem, informação e repressão policial foram funções precípuas e fundamentais da Ditadura Militar, o que nada tinha de casual, mas decorria de sua natureza intrínse- ca de Estado contra o povo, como escreve Carlos Fico. O historiador faz a afirmação enfática e correta de que a prática da tortura não se devia a "excessos" de subalternos, mas era determinada pelo alto comando miÚtar e pelo escalão pre- sidencial. A responsabilidade deste já ficou suficientemente atestada na declaração do presidente Geisel sobre a necessida- de da tortura de prisioneiros, que caberia apenas levar a efeito sem dar na vista, de maneira clandestina. Com os dados hoje disponíveis, pode-se estimar que cerca de cinqüenta mil pessoas tiveram, no período ditatorial, a ex- 12 'l 1 II. I I! COMO ELES AGIAM periência traumática da passagem pelos "porões" e, destas, não menos de vinte mil foram submetidas à violência da tortura. Nos cerca de oitocentos processos por crimes contra a seguran- ça nacional, encaminhados àjustiça Militar, figuraram onze mil indiciados e oito mil acusados, resultando em alguns milhares de condenações. O que hoje nos parece uma monstruosidade, um pesadelo de noites e dias não remotos, fluiu do ideário que pretendeu mutilar o povo brasileiro no leito de Procusto de uma utopia totalitário-fascistóide. Esse ideário se alimentava de variadas obsessões: a obsessão anticomunista, a obsessão da imposição à -sociedade civil da disciplina e hierarquia características do ethos militar, a obsessão persecutória dos divergentes, a obsessão da construção de uma grande potência. Esta mescla frágil de idéias toscas não pode ter sua significação compreendida de maneira completa fora do contexto da Guerra Fria e da influência polí- tica americana, cujos efeitos se fizeram sentir poderosamente na conjuntura dos anos 60 e 70. A pesquisa brilhante de Carlos Fico comprova que o co- nhecimento historiográfico sobre os chamados anos de chum- bo da recente história nacional fará seus principais avanços garimpando os arquivos dos órgãos governamentais, como é o , caso do sistema extinto de informação e repressão, bem como das forças armadas. Do lado da esquerda, certamente não estão esgotadas' as fontes capazes de fornecer revelações significati- vas, mas o principal já foi extraído dessas fontes. Ficaram por esclarecer detalhes, sobretudo concernentes a atuações indivi- duais. Já do lado da direita, o acervo arquival apenas começou a ser explorado com este Como elesagiam. A importância da pesquisa historiográfica não se encerra nos limites que lhe são próprios. Não se trata, no caso, de levar a efeito 13
  • 8. I "1ií,! I', CARLOS FICO tão-somente um progresso acadêmico. Tendo em vista o perío- do ditatorial, o avanço do conhecimento historiográfico nos ajuda a eliminar com mais eficiência suas seqüelas, ainda persistentes e, às vezes, surpreendentes. Seqüelas derivadas, em boa parte, precisamente do sistema de espionagem e repressão estudado neste livro. O conselho nacional e vários conselhos regionais de medicina têm tido a tarefa penosa de investigar as denúncias so- bremédicos participantes desevíciasdepresospolíticos e de cassar a licença profissional de vários deles, como foi o caso de Ricardo Agnese Fayad, punido em 1994. Apesar disso, Fayad, no posto de general, assumiu, em abril de 1998, o cargo de subdiretor de saúde do Exército. Viu-se logo forçado, no entanto, a se afastar do cargo, ao ser exposto às revelaçõesdas vítimas das sessões de tortura, das quais participou, durante os anos 70, no quartel da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro. Ainda mais recentemen- te, em dezembro de 2000, o generalAlberto Cardoso, ministro- chefe do Gabinete de Segurança Institucional, demitiu o coronel Ariel de Cunto, diretor-geral da Agência Brasileirade Inteligên- cia (ABIN), por ter colocado em cargo de confiança o ex-tenen- te do Exército Carlos Alberto del Menezzi, um dos torturadores relacionados na lista do projeto Brasil nunca mais e também de- mitido, depois de publicamente denunciado. O aprofundamento.e o fortalecimento do regime demo- crático, no Brasil, dependem, no fundamental, da luta dos seg- mentos sociais interessados, os quais constituem a grande maioria do povo brasileiro. Sem dúvida, no entanto, o avanço democrático tem muito a ganhar com o esclarecimento fiel do passado histórico. Jacob Gorender 14 Agradecimentos Algumas pessoas colaboraram para tornar possível este livro. Atila Roque recebeu-me inúmeras vezes no Rio deJaneiro, for- necendo, generosamente, as melhores condições para que eu pudesse pesquisar nesta cidade. Ronald Polito, como sempre, avaliou todas as versões preliminares e auxiliou de múltiplas formas, inclusive livrando o trabalho de certas insuficiências teóricas. Celso Castro ajudou-me a localizar alguns documen- tos e indicou passagens confusas dos originais, que pude corri- gir a tempo. Marco Antonio Villa também leu previamente o texto e deu sugestões valiosas. Elio Gaspari e Pio Penna Filho forneceram-me cópias de fontes a que tiveram acesso. Em se tratando de livro que aborda temas melindrosos, cabe reiterar a velha ressalva: a responsabilidade pelo texto é estritamente minha. Foram os funcionários do Setor de Arquivos Intermediá- rios do Arquivo Nacional que, realmente, possibilitaram o tra- balho. Ana Celeste e Isabel Oliveira não apenas coordenaram a organização do acervo da extinta Divisão de Segurança e Infor- mações do Ministério da Justiça (material histórico básico des- ta pesquisa), como me deram instruções fundamentais sobre a documentação. Os demais funcionários do setor foram obri- 15
  • 9. CARLOS FICO gados a dividir seu espaço de trabalho comigo, até que fossem definidas normas que viabilizassem a pesquisa dos documen- tos sigilosos em local adequado. No âmbito da direção geral do Arquivo, Maria Izabel Falcão eJaime Antunes da Silva sempre trataram com toda seriedade e competência meus pedidos de acesso à documentação. O Arquivo Nacional prova que as re- partições públicas, mesmo no Brasil, podem ser democráticas, competentes e ágeis. A todos, meus agradecimentos. Rio, junho de 2000 CF 16 1 I It I I I t• I I f ~ Introdução liA linguagem do despotismo tem certa força e energia, que não será fácil imitar." (Joaquim Felício dos Santos, Memória do Distrito Diamantino. Epígrafe do poema .~ siglas (1964)", de Affonso Ávila, que não constou, como deveria, da edição de Código de Minas, feita pela Civilização Brasileira, em 1969, sendo editado, afinal, pela Sette Letras, em 1997.) Setores preponderantes das Forças Armadas, em 1964, toma- ram o poder no Brasil, derrubando o governo Goulart e inici- ando uma ditadura que só terminaria 21 anos depois. Foram várias as razões do golpe de Estado e muitos os desdobramen- tos políticos e econômicos do regime militar. Aqueles foram anos de profundo obscurantismo e sectarismo, geradores de conseqüências perversas que, ainda hoje, todos lutamos por superar. Este não é um livro sobre o golpe de 64 ou sobre o regime militar como um todo, mas sobre uma de suas mais 17 B!BUOIECt4 ~ •.IOHS / MAiRIll.BBA
  • 10. CARLOS FICO , temidas facetas: o sistema de informações e de segurança, ou seja, o conjunto de órgãos encarregados de fazer espionagem e reprimir os brasileiros considerados "subversivos". Como é sabido, houve variações na intensidade da repres- são durante a Ditadura Militar: em certos momentos, como na fase imediatamente posterior ao golpe ou na conjuntura que se iniciou em 1968, a repressão foi muito intensa; em outras fa- ses, como no período seguinte às primeiras punições (junho de 1964 a outubro de 1965) e durante a "distensão" e "abertura" políticas promovidas nos governos Geisel e Figueiredo, o nú- mero de punições decresceu. Por causa dessas variações, alguns analistas classificaram o período de combate à luta armada como o "auge da repressão" (1968/1974), enquanto outros, sublinhan- do a coexistência do regime político de exceção com períodos de diminuição relativa da coerção, mencionaram o neologis- mo burlesco "ditabranda". Na verdade, essa aparente "ciclotimia" encobre um penoso processo de evolução e involução demoradas que correspondeu à montagem, ao apogeu e à decadência de um complexo e po- deroso sistema nacional de segurança e informações. Tal siste- ma somente se consolidou entre 1969 e 1970, mais de cinco anos depois do golpe, e sua desmontagem se estenderia para além da volta do país à democracia política - com resquícios persistindo ainda hoje. A partir do golpe de 31 de março de 1964, a elite política brasileira e a assim chamada "opinião pública" assistiram, estu- pefatas, a uma escalada, jamais vista em nossa história, de atos arbitrários de toda natureza. Parcelas desses e de outros setores que apoiaram a derrubada de Goulart surpreenderam-se com o ânimo punitivo dos golpistas. Os momentos em que a re- pressão serenava - e que a muitos pareciam confirmar uma 18 1 I I I COMO ELES AGIAM esperança de não abandono total da democracia, ao menos como horizonte - correspondiam a fases de intensas maqui- nações, por parte dos setores militares mais exaltados, tenden- tes a definitivamente implantar - ou fazer perdurar indefinidamente - um forte esquema repressivo capaz de con- trolar, pela força, quaisquer dissensões. Surpreendentemente, todos os generais-presidentes prome- tiam, sobretudo quando iniciavam seus mandatos, medidas de liberalização do regime militar. Tais medidas, de ordinário, consistiam apenas na incorporação, pela Constituição, dos poderes arbitrários conferidos pela "Revolução" aos presiden- tes." Como se vê, essas promessas de liberalização não passa- vam de simples institucionalização dos desmandos, mas, ainda assim, eram vistas pelos militares mais exaltados como iniciati- vas aço dadas que implicavam risco de perda de controle ante a "subversão", o "comunismo internacional" ou o "terrorismo." Por isso, eles tudo fizeram para retardá-Ias, e, desse modo, à história da implantação e decadência do sistema de segurança e informações corresponde uma outra, qual seja, a história da perda e reconquista do controle do poder pelos militares mo- derados. Esses militares foram os sujeitos históricos que implemen- taram um regime político capaz de atender às necessidades de conhecida combinação de capitais, nacionais e internacionais, associados através de extratos específicos das respectivas bur- guesias. Também buscando esclarecer as bases sociais do regi- 'Castelo Branco fez isso com a Constituição de 1967; Costa e Silva tentou fazer o mesmo com uma nova constituição, mas adoeceu e seu projeto foi relativamente alterado pela Junta Militar que o substituiu, através da Emenda Constitucional de 17 de outubro de 1969; Geisel, no final de seu governo, para extinguir o AI-5, criou a figura do "Estado de Emergência". 19
  • 11. CARLOS FICO me militar, análises historiográficas e jornalísticas contem- porâneas têm caracterizado o golpe de 64 como "cívico-mili- tar", assim destacando, ao que parece, tanto o apoio inicial de expressivos setores da classe média urbana quanto a parti- cipação efetiva de lideranças políticas civis que ajudaram na eclosão do movimento. É correta a lembrança. Quando mais não fosse, até mesmo para sempre recordarmos certo ranço autoritário que impregna nossa sociedade e, diga-se também, para não deixar apenas aos militares a "conta a ser pagà', já que muitas daquelas lideranças civis assumem, hoje, modos de democratas. Porém, desde as primeiras horas, o movimen- to foi indubitavelmente militar. Não há como tergiversarso- bre isso. Sua deflagração deveu-se a tropas militares." Com a declaração da vacância do cargo de presidente da República, ** o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assu- miu apenas formalmente o lugar de João Goulart, tendo de tra-, tar como superior o general que efetivamente dava as ordens. *** O primeiro presidente foi escolhido numa tumultuada reunião de chefes civis com o general Arthur da Costa e Silva, tão humi- lhante para os civis, que, na segunda rodada, não compareceram os governadores Carlos Lacerda e Magalhães Pinto. *Na manhã do dia 31 de março, o comandante da 4~Região Militar (juiz de Fora . - MG), general Olímpio Mourão Filho, deu ordens para que suas tropas se diri- gissem para o Rio de Janeiro, onde estava o presidente da República. **Auro de Moura Andrade, senador por São Paulo, presidente do Congresso Na- cional, declarou a vacância em uma sessão fulminante, às 2h40min da madrugada do dia 2 de abril de 1964. ***Ao se dirigir a Costa e Silva como "ministro", Mazzilli foi admoestado pelo militar, que exigiu o tratamento de "general". Note-se que Costa e Silva "empossou- se" no cargo de ministro da Guerra através de uma radiocomunicação que passou aos quatro exércitos e principais comandos alegando ser o mais antigo dos generais do Exército em função no Alto Comando. 20 COMO ELES AGIAM Sublinho, aqui, a presença dos militares, não porque dis- corde da atribuição de força causal às bases sociais apontadas, que, de fato, apoiaram o golpe e sustentaram o regime. Mas o material que consultei -. como se verá - é especialmente útil para classificar os militares que participaram das comunidades de segurança e de informações como um "corpo de especialis- tas'" que, tendo constituído um campo de produção e de cir- culação de mensagens relativamente autônomo, lograram situar-se como produtores especializados do discurso que sus- tentou tanto suas próprias ações (espionagem, violência), quanto a conduta omissa dos moderados que os toleraram. Essa "aliança ambígua" fundava-se num "mal-entendido mais ou menos cons- ciente"," qual seja, a admissão, pelos moderados, do caráter in- dispensável da espionagem e da repressão que, não obstante, concomitantemente, eram por eles condenados quando se ex- cediam (tortura, assassinatos, atentados). Os milhares de pa- péis sigilosos que a comunidade de informações fazia circular internamente tinham como público ela própria, claro está, mas também informavam autoridades militares (e civis) que não a integravam diretamente. Tais informações não se constituíam em um amontoado caótico de folhas dispersas abordando te- mas fragmentados, por vezes de maneira ridícula e sempre mobilizando um certo jargão. Configuravam, isto sim, uma rede intertextual produtora de eficazes efeitos de sentido e de con- vicção. Mas, ao contrário do que pensa importante corrente radical da teoria literária, tais efeitos de sentido não são tudo o que a história pode almejar recuperar," Esse material retórico, como já disse, municiou o "corpo de especialistas" de convic- ções para agir e forneceu (enquanto foi reconhecido) aos mili- tares não participantes da comunidade certos sentidos jusriflcadores da repressão. Portanto, gerava efeitos extra- 21
  • 12. CARLOS FICO discursivos, podendo ser analisado como a narrativa de uma infâmia ou o poder simbólico do algoz. Assim, uma das for- mas mais eficazes do agir da comunidade de segurança e de informações foi o estabelecimento dessa relação entre ela pró- pria, que "executava", e os demais militares, que a admitiam, baseada na força de elocução de um tal discurso - que assim vivificava, recriava-se continuamente e sustentava ações. Como ia dizendo, o movimento foi indubitavelmente mi- litar e, por isso mesmo, a solução dos problemas viria manu militari. Os primeiros momentos do governo do marechal Castelo Branco deram a impressão, a boa parte dos analistas, de que a elite política ainda poderia barganhar posições, sobre- tudo aquelas que garantissem o funcionamento do Congresso Nacional e a realização futura de eleições. No dia 7 de abril, o Congresso ainda discutia se autorizaria ou não a anulação de mandatos. Inicialmente, cogitou-se de atribuir ao próprio Con- ~ gresso poderes ampliados de cassação de mandatos, até porque líderes não militares exaltados insistiam na necessidade, como Herbert Levi," bem como apregoavam o caráter "misericordio- so" da punição quando imposta aos que erram - posição aberrante defendida pelo cardeal do Rio de Janeiro, Jaime de Barros Câmara.' Os chefes do movimento logo dirimiriam quaisquer dúvidas, decretando, entre os dias 10 e 13 de abril, 45 cassações de mandatos, 162 suspensões de direitos políticos por dez anos e 146 transferências de militares para a reserva.f As medidas de força, para boa parte dos parlamentares rema- nescentes, analistas políticos e "opinião pública", surgiam como inevitáveis, mas havia uma esperança de retorno à normalida- de, até porque os próprios militares adotaram a auto-imposi- ção de uma data-limite para as punições arbitrárias. Essa esperança seria bastante abalada por episódios posteriores, como 22 COMO ELES AGIAM o Ato Institucional n2 2. Tratarei, no próximo capítulo, da crô- nica de alguns acontecimentos daqueles tempos, para melhor situar o surgimento do sistema de segurança e informações. Por ora, cabe destacar o progressivo pasmo das elites políticas civis liberais diante das "ousadias" da Ditadura Militar. Resignação, acomodação, protestos reprimidos ou oprimidos foram algu- mas das manifestações observadas diante da escalada de endu- recimento do regime, tanto quanto, do outro lado do complexo político, na esquerda comunista, transitar-se-ia, ao longo do tempo, da estupefação às opções desesperadas pela guerrilha urbana e rural. Não se pode falar do papel dos militares genericamente, pois existiam diferenças significativas entre os que apoiavam e/ou integravam o sistema de informações e de segurança, que sem- pre queriam mais punições e vida longa para a ditadura, e os demais. Épreciso notar, para além da já consolidada percepção da diferença entre "moderados" e "duros", que havia matizes internos a essas correntes, sendo de algum modo restritivo pen- sar-se apenas nos dois grupos. Evidentemente, nem todo mili- tar da linha dura atuou, efetivamente, nos sistemas de segurança e de informações. Aliás, mesmo os militares radicais que inte- graram tais sistemas afirmam que os casos de tortura, por exem- plo, ou não existiram ou não foram mais do que excessos pontuais, contrapondo-se, assim, à acusação de "institucio- nalização" da prática desses suplícios? De outro lado, modera- dos, como alguns castelistas, admitiam a tortura como um mal necessário, como confessou o ex-presidente Ernesto Geisel," nesse ponto concordando com a opinião de militares da linha dura, que acreditavam indispensável uma "certa dose, pelo menos, de tortura pslcológica"? Portanto, trata-se de classifi- cação convencional e, sobretudo, controversa, pois é bastante 23
  • 13. CARLOS FICO subjetivo atribuir-se a alguém que suponha a tortura um "mal menor" o rótulo de "moderado". Se quiséssemos estabelecer uma rigorosa tipologia dos militares que protagonizaram o período, haveria que considerar outros aspectos, notadamente os de natureza política, para além dessas posturas que admitiam maior ou menor violência contra os "inimigos" do regime.'? Seja como for, tendo em vista essa diferenciação básica em dois grupos (admitida, inclusive, pelos militares), bem como a estrutura hierarquizada da carreira militar, alguns analistas têm mencionado a autonomia que os órgãos de espionagem e de repressão teriam, isto é, eles atuavam independentemente das cadeias de comando representadas pela hierarquia militar;'! o que significa dizer que os chefes não estariam tão diretamente envolvidos nas ações mais violentas, como tortura e assassinato de presos políticos, e, sobretudo, que tais ações eram feitas sem autorização da alta hierarquia. Tal autonomia - segundo essa concepção - teria ensejado a constituição de um ramo parale- lo, que funcionava segundo as necessidades, mais prementes e violentas, dos órgãos de repressão. 12 Portanto, embora emula- dos pelos generais radicais, as ações violentas teriam sido per- petradas sem sua autorização direta, estabelecendo-se um sistema inercial difícil de modificar. Trata-se, evidentemente, de uma questão de ênfase, problema quase acadêmico, pois, não obstante possa-se concordar com a idéia de que "esse aparato ganhou uma tal autonomia que, embora subordinado à linha de comando das forças armadas, estava a constituir-se gradual- mente num poder paralelo"," prefiro destacar sua subordina- ção hierárquica aos comandos das grandes unidades militares. Minhas ressalvas em relação a essas leituras serão apresenta- das ao longo do trabalho, mas posso deixar clara, desde já, mi- nha impressão: os crimes de tortura e assassinato de presos 24 COMO ELES AGIAM políticos foram cometidos com a conivência dos oficiais-ge- nerais responsáveis pelas diretrizes e operações de segurança interna. Foram, aliás, os oficiais-generais moderados que criaram a idéia de uma grande autonomia dos responsáveis diretos pela tortura e assassinato, com isso, talvez, procurando justificar o que, em última instância, deve ser caracterizado como omissão." Por ora, cabe esclarecer melhor a gênese deste livro: como tive acesso aos documentos sigilosos da Divisão de Segurança e Informações (DSI) do Ministério da Justiça, que se constituem no principal material histórico aqui trabalhado? No início de 1993; buscando fontes para minha tese de doutorado sobre o regime militar, fiquei sabendo que o Minis- tério da Justiça havia transferido para o Arquivo Nacional o acervo documental da extinta DSI da pasta. Isso foi feito, pro- vavelmente, por uma necessidade de espaço físico. Ocorre que, em 1991, havia sido aprovada uma lei permitindo o acesso irrestrito aos documentos públicos'", e, baseado nela, solicitei acesso ao acervo da DSI do Ministério da Justiça. Como os documentos são sigilosos, o então ministro da Justiça indefe- riu meu pedido, até que o Arquivo Nacional procedesse ao tra- tamento técnico dos documentos e à desclassificação do seu sigilo." O Arquivo Nacional, na época, comprometeu-se em priorízar tal atividade. Para que se entenda bem a situação, porém, convém explicar outros detalhes. Um documento produzido na esfera pública poderá ser si- giloso sempre que isso for indispensável à segurança da socie- dade e do Estado. Atualmente, no Brasil, eles se classificam da seguinte maneira: (a) ultra-secretos (os que requerem excepcio- nais medidas de segurança); (b) secretos (os que requerem ri- gorosas medidas de segurança); (c) confidenciais (aqueles cujo 25
  • 14. I CARLOS FICO conhecimento e divulgaçãopossam ser prejudiciais aos interesses do país); (d) reservados (os que não devam ser, imediatamente, do conhecimento do público em geral). Somente algumas au- toridades podem atribuir tais categorias aos documentos: a clas- sificação de ultra-secreto, por exemplo, pode ser dada apenas pelos chefes dos poderes Executivo, Legislativo eJudiciário fe- derais. A partir do momento em que um documento é produ- zido como sigiloso, seu acesso fica interditado por um certo tempo - o que se chama "prazo de classificação". Assim, os documentos ultra-secretos têm prazo de classificação máximo de trinta anos; os secretos, vinte; os confidenciais, dez, e os re- servados, cinco anos. Éisso o que estabelece um decreto de 1997 que regulamen- tou a já mencionada garantia de acesso irrestrito estabelecida pela lei de 1991 (decreto regulamentador que não existia quan- do fiz o primeiro pedido).'? Além disso, diz o decreto que os •. órgãos responsáveis "poderão autorizar o acesso a documentos públicos de natureza sigilosa a pessoas devidamente cre- denciadas, mediante apresentação, por escrito, dos objetivos da pesquisa"." Ora, em 1997-mesmo ano da promulgação desse decreto -, fiquei sabendo que o Arquivo Nacional havia cum- prido sua promessa de 1993: organizara o acervo e elaborara instrumentos de pesquisa. Portanto, na ocasião, o Ministério da Justiça já tinha condições de avaliar a possibilidade de auto- rizar, ou não, uma solicitação de pesquisa do acervo. Por isso, fiz outro pedido. Entretanto, o decreto resguarda também "a intimidade, a honra e a imagem das pessoas", tornando inaces- síveis, por cem anos, os documentos que envolvam essesaspec- tos. Assim, para que a autorização seja dada, é preciso que o pesquisador se comprometa a não identificar pessoas. Afinal, em outubro de 1997, foi-me concedida autorização para con- 26 COMO ELES AGIAM sultar o acervoda extinta DSI/M]. Tive permissão para pesquisar todos os documentos não classificados, todos os reservados e os confidenciais produzidos até 1977.* Neste livro, portanto, não serão encontradas revelações chocantes envolvendo o nome de pessoas conhecidas: além do comprometimento com a lei, parece-me equívoco o entendi- mento da "história como intriga", modalidade em relativo de- suso mas que, anos atrás, animou alguns autores. Note-se que os documentos fazem referência a uma infini- dade de assuntos, e, por isso, foi necessário selecionar alguns tópicos mais relevantes. Como pretendo continuar trabalhan- do com essee outros acervos, assemelhados, decidi fornecer ao leitor, neste trabalho, um painel geral do tema, enfatizando questões estruturais e o modusfociendi do sistema de informa- ções e de segurança. Épossível que, no futuro, aborde questões pontuais, em trabalhos monográficos. Além da multiplicidade de assuntos abordados pela documentação, outra característica do acervo influenciou o perfil deste livro: havia grande troca de papéis entre os diversos órgãos de segurança e de informa- ções: as DSI dos diversos ministérios, o CIE (Centro de Infor- mações do Exército), o CISA (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica), o CENIMAR (Centro de Informa- ções da Marinha), o SNI (Serviço Nacional de Informações), a CGI (Comissão Geral de Investigações), as segundas seções das unidades militares, as delegacias de ordem política e social (DOPS) vinculadas às secretarias estaduais de segurança etc.** "São raros os documentos das comunidades de informações e de segurança não classificados. A norma era classificá-Ias como "confidencial", no mínimo. **Veja explicação sobre a "difusão" dos papéis produzidos pelos órgãos de infor- mações na P: 100. 27 BiBLiOTECA I .f1l'i'Oi?"lOB I ~llau.uA t
  • 15. CARLOS F1CO Portanto, o meu próprio entendimento sobre o que é história e o caráter do acervo (extremamente plural, multifacetado) é que definiram os caminhos adotados neste trabalho. Não se trata de contar uma história linear, nem, como já foi dito, de uma' exploração escandalosa de eventos lamentáveis envolvendo pes- soas citadas em documentos sigilosos, mas de um esforço para revelar algo que permanecia parcialmente oculto até agora: o funcionamento das comunidades de informações e de segurança da Ditadura Militar. O primeiro capítulo aborda o surgimento da linha dura, ainda no governo Castelo Branco, originalmente um grupo de pressão política que, com o passar dos anos, gerou uma polícia política, justamente a comunidade de segurança. Indica, tam- bém, o surgimento da "comunidade de informações". Os dois capítulos seguintes abordam os dois grandes siste- mas que integravam os chamados "porões da ditadura": o "Sis- tema Nacional de Informações" (SISNI) e o "Sistema de Segurança Interna no País" (SISSEGIN). Portanto, embora ab- solutamente correlacionadas, as atividades de informações e as de segurança - vale dizer, a espionagem e a repressão - eram normatizadas, coordenadas e executadas em esferas próprias. Esclarecer tal especialização é um dos meus objetivos princi- paIs. O quarro capítulo trata da Comissão Geral de Investiga- ções (CGI), organismo vinculado ao Ministério da Justiça, cria- do em 1968, e que tinha por missão o combate à corrupção, especialmente no que se refere ao enriquecimento ilícito. Por- tanto, esses três últimos capítulos buscam revelar os mecanis- mos empregados pelo regime militar para dar conta de sua pretensão inicial de lutar contra o comunismo e a corrupção (principais bandeiras do movimento golpista): para os acusa- 28 COMO ELES AGIAM dos de comunismo, intensa atividade de espionagem e repres- são; para os suspeitos de corrupção, os rigores da investigação , . sumaria. O penúltimo capítulo elenca alguns exemplos do entendi- mento das comunidades de informações e de segurança so bre a censura, os meios de comunicação, os intelectuais, o clero e problemas internacionais. O último capítulo, à guisa de con- clusão, trata da reação do Sistema Nacional de Informações e do Sistema de Segurança Interna no País ao projeto de "distensão política". Para não sobrecarregar o texto com notas que interessam apenas aos pesquisadores, situei, no final de cada capítulo, as de natureza documental (em geral indicam o lugar em que se encontra esse ou aquele documento) e bibliográfica. Algumas notas explicativas complementam o sentido de certas questões e estão postas no rodapé das páginas respectivas. Aos leitores que não estejam familiarizados com a sucessão de episódios que marcaram o período, poderá ser útil consul- tar a cronologia que inseri ao final. 29
  • 16. NOTAS DA INTRODUÇÃO 1. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. z- ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 12. 2. Idem. p. 153 3. PÉCORA, Alcir. Documentação histórica e literatura. Revista USp, n. 40, dez./fev; 1998/1999. p. 156. 4. BRANCO, Carlos Castello. Os militares no poder: Castelo Branco. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. P: 6. 5. DULLES, John W F. CasteloBranco: o caminho para a presidência. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979. p. 384. 6. Aros do Comando Supremo da Revolução em abril de 1964: n2 1, Suspende direitos políticos. 10 abr.; n" 2, Cassa mandatos legislatiuos. 10 abr.; n" 3, Transferênciapara a reservade oficiais das ForçasArma- das. 11 abr.; n2 4, Suspende direitos políticos. 13 abr.; n2 5, Suspende direitospolíticos. 13 abr.; n26, Transferênciapara a reservade oficiais das ForçasArmadas. 13 abr.; n" 7, Transferênciapara a reserva de ofi- ciais das ForçasArmadas. 13 abro 7. Veja-se, como exemplo, o depoimento do brigadeiro João Paulo Moreira Burnier publicado em D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon, CASTRO, Celso (Int. e Org.). Os anos de chum- bo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relurne- Dumará, 1994. pp. 179-228. 8. Depoimento do general Ernesto Geisel publicado em D'ARAUJO, Maria Celina, CASTRO, Celso (Orgs.). Ernesto Geisel.2. ed. Rio de Janeiro: FGY, 1997. p. 225. 9. Depoimento do general Adyr Fiúza de Castro publicado em D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary DilIon, CAS- TRO, Celso (Int, e Org.). Op. citopp. 68-69. 10. Ver, a propósito, ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984. P: 59. 30 I ,<- tí f -J i COMO ELES AGIAM 11. Ver, por exemplo, KLEIN, Lucia, FIGUElREDO, Marcus F.Legiti- midade e coação no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Forense-Universi- tária, 1978. pp. 46-47. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. As ForçasArmadas: política e ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Vozes, 1976. p. 105. STEPAN, Alfred. C. Os militares: da Abertura à Nova Repú- blica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 21. 12. Note-se que análises mais atentas enfatizam a existência de uma rede "complexa e informal", embora não atribuam total autonomia aos órgãos de segurança. Ver D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon, CAST.RO, Celso (Int, e Org.). Op. citopp. 18- 19. 13. PAULO NETTO, José. Em busca da conrernporaneidade perdida: a esquerda brasileira pós-64. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000): a grande transação. São Paulo: Senac, 2000. P: 232. 14. Ver, por exemplo, os depoimentos dos generais Gustavo Moraes Rego Reis e Octávio Costa publicados em D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon, CASTRO, Celso (Int, e Org.). Op. citorespectivamente nas páginas 156-157 e 273. 15. Artigo 22 da Lei n" 8.159, de 8 jan. 1991. _ 16. Ofício [dirigido ao autor] AN/GAB n2 447-93, de 27 dez. 1993. 17. Decreto n" 2.134, de 24 jan. 1997. 18. Idem. Artigo 9. 31
  • 17. , 1 ESCALADA INICIAL Asprincipais posições já estavam conquistadas pelos mili- tares golpistas no dia 1Q de abril de 1964. João Goulart não ofereceu resistência, malgrado algumas demandas nesse sen- tido, provenientes de assessores diretos do presidente vir- tualmente deposto. Ele voou do Rio de Janeiro, onde estava, para Brasília e, de lá, decidiu seguir para Porto Alegre. Darcy Ribeiro, chefe do Gabinete Civil de Goulart, e Waldir Pi- res, consultor-geral da República, tentando evitar a caracte- rização de urna fuga, rapidamente redigiram um ofício ao Congresso Nacional informando sobre o deslocamento do presidente. Eram já as primeiras horas da madrugada do dia 2 e nem havia datilógrafos disponíveis. O cuidado se expli- cava, porque o presidente não poderia se ausentar do país sem autorização prévia do Congresso: tratava-se de registrar que o deslocamento se dava dentro do território nacional. 33
  • 18. , CARLOS FICO Às 2h40min do dia 2 de abril de 1964, em uma sessão ful- minante, mesmo informado de que Goulart estava no país, Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacio- nal, declarou vago o cargo de presidente da República, sob os protestos de alguns parlamentares do PTB. Pronto: esta- va consumado o golpe de 1964.1 Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu a Presidência da, República, simplesmente entrando no Palácio do Planalto, às escuras, acompanhado de uns pou- cos assessores. Uma formalidade constrangedora, pois o po- der não estava ali. Estava, defacto, no Rio de Janeiro, nas mãos do "Comando Supremo da Revolução", instância criada e presidida por um dos conspiradores, o general Costa e Silva, que o integrava juntamente com o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo. Na madrugada do dia 2 para o dia 3, uma decisiva reunião aconteceu no 7Q andar do Ministério da Guerra, no Rio." Esta- vam presentes inúmeros líderes civis comprometidos com o golpe: os governadores Carlos Lacerda (GB), Magalhães Pinto (MG), Ildo Meneghetti (RS), Ademar de Barros (SP), Ney Braga (PR) e Mauro Borges (GO). Também compareceram o deputado Costa Cavalcanti, o ex-governador Juracy Magalhães e o marechal Juarez Távora. Buscavam convencer o chefe do "Comando Supremo", Costa e Silva, do acerto de se indicar o nome do general Castelo Branco para a presidência da Repú- blica. Castelo projetara-se como líder da conspiração desde que, atuando como chefe do Estado-Maior do Exército do ministro da Guerra de João Goulart, Jair Dantas Ribeiro, criticara o governo, através de momentosa avaliação que fizera circular 34 COMO ELES AGIAM entre seus subordinados.* Na tarde do dia 2, os líderes civis mencionados haviam se encontrado no Palácio Guanabara e acertado a indicação de Castelo Branco. Agora, na reunião com Costa e Silva, surgia um problema: o "Tio Velho" (apelido de Costa e Silva) desejava adiar a decisão, alegando não ser cabível escolher-se um militar e, muito menos, fazer-se qualquer tipo de eleição. Estava intransigente e ríspido, tratando asperamen- te os governadores Lacerda e Magalhães Pinto, que insistiam na indicação e tentavam de algum modo preservar a importân- cia de suas posições. O desdém pelos civis era patente, e a obs- tinação de Costa e Silva levou à suspensão da reunião por volta das quatro horas da manhã. Muitas dúvidas no ar: Costa e Silva queria apenas indicar um outro nome? Ansiava por ser, ele próprio, presidente da República? Pretendia erigir-se em eminência parda do manipulável Mazzilli ou estaria pensando em instalar uma di- tadura indisfarçável? Analistas do período sugerem que ele so- mente admitiria a eleição depois de efetuada uma rigorosa "operação limpeza", isto é, depois de eliminados os "inimigos da Revolução"." Muito embora, no dia seguinte, Costa e Silva acabasse con- cordando com a indicação proposta pelos líderes civis, não havia dúvida: o governo Castelo Branco contaria com um condestável. O primeiro governo "revolucionário" começaria sob o influxo da linha dura. Costa e Silva seria indicado por Castelo Branco para a pas- *A Circular Reservada do Estado-Maior do Exército, de 20 de março de 1964, afirmava: "(...) há quem deseje que as Forças Armadas fiquem omissas ou caudatárias do comando da subversão. Parece que nem uma coisa nem outra. E, sim, garantir a aplicação da lei, que não permite, por ilegal, movimento de tamanha gravidade (...):' O documento já foi publicado diversas vezes. 35
  • 19. CARLOS FICO ta da Guerra* e, em torno de seu ministério e de sua liderança, aglutinar-se-iam os militares mais exaltados. As duas teses prin- ••• cipais desse grupo eram o fechamento do Congresso Nacional e a implantação da mencionada "operação limpeza", através da cassação de mandatos de parlamentares, da suspensão de direi- toS políticos e de expurgos no funcionalismo civil e militar. Falava-se de uma lista de 5.000 punições, e seu anúncio disse- minava o medo. No dia 9 de abril, o "Comando Supremo" baixou um 'l.to Institucional" que, posteriormente à decretação de outros, nos anos seguintes, passaria a ser conhecido como AI-I. Este primei- ro ato conferia ao "Comando Supremo da Revolução" o poder de promover as punições desejadas pelos radicais. Tal poder pas- saria às mãos do presidente da República, por sessenta dias após a posse. Porém, demonstrando claramente seu ânimo e sua pre- eminência, Costa e Silva, através do "Comando", fez expedir, na antevéspera da posse de Castelo, o "Ato do Comando Supremo da Revolução nQ 9" e a "Portaria nQ 1". O primeiro estabelecia que os encarregados de inquéritos e processos (visando às sus- pensões de direitos políticos, às cassações de mandato etc.) po- deriam delegar atribuições referentes a diligências ou a investigações, bem como requisitar inquéritos ou sindicâncias levados a cabo em outras esferas.' A portaria determinava a aber- tura de Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar crimes mi- litares praticados contra o Estado e a ordem política e social.' Com isso, foram criadas as condições para que vários coronéis, tenen- tes-coronéis, majores e capitães exaltados persistissem na "caça às bruxas", mesmo depois da posse de Castelo Branco, pois eles assumiram a responsabilidade pela condução dos IPM. "Assim era chamado o atual Ministério do Exército. 36 COMO ELES AGIAM Esse ethos persecutório não se traduzia num programa de ação político-administrativo, fundando-se, tão-somente, no anseio de "eliminar o inimigo", visto como subversivo interes- sado na implantação de uma "república sindicalista" contrária aos "valores morais da democracia ocidental". Esse jargão - de forte conotação ético-moral, tendente a identificar a origem dos problemas tanto nas pretensões "subversivas" quanto numa difusa "crise moral" - provinha de consolidada cultura políti- ca de direita, por isso mesmo anticomunista, inspirada em cer- ta liderança civil: Não é segredo que a mentalidade dessa corrente militar radi- cal forjou-se ao longo da pregação do sr. CarIos Lacerda, so- bretudo de 1954 a 1964. O sr. Carlos Lacerda, nessa época, moldou os ideais de uma geração militar, dos que eram te- nentes e capitães e chegaram em dez anos ao segundo esca- lão da hierarquia}; Portanto, a situação estava aparentemente definida. Sob o estímulo e a liderança do ministro da Guerra, os coronéis exaltados começaram a "agir" (a expressão, muito usada na época, traduzi~ claramente o voluntarismo já mencionado), conduzindo os IPM e propondo miríades de punições. O presidente da República, militar legalista, tentava minimizar os efeitos 'da atuação da linha dura, sendo moderado nas pu- nições. Essa foi a impressão que ficou, origem da distinção entre radicais e moderados ou "duros" e "castelistas". Porém, no que se refere a Castelo Branco, bem caberia uma revisão de sua biografia, pois a fama de liberal e moderado discrepa da sem-cerimônia com que se serviu de atos de força, sempre 37
  • 20. CARLOS FICO que necessário* - para além da evidência de ter conspirado contra seu chefe e as instituições. Ademais, para firmar-se no governo, que alternativa haveria se não a de tentar enquadrar os colegas radicais? Seja como for, Castelo Branco teve grandes problemas com a linha dura desde os primeiros dias de seu governo. Arbitrarie- dades eram praticadas pelo país afora, especialmente no inte- rior e na região Nordeste. Oficiais, mesmo depois de já instalado o governo, continuavam agindo como se a "Revolução" ainda estivesse por ser ganha. Os governadores, constrangidos pelas arbitrariedades, dirigiam suas reclamações a Castelo." O pior, entretanto, estava por vir. Os processos de cassação, chegados de todo o país, assoberbavam o secretário do Conselho de Segurança Nacio- nal, incumbido de os examinar e organizar, para submetê-los ao presidente. Este desejava reduzir ao mínimo possível as punições, cingindo-se apenas aos casos imperiosos: evitava transformar a Revolução em instrumento de vinganças ou perseguições (...).8 Sempre que podia, Castelo tentava distinguir-se dos radi- cais, afirmando que a "Revolução" não poderia entregar-se a "uma ação desvairada", Para ele, os decretos punitivos consti- tuíam-se em atos políticos da Revolução. Não os inspirou uma veleidade simplista de punir. Ao contrário, observou-se em cada caso 'Veja-se, como exemplos, o recesso do Congresso Nacional, em outubro de 1966, e, sobretudo, a Lei de Segurança Nacional, que decretou em março de 1967. 38 COMO ELES AGIAM rigorosa apuração de responsabilidades. É mister relembrar que todo processo revolucionário pressupõe, no seu contex- to, medidas de natureza repressiva. Em muito poucos, entre- tanto, agiu-se com a justeza e moderação do movimento de março de 1964.9 Seus atos indicavam que ele supunha ser possível governar dentro dos limites da lei, depois de afastados da vida pública alguns "elementos que a perturbavam". 10 Diferentemente dos "coronéis dos IPM" (a expressão era pejorativamente usada pelos assessores de Castelo), ele não julgava necessário perpetuar os poderes discricionários do início do movimento. De fato, afir- "malefí d d" mava contrapor-se tanto aos m encios e extrema-esquer a quanto à "direita reacionária".'! Se assim é, como enfatizam os biógrafos que o julgam favoravelmente.F seu governo foi um melancólico fracasso, pois a vitória da linha dura foi indubitável, com a edição do AI-2 e a "eleição" de Costa e Silva. Essa, em linhas gerais, a origem da linha dura: capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis que, com um discurso anticomunista e anticorrupção - emulados e também in- fluenciando oficiais-generais -, ansiavam por maiores prazos para completar os expurgos. Em Carlos Lacerda, admiravam a retórica retumbante e as atitudes audaciosas; em Costa e Silva, enxergavam não apenas o chefe militar de maior antigüidade, mas também o líder que logo iniciou o processo de punições. A escalada de radicalização do regime prosseguiria sem in- terrupções, Em junho de 1964, terminou o prazo estabelecido pelo Ato Institucional para as cassações e suspensões de direi- tos políticos. Dois dias antes dessa data, a 13 de junho, foi cria- do o Serviço Nacional de Informações (SNI). A proposta causou desconforto em vários políticos, que temiam a instalação de 39
  • 21. ~r~~~--~~~~~------------------------~------------- CARLOS FICO organismo nos moldes do antigo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), de Getúlio Vargas. Castelo precisou nego- ciar com as lideranças parlamentares que o apoiavam a aprova- ção do projeto no Congresso Nacional. 13 Aparentemente, a criação do SNI inseria-se no contexto de radicalização. Porém o projeto era de autoria do general Golbery do Couto e Silva, um moderado da "Sorbonne" (como era conhecida a Escola Superior de Guerra- ESG), devorado r de livros, embora mau escritor, com fumaças de político astuto e de grande analista de geopolítica. Golbery estudava a necessidade de um órgão desse tipo desde os anos 195014 e, durante a conspiração, montou uma rede de informações que preparou dossiês sobre mais de 400.000 pessoas." Para a montagem do SNI, Golbery contou com sugestões de consultores norte-americanos. 16 Já existia um Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFIC!), criado no final do governo Kubitschek, ligado à secretaria do Conselho de Segurança Nacional, mas o novo governo sentia- se "desamparado de um sistema de coleta de informações segu- ras'"? e, sobretudo, queria implantar um serviço que estivesse em conformidade com a "doutrina de segurança nacional". Vale fazer uma digressão sobre este último aspecto. Cientistas políticos, sociólogos e historiadores tradicional- mente têm atribuído grande importância ao caráter sistêmico e sistematizador do conjunto de idéias conhecido por "ideolo- già' ou "doutrina de segurança nacional e desenvolvimento" .18 Tal enfoque tem sido especialmente útil quando nos auxilia a perceber o cunho orgânico que possuíam certas instâncias partícipes da conspiração que levou ao golpe de 1964, nota- damente a Escola Superior de Guerra, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisas e Estu- dos Sociais (IPES) - organizações que congregavam, basica- 40 I,;;: ..- .~. COMO ELES AGIAM mente, empresários e militares de elite. Essa visão, entretanto, deve ser matizada não só em função da grande diversidade, já aludida, entre os militares, mas, sobretudo, pela importância relativamente pequena que planos de ação e doutrinas sistemá- ticos tiveram posteriormente, quando da implantação de polí- ticas efetivas dos governos militares. A doutrina ou ideologia de segurança nacional e desenvol- vimento teve de se adaptar, ao longo do tempo, aos ditames dos mandantes do momento. Aliás, observou-se uma gradual decadência da ESG, no pós-1964. Em se tratando de fenôme- no tão recente, é natural que existam dificuldades analíticas e lacunas de informação. Somente alguns oficiais estavam adstritos, em uníssono, aos cânones da "doutrina", Como já foi dito, o amálgama ordinariamente reduzido à expressão "os militares" compunha-se de uma variada gama de cores políti- cas que se estendia desde aqueles que eram comprometidos com as formalidades da legislação democrática (especialmente os mi- litares oriundos da ESG) até despóticos que as desprezavam vis- à-vis suas utopias autoritárias (extremistas de direita que tinham posições anticornunistas): ou desde os que se batiam por um nacionalismo ufanista baseado nas "grandezas brasileiras" e os que admitiam as insuficiências do país tendo em vista um pro- jeto global de desenvolvimento. Produzida, basicamente, no âmbito da ESG, a "doutrina" supunha que o Brasil integrava-se ao contexto internacional da Guerra Fria considerando (a) sua grande população e extensão territorial; (b) seu posicionamento geopolítico, que lhe confe- ria importância estratégica no âmbito das relações políticas in- ternacionais e (c) sua vulnerabilidade ao comunismo, à luz de supostas fragilidades internas (população "despreparada" e po- líticos "corruptíveis"). Desse diagnóstico, decorria que (a) o 41
  • 22. CARLOS FICO Brasil tinha condições de se tornar uma das grandes potências mundiais e (b) era necessário precaver-se contra a "ameaça co- munista". Em conseqüência, a ESG elaborou caminhos brasi- leiros possíveis para (a) hipóteses de guerra entre os países capitalistas e comunistas; (b) mecanismos internos de combate ao comunismo e (c) um desenvolvimento econômico que re- forçasse o destino brasileiro de "grande potência", isto é, de país superiormente desenvolvido do ponto de vista industrial e, tam- bém, estratégico quanto à interlocução política internacional. Essa elaboração intelectual encontrou em Golbery do Couto e Silvaseu principal proponente, especialmente quanto ao aspecto geopolítico (a variável econômica, orientada por técnicos alta- mente especializados, tendeu ao favorecimento do capital es- trangeiro, mesmo com resistências internas, tal como previra, aliás, a ESG). No efetivo cotidiano dos sucessivos governos militares, porém, esse conjunto lógico e sistemático de idéias mesclou-se de diversas maneiras ou, dito de outro modo, hou- ve momentos e/ou grupos em que certos aspectos da "doutri- na" sobrepuseram-se a outros. Não surpreende, portanto, que Golbery tenha se tornado o primeiro chefe do SNI. Falarei desse organismo oportuna- mente. Por ora, cabe registrar o seguinte: o SNI foi criado em 1964, momento em que a linha dura ainda agia de maneira assistemática, ou, para dizê-lo cabalmente, faseem que inexistia o sistema de segurança que se implantaria formalmente cerca de cinco anos depois. Por certo, houve tentativas de ampliar as atribuições do SNI, tornando-o um órgão de "mão dupla", isto é, dando-lhe tarefasde propaganda política, idéia rechaçada por Castelo Branco, que não queria comparações com o velho Dlp'19 Golbery era um esguiano, moderado; identificar-se-ia como castelista nos anos seguintes. Nada tinha a ver com a índole dos 42 COMO ELES AGIAM radicais. Ao contrário, no futuro seria considerado inimigo da linha dura. Portanto, embora seja compreensível a leitura so- bre o SNI que tende a identificã-lo como órgão repressivo (mesmo porque pouco se sabia, até recentemente, sobre os "po- rões da ditadura"), ele era, na verdade, precipuamente um ór- gão de informações. Essa é uma distinção básica para um entendimento histórico mais refinado, como já foi notado por di d I d 20 importantes estu lOS0S o peno o. Enquanto o sistema de informações já se consolidava for- malmente, a montagem de um setor especificamente repressi- vo, vale dizer, uma polícia política, era obstada por Castelo Branco. O ministro da Guerra, Costa e Silva, propôs a criação de um órgão nesses moldes, mas não obteve a concordância do presidente." Aproximava-se o dia 15 de junho, data final para aplicação das medidas punitivas. * O general Estevão Taurino de Resende Neto - que fora nomeado pela Portaria nQ 1 do "Comando Supremo da Revolução" como encarregado pelos IPM - pediu ao presidente da República que prorrogasse o prazo para cassações de mandatos e suspensões de direitos po- líticos, mas Castelo Branco não o atendeu, enchendo de revol- ta os "coronéis dos IPM".22 Daí para a frente, Castelo passou a fazerrigorosa triagem dos processos de punição - seja por efe- tiva formação liberal, seja para demarcar sua esfera-de poder em contraste com a atuação dos radicais. Ao invés do anuncia- do "listão" de punidos, as cassações e suspensões de mandatos iam surgindo a pouco e pouco - para maior irritação dos ra- dicais. Logo apareceriam rumores de implantação de um.Esta- "Note-se que o Ato Insrirucional, como um todo, vigeria até 31 de janeiro de 1966, mas a suspensão de direitos políticos e a cassação de mandatos somente poderiam ser praticadas até 15 de junho de 1964. 43
  • 23. CARLOS FICO do de Sítio, depois do dia 15, para perpetuar o ânimo puniti- vo, mas isso também não se verificou." Do mesmo modo, ge- nerais de projeção davam entrevistas perturbadoras, pondo em xeque a autoridade do presidente da República. Taurino de Resende, por exemplo, declarou que a recusa de Castelo Bran- co de prorrogar o prazo de cassações era simples opinião pes- soal, pois o Conselho de Segurança Nacional não fora ouvido sobre a questão.é Vivia-se um confronto aberto. Reagindo à movimentação dos radicais, Castelo Branco fez um discurso, na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, no começo de julho de 1964.Ele advertia a linha dura: Quanto ao expurgo, ele segue inexoravelmente prazos e con- dições que são exigidos para que tudo se processe em am- biente de seriedade. O expurgo não pode entregar-se a uma ação desvairada e deve dar à nação a impressão de que ajus- tíça se faz obedecendo à lei e a todos os processos que esta impõe." Embora Castelo tenha conseguido manter a data-limite, as tensões continuavam, porque os IPM se arrastavam. Também prosseguiam as tensões pelo interior do país, com conflitos ptotagonizados. por militares exaltados, que insistiam em pa- trocinar prisões arbitrárias, inquirições despropositadas e ou- tras violências. No âmbito da cúpula militar, já se falava da tese da "autonomia" excessivadessessetoresradicais, que pretendiam atuar independentemente da vontade do presidente da Repú- blica, e a figura do ministro da Guerra era identificada como o . elo de ligação com tais grupos autonomistas." Sabia-se, cla- ramente, desses desmandos e, mesmo, de casos flagrantes de 44 COMO ELES AGIAM tortura, francamente denunciados por jornais como o Correio da Manhã e o VItima Hora. Castelo não se animava a mandar apurar as acusações, talvez na esperança de que o ímpeto dos radicais amainasse. Em setembro, porém, veio à tona a notícia da morte do sargento Manoel Alves de Oliveira, que se deu em maio, nas dependências de um hospital militar no Rio de Janeiro. Teria sido vítima de torturas, praticadas na unidade militar onde atuava e fora preso. Os oficiais moderados, até então desinte- ressados das acusações, agora abalaram-se, preocupados com a possibilidade de serem atingidos e com a quebra da hierarquia militar," Castelo não pôde ficar indiferente e acabou por no- mear seu chefe da Casa Militar, o general Ernesto Geisel, para a espinhosa missão de investigar as denúncias, inclusive no Nordeste. Obviamente, Geisel voltou daviagem tergiversando e apresentou um relatório no qual apontava ter havido tortura nos primeiros dias da "Revolução", mas nada afirmando quan- to ao momento da missão (empreendida meses depois dos epi- sódios denunciados) .28 Castelo Branco nada fezde maisvisível,29 talvez supondo que a existência da missão, por si só, fossesufi- ciente para desestimular novos episódios de tortura. O problema é que outras instâncias do governo davam si- nal em sentido oposto, não propriamente em favor da tortura, obviamente, mas favorecendo iniciativas francamente obscu- rantistas, como a presença de coronéis investigadores em uni- versidades. O ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda - que em 6 de novembro assinaria a "Lei Suplicy", proibindo atividades políticas estudantis -, estimulava essas ações poli- ciais." Outras atitudes de Castelo Branco também irritaram os militares radicais. No início de seu governo, ele afirmou estar 45
  • 24. CARLOS FICO providenciando a divulgação de um "livro branco" que com- .provaria a existência de subversão e corrupção, capaz, portan, to, de justificar as ações rigorosas do regime. Com o tempo, porém, a idéia foi abandonada, provavelmente em função do constrangimento que adviria da admissão de envolvimemo de militares nos episódios que o "livro branco" deveria documen- tar. Para os radicais, entretanto, a desistência deve ter soado como falta de coragem." Assim, em novembro de 1964, já se falava abertamente da necessidade de um segundo ato institucional, para a retomada e ampliação do processo punitivo, paralelamente a outros epi- sódios que mais estimulariam a linha dura. Em abril de 1965, o Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus a Miguel Arraes, que se recusou a depor como índiciadc no IPM que o convocou." A concessão deste e de outros habeas corpus era interpretada, pela linha dura, como contestação à "Revolução", tornando-se notório o desconten- tamento dos coronéis que conduziam os IPM, que, assim, al- çavam-se à condição de virtuais opositores do governo Castelo Branco: Essa oposição ao governo, pois a tanto equivalem as restri- ções, abrange o inconformismo com a condução geral dos negócios públicos do país e é feita em nome da Revolução que se estaria frustrando por culpa dos compromissos legalistas do presidente. Suagravidade estaria em que ela atin- ge e mobiliza um grupo de militares, cuja impaciência pode- ria provocar graves acontecimentos desde que, entre eles e o poder civil, encarnado pelo presidente Castelo Branco, já não há um escalão de apelo, tradicionalmente constituído pela ação unida e uniforme das Forças Armadas. 33 46 COMO ELES AGIAM , No mês de maio, ainda persistiam nove IPM sendo condu- zidos por coronéis. A irritação do grupo provinha das limita- ções que a Justiça impunha às suas iniciativas, fornecendo habeas corpus que obstavam as investigações. Tal estado de ânimo es- praiava-se como cultura política radical pelos escalões inferio- res, articulando-se a questões políticas do momento. Um dos problemas políticos que mais mobilizava o descontentamento da linha dura era o risco de, nas eleições para governadores marcadas para outubro, vir a ser eleito um político "inimigo" ou, pior ainda, alguém investigado pelos IPM. Portanto, os radicais projetavam-se como atuantes para além da perspectiva da conclusão dos IPM, que se previa para alguns meses antes das eleições. Tratava-se, já, de um grupo de pressão plenamen- te constituído.ê" Corria no Congresso, por iniciativa do então deputado Nélson Carneiro (UDN/BA), um projeto de emenda à Cons- tituição que possibilitava a abertura de processos de revisão das suspensões de direitos políticos. Fadado ao fracasso, o projeto pouco preocupava a base parlamentar do regime, mas, parale- lamente, dava mais munição aos radicais. Estes, espalhados por todo o país, elaboravam suas listas de "inelegíveis", isto é, no- mes de políticos que não poderiam candidarar-se às eleições para governadores de onze estados, em outubro, em função de pretensos comprometimentos com a "subversão" ou a cor- rupção.* Em julho, o governo aprovou as novas normas de inelegibilidade e de incompatibilidade, que atenderam parcial- mente às preocupações da linha dura. Como tal legislação pa- recia pôr cobro aos reclamos dos radicais, enquadrando-os de -o, demais governadores eram eleitos segundo outro calendário. 47
  • 25. , CARLOS FICO algum modo, logo o comandante do I Exército veio a público "esclarecer" que os IPM continuavam privilegiados.ê? Para os setores moderados do governo, porém, a esperança era de que tais inquéritos estivessem encerrados dois ou três meses antes da eleição,36 recomendação expressa do presidente. Os traba- lhos eram conduzidos pela Comissão Geral de Investigação, criada ainda pelo "Comando Supremo da Revolução", mas então presidida pelo almirante Paulo Bosísio, mais afinado com Castelo Branco do que o general Taurino de Resende, nomea- do por Costa e Silva. Bosísio teve de dar conta de 1.110 pro- cesses." Mas o afastamento de Taurino acirrou o ânimo dos condutores dos IPM que, em represália, adotaram postura ain- da mais radical: Nada os embaraçava. Não davam satisfações a ninguém. Erigiam-se em autoridade, acima das leis. Prendiam a torto e a direito, por prazo indeterminado. Se a autoridade judiciária concedia habeas cotpus, desrespeitavam-no. Era hábito (...) se- qüestrar aqueles que desejavam ouvir (...). Valiam-se, tam- bém, do recurso de passar a vítima da alçada de uma para a de outros (...). O interrogante sentia-se investido de autorida- de ilimitada e dotada do sentimento de quem está realmente salvando a civilização, a pátria e a família." A aprovação das leis de inelegibilidade e incompatibilidade foi muito desgastante para o governo, que não queria legislar tendo em vista a estigmatização específica desse ou daquele nome vetado pelos radicais. Mas foi precisamente isso o que aconteceu, em função de uma crise iniciada pelos "coronéis dos IPM" e que obrigou o governo a recuar. No dia 21 de junho, insatisfeitos com a instrução presiden- 48 COMO ELES AGIAM dai que demandava a conclusão dos inquéritos, três coronéis pediram demissão das chefias dos IPM. Eis o relato dos episó- dios, feito pelo chefe da Casa Civil de Castelo Branco, Luís Viana Filho: Um oficial da Aeronáutica, Júlio Valente, homiziara-se no Rio após manifestações contrárias ao governo de S. Paulo, e aca- bara preso. Antes o coronel Martinelli fora punido por decla- . rações políticas; a Líder," que reunia também militares ligados a Lacerda, tivera a sua extinção decretada; e também o cel, Pina deixara com alarde o IPMdo ISEB.Em São Paulo, um dos inquéritos mais rumorosos foi o da Caixa Econômica Federal, presidido pelo coronel Paulo Emílio Souto, que a certa altura, espicaçado pelos boatos, dando-o como pressionado para encobrir políticos, reuniu a imprensa e declarou apenas con- siderar indiciados o ex-presidente da Caixa Econômica e o presidente da Codema Comercial Importadora. E acrescen- tou "não mais suportar as insinuações de que a comissão se estaria curvando a pressões políticas". Era a conseqüência das malévolas interpretações que envolviam os inquéritos. Tornara-se evidente a conveniência de concluí-l os com bre- vidade." Dois dias depois da declaração à imprensa do coronel Pau- lo Emílio Somo, o governo distribuiu uma nota à imprensa em que reafirmava achar-se "encerrada a fase de aplicação, pelo Exe- cutivo, das sanções previstas nos artigos 7 e lado Ato Institucional", informando que os processos remanescentes . . d 'J . 40 seriam envia os a usnça, "Liga Democrática Radical, espécie de associação política dos oficiais exaltados. 49
  • 26. II CARLOS FICO Aproximava-se a data das eleições, e, embora a campanha transcorresse sem maiores incidentes, o clima não era de tran- qüilidade. Assim, (...)para acalmar os exaltados, especialmente os da linha dura, pareceu bem que o presidente falasse à nação nas vésperas do pleito, e isso foi acordado numa reunião, no Laranjeiras, dos ministros militares e do general Geisel com o presidente." Expressão bastante significativa desse clima foi o pedido de exoneração do ministro da Justiça, Mílton Campos, discreto liberallegalista. Desde o início do governo, ele relatava a ami- " gos íntimos algo que o impressionava: a profusão de projetos de leis e atos arbitrários que chegavam ao Ministério da Justi- ça, propondo toda a sorte de restrições à democracia. Ele cha- mava os juristas produtores desses projetos de decretos fulminantes de "os laboratórios". Mílton Campos certamente soube que estava sendo preparado um segundo ato institucional, para depois das eleições, e por isso pediu demissão ainda rio dia 12 de outubro." De fato, o resultado da eleição, que apontou a derrota do governo na Guanabara e em Minas Gerais, deixou o grupo ra- dical bastante exaltado, sobretudo na Guanabara, pois o fra- casso do governador Carlos Lacerda, não elegendo seu sucessor, tornava o líder civil da linha dura vulnerável em suas preten- sões presidenciais. No dia 5 de outubro, os boatos deixaram o palácio presidencial de Laranjeiras agitado: chegavam notícias de movimentação em alguns quartéis, mas os problemas na Vila Militar eram os mais importantes. Costa e Silva colocou as tro- pas de prontidão e solidarizou-se com Castelo Branco, atitude que também tomou o general Amauri K.ruel, comandante do 50 " COMO ELES AGIAM II Exército (SP). Portanto, havia um perigo real a ser conside- rado por essas autoridades. Costa e Silva teve de se dirigir para a Vila Militar, onde procurou serenar, os ânimos, comprome- tendo-se a obter do presidente as medidas que fossem necessá- rias para manter sob controle os governadores oposicionistas recém-eleitos e para retomar a "operação limpeza". O insucesso nas eleições era a culminância de uma sucessão de problemas. A própria manutenção das eleições diretas, se- gundo alguns analistas, não deixou de ser um equívoco de Cas- telo (pela ótica do regime militar), que se decidiu por elas quando Carlos Lacerda, em uma carta, informou o presidente de que estaria de acordo com a prorrogação dos mandatos dos governadores, mas, preferencialmente, posicionava-se pelas elei- ções diretas, o que seria "o melhor, o certo, o corajoso, o de- mocrático", termos tidos como farisaicos por Castelo." Seu ministro da Guerra, Costa e Silva, também lhe sugerira a indi- cação de inrerventores." Castelo, para contrastar com os dois chefes da linha dura, teria tentado afirmar-se um democrata respeitador das leis, quando, liderando um regime de exceção que acabara de se implantar, não teria dificuldades para optar por quaisquer das saídas sugeridas. Agora, os fracassos nas elei- ções da Guanabara e de Minas Gerais traziam-lhe problemas, embora significassem, também, o enfraquecimento de Carlos Lacerda e de Magalhães Pinto, notórios candidatos a presiden- te da República, que, por isso mesmo, tendiam a retirar das mãos de Castelo a condução exclusiva do processo sucessório. Castelo Branco consultou informalmente lideranças do Congresso Nacional com a esperança de obter, sem recurso a atos discricionários, as medidas reclamadas pelos duros. No dia 12 de outubro, cogitava-se de suprimir o foro especial dos governantes depois que eles deixassem os cargos, de ampliar os I I I I 51 1 J
  • 27. I CARLOS FICO casos de intervenção federal e de criar um "Estatuto dos Cassa- dos".? Estas e outras medidas, porém, não obteriam assenti- mento do Congresso Nacional. Tampouco agradava à linha dura a idéia de se submeter ao parlamento e às suas discussões, por vezes intermináveis. O novo ato institucional viria. Auxiliando a construção de uma mitologia em torno de sua própria figura, Castelo, na manhã do dia 27, ao convocar o novo ministro da Justiça, Juracy Magalhães, ao Palácio do Planalto, informou-o de que se decidira por assinar o ato após uma noi- te em "vigília cívica" e que havia tomado a decisão condiciona- da àsua própria inelegibilidade." De fato, o artigo 26 doAI-2, que estabelecia a eleição indireta do presidente da República, veio com um parágrafo único impedindo a reeleição de Caste- lo. Tanto pior para o presidente, pois Costa e Silva sentiu-se liberado para postular sua candidatura, que oficializaria menos de três meses depois, à revelia do presidente. honze horas do dia 27 de outubro, com o Palácio do Planalto repleto de auto- ridades, iniciava-se a leitura do Ato lnstitucional n2 2, que Castelo introduziu com um breve discurso, no qual afirmava que "a Revolução brasileira C..) está sujeita a contingências, até mesmo a circunstâncias várias" Y O vanilóquio não conseguia esconder a evidência: se o Congresso Nacional tivesse rejeitado as medidas que, agora, oAI-2 impunha e ampliava, Castelo teria . sido deposto e o Congresso fechado. Vitória da linha dura. As principais medidas estabelecidas pelo AI-2 eram as se- guintes: possibilidade de suspensão de direitos políticos e de cassação de mandatos parlamentares; imposição da eleição in- direta de presidente da República; permissão para o presidente da República decretar o recesso do Congresso Nacional e de- mais casas legislativas; extinção dos partidos políticos; delega- ção, ao presidente da República, do poder de legislar por 52 , "1' , '1, COMO ELES AGIAM decretos-leis; estabelecimento de foro especial para civis acusa- dos de crimes contra a segurança nacional ou as instituições mili- tares; suspensão das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade; ampliação de onze para dezesseis do número de ministros do Supremo Tribunal Federal. O último artigo do ato estabelecia seu prazo de vigência: até 15 de março de 1967, data da posse do sucessor de Castelo Branco. Apesar de ser uma concessão aos radicais, o AI- 2 não os acalmou. Colaborou para isso a leva de punições que recaíram precisamente sobre o grupo, espécie de dissimulação da fragili- dade do presidente: Breve observação revelava que os mais inquietos da "linha dura" haviam sido punidos ou dispersas por Costa e silva. Osnelli Martinelli partira para o Colégio Militar de Salvador; Gérson Pina fora reformado; RuiCastro tivera uma prisão dís- cíplínar: Hélio Lemos vira-se transferido para Bagé; e Prancis- co Boaventura (...) deveria seguir para Mato Grosso, após cumprir uma pena. (...) a Líder, que congregava tantos exalta- dos, fora fechada pacificamente. De São Paulo, pelo general Agostinho Cortes, sabia-se que o general Kruel não gostara do ato, que, afinal, voltava-se contra os que o haviam ocasio- nado." Esses militares exaltados não abandonavam facilmente suas teses, repisando-as sistematicamente, numa técnica que viria a se constituir, futuramente, num dos modusfaciendi do grupo. Continuavam, por ora, reclamando da posse dos governadores oposicionistas. O coronel Ferdinando Carvalho, responsável pelo IPM nQ 709 (contra o PCB), usou todos os expedientes possíveis para evitar a posse do novo governador da Guanabara, 53
  • 28. I CARLOS FICO Negrão de Lima. Afirmando que Negrão contava com o apoio dos comunistas, o coronel encaminhou um pedido de prisão preventiva do governador eleito ao Superior Tribunal Militar. a Tribunal negou a solicitação, já depois da posse, mas, neste ínterim, boatos diversos tumultuaram a cena política." Mais grave ainda, a linha dura disseminava a idéia da exis- tência de uma "força autônoma", algo como o braço autêntico da "Revolução". Reagindo, Castelo fezdiscurso veemente, quan- do visitou o interior da Bahia, menos de um mês após o AI-2. Afirmou não reconhecer a legitimidade de nenhuma "força autônoma", mas que, se ela existisse, que se apresentasse aber- tamente para a luta. Não surpreendia que o presidente tentasse .. enquadrar os radicais; chocante foi a resposta publicada por Francisco Boaventura, sob a forma de carta aberta, no Jornal do Brasil, atacando a atitude governista de garantir a posse dos eleitos.50 Essas notícias sobre a "força autônoma" já incomoda- vam o presidente havia tempos. Em junho, ele soubera que oficiais ligados aos encarregados dos IPM planejavam destruir o teatro onde estava sendo encenada a peça Liberdade. Escre- vendo para o ministro da Guerra, afirmou: , i (...) as ameaças de que oficiaisvão acabar como espetáculo são de aterrorizar a liberdade de opinião. Ainda mais. Há oficiais que mandam apreender livros. Isso só serve para baixar o nível intelectual da Revolução,pois, além de nada adiantar, constitui um ato governamental só usado em paí- ses comunistas ou nazistas. Eu lhe pediria, então, que exa- minasse e diligenciasse a respeito do que acabo de lhe assinalar. A "força autônoma" precisa ser, com a necessária oportunidade, devidamente esclarecida, contida, e, se for o caso, reprímída." 54 COMO ELES AGIAM Bem se vê, portanto, que se ia constituindo não apenas um grupo de oficiais igualados na adesão aos procedimentos radi- cais no âmbito da grande política, isto é, desejosos de cassar mandatos, suspender direitos políticos e demitir funcionários públicos. Formava-se,· além disso, um grupo de homens dis- postos a agir por conta própria, sem maiores considerações pelas normas legais, tendentes a fazervaler suas idéias pela força. Era o embrião da comunidade de segurança, do caráter e modo de agir dos futuros membros dos órgãos de segurança. a chefe desse grupo, para quem Castelo dirigiu a correspondência mencionada, não os esclareceu, conteve ou reprimiu. Porém não foram apenas os "coronéis dos IPM", acober- tados por Costa e Silva e outros oficiais-generais, que colabo- raram para a chocante escalada radical da linha dura. apróprio Castelo Branco tomou iniciativas que muito auxiliaram a pro- eminência do grupo. A mais importante colaboração própria de Castelo Branco à consolidação da linha dura foi a nova Constituição que elefezaprovar em prazo recorde, em boa parte para limitar a liberdade de ação do general Costa e Silva52 - que, como se previa, foi "eleito" sem dificuldades para suceder Castelo Branco. A Constituição de 1967, aprovada menos de dois meses antes da posse de Costa e Silva, incorporou boa parte das me- didas arbitrárias estabelecidas pelos atos institucionais. A que importa para o entendimento da.criação de um setor especifi- camente voltado para a repressão política foi o postulado de que "toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segu- rança nacional, nos limites definidos em lei".53 Com igual im- pacto, o foro militar ficou definitivamente estendido aos civis, nos casos de crimes contra a segurança nacional. Logo, urgia aprovar uma Lei de Segurança Nacional, tipificando os crimes 55
  • 29. r , j I CARLOS FICO previstos na Constituição. O novo ministro da Justiça de Cas- telo Branco, Carlos Medeiros, com a ajuda do chefe do Gabi- nete Militar, Ernesto Geisel, redigiu tal lei. O próprio Castelo colaborou com a definição de "segurança interna", "guerra psi- cológicà' e "guerra revolucionárià' ,54dando forma final ao tex- to que foi expedido através de decreto-lei, em 13 de março de 1967 (antevéspera da posse de Costa e Silva).55 Portanto, cou- be a Castelo Branco tornar legal a noção de "guerra interna" e permitir que brasileiros civis fossem indiscriminadamente acu- sados de "subversivos" - base jurídica e conceitual indispen- sável para que a linha dura passasse da simples condição de grupo de pressão para a perigosa posição de "sistema de segurançà', com permissão para investigar, prender e interrogar, erigindo- se em polícia política. Assim, ao assumir a presidência da República, Costa e Sil- va, sem o Ato Institucional nl!2, contava "apenas" com a Lei de Segurança Nacional para "defender a Revolução". O general queixava-se de não ter fechado o Congresso Nacional em 1964,56 quando poderia ter sido feita uma aprofundada "ope- ração limpeza", Agora, no início de seu governo, às voltas com inúmeras manifestações de descontentamento, lamentava não ter sido ainda mais rigoroso quando chefiava o "Comando Supremo da Revolução". Situemos mais uma vez nosso objetivo, 'para melhor sus- tentar a seleção de episódios que norteiam esta narrativa. Tra- ta-se de compreender o surgimento dos sistemas de informações e de segurança. Certamente, não será surpresa para o leitor afir- mar que a constituição desses sistemas amparou-se na opção definitiva, pelo governo de Costa e Silva, em favor da ditadura tout court, representada pelo tristemente famoso "Ato Institucional nQ 5", ou ''AI-5'', de 13 de dezembro de 1968. Ora, 56 COMO ELES AGIAM a quase totalidade dos militares e civis que apoiaram a ditadura afirma, ainda hoje, que o AI-5 foi uma resposta à escalada do "terrorismo", isto é, uma reação inevitável, por parte do regi- me, àqueles que pretendiam derrubá-lo através do "terrorismo de esquerda" (atos como seqüestros, assaltos, atentados etc.), da guerrilha urbana e da guerrilha rural (entendidas como "luta armada" contra o regime militar). Portanto, uma das questões historiográficas mais momentosas da recente história do Brasil é a resposta à seguinte pergunta: o AI-5 decorreu da opção ex- tremada pelas armas, feita por boa parte da esquerda comunis- ta revolucionária, ou, ao contrário, induziu tal escolha (já que, com o AI-5, a oposição legal tornou-se indefensa)? No proscênio das manifestações antigovernamentais que mais incomodavam o regime - e, por decorrência, a linha dura -, estavam os comunistas, os estudantes, a Igreja católica, as diatribes políticas de Carlos Lacerda e os operários. Os operários tiveram seus sindicatos completamente desor- ganizados após o golpe de 1964, e, embora tenharri feito uma greve expressiva e relativamente vitoriosa em abril de 1968 (ini- ciada pelos trabalhadores da siderúrgica Belgo Mineira, na ci- dade mineira de Contagem), não conseguiram reproduzir o feito em tentativa seguinte, na cidade paulista de Osasco (junho do mesmo ano), e tampouco alcançaram deflagrar a greve geral programada para outubro. Carlos Lacerda, agastado com os bloqueios às suas preten- sões políticas, propôs uma aliança aJoão Goulart e a Juscelino Kubitschek, batizada de "Frente Ampla". Em março de 1967, a "Frente" lançou seu manifesto, propondo eleições diretas, constituição democrática e anistia geral. O episódio mais impactante, entretanto, foi o chamado "Acordo de Montevi- déu ", acertado entre Carlos Lacerda e João Goulart, em setem- 57 -=l~ BIBLlOTECli l1mP. IOal / MA.tliAIIA
  • 30. l CARLOS FICO bro, e que defendia a volta da democracia no país A aliança, embora inócua, gerou grande bulha entre políticos e imprensa especializada, mas sobretudo selou o destino de Carlos Lacerda diante da linha dura. Afinal, era incompreensível para os mili- tares radicais que Lacerda patrocinasse uma "volta ao passado", associando-se ao presidente que o golpe de 64 derrubara e ao ex-presidente que, com grande repercussão negativa, Castelo Branco cassara em 1964. A "Frente Ampla" seria fechada em abril de 1968, e Carlos Lacerda cassado em dezembro. Também a Igreja católica apresentava claros sinais de des- contentamento, discrepando da boa vontade e apoio dos mo- mentos iniciais do regime. Em novembro de 1967, a prisão de integrantes daJuventude Operária Católica e de um padre fran- cês levou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a lançar um manifesto de protesto. Conflitos como esse se ampliariam daí para a frente. Porém, embora compusessem um quadro geral de insatis- fação com o regime militar, o movimento operário declinante, o derradeiro ato político de Lacerda e os primeiros sinais opo- sicionistas da Igreja não se constituíam no principal foco de preocupações do governo. Elas eram causadas pelos estudantes e pelos comunistas. O movimento estudantil, posto na ilegalidade desde o governo Castelo Branco, continuava sendo alvo de inúme- ras medidas arbitrárias e violentas, como as invasões de uni- versidades, que mais de uma vez resultaram em prisões e ferimentos graves. * As lideranças estudantis, mesmo per- "Em junho de 1968, aproximadamente 15 pessoas foram feridas e 300 termina- ram presas durante invasão da UFR] pela polícia. Em a'gosto, um estudante foi atingido na cabeça por um tiro, em episódio assemelhado na UnB. 58 COMO ELES AGIAM seguidas, ameaçadas e muitas vezes presas, conseguiam ca- nalizar as insatisfações específicas do setor (falta de vagas, arcaísmo do ensino) no sentido de uma politização fran- camente de esquerda. Em 1968, os protestos estudantis ti- veram grande projeção, em função da alta incidência, dramaticidade e grande número de participantes. Em mar- ço, a morte de um secundarista, abatido por policiais, em pleno centro do Rio de Janeiro, repercutiu grandemente, inclusive no seio da classe média, que aderiu às manifesta- ções de protesto. Novas violências e inúmeras prisões fize- ram com que os protestos se alastrassem pelo país. Nos meses seguintes, grandes passeatas desafiaram, nas ruas do Rio de Janeiro, Recife e outras capitais, o poderio dos militares. Em outubro, outro estudante seria morto, na Faculdade de Fi- losofia da USP, atacada pelo "Comando de Caça aos Cornu- nistas"* e estudantes direitistas, Os comunistas, surpreendidos pelo golpe de 1964 e colo- cados na clandestinidade, começavam a se rearticular, buscan- do alguma forma de atuação. Fragmentados em diversas tendências e siglas, enfrentavam, a um só tempo, a necessidade de refletir sobre as causas da derrota de 1964 (fragorosa, por- que, no período 1960-1964, assistira-seao "ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século?") e sobre o debate quanto à opção pela luta armada, que animava diversos grupos comunistas, desde a consolidação do mito do "fo- "Note-se, portanto, que organizações semiclandesrinas de perseguição aos co- munistas já existiam, como este ccc. Tais grupos, acobertados pela linha dura, promoviam atentados políticos violentos contra artistas, intelectuais e estudantes, e, com a constituição de um setor repressivo oficial, tenderiam ao declínio. S9
  • 31. r I CARLOS FICO quismo"* como teoria explicativa do sucesso da Revolução de Cuba." A Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), realizada em Havana entre 31 de julho. e 10 de agosto de 1967, foi um grande divisar de águas para os comunistas brasileiros, especialmente no que teve de estímulo para que Carlos Marighella - até então membro da Comissão Executiva do PCB - adotasse, de uma vez, a tese da luta ar- mada, que já o animava havia algum tempo. Em Cuba, Marighella fez um acordo para o envio da primeira turma de brasileiros a serem treinados como guerrilheiros." Não cabe, aqui, descrever as ações da "Ação Libertadora Nacional" (ALN), de Marighella, e de outros grupamentos co- munistas que enveredaram pela guerrilha, já superiormente descritas e analisadas por outros aurores/" Porém é necessário registrar as iniciativas que, antes do AI -5, deixaram clara a exis- tência da opção feita por esses grupos, já que somente elas po- deriam ser consideradas como causadoras do ato. Ações guerrilheiras inspiradas no foquismo cubano existi- ram no Brasil mesmo antes do golpe de 1964. Francisco julião, à frente do "Movimento Revolucionário Tiradentes" (MRT), estabeleceu um campo de treinamentos em Dianópolis (GO), em abril de 1962. Mas a iniciativa foi logo reprimida, resultan- do em prisões e apreensão de armas e munições. Em dezembro de 1967, aALN iniciou uma onda de assaltos a bancos, com o propósito de levantar recursos para sustentar a organização. Porém somente em novembro de 196861 a polícia saberia defi- nitivamente quem estava por trás do repentino aumento do *0 foquismo afirmava a possibilidade de instauração de uma guerrilha rural a partir da atuação de pequeno grupo de revolucionários junto a camponeses em região de difícil acesso para forças legalistas. 60 COMO ELES AGIAM número de assaltos a casas bancárias." Em junho de 1968, houve um ataque ao Hospital Militar, em Cambuci (SP), do qual fo- ram roubados alguns fuzis. Em julho, foi a vez de um "jus- riçamento": pretendendo matar um capitão boliviano tido como responsável pela prisão de Che Guevara, o "Comando de Li- bertação Nacional" (COLINA) acabou por executar um major alemão que fazia o curso da Escola de Estado-Maior do Exérci- to, no Rio de Janeiro. A morte de um capitão norte-america- no, suspeito de pertencer à Central In telligence Agency (CIA) , foi outro "justiçamenro", este ocorrido em outubro, em São Paulo. Note-se que um grupo não comunista já havia tentado ações guerrilheiras anteriormente. Este foi o caso do "Movimen- to Nacionalista Revolucionário", de inspiração nacionalista, claro está, ligado a Leonel Brizola. A idéia era instalar um foco guerrilheiro na Serra de Caparaó (região fronteiriça entre Mi- nas Gerais e Espírito Santo). Um pequeno grupo chegou a fi- xar-se no local, para treinamentos, mas logo foi detectado pela Polícia Militar mineira e preso em abril de 1967. Pode-se retomar, agora, a pergunta anterior: o rigor estabe- lecido a partir de 1968 foi causa ou conseqüência da guerrilha urbana e rural? As prisões arbitrárias, torturas e "desaparecimen- tos" levaram a esquerda a intensificar os preparativos da "guer- ra popular" ou, ao contrário, surpreendidos pelos seqüesrrose pela guerrilha rural, os militares foram levados a criar o maior aparato repressivo que o Brasil já conheceu? Infelizmente, malgrado a tentativa anterior, o estabelecimen- to de uma cronologia não resolve o problema: as ações dos co- munistas adeptos da luta armada que vieram a público, em 1968, indicavam certamente uma mudança importante, em 'Veja relação de bancos assaltados, segundo o sistema de informações, no Anexo 1. 61
  • 32. CARLOS FICO favor de ações violentas, mas os episódios que realmente con- firmariam essa estratégia (como os rumorosos seqüestros de embaixadores e a guerrilha do Araguaia) só aconteceram ou foram conhecidos pelos militares posteriormente. Embora o PC do B tenha fixado alguns militantes às margens do Rio Araguaia já em 1967,* o fato ainda não era do conhecimento dos milita- res. O famoso seqüestro do embaixador dos Estados Unidos deu-se em setembro de 1969, depois do AI-5, mas os termos do ato institucional já vinham sendo discutidos no âmbito do governo desde muito tempo: o general Emílio Garrastazu Mé- dici, chefe do SNI, solicitou ao presidente Costa e Silva, em julho de 1968, um instrumento como o AI_5.62 Mais impor- tante, o famoso sistema conhecido como "DOI-CODI" foi implantado antes do seqüestro, em julho de 1969, diferente- mente do que afirmam alguns militares.P Como se vê, formulada dessa maneira a questão parece in- frutífera, não surpreendendo o caráter pouco conclusivo ou muito politízado das tentativas de resposta. Não se pode espe- rar que a história estabeleça explicações lineares, fundadas em relações simplistas de causa e efeito, muito menos quando se trata de explicar fenômenos que expressam o enfrentamento de posições radicalmente antagônicas: para setores da esquerda, lutar pelo comunismo, tendo como estratégia o estabelecimento de uma "guerra popular", deflagrada a partir de focos de guer- rilha rural e preparada por ações de guerrilha urbana (geradora de recursos financeiros e clima político para a conflagração ge- "Note-se que as duas primeiras tentativas (fracassadas) de combate à guerrilha do Araguaia, patrocinadas pelo Exército, deram-se em abril e setembro/outubro de 1972, algum tempo depois, portanto, do estabelecimento do sistema de segurança - como se verá. 62 I r COMO ELES AGIAM ral). não era, obviamente, apenas uma decorrência do endu- recimento do regime militar brasileiro, mas um projeto geral que os animava. Seria concepção igualmente redutora explicar a criação do sistema de segurança do regime militar com base . em fatores reativos: na verdade, a montagem de um "setor es- pecificamente repressivo", 64 paralelamente à constituição do sistema de informações, era um projeto que, apoiado em ou- tros instrumentos (como a censura e a propaganda política), pretendia eliminar ou ocultar do país tudo o que constituísse divergência em relação à diretriz geral da "segurança nacional" . Nem o projeto da luta armada nem o do envolvimento das Forças Armadas na repressão contavam com unanimidade in- terna.65 O PCB não concordava com a guerrilha; nem todos os militares concordavam com o sistema de segurança. Não se quer estabelecer uma analogia incabível, igualmente redutora caso sustentasse a similirude dos dois projetos, pois, para além das delicadas questões políticas e éticas em pauta, restará sempre o fato incontestável de que o Estado brasileiro poderia ter opta- do pela repressão legal dos assaltos, dos seqüestros e do ensaio de luta armada.* O governo de Costa e Silva, ao optar pelo caminho da ditadura, marcou definitivamente sua entrada na história como responsável por inúmeros crimes hediondos. Ademais, é certo que uma inrer-relação estabeleceu-se en- tre repressão e luta armada: o AI-5 já mencionava a "guerra revolucionãria''J'" e, por seu turno, diante do estabelecimento definitivo da ditadura que o ato significou, os setores da esquer- da revolucionária que defendiam a luta armada viram "confir- "Pedro Aleixo, vice-presidente de Costa e Silva, foi o único membro do Conselho de Segurança Nacional a cogitar de uma saída constitucional na reunião que apro- vou o AI-5, principal instrumento repressivo do regime a partir de então. 63