Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Congresso da Anppom 2012
1. XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música –João Pessoa - 2012
Aplicação de princípios gestálticosno planejamento de estruturas
composicionais utilizadas em obras para piano expandido
Helder Alves de Oliveira
Universidade Federal da Paraíba – heldcomposer@gmail.com
Liduino José Pitombeira de Oliveira
Universidade Federal de Campina Grande – pitombeira@yahoo.com
Resumo: Este artigo visa descrever os procedimentos composicionais utilizados em uma obra para
piano expandido, cuja estrutura é definida a partir da aplicação de princípios gestálticos. A
categorização das técnicas expandidas do piano, elaborada a partir do breve levantamento de obras
compostas por compositores norte-americanos e brasileiros, serviu como ponto de partida para a
criação dos gestos musicais. O planejamento composicional da obra foi elaborado tomando
princípios gestálticos como a base teórica organizacional das estruturas.
Palavras-chave: composição, Gestalt, piano expandido.
Application of Gestalt Principlesin the planning of compositional structures used in works for extended
piano
Abstract: This article aims at describing the compositional procedures used in work for expanded
piano, whose structure is defined as the application of Gestalt principles. The categorization of
extended piano techniques, drawn from the brief survey of works composed by American and
Brazilian composers, served as a starting point for the creation of musical gestures. The planning
of the compositional work has been prepared taking Gestalt principles as the theoretical basis for
the structural organizational.
Keywords: composition, Gestalt, extended piano.
1. Introdução
Este artigo visa descrever os procedimentos composicionais utilizados em uma
obra para piano expandido, cuja estrutura é definida a partir da aplicação de princípios
gestálticos. Faremos inicialmente uma breve contextualização histórica sobre o uso do piano
expandido, seguida de uma fundamentação teórica sobre os princípios gestálticos e
examinaremos o potencial dessa teoria no planejamento composicional de uma obra para
piano expandido.
2. Contextualização histórica
É possível citar como exemplo de compositores que tiveram importância
fundamental no surgimento das técnicas expandidas para piano os americanos Henry Cowell
(1897-1965) e John Cage (1912-1992). Cowell apresentou pela primeira vez de forma
satisfatória, na peça The Tides of Manaunaun (1912), o uso do cluster, e nas peças Aeolian
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Harp (1923) e The Banshee (1925) explorou o uso do interior do instrumento, ao indicar que
o pianista pinçasse, raspando ou golpeando as cordas diretamente com os dedos, as unhas e
baquetas nas peças (KOSTKA, 1999, 231).
Há ainda outros recursos que partem da exploração do interior do piano, como os
harmônicos (STONE, 1980, p.261-262) e a vibração simpática de algumas cordas devido ao
som de outros instrumentos colocados no interior do piano (KOSTKA, 1999, p.231). Os
pianistas contemporâneos ainda podem ser exigidos a percutir nas partes do piano, como na
tampa e na caixa.
John Cage, que foi aluno de Cowell, é outro compositor que experimentou nessa
área. Ele desenvolveu o piano preparado, mostrado pela primeira vez na sua peça Bacchanale
(1938), que consiste na transformação dos sons de um piano pela fixação de pequenos
objetos, como parafusos, madeira, papel e borracha no encordoamento do instrumento
(KOSTKA, 1999, p.231), (COSTA, 2004, p.19). O resultado é uma orquestra de percussão
em pequena escala, onde cada nota adquire timbre diferente, dependendo do objeto utilizado.
No Brasil, destacamos o trabalho de pesquisa de Valério Fiel da Costa (2004), que aborda a
maneira de preparação nas peças para piano de John Cage e desenvolve a composição de duas
peças também para piano preparado como forma ilustrativa dos processos por ele estudados.
Vários compositores brasileiros passaram a incluir em suas atividades criativas
novos recursos composicionais “em sincronismo caro com a pesquisa criativa desenvolvida
nos diferentes países do mundo” (NEVES, 1981, p.147). Duas peças para uma nota só (1955)
de Henrique Morozowicz (1934-2008) é citada na pesquisa de Castelo Branco como a única
peça brasileira, escrita na década de 1950, que lança mão de recursos não tradicionais do
piano, utilizando percussão na tampa do instrumento e pizzicato nas cordas (CASTELO
BRANCO, 2007, p. 29 e GANDELMAN,1997, p.181).
O paulista Aylton Escobar (1943-) é também visto como um bom exemplo de
compositores que aderiram à ideia de experimentação no piano com suas peças Mini Suíte das
3 Máquinas (1970) e Assemblypara Piano e fita magnética (1972). Nessas peças, o
compositor se apropria de recursos já conhecidos e os adapta, com o uso de copo de vidro
para raspar as cordas centrais do piano, cluster de menor âmbito executado com os cinco
dedos agrupados, o uso de prego ou moeda para raspar as cordas agudas, e exploração de
outras partes como as cravelhas e a folha de metal que sapara as cordas do instrumento
(POZZO, 2001, p.96-97).
Outros exemplos de compositores brasileiros que têm peças para piano expandido
são: Pe. José Penalva (1924-), com as peças Três Versetos (1963), Mini-suíte N. 3 (1971) e
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Diálogo (1973), onde o intérprete deve bater na caixa do piano, dentre outras técnicas
(PROSSER, 1996, p.4-8); Jorge Antunes (1942-), com seu Estudo nº 1 (1972) para piano, que
utiliza uma das maiores descobertas para piano expandido: o uso de arcos de violino ou
violoncelo friccionados nas cordas do instrumento para produzir notas longas; Valério Fiel da
Costa (1973-), que em sua peça Funerais I (2003) pinça com palhetas de violão as cordas do
piano, percute-as com baquetas de material duro e mole e usa linhas de pesca para produzir
um efeito semelhante aos arcos de violino de Antunes; e Cláudio Dauelsberg (1964-), que
com seu grupo Pianorquestra, iniciado em 2002, promove peças para piano a dez mãos, onde
a caixa inferior é utilizada para produzir o som mais grave de percussão e uma folha de papel
vegetal é utilizada para produzir som semelhante ao do ganzá ou xequerê através de sua
fricção contra uma das madeiras inferiores (CASTELO BRANCO, 2006, p.772-773).
Fornecemos, na Tabela 1, uma categorização das técnicas expandidas para piano, baseada em
Ishii (2005, p.14-18) e Castelo Branco (2007, p.7-8).
Tabela 1: Técnicas Expandidas para Piano
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3. Fundamentos da Teoria da Gestalt
Segundo Collis (2005, p.193), o processo criativo composicional tem sido
estudado por diversos autores, o que possibilitou a formulação de teorias distintas. Webster
(2002), por exemplo, fornece um modelo para o “pensamento criativo em música” para as
áreas de composição, performance e análise. Quatro teorias gerais para os processos criativos
podem ser citadas: 1) Teoria dos Estágios (que separa o processo criativo em quatro estágios:
preparação, incubação, iluminação e verificação, 2) Teoria da Gestalt (sobre a qual nos
deteremos mais detalhadamente no decorrer deste artigo), 3) Teoria dos Sistemas Emergentes
(que examina como as ideias se desenvolvem no tempo como uma proliferação de objetivos,
subobjetivos, trilhas incorretas e falsos inícios) e 4) Teoria da Informação de Processos (que
se relaciona com a estruturação hierárquica no tempo e com a gramática gerativa) (COLLIS,
2005, p.194-195).
A Teoria da Gestalt se originou a partir de uma ramificação dos estudos sobre
percepção realizados por Wertheimer, na Alemanha, em torno de 1912, inspirados no artigo
seminal de Ehrenfels, intitulado Ueber Gestaltqualitäten publicado em 1890. Essa teoria
nasceu como uma reação ao pensamento psicológico da época, influenciado pela física do
átomo, que considerava “os componentes da vida mental como sensações discretas,
irredutíveis e homogêneas” (OSBORNE, 1964, p. 214).
A Gestalt parte do pressuposto de que objetos visuais podem ser agrupados de
acordo com algumas leis de percepção (DESOLNEUX et al, 2008, p.13). Segundo Lerdahl e
Jackendoff, “do ponto de vista psicológico, o agrupamento na superfície musical é o análogo
auditivo da partição de campos visuais em objetos” (1996, p. 36). Ainda segundo esses
autores, “as regras de agrupamento parecem ser independentes do idioma, ou seja, o ouvinte
precisa saber relativamente pouco sobre um idioma musical para realizar agrupamentos
estruturais” (Ibid., p. 36). Na Tabela 2 listamos uma série de leis de agrupamento gestáltico,
sob uma perspectiva visual, segundo Gomes Filho (2000, p.27-37) e Bordini (2004).
Embora, como afirma Reybrouck (1997, p.57-64), a tradução dos princípios
gestálticos visuais para a música ainda precise de bases empíricas e conceituais, uma vez que,
enquanto uma figura geométrica é apreendida como um todo quando é observada, uma figura
musical necessita de uma apresentação sucessiva, tentaremos realizar experimentações
composicionais nessa área, tomando como ponto de partida uma tentativa bem sucedida
realizada por Bordini (2004), em uma turma do curso de bacharelado em Composição da
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UFBA. Após uma fundamentação teórica sobre essas leis foram elaboradas sugestões de
possíveis relações com a música. Por exemplo, com relação à Lei da Segregação (para haver
formação de unidades é necessário que haja descontinuidade de estimulação, ou seja,
contraste), os alunos propõem o uso de nota repetida, onde se realçam algumas notas apenas
com a dinâmica, acentuando de forma cada vez mais intensa, ou alterando o registro
gradativamente.
Tabela 2: Leis da Gestalt
4. Planejamento Composicional
Elaboramos o planejamento composicional de uma peça para piano a quatro mãos, a
partir das Leis de Segregação/ Unificação e Similaridade. Nesta obra, o pedal sustainestará
sempre abaixado criando uma ressonância contínua. Ambos os pianistas começam
executando clusters no teclado no mesmo ritmo e em registros tão próximos quanto possível,
formando uma unidade. O pianista II tocará esses clusters com o mesmo padrão rítmico até o
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final da seção B, enquanto o pianista I provocará alterações ascendentes gradativas no registro
e na intensidade até atingir o primeiro ponto culminante da obra (final da seção A).A partir
desse ponto, o pianista I passa a executar clusters diretamente sobre as cordas do piano,
primeiramente com as palmas das mãos e, por fim, com uma régua pré-fabricada. Estes
clusters adquirem um caráter de ostinato enquanto o pianista II gradativamente reduz a
periodicidade e a intensidade de seus clusters, ficando a sonoridade restrita unicamente aos
clusters produzidos pelo pianista I. Após um determinado tempo, o pianista II inicia a
execução de glissandi nas cordas do piano (seção C), com uma palheta leve de guitarra,
partindo de um registro próximo aos clusters executados pelo pianista I e movendo-se
gradativamente em direção ao registro grave com uma diminuição na dinâmica até o silêncio,
ficando apenas o ostinato do pianista I. O pianista II então retorna com os clusters iniciais na
região grave enquanto o pianista I cessa gradativamente os clusters produzidos com a régua e
inicia a produção de clusters diretamente no teclado, no mesmo ritmo e intensidade dos
clusters produzidos pelo pianista II, mas no registro agudo. A dinâmica cresce gradativamente
até o final da peça, que é marcada por um corte abrupto. A Figura 1 mostra uma realização em
notação musical para as seções A e B e o início da seção C. A notação empregada nesse
exemplo é indicada na Tabela 3.
Tabela 3: Notação estendida utilizada na obra
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Figura 1: Trecho de uma obra que aplica as Leis de Segregação/Unificação e Similaridade
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