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ECONOMIA POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO:
um debate teórico
Coleção: Governança e Desenvolvimento
Organizadora: Vera Alves Cepêda
Joelson Gonçalves de Carvalho
Autor: Joelson Gonçalves de Carvalho
Organização: Vera Alves Cepêda
ECONOMIA POLÍTICA E
DESENVOLVIMENTO:
UM DEBATE TEÓRICO
1ª Edição, 2015.
Revisto e ampliado em 2017.
© Grupo de Pesquisa Ideias, Intelectuais e Instituições, UFSCar
ISBN 978-85-6917205-5
Qualquer parte dessa publicação somete poderá ser reproduzida,
desde que citada a fonte
Sumário
Apresentação da Coleção Governança e Desenvolvimento................. 05
Prefácio................................................................................................. 09
Introdução............................................................................................ 13
1. Desenvolvimento: perguntas fundamentais e problemas
essenciais........................................................................................ 15
1.1 – Como medir o crescimento?.................................................................... 17
1.2 – Como medir o desenvolvimento?............................................................ 19
1.3 – O porquê do desenvolvimento!............................................................... 23
2. Desenvolvimento econômico em perspectiva histórica:
contribuições da economia política................................................ 26
3. A tortuosa busca pelo desenvolvimento: do neoliberalismo ao
novo-desenvolvimentismo............................................................. 35
3.1 – Neoliberalismo: do Consenso ao fracasso............................................... 37
3.2 – Um novo-desenvolvimentismo para um velho capitalismo..................... 40
4. O desenvolvimento local: panaceias e possibilidades.................... 46
4.1.–.Panaceias contemporâneas sobre o desenvolvimento........................... 42
4.2 – Possibilidades: o papel das escalas e dos sujeitos sociais......................... 51
Considerações finais............................................................................. 54
Referências........................................................................................... 56
Apresentação da Coleção Governança e
Desenvolvimento
Em 2014 um conjunto de pesquisadores, docentes e estudantes
de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de São Carlos
iniciaram a execução de um projeto de extensão intitulado Governança
local de desenvolvimento: novas ferramentas de gestão pública para
inclusão, inovação e cidadania. Financiado com recursos do Edital
PROEXT/MEC, o grupo abrigava docentes, pesquisadores e alunos
ligados ao campo da ciência política, economia, sociologia, gestão
pública, em uma proposta multidisciplinar, misto de extensão, pesquisa
e formação, cujos eixos centrais incidiam sobre a questão do
desenvolvimento e o papel das instituições universitárias como
dinamizadoras do desenvolvimento local.
O ponto de partida da proposta do “Governança” apoiou-se em
quatro premissas: desenvolvimento, capacidades estatais, capitais
sociais e papel estratégico da universidade. A primeira delas, apoiou-se
em amplo movimento nacional e internacional que ressignificou a ideia
de desenvolvimento, ultrapassando a perspectiva economicista de
crescimento e avançando para a concepção de bem-estar social. Neste
sentido, as referências teóricas mais fortes são a defesa de
desenvolvimento com ampliação das bases de aumento geral da
qualidade de vida de uma sociedade, defendidas desde os anos de 1950
por Celso Furtado e mais recentemente pela lapidar obra de Amartya
Sen (Desenvolvimento como liberdade), mas que são encontradas em
documentos e posições públicas da CEPAL, do PNUD, entre outras
instituições. Esta concepção tem algumas características ímpares e
valiosas:
1) é multidisciplinar por princípio, conectando todas as facetas
da vida social em um único sistema; economia, cultura, direitos sociais,
instituições democráticas e republicanas, políticas públicas, equidade,
somadas à necessária expansão da produção da riqueza econômica;
6 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
2) a economia tem papel de destaque, por ser a base da vitalidade
e promoção de recursos necessários para a realização de políticas e
serviços públicos, mas aparece também com significado modificado,
ajustado à ideia de sustentabilidade e de equilíbrio distributivo. A
mudança problematiza a velha forma do desenvolvimento e da
modernização das décadas de 1950/1980, geradoras de muita riqueza e
também de brutal desigualdade social;
3) contextos socioeconômicos de menor porte, formas
alternativas de produção, aceitação de capacidades institucionais
complementares do desenvolvimento (como aparelhagem e serviços
ligados aos direitos sociais).
A segunda premissa retoma um dos motes centrais da gestão
pública e da ciência política: a de que as instituições contam. Trata-se
de lidar com a concepção do papel estratégico do Estado, via
diagnósticos claros sobre déficits socioeconômicos, elaboração de
estudos e sistematização de dados que resultem em políticas de
planejamento, investimentos, legislação e regulação política. A
literatura recente tem intitulado a valorização da ação pública como
fonte de desenvolvimento de capacidades estatais. Neste caso, a
performance do Estado e de sua aparelhagem (legal, funcional, material
e humana) contam muito para superação de entraves do
desenvolvimento ou de sua qualidade e alcance - lembrando que
crescimento não significa aumento do bem-estar ou elevação geral das
capacidades e potência social.
A terceira premissa é a dos capitais sociais, entendidos como
elementos do conjunto dos atores em uma dada sociedade e que podem
alavancar ou represar a dinâmica do Desenvolvimento. Se Estado
conta, sociedade conta muito também. A cultura política, a estima
identitária e histórica, o perfil de acesso a bens estratégicos – tanto
produtivos stricto senso quanto de direitos sociais –, a existência de
aparelhagem de serviços públicos, a organização e participação da
sociedade civil são fatores relevantes quando pensamos em um
desenvolvimento que se pretende inclusivo, sustentável e
ambientalmente viável.
7
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Por último, destacamos o papel estratégico da universidade
nesse processo. Como um tipo singular de instituição pública, voltada
para inovação, formação e reflexão sobre os problemas de toda ordem,
as universidades possuem capitais e expertise que podem, em interação
com seu entorno social, alavancar e acelerar a dinâmica do
desenvolvimento. Em período recente esta função de diálogo e
responsabilidade com a sociedade denominou-se função social da
universidade.
Somadas estas quatro balizas, norteadoras da proposta e da ação
do “Governança”, as mesmas foram aplicadas no contexto dos
pequenos municípios do entorno da Universidade Federal de São
Carlos. Foram selecionados quatro municípios e campus da UFSCar: o
eixo do campus São Carlos, atuando nos municípios de Ribeirão Bonito
e Dourado, e o eixo do campus Lagoa do Sino, atuando nos municípios
de Campina do Monte Alegre e Buri. A escolha dos municípios de ação
deveu-se à presença de duas características: ser de pequeno porte e
possuir indicadores de alta vulnerabilidade social. A ideia central era
pensar o potencial que a ação dialógica dessas cidades com uma equipe
multidisciplinar de pesquisadores que mirasse o desenvolvimento local
alcançaria.
Foram inúmeras ações, incluindo os eixos de cultura, educação,
políticas públicas, organização societal e a produção de diagnósticos
socioeconômicos dessas cidades. O projeto deu frutos e poderia ter dado
mais, e como última etapa de sua realização o grupo de pesquisadores
e alunos organizou-se para a publicação de um conjunto de textos que
procurasse sintetizar a experiência prática do projeto e sua influência
no marco teórico original. Nasce aqui a Coleção Governança e
Desenvolvimento, publicada pelo selo editorial Ideias, Intelectuais e
Instituições (UFSCar), com os seguintes títulos: Ciclo de Políticas
Públicas e Governança para o Desenvolvimento; Cultura e
Desenvolvimento; Educação e Desenvolvimento; Economia Política e
Desenvolvimento (este último em dois volumes: Um Debate Teórico e
Novos Arranjos Institucionais).
E, partilhando os valores democráticos e inclusivos do
PROEXT e da UFSCar, a coleção é publicada em formato de livro
digital com acesso aberto e circulação gratuita.
8 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
Termino agradecendo enormemente ao conjunto de docentes,
pesquisadores, alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política (PPGPol) e da graduação da UFSCar, aos técnicos
administrativos colaboradores na proposta, bem como aos inúmeros
parceiros externos com quem desenvolvemos as atividades, a
oportunidade de realização deste trabalho. Às prefeituras, gestores,
diretores e secretários, alunos e voluntários dos municípios de Ribeirão
Bonito, Dourado, Campina do Monte e Alegre e Buri, externo o nosso
mais profundo agradecimento pela chance de aprendermos com vocês
e pela possibilidade de experimentarmos a construção coletiva e social
do conhecimento.
Vera Alves Cepêda
Coordenadora do projeto Governança local de
desenvolvimento: novas ferramentas de gestão pública para inclusão,
inovação e cidadania
9
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Prefácio
Ao tentar pôr em evidência os elementos fundantes da economia
política clássica enquanto abordagem científica, Coutinho demonstra
que o objeto de pesquisa da nova disciplina que nasceu das Ciências
Humanas e Sociais assenta-se no tratamento dado à compreensão “das
relações entre os homens, na reprodução da vida material” 1
. Significa,
entre outras coisas, que a análise pretensamente científica que trata das
humanidades e da sociedade deve se policiar para não naturalizar
relações sociais construídas historicamente através de uma forma
específica de interação entre indivíduos. O que implica, portanto, em
não naturalização de resultados desta interação, como crescimento e
desenvolvimento desiguais entre países e regiões, ou as desigualdades
econômicas e sociais gritantes entre seres humanos, a existência de um
número considerável de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza
– seja lá o que isso signifique –, ou a manutenção, perene, de um volume
de pessoas que têm capacidade e força para trabalhar, desejam
trabalhar, mas não lhes é permitido exercer suas atividades, assim como
a presença de desproporcionalidades gigantescas nos acessos à saúde, à
moradia, à educação, ao lazer etc.
Influenciaram no surgimento da economia política tanto o
pulular dos temas que se disseminavam, concernentes à própria
formação e consolidação do capitalismo; quanto a emergência e inter-
relação entre o surgimento e fortalecimento do liberalismo econômico;
e o aspecto preponderante do olhar filosófico estruturado no
racionalismo jusnaturalista da contraposição entre estado e sociedade
civil. A conjunção dos dois últimos elementos é crucial para
compreendermos os rumos da economia e, em grande parte, também a
forma como cientistas sociais explicam a realidade socioeconômica.
1
Livro “Lições de Economia Política Clássica”, de Maurício Chalfin Coutinho, de
1993, editado pela Editora Hucitec, São Paulo.
10 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
Quer dizer, por exemplo, que o andar da carruagem do capitalismo está
condicionado, por um lado, pelos avanços na capacidade de acumulação
e, por outro, pela forma como a sociedade e a política respaldam e
ajudam a construir a processualidade e o resultado desses avanços.
Assim, a ciência econômica que visa contribuir, ainda que
criticamente, para a elaboração de proposições de medidas voltadas ao
desenvolvimento precisa levar em consideração: primeiro, que os
avanços dependem de estímulos às iniciativas de investimento,
respaldadas, sempre, por condicionantes impostos pelo mercado, sob as
mais variegadas dimensões; segundo, o debate teórico amplamente
difundido sob a ótica da falsa dicotomia entre os benefícios e os
malefícios da maior ou menor intervenção do estado na economia, seja
para estimular os avanços ou para minorar problemas advindos dos
desdobramentos e resultados desses avanços.
Quando observamos a evolução das Ciências Humanas e
Sociais, fica claro que estas percepções estão longe de ser unanimidade
entre intelectuais, pesquisadores e estudiosos. Ao contrário, destaca-se
entre grandes obras as teses que procuram nas relações sociais e
econômicas leis parecidas com aquelas possíveis de serem encontradas
quando se observa a natureza. Dessa forma, ganharam destaque grandes
defensores do livre mercado e a confusão da assimilação de que o
crescimento econômico, por si só, conduz ao desenvolvimento de um
país ou região, e as atenções centraram-se, nas últimas décadas, na
estabilização e no equilíbrio fiscal. Mas, a tradicional teoria do
crescimento é bem mais antiga, como a tentativa de Solow, nos anos
1950, de construir um modelo com base na teoria neoclássica, ou as
teorias do crescimento com progresso técnico endógeno, do capital
humano, também com pés (de barro) atolados na neoclássica, visíveis
já nos anos 1960, mas que ganharam notoriedade com Romer, Lucas e
Harrod nos idos de 1980. Nas últimas décadas, as teses que
influenciaram as políticas de industrialização do Brasil, assim como a
crítica à forma de implantação, foram relegadas ao ostracismo, como se
fizessem parte de um passado anacrônico e não compusessem o quadro
da teoria econômica.
11
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Apesar de o debate sobre a possibilidade ou impossibilidade de
implementação de políticas voltadas para o desenvolvimento
econômico ter ganhado relevância nos últimos anos no Brasil, grande
parte das teses dos economistas, de cientistas sociais e políticos que
ganham os corações e as mentes daqueles que conduzem políticas de
desenvolvimento, ou mesmo daqueles pesquisadores que se tornam
expertos publicadores em revistas de alta qualificação, segue um roteiro
em que são mantidas bases e/ou técnicas próximas daquelas utilizadas
nos modelos tradicionais. Tentativas de resgate do desenvolvimentismo
no Brasil nesse século caracterizaram-se pelo desprezo a iniciativas de
reversão de problemas estruturais, penalizando, inclusive, possíveis
momentos favoráveis, e mantendo inabalável a tradição conservadora
de conduzir políticas macroeconômicas pela interação política fiscal,
monetária e cambial.
Felizmente, as perspectivas do projeto que levou à elaboração
deste livro parecem colocar-se bem distante desta linha de raciocínio.
Ao ler as páginas que seguem, fica claro que a orientação que o
professor Joelson pretendeu construir ao longo desta obra está ancorada
em pilares estruturados na criticidade, na transversalidade e na
multidisciplinaridade, em teses estruturalistas cepalinas, em
construções furtadianas e nas dimensões do desenvolvimento pensadas
por Sen. Uma das contribuições do livro, ainda que curto, é permitir ao
leitor um roteiro claramente pensado dentro de uma perspectiva
histórica sobre os significados teóricos do pensamento acerca do
desenvolvimento. Por isso o resgate do tema a partir de autores da
economia política clássica, a apresentação crítica da leitura etapista do
processo de desenvolvimento – quando o debate sobre o tema ganha
evidência, seja pelas mãos de Prebisch, ou mesmo de Rostow, Nurske,
Hirschman e Myrdal –, passando por uma interpretação do chamado
neoliberalismo e apresentando o novo-desenvolvimentismo a partir de
interpretações de Bresser-Pereira e da crítica de Gonçalves às
limitações do modelo, ou daquilo que Joelson designou como
“promessa”, e, principalmente, da não inserção de medidas que
visassem transformações estruturais.
12 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
O livro é finalizado com um capítulo específico a um tema caro
ao autor e aos estudiosos do desenvolvimento, a questão regional e a
crítica aos localismos endogenistas. A nos lembrar, primeiro, o quão
pernicioso são as teses ancoradas na autossuficiência das
administrações públicas gerenciais capazes, por si só, de atrair e gerar
crescimento e desenvolvimento, segundo, o quanto as Ciências Sociais,
particularmente, a ciência econômica, ainda são influenciadas pelas
teses equilibristas walrasianas, e, terceiro, que a redução das
disparidades regionais só encontram respaldo quando pensadas em
termos sistêmicos.
Que mais projetos de extensão e de pesquisa desta magnitude e
com esta perspectiva encontrem espaço nas universidades brasileiras e
que possam dar frutos e favorecer o pluralismo científico.
Sebastião Ferreira da Cunha
Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Econômicas e Exatas,
Instituto Três Rios, UFRRJ e pós-doutorando no Instituto de Economia da UFU
Uberlândia, 4 de outubro de 2016. Sob nebuloso ambiente político
nacional.
13
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Introdução
Esse trabalho surgiu, como ressaltado na apresentação, de um
projeto de extensão denominado Governança local e
desenvolvimento: novas ferramentas de gestão pública para inclusão,
inovação e cidadania. Nosso primeiro movimento foi o de apresentar
um repertório mínimo para o estávamos chamando de
desenvolvimento. Assim, a partir da organização de eventos com o
intuito de dialogar com as equipes de trabalho sobre as reflexões mais
gerais acerca da temática, percebemos a necessidade de enfrentar
questões que, mesmo presentes há bastante tempo no debate acadêmico,
não apresentavam uma convergência teórica necessária para se avançar
nas análises propostas no projeto.
Desse modo, primando pela didática, para cumprir os objetivos
propostos, dividimos o trabalho em quatro breves capítulos. No
primeiro, apresentamos as distinções – infelizmente não tão obvias –
entre desenvolvimento e crescimento, para, no segundo, buscar, na
história do pensamento econômico, a dimensão política do
desenvolvimento, visando descontruir a ideia do desenvolvimento
enquanto possibilidade e trajetória natural para todos os países.
No terceiro capítulo nos ocupamos, de maneira crítica, de
algumas escolas e modismos do pensamento econômico e seus vieses
distintos ao pensar o desenvolvimento. Já, no quarto capítulo, nossas
provocações recaem na teoria do desenvolvimento local, em especial, a
partir, de sua vertente endogenista, com especial destaque às panaceias
teóricas mais contemporâneas e, nem por isso, menos desconectadas da
realidade, como poderá perceber o próprio leitor.
Em tempo, não queremos negar o desenvolvimento local
enquanto possibilidade empírica. Acreditamos que os sujeitos sociais
podem fazer a diferença. Todavia, isso só será possível quando
avançarmos em uma concepção de democracia que não se encerre em
si mesmo e que, portanto, não negue a luta de classes como um
14 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
instrumento positivo e necessário na desorganização dos interesses e
dos poderes das elites locais.
É nosso dever adiantar que as reflexões apresentadas aqui não
são novas. O leitor perceberá que os alicerces que sustentam a nossa
crítica, que não está isenta de erros e equívocos de interpretação, são as
leituras de brasileiros como Celso Furtado, Wilson Cano, Carlos
Brandão, Tania Bacelar e, entre outros, Carlos Vainer, autores imbuídos
de espírito crítico e sentido republicano, que estão há anos, enfrentando
o “bom combate” na luta por um verdadeiro desenvolvimento, ajustado
aos interesses nacionais e pautados em um projeto de nação. Sendo
assim, nosso modesto objetivo foi o de recolocar mais uma vez no
debate público, preocupações macroestruturais e micro-organizacionais
que não podem ser obscurecidas pela lógica economicista curtoprazista
que tem dominado a ciência econômica.
Por fim, cabe esclarecer que uma primeira versão desse texto
circulou, de maneira mais restrita, no ano de 2015. Depois de uma
revisão, a ideia era fazer uma versão mais acabada para ampla
circulação. Todavia, muito em função da instabilidade política e
econômica nacional, que surpreendeu a todos nós, acabou atrasando
nosso cronograma.
O Brasil, em 2016, passou por um golpe contra o Estado
democrático de direito que casou o impeachment da presidenta eleita,
Dilma Rousseff, seguido de um conjunto de medidas que, dentre outros
disparates, busca “executar uma política de desenvolvimento centrada
na iniciativa privada”. Assim, se por um lado, o atraso causado pelo
golpe trouxe uma desconexão entre esse trabalho e o projeto que o
gerou, por outro, contribuiu para reforçar que ainda não temos a tão
aludida consolidação das instituições democráticas, quiçá, da
democracia.
15
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
1. Desenvolvimento: perguntas
fundamentais e problemas essenciais
É comum nos deparamos com mais de uma definição de
desenvolvimento na vasta literatura disponível sobre o tema. Em linhas
gerais, o objetivo de se definir o desenvolvimento (ou qualquer outro
termo) é poder buscar, em um repertório normativo, uma precisão
inerente para poder dizer o que é e o que não é algo. Em sentido oposto,
ressaltamos que o desenvolvimento precisa ser entendido como um
processo. Devemos buscar o seu sentido partindo da premissa que existe
um grau elevado de complexidade que, ao mesmo tempo em que exige
um rigor científico maior, exige também o abandono de réguas
cartesianas que se proponham a medir esta complexidade.
Antes de refletirmos sobre os sentidos do desenvolvimento,
precisamos deixar claro que a construção de qualquer argumentação
teórica que tenha como foco temas complexos requer antes o alerta da
emergência de tensões oriundas das diversas controvérsias e
interpretações que se chocam entre si. Notadamente, para o que nos
propomos refletir, esta tensão “(...) deriva de sua polissemia conceitual
ao atravessar inúmeras áreas, diversos momentos históricos e por
aninhar-se no coração de algumas das mais complexas correntes
teóricas produzidas em mais de quatro séculos de pensamento
ocidental” (Cepêda, 2012, p. 77). Esta dimensão polissêmica do termo,
apresentada por Cepêda, ganha contornos mais densos na medida em
que consideramos que “Desenvolvimento, evolução e progresso são
temas caros ao pensamento moderno, quer seja na reflexão filosófica,
no debate histórico, quer nas teses originais da economia” (Cepêda,
2012, p. 77).
Buscando apresentar um enfoque interdisciplinar, Celso Furtado
(1980) foi preciso ao dizer que o conceito de desenvolvimento tem sido
utilizado em dois sentidos distintos, mas que, mais
contemporaneamente tem se imbricado, a saber:
16 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
O primeiro diz respeito à evolução de um sistema social
de produção na medida em que este, mediante a
acumulação e progresso das técnicas, torna-se mais
eficaz, ou seja, eleva a produtividade do conjunto de sua
força de trabalho. (...) O segundo sentido relaciona-se
com o grau de satisfação das necessidades humanas. A
ambiguidade neste caso aumenta (Furtado, 1980, p. 15-
16).
Dito isso, é importante frisamos os objetivos e limites que nos
propomos neste capítulo. Buscaremos, no escopo da análise econômica,
refletir sobre o desenvolvimento e seu descolamento da ideia estrita de
progresso material, ou crescimento, para uma lógica mais ampla, na
qual dimensões mais sociais tais como saúde e educação ganham
relevo.
A partir da breve introdução feita anteriormente, fica explicitado
o porquê de o conceito mais usual ser, ao mesmo tempo, o mais simples:
desenvolvimento econômico pode ser entendido como crescimento
econômico associado ao aumento da qualidade de vida das pessoas. Ou
seja, os processos de desenvolvimento e crescimento são processos
distintos que devem ser combinados para a melhoria da reprodução
social em condições materiais mais avançadas, ou ainda, em uma
abordagem mais recente, que amplie oportunidades diminuindo
privações, sejam elas individuais, coletivas ou sociais.
Abrimos assim uma importante chave de análise para
aprofundarmos a reflexão: crescimento. O crescimento, entendido
como o aumento da riqueza material de uma sociedade, é então,
condição fundamental, mas não suficiente, para a concretude do
desenvolvimento, isto é, não elimina a necessidade premente da
melhora, de maneira ampla, do padrão de vida da coletividade.
17
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
1.1 – Como medir o crescimento?
Quando se mede a riqueza e o crescimento de um país o que se
busca, em tese, é quantificar e avaliar o desempenho da economia na
satisfação das necessidades da sociedade. Esta contabilização é bastante
técnica e carrega em si certo grau de discricionariedade. Senão vejamos:
a escolha de um período determinado de tempo de referência,
geralmente de um ano, é arbitrária, entretanto, necessária, dada a
importância de períodos de referência que sejam homogêneos,
permitindo fazer comparações entre tempos e economias distintos.
Arbitrária também é a escolha do recorte territorial, sendo a escala
“país” a usualmente mais usada, pois nada impede de se calcular, com
as devidas alterações metodológicas necessárias, o crescimento e a
riqueza dos estados, municípios, ou mesmo, continentes. Ademais, esse
processo de contabilização pode ser feito de diversas maneiras,
entretanto, a forma mais utilizada é o cálculo do Produto2
.
Calculamos o produto de um país computando o valor
adicionado total das transações feitas durante certo período de tempo.
Usa-se frequentemente o Produto Interno Bruto (PIB) para se cumprir
este objetivo, isto é, o produto dentro de um dado território, sem
considerar as depreciações no período. Em que pese o grau de
tecnicidade do que é ou não contabilizado, devemos ter em mente que
o PIB representa toda a riqueza gerada em um determinado território
em um dado período. O quadro abaixo apresenta o ranking dos países
com maiores PIBs do Mundo nos anos de 2013 a 20153
.
2
Não é foco aqui o aprofundamento técnico do cálculo do produto, mas cabe dizer
que existem três óticas para isto: as óticas do produto, do dispêndio e da renda.
Contudo, os valores finais devem ser iguais, ou seja, consideram-se idênticos o
produto, a despesa e a renda.
3
Os dados disponíveis no quadro estão disponíveis para consulta na database do FMI
no site http://www.imf.org/external/index.htm. Os valores são em dólares correntes e
alguns ainda se apresentavam como estimativas na data da busca.
18 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
Quadro 1 – Ranking das maiores economias do mundo segundo o Produto Interno Bruto
(Dólares em valores correntes)
Ranking
2015
País PIB em 2015 PIB em 2014 PIB em 2013
1º Estados
Unidos
17.946.996.000.000,0 17.348.071.500.000,0 16.663.160.000.000,0
2º China 10.866.443.998.394,2 10.351.111.762.216,4 9.490.602.600.148,5
3º Japão 4.123.257.609.614,7 4.596.156.556.721,9 4.908.862.837.290,5
4º Alemanha 3.355.772.429.854,7 3.868.291.231.823,8 3.745.317.149.399,1
5º Reino Unido 2.848.755.449.421,0 2.990.201.431.078,2 2.712.296.271.990,0
6 º França 2.421.682.377.731,0 2.829.192.039.171,8 2.808.511.203.185,4
7º Índia 2.073.542.978.208,8 2.042.438.591.334,0 1.863.208.343.557,0
8 º Itália 1.814.762.858.045,9 2.138.540.909.211,1 2.130.330.362.918,4
9º Brasil 1.774.724.818.900,5 2.417.046.323.841,9 2.465.773.850.934,6
10 º Coreia do Sul 1.377.873.107.856,3 1.411.333.926.201,2 1.305.604.981.271,9
11º Rússia 1.326.015.096.948,2 2.030.972.571.014,3 2.230.628.042.254,4
12º México 1.144.331.343.172,5 1.297.845.522.512,7 1.261.832.901.816,5
13º Indonésia 861.933.968.740,3 890.487.074.596,0 912.524.136.718,0
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial e cotejados com dados do FMI
(2016)
Um olhar rápido nos países listados no quadro 1 deixa evidente
que entre as maiores economias globais, segundo valores expressos em
PIB, encontram-se países com níveis de desenvolvimento bastante
distintos, o que nos ajuda a comprovar que o produto de um país pode
não ser a medida indicada para mensurar a qualidade de vida de sua
população. Assim, se aceitarmos, como ponto pacífico, a incapacidade
do crescimento em ser medida de qualidade de vida, um quantum
significativo de crescimento de riqueza em uma dada economia não
significa um país sem pobreza, desnutrição e ausência de serviços
básicos de saúde e educação, pois não há uma passagem automática
entre o crescimento econômico e a melhora das condições objetivas da
vida das pessoas.
19
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
1.2 – Como medir o desenvolvimento?
Até o momento, temos claro que, em economia, crescimento de
um país é uma elevação da sua produção, enquanto desenvolvimento é
a melhoria do bem-estar de sua população. Contudo, mesmo diante
desta assertiva, uma questão ainda fica em aberto: como medir o grau
de desenvolvimento de uma nação? Esta pergunta ainda não encontrou
uma resposta adequada, contudo, das que foram dadas, a contribuição
mais conhecida e reconhecida é a do prêmio Nobel de Economia, o
economista indiano Amartya Sen.
A reflexão de Sen está ancorada, segundo Costa Lima (2001, p.
163) “em uma tradição de pensamento na qual a ética e a economia são
indissociáveis e, portanto, distantes de uma perspectiva instrumental
moderna e mecânica que caracteriza o paradigma econômico dominante
em nossos dias”. A preocupação elencada por Sen é basilar: podemos
assistir a um crescimento significativo sem que a vida das pessoas, em
termos gerais, melhore. Nesta abordagem, para pensar o
desenvolvimento humano, passa a ser central a ideia de ampliação de
liberdades, capacidades e oportunidades em prol do aumento da
autonomia do indivíduo. Nas palavras do autor:
O desenvolvimento requer que se removam as principais
fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania,
carência de oportunidades econômicas e destituição
social sistemática, negligência dos serviços públicos e
intolerância ou interferência excessiva de Estados
repressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na
opulência global, o mundo atual nega liberdades
elementares a um grande número de pessoas – talvez até
mesmo à maioria (Sen, 2000, p. 18).
20 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
Na busca por ter um indicador mais real e sensível a este tipo de
situação em que os aspectos econômicos e os rendimentos de uma
pequena parcela da população podem causar uma falsa sensação de
melhora é que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi pensado
e popularizado, em função de sua busca em medir o grau de
desenvolvimento das nações, a partir de variáveis não exclusivamente
econômicas. O IDH foi criado pelo economista paquistanês Mahbub ul
Haq com a ajuda do economista indiano Amartya Sen.
Fazendo uma breve digressão histórica deste índice, ele foi feito,
pela primeira vez, em 1990 e desde então é calculado anualmente. Um
dos objetivos era suprir as deficiências do cálculo do PIB per capita,
que mede apenas o crescimento econômico de um país dividido por sua
população.
Mesmo com inovações metodológicas no seu trajeto, gerou uma
série histórica bastante importante para se ver o movimento dos países
nestas duas décadas e meia de vida, tendo se tornado uma referência
mundial na comparação entre as diversas nações e um indicador de
progresso para as nações4
.
Tecnicamente, ele varia entre zero a um, sendo zero o número
que indica nenhum desenvolvimento humano e o número um o
desenvolvimento humano pleno. Em sua metodologia levam-se em
consideração três dimensões: renda, saúde e educação. De modo mais
específico, tem-se:
4
O IDH passou por revisões metodológicas em 2013 e 2014. As mudanças
metodológicas inseridas, no entanto, são frutos do aprimoramento do índice em captar
sinteticamente o grau de desenvolvimento de um país, para além de seu crescimento
econômico. Explicitar as diferenças metodológicas aqui seria inoportuno, contudo,
para mais detalhes ver http://www.pnud.org.br.
21
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
➢ Dimensão Educação: esta dimensão é calculada levando-se em
consideração dois indicadores, a saber: a média de anos de
estudo e os anos de estudo esperados;
➢ Dimensão Saúde: esta dimensão é resultado direto da
longevidade da população, ou seja, é calculada a partir da
esperança de vida ao nascer;
➢ Dimensão Renda: esta dimensão é econômica e calculada pela
Renda Nacional Bruta per capita do país.
Figura 1 - Organograma funcional do IDH
Fonte: Elaboração própria a partir do Relatório de Desenvolvimento
Humano (PNUD, 2015).
22 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
O quadro abaixo mostra a última classificação disponível no
Relatório de Desenvolvimento Humano, disponibilizado anualmente
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)5
.
Quadro 2 – Índice e grau de desenvolvimento mundial em 2014
IDH Grau de
Desenvolvimento
Alguns exemplos
0,000 a 0,549 Baixo Paquistão, Quênia, Haiti, Afeganistão, Níger
0,550 a 0,699 Médio Palestina, Paraguai, Egito, Índia, Iraque
0,700 a 0,799 Elevado Uruguai, Bahamas, Venezuela, Turquia, Brasil
0,800 a 1,000 Muito elevado Noruega, Austrália, Suíça, EUA, Argentina
Fonte: Elaboração própria a partir do Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2015).
Os exemplos expressos no quadro 2 de países no mesmo grau
de desenvolvimento trazem desconforto não apenas ao senso comum,
mas também a especialistas de toda ordem, na medida em que colocam
no mesmo patamar Brasil e Venezuela ou Estados Unidos e Argentina.
Aliás, se observamos o ranking de países selecionados por seu IDH,
teremos:
Quadro 3 – Ranking de países selecionados por seu IDH em 2014
Ranking País Ranking País
1º Noruega 29º Grécia
2º Austrália 40º Argentina
3º Suíça 43º Portugal
4º Dinamarca 52º Uruguai
5º Países Baixos 55º Bahamas
6º Alemanha 67º Cuba
6º Irlanda 71º Venezuela
8º Estados Unidos 75º Brasil
9º Canadá 130º Índia
9º Nova Zelândia 188º Níger
Fonte: Elaboração própria a partir do Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD,
2015). Nota: o ranking leva em consideração empates até a terceira casa decimal.
5
Para mais detalhes ver o site oficial do PNUD, disponível em
http://www.pnud.org.br/.
23
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Em resposta a isto, o próprio PNUD, em seu relatório deixa claro
que o IDH é um indicador sintético que, devido os seus objetivos, não
é capaz de abarcar dimensões importantes do desenvolvimento, a
exemplo da democracia, participação popular, sustentabilidade e
preocupações de uma nação com o meio ambiente, fortalecimento
institucional, entre tantos outros. O fato é que apesar de “ampliar a
perspectiva sobre o desenvolvimento humano, o IDH não abrange todos
os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da
"felicidade" das pessoas, nem indica "o melhor lugar no mundo para se
viver".6
1.3 – O porquê do desenvolvimento!
É bem verdade que o conceito de desenvolvimento econômico
não está pacificado, entretanto, há uma convergência teórica em
pressupô-lo a partir do: i) crescimento sustentado da economia; ii)
avanços tecnológicos e aumento da produtividade do trabalho; iii)
democracia e fortalecimento político e institucional e, entre outros
fatores, iv) melhora generalizada no padrão de vida da população. Estas
questões já estavam internalizadas no pensamento de Celso Furtado,
indubitavelmente um dos intelectuais mais reconhecidos sobre o tema.
Para este autor o desenvolvimento não é obra do acaso ou consequência
natural das forças de mercado, antes pelo contrário, é fruto de
intencionalidade, ou seja, é “(...) um processo de ativação e canalização
de forças sociais, de avanço na capacidade associativa, de exercício da
iniciativa e da inventiva. Portanto, se trata de um processo social e
cultural, e só secundariamente econômico” (Furtado, 1982, p. 149).
6
É obvio que críticas metodológicas ao cálculo do IDH não são novidades. Para tanto
existem, ao longo de sua trajetória, um conjunto de aperfeiçoamentos que devem ser
registrados, cabendo destaque a complementações como os Índice de Desigualdade
de Gênero (IDG), Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) e ao Índice de
Desenvolvimento Humano Ajustado (IDHAD). Para maiores informações sobre estes
indicadores complementares de desenvolvimento humano ver:
http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx.
24 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
A partir das contribuições seminais de Furtado, um ponto sobre
o processo de desenvolvimento se torna nevrálgico: ele não é uma
cristalização socioeconômica a-histórica, ele não é linear e nem
cartesiano ou, em outras palavras, não é obra do acaso. É resultado de
um longo processo de transformações que, em geral, passa a ser
analisado a partir da constatação do elevado – e crescente – padrão
desigual de crescimento internacional, inerente ao capitalismo. Este
ponto é central: “o processo de desenvolvimento não transborda, não
espraia, não entorna, não derrama, (em um certo sentido, “não se
difunde”) ele precisa ser arrancado, tensionado, tirado à força,
destruindo privilégios e constituindo novas estruturas de poder”
(Brandão, 2008, p. 38).
Forças sociais em movimento com iniciativa e intencionalidade
para romper amarras que impendem seu avanço são, necessariamente,
um processo conflituoso, mas não reacionário. Para Brandão:
Desenvolvimento é tensão. É distorcer a correlação de
forças, importunar diuturnamente as estruturas e
coalizões tradicionais de dominação e reprodução do
poder. É exercer em todas as arenas políticas e esferas de
poder uma pressão tão potente quanto o é a pressão das
forças que perenizam o subdesenvolvimento (2008, p.
38).
As arenas políticas e esferas de poder citadas por Brandão nos
remetem à necessidade de pensar o papel do Estado neste processo. É
fato que o desenvolvimento capitalista, por suas próprias
especificidades, se dá de modo desigual e combinado no território, o
que, por seu turno, cria dilemas e entraves sérios à justiça e à
equidade social. Para tanto a ação do Estado deve ser estratégica no
sentido de atuar como arrefecedor das assimetrias decorrentes da lógica
do capital. A intervenção direta ou indireta do Estado na economia não
é, portanto, nenhuma excrescência, muito pelo contrário, a ação estatal
é fundamental no processo de crescimento econômico, sine qua non ao
desenvolvimento, mas obviamente, não deve ficar restrita a isto.
25
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Em síntese, se o desenvolvimento é intencional e não natural, o
caso brasileiro se torna emblemático. Existe uma já consagrada
literatura sobre o nacional-desenvolvimentismo brasileiro e, partir dela,
podemos perceber como se articularam ferramentas e planos
econômicos que conseguiram iniciar e completar o processo de
industrialização nacional com notório aumento de produtividade do
trabalho, mas mantendo um patente desequilíbrio na assimilação dos
avanços tecnológicos produzidos, gerando uma desarticulação entre os
processos de produção de bens e serviços, acumulação de capital e
consumo de massas (Furtado, 1964). Ou seja, logramos uma
industrialização ao mesmo tempo em que estruturas sociais marcadas
pela desigualdade que caracterizaram – e caracterizam – nosso
subdesenvolvimento foram se sedimentando, transformando o Brasil
em um país moderno, mas não desenvolvido.
Na busca por compreender mais amplamente as manifestações
do desenvolvimento econômico, foi se forjando ao longo da história
perspectivas teóricas de diversas matrizes ideológicas, buscando
explicar as causas e os mecanismos do aumento da produtividade do
trabalho e suas repercussões na organização da produção e na
distribuição do produto social (Furtado, 1983).
Mesmo que inicialmente as distinções entre progresso,
crescimento e desenvolvimento não estivessem dadas, pode-se dizer
que a busca de suas causas explicativas é bastante antiga, anterior
inclusive ao que se entende por economia como campo específico do
conhecimento, como buscaremos mostrar a seguir.
26 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
2. Desenvolvimento econômico em
perspectiva histórica: contribuições da
economia política
Antes de começarmos a temática propriamente dita deste
capítulo, uma advertência se faz necessária. Pretendemos aqui apenas
apontar uma das trajetórias do desenvolvimento na teoria econômica,
partindo dos clássicos que o identificavam como sinônimo do progresso
até a teoria da modernização ou, de maneira mais específica, a teoria
das etapas do crescimento e a crítica a ela, realizada no escopo dos
estudos da Cepal. O objetivo é demonstrar que, nas entrelinhas do
pensamento econômico, o subdesenvolvimento, que de início, inexistia
enquanto preocupação teórica, passa a ser considerado, entretanto,
como uma etapa ou fase do desenvolvimento para, depois das
contribuições cepalinas, ser considerado consequência deste.7
Dito isso,
comecemos com a escola fisiocrata.
Antes mesmo de existir uma teoria sistematizada que
pudéssemos chamar de Ciências Econômicas, a fisiocracia francesa,
pensando os determinantes do crescimento, construiu uma teoria
antimercantilista, focada na importância da produção agrícola. O
argumento principal dos fisiocratas era de que apenas a terra (ou a
natureza) seria capaz de produzir riqueza. Para a economia fisiocrata,
em síntese, só a agricultura gerava produto líquido – um excedente em
relação aos custos agrícolas – que, transferido aos proprietários
fundiários, na forma de renda da terra, seria a causa ou o motor do
desenvolvimento de uma nação (Quesnay, 1997).
Mesmo que nos pareça uma teoria simplista, cabe lembrar que
o mercantilismo hegemonizou a política e economia das potências
europeias, até pelo menos o século XVIII, se valendo de práticas como
balança comercial favorável, Estado protecionista, pactos coloniais de
exclusividade comercial e o acúmulo de metais preciosos como base
material da riqueza nacional.
7
Para ampliação e aprofundamento da temática ver Furtado (1993).
27
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Disto isso, fica fácil perceber que uma teoria antimercantilista,
neste contexto, ganha outros contornos, uma vez que, se coloca
contrária à lógica imperante de protecionismo estatal como mecanismo
de crescimento econômico.
Em que pesem as relevantes contribuições de François Quesnay8
e outros fisiocratas, para os estudos econômicos, será A Riqueza das
Nações, de Adam Smith9
, a obra que inaugura a moderna economia
política. É nela que encontramos uma contribuição liberal pioneira à
análise do desenvolvimento, fenômeno este que foi identificado como
sendo a cristalização do progresso econômico. Adam Smith pôde
assistir de um lugar privilegiado da história: o da consolidação do
capitalismo como modo social (e internacional) de produção, em meio
à Revolução Industrial.
O modelo explicativo de Smith para o progresso era bastante
simples. Nele a acumulação de capital era principal fonte de progresso
econômico e estava diretamente relacionada com a produtividade do
trabalho que, em última análise, era a fonte da riqueza das nações.
Alicerçada na lógica dos interesses individuais, a argumentação de
Smith avança no sentido de demonstrar – com o artifício da mão
invisível – que quanto maior a divisão do trabalho, maior a
produtividade, maior as relações comerciais e menor a pobreza. Isto por
seu turno, retoma a argumentação de que a riqueza ou pobreza de um
homem (ou uma sociedade) está diretamente relacionada à sua
capacidade de adquirir bens. Em síntese, a pobreza (ou ausência do
progresso e, portanto, do desenvolvimento) deriva dos obstáculos ao
livre mercado.
O conteúdo liberal do modelo smithiano se expressa na lógica
não intervencionista do Estado sobre a economia, que através da mão
invisível do mercado, transformaria os conflitos e tensões decorrentes
da natureza egoísta do homem em harmonia social. Segundo Smith
8
O francês François Quesnay (1694-1774) foi médico e economista e o principal
expoente da escola fisiocrata. Dentre suas principais obras destaca-se o Tableau
Économique, publicada originalmente em 1759.
9
O escocês Adam Smith (1723-1790) foi filósofo e economista e é considerado o pai
da economia moderna e um dos principais expoentes do liberalismo econômico.
Dentre suas principais obras destaca-se Uma Investigação sobre a Natureza e as
Causas da Riqueza das Nações, publicada originalmente em 1776.
28 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
(1986) quando a política impedia o livre curso dos fenômenos e
processos sociais e econômicos, ela acabava por gerar desigualdades.
Em outras palavras, a desigualdade entre países era gerada quando a
política limitava a concorrência ou, ainda, quando criava obstáculos à
livre circulação de mão de obra e capital. Interessante observar que um
dos corolários dessa doutrina, para Furtado (1980, p. 03), era que as
“(...) economias da Europa, ao forçarem outros povos a integrarem-se
em suas linhas de comércio, cumpriam uma missão civilizadora,
contribuindo para liberá-los do peso de tradições obscurantistas”. Em
resumo, em Smith temos um modelo explicativo que, mesmo
básico, buscou demonstrar os fatores do crescimento e, por
consequência, do progresso e o do desenvolvimento, que não deve ser
descontextualizado e muito menos despido de seu caráter ideológico.
Outro expoente da economia política e também um dos
principais representantes do liberalismo econômico foi David
Ricardo10
. À sua época, Ricardo conseguiu identificar contradições do
sistema econômico que, exacerbadas, levariam a uma crise profunda e
generalizada. Para ele, o desenvolvimento de uma sociedade estava
associado à formação da riqueza nacional e à distribuição do produto
total da terra destinada a cada uma das três classes existentes na
sociedade: proprietários de terras, que recebiam rendas, os donos do
capital que recebiam lucros e trabalhadores que recebiam salários.
Ricardo (1996) buscou demonstrar que, quanto maior o
crescimento econômico, mais terras cada vez menos férteis seriam
demandadas e devido à produtividade decrescente da agricultura,
menores seriam as parcelas de lucros em detrimento do aumento da
renda apropriada pelos donos da terra.
Esta é uma simplificação limitada do modelo de evolução da
renda fundiária de David Ricardo, mas a partir dela pode-se perceber
que para ele exista um limite ao crescimento econômico que seria dado
pelos próprios limites da terra e dos recursos naturais. A continuidade
do processo de produção e desenvolvimento nacional – e o consequente
10
O inglês David Ricardo (1772-1823) é um dos fundadores da Economia Política e
defensor do liberalismo econômico. Dente suas principais obras podemos destacar
Princípios da economia política e tributação publicada, em sua primeira versão, em
1817.
29
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
aumento da população – impeliria o cultivo de terras cada vez menos
férteis, com custos crescentes ou rendimentos decrescentes de escala, o
que, por seu turno, impactaria no bem-estar social geral.
Tanto Smith quanto Ricardo deram à ciência econômica status
de campo específico do conhecimento, ao mesmo tempo que
consolidaram a perspectiva do liberalismo na gênese da própria
economia. Suas obras materializaram a perspectiva liberal, pautada na
livre concorrência, nos mecanismos de ajuste de mercado e no
individualismo metodológico. Respeitados estes pressupostos o
progresso econômico se daria de forma natural e socialmente pré-
determinada, ou seja, o desenvolvimento seria uma meta alcançável por
qualquer nação.
A herança mais concreta da interpretação clássica está na
associação direta entre crescimento, progresso e desenvolvimento que,
mesmo tendo sido retrabalhada à exaustão, ainda faz escola no
pensamento econômico. Em última instância, interpretar os
economistas clássicos contribui para entenderemos as contradições
intrínsecas a este pensamento, notadamente a negação do
subdesenvolvimento enquanto resultado inerente do próprio
capitalismo.
A falsa ideia de desenvolvimento como fenômeno natural não
pode obscurecer que a discussão do tema é complexa e envolve
inúmeros atores, escalas e interesses. Desde a gênese do pensamento
econômico liberal até a contemporaneidade, não são poucos os que
veem na ação do Estado um empecilho ao pleno e eficiente
funcionamento das forças de mercado e, portanto, um obstáculo ao
desenvolvimento.
Dentre os conservadores mais caricatos na defesa do
desenvolvimento, enquanto fenômeno natural, Walt Whitman Rostow
chama a atenção11
. Sua contribuição foi pautada por uma lógica etapista
11
As contribuições de Rostow podem ser consideradas caricatas na medida em que se
inserem na defesa do desenvolvimento como ideologia. Como policy maker, Rostow
atuou como conselheiro, na década de 1960, em assuntos de segurança nacional. Sua
contribuição acadêmica, assim como sua trajetória pessoal foi marcada pelo combate
as ideias comunistas no contexto da guerra fria. Cabe destacar que em sua obra mais
conhecida, o livro Etapas do Desenvolvimento Econômico, o subtítulo é: um manifesto
não comunista. Para mais detalhes ver Gumiero (2011).
30 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
pela qual o processo de desenvolvimento se daria. Para o autor, o
desenvolvimento era uma meta viável a todos os países do mundo, a
partir de cinco etapas bem definidas, a saber: 1) A sociedade
tradicional, caracterizada por estruturas se expandem dentro de funções
de produção muito limitadas; 2) As precondições para a decolagem,
visíveis em sociedades em transição que passam a explorar os frutos das
ciências modernas; 3) A decolagem (ou arranque), sociedades em que
as forças que contribuem para o processo econômico e que geraram
surtos de atividade moderna se dilatam; 4) A marcha para a
maturidade, caracterizada por um longo período de progresso
continuado e, por fim, 5) A era do consumo em massa, situação em que
a renda real por pessoa eleva-se a tal ponto que os consumidores
consomem a além das necessidades mínimas (Rostow, 1961).
Pressupõe-se que existam desigualdades internacionais
relevantes e hiatos de renda e riqueza que separam países ricos de países
pobres e isso é um mérito nas contribuições de Rostow. Entretanto, seu
modelo de análise é problemático por entender o subdesenvolvimento
como uma etapa, sendo este último acessível a todos os países que se
esforçassem por reunir as condições adequadas para isso (Marini,
1992).
O foco desta digressão é esclarecer que para Rostow a condição
macroeconômica para se alcançar o desenvolvimento pode ser expressa
em dois pontos: ter estoque de capital e estoque de poupança. Todavia,
diante de condições nacionais endógenas que desfavorecessem o
acúmulo de tais estoques, o desenvolvimento ainda seria possível,
bastando para tanto que os países ainda não desenvolvidos pudessem
contar com investimentos e empréstimos externos de países em fases
ou etapas superiores. Ou seja, o caminho natural para alguns países
seria, para Rostow, um crescimento dependente como fórmula.
O subdesenvolvimento passa a ser não mais negado, passa a ser
aceito como uma fase do desenvolvimento. Desmistificar esta
interpretação é um dos maiores méritos na trajetória da Comissão
Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL)12
.
12
Sobre as teorias tais quais as de Rostow e o papel da Cepal e de Celso Furtado,
Roberto Saturnino Braga, escreveu o seguinte: “Durante algum tempo, este foi o
31
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
A visão teórica da Cepal e suas propostas foram bastante
inovadoras para o período, pois é bom ter em mente que Process of
Economic Growth é de 1952; Stages of Economic Growth é de 1960;
Politics and the Stages of Growth é de 1971 e que Origins of the Modern
Economy é de 1975, todas obras de Rostow que, na mesma linha de
raciocínio e argumentação demonstrados anteriormente,
materializavam o pensamento mais conservador sobre o processo e as
perspectivas do período. Cabe frisar que a Cepal foi estabelecida pela
resolução 106 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em
1948, para, segundo informações oficiais:
(...) monitorar as políticas direcionadas à promoção do
desenvolvimento econômico da região latino-americana,
assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e
contribuir para reforçar as relações econômicas dos
países da área, tanto entre si como com as demais nações
do mundo13
.
A tese do desenvolvimentismo emerge, segundo Cepêda (2012),
a partir da teoria do atraso produzida pelos pensadores da CEPAL, entre
eles Celso Furtado e Raúl Prebisch. Eles formularam o argumento geral
de que o chamado “atraso”, que é visto como um capitalismo
incompleto de certas sociedades, faz parte de um sistema econômico
que se desenvolve de maneira desigual. Desse modo, o que antes era
denominado como posição de “atraso”, passa a ser considerado como
uma relação desigual entre pares subdesenvolvidos e desenvolvidos.
pressuposto fundamental do processo de “desenvolvimento econômico”. Com o
passar do tempo, com as observações, as reflexões e os debates sobre o tema, os
conceitos se foram alterando e aperfeiçoando, a partir do próprio conceito de
desenvolvimento, que passou a incorporar outras dimensões (social, cultural,
política). E uma voz se destacou claramente neste debate internacional. Uma voz da
Cepal, uma voz brasileira, do economista e pensador Celso Furtado, que só não
ganhou o Prêmio Nobel de Economia por causa do preconceito forte contra o Brasil,
visto ainda como país sem seriedade” (Braga, 2015, p. 136).
13
Disponível em http://www.cepal.org/brasil/. Acesso em janeiro de 2015.
Lembramos que desde a década de 1980, por meio da resolução 1984/67, Cepal
passou a aturar também junto aos países caribenhos, tendo incorporando em seus
objetivos a promoção do desenvolvimento social e sustentável.
32 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
Desenvolvimento, portanto, envolve um projeto de
transformação social profunda, operada politicamente de maneira
racional e orientada pelo Estado, vinculando economia e avanço social
(Cepêda, 2012).
As principais questões que ocuparam grande esforço intelectual
da Cepal, em sua gênese, indubitavelmente foram:
➢ O que é desenvolvimento?
➢ Por que os países latino-americanos não são desenvolvidos?
➢ Porque existem países com diferentes graus de
desenvolvimento?
➢ Por que alguns países conhecem um elevado consumo de massa
sem uma elevada redução das disparidades entre nações e dentro
das nações?
Na busca pelas respostas às questões apresentadas, a Cepal
avançou no entendimento de questões até hoje centrais no pensamento
latino-americano e na construção de políticas públicas ditas
desenvolvimentistas, a saber: a deterioração dos termos de troca e a
relação centro-periferia14
no comércio internacional; importantes
análises dos processos de industrialização dos países latino-americanos
e as diferenças entre o desenvolvimento e subdesenvolvimento.
O pensamento cepalino conseguiu demonstrar que a tomada de
consciência das reais condições históricas dos países não desenvolvidos
deveria transcender para um projeto de transformação socioeconômico
profundo operado politicamente com clara orientação do Estado de
modo a avançar na imbricação entre avanços econômicos e conquistas
sociais.
No que tange à deterioração dos termos de troca e à relação
centro-periferia, para a Cepal, existia uma tendência estrutural ao
estrangulamento do comércio exterior que gerava disparidades na
procura internacional que, por sua vez, passavam às exportações e
14
Primando pela didática, compreende-se, no pensamento cepalino “Centro” como
economias em que as técnicas capitalistas de produção penetraram primeiro e
“Periferia” como economias cuja produção permanece inicialmente atrasada, do ponto
de vista tecnológico e organizativo.
33
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
preços relativos. Em outras palavras, estruturalmente, nas trocas
internacionais entre países centrais e periféricos, estes últimos
perderiam, paulatinamente, poder de compra e o resultado final seria o
aumento do foço que os separavam.
Para a teoria econômica neoclássica, os países com elevada
concentração de capital deveriam concentrar-se na indústria, ao passo
que aqueles abundantes em terra e trabalho deveriam se concentrar na
agricultura, o que, em linhas gerais era um desdobramento do
argumento ricardiano das vantagens comparativas. Diante desta
realidade e observando a deterioração dos termos de troca, os cepalinos
construíram um importante arcabouço teórico para fazer frente aos
modelos neoclássicos, que defendiam a especialização dos países
segundo a dotação de fatores de produção.
Para Raúl Prebisch e Celso Furtado, a deterioração dos termos
de troca era uma “debilidade congênita” da condição periférica e
subdesenvolvida dos países latino-americanos e o fim do
estrangulamento externo dos países latino-americanos passaria pela
necessidade imprescindível de alavancar o processo de industrialização.
Esta seria a única forma de elevar a elasticidade-renda das exportações
dos países periféricos e, portanto, permitir o crescimento econômico
sustentável. Ou seja, era uma forma de superar a pobreza e de reverter
a distância crescente entre a periferia e o centro.15
Sabe-se hoje que a
industrialização não elimina a heterogeneidade tecnológica e a
dependência, apenas altera a forma como essas características passam a
se expressar. Entretanto, o mais importante foi terem levando em conta
que a inclusão social não está diretamente ligada ao crescimento
econômico, sendo assim, é necessário foco na redistribuição de renda e
riqueza, além de controle dos centros de decisão para promover o
desenvolvimento.
Para a Cepal, de modo geral, e Celso Furtado, de modo mais
específico, o subdesenvolvimento é um processo em “si mesmo”, que
15
Os argumentos da Cepal seguiam a lógica do problema empírico do mercado
internacional que era a da perda de dinamismo da procura de produtos primários, com
impactos sobre os preços. A origem do fenômeno de desigualdade dos termos de troca
estava, então, na lentidão com que crescia a procura mundial por produtos primários
comparada com a de produtos industriais.
34 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
tende a se perpetuar, e não uma simples “etapa de desenvolvimento”
pela qual passam todos os países, como gostaria, entre outros, Rostow16
.
O subdesenvolvimento, portanto, é uma das linhas históricas de
projeção do capitalismo industrial cêntrico a nível global: a que se faz
por meio de empresas capitalistas modernas e transnacionais sobre
estruturas arcaicas, formando “economias híbridas” (e profundamente
“heterogêneas”, como no caso do Brasil). O sistema tende à
concentração de renda e a um grau de injustiça social crescente. Em
uma perspectiva mais crítica, a dialética do desenvolvimento:
(...) concebe que o subdesenvolvimento de alguns
países/regiões resulta precisamente do que determina dos
demais. A lógica de acumulação de capital em escala
mundial possui características que, ao mesmo tempo,
produzem o desenvolvimento de determinadas
econômicas e o subdesenvolvimento de outras
(Carcanholo, 2008, p. 253).
Importante ter em mente que um moderno padrão de consumo
não pode ser confundido com desenvolvimento. O subdesenvolvimento
é um desequilíbrio na assimilação dos avanços tecnológicos
produzidos. Nele reside, segundo Furtado (1992) uma desarticulação
entre o processo de produção, acumulação e consumo, portanto, um país
moderno não é necessariamente desenvolvido. Em função disto que
países subdesenvolvidos, marcados notadamente por economias
desprovidas de ações estatais coordenadas que primem por políticas
econômicas que enfrentem o atraso socioeconômico, se mostram
ineficientes na alocação de recursos para geração de renda e riqueza
nacional que possam ser apropriadas amplamente por sua sociedade.
Desnecessário dizer que o Brasil é um bom exemplo.
16
Segundo Furtado, a estrutura ocupacional com oferta ilimitada de mão de obra se
altera nas economias subdesenvolvidas de forma lenta, porque o progresso técnico,
capital-intensivo, é inadequado à absorção dos trabalhadores ligados à vasta economia
de subsistência.
35
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
3. A tortuosa busca pelo
desenvolvimento: do neoliberalismo ao
novo-desenvolvimentismo
Antes de avançarmos em discussões mais contemporâneas sobre
o tema que nos propusemos explorar, é importante deixar claro que
nenhuma discussão que se proponha pensar o desenvolvimento
econômico, em uma perspectiva histórica, teria lacunas imperdoáveis
se não apresentasse, mesmo que sucintamente, as contribuições de John
M. Keynes.17
Como preambulo necessário é interessante observar que,
na busca pelo desenvolvimento, as ideias teóricas e as ações concretas
não apenas não caminham no mesmo compasso como também, quando
imbricadas, dão conformação a estruturas complexas e, muitas vezes,
idiossincráticas. Neste sentido, como evento paradigmático, a crise de
1929 pode ser vista como um divisor de águas que emerge do ruir dos
princípios liberais e da necessidade de se reconfigurar um novo padrão
de acumulação, este agora sob fortes influências keynesianas18
.
Keynes, desviando-se da rota neoclássica, que insistia em
estudar as hipotéticas condições de equilíbrio microeconômico,
restabeleceu a primazia do político sobre o econômico, buscando
estabelecer uma análise macroeconômica da qual emergiu uma teoria
que passou a valorizar centros de decisão em escala nacional, com
destaque preponderante ao papel do Estado (Furtado, 1980).19
17
O britânico John Maynard Keynes (1883-1946) foi, sem dúvida, o economista mais
influente do século XX, notadamente pelo impacto de seu livro Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda, publicado em 1936. Entre muitas contribuições
inovadoras para a época, podemos destacar a defesa ao papel do Estado como agente
intervencionista na economia, algo execrado pela tradição econômica liberal.
18
Não é nosso objetivo, e nem seria possível neste trabalho, sintetizar, em poucas
linhas, as contribuições da obra de Keynes para a economia, mas é importante deixar
claro que a ênfase à dimensão política dos problemas considerados eminentemente
econômicos foi (e continua sendo) fundamental para o desenvolvimento e, por
consequência, para o enfrentamento do subdesenvolvimento
19
Nos valemos da ideia de que a teoria keynesiana faz apenas um desvio de rota, pois
concordamos com Bresser-Pereira na medida em que este argumenta que “Keynes foi
36 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
O fato é que, com a crise do modelo keynesiano gerou-se as
condições necessárias para um momento de acumulação novo pautado
na financeirização crescente da riqueza e na desregulamentação dos
mercados com crescente participação do capital privado em setores
antes notadamente estatais, características estas fundamentais para se
entender a dinâmica do neoliberalismo.
Partimos do pressuposto que o neoliberalismo foi a resposta do
capitalismo à sua própria crise, ocorrida no período imediatamente
anterior. A crise a que nos referimos é a crise do modelo keynesiano,
pautado em um regime de acumulação e apropriação privada de lucros
e excedentes no qual o Estado tinha um papel proeminente de ação e
intervenção na economia. Para Grasiela Baruco,
Com a crise, a validação das políticas econômicas que
garantissem a retomada do processo de acumulação de
capital no bloco de países capitalistas exigia uma
concepção de desenvolvimento que disputasse a
hegemonia com o Keynesianismo. A esta nova
concepção de desenvolvimento, inspirada nas teses
liberais - a este "novo liberalismo", portanto,
convencionou-se denominar neoliberalismo (Baruco,
2005, p. 2)
A gênese do pensamento neoliberal pode ser vista como uma
resposta às políticas keynesianas que garantiram, em última instância,
a acumulação de capital na era de ouro do capitalismo, notadamente no
período que vai do fim da Segunda Guerra até o início dos anos 1970,
período este marcado pelo sistema de Bretton Woods20
.
um economista ortodoxo, que, embora rompendo em alguns pontos importantes com
a teoria econômica do seu tempo, a ponto de sua contribuição poder, com justiça, ser
considerada revolucionária, nem por isso deixou de ser fiel às linhas gerais do
pensamento econômico ortodoxo, marshalliano, em que foi formado” (1976, p. 22-
23).
20
O acordo de Bretton Woods, derivado das conferências realizadas na cidade norte-
americana homônima ao sistema, em 1944, estabeleceu regras mais incisivas sobre a
mobilidade de capitais, aumentando suas restrições e, com isso aumentando também
a capacidade de se fazer de políticas econômicas internas com maior grau de
autonomia, em especial nos países em desenvolvimento.
37
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Importante destacar que a ideologia geral neoliberal já estava
expressa desde 1944 na obra Caminhos da Servidão do austríaco
Friedrich Hayek. Apenas como ilustração, a citação abaixo é, por si só,
bastante reveladora:
Nossa geração esqueceu que o sistema de propriedade
privada é a mais importante garantia da liberdade, não só
para os proprietários, mas também para os que não o são.
Ninguém dispõe de poder absoluto sobre nós, e, como
indivíduos, podemos escolher o sentido de nossa vida –
isso porque o controle dos meios de produção se acha
dividido entre muitas pessoas que agem de modo
independente. Se todos os meios de produção
pertencessem a uma única entidade, fosse ela a
“sociedade” como um todo ou um ditador, quem
exercesse esse controle teria poder absoluto sobre nós
(Hayek, 2010, p.115).
Com a lógica neoliberal de falência do Estado, enquanto agente
promotor do desenvolvimento nacional, o mercado passaria a ser o
eficiente condutor deste processo. Assim não apenas o Estado como
também suas principais atribuições (políticas econômicas, notadamente
as fiscais e monetárias) passaram a ser questionadas (Batista, 1994).
3.1 – Neoliberalismo: do Consenso ao fracasso
Os anos 1980 na América Latina são marcados pela deterioração
global da situação econômica dos países, muito em função do que se
convencionou chamar de crise do endividamento externo, característico
do período no continente. Contudo, especificamente no que se refere ao
Brasil, à crise da década de 1980, conhecida como perdida, se seguiu
mais uma que podemos chamar de desperdiçada, ou simplesmente,
neoliberal, especialmente, a partir do Consenso de Washington.21
21
“Em novembro de 1989, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários
do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados
- FMI, Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos. O
objetivo do encontro, (...) era proceder a uma avaliação das reformas econômicas
38 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
No que tange ao Brasil, mais como ilustração do que
aprofundamento, houve um deslocamento da base produtiva para a
financeira, enquanto estratégia capitalista para uma maior acumulação,
eliminando os condicionantes internacionais favoráveis ao crescimento
brasileiro na década anterior.
Apesar dos esforços do governo, durante a década de 1980, para
manter o crescimento, a situação econômica brasileira, mas também em
grande parte da América Latina, se deteriorou rapidamente dada a
impossibilidade do concomitante pagamento da dívida externa
(Carneiro, 2007). É neste contexto que devemos pensar o Consenso de
Washington e suas implicações. Assim é interessante recordarmos os
10 temas que estruturaram o direcionamento técnico-ideológico que o
balizou:
empreendidas nos países da região. (...). Às conclusões dessa reunião é que se daria,
subsequentemente, a denominação informal de "Consenso de Washington" (Batista,
1994, p. 5).
39
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Quadro 4 – Resumo sinótico do Consenso de Washington
Tema Argumento (O Estado
deve...)
Entrelinhas (Entretanto, ...)
Disciplina
fiscal
Orientar o gasto a partir da
receita, eliminando o déficit
público em prol do
equilíbrio fiscal.
Não faz distinção entre despesas
correntes e investimentos públicos,
pregando apenas menos investimentos
públicos, a partir do eufemismo de
“disciplina fiscal”.
Priorização
dos gastos
públicos
Focalizar os gastos em
setores estratégicos tais
como saúde, segurança e
educação.
Favorece a lógica mercadológica de
direitos, uma vez que, com a redução
dos investimentos públicos, setores
estratégicos passam a ser vendidos.
Reforma
tributária
Ampliar a base tributária
para distribuir melhor o
peso dos impostos.
Agrava a já concentrada estrutura de
renda em países pobres pois favorece
impostos regressivos em detrimento
dos progressivos.
Liberalização
financeira
Reduzir as restrições à livre
mobilidade de capitais.
Fragiliza a autonomia nacional em
relação ao controle de capitais
especulativos.
Regime
cambial
Taxas competitivas para
estimular o comércio
internacional.
Exclui a concessão de incentivos às
exportações de países pobres
notadamente agrário-exportadores.
Liberalização
comercial
Reduzir as barreiras ao
comércio internacional em
prol do livre-mercado.
Desconsidera a heterogeneidade
estrutural entre os países e os riscos de
desindustrialização e desemprego nos
países subdesenvolvidos.
Investimento
direto
estrangeiro
(IDE)
Incentivar a entrada de IDE
como forma de
complementar a poupança
nacional e receber
transferência de tecnologia
Não menciona o fato dos países ricos
preferirem exportar bens e não
tecnologia, além da cobrança por
proteções adicionais de patentes.
Privatização Vender empresas estatais
como forma de tornar mais
eficiente sua gestão.
Enfraquece os Estados Nacionais em
processos de desnacionalização de
monopólios estratégicos.
Desregulação Simplificar ou remover
obstáculos ao livre mercado
e à eficiência privada.
Elimina os controles de fluxos de
capital produtivo e financeiro,
facilitando processos especulativos e
aumentando o poder de oligopólios
transnacionais.
Propriedade
intelectual
Proteger a propriedade
intelectual como forma de
aumentar a segurança
institucional dos
investimentos.
Geram verdadeiros monopólios
inibidores de inversões no exterior não
contribuindo com a expansão
econômica dos países mais pobres.
Fonte: elaboração própria a partir do trabalho de Batista (1994)
40 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
A década de 1990 foi marcada pela intensificação do processo
de globalização e de reestruturação produtiva que, em grande medida,
alterou as formas anteriores de competição no mercado interno e
internacional. Datam desse período no Brasil: a abertura econômica, as
privatizações, a desregulamentação do mercado financeiro e, entre
outros, a reforma do Estado. Em função da opção neoliberal, ocorreram
alterações na capacidade de ação estatal e isto, por seu turno, acarretou
rebatimentos sociais significativos como, entre outros tantos exemplos,
o aumento do desemprego.
A adoção indiscriminada das políticas neoliberais agravou os
problemas estruturais brasileiros, a exemplo da concentração de renda
e propriedade reduzindo pari passu as possibilidades de ação estatal
concreta e coordenada para a efetiva superação do atraso social e
econômico nacional. Não é por outro motivo que o novo-
desenvolvimentismo gerou tamanha expectativa na sociedade de
maneira geral e na academia de maneira mais específica.
3.2 – Um novo-desenvolvimentismo para um velho capitalismo
O já sepultado novo-desenvolvimentismo é, paradoxalmente um
tema em aberto e uma seara pantanosa por se enveredar tanto no campo
econômico quanto no político. Respeitados autores, insistem que existe
uma clara mudança de prioridade em favor da redistribuição de renda e
equidade social. Para Cepêda (2012), por exemplo, as “políticas
públicas mudaram de rumo, redefinindo prioridades e instrumentos a
ponto de permitir a legítima suposição de um novo pacto social em
andamento, porém, claro, em termos de um processo e não
necessariamente em projeto” (Cepêda, 2012, p. 87). Por outro lado, de
maneira muito mais otimista, Sicsú, Paula e Michel (2007, p. 508)
acreditam que o novo-desenvolvimentismo pode ser uma “uma
alternativa de política de desenvolvimento que compatibilize
crescimento econômico com equidade social, buscando estimular o
debate em torno da constituição de um programa alternativo ao projeto
neoliberal”.
41
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Com o objetivo de apresentar o novo-desenvolvimentismo
comparando-o com a ortodoxia neoliberal e a macroeconomia
estruturalista do desenvolvimento, Bresser-Pereira (2012), sugeriu que,
em comparação ao velho desenvolvimentismo, suas características
principais seriam:
Quadro 5 – Velho e Novo-Desenvolvimentismo
Velho desenvolvimentismo Novo-Desenvolvimentismo
1. Industrialização orientada pelo
Estado e baseada na substituição de
importações.
1. Industrialização orientada para as
exportações, combinada com consumo
de massas no mercado interno.
2. Papel central do Estado em obter
poupança forçada e realizar
investimentos.
2. Cabe ao Estado criar oportunidades
de investimento e reduzir a
desigualdade econômica.
3. A política industrial é central. 3. Política industrial é subsidiária, mas
estratégica.
4. Ambiguidade em relação aos déficits
públicos e em conta corrente.
4. Rejeição aos dois déficits. Se o país
tiver doença holandesa, deverá
apresentar superávit fiscal e na conta
corrente.
5. Relativa complacência em relação à
inflação.
5. Nenhuma complacência em relação à
inflação.
Fonte: Bresser-Pereira (2012, p. 19)
Segundo Bresser-Pereira (2012), para o êxito deste projeto
existe a necessidade de que a taxa de salários não cresça menos do que
a da produtividade do trabalho, sob pena de redução da demanda, e que
se evite a tendência de sobreapreciação da taxa de câmbio, sob pena de
menor inserção nacional em mercados externos. Ou seja, crescimento
da renda dos trabalhadores, da demanda dos consumidores e maior
inserção no comércio internacional do país.
O novo-desenvolvimentismo tem como premissa (ou promessa)
básica o binômio “crescimento econômico” e “distribuição de renda”.
Assim, se diferencia do neoliberalismo na medida em que dá, pelo
menos em termos teóricos, ao Estado maior papel e prestígio no
cumprimento direto deste binômio. Nas palavras de Sicsú, Paula e
Michel:
42 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
A alternativa novo-desenvolvimentista aos males do
capitalismo é a constituição de um Estado capaz de
regular a economia — que deve ser constituída por um
mercado forte e um sistema financeiro funcional — isto
é, que seja voltado para o financiamento da atividade
produtiva e não para a atividade especulativa (2007, p.
512).
Alguns pontos precisam ser melhor avaliados neste modelo,
projeto ou – o que nos parece mais adequado – promessa, até porque,
no senso comum, ele foi apropriado e é (ou melhor, era) identificado
politicamente pelo prisma da mudança ou, em outras palavras, pela
esperança vencendo o medo, com a vitória de um partido dito de
esquerda sob um partido visto como neoliberal. Começamos
concordando com Reinaldo Gonçalves, para quem:
As formulações do novo desenvolvimentismo que
surgem no Brasil apresentam-se como críticas ao
Consenso de Washington, à ortodoxia convencional
(monetarismo) e ao neoliberalismo. Entretanto, há
convergências significativas, principalmente na defesa
do export-led growth (crescimento puxado pelas
exportações) e ênfase na estabilidade macroeconômica.
A crítica dos novos desenvolvimentistas ao “tridente
satânico” (superávit primário, juros altos e câmbio
flutuante) não os impedem de defender equilíbrio fiscal e
taxa de câmbio competitiva, que são diretrizes básicas do
Consenso de Washington. (Gonçalves, 2012, p. 664).
No campo econômico a prática identificada como novo-
desenvolvimentista não trouxe uma alteração de rota para que ele
pudesse ser pensado como alternativa. A lógica de condução
macroeconômica manteve-se inalterada, em que pesem mudanças em
alguns preços macroeconômicos, notadamente juros e câmbio. Ou seja,
do ponto de vista conjuntural assistimos o fenômeno do novo-
desenvolvimentismo, mesmo que do ponto de vista estrutural não
tenhamos saído do neoliberalismo.
Na América Latina, nos anos recentes, houve um crescimento
de países, respeitadas suas especificidades, governados por partidos
com origem trabalhista, popular ou ditos de esquerda. Todavia, as
43
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
dinâmicas expressas em cada nação, a partir desta opção política, não
nos permite, ainda, nos valermos de uma unidade explicativa que possa
dar conta de um objeto tão amplo. Desta maneira, vamos nos ater ao
caso brasileiro para que possamos nos adensar mais no tema.
A condução da política econômica, a partir da consolidação do
neoliberalismo no Brasil, se alicerçou no conhecido tripé
macroeconômico pautado no i) câmbio flutuante; ii) regime de metas
inflacionárias e, iii) geração de superávits primários.22
No que se refere ao câmbio, cabe lembrar que ele não é apenas
um preço macroeconômico, é também um importante instrumento de
política econômica que, no Brasil, acabou por perder sua função
estratégica. Dito de outra forma, o problema não está na flutuação do
câmbio e sim na autonomia (ou ausência dela) do governo frente a esta
flutuação. Evitando-se tecnicidades desnecessárias, o fato é que,
mesmo se valendo de intervenções pontuais no mercado, com a
chamada flutuação suja, desde meados da década de 1990 até hoje, o
país perdeu sua autonomia sobre o câmbio em detrimento do mercado.
No que tange ao regime de metas inflacionárias, regime este no
qual a autoridade monetária máxima no país – no caso o Banco Central
– se compromete a atuar de forma a garantir uma inflação dentro de
padrões pré-determinados e considerados aceitáveis23
. Buscando fugir
do jargão comum aos economistas, o que temos aqui é uma inversão de
prioridades perniciosa, isto é, cristalizou-se a meta da inflação como o
objetivo da política econômica e o crescimento (ou a ausência dele)
como é o resultado.
Sobre o superávit primário, última variável do tripé
macroeconômico neoliberal, sabemos sua função estratégica: uma
economia de recursos monetários para pagar juros da dívida pública.
Desde o acordo com o FMI, no final da década de 1990, o Brasil tem se
comprometido com esta exigência de organismos multilaterais.
22
Cabe lembrar que no caso brasileiro não houve cumprimento do superávit primário
em 2014, o que foi considerado um problema grave e que gerou a nomeação de um
ministro da economia considerado bastante conservador, para não dizer, neoliberal,
em 2015.
23
As metas podem variar de um período para outro, mas o que assistimos nos últimos
anos foi uma meta a ser alcançada de 4,5% (chamado centro da meta), como limite
máximo (ou teto) de 6,5% ao ano.
44 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
Obviamente, o problema não é a economia de recursos públicos e sim
sua forma, expressa pela simples lógica de aumento de receitas
(fortalecendo uma estrutura de arrecadação regressiva) e redução de
despesas (incluindo redução de direitos trabalhistas, como vimos mais
recentemente).
O novo-desenvolvimentismo se sustentou e ganhou adeptos e
defensores nas últimas décadas por ter como prioridade os programas
de transferência de renda, crédito habitacional, energia elétrica
subsidiada e, entre outros tantos, expansão do ensino superior. É
inegável que as políticas públicas com esta orientação foram
fundamentais para a melhoria das condições objetivas e subjetivas de
vida dos mais pobres, atingindo milhões de brasileiros. Infelizmente a
correção deste esquecimento histórico não abriu a perspectiva de
transformações sociais estruturais que permanecem mesmo após o
esgotamento do novo-desenvolvimentismo. Neste ínterim, Gonçalves
(2012) traz a qualificação de reformismo social uma vez que, para o
autor, o novo desenvolvimentismo “(...) reconhece a necessidade de
políticas de redução das desigualdades, porém não faz referência ou dá
pouca ênfase às reformas que afetam a estrutura tributária e a
distribuição de riqueza” (Gonçalves, 2012, p. 661).
Ademais, observando de perto, o padrão histórico que sustenta
o capitalismo brasileiro não sofreu alterações, isto é, o modo social de
produção e reprodução do capital no Brasil (com todas as suas
especificidades, dentre elas, seu caráter periférico, dependente e
subdesenvolvido) continua alicerçado na superexploração da força de
trabalho, na qual os ganhos de produtividade crescem independentes da
remuneração da classe trabalhadora. Dito de outra forma, a amarração
econômica pautada no mainstream não se alterou, nem se abalou. É bem
verdade que, em um curto período de tempo apelidado de novo-
desenvolvimentista, amenizou-se os problemas sociais crônicos no
país, a exemplo da redução da extrema pobreza e, por consequência, da
fome como fenômeno social. Todavia, não apresentou soluções de
longo prazo e se esgotou antes de se transformar em uma alternativa.
45
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
Sendo assim, no pantanoso terreno do neoliberalismo, a
impossibilidade do Estado em ser um instrumento em prol de políticas
que primem pelo desenvolvimento (qualquer que seja), tem se
fortalecido. Vemos que, já há algumas décadas, dois movimentos têm
se somado: o primeiro é a pregação, quase religiosa, da ineficiência do
Estado, que exploramos anteriormente, e o segundo que é a eleição da
escala municipal como ente federativo privilegiado na construção de
um tipo de desenvolvimento, agora de base local, que
problematizaremos a seguir.
46 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
4. O desenvolvimento local: panaceias e
possibilidades
O desenvolvimento local e as políticas públicas para viabilizá-
lo estão na ordem do dia, todavia, não podemos desconsiderar que
existem diversos referenciais teóricos e arcabouços político-ideológicos
que se entrecruzam nas inspirações e formulações que se centram nessa
ideia. É, no mínimo paradoxal, mas interessante observar que, ao
mesmo tempo em que o desenvolvimento local tem sido usado como
instrumento retórico, com o intuito de mobilizar sujeitos na construção
de projetos econômicos e sociais, ele é, também, fundamental no
alargamento dos processos democráticos, devendo, por isso, compor a
agenda pública na construção de políticas.
Importante antecipar que a noção de “local” pode ter uma base
territorial, todavia, não se restringe a ela, podendo expressar também,
mesmo que de maneira abstrata, relações sociais específicas. Assim, nas
palavras de Fischer:
E, assim, invariavelmente a análise do ‘local’ remete ao
estudo do poder enquanto relação de forças, por meio das
quais se processam as alianças e os confrontos entre
atores sociais, bem como ao conceito de espaço
delimitado e à formação de identidades e práticas
políticas específicas. No entanto, se o espaço local tem
um fundamento territorial inegável, não se resume a este,
como, aliás, assinalam os geógrafos ao nos dizerem das
muitas maneiras de se construir os espaços, refutando
fronteiras institucionais e reconstruindo-as em função de
problemáticas adotadas (Fischer, 1992, p. 106).
Ressaltamos, a pouco, a necessidade de perseguirmos o
desenvolvimento como uma meta. É obvio que as lições do passado
deixam claro que o desenvolvimento só se realizará em concomitância
47
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
com transformações sociais e estruturais de grande envergadura.
Todavia, parte significativa do esforço intelectual, desde pelo menos
meados da década de 1990, tem se centrado em torno dos estudos do
desenvolvimento, a partir de processos e escalas bastante assimétricos
entre si, a exemplo da globalização e transnacionalização do capital vis-
à-vis local, regional, municipal. Estamos assistindo a uma distorção
neoliberal do tema que, diante da assimetria visível entre sujeitos,
processos, escalas, insiste em pregar a existência de uma sinergia
cooperativa alicerçada nas capacidades endógenas para o
desenvolvimento de uma categoria abstrata chamada local.
É bem verdade que a retórica sobre o desenvolvimento local está
ganhando cada vez mais destaque no discurso político, entretanto, como
é de se esperar, demasiadamente desconectada da realidade concreta.
Por conseguinte, torna-se imprescindível que avancemos neste tema,
com análises, no mínimo alternativas, se não contra-hegemônicas, para
evidenciar, mesmo que sucintamente, um diagnóstico indicando outros
caminhos possíveis na busca por maior grau de autonomia local e
participação social.
4.1 – Panaceias contemporâneas do desenvolvimento
Para os entusiastas do desenvolvimento local, ele pode ser
conceituado como um processo endógeno de mudança que leva o
dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população
para pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos (Buarque,
2002). A ideia, quando apresentada desta forma não nos permite
dimensionar, com a clareza necessária, a complexidade intrínseca à
lógica da endogeneidade.
O que estamos qualificando de panaceia, isto é, uma resposta
mágica aos grandes dilemas do desenvolvimento, fica visível se
recuperamos Vásquéz Barquero (2001), quando este, buscando
determinar um momento no qual a perspectiva local teria, em tese, se
sobressaído, ante a incapacidade do Estado Nacional em criar condições
adequadas para a acumulação de capital e para o desenvolvimento, nos
apresenta o seguinte argumento:
48 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
No entanto, desde os anos oitenta uma mudança profunda
ocorre na política econômica, quando os atores locais e
regionais lançam ações destinadas a influenciar os
processos de crescimento das economias locais. Assim se
inicia, a política de desenvolvimento local, que é uma
resposta das comunidades locais aos desafios
apresentados pelo fechamento de empresas, a
desindustrialização e o aumento do desemprego
(Barquero, 2001, p. 10)24
.
O que buscamos destacar é que, desta maneira, há um
reducionismo ou simplificação do problema e da solução: basta que um
local abstrato (comunidade, cidade, município, região, localidade, etc.)
tornar-se competitivo e atraente para o investimento externo.
Em outras palavras, considera-se que é o plano local a escala da
superação do atraso, independentemente de que local, pois todos
possuem potencialidades específicas, ativos ou capitais a serem
ativados. Segundo Vainer (2001, p. 142) “o governo local teria a
extraordinária capacidade de cumprir de maneira vantajosa as
tradicionais funções que sempre foram as dos estados nacionais, quais
sejam: a função de acumulação e a função de legitimação”.
Assim, o local passou a ser apresentado como um ator novo e
relevante no processo de produção capitalista. A literatura específica da
área e seus críticos já visibilizaram muitos dos autores que adensam este
pensamento, todavia, para nos atermos a um dos mais conhecidos,
recuperemos Manuel Castells, um dos mais requisitados intelectuais do
desenvolvimento local em tempos de globalização.
Em sua argumentação teórica, Castells (2000) elenca três fatores
principais para a competitividade deste novo ator na economia global:
24
Tradução livre do espanhol. No original: “Sin embargo, desde principios de los años
ochenta se produce un profundo cambio en la política económica, cuando los actores
locales y regionales inician acciones encaminadas a incidir sobre los procesos de
crecimiento de las economías locales. Se inicia, así, la política de desarrollo local que
constituye una respuesta de las comunidades locales a los desafíos que presentaba el
cierre de empresas, la desindustrialización y el aumento del paro”.
49
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
i) A capacidade tecnológica, entendida enquanto um sistema
científico/tecnológico/industrial/social;
ii) O acesso aos grandes mercados internacionais; e
iii) O diferencial de custos de produção comparativamente entre
a origem e o destino do produto.
Para Castells, existe uma rede não hierárquica e a estrutura
social que emerge e compõem uma Sociedade em Rede, adaptável e
flexível, na qual não cabe a intervenção estatal direta, hierárquica,
antidemocrática, nos termos do próprio Castells. Assim, nos domínios
da organização e do planejamento do capital privado, montou-se as
bases de um regime de acumulação associado a um sistema de
regulamentação política e social bem distinto do período
desenvolvimentista, conhecido como acumulação flexível, base
empírica e retórica dos localistas (Harvey, 2006)25
.
Percebe-se, pois, que na panaceia das capacidades locais e
endógenas, no “território das cidades” as empresas, cidades,
organizações sociais, entre outros “ativos” são atores sociais que, uma
vez pactuados em torno de um objetivo comum – o desenvolvimento –
criam um clima favorável e sinérgico que destrava os obstáculos do
atraso. Essa ficção impregnou tanto o senso comum como muitos
“consultores” municipais e especialistas de diversas áreas que passaram
a repetir, à exaustão, termos aldeia global, local-global, global cities,
glocalização, etc.
Eis que a problemática do nacional versus o local fica exposta.
Em nossa perspectiva, o que estamos assistindo é como a lógica do
capital orienta e reorienta a organização territorial dos “diversos
lugares”. O fato é que, diante do enfraquecimento das economias
nacionais e, a partir da integração cada vez maior dos mercados, dos
meios de comunicação e dos transportes, tem-se aumentado as
25
Esta base de sustentação empírica e retórica para se pensar o desenvolvimento local
leva em consideração as constantes inovações produtivas e financeiras que
revolucionaram e revolucionam diversas escalas, dentre as quais as culturais, sociais,
econômicas e, entre outras, (e para nós a mais importante), a escala territorial,
marcada, segundo Harvey (2006) pela “compressão tempo-espaço”.
50 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho
idiossincrasias inerentes a inserções de países com distintos graus de
autonomia no mercado global26
.
Sobre esta dimensão territorial do processo de desenvolvimento
do (e no) capitalismo, temos que ter em mente que, como sugere
Brandão (2007), para o processo desigual de acumulação, é necessário
que o capital, no seu movimento de valorização, avance sobre os
distantes e distintos lugares, globalizando-os, o que, em síntese, termina
homogeneizando o território como lócus aberto à valorização do
capital, gerando, é verdade, estruturas heterogêneas, mas, iguais no que
concerne sua capacidade de serem exploradas e expropriadas pelo
capital. Assim, em meio a este processo, o capital, ao avançar, requer
recondicionamentos (territoriais, institucionais, econômicos, sociais,
etc.) que afetam a divisão social e territorial do trabalho que é
(re)hierarquizada, dando perenidade ao processo de acumulação
desigual e combinada do capitalismo.
A partir destes apontamentos teóricos sobre desenvolvimento na
escala local observa-se que, não apenas o Brasil, mas qualquer país do
mundo, poderia servir de exemplo para demonstrar que, na perspectiva
de um capitalismo competitivo global, a maioria dos ditos locais não
lograriam crescimento econômico, concomitante com a garantia de boa
qualidade de vida para a sua população. Com o discurso positivado da
competição, escamoteia-se, na verdade, qualquer possibilidade de laços
de solidariedade regional, fazendo com que os lugares considerados
não-competitivos sejam um problema (Vainer, 2002).
Uma crítica que é óbvia, mas que parece passar desapercebida
pelo senso comum é que, com a expansão desigual e combinada do
capitalismo, a “aldeia global” nunca se apresentará de fato para todos.
A globalização é, antes de tudo, um processo gerador de idiossincrasias
que traz, junto a si, um forte componente de acirramento de
desigualdades. Cada nação, diante de suas especificidades histórico-
estruturais responde de modo muito particular a esse processo, com
clara tendência de enfraquecimento das economias subdesenvolvidas,
26
Como vimos, isto não é novo e já foi explicitado à exaustão por Prebisch e Furtado,
tendo, mais recentemente em Harvey uma contribuição seminal.
51
Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.)
inclusive, no caso brasileiro, com impactos no pacto federativo e no
papel dos municípios, como não poderia deixar de ser.
Em síntese, a argumentação localista centrada no
desenvolvimento endógeno, pautada no poder local, mistura
argumentos empíricos, teóricos e retóricos, por vezes casuísticos, por
vezes, genéricos que, na prática, obscurecem o grau de atraso e
conservadorismo em que tem se sustentado as elites e o poder local.
Sabemos que as ações das elites locais e regionais na trajetória do
desenvolvimento brasileiro, amalgamaram estruturas desiguais e
excludentes, seja na economia seja na política, negando processos e
espaços de decisão participativos e democráticos com o intuito de
manterem a sustentação do status quo e de seus projetos privados de
poder (Kerbauy, 2000).
4.2 – Possibilidades: o papel das escalas e dos sujeitos sociais
Se aceitarmos que o aporte teórico focado no localismo e na
endogeneidade é limitado, insuficiente ou mesmo equivocado,
caminharemos para o entendimento de que o processo mais amplo de
integração das economias nacionais à dinâmica internacional traz
consigo desafios novos à construção do desenvolvimento. Em outras
palavras, o processo de globalização provoca a necessidade de se pensar
novos elementos na inserção de países de capitalismo periférico no
mercado internacional – a exemplo do Brasil – na medida em que as
escalas de planejamento e ação estão perdendo conexões e sentidos
territoriais. Concordamos com Brandão (2014) que, além da
necessidade da inclusão de parcelas crescente das populações
marginalizadas, gerando coesão em uma escala nacional:
É fundamental que esse processo transformador seja
promovido, simultaneamente, em várias dimensões
(produtiva, social, tecnológica etc.) e em várias escalas
espaciais (local, regional, nacional, global etc.). As
políticas de desenvolvimento devem agir sobre a
totalidade do tecido socioprodutivo, ou seja, devem
pensar o conjunto territorial como um todo sistêmico,
Economia politica e desenvolvimento: um debate teórico
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Economia politica e desenvolvimento: um debate teórico

  • 1. ECONOMIA POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO: um debate teórico Coleção: Governança e Desenvolvimento Organizadora: Vera Alves Cepêda Joelson Gonçalves de Carvalho
  • 2. Autor: Joelson Gonçalves de Carvalho Organização: Vera Alves Cepêda ECONOMIA POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO: UM DEBATE TEÓRICO
  • 3. 1ª Edição, 2015. Revisto e ampliado em 2017. © Grupo de Pesquisa Ideias, Intelectuais e Instituições, UFSCar ISBN 978-85-6917205-5 Qualquer parte dessa publicação somete poderá ser reproduzida, desde que citada a fonte
  • 4. Sumário Apresentação da Coleção Governança e Desenvolvimento................. 05 Prefácio................................................................................................. 09 Introdução............................................................................................ 13 1. Desenvolvimento: perguntas fundamentais e problemas essenciais........................................................................................ 15 1.1 – Como medir o crescimento?.................................................................... 17 1.2 – Como medir o desenvolvimento?............................................................ 19 1.3 – O porquê do desenvolvimento!............................................................... 23 2. Desenvolvimento econômico em perspectiva histórica: contribuições da economia política................................................ 26 3. A tortuosa busca pelo desenvolvimento: do neoliberalismo ao novo-desenvolvimentismo............................................................. 35 3.1 – Neoliberalismo: do Consenso ao fracasso............................................... 37 3.2 – Um novo-desenvolvimentismo para um velho capitalismo..................... 40 4. O desenvolvimento local: panaceias e possibilidades.................... 46 4.1.–.Panaceias contemporâneas sobre o desenvolvimento........................... 42 4.2 – Possibilidades: o papel das escalas e dos sujeitos sociais......................... 51 Considerações finais............................................................................. 54 Referências........................................................................................... 56
  • 5. Apresentação da Coleção Governança e Desenvolvimento Em 2014 um conjunto de pesquisadores, docentes e estudantes de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de São Carlos iniciaram a execução de um projeto de extensão intitulado Governança local de desenvolvimento: novas ferramentas de gestão pública para inclusão, inovação e cidadania. Financiado com recursos do Edital PROEXT/MEC, o grupo abrigava docentes, pesquisadores e alunos ligados ao campo da ciência política, economia, sociologia, gestão pública, em uma proposta multidisciplinar, misto de extensão, pesquisa e formação, cujos eixos centrais incidiam sobre a questão do desenvolvimento e o papel das instituições universitárias como dinamizadoras do desenvolvimento local. O ponto de partida da proposta do “Governança” apoiou-se em quatro premissas: desenvolvimento, capacidades estatais, capitais sociais e papel estratégico da universidade. A primeira delas, apoiou-se em amplo movimento nacional e internacional que ressignificou a ideia de desenvolvimento, ultrapassando a perspectiva economicista de crescimento e avançando para a concepção de bem-estar social. Neste sentido, as referências teóricas mais fortes são a defesa de desenvolvimento com ampliação das bases de aumento geral da qualidade de vida de uma sociedade, defendidas desde os anos de 1950 por Celso Furtado e mais recentemente pela lapidar obra de Amartya Sen (Desenvolvimento como liberdade), mas que são encontradas em documentos e posições públicas da CEPAL, do PNUD, entre outras instituições. Esta concepção tem algumas características ímpares e valiosas: 1) é multidisciplinar por princípio, conectando todas as facetas da vida social em um único sistema; economia, cultura, direitos sociais, instituições democráticas e republicanas, políticas públicas, equidade, somadas à necessária expansão da produção da riqueza econômica;
  • 6. 6 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho 2) a economia tem papel de destaque, por ser a base da vitalidade e promoção de recursos necessários para a realização de políticas e serviços públicos, mas aparece também com significado modificado, ajustado à ideia de sustentabilidade e de equilíbrio distributivo. A mudança problematiza a velha forma do desenvolvimento e da modernização das décadas de 1950/1980, geradoras de muita riqueza e também de brutal desigualdade social; 3) contextos socioeconômicos de menor porte, formas alternativas de produção, aceitação de capacidades institucionais complementares do desenvolvimento (como aparelhagem e serviços ligados aos direitos sociais). A segunda premissa retoma um dos motes centrais da gestão pública e da ciência política: a de que as instituições contam. Trata-se de lidar com a concepção do papel estratégico do Estado, via diagnósticos claros sobre déficits socioeconômicos, elaboração de estudos e sistematização de dados que resultem em políticas de planejamento, investimentos, legislação e regulação política. A literatura recente tem intitulado a valorização da ação pública como fonte de desenvolvimento de capacidades estatais. Neste caso, a performance do Estado e de sua aparelhagem (legal, funcional, material e humana) contam muito para superação de entraves do desenvolvimento ou de sua qualidade e alcance - lembrando que crescimento não significa aumento do bem-estar ou elevação geral das capacidades e potência social. A terceira premissa é a dos capitais sociais, entendidos como elementos do conjunto dos atores em uma dada sociedade e que podem alavancar ou represar a dinâmica do Desenvolvimento. Se Estado conta, sociedade conta muito também. A cultura política, a estima identitária e histórica, o perfil de acesso a bens estratégicos – tanto produtivos stricto senso quanto de direitos sociais –, a existência de aparelhagem de serviços públicos, a organização e participação da sociedade civil são fatores relevantes quando pensamos em um desenvolvimento que se pretende inclusivo, sustentável e ambientalmente viável.
  • 7. 7 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Por último, destacamos o papel estratégico da universidade nesse processo. Como um tipo singular de instituição pública, voltada para inovação, formação e reflexão sobre os problemas de toda ordem, as universidades possuem capitais e expertise que podem, em interação com seu entorno social, alavancar e acelerar a dinâmica do desenvolvimento. Em período recente esta função de diálogo e responsabilidade com a sociedade denominou-se função social da universidade. Somadas estas quatro balizas, norteadoras da proposta e da ação do “Governança”, as mesmas foram aplicadas no contexto dos pequenos municípios do entorno da Universidade Federal de São Carlos. Foram selecionados quatro municípios e campus da UFSCar: o eixo do campus São Carlos, atuando nos municípios de Ribeirão Bonito e Dourado, e o eixo do campus Lagoa do Sino, atuando nos municípios de Campina do Monte Alegre e Buri. A escolha dos municípios de ação deveu-se à presença de duas características: ser de pequeno porte e possuir indicadores de alta vulnerabilidade social. A ideia central era pensar o potencial que a ação dialógica dessas cidades com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores que mirasse o desenvolvimento local alcançaria. Foram inúmeras ações, incluindo os eixos de cultura, educação, políticas públicas, organização societal e a produção de diagnósticos socioeconômicos dessas cidades. O projeto deu frutos e poderia ter dado mais, e como última etapa de sua realização o grupo de pesquisadores e alunos organizou-se para a publicação de um conjunto de textos que procurasse sintetizar a experiência prática do projeto e sua influência no marco teórico original. Nasce aqui a Coleção Governança e Desenvolvimento, publicada pelo selo editorial Ideias, Intelectuais e Instituições (UFSCar), com os seguintes títulos: Ciclo de Políticas Públicas e Governança para o Desenvolvimento; Cultura e Desenvolvimento; Educação e Desenvolvimento; Economia Política e Desenvolvimento (este último em dois volumes: Um Debate Teórico e Novos Arranjos Institucionais). E, partilhando os valores democráticos e inclusivos do PROEXT e da UFSCar, a coleção é publicada em formato de livro digital com acesso aberto e circulação gratuita.
  • 8. 8 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho Termino agradecendo enormemente ao conjunto de docentes, pesquisadores, alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGPol) e da graduação da UFSCar, aos técnicos administrativos colaboradores na proposta, bem como aos inúmeros parceiros externos com quem desenvolvemos as atividades, a oportunidade de realização deste trabalho. Às prefeituras, gestores, diretores e secretários, alunos e voluntários dos municípios de Ribeirão Bonito, Dourado, Campina do Monte e Alegre e Buri, externo o nosso mais profundo agradecimento pela chance de aprendermos com vocês e pela possibilidade de experimentarmos a construção coletiva e social do conhecimento. Vera Alves Cepêda Coordenadora do projeto Governança local de desenvolvimento: novas ferramentas de gestão pública para inclusão, inovação e cidadania
  • 9. 9 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Prefácio Ao tentar pôr em evidência os elementos fundantes da economia política clássica enquanto abordagem científica, Coutinho demonstra que o objeto de pesquisa da nova disciplina que nasceu das Ciências Humanas e Sociais assenta-se no tratamento dado à compreensão “das relações entre os homens, na reprodução da vida material” 1 . Significa, entre outras coisas, que a análise pretensamente científica que trata das humanidades e da sociedade deve se policiar para não naturalizar relações sociais construídas historicamente através de uma forma específica de interação entre indivíduos. O que implica, portanto, em não naturalização de resultados desta interação, como crescimento e desenvolvimento desiguais entre países e regiões, ou as desigualdades econômicas e sociais gritantes entre seres humanos, a existência de um número considerável de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza – seja lá o que isso signifique –, ou a manutenção, perene, de um volume de pessoas que têm capacidade e força para trabalhar, desejam trabalhar, mas não lhes é permitido exercer suas atividades, assim como a presença de desproporcionalidades gigantescas nos acessos à saúde, à moradia, à educação, ao lazer etc. Influenciaram no surgimento da economia política tanto o pulular dos temas que se disseminavam, concernentes à própria formação e consolidação do capitalismo; quanto a emergência e inter- relação entre o surgimento e fortalecimento do liberalismo econômico; e o aspecto preponderante do olhar filosófico estruturado no racionalismo jusnaturalista da contraposição entre estado e sociedade civil. A conjunção dos dois últimos elementos é crucial para compreendermos os rumos da economia e, em grande parte, também a forma como cientistas sociais explicam a realidade socioeconômica. 1 Livro “Lições de Economia Política Clássica”, de Maurício Chalfin Coutinho, de 1993, editado pela Editora Hucitec, São Paulo.
  • 10. 10 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho Quer dizer, por exemplo, que o andar da carruagem do capitalismo está condicionado, por um lado, pelos avanços na capacidade de acumulação e, por outro, pela forma como a sociedade e a política respaldam e ajudam a construir a processualidade e o resultado desses avanços. Assim, a ciência econômica que visa contribuir, ainda que criticamente, para a elaboração de proposições de medidas voltadas ao desenvolvimento precisa levar em consideração: primeiro, que os avanços dependem de estímulos às iniciativas de investimento, respaldadas, sempre, por condicionantes impostos pelo mercado, sob as mais variegadas dimensões; segundo, o debate teórico amplamente difundido sob a ótica da falsa dicotomia entre os benefícios e os malefícios da maior ou menor intervenção do estado na economia, seja para estimular os avanços ou para minorar problemas advindos dos desdobramentos e resultados desses avanços. Quando observamos a evolução das Ciências Humanas e Sociais, fica claro que estas percepções estão longe de ser unanimidade entre intelectuais, pesquisadores e estudiosos. Ao contrário, destaca-se entre grandes obras as teses que procuram nas relações sociais e econômicas leis parecidas com aquelas possíveis de serem encontradas quando se observa a natureza. Dessa forma, ganharam destaque grandes defensores do livre mercado e a confusão da assimilação de que o crescimento econômico, por si só, conduz ao desenvolvimento de um país ou região, e as atenções centraram-se, nas últimas décadas, na estabilização e no equilíbrio fiscal. Mas, a tradicional teoria do crescimento é bem mais antiga, como a tentativa de Solow, nos anos 1950, de construir um modelo com base na teoria neoclássica, ou as teorias do crescimento com progresso técnico endógeno, do capital humano, também com pés (de barro) atolados na neoclássica, visíveis já nos anos 1960, mas que ganharam notoriedade com Romer, Lucas e Harrod nos idos de 1980. Nas últimas décadas, as teses que influenciaram as políticas de industrialização do Brasil, assim como a crítica à forma de implantação, foram relegadas ao ostracismo, como se fizessem parte de um passado anacrônico e não compusessem o quadro da teoria econômica.
  • 11. 11 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Apesar de o debate sobre a possibilidade ou impossibilidade de implementação de políticas voltadas para o desenvolvimento econômico ter ganhado relevância nos últimos anos no Brasil, grande parte das teses dos economistas, de cientistas sociais e políticos que ganham os corações e as mentes daqueles que conduzem políticas de desenvolvimento, ou mesmo daqueles pesquisadores que se tornam expertos publicadores em revistas de alta qualificação, segue um roteiro em que são mantidas bases e/ou técnicas próximas daquelas utilizadas nos modelos tradicionais. Tentativas de resgate do desenvolvimentismo no Brasil nesse século caracterizaram-se pelo desprezo a iniciativas de reversão de problemas estruturais, penalizando, inclusive, possíveis momentos favoráveis, e mantendo inabalável a tradição conservadora de conduzir políticas macroeconômicas pela interação política fiscal, monetária e cambial. Felizmente, as perspectivas do projeto que levou à elaboração deste livro parecem colocar-se bem distante desta linha de raciocínio. Ao ler as páginas que seguem, fica claro que a orientação que o professor Joelson pretendeu construir ao longo desta obra está ancorada em pilares estruturados na criticidade, na transversalidade e na multidisciplinaridade, em teses estruturalistas cepalinas, em construções furtadianas e nas dimensões do desenvolvimento pensadas por Sen. Uma das contribuições do livro, ainda que curto, é permitir ao leitor um roteiro claramente pensado dentro de uma perspectiva histórica sobre os significados teóricos do pensamento acerca do desenvolvimento. Por isso o resgate do tema a partir de autores da economia política clássica, a apresentação crítica da leitura etapista do processo de desenvolvimento – quando o debate sobre o tema ganha evidência, seja pelas mãos de Prebisch, ou mesmo de Rostow, Nurske, Hirschman e Myrdal –, passando por uma interpretação do chamado neoliberalismo e apresentando o novo-desenvolvimentismo a partir de interpretações de Bresser-Pereira e da crítica de Gonçalves às limitações do modelo, ou daquilo que Joelson designou como “promessa”, e, principalmente, da não inserção de medidas que visassem transformações estruturais.
  • 12. 12 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho O livro é finalizado com um capítulo específico a um tema caro ao autor e aos estudiosos do desenvolvimento, a questão regional e a crítica aos localismos endogenistas. A nos lembrar, primeiro, o quão pernicioso são as teses ancoradas na autossuficiência das administrações públicas gerenciais capazes, por si só, de atrair e gerar crescimento e desenvolvimento, segundo, o quanto as Ciências Sociais, particularmente, a ciência econômica, ainda são influenciadas pelas teses equilibristas walrasianas, e, terceiro, que a redução das disparidades regionais só encontram respaldo quando pensadas em termos sistêmicos. Que mais projetos de extensão e de pesquisa desta magnitude e com esta perspectiva encontrem espaço nas universidades brasileiras e que possam dar frutos e favorecer o pluralismo científico. Sebastião Ferreira da Cunha Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Econômicas e Exatas, Instituto Três Rios, UFRRJ e pós-doutorando no Instituto de Economia da UFU Uberlândia, 4 de outubro de 2016. Sob nebuloso ambiente político nacional.
  • 13. 13 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Introdução Esse trabalho surgiu, como ressaltado na apresentação, de um projeto de extensão denominado Governança local e desenvolvimento: novas ferramentas de gestão pública para inclusão, inovação e cidadania. Nosso primeiro movimento foi o de apresentar um repertório mínimo para o estávamos chamando de desenvolvimento. Assim, a partir da organização de eventos com o intuito de dialogar com as equipes de trabalho sobre as reflexões mais gerais acerca da temática, percebemos a necessidade de enfrentar questões que, mesmo presentes há bastante tempo no debate acadêmico, não apresentavam uma convergência teórica necessária para se avançar nas análises propostas no projeto. Desse modo, primando pela didática, para cumprir os objetivos propostos, dividimos o trabalho em quatro breves capítulos. No primeiro, apresentamos as distinções – infelizmente não tão obvias – entre desenvolvimento e crescimento, para, no segundo, buscar, na história do pensamento econômico, a dimensão política do desenvolvimento, visando descontruir a ideia do desenvolvimento enquanto possibilidade e trajetória natural para todos os países. No terceiro capítulo nos ocupamos, de maneira crítica, de algumas escolas e modismos do pensamento econômico e seus vieses distintos ao pensar o desenvolvimento. Já, no quarto capítulo, nossas provocações recaem na teoria do desenvolvimento local, em especial, a partir, de sua vertente endogenista, com especial destaque às panaceias teóricas mais contemporâneas e, nem por isso, menos desconectadas da realidade, como poderá perceber o próprio leitor. Em tempo, não queremos negar o desenvolvimento local enquanto possibilidade empírica. Acreditamos que os sujeitos sociais podem fazer a diferença. Todavia, isso só será possível quando avançarmos em uma concepção de democracia que não se encerre em si mesmo e que, portanto, não negue a luta de classes como um
  • 14. 14 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho instrumento positivo e necessário na desorganização dos interesses e dos poderes das elites locais. É nosso dever adiantar que as reflexões apresentadas aqui não são novas. O leitor perceberá que os alicerces que sustentam a nossa crítica, que não está isenta de erros e equívocos de interpretação, são as leituras de brasileiros como Celso Furtado, Wilson Cano, Carlos Brandão, Tania Bacelar e, entre outros, Carlos Vainer, autores imbuídos de espírito crítico e sentido republicano, que estão há anos, enfrentando o “bom combate” na luta por um verdadeiro desenvolvimento, ajustado aos interesses nacionais e pautados em um projeto de nação. Sendo assim, nosso modesto objetivo foi o de recolocar mais uma vez no debate público, preocupações macroestruturais e micro-organizacionais que não podem ser obscurecidas pela lógica economicista curtoprazista que tem dominado a ciência econômica. Por fim, cabe esclarecer que uma primeira versão desse texto circulou, de maneira mais restrita, no ano de 2015. Depois de uma revisão, a ideia era fazer uma versão mais acabada para ampla circulação. Todavia, muito em função da instabilidade política e econômica nacional, que surpreendeu a todos nós, acabou atrasando nosso cronograma. O Brasil, em 2016, passou por um golpe contra o Estado democrático de direito que casou o impeachment da presidenta eleita, Dilma Rousseff, seguido de um conjunto de medidas que, dentre outros disparates, busca “executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada”. Assim, se por um lado, o atraso causado pelo golpe trouxe uma desconexão entre esse trabalho e o projeto que o gerou, por outro, contribuiu para reforçar que ainda não temos a tão aludida consolidação das instituições democráticas, quiçá, da democracia.
  • 15. 15 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) 1. Desenvolvimento: perguntas fundamentais e problemas essenciais É comum nos deparamos com mais de uma definição de desenvolvimento na vasta literatura disponível sobre o tema. Em linhas gerais, o objetivo de se definir o desenvolvimento (ou qualquer outro termo) é poder buscar, em um repertório normativo, uma precisão inerente para poder dizer o que é e o que não é algo. Em sentido oposto, ressaltamos que o desenvolvimento precisa ser entendido como um processo. Devemos buscar o seu sentido partindo da premissa que existe um grau elevado de complexidade que, ao mesmo tempo em que exige um rigor científico maior, exige também o abandono de réguas cartesianas que se proponham a medir esta complexidade. Antes de refletirmos sobre os sentidos do desenvolvimento, precisamos deixar claro que a construção de qualquer argumentação teórica que tenha como foco temas complexos requer antes o alerta da emergência de tensões oriundas das diversas controvérsias e interpretações que se chocam entre si. Notadamente, para o que nos propomos refletir, esta tensão “(...) deriva de sua polissemia conceitual ao atravessar inúmeras áreas, diversos momentos históricos e por aninhar-se no coração de algumas das mais complexas correntes teóricas produzidas em mais de quatro séculos de pensamento ocidental” (Cepêda, 2012, p. 77). Esta dimensão polissêmica do termo, apresentada por Cepêda, ganha contornos mais densos na medida em que consideramos que “Desenvolvimento, evolução e progresso são temas caros ao pensamento moderno, quer seja na reflexão filosófica, no debate histórico, quer nas teses originais da economia” (Cepêda, 2012, p. 77). Buscando apresentar um enfoque interdisciplinar, Celso Furtado (1980) foi preciso ao dizer que o conceito de desenvolvimento tem sido utilizado em dois sentidos distintos, mas que, mais contemporaneamente tem se imbricado, a saber:
  • 16. 16 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho O primeiro diz respeito à evolução de um sistema social de produção na medida em que este, mediante a acumulação e progresso das técnicas, torna-se mais eficaz, ou seja, eleva a produtividade do conjunto de sua força de trabalho. (...) O segundo sentido relaciona-se com o grau de satisfação das necessidades humanas. A ambiguidade neste caso aumenta (Furtado, 1980, p. 15- 16). Dito isso, é importante frisamos os objetivos e limites que nos propomos neste capítulo. Buscaremos, no escopo da análise econômica, refletir sobre o desenvolvimento e seu descolamento da ideia estrita de progresso material, ou crescimento, para uma lógica mais ampla, na qual dimensões mais sociais tais como saúde e educação ganham relevo. A partir da breve introdução feita anteriormente, fica explicitado o porquê de o conceito mais usual ser, ao mesmo tempo, o mais simples: desenvolvimento econômico pode ser entendido como crescimento econômico associado ao aumento da qualidade de vida das pessoas. Ou seja, os processos de desenvolvimento e crescimento são processos distintos que devem ser combinados para a melhoria da reprodução social em condições materiais mais avançadas, ou ainda, em uma abordagem mais recente, que amplie oportunidades diminuindo privações, sejam elas individuais, coletivas ou sociais. Abrimos assim uma importante chave de análise para aprofundarmos a reflexão: crescimento. O crescimento, entendido como o aumento da riqueza material de uma sociedade, é então, condição fundamental, mas não suficiente, para a concretude do desenvolvimento, isto é, não elimina a necessidade premente da melhora, de maneira ampla, do padrão de vida da coletividade.
  • 17. 17 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) 1.1 – Como medir o crescimento? Quando se mede a riqueza e o crescimento de um país o que se busca, em tese, é quantificar e avaliar o desempenho da economia na satisfação das necessidades da sociedade. Esta contabilização é bastante técnica e carrega em si certo grau de discricionariedade. Senão vejamos: a escolha de um período determinado de tempo de referência, geralmente de um ano, é arbitrária, entretanto, necessária, dada a importância de períodos de referência que sejam homogêneos, permitindo fazer comparações entre tempos e economias distintos. Arbitrária também é a escolha do recorte territorial, sendo a escala “país” a usualmente mais usada, pois nada impede de se calcular, com as devidas alterações metodológicas necessárias, o crescimento e a riqueza dos estados, municípios, ou mesmo, continentes. Ademais, esse processo de contabilização pode ser feito de diversas maneiras, entretanto, a forma mais utilizada é o cálculo do Produto2 . Calculamos o produto de um país computando o valor adicionado total das transações feitas durante certo período de tempo. Usa-se frequentemente o Produto Interno Bruto (PIB) para se cumprir este objetivo, isto é, o produto dentro de um dado território, sem considerar as depreciações no período. Em que pese o grau de tecnicidade do que é ou não contabilizado, devemos ter em mente que o PIB representa toda a riqueza gerada em um determinado território em um dado período. O quadro abaixo apresenta o ranking dos países com maiores PIBs do Mundo nos anos de 2013 a 20153 . 2 Não é foco aqui o aprofundamento técnico do cálculo do produto, mas cabe dizer que existem três óticas para isto: as óticas do produto, do dispêndio e da renda. Contudo, os valores finais devem ser iguais, ou seja, consideram-se idênticos o produto, a despesa e a renda. 3 Os dados disponíveis no quadro estão disponíveis para consulta na database do FMI no site http://www.imf.org/external/index.htm. Os valores são em dólares correntes e alguns ainda se apresentavam como estimativas na data da busca.
  • 18. 18 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho Quadro 1 – Ranking das maiores economias do mundo segundo o Produto Interno Bruto (Dólares em valores correntes) Ranking 2015 País PIB em 2015 PIB em 2014 PIB em 2013 1º Estados Unidos 17.946.996.000.000,0 17.348.071.500.000,0 16.663.160.000.000,0 2º China 10.866.443.998.394,2 10.351.111.762.216,4 9.490.602.600.148,5 3º Japão 4.123.257.609.614,7 4.596.156.556.721,9 4.908.862.837.290,5 4º Alemanha 3.355.772.429.854,7 3.868.291.231.823,8 3.745.317.149.399,1 5º Reino Unido 2.848.755.449.421,0 2.990.201.431.078,2 2.712.296.271.990,0 6 º França 2.421.682.377.731,0 2.829.192.039.171,8 2.808.511.203.185,4 7º Índia 2.073.542.978.208,8 2.042.438.591.334,0 1.863.208.343.557,0 8 º Itália 1.814.762.858.045,9 2.138.540.909.211,1 2.130.330.362.918,4 9º Brasil 1.774.724.818.900,5 2.417.046.323.841,9 2.465.773.850.934,6 10 º Coreia do Sul 1.377.873.107.856,3 1.411.333.926.201,2 1.305.604.981.271,9 11º Rússia 1.326.015.096.948,2 2.030.972.571.014,3 2.230.628.042.254,4 12º México 1.144.331.343.172,5 1.297.845.522.512,7 1.261.832.901.816,5 13º Indonésia 861.933.968.740,3 890.487.074.596,0 912.524.136.718,0 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial e cotejados com dados do FMI (2016) Um olhar rápido nos países listados no quadro 1 deixa evidente que entre as maiores economias globais, segundo valores expressos em PIB, encontram-se países com níveis de desenvolvimento bastante distintos, o que nos ajuda a comprovar que o produto de um país pode não ser a medida indicada para mensurar a qualidade de vida de sua população. Assim, se aceitarmos, como ponto pacífico, a incapacidade do crescimento em ser medida de qualidade de vida, um quantum significativo de crescimento de riqueza em uma dada economia não significa um país sem pobreza, desnutrição e ausência de serviços básicos de saúde e educação, pois não há uma passagem automática entre o crescimento econômico e a melhora das condições objetivas da vida das pessoas.
  • 19. 19 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) 1.2 – Como medir o desenvolvimento? Até o momento, temos claro que, em economia, crescimento de um país é uma elevação da sua produção, enquanto desenvolvimento é a melhoria do bem-estar de sua população. Contudo, mesmo diante desta assertiva, uma questão ainda fica em aberto: como medir o grau de desenvolvimento de uma nação? Esta pergunta ainda não encontrou uma resposta adequada, contudo, das que foram dadas, a contribuição mais conhecida e reconhecida é a do prêmio Nobel de Economia, o economista indiano Amartya Sen. A reflexão de Sen está ancorada, segundo Costa Lima (2001, p. 163) “em uma tradição de pensamento na qual a ética e a economia são indissociáveis e, portanto, distantes de uma perspectiva instrumental moderna e mecânica que caracteriza o paradigma econômico dominante em nossos dias”. A preocupação elencada por Sen é basilar: podemos assistir a um crescimento significativo sem que a vida das pessoas, em termos gerais, melhore. Nesta abordagem, para pensar o desenvolvimento humano, passa a ser central a ideia de ampliação de liberdades, capacidades e oportunidades em prol do aumento da autonomia do indivíduo. Nas palavras do autor: O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria (Sen, 2000, p. 18).
  • 20. 20 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho Na busca por ter um indicador mais real e sensível a este tipo de situação em que os aspectos econômicos e os rendimentos de uma pequena parcela da população podem causar uma falsa sensação de melhora é que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi pensado e popularizado, em função de sua busca em medir o grau de desenvolvimento das nações, a partir de variáveis não exclusivamente econômicas. O IDH foi criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq com a ajuda do economista indiano Amartya Sen. Fazendo uma breve digressão histórica deste índice, ele foi feito, pela primeira vez, em 1990 e desde então é calculado anualmente. Um dos objetivos era suprir as deficiências do cálculo do PIB per capita, que mede apenas o crescimento econômico de um país dividido por sua população. Mesmo com inovações metodológicas no seu trajeto, gerou uma série histórica bastante importante para se ver o movimento dos países nestas duas décadas e meia de vida, tendo se tornado uma referência mundial na comparação entre as diversas nações e um indicador de progresso para as nações4 . Tecnicamente, ele varia entre zero a um, sendo zero o número que indica nenhum desenvolvimento humano e o número um o desenvolvimento humano pleno. Em sua metodologia levam-se em consideração três dimensões: renda, saúde e educação. De modo mais específico, tem-se: 4 O IDH passou por revisões metodológicas em 2013 e 2014. As mudanças metodológicas inseridas, no entanto, são frutos do aprimoramento do índice em captar sinteticamente o grau de desenvolvimento de um país, para além de seu crescimento econômico. Explicitar as diferenças metodológicas aqui seria inoportuno, contudo, para mais detalhes ver http://www.pnud.org.br.
  • 21. 21 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) ➢ Dimensão Educação: esta dimensão é calculada levando-se em consideração dois indicadores, a saber: a média de anos de estudo e os anos de estudo esperados; ➢ Dimensão Saúde: esta dimensão é resultado direto da longevidade da população, ou seja, é calculada a partir da esperança de vida ao nascer; ➢ Dimensão Renda: esta dimensão é econômica e calculada pela Renda Nacional Bruta per capita do país. Figura 1 - Organograma funcional do IDH Fonte: Elaboração própria a partir do Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2015).
  • 22. 22 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho O quadro abaixo mostra a última classificação disponível no Relatório de Desenvolvimento Humano, disponibilizado anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)5 . Quadro 2 – Índice e grau de desenvolvimento mundial em 2014 IDH Grau de Desenvolvimento Alguns exemplos 0,000 a 0,549 Baixo Paquistão, Quênia, Haiti, Afeganistão, Níger 0,550 a 0,699 Médio Palestina, Paraguai, Egito, Índia, Iraque 0,700 a 0,799 Elevado Uruguai, Bahamas, Venezuela, Turquia, Brasil 0,800 a 1,000 Muito elevado Noruega, Austrália, Suíça, EUA, Argentina Fonte: Elaboração própria a partir do Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2015). Os exemplos expressos no quadro 2 de países no mesmo grau de desenvolvimento trazem desconforto não apenas ao senso comum, mas também a especialistas de toda ordem, na medida em que colocam no mesmo patamar Brasil e Venezuela ou Estados Unidos e Argentina. Aliás, se observamos o ranking de países selecionados por seu IDH, teremos: Quadro 3 – Ranking de países selecionados por seu IDH em 2014 Ranking País Ranking País 1º Noruega 29º Grécia 2º Austrália 40º Argentina 3º Suíça 43º Portugal 4º Dinamarca 52º Uruguai 5º Países Baixos 55º Bahamas 6º Alemanha 67º Cuba 6º Irlanda 71º Venezuela 8º Estados Unidos 75º Brasil 9º Canadá 130º Índia 9º Nova Zelândia 188º Níger Fonte: Elaboração própria a partir do Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2015). Nota: o ranking leva em consideração empates até a terceira casa decimal. 5 Para mais detalhes ver o site oficial do PNUD, disponível em http://www.pnud.org.br/.
  • 23. 23 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Em resposta a isto, o próprio PNUD, em seu relatório deixa claro que o IDH é um indicador sintético que, devido os seus objetivos, não é capaz de abarcar dimensões importantes do desenvolvimento, a exemplo da democracia, participação popular, sustentabilidade e preocupações de uma nação com o meio ambiente, fortalecimento institucional, entre tantos outros. O fato é que apesar de “ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, o IDH não abrange todos os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da "felicidade" das pessoas, nem indica "o melhor lugar no mundo para se viver".6 1.3 – O porquê do desenvolvimento! É bem verdade que o conceito de desenvolvimento econômico não está pacificado, entretanto, há uma convergência teórica em pressupô-lo a partir do: i) crescimento sustentado da economia; ii) avanços tecnológicos e aumento da produtividade do trabalho; iii) democracia e fortalecimento político e institucional e, entre outros fatores, iv) melhora generalizada no padrão de vida da população. Estas questões já estavam internalizadas no pensamento de Celso Furtado, indubitavelmente um dos intelectuais mais reconhecidos sobre o tema. Para este autor o desenvolvimento não é obra do acaso ou consequência natural das forças de mercado, antes pelo contrário, é fruto de intencionalidade, ou seja, é “(...) um processo de ativação e canalização de forças sociais, de avanço na capacidade associativa, de exercício da iniciativa e da inventiva. Portanto, se trata de um processo social e cultural, e só secundariamente econômico” (Furtado, 1982, p. 149). 6 É obvio que críticas metodológicas ao cálculo do IDH não são novidades. Para tanto existem, ao longo de sua trajetória, um conjunto de aperfeiçoamentos que devem ser registrados, cabendo destaque a complementações como os Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) e ao Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado (IDHAD). Para maiores informações sobre estes indicadores complementares de desenvolvimento humano ver: http://www.pnud.org.br/IDH/DH.aspx.
  • 24. 24 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho A partir das contribuições seminais de Furtado, um ponto sobre o processo de desenvolvimento se torna nevrálgico: ele não é uma cristalização socioeconômica a-histórica, ele não é linear e nem cartesiano ou, em outras palavras, não é obra do acaso. É resultado de um longo processo de transformações que, em geral, passa a ser analisado a partir da constatação do elevado – e crescente – padrão desigual de crescimento internacional, inerente ao capitalismo. Este ponto é central: “o processo de desenvolvimento não transborda, não espraia, não entorna, não derrama, (em um certo sentido, “não se difunde”) ele precisa ser arrancado, tensionado, tirado à força, destruindo privilégios e constituindo novas estruturas de poder” (Brandão, 2008, p. 38). Forças sociais em movimento com iniciativa e intencionalidade para romper amarras que impendem seu avanço são, necessariamente, um processo conflituoso, mas não reacionário. Para Brandão: Desenvolvimento é tensão. É distorcer a correlação de forças, importunar diuturnamente as estruturas e coalizões tradicionais de dominação e reprodução do poder. É exercer em todas as arenas políticas e esferas de poder uma pressão tão potente quanto o é a pressão das forças que perenizam o subdesenvolvimento (2008, p. 38). As arenas políticas e esferas de poder citadas por Brandão nos remetem à necessidade de pensar o papel do Estado neste processo. É fato que o desenvolvimento capitalista, por suas próprias especificidades, se dá de modo desigual e combinado no território, o que, por seu turno, cria dilemas e entraves sérios à justiça e à equidade social. Para tanto a ação do Estado deve ser estratégica no sentido de atuar como arrefecedor das assimetrias decorrentes da lógica do capital. A intervenção direta ou indireta do Estado na economia não é, portanto, nenhuma excrescência, muito pelo contrário, a ação estatal é fundamental no processo de crescimento econômico, sine qua non ao desenvolvimento, mas obviamente, não deve ficar restrita a isto.
  • 25. 25 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Em síntese, se o desenvolvimento é intencional e não natural, o caso brasileiro se torna emblemático. Existe uma já consagrada literatura sobre o nacional-desenvolvimentismo brasileiro e, partir dela, podemos perceber como se articularam ferramentas e planos econômicos que conseguiram iniciar e completar o processo de industrialização nacional com notório aumento de produtividade do trabalho, mas mantendo um patente desequilíbrio na assimilação dos avanços tecnológicos produzidos, gerando uma desarticulação entre os processos de produção de bens e serviços, acumulação de capital e consumo de massas (Furtado, 1964). Ou seja, logramos uma industrialização ao mesmo tempo em que estruturas sociais marcadas pela desigualdade que caracterizaram – e caracterizam – nosso subdesenvolvimento foram se sedimentando, transformando o Brasil em um país moderno, mas não desenvolvido. Na busca por compreender mais amplamente as manifestações do desenvolvimento econômico, foi se forjando ao longo da história perspectivas teóricas de diversas matrizes ideológicas, buscando explicar as causas e os mecanismos do aumento da produtividade do trabalho e suas repercussões na organização da produção e na distribuição do produto social (Furtado, 1983). Mesmo que inicialmente as distinções entre progresso, crescimento e desenvolvimento não estivessem dadas, pode-se dizer que a busca de suas causas explicativas é bastante antiga, anterior inclusive ao que se entende por economia como campo específico do conhecimento, como buscaremos mostrar a seguir.
  • 26. 26 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho 2. Desenvolvimento econômico em perspectiva histórica: contribuições da economia política Antes de começarmos a temática propriamente dita deste capítulo, uma advertência se faz necessária. Pretendemos aqui apenas apontar uma das trajetórias do desenvolvimento na teoria econômica, partindo dos clássicos que o identificavam como sinônimo do progresso até a teoria da modernização ou, de maneira mais específica, a teoria das etapas do crescimento e a crítica a ela, realizada no escopo dos estudos da Cepal. O objetivo é demonstrar que, nas entrelinhas do pensamento econômico, o subdesenvolvimento, que de início, inexistia enquanto preocupação teórica, passa a ser considerado, entretanto, como uma etapa ou fase do desenvolvimento para, depois das contribuições cepalinas, ser considerado consequência deste.7 Dito isso, comecemos com a escola fisiocrata. Antes mesmo de existir uma teoria sistematizada que pudéssemos chamar de Ciências Econômicas, a fisiocracia francesa, pensando os determinantes do crescimento, construiu uma teoria antimercantilista, focada na importância da produção agrícola. O argumento principal dos fisiocratas era de que apenas a terra (ou a natureza) seria capaz de produzir riqueza. Para a economia fisiocrata, em síntese, só a agricultura gerava produto líquido – um excedente em relação aos custos agrícolas – que, transferido aos proprietários fundiários, na forma de renda da terra, seria a causa ou o motor do desenvolvimento de uma nação (Quesnay, 1997). Mesmo que nos pareça uma teoria simplista, cabe lembrar que o mercantilismo hegemonizou a política e economia das potências europeias, até pelo menos o século XVIII, se valendo de práticas como balança comercial favorável, Estado protecionista, pactos coloniais de exclusividade comercial e o acúmulo de metais preciosos como base material da riqueza nacional. 7 Para ampliação e aprofundamento da temática ver Furtado (1993).
  • 27. 27 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Disto isso, fica fácil perceber que uma teoria antimercantilista, neste contexto, ganha outros contornos, uma vez que, se coloca contrária à lógica imperante de protecionismo estatal como mecanismo de crescimento econômico. Em que pesem as relevantes contribuições de François Quesnay8 e outros fisiocratas, para os estudos econômicos, será A Riqueza das Nações, de Adam Smith9 , a obra que inaugura a moderna economia política. É nela que encontramos uma contribuição liberal pioneira à análise do desenvolvimento, fenômeno este que foi identificado como sendo a cristalização do progresso econômico. Adam Smith pôde assistir de um lugar privilegiado da história: o da consolidação do capitalismo como modo social (e internacional) de produção, em meio à Revolução Industrial. O modelo explicativo de Smith para o progresso era bastante simples. Nele a acumulação de capital era principal fonte de progresso econômico e estava diretamente relacionada com a produtividade do trabalho que, em última análise, era a fonte da riqueza das nações. Alicerçada na lógica dos interesses individuais, a argumentação de Smith avança no sentido de demonstrar – com o artifício da mão invisível – que quanto maior a divisão do trabalho, maior a produtividade, maior as relações comerciais e menor a pobreza. Isto por seu turno, retoma a argumentação de que a riqueza ou pobreza de um homem (ou uma sociedade) está diretamente relacionada à sua capacidade de adquirir bens. Em síntese, a pobreza (ou ausência do progresso e, portanto, do desenvolvimento) deriva dos obstáculos ao livre mercado. O conteúdo liberal do modelo smithiano se expressa na lógica não intervencionista do Estado sobre a economia, que através da mão invisível do mercado, transformaria os conflitos e tensões decorrentes da natureza egoísta do homem em harmonia social. Segundo Smith 8 O francês François Quesnay (1694-1774) foi médico e economista e o principal expoente da escola fisiocrata. Dentre suas principais obras destaca-se o Tableau Économique, publicada originalmente em 1759. 9 O escocês Adam Smith (1723-1790) foi filósofo e economista e é considerado o pai da economia moderna e um dos principais expoentes do liberalismo econômico. Dentre suas principais obras destaca-se Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, publicada originalmente em 1776.
  • 28. 28 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho (1986) quando a política impedia o livre curso dos fenômenos e processos sociais e econômicos, ela acabava por gerar desigualdades. Em outras palavras, a desigualdade entre países era gerada quando a política limitava a concorrência ou, ainda, quando criava obstáculos à livre circulação de mão de obra e capital. Interessante observar que um dos corolários dessa doutrina, para Furtado (1980, p. 03), era que as “(...) economias da Europa, ao forçarem outros povos a integrarem-se em suas linhas de comércio, cumpriam uma missão civilizadora, contribuindo para liberá-los do peso de tradições obscurantistas”. Em resumo, em Smith temos um modelo explicativo que, mesmo básico, buscou demonstrar os fatores do crescimento e, por consequência, do progresso e o do desenvolvimento, que não deve ser descontextualizado e muito menos despido de seu caráter ideológico. Outro expoente da economia política e também um dos principais representantes do liberalismo econômico foi David Ricardo10 . À sua época, Ricardo conseguiu identificar contradições do sistema econômico que, exacerbadas, levariam a uma crise profunda e generalizada. Para ele, o desenvolvimento de uma sociedade estava associado à formação da riqueza nacional e à distribuição do produto total da terra destinada a cada uma das três classes existentes na sociedade: proprietários de terras, que recebiam rendas, os donos do capital que recebiam lucros e trabalhadores que recebiam salários. Ricardo (1996) buscou demonstrar que, quanto maior o crescimento econômico, mais terras cada vez menos férteis seriam demandadas e devido à produtividade decrescente da agricultura, menores seriam as parcelas de lucros em detrimento do aumento da renda apropriada pelos donos da terra. Esta é uma simplificação limitada do modelo de evolução da renda fundiária de David Ricardo, mas a partir dela pode-se perceber que para ele exista um limite ao crescimento econômico que seria dado pelos próprios limites da terra e dos recursos naturais. A continuidade do processo de produção e desenvolvimento nacional – e o consequente 10 O inglês David Ricardo (1772-1823) é um dos fundadores da Economia Política e defensor do liberalismo econômico. Dente suas principais obras podemos destacar Princípios da economia política e tributação publicada, em sua primeira versão, em 1817.
  • 29. 29 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) aumento da população – impeliria o cultivo de terras cada vez menos férteis, com custos crescentes ou rendimentos decrescentes de escala, o que, por seu turno, impactaria no bem-estar social geral. Tanto Smith quanto Ricardo deram à ciência econômica status de campo específico do conhecimento, ao mesmo tempo que consolidaram a perspectiva do liberalismo na gênese da própria economia. Suas obras materializaram a perspectiva liberal, pautada na livre concorrência, nos mecanismos de ajuste de mercado e no individualismo metodológico. Respeitados estes pressupostos o progresso econômico se daria de forma natural e socialmente pré- determinada, ou seja, o desenvolvimento seria uma meta alcançável por qualquer nação. A herança mais concreta da interpretação clássica está na associação direta entre crescimento, progresso e desenvolvimento que, mesmo tendo sido retrabalhada à exaustão, ainda faz escola no pensamento econômico. Em última instância, interpretar os economistas clássicos contribui para entenderemos as contradições intrínsecas a este pensamento, notadamente a negação do subdesenvolvimento enquanto resultado inerente do próprio capitalismo. A falsa ideia de desenvolvimento como fenômeno natural não pode obscurecer que a discussão do tema é complexa e envolve inúmeros atores, escalas e interesses. Desde a gênese do pensamento econômico liberal até a contemporaneidade, não são poucos os que veem na ação do Estado um empecilho ao pleno e eficiente funcionamento das forças de mercado e, portanto, um obstáculo ao desenvolvimento. Dentre os conservadores mais caricatos na defesa do desenvolvimento, enquanto fenômeno natural, Walt Whitman Rostow chama a atenção11 . Sua contribuição foi pautada por uma lógica etapista 11 As contribuições de Rostow podem ser consideradas caricatas na medida em que se inserem na defesa do desenvolvimento como ideologia. Como policy maker, Rostow atuou como conselheiro, na década de 1960, em assuntos de segurança nacional. Sua contribuição acadêmica, assim como sua trajetória pessoal foi marcada pelo combate as ideias comunistas no contexto da guerra fria. Cabe destacar que em sua obra mais conhecida, o livro Etapas do Desenvolvimento Econômico, o subtítulo é: um manifesto não comunista. Para mais detalhes ver Gumiero (2011).
  • 30. 30 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho pela qual o processo de desenvolvimento se daria. Para o autor, o desenvolvimento era uma meta viável a todos os países do mundo, a partir de cinco etapas bem definidas, a saber: 1) A sociedade tradicional, caracterizada por estruturas se expandem dentro de funções de produção muito limitadas; 2) As precondições para a decolagem, visíveis em sociedades em transição que passam a explorar os frutos das ciências modernas; 3) A decolagem (ou arranque), sociedades em que as forças que contribuem para o processo econômico e que geraram surtos de atividade moderna se dilatam; 4) A marcha para a maturidade, caracterizada por um longo período de progresso continuado e, por fim, 5) A era do consumo em massa, situação em que a renda real por pessoa eleva-se a tal ponto que os consumidores consomem a além das necessidades mínimas (Rostow, 1961). Pressupõe-se que existam desigualdades internacionais relevantes e hiatos de renda e riqueza que separam países ricos de países pobres e isso é um mérito nas contribuições de Rostow. Entretanto, seu modelo de análise é problemático por entender o subdesenvolvimento como uma etapa, sendo este último acessível a todos os países que se esforçassem por reunir as condições adequadas para isso (Marini, 1992). O foco desta digressão é esclarecer que para Rostow a condição macroeconômica para se alcançar o desenvolvimento pode ser expressa em dois pontos: ter estoque de capital e estoque de poupança. Todavia, diante de condições nacionais endógenas que desfavorecessem o acúmulo de tais estoques, o desenvolvimento ainda seria possível, bastando para tanto que os países ainda não desenvolvidos pudessem contar com investimentos e empréstimos externos de países em fases ou etapas superiores. Ou seja, o caminho natural para alguns países seria, para Rostow, um crescimento dependente como fórmula. O subdesenvolvimento passa a ser não mais negado, passa a ser aceito como uma fase do desenvolvimento. Desmistificar esta interpretação é um dos maiores méritos na trajetória da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL)12 . 12 Sobre as teorias tais quais as de Rostow e o papel da Cepal e de Celso Furtado, Roberto Saturnino Braga, escreveu o seguinte: “Durante algum tempo, este foi o
  • 31. 31 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) A visão teórica da Cepal e suas propostas foram bastante inovadoras para o período, pois é bom ter em mente que Process of Economic Growth é de 1952; Stages of Economic Growth é de 1960; Politics and the Stages of Growth é de 1971 e que Origins of the Modern Economy é de 1975, todas obras de Rostow que, na mesma linha de raciocínio e argumentação demonstrados anteriormente, materializavam o pensamento mais conservador sobre o processo e as perspectivas do período. Cabe frisar que a Cepal foi estabelecida pela resolução 106 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em 1948, para, segundo informações oficiais: (...) monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo13 . A tese do desenvolvimentismo emerge, segundo Cepêda (2012), a partir da teoria do atraso produzida pelos pensadores da CEPAL, entre eles Celso Furtado e Raúl Prebisch. Eles formularam o argumento geral de que o chamado “atraso”, que é visto como um capitalismo incompleto de certas sociedades, faz parte de um sistema econômico que se desenvolve de maneira desigual. Desse modo, o que antes era denominado como posição de “atraso”, passa a ser considerado como uma relação desigual entre pares subdesenvolvidos e desenvolvidos. pressuposto fundamental do processo de “desenvolvimento econômico”. Com o passar do tempo, com as observações, as reflexões e os debates sobre o tema, os conceitos se foram alterando e aperfeiçoando, a partir do próprio conceito de desenvolvimento, que passou a incorporar outras dimensões (social, cultural, política). E uma voz se destacou claramente neste debate internacional. Uma voz da Cepal, uma voz brasileira, do economista e pensador Celso Furtado, que só não ganhou o Prêmio Nobel de Economia por causa do preconceito forte contra o Brasil, visto ainda como país sem seriedade” (Braga, 2015, p. 136). 13 Disponível em http://www.cepal.org/brasil/. Acesso em janeiro de 2015. Lembramos que desde a década de 1980, por meio da resolução 1984/67, Cepal passou a aturar também junto aos países caribenhos, tendo incorporando em seus objetivos a promoção do desenvolvimento social e sustentável.
  • 32. 32 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho Desenvolvimento, portanto, envolve um projeto de transformação social profunda, operada politicamente de maneira racional e orientada pelo Estado, vinculando economia e avanço social (Cepêda, 2012). As principais questões que ocuparam grande esforço intelectual da Cepal, em sua gênese, indubitavelmente foram: ➢ O que é desenvolvimento? ➢ Por que os países latino-americanos não são desenvolvidos? ➢ Porque existem países com diferentes graus de desenvolvimento? ➢ Por que alguns países conhecem um elevado consumo de massa sem uma elevada redução das disparidades entre nações e dentro das nações? Na busca pelas respostas às questões apresentadas, a Cepal avançou no entendimento de questões até hoje centrais no pensamento latino-americano e na construção de políticas públicas ditas desenvolvimentistas, a saber: a deterioração dos termos de troca e a relação centro-periferia14 no comércio internacional; importantes análises dos processos de industrialização dos países latino-americanos e as diferenças entre o desenvolvimento e subdesenvolvimento. O pensamento cepalino conseguiu demonstrar que a tomada de consciência das reais condições históricas dos países não desenvolvidos deveria transcender para um projeto de transformação socioeconômico profundo operado politicamente com clara orientação do Estado de modo a avançar na imbricação entre avanços econômicos e conquistas sociais. No que tange à deterioração dos termos de troca e à relação centro-periferia, para a Cepal, existia uma tendência estrutural ao estrangulamento do comércio exterior que gerava disparidades na procura internacional que, por sua vez, passavam às exportações e 14 Primando pela didática, compreende-se, no pensamento cepalino “Centro” como economias em que as técnicas capitalistas de produção penetraram primeiro e “Periferia” como economias cuja produção permanece inicialmente atrasada, do ponto de vista tecnológico e organizativo.
  • 33. 33 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) preços relativos. Em outras palavras, estruturalmente, nas trocas internacionais entre países centrais e periféricos, estes últimos perderiam, paulatinamente, poder de compra e o resultado final seria o aumento do foço que os separavam. Para a teoria econômica neoclássica, os países com elevada concentração de capital deveriam concentrar-se na indústria, ao passo que aqueles abundantes em terra e trabalho deveriam se concentrar na agricultura, o que, em linhas gerais era um desdobramento do argumento ricardiano das vantagens comparativas. Diante desta realidade e observando a deterioração dos termos de troca, os cepalinos construíram um importante arcabouço teórico para fazer frente aos modelos neoclássicos, que defendiam a especialização dos países segundo a dotação de fatores de produção. Para Raúl Prebisch e Celso Furtado, a deterioração dos termos de troca era uma “debilidade congênita” da condição periférica e subdesenvolvida dos países latino-americanos e o fim do estrangulamento externo dos países latino-americanos passaria pela necessidade imprescindível de alavancar o processo de industrialização. Esta seria a única forma de elevar a elasticidade-renda das exportações dos países periféricos e, portanto, permitir o crescimento econômico sustentável. Ou seja, era uma forma de superar a pobreza e de reverter a distância crescente entre a periferia e o centro.15 Sabe-se hoje que a industrialização não elimina a heterogeneidade tecnológica e a dependência, apenas altera a forma como essas características passam a se expressar. Entretanto, o mais importante foi terem levando em conta que a inclusão social não está diretamente ligada ao crescimento econômico, sendo assim, é necessário foco na redistribuição de renda e riqueza, além de controle dos centros de decisão para promover o desenvolvimento. Para a Cepal, de modo geral, e Celso Furtado, de modo mais específico, o subdesenvolvimento é um processo em “si mesmo”, que 15 Os argumentos da Cepal seguiam a lógica do problema empírico do mercado internacional que era a da perda de dinamismo da procura de produtos primários, com impactos sobre os preços. A origem do fenômeno de desigualdade dos termos de troca estava, então, na lentidão com que crescia a procura mundial por produtos primários comparada com a de produtos industriais.
  • 34. 34 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho tende a se perpetuar, e não uma simples “etapa de desenvolvimento” pela qual passam todos os países, como gostaria, entre outros, Rostow16 . O subdesenvolvimento, portanto, é uma das linhas históricas de projeção do capitalismo industrial cêntrico a nível global: a que se faz por meio de empresas capitalistas modernas e transnacionais sobre estruturas arcaicas, formando “economias híbridas” (e profundamente “heterogêneas”, como no caso do Brasil). O sistema tende à concentração de renda e a um grau de injustiça social crescente. Em uma perspectiva mais crítica, a dialética do desenvolvimento: (...) concebe que o subdesenvolvimento de alguns países/regiões resulta precisamente do que determina dos demais. A lógica de acumulação de capital em escala mundial possui características que, ao mesmo tempo, produzem o desenvolvimento de determinadas econômicas e o subdesenvolvimento de outras (Carcanholo, 2008, p. 253). Importante ter em mente que um moderno padrão de consumo não pode ser confundido com desenvolvimento. O subdesenvolvimento é um desequilíbrio na assimilação dos avanços tecnológicos produzidos. Nele reside, segundo Furtado (1992) uma desarticulação entre o processo de produção, acumulação e consumo, portanto, um país moderno não é necessariamente desenvolvido. Em função disto que países subdesenvolvidos, marcados notadamente por economias desprovidas de ações estatais coordenadas que primem por políticas econômicas que enfrentem o atraso socioeconômico, se mostram ineficientes na alocação de recursos para geração de renda e riqueza nacional que possam ser apropriadas amplamente por sua sociedade. Desnecessário dizer que o Brasil é um bom exemplo. 16 Segundo Furtado, a estrutura ocupacional com oferta ilimitada de mão de obra se altera nas economias subdesenvolvidas de forma lenta, porque o progresso técnico, capital-intensivo, é inadequado à absorção dos trabalhadores ligados à vasta economia de subsistência.
  • 35. 35 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) 3. A tortuosa busca pelo desenvolvimento: do neoliberalismo ao novo-desenvolvimentismo Antes de avançarmos em discussões mais contemporâneas sobre o tema que nos propusemos explorar, é importante deixar claro que nenhuma discussão que se proponha pensar o desenvolvimento econômico, em uma perspectiva histórica, teria lacunas imperdoáveis se não apresentasse, mesmo que sucintamente, as contribuições de John M. Keynes.17 Como preambulo necessário é interessante observar que, na busca pelo desenvolvimento, as ideias teóricas e as ações concretas não apenas não caminham no mesmo compasso como também, quando imbricadas, dão conformação a estruturas complexas e, muitas vezes, idiossincráticas. Neste sentido, como evento paradigmático, a crise de 1929 pode ser vista como um divisor de águas que emerge do ruir dos princípios liberais e da necessidade de se reconfigurar um novo padrão de acumulação, este agora sob fortes influências keynesianas18 . Keynes, desviando-se da rota neoclássica, que insistia em estudar as hipotéticas condições de equilíbrio microeconômico, restabeleceu a primazia do político sobre o econômico, buscando estabelecer uma análise macroeconômica da qual emergiu uma teoria que passou a valorizar centros de decisão em escala nacional, com destaque preponderante ao papel do Estado (Furtado, 1980).19 17 O britânico John Maynard Keynes (1883-1946) foi, sem dúvida, o economista mais influente do século XX, notadamente pelo impacto de seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicado em 1936. Entre muitas contribuições inovadoras para a época, podemos destacar a defesa ao papel do Estado como agente intervencionista na economia, algo execrado pela tradição econômica liberal. 18 Não é nosso objetivo, e nem seria possível neste trabalho, sintetizar, em poucas linhas, as contribuições da obra de Keynes para a economia, mas é importante deixar claro que a ênfase à dimensão política dos problemas considerados eminentemente econômicos foi (e continua sendo) fundamental para o desenvolvimento e, por consequência, para o enfrentamento do subdesenvolvimento 19 Nos valemos da ideia de que a teoria keynesiana faz apenas um desvio de rota, pois concordamos com Bresser-Pereira na medida em que este argumenta que “Keynes foi
  • 36. 36 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho O fato é que, com a crise do modelo keynesiano gerou-se as condições necessárias para um momento de acumulação novo pautado na financeirização crescente da riqueza e na desregulamentação dos mercados com crescente participação do capital privado em setores antes notadamente estatais, características estas fundamentais para se entender a dinâmica do neoliberalismo. Partimos do pressuposto que o neoliberalismo foi a resposta do capitalismo à sua própria crise, ocorrida no período imediatamente anterior. A crise a que nos referimos é a crise do modelo keynesiano, pautado em um regime de acumulação e apropriação privada de lucros e excedentes no qual o Estado tinha um papel proeminente de ação e intervenção na economia. Para Grasiela Baruco, Com a crise, a validação das políticas econômicas que garantissem a retomada do processo de acumulação de capital no bloco de países capitalistas exigia uma concepção de desenvolvimento que disputasse a hegemonia com o Keynesianismo. A esta nova concepção de desenvolvimento, inspirada nas teses liberais - a este "novo liberalismo", portanto, convencionou-se denominar neoliberalismo (Baruco, 2005, p. 2) A gênese do pensamento neoliberal pode ser vista como uma resposta às políticas keynesianas que garantiram, em última instância, a acumulação de capital na era de ouro do capitalismo, notadamente no período que vai do fim da Segunda Guerra até o início dos anos 1970, período este marcado pelo sistema de Bretton Woods20 . um economista ortodoxo, que, embora rompendo em alguns pontos importantes com a teoria econômica do seu tempo, a ponto de sua contribuição poder, com justiça, ser considerada revolucionária, nem por isso deixou de ser fiel às linhas gerais do pensamento econômico ortodoxo, marshalliano, em que foi formado” (1976, p. 22- 23). 20 O acordo de Bretton Woods, derivado das conferências realizadas na cidade norte- americana homônima ao sistema, em 1944, estabeleceu regras mais incisivas sobre a mobilidade de capitais, aumentando suas restrições e, com isso aumentando também a capacidade de se fazer de políticas econômicas internas com maior grau de autonomia, em especial nos países em desenvolvimento.
  • 37. 37 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Importante destacar que a ideologia geral neoliberal já estava expressa desde 1944 na obra Caminhos da Servidão do austríaco Friedrich Hayek. Apenas como ilustração, a citação abaixo é, por si só, bastante reveladora: Nossa geração esqueceu que o sistema de propriedade privada é a mais importante garantia da liberdade, não só para os proprietários, mas também para os que não o são. Ninguém dispõe de poder absoluto sobre nós, e, como indivíduos, podemos escolher o sentido de nossa vida – isso porque o controle dos meios de produção se acha dividido entre muitas pessoas que agem de modo independente. Se todos os meios de produção pertencessem a uma única entidade, fosse ela a “sociedade” como um todo ou um ditador, quem exercesse esse controle teria poder absoluto sobre nós (Hayek, 2010, p.115). Com a lógica neoliberal de falência do Estado, enquanto agente promotor do desenvolvimento nacional, o mercado passaria a ser o eficiente condutor deste processo. Assim não apenas o Estado como também suas principais atribuições (políticas econômicas, notadamente as fiscais e monetárias) passaram a ser questionadas (Batista, 1994). 3.1 – Neoliberalismo: do Consenso ao fracasso Os anos 1980 na América Latina são marcados pela deterioração global da situação econômica dos países, muito em função do que se convencionou chamar de crise do endividamento externo, característico do período no continente. Contudo, especificamente no que se refere ao Brasil, à crise da década de 1980, conhecida como perdida, se seguiu mais uma que podemos chamar de desperdiçada, ou simplesmente, neoliberal, especialmente, a partir do Consenso de Washington.21 21 “Em novembro de 1989, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos. O objetivo do encontro, (...) era proceder a uma avaliação das reformas econômicas
  • 38. 38 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho No que tange ao Brasil, mais como ilustração do que aprofundamento, houve um deslocamento da base produtiva para a financeira, enquanto estratégia capitalista para uma maior acumulação, eliminando os condicionantes internacionais favoráveis ao crescimento brasileiro na década anterior. Apesar dos esforços do governo, durante a década de 1980, para manter o crescimento, a situação econômica brasileira, mas também em grande parte da América Latina, se deteriorou rapidamente dada a impossibilidade do concomitante pagamento da dívida externa (Carneiro, 2007). É neste contexto que devemos pensar o Consenso de Washington e suas implicações. Assim é interessante recordarmos os 10 temas que estruturaram o direcionamento técnico-ideológico que o balizou: empreendidas nos países da região. (...). Às conclusões dessa reunião é que se daria, subsequentemente, a denominação informal de "Consenso de Washington" (Batista, 1994, p. 5).
  • 39. 39 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Quadro 4 – Resumo sinótico do Consenso de Washington Tema Argumento (O Estado deve...) Entrelinhas (Entretanto, ...) Disciplina fiscal Orientar o gasto a partir da receita, eliminando o déficit público em prol do equilíbrio fiscal. Não faz distinção entre despesas correntes e investimentos públicos, pregando apenas menos investimentos públicos, a partir do eufemismo de “disciplina fiscal”. Priorização dos gastos públicos Focalizar os gastos em setores estratégicos tais como saúde, segurança e educação. Favorece a lógica mercadológica de direitos, uma vez que, com a redução dos investimentos públicos, setores estratégicos passam a ser vendidos. Reforma tributária Ampliar a base tributária para distribuir melhor o peso dos impostos. Agrava a já concentrada estrutura de renda em países pobres pois favorece impostos regressivos em detrimento dos progressivos. Liberalização financeira Reduzir as restrições à livre mobilidade de capitais. Fragiliza a autonomia nacional em relação ao controle de capitais especulativos. Regime cambial Taxas competitivas para estimular o comércio internacional. Exclui a concessão de incentivos às exportações de países pobres notadamente agrário-exportadores. Liberalização comercial Reduzir as barreiras ao comércio internacional em prol do livre-mercado. Desconsidera a heterogeneidade estrutural entre os países e os riscos de desindustrialização e desemprego nos países subdesenvolvidos. Investimento direto estrangeiro (IDE) Incentivar a entrada de IDE como forma de complementar a poupança nacional e receber transferência de tecnologia Não menciona o fato dos países ricos preferirem exportar bens e não tecnologia, além da cobrança por proteções adicionais de patentes. Privatização Vender empresas estatais como forma de tornar mais eficiente sua gestão. Enfraquece os Estados Nacionais em processos de desnacionalização de monopólios estratégicos. Desregulação Simplificar ou remover obstáculos ao livre mercado e à eficiência privada. Elimina os controles de fluxos de capital produtivo e financeiro, facilitando processos especulativos e aumentando o poder de oligopólios transnacionais. Propriedade intelectual Proteger a propriedade intelectual como forma de aumentar a segurança institucional dos investimentos. Geram verdadeiros monopólios inibidores de inversões no exterior não contribuindo com a expansão econômica dos países mais pobres. Fonte: elaboração própria a partir do trabalho de Batista (1994)
  • 40. 40 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho A década de 1990 foi marcada pela intensificação do processo de globalização e de reestruturação produtiva que, em grande medida, alterou as formas anteriores de competição no mercado interno e internacional. Datam desse período no Brasil: a abertura econômica, as privatizações, a desregulamentação do mercado financeiro e, entre outros, a reforma do Estado. Em função da opção neoliberal, ocorreram alterações na capacidade de ação estatal e isto, por seu turno, acarretou rebatimentos sociais significativos como, entre outros tantos exemplos, o aumento do desemprego. A adoção indiscriminada das políticas neoliberais agravou os problemas estruturais brasileiros, a exemplo da concentração de renda e propriedade reduzindo pari passu as possibilidades de ação estatal concreta e coordenada para a efetiva superação do atraso social e econômico nacional. Não é por outro motivo que o novo- desenvolvimentismo gerou tamanha expectativa na sociedade de maneira geral e na academia de maneira mais específica. 3.2 – Um novo-desenvolvimentismo para um velho capitalismo O já sepultado novo-desenvolvimentismo é, paradoxalmente um tema em aberto e uma seara pantanosa por se enveredar tanto no campo econômico quanto no político. Respeitados autores, insistem que existe uma clara mudança de prioridade em favor da redistribuição de renda e equidade social. Para Cepêda (2012), por exemplo, as “políticas públicas mudaram de rumo, redefinindo prioridades e instrumentos a ponto de permitir a legítima suposição de um novo pacto social em andamento, porém, claro, em termos de um processo e não necessariamente em projeto” (Cepêda, 2012, p. 87). Por outro lado, de maneira muito mais otimista, Sicsú, Paula e Michel (2007, p. 508) acreditam que o novo-desenvolvimentismo pode ser uma “uma alternativa de política de desenvolvimento que compatibilize crescimento econômico com equidade social, buscando estimular o debate em torno da constituição de um programa alternativo ao projeto neoliberal”.
  • 41. 41 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Com o objetivo de apresentar o novo-desenvolvimentismo comparando-o com a ortodoxia neoliberal e a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, Bresser-Pereira (2012), sugeriu que, em comparação ao velho desenvolvimentismo, suas características principais seriam: Quadro 5 – Velho e Novo-Desenvolvimentismo Velho desenvolvimentismo Novo-Desenvolvimentismo 1. Industrialização orientada pelo Estado e baseada na substituição de importações. 1. Industrialização orientada para as exportações, combinada com consumo de massas no mercado interno. 2. Papel central do Estado em obter poupança forçada e realizar investimentos. 2. Cabe ao Estado criar oportunidades de investimento e reduzir a desigualdade econômica. 3. A política industrial é central. 3. Política industrial é subsidiária, mas estratégica. 4. Ambiguidade em relação aos déficits públicos e em conta corrente. 4. Rejeição aos dois déficits. Se o país tiver doença holandesa, deverá apresentar superávit fiscal e na conta corrente. 5. Relativa complacência em relação à inflação. 5. Nenhuma complacência em relação à inflação. Fonte: Bresser-Pereira (2012, p. 19) Segundo Bresser-Pereira (2012), para o êxito deste projeto existe a necessidade de que a taxa de salários não cresça menos do que a da produtividade do trabalho, sob pena de redução da demanda, e que se evite a tendência de sobreapreciação da taxa de câmbio, sob pena de menor inserção nacional em mercados externos. Ou seja, crescimento da renda dos trabalhadores, da demanda dos consumidores e maior inserção no comércio internacional do país. O novo-desenvolvimentismo tem como premissa (ou promessa) básica o binômio “crescimento econômico” e “distribuição de renda”. Assim, se diferencia do neoliberalismo na medida em que dá, pelo menos em termos teóricos, ao Estado maior papel e prestígio no cumprimento direto deste binômio. Nas palavras de Sicsú, Paula e Michel:
  • 42. 42 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho A alternativa novo-desenvolvimentista aos males do capitalismo é a constituição de um Estado capaz de regular a economia — que deve ser constituída por um mercado forte e um sistema financeiro funcional — isto é, que seja voltado para o financiamento da atividade produtiva e não para a atividade especulativa (2007, p. 512). Alguns pontos precisam ser melhor avaliados neste modelo, projeto ou – o que nos parece mais adequado – promessa, até porque, no senso comum, ele foi apropriado e é (ou melhor, era) identificado politicamente pelo prisma da mudança ou, em outras palavras, pela esperança vencendo o medo, com a vitória de um partido dito de esquerda sob um partido visto como neoliberal. Começamos concordando com Reinaldo Gonçalves, para quem: As formulações do novo desenvolvimentismo que surgem no Brasil apresentam-se como críticas ao Consenso de Washington, à ortodoxia convencional (monetarismo) e ao neoliberalismo. Entretanto, há convergências significativas, principalmente na defesa do export-led growth (crescimento puxado pelas exportações) e ênfase na estabilidade macroeconômica. A crítica dos novos desenvolvimentistas ao “tridente satânico” (superávit primário, juros altos e câmbio flutuante) não os impedem de defender equilíbrio fiscal e taxa de câmbio competitiva, que são diretrizes básicas do Consenso de Washington. (Gonçalves, 2012, p. 664). No campo econômico a prática identificada como novo- desenvolvimentista não trouxe uma alteração de rota para que ele pudesse ser pensado como alternativa. A lógica de condução macroeconômica manteve-se inalterada, em que pesem mudanças em alguns preços macroeconômicos, notadamente juros e câmbio. Ou seja, do ponto de vista conjuntural assistimos o fenômeno do novo- desenvolvimentismo, mesmo que do ponto de vista estrutural não tenhamos saído do neoliberalismo. Na América Latina, nos anos recentes, houve um crescimento de países, respeitadas suas especificidades, governados por partidos com origem trabalhista, popular ou ditos de esquerda. Todavia, as
  • 43. 43 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) dinâmicas expressas em cada nação, a partir desta opção política, não nos permite, ainda, nos valermos de uma unidade explicativa que possa dar conta de um objeto tão amplo. Desta maneira, vamos nos ater ao caso brasileiro para que possamos nos adensar mais no tema. A condução da política econômica, a partir da consolidação do neoliberalismo no Brasil, se alicerçou no conhecido tripé macroeconômico pautado no i) câmbio flutuante; ii) regime de metas inflacionárias e, iii) geração de superávits primários.22 No que se refere ao câmbio, cabe lembrar que ele não é apenas um preço macroeconômico, é também um importante instrumento de política econômica que, no Brasil, acabou por perder sua função estratégica. Dito de outra forma, o problema não está na flutuação do câmbio e sim na autonomia (ou ausência dela) do governo frente a esta flutuação. Evitando-se tecnicidades desnecessárias, o fato é que, mesmo se valendo de intervenções pontuais no mercado, com a chamada flutuação suja, desde meados da década de 1990 até hoje, o país perdeu sua autonomia sobre o câmbio em detrimento do mercado. No que tange ao regime de metas inflacionárias, regime este no qual a autoridade monetária máxima no país – no caso o Banco Central – se compromete a atuar de forma a garantir uma inflação dentro de padrões pré-determinados e considerados aceitáveis23 . Buscando fugir do jargão comum aos economistas, o que temos aqui é uma inversão de prioridades perniciosa, isto é, cristalizou-se a meta da inflação como o objetivo da política econômica e o crescimento (ou a ausência dele) como é o resultado. Sobre o superávit primário, última variável do tripé macroeconômico neoliberal, sabemos sua função estratégica: uma economia de recursos monetários para pagar juros da dívida pública. Desde o acordo com o FMI, no final da década de 1990, o Brasil tem se comprometido com esta exigência de organismos multilaterais. 22 Cabe lembrar que no caso brasileiro não houve cumprimento do superávit primário em 2014, o que foi considerado um problema grave e que gerou a nomeação de um ministro da economia considerado bastante conservador, para não dizer, neoliberal, em 2015. 23 As metas podem variar de um período para outro, mas o que assistimos nos últimos anos foi uma meta a ser alcançada de 4,5% (chamado centro da meta), como limite máximo (ou teto) de 6,5% ao ano.
  • 44. 44 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho Obviamente, o problema não é a economia de recursos públicos e sim sua forma, expressa pela simples lógica de aumento de receitas (fortalecendo uma estrutura de arrecadação regressiva) e redução de despesas (incluindo redução de direitos trabalhistas, como vimos mais recentemente). O novo-desenvolvimentismo se sustentou e ganhou adeptos e defensores nas últimas décadas por ter como prioridade os programas de transferência de renda, crédito habitacional, energia elétrica subsidiada e, entre outros tantos, expansão do ensino superior. É inegável que as políticas públicas com esta orientação foram fundamentais para a melhoria das condições objetivas e subjetivas de vida dos mais pobres, atingindo milhões de brasileiros. Infelizmente a correção deste esquecimento histórico não abriu a perspectiva de transformações sociais estruturais que permanecem mesmo após o esgotamento do novo-desenvolvimentismo. Neste ínterim, Gonçalves (2012) traz a qualificação de reformismo social uma vez que, para o autor, o novo desenvolvimentismo “(...) reconhece a necessidade de políticas de redução das desigualdades, porém não faz referência ou dá pouca ênfase às reformas que afetam a estrutura tributária e a distribuição de riqueza” (Gonçalves, 2012, p. 661). Ademais, observando de perto, o padrão histórico que sustenta o capitalismo brasileiro não sofreu alterações, isto é, o modo social de produção e reprodução do capital no Brasil (com todas as suas especificidades, dentre elas, seu caráter periférico, dependente e subdesenvolvido) continua alicerçado na superexploração da força de trabalho, na qual os ganhos de produtividade crescem independentes da remuneração da classe trabalhadora. Dito de outra forma, a amarração econômica pautada no mainstream não se alterou, nem se abalou. É bem verdade que, em um curto período de tempo apelidado de novo- desenvolvimentista, amenizou-se os problemas sociais crônicos no país, a exemplo da redução da extrema pobreza e, por consequência, da fome como fenômeno social. Todavia, não apresentou soluções de longo prazo e se esgotou antes de se transformar em uma alternativa.
  • 45. 45 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) Sendo assim, no pantanoso terreno do neoliberalismo, a impossibilidade do Estado em ser um instrumento em prol de políticas que primem pelo desenvolvimento (qualquer que seja), tem se fortalecido. Vemos que, já há algumas décadas, dois movimentos têm se somado: o primeiro é a pregação, quase religiosa, da ineficiência do Estado, que exploramos anteriormente, e o segundo que é a eleição da escala municipal como ente federativo privilegiado na construção de um tipo de desenvolvimento, agora de base local, que problematizaremos a seguir.
  • 46. 46 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho 4. O desenvolvimento local: panaceias e possibilidades O desenvolvimento local e as políticas públicas para viabilizá- lo estão na ordem do dia, todavia, não podemos desconsiderar que existem diversos referenciais teóricos e arcabouços político-ideológicos que se entrecruzam nas inspirações e formulações que se centram nessa ideia. É, no mínimo paradoxal, mas interessante observar que, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento local tem sido usado como instrumento retórico, com o intuito de mobilizar sujeitos na construção de projetos econômicos e sociais, ele é, também, fundamental no alargamento dos processos democráticos, devendo, por isso, compor a agenda pública na construção de políticas. Importante antecipar que a noção de “local” pode ter uma base territorial, todavia, não se restringe a ela, podendo expressar também, mesmo que de maneira abstrata, relações sociais específicas. Assim, nas palavras de Fischer: E, assim, invariavelmente a análise do ‘local’ remete ao estudo do poder enquanto relação de forças, por meio das quais se processam as alianças e os confrontos entre atores sociais, bem como ao conceito de espaço delimitado e à formação de identidades e práticas políticas específicas. No entanto, se o espaço local tem um fundamento territorial inegável, não se resume a este, como, aliás, assinalam os geógrafos ao nos dizerem das muitas maneiras de se construir os espaços, refutando fronteiras institucionais e reconstruindo-as em função de problemáticas adotadas (Fischer, 1992, p. 106). Ressaltamos, a pouco, a necessidade de perseguirmos o desenvolvimento como uma meta. É obvio que as lições do passado deixam claro que o desenvolvimento só se realizará em concomitância
  • 47. 47 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) com transformações sociais e estruturais de grande envergadura. Todavia, parte significativa do esforço intelectual, desde pelo menos meados da década de 1990, tem se centrado em torno dos estudos do desenvolvimento, a partir de processos e escalas bastante assimétricos entre si, a exemplo da globalização e transnacionalização do capital vis- à-vis local, regional, municipal. Estamos assistindo a uma distorção neoliberal do tema que, diante da assimetria visível entre sujeitos, processos, escalas, insiste em pregar a existência de uma sinergia cooperativa alicerçada nas capacidades endógenas para o desenvolvimento de uma categoria abstrata chamada local. É bem verdade que a retórica sobre o desenvolvimento local está ganhando cada vez mais destaque no discurso político, entretanto, como é de se esperar, demasiadamente desconectada da realidade concreta. Por conseguinte, torna-se imprescindível que avancemos neste tema, com análises, no mínimo alternativas, se não contra-hegemônicas, para evidenciar, mesmo que sucintamente, um diagnóstico indicando outros caminhos possíveis na busca por maior grau de autonomia local e participação social. 4.1 – Panaceias contemporâneas do desenvolvimento Para os entusiastas do desenvolvimento local, ele pode ser conceituado como um processo endógeno de mudança que leva o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população para pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos (Buarque, 2002). A ideia, quando apresentada desta forma não nos permite dimensionar, com a clareza necessária, a complexidade intrínseca à lógica da endogeneidade. O que estamos qualificando de panaceia, isto é, uma resposta mágica aos grandes dilemas do desenvolvimento, fica visível se recuperamos Vásquéz Barquero (2001), quando este, buscando determinar um momento no qual a perspectiva local teria, em tese, se sobressaído, ante a incapacidade do Estado Nacional em criar condições adequadas para a acumulação de capital e para o desenvolvimento, nos apresenta o seguinte argumento:
  • 48. 48 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho No entanto, desde os anos oitenta uma mudança profunda ocorre na política econômica, quando os atores locais e regionais lançam ações destinadas a influenciar os processos de crescimento das economias locais. Assim se inicia, a política de desenvolvimento local, que é uma resposta das comunidades locais aos desafios apresentados pelo fechamento de empresas, a desindustrialização e o aumento do desemprego (Barquero, 2001, p. 10)24 . O que buscamos destacar é que, desta maneira, há um reducionismo ou simplificação do problema e da solução: basta que um local abstrato (comunidade, cidade, município, região, localidade, etc.) tornar-se competitivo e atraente para o investimento externo. Em outras palavras, considera-se que é o plano local a escala da superação do atraso, independentemente de que local, pois todos possuem potencialidades específicas, ativos ou capitais a serem ativados. Segundo Vainer (2001, p. 142) “o governo local teria a extraordinária capacidade de cumprir de maneira vantajosa as tradicionais funções que sempre foram as dos estados nacionais, quais sejam: a função de acumulação e a função de legitimação”. Assim, o local passou a ser apresentado como um ator novo e relevante no processo de produção capitalista. A literatura específica da área e seus críticos já visibilizaram muitos dos autores que adensam este pensamento, todavia, para nos atermos a um dos mais conhecidos, recuperemos Manuel Castells, um dos mais requisitados intelectuais do desenvolvimento local em tempos de globalização. Em sua argumentação teórica, Castells (2000) elenca três fatores principais para a competitividade deste novo ator na economia global: 24 Tradução livre do espanhol. No original: “Sin embargo, desde principios de los años ochenta se produce un profundo cambio en la política económica, cuando los actores locales y regionales inician acciones encaminadas a incidir sobre los procesos de crecimiento de las economías locales. Se inicia, así, la política de desarrollo local que constituye una respuesta de las comunidades locales a los desafíos que presentaba el cierre de empresas, la desindustrialización y el aumento del paro”.
  • 49. 49 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) i) A capacidade tecnológica, entendida enquanto um sistema científico/tecnológico/industrial/social; ii) O acesso aos grandes mercados internacionais; e iii) O diferencial de custos de produção comparativamente entre a origem e o destino do produto. Para Castells, existe uma rede não hierárquica e a estrutura social que emerge e compõem uma Sociedade em Rede, adaptável e flexível, na qual não cabe a intervenção estatal direta, hierárquica, antidemocrática, nos termos do próprio Castells. Assim, nos domínios da organização e do planejamento do capital privado, montou-se as bases de um regime de acumulação associado a um sistema de regulamentação política e social bem distinto do período desenvolvimentista, conhecido como acumulação flexível, base empírica e retórica dos localistas (Harvey, 2006)25 . Percebe-se, pois, que na panaceia das capacidades locais e endógenas, no “território das cidades” as empresas, cidades, organizações sociais, entre outros “ativos” são atores sociais que, uma vez pactuados em torno de um objetivo comum – o desenvolvimento – criam um clima favorável e sinérgico que destrava os obstáculos do atraso. Essa ficção impregnou tanto o senso comum como muitos “consultores” municipais e especialistas de diversas áreas que passaram a repetir, à exaustão, termos aldeia global, local-global, global cities, glocalização, etc. Eis que a problemática do nacional versus o local fica exposta. Em nossa perspectiva, o que estamos assistindo é como a lógica do capital orienta e reorienta a organização territorial dos “diversos lugares”. O fato é que, diante do enfraquecimento das economias nacionais e, a partir da integração cada vez maior dos mercados, dos meios de comunicação e dos transportes, tem-se aumentado as 25 Esta base de sustentação empírica e retórica para se pensar o desenvolvimento local leva em consideração as constantes inovações produtivas e financeiras que revolucionaram e revolucionam diversas escalas, dentre as quais as culturais, sociais, econômicas e, entre outras, (e para nós a mais importante), a escala territorial, marcada, segundo Harvey (2006) pela “compressão tempo-espaço”.
  • 50. 50 Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico – Joelson Gonçalves de Carvalho idiossincrasias inerentes a inserções de países com distintos graus de autonomia no mercado global26 . Sobre esta dimensão territorial do processo de desenvolvimento do (e no) capitalismo, temos que ter em mente que, como sugere Brandão (2007), para o processo desigual de acumulação, é necessário que o capital, no seu movimento de valorização, avance sobre os distantes e distintos lugares, globalizando-os, o que, em síntese, termina homogeneizando o território como lócus aberto à valorização do capital, gerando, é verdade, estruturas heterogêneas, mas, iguais no que concerne sua capacidade de serem exploradas e expropriadas pelo capital. Assim, em meio a este processo, o capital, ao avançar, requer recondicionamentos (territoriais, institucionais, econômicos, sociais, etc.) que afetam a divisão social e territorial do trabalho que é (re)hierarquizada, dando perenidade ao processo de acumulação desigual e combinada do capitalismo. A partir destes apontamentos teóricos sobre desenvolvimento na escala local observa-se que, não apenas o Brasil, mas qualquer país do mundo, poderia servir de exemplo para demonstrar que, na perspectiva de um capitalismo competitivo global, a maioria dos ditos locais não lograriam crescimento econômico, concomitante com a garantia de boa qualidade de vida para a sua população. Com o discurso positivado da competição, escamoteia-se, na verdade, qualquer possibilidade de laços de solidariedade regional, fazendo com que os lugares considerados não-competitivos sejam um problema (Vainer, 2002). Uma crítica que é óbvia, mas que parece passar desapercebida pelo senso comum é que, com a expansão desigual e combinada do capitalismo, a “aldeia global” nunca se apresentará de fato para todos. A globalização é, antes de tudo, um processo gerador de idiossincrasias que traz, junto a si, um forte componente de acirramento de desigualdades. Cada nação, diante de suas especificidades histórico- estruturais responde de modo muito particular a esse processo, com clara tendência de enfraquecimento das economias subdesenvolvidas, 26 Como vimos, isto não é novo e já foi explicitado à exaustão por Prebisch e Furtado, tendo, mais recentemente em Harvey uma contribuição seminal.
  • 51. 51 Coleção Governança e Desenvolvimento – Vera Alves Cepêda (org.) inclusive, no caso brasileiro, com impactos no pacto federativo e no papel dos municípios, como não poderia deixar de ser. Em síntese, a argumentação localista centrada no desenvolvimento endógeno, pautada no poder local, mistura argumentos empíricos, teóricos e retóricos, por vezes casuísticos, por vezes, genéricos que, na prática, obscurecem o grau de atraso e conservadorismo em que tem se sustentado as elites e o poder local. Sabemos que as ações das elites locais e regionais na trajetória do desenvolvimento brasileiro, amalgamaram estruturas desiguais e excludentes, seja na economia seja na política, negando processos e espaços de decisão participativos e democráticos com o intuito de manterem a sustentação do status quo e de seus projetos privados de poder (Kerbauy, 2000). 4.2 – Possibilidades: o papel das escalas e dos sujeitos sociais Se aceitarmos que o aporte teórico focado no localismo e na endogeneidade é limitado, insuficiente ou mesmo equivocado, caminharemos para o entendimento de que o processo mais amplo de integração das economias nacionais à dinâmica internacional traz consigo desafios novos à construção do desenvolvimento. Em outras palavras, o processo de globalização provoca a necessidade de se pensar novos elementos na inserção de países de capitalismo periférico no mercado internacional – a exemplo do Brasil – na medida em que as escalas de planejamento e ação estão perdendo conexões e sentidos territoriais. Concordamos com Brandão (2014) que, além da necessidade da inclusão de parcelas crescente das populações marginalizadas, gerando coesão em uma escala nacional: É fundamental que esse processo transformador seja promovido, simultaneamente, em várias dimensões (produtiva, social, tecnológica etc.) e em várias escalas espaciais (local, regional, nacional, global etc.). As políticas de desenvolvimento devem agir sobre a totalidade do tecido socioprodutivo, ou seja, devem pensar o conjunto territorial como um todo sistêmico,