Este documento discute a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CNFE) e sua atuação na disseminação do proibicionismo de drogas no Brasil no século XX. A CNFE implementou diversas medidas administrativas, políticas, jurídicas, policiais, educativas, sanitárias, econômicas e éticas para ampliar seu projeto de poder e controlar o uso de drogas, incluindo a maconha. Ela coletou ampla quantidade de dados sobre importação e consumo de drogas e realizou inquéritos sobre usuários de macon
1. A POSITIVIDADE DO PODER: A COMISSÃO NACIONAL DE
FICALIZAÇÃO DE ENTORPECENTES E A INTERNALIZAÇÃO
DO PROIBICIONISMO NO BRASIL.
Jonatas Carvalho: Mestre em História; Pesquisador Associado ao Laboratório de
Estudos sobre as Diferenças e Desigualdades (LEDDES); Pesquisador Associado ao
Núcleo de Pesquisas Sobre Psicoativos (NEIP); Pesquisador em Extensão no Brasil
CNPq.
2. Vivo condenado a fazer o que não
quero
Então bem comportado às vezes eu
me desespero
Se faço alguma coisa sempre alguém
vem me dizer
Que isso ou aquilo não se deve fazer
Restam meus botões...
Já não sei mais o que é certo
E como vou saber
O que eu devo fazer
Que culpa tenho eu
Me diga amigo meu
Será que tudo o que eu gosto
É ilegal, é imoral ou engorda
Letra: Ilegal, imoral ou engorda.
Roberto Carlos.
3. Proibição. Conforme o dicionário é a ação ou
efeito de proibir (não permitir); em que há
impedimento; interdição. (Etm. do latim:
prohibitio.onis).
Em todos os tempos, cada sociedade elege comportamentos
que são considerados totalmente inapropriados.
Estabelecendo aquelas condutas que devem ser repetidas,
mantidas e as que devem ser banidas. Assim as sociedades
criam seus sistemas de interdição, punição e condenação
desses atos não condizentes com a ética e a moral de uma
época. E por que de uma época? Porque a ética e a moral
mudam de acordo com o tempo, conforme as transformações
sociais.
4. 128. Se um homem tomar uma mulher como esposa, mas não tiver
relações com ela, esta mulher não será esposa dele.
129. Se a esposa de alguém for surpreendida em flagrante com
outro homem, ambos devem ser amarrados e jogados dentro
d'água, mas o marido pode perdoar a sua esposa, assim como o rei
perdoa a seus escravos.
130. Se um homem violar a esposa (prometida ou esposa-criança)
de outro homem, o violador deverá ser condenado à morte, mas a
esposa estará isenta de qualquer culpa.
131. Se um homem acusar a esposa de outrém, mas ela não for
surpreendida com outro homem, ela deve fazer um juramento e
então voltar para casa.
132. Se o "dedo for apontado" para a esposa de um homem por
causa de outro homem, e ela não for pega dormindo com o outro
homem, ela deve pular no rio por seu marido.
148. Se um homem tomar uma esposa, e ela adoecer, se ele então
desejar tomar uma Segunda esposa, ele não deverá abandonar sua
primeira esposa que foi atacada por uma doença, devendo mantê-la
5. A heresia é só a verdade do mais
fraco. Rubem Alves
O consumo de psicoativos: do
consumo livre aos interditos da
consciência.
9. “todo o gênero de especiaria aromática;
tintas, óleos, raízes oficiais de tinturaria, e
botica. Mercadorias ligeiras de lã, ou
seda.”
Dicionário da língua portuguesa recopilada, de
Antônio de Moraes Silva. 1813
Polissemia da palavra
10. decreto nº 4294, 6/07/1921
A emergência de um novo códice.
“Vender, expôr á venda ou ministrar substancias
venenosas, sem legitima autorização e sem as
formalidades prescriptas nos regulamentos
sanitarios:” com multas que variavam entre 500$ a
1:000$000 (sic). Caso tais “substâncias venenosas”
contivessem algum tipo de “qualidade
entorpecente” a pena alterava para “prisão
cellular por um a quatro annos.”
11. Mas o que essa medicina sabia sobre drogas? Com que
bases esse discurso médico fora construído? Quanto de
preconceito e mito havia nessa produção científica?
12. Os nossos antepassados, ávidos de lucro, fizeram o baixo tráfico
da carne humana, no começo da nossa formação até 1851,
quando foi decretada a proibição de importar os pretos africanos,
arrebatados a fruição selvagem das suas terras, para serem aqui
vendidos, como escravos, que as leis assim os reconheciam. Em
13 de maio de 1888, por entre alegrias e festas, foi promulgada a
lei que aboliu a escravidão no Brasil e integrada a nacionalidade
com os libertados, tornados cidadãos; mas no país já estavam
inoculados vários prejuízos e males da execrável instituição,
difíceis de exterminar. Dentre esses males que acompanharam a
raça subjugada, e como um castigo pela usurpação do que mais
precioso têm o homem - a sua liberdade - nos ficou o vício
pernicioso de degenerativo de fumar as sumidades floridas da
planta aqui denominada fumo d’angola, maconha e diamba, e
ainda, por corrupção, liamba, ou riamba. Rodrigues Dória.
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17. A positividade do poder: a CNFE e a construção
de uma pedagogia proibicionista.
o Decreto – Lei nº891 de 1938
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21. Substâncias 1937 1938 1939
Ópio bruto 60.250gr 15.000gr 10.000gr
Ópio em pó 111.200gr 82.200gr 35.500gr
Ópio em extrato 131.000gr 55.000gr 35.000gr
Morfina e seus sáis 27.487gr 13.200gr 8.425gr
Eucodal ------ 1.000gr ------
Coca - folhas e pó 552.000gr 110.000gr 80.000gr
Cocaína e seus sáis 34.200gr 20.790gr 13.735gr
Cânhamo Indiano – planta 710.000gr 10.000gr 30.000gr
Cânhamo preparações 6.500gr 6.000gr ------
Codeína e seus sáis 305.840gr 185.000gr 100.015gr
Etilmorfina e seus sáis 87.480gr 47.385gr 30.638gr
Fonte: M.E.S. Departamento Nacional de Saúde
24. Importações EUA Inglaterra Suíça Outra Total
Ópio Pó 99.792 180.675 40.000 320.467
Ópio Extrato 87.500 40.000 127.500
Morfina 5.000 6.000 3.000 14.000
Pantopon pó 7.994,50 7.994,50
Cocaína 2.000 20.000 2.100 24.100,00
Dionina 59.416,50 20.500 20.000 99.916,50
Codeína Pura 121.407,75 45.000 18.000 184.407,75
Codeína Fosfato 96.477,70 31.000 23.000 150.477,70
Tabela elaborada a partir dos dados informados pela Seção de Fiscalização de
Entorpecentes
25. A ampliação do projeto de poder
a) medidas administrativas preliminares, relativas à instalação e ao financiamento
da Comissão;
b) medidas políticas de ordem executiva, tais como instruções e adaptações
regionais às normas federais;
c) medidas jurídicas, referentes a internamento e interdição de toxicômanos;
d) medidas policiais: delegacia específica, articulação com a D.A.; fiscalização de
cassinos, casas de tolerância, com estatística dos suspeitos;
e) medidas educativas, consistindo em divulgação dos perigos das toxicomanias,
vantagens do tratamento e meios de que se pode valer o Poder
Público;
f) medidas sanitárias: fiscalização do exercício profissional, tratamento, assistência e
educação profissional;
g) medidas econômicas, representadas por sobretaxa para dificultar o uso dos
tóxicos e criar o fundo de assistência;
h) medidas éticas, representadas por sobretaxa para dificultar o uso dos tóxicos e
criar o fundo de assistência;
i) medidas éticas, representadas pela criação de serviço social para o intoxicado e
sua família;
j) medidas intelectuais, visando tornar conhecido o problema social da maconha.
26. C.E.F.E. – BAHIA
INQUÉRITO SÔBRE A MACONHA
Ficha 6.º ................ Nome .....................................................................................................................
Sexo: ............................. Apelidos: .........................................................................................................
Profissão: ........................................ Salário mensal: .............................................................................
Idade: ................ Côr ........................ Estado Civil ...............................................................................
Quantos filhos tem vivos? ................ Quantos mortos e em que idade ..................................................
..................................................................................................................................................................
Tem nos seus parentes, loucos ou obcedados, alcoólatras, suicidas, delinquentes?
..................................................................................................................................................................
Quantas pessoas sustenta? .......................................................................................................................
Vida familiar: ..........................................................................................................................................
Para que usa a M? ..................................................................................................................................
Usa diàriamente ou como? ......................................................................................................................
Desde quando? ........................................................................................................................................
Quem o iniciou? ......................................................................................................................................
Que sente com a maconha? ....................................................................................................................
Como usa? ...............................................................................................................................................
Donde vem a M? ........................................ Vendedores: ......................................................................
........................................ Custo: ............................................................................................................
Outros que a usam ..................................................................................................................................
........................................................................................ Outros nomes da M? ......................................
Cite provérbios, versos, anedotas, modinhas sôbre a M: ........................................................................
Usa só ou em companhia, a M? ..............................................................................................................
Bebe? ......................... Conhece outros tóxicos? ....................................................................................
27.
28.
29.
30. Todo esse conjunto de saberes distribuídos em mapas,
tabelas, balanços, fichas, formulários, questionários,
cartilhas, instruções, cursos, são operações positivadas da
tecnologia de poder, uma pedagogização capaz de
assegurar a aprendizagem e a aquisição de atitudes ou
comportamentos desejáveis.