1) O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, diz que o Brasil precisa fazer ajustes fiscais para voltar a crescer e gerar empregos, e que medidas como privatizações e concessões podem ajudar a reduzir os custos.
2) Levy afirma que o governo precisa rever seus gastos e priorizar aqueles que têm melhores resultados, e que é preciso modernizar a infraestrutura com participação do setor privado.
3) Ele nega ter se encontrado com o ex-presidente Lula, e diz que gostaria
Entrevista com Joaquim Levy sobre ajuste fiscal e retomada do crescimento no Brasil
1. 26CIDADES
A GAZETA DOMINGO, 19 DE JULHO DE 2015
ENTREVISTA
Joaquim Levy
“O Brasil está no
momento de trocar
a fiação. Ou troca
ou queima”
_Em entrevista para A GAZETA, homem forte do governo Dilma
Rousseff diz que Brasil precisa do ajuste fiscal para voltar a crescer
ABDO FILHO E EDUARDO FACHETTI
Em pleno sábado de manhã´, o ministro
da Fazenda, Joaquim Levy, conseguiu
atrairdezenasdeempresárioselideranças
ao Palácio Anchieta. O alto quórum é re-
flexo da importância dele para governo e
da confiança nele depositada. O dia foi
cheio, mas o ministro arrumou um tempo
naagendaparafalarcomexclusividadeao
jornalAGAZETA.Nobate-papoquesegue,
elefalasobrecriseeconômica,ajustefiscal,
do bom humor da presidente Dilma Rous-
seff, conhecida por sua rispidez, e até, ve-
jamsó,sobreprivatizações.“Temalgumas
companhiaspúblicasqueestamosqueren-
do abrir o capital. Elas ficarão mais com-
petitivas, isso aumentará o valor delas,
teremos um pouco mais de receita. É um
ganha-ganha”. Confira:
Quando o senhor foi convidado para
assumir a Fazenda, esperava tama-
nhodesafio?
Tinha consciência da evolução da eco-
nomia brasileira. Em 2014, na verdade, já
havia alguns desequilíbrios, seria neces-
sário corrigi-los. Estávamos vendo, por
exemplo, a taxa de investimento cair. Es-
tamos experimentando, este ano, a cor-
reção de determinadas coisas e também
umajustederotaemvistademudançasno
mundo. Os desafios dessa travessia, em
boa parte, eram previsíveis e inevitáveis.
O Brasil veio bem na década passada,
mas hoje estamos numa grave crise.
Ondesedeuoerro?
As pessoas talvez não tenham percebido
que o auge, em termos internacionais, se
deuem2011.Sevocêpegarosgráficosdos
preçosdecommodities,veráqueelesforam
subindo mesmo após a crise (de 2008 e
2009). A partir de 2011 eles começaram a
descer. Essa foi uma das razões para que o
Banco Central, percebendo isso, relaxasse a
política monetária, acompanhando, naque-
le momento, uma política fiscal mais rígida.
Infelizmente, ao longo de 2012, a política
fiscal foi relaxando, especialmente após o
BancoCentraltertrazidoastaxas(Selic)até
7,5% (ao ano), e ela acabou ficando muito
expansionista, dificultando o trabalho do
Banco Central de manter as taxas de juros
baixas. Teve de começar a voltar atrás, coisa
que está fazendo até agora. Na medida que
conseguirmos acertar o fiscal, veremos as
taxas de juro, mais para frente, diminuindo.
Não que tenha dado errado, talvez tenha
havido um erro de interpretação em 2011 e
2012. Achando que as coisas se manteriam
muito favoráveis, tomaram-se certos riscos
que, depois ficou provado, não deram o
resultado esperado. Quando isso acontece,
tem de haver uma correção de rota. Quanto
antes isso for feito, menores serão os custos.
Oqueosenhorchamade“tomaralguns
riscos”éatalnovamatrizeconômica?
Acho que houve a percepção de que se
poderia mobilizar recursos que depois se
mostraram menos disponíveis do que se
imaginava.
O país perdeu 600 mil empregos nos úl-
timos 12 meses. Só no mês passado fo-
ram 7 mil postos a menos só aqui no Es-
tado. Até onde vai essa crise? Quando o
país voltará a crescer, gerar empregos e
terumainflaçãodentrodoslimites?
A expectativa de inflação para o ano que
vem já começa a cair bastante. Está próxima
de 5%. Para 2017, está próxima de 4,5%. Já
se começa a ver, no campo da inflação, as
perspectivas melhorando. Na parte do em-
prego, talvez tenhamos mais alguns meses
de desafio. Toda vez que se tem um ajuste,
durante um certo período você terá pro-
blema com emprego. Até que a pessoa saia
do setor que não é competitivo para o setor
que é competitivo há uma fricção. A in-
tenção é fazer as mudanças no menor es-
paço de tempo possível exatamente para
minimizaressetempodeajuste.Porissosão
importantesasoutrasmedidasquetemosde
tomar para encurtar esse período.
Queoutrasmedidassãoessas?
Por exemplo, até algumas com fins fiscais
procuramcriarvalor,abrirmercados...Tem
algumas companhias públicas que estamos
querendo abrir o capital. Elas ficarão mais
competitivas, isso aumentará o valor delas,
teremos um pouco mais de receita. É um
ganha-ganha.Hátambémmedidasnaárea
de concorrência, que são importantes pois
também é um caminho para baixarmos o
custo. E as medidas tributárias: o ICMS, o
PIS/Cofins e outras coisas desse gênero.
Osenhorestáfalandodeprivatizações?
Em alguns casos, você tem a passagem
do controle também. Depois tem a parte
das concessões. Todo mundo fala do tal
custo Brasil. Uma das maneiras de di-
minuí-lo é melhorando a infraestrutura,
para isso, a participação do capital pri-
vado é muito importante. Já temos uma
boa experiência disso em todo o país.
Em que setores da economia isso irá
acontecer?
Estradaséumexemplo.Temostambémos
aeroportos. O Aeroporto de Vitória é um
A expectativa de
inflação para o ano
que vem já começa a
cair bastante. Está
próxima de 5%. Para
2017, está próxima
de 4,5%. Já se
começa a ver, no
campo da inflação,
as perspectivas
melhorando”
2. CIDADES27
DOMINGO, 19 DE JULHO DE 2015 A GAZETA
candidato para isso. Temos de estudar as
condições. Tem lá o tema dos funcionários
da Infraero que precisa ser estudado com
cuidado.Naáreadeportos,oEspíritoSanto
também é um exemplo, com um potencial
muito grande. A lei que a presidente Dilma
sancionouem2013ampliouoportunidades
nessa área, já que abriu a possibilidade de
portos privados movimentarem a carga de
terceiros.Épossível,aquinoEstado,criar-se
novosnúcleosdeatividadeportuáriae,cla-
ro,econômica.DesdeládoNorte,naregião
deColatina;alipertodaFibria,emAracruz;
mais para o Sul, depois de Guarapari; e
também aqui no Porto de Vitória. O im-
portante é não estarmos amarrados apenas
ao Porto de Vitória, há várias outras pos-
sibilidades.
Ouve-semuitoqueapopulaçãotemde
fazerseuajusteemcasa...
...E o governo tem de fazer ainda mais
(risos)...
Erajustamentesobreissoqueiríamos
falar. O governo segue com quase 40
ministérios...
Na verdade não são 40 ministérios, são
várias secretarias, inclusive uma, que cui-
davadapolítica,acabourecentemente.Mas
são vários outros, caso do advogado-geral
daUniãoedopresidentedoBancoCentral,
quesãoconsideradosministros,masémui-
to mais um título honorífico do que um
ministériomesmo.Masachoquetemosum
problemasériodoBrasil,ogovernosetrans-
formou num grande transferidor de recur-
sos, mas muitas vezes sem a eficiência ne-
cessária. Estamos trazendo os gastos dis-
cricionários, aqueles que não são determi-
nados por lei, aos níveis de 2013, talvez
iremosumpoucoalémdisso.Agora,agran-
demaioriadosgastossãodeterminadospor
lei. Até os gastos com pessoal têm se man-
tido mais ou menos sob controle como pro-
porção do PIB. Mas tem a previdência, o
seguro-desemprego, que até atuamos para
tentar reduzir.
O senhor acha que é preciso rever as
obrigaçõesdoEstado?
É uma discussão. O governo tem de ter
ferramentas para avaliar o gasto. Antes de
cortar por conta de uma crise, é melhor ter
um instrumento para avaliar os resultados
quevocêobtevecomaquelegasto.Qualéo
objetivo do gasto? O governo tem de li-
derar isso. Muitas vezes há muitas boas
intenções, mas isso não acaba bem de-
finido. Para priorizar, tem de medir resul-
tados.Issonosdaráeficiência.Nãodápara
fazer tudo, então temos de saber quais são
as prioridades e se o jeito como está sendo
feito está dando o resultado desejado. O
governo tem de estar atento às demandas
de sempre e às novas, afinal, temos de
atender essa nova classe média.
OBrasilterásuanotadecréditorebai-
xada?
Temos de trabalhar para que não seja.
Nessatentativadefazeroajuste,oque
maisteatrapalha:ofogoamigodogo-
verno e do PT ou o populismo do Con-
gresso?
(Risos)Éimportanteagenteadmitirotem-
poparaaspessoas.VocêfaloudoCongresso.
Nós temos de entender que no Congresso
nemtodomundopassaodiatodopensando
em economia. Tem gente lá que acha que o
maisimportanteéaecologia,outrosópensa
emensinodelínguaseassimpordiante.Para
essas pessoas entenderem um movimento
importante na economia tem um tempo, há
outros interesses e nem todos são econo-
mistas. Todos estávamos num mundo di-
ferente, de repente o mundo muda, até que
as pessoas se acostumem com a nova rea-
lidadedemoraumtempinho.Assimcomoeu
nãoseisobremaioridadepenal,paraoutrosé
difícildecidirsobreeconomia.
Mas o senhor não acha que estão de-
morando um pouco para perceber es-
sanovarealidade?
Acho que cada um tem seu tempo. Te-
mos que estar lá conversando, explican-
do, tudo para que entendam essa nova
realidade. Todos têm seu tempo.
Isso esteve na pauta de seu encontro
comoex-presidenteLulanoiníciodes-
tasemana?
Eu não me encontrei com ele. Acho en-
graçado, eu estava com o presidente Re-
nan (Calheiros, presidente do Senado).
Houve uma confusão. Todos disseram
que eu estava com Lula, mas eu estava
com o Renan, discutindo ICMS.
MasosenhorgostariadeestarcomLula?
Já se noticiou que o senhor tenta marcar
umaagendacomeleháalgumtempo.
Claro.GostariadeconversarcomLula,mas
não estive com ele na terça-feira. Gostaria
de falar sobre essas mudanças básicas que
precisamos fazer para voltarmos a crescer.
Temos de enfrentar esses desafios. Quando
está tudo bem, muitas vezes você deixa de
cuidar de coisas chatas porque aquilo não
está te incomodando. Quando as coisas es-
tão mais difíceis, é preciso olhar, não tem
jeito. Outro dia eu falei: “O Brasil, para
voltar a crescer, precisa trocar a fiação”.
Aliás,medisseramqueoLulagostoudisso.
Oqueeuquisdizercomisso:vocêtemuma
casaeresolvecolocar umar-condicionado,
masafiaçãoantigadacasanãodáconta.É
chato trocar a fiação, não é charmoso, fica
atrás da parede, mas, se não trocar, a ener-
gia vai ficar caindo. Daqui a pouco queima
seuar-condicionado.OBrasil,hoje,estáno
momento de trocar a fiação. Ou troca ou
queima. Então, temos de acertar o ICMS, o
PIS/Cofins, tem de olhar o mercado de
crédito, o mercado de trabalho. São ques-
tões mais estruturais que precisamos lidar.
Comoéarelaçãodosenhorcomapre-
sidenteDilmaeoPT?
Com o PT é como com qualquer partido.
MedoumuitobemcomolíderdaCâmara,
José Guimarães, com o Delcídio (Amaral,
líder do governo no Senado). Trabalha-
mos juntos. A presidente Dilma é uma
pessoa com uma capacidade intelectual e
umconhecimentomuitodistinguido.Tem
uminteresseenormeparaqueascoisasno
Brasilfuncionem.Procuraindicartécnicos
para o governo. É também uma pessoa de
cultura e de senso de humor também. É
fácil da gente se dar.
O senhor já foi atacado por ministros,
por parlamentares do PT e também por
lideranças do partido. De vez em quan-
dosente-seumestranhononinho?
Não. Aliás, não me sinto atacado.
Sente-seapoiado?
Sim.
FRED LOUREIRO/SECOM
MAIS SOBRE JOAQUIM LEVY pág. 42