O documento discute como a sociedade mudou em relação à violência e como isso deve influenciar a educação das crianças. Embora a punição física não necessariamente tenha causado danos em gerações passadas, ela contribui para a normalização da violência, em vez de oferecer alternativas pacíficas. Como a cultura da violência está mais presente hoje, os pais devem encontrar formas de educar as crianças sem aceitar qualquer agressão.
1. O mundo mudou
Ao questionar o uso da punição física como forma de educar as
crianças, não estamos enfatizando a ideia de que todos que levam
palmadas viram bandidos ou pessoas agressivas. Esta é uma
interpretação muito rasa. É claro que muita gente que levou palmada na
bunda quando criança não se transformou num perigo pra sociedade.
Não é disso que estamos tratando. Estamos falando de ensinar a
criança, com nosso exemplo, que nós temos o desafio de encontrar
alternativas não violentas - sejam elas em qualquer grau - para resolução
de conflitos.
Entendo quando as pessoas argumentam que “na sua época”
levaram palmadas e nem por isso tornaram-se bandidos ou pessoas com
problemas.
Provavelmente, essas pessoas que, assim como eu, viveram “essa
época”, também vão se lembrar, por exemplo, de que quando eram
crianças andavam tranquilamente de carro sem a necessidade de usar
cinto de segurança - aliás, a maioria dos carros nem possuía tal recurso.
Pergunto-me se essas pessoas hoje colocam cinto de segurança
em seus filhos pequenos ou acreditam que pelo fato das crianças daquela
época não usarem cinto, então as de hoje também não necessitam.
Tudo bem, estas pessoas argumentarão que a situação é diferente,
que o trânsito hoje está muito mais violento que tempos atrás.
Concordarei, e responderei que a sociedade atual - não apenas o
trânsito - está mais violenta em comparação com a de “nossa época”.
Talvez estas pessoas que, assim como eu, viveram "essa época",
também hão de lembrar-se, por exemplo, que na nossa infância ficávamos
brincando na rua até tarde da noite, sem a supervisão constante dos pais.
Pergunto-me se estas pessoas hoje têm uma preocupação maior
em relação à segurança de seus filhos, não permitindo que fiquem
sozinhos pelas ruas até tarde da noite, ou sentem-se tranquilas em fazer
da mesma maneira que seus pais faziam à época em que eram crianças.
Afinal, se antigamente não havia tal preocupação, então hoje poderíamos
relaxar e deixá-las à vontade, pois "assim era na nossa época".
Ok, provavelmente argumentarão que a situação hoje é
completamente diferente, que a violência urbana está desenfreada.
Muita gente que
levou palmada na
bunda quando
criança não se
transformou num
perigo pra
sociedade
CONSULTÓRIO DE PSICOLOGIA
João David Cavallazzi Mendonça
Psicólogo - CRP 12/03702
Whatsapp (48) 999-81-3821
Email: psicojd@gmail.com
REAUTORIA é uma
publicação associada ao
consultório de psicologia
de João David C.
Mendonça.
2018 / MARÇO
2. Por que insistir
numa prática que vai
contribuir com a
banalização da
violência?
Por que não oferecer
às nossas crianças
alternativas
educacionais mais
conectadas com
uma cultura de paz e
afetividade?
Concordarei: realmente, a violência urbana vem crescendo a cada
dia. E direi que esta "violência urbana" não é uma entidade isolada que
aparece apenas nas nossas ruas, mas é fruto de um contexto muito mais
amplo, cujo núcleo formador encontra-se na banalização cultural da
violência, quando não nos damos conta das pequenas práticas de
violência cotidiana, dentro até mesmo de nossas protegidas casas.
Como todos nós já percebemos, o mundo mudou.
O trânsito ficou mais violento, e os pais mudaram a sua conduta
com as crianças nos veículos, usando o cinto de segurança, ou não
permitindo que elas viajem no banco da frente. Na "nossa época" não
havia nada disso, lembram? Mas hoje não há pai responsável que aceite
a ideia de negligenciar tais regras de segurança.
As ruas também ficaram mais violentas, e nós pais tivemos que
mudar nossas regras para garantir maior proteção a nossos filhos. Hoje
em dia, não há pais responsáveis que não estejam muito mais atentos aos
locais que suas crianças frequentam, às pessoas com as quais elas se
relacionam, ou aos horários em que elas devem estar em casa, a fim de
promover sua segurança.
Não ter usado cinto de segurança na infância não nos matou.
Brincar despreocupadamente até mais tarde na rua não fez a gente ser
sequestrado naquela época. Mas nem por isso nós deixamos de nos
adaptar, e hoje mudamos nossas práticas nestas áreas.
Levar uma palmada pode "não ter causado nenhum trauma" em
nós, pode não ter nos transformado em criminosos. Mas por que insistir
numa prática que vai contribuir com a banalização da violência? Por que
não oferecer às nossas crianças alternativas educacionais mais
conectadas com uma cultura de paz e afetividade?
Éramos crianças em outra época. A violência, apesar de já
enraizada na nossa cultura, não era tão banalizada, tão naturalizada, tão
visível.
Mas os tempos são outros. A cultura da violência está aí nas
nossas ruas, nas nossas portas, nos noticiários, no trânsito, nas gritarias
que ecoam do apartamento vizinho - ou até do nosso mesmo, nas
pessoas andando armadas, nos bullyings nas escolas, nos “esportes” que
valorizam socos, sangues e pontapés - e que hoje ganharam até o horário
nobre da Globo.
Como romper com esta cultura? Começando em casa.
Valorizando o diálogo ao invés da gritaria. Valorizando o toque afetuoso
ao invés do tapa. Valorizando o respeito ao invés da zombaria.
Valorizando a paz ao invés da violência. Valorizando a autoridade
assertiva ao invés da palmada.
Não se trata apenas de “não espancar”. Isto seria o mínimo
esperado de pais responsáveis. Trata-se de encontrar meios diferentes e
eficazes de se educar pela paz, sem aceitarmos passivamente qualquer
forma de agressão física.
[João David C Mendonça, psicólogo]