1. Plano Estratégico da Eletrobras: mais uma vez, as falsas promessas da privatização
A direção da Eletrobras publicou, no último sábado, seu Plano Estratégico 2020-2035. Ao
apresentar como meta “a criação de valor para investidores e demais partes interessadas”,
mostra, de antemão, que não mais considera a Eletrobras uma empresa estatal, cuja
prioridade deveria ser o interesse da sociedade brasileira. Para a atual diretoria, porém, o
objetivo principal é criar valor para investidores — em segundo lugar, viriam as outras “partes
interessadas”, dentre as quais, supõe-se, os cidadãos brasileiros, em nome de quem o Estado
criou e administra a empresa.
A direção da Eletrobras alega que a empresa perdeu participação no mercado, mostrando
investimentos decrescentes ano após ano. Percebe-se, porém, que a maior queda ocorreu
entre 2016 e 2019, período de gestão do atual grupo político que está à frente da empresa.
Por outro lado, vangloria-se de que houve queda no endividamento. De fato, hoje a relação
Dívida Líquida/Ebitda da Eletrobras caiu, e encontra-se na casa de 1,6. E a previsão de
investimentos é ainda menor que a realizada no ano passado, o que nos leva a uma pergunta
óbvia: por que, mesmo com endividamento decrescente e mais baixo do que a média das
concorrentes, a Eletrobras investe cada vez menos?
A Eletrobras não só tem capacidade de endividamento, visando novos projetos para gerar
energia, desenvolvimento e empregos para o país, como conta com mais de R$ 12,2 bilhões
em caixa, apresentando lucro de mais de R$ 24 bilhões nos últimos dois anos. A empresa vai
pagar R$ 2,5 bilhões em dividendos a seus acionistas, sendo mais de R$ 1,6 bilhão para a
União. Os números indicam que não investir parece ser, antes de tudo, uma opção política.
No documento, a direção afirma que a empresa poderia investir R$ 6 bilhões ao ano, mas, com
capitalização, dobraria esse valor, chegando a R$ 12,6 bilhões por ano. Essa capitalização não
viria dos acionistas nem de aportes do Tesouro ou de sócios minoritários, mas de um processo
conhecido por “descotização” — usinas antigas, já amortizadas, pagas ao longo de décadas
pelos consumidores brasileiros e que hoje vendem uma energia mais barata, na média 60
R$/MWh, passariam a vender a mesma energia no mercado livre, que na média do ano
passado ficou acima dos 200 R$/MWh.
A ANEEL, em ofício, encaminhado ao Ministério de Minas e Energia (416/2017), afirmou que o
processo de descotização poderia representar um aumento médio de 16% na tarifa final paga
pelo consumidor. Ou seja, o que a direção da Eletrobras afirma é que, para “gerar valor aos
acionistas”, e eventualmente aumentar investimentos, a conta será paga pelo consumidor.
2. O mais grave é que a capitalização, proposta pelo projeto de lei 5.877/19, está condicionada à
privatização da companhia. Isso significa que a Eletrobras estatal não pode assumir
compromissos para a “nova Eletrobras”, uma empresa privada. Seus dirigentes, hoje, são
indicados pelo sócio controlador, a União, que, no caso da desestatização, perderá esse poder.
Haveria uma nova empresa, com novos controladores, muito provavelmente estrangeiros,
com objetivos diversos e, certamente, não coincidentes com os interesses maiores da
sociedade brasileira.
Aqueles que acreditam na promessa de que a privatização e o aumento de tarifa trarão mais
investimentos devem verificar o que tem feito o mercado. Empresas privadas do setor elétrico
têm dado prioridade à “criação de valor" para seus acionistas, distribuindo dividendos aos
controladores estrangeiros. A gigante francesa Engie, por exemplo, transformou 95% de seu
lucro no Brasil em dividendos para seus acionistas. A CPFL, controlada pelos chineses, vai
mandar para seus sócios 75% de seu lucro no ano passado.
Ao afirmar que a Eletrobras poderia investir no máximo R$ 6 bilhões ao ano sem a
privatização, a direção da empresa omite que, em novos empreendimentos, no máximo 30%
do investimento é oriundo de capital próprio, sendo o restante proveniente de
financiamentos, debêntures e outros capitais de terceiros. Desconsidera ainda o fato de a
Eletrobras atuar geralmente em parceria com a iniciativa privada.
A Eletrobras apresentou um plano sem qualquer garantia, acenando com promessas que soam
falsas diante da realidade. O que existe, concretamente, é uma Eletrobras pública,
capitalizada, desalavancada, com um quadro técnico qualificado e experiência na execução de
grandes projetos de infraestrutura. O que falta, ao governo federal e à atual direção da
empresa, é tomar a decisão patriótica de utilizar a Eletrobras, patrimônio público, como
ferramenta efetiva para a retomada da economia brasileira.
Brasília 03 de Agosto de 2020.