Este documento descreve a evolução da visão da Igreja Católica sobre a Internet ao longo de vários pontificados. Inicialmente, o Papa João Paulo II viu a Internet como um novo espaço para a evangelização que poderia alcançar audiências globais. Posteriormente, Bento XVI enfatizou seu potencial para a comunicação, mas também os riscos do isolamento. Francisco alertou para a desinformação online e a necessidade de encontros reais complementarem as redes digitais.
1. João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com, Evolução da visão da Igreja acerca da Internet 1
Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Teologia
Braga, 2019
Unidade: Técnicas de Comunicação – Prof. Doutor Paulo Gomes
Aluno: João Miguel Pereira
Tema: Evolução da visão da Igreja acerca da Internet
Em 19961
, na mensagem do 30º Dia Mundial das Comunicações, o então Papa João Paulo II falou
das «redes de computadores» e outros mass media como «um moderno areópago onde a informação é
rapidamente recebida e transmitida a um auditório global, e onde são trocadas ideias, formadas atitudes - e,
na realidade, onde se está a formar uma nova cultura». Segundo o pontífice «os meios de comunicação são
por isso destinados a exercer uma poderosa influência».
Em 20012
, o mesmo pontífice, constata que «os telhados são quase sempre caracterizados por uma
floresta de transmissores e de antenas que enviam e recebem mensagens de todos os tipos, para e dos quatro
recantos da terra. É vitalmente importante assegurar que entre estas inúmeras mensagens a palavra de Deus
seja escutada. Proclamar hoje a fé sobre os telhados significa anunciar a palavra de Jesus no e através do
mundo dinâmico das comunicações». Dá como exemplo salutar «as transmissões satelitares das cerimónias
religiosas que com frequência atingem um auditório global, ou as capacidades positivas da Internet de
transmitir informações religiosas e ensinamentos para além de todas as barreiras e fronteiras. Um auditório
tão vasto estaria além das imaginações mais ousadas daqueles que anunciaram o Evangelho antes de nós.
Portanto, no nosso tempo é necessário que a Igreja se empenhe de maneira ativa e criativa nos mass media.
Os católicos não deveriam ter medo de abrir as portas da comunicação social a Cristo, de tal forma que a sua
Boa Nova possa ser ouvida sobre os telhados do mundo!». Para João Paulo II, «a presença da Igreja nos mass
media é efetivamente um importante aspeto da inculturação do Evangelho».
Em 20023
, reflete mais em específico sobre a Internet, apresentando-a como «um novo foro para a
proclamação do Evangelho». Diz-nos que o espaço cibernético é uma nova fronteira que se abre no início
deste novo milénio que «está cheia da ligação entre perigos e promessas». «Para a Igreja, o novo mundo do
espaço cibernético é uma exortação à grande aventura do uso do seu potencial para proclamar a mensagem
evangélica». «A Internet pode oferecer magníficas oportunidades de evangelização»: «Oferecendo
informações e suscitando o interesse, ela torna possível um encontro inicial com a mensagem cristã, de
maneira especial entre os jovens que, cada vez mais, consideram o espaço cibernético como uma janela para
o mundo». Por outro lado, pode ser um instrumento ao serviço da «instrução e a catequese permanentes».
Não deixa todavia de alertar para que o «fluxo quase infinito de informação que, na sua maioria, passa num
instante» pode incentivar a que «numa sociedade que se alimenta do que é efémero, corre-se facilmente o
risco de acreditar que o que importa são os factos e não os valores. A Internet oferece vastos conhecimentos,
mas não ensina valores; e quando estes são ignorados, a nossa própria humanidade é diminuída e o homem
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MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II PARA A CELEBRAÇÃO DO 30º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS (19 de Maio de 1996).
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MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II PARA A CELEBRAÇÃO DO 35° DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS (27 de Maio de 2001).
3
MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II PARA A CELEBRAÇÃO DO 36° DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS (12 de Maio de 2002).
2. João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com, Evolução da visão da Igreja acerca da Internet 2
facilmente perde de vista a sua dignidade transcendente». Outro perigo que a Internet pode incentivar advém
da indução da mentalidade de que tudo é «alcançável instantaneamente» inibindo «o estímulo para o
pensamento e a reflexão mais profundos». A Internet favorece também «uma forma relativista de pensar e,
às vezes, alimenta a fuga da responsabilidade e do compromisso pessoais». Alerta-nos ainda para o fato de
a multiplicação de contactos feita pela Internet ser favorável à propagação do Evangelho mas isto não pode
substituir o contacto humano direto e o testemunho pessoal.
Em 20094
, o então pontífice Bento XVI refere as mudanças nos modelos de comunicação, mais
evidentes sobre tudo entre os jovens. Ele classifica as novas tecnologias como «um verdadeiro dom para a
humanidade» e fala da «omnipresença da internet» que, constata ele, permitem a comunicação e a
compreensão entre indivíduos e comunidade, a comunicação com os seus amigos, encontrar novos, procurar
informações e notícias, partilhar as próprias ideias e opiniões, aproximar famílias, facilitar o acesso às
descobertas científicas, conhecer valores e tradições alheias, desenvolver o trabalho em equipa, facilitar
formas mais dinâmicas de aprendizagem e comunicação. Por outro lado alerta para o risco do isolamento e
destruturação das reações sociais reais ou perturbação das formas de repouso, de silêncio e de reflexão
necessárias para um desenvolvimento humano. No entanto, valoriza a aparição de novas redes digitais que
procuram promover a solidariedade humana, a paz e a justiça, os direitos humanos e o respeito pela vida e o
bem da criação.
Em 20105
, o mesmo pontífice, abordou o mundo digital como oferecendo «ao sacerdote novas
possibilidades para exercer o seu serviço à Palavra e da Palavra». A esse respeito apelou aos sacerdotes um
compromisso mais motivado e eficaz em colocar os media ao serviço da Palavra: «aos presbíteros é pedida
a capacidade de estarem presentes no mundo digital em constante fidelidade à mensagem evangélica, para
desempenharem o próprio papel de animadores de comunidades, que hoje se exprimem cada vez mais
frequentemente através das muitas “vozes” que surgem do mundo digital, e anunciar o Evangelho recorrendo
não só aos media tradicionais, mas também ao contributo da nova geração de audiovisuais (fotografia, vídeo,
animações, blogues, páginas internet) que representam ocasiões inéditas de diálogo e meios úteis inclusive
para a evangelização e a catequese». Através dos media o «sacerdote poderá dar a conhecer a vida da Igreja
e ajudar os homens de hoje a descobrirem o rosto de Cristo», fazendo «transparecer o seu coração de
consagrado, para dar uma alma não só ao seu serviço pastoral, mas também ao fluxo comunicativo
ininterrupto da “rede”». Nos media, o consagrado pode «aplanar a estrada para novos encontros» oferecendo
ao homem de hoje – inclusive aquele que não acredita, o que caiu no desânimo, o que cultiva no coração
desejos de absoluto, crentes de todas as religiões e pessoas de todas as culturas – «os sinais necessários para
reconhecerem o Senhor» e abeiram-se «da Palavra de Deus que salva e favorece o desenvolvimento humano
integral».
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MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA O 43º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS (24 de Maio de 2009).
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MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA O 44º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS (16 de Maio de 2010).
3. João Miguel Pereira – joaofreigil@hotmail.com, Evolução da visão da Igreja acerca da Internet 3
O Papa Bento XVI, em 20136
, falando sobre as redes sociais digitais, disse que, salvaguardados o
diálogo com respeito, o cuidado pela privacidade e o empenho pela verdade, «podem reforçar os laços de
unidade entre as pessoas e promover eficazmente a harmonia da família humana». Ele deu conta que «se a
Boa Nova não for dada a conhecer também no ambiente digital, poderá ficar fora do alcance da experiência
de muitos que consideram importante este espaço existencial. O ambiente digital não é um mundo paralelo
ou puramente virtual, mas faz parte da realidade quotidiana de muitas pessoas, especialmente dos mais
jovens». «As redes facilitam a partilha dos recursos espirituais e litúrgicos, tornando as pessoas capazes de
rezar com um revigorado sentido de proximidade àqueles que professam a sua fé». «No ambiente digital,
existem redes sociais que oferecem ao homem atual oportunidades de oração, meditação ou partilha da
Palavra de Deus. Mas estas redes podem também abrir as portas a outras dimensões da fé. Na realidade,
muitas pessoas estão a descobrir – graças precisamente a um contacto inicial feito online – a importância do
encontro direto, de experiências de comunidade ou mesmo de peregrinação, que são elementos sempre
importantes no caminho da fé. Procurando tornar o Evangelho presente no ambiente digital, podemos
convidar as pessoas a viverem encontros de oração ou celebrações litúrgicas em lugares concretos como
igrejas ou capelas».
Em 20197
, o atual pontífice, Papa Francisco, concluiu, como aliás o podemos comprovar nas
mensagens que atrás sintetizamos, que «desde quando se tornou possível dispor da internet, a Igreja tem
sempre procurado que o seu uso sirva o encontro das pessoas e a solidariedade entre todos». Não deixa de
lembrar que «se é verdade que a internet constitui uma possibilidade extraordinária de acesso ao saber,
verdade é também que se revelou como um dos locais mais expostos à desinformação e à distorção consciente
e pilotada dos factos e relações interpessoais, a ponto de muitas vezes cair no descrédito». Alerta também
que nas comunidades das redes sociais «frequentemente permanecem agregados apenas indivíduos que se
reconhecem em torno de interesses ou argumentos caraterizados por vínculos frágeis». Elas são, por vezes,
espaço de suspeita e explosão de todo o tipo de preconceito (étnico, sexual, religioso, e outros) que, excluindo
a heterogeneidade, alimentam «um individualismo desenfreado, acabando às vezes por fomentar espirais de
ódio». Francisco alertou também para o «perigoso fenómeno dos jovens “eremitas sociais”, que correm o
risco de se alhear totalmente da sociedade». O papa apelou à verdade em vez da mentira, à comunhão em
vez do individualismo, ao reconhecimento da alteridade como parte integrante e condição de relação e de
proximidade. Lembrou ainda que a rede deve ser «complementar do encontro em carne e osso»: «Se a rede
for usada como prolongamento ou expetação de tal encontro, então não se atraiçoa a si mesma e permanece
um recurso para a comunhão. Se uma família utiliza a rede para estar mais conectada, para depois se
encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso. Se uma comunidade eclesial coordena a sua
atividade através da rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso. Se a rede é uma
oportunidade para me aproximar de casos e experiências de bondade ou de sofrimento distantes fisicamente
de mim, para rezar juntos e, juntos, buscar o bem na descoberta daquilo que nos une, então é um recurso».
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MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA O 47º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS (12 de Maio de 2013).
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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O 53º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS (2 DE JUNHO DE 2019).