SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 42
Huberto Rohden
LUZES
Pequena apologética para uso dos
colégios e para estudo individual
(1942)
AOS ESPÍRITOS PENSANTES
Por ocasião da minha recente visita a alguns dos grandes colégios católicos do sul, foi-me
sugerida a idéia de elaborar uma sucinta e fácil apologética para uso dos estabelecimentos de ensino
e educação.
De boa mente acedi a esse pedido, uma vez que a ilustração da fé pela razão é um dos mais
gratos trabalhos que um cristão pensante possa empreender.
Aí está, pois, este modesto compêndio.
Sendo que se trata apenas de um ligeiro apanhado de argumentos, no qual vêem delineados
em largos traços os pontos básicos da apologética, deverão os interessados aprofundar os seus
conhecimentos em outras obras de maior fôlego, algumas das quais vêem indicadas no fim deste
volume.
É motivo de grande satisfação verificar que, nos últimos anos, aumentou notavelmente,
também nos colégios femininos, o interesse pelos magnos problemas da humanidade. As jovens
estudantes dos nossos dias, muitas delas, já não se contentam com os filmes tecni-colors de
romances superficiais. Querem acompanhar a evolução de certas correntes ideológicas que, hoje
mais do nunca, agitam o cenário internacional. E, em melhor análise, todos os problemas
especificamente humanos, sejam de que ordem forem – filosófica, sociológica, política, econômica,
etc. – desembocam sempre no problema espiritual, metafísico, eterno. O espírito inteligente
investiga a “causa última” dos fenômenos.
Quanto mais o homem conhece o mundo, a vida e o próprio Eu, tanto maior satisfação
encontra no estudo daquilo que, qual ponto fixo, está acima do fluxo e refluxo dos fenômenos
transitórios. É no fator eterno divino, que o irrequieto bandeirante da verdade encontra paz e
sossego, quanto possível na vida presente.
“Veritas liberabit vos” – dizia o divino Mestre – a verdade vos tornará livre.
O Deus da Ciência é o Deus da Fé – eis aí a verdade libertadora que constitui o objeto
primário da apologética.
O AUTOR
PRIMEIRA PARTE
DEUS
PRELIMINARES
Deus é o objeto da nossa fé. A revelação cristã dá-nos plena e cabal certeza da existência de
Deus.
Entretanto, Deus pode também ser objeto de investigação científica. Sua existência é
demonstrável à luz da razão natural.
O fim desta demonstração racional não é dar-nos certeza da existência de Deus, mas antes
desenvolver cientificamente a revelação divina e capacitar-nos de “dar conta da esperança que nos
anima aos que no-las pedirem” (1Pd. 3,15).
Todas as provas da existência de Deus tomam por base e ponto de partida o mundo das nossas
experiências sensíveis. E com razão; pois não há efeito sem causa.
A nossa experiência é de caráter externo quando provém do mundo fora de nós
(macrocosmo), e de caráter interno quando nasce do mundo dentro do próprio Eu (microcosmo).
Dentre os numerosos argumentos pela existência de Deus escolheremos os seguintes:
1 – O argumento cosmológico (cosmo = mundo) em que a existência do mundo dependente e
imperfeito infere a existência de um Ser independente e perfeito;
2 – O argumento teleológico (telos = fim) – que da ordem, harmonia e finalidade do Universo
conclui a existência de um Ser inteligente;
3 – O argumento biológico (bios = vida) – que pela origem da vida prova a existência de um
Ser vivo e autor da vida;
4 – O argumento antropológico (ântropos = homem) – que vê na origem do homem e nas suas
faculdades específicas a prova de um Ser dotado de grandes perfeições;
5 – O argumento histórico – que descobre na convicção geral da humanidade testemunho a
favor da existência real do Ser que todos cultuam.
PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS
1. Argumento cosmológico
Tudo que vemos no mundo é dependente, e, por isso mesmo, imperfeito. Nada existe em
virtude da sua própria essência. Podia existir e não podia existir. Todo ser é feito de outro ser, que o
produziu, causou ou gerou. O filho vem dos pais. A planta deve a sua existência à semente. O som é
produzido por determinadas vibrações, etc. Não há efeito sem causa. Não há produto sem produtor.
Ora, é necessário que no princípio dessa longa série de seres exista um que seja o primeiro;
pois sem esse primeiro, não haveria segundo nem terceiro. E este primeiro elo na longa cadeia de
seres produzidos, de efeitos causados, é necessariamente um ser não produzido, uma causa que não
seja efeito de outra causa – causa não causada, produtor não produzido. Não é possível que exista
uma sucessão de seres dependentes um do outro sem que exista um ser que não dependa de outro
ser, mas que tenha em si mesmo a razão da sua existência, que seja auto-existente, independente,
autônomo. Se não existisse um ser absolutamente independente também não existiriam seres
dependentes, assim como não se pode suspender no ar uma corrente sem um ponto fixo fora da série
dos elos. E ainda que infinito fosse o número dos elos dependentes dessa cadeia, nunca seria
possível prendê-la no espaço em a existência de um primeiro ponto fixo, independente de tosos os
elos.
Existe, portanto, um ser independente de todos os seres dependentes.
E este ser independente , autônomo, auto-existente, de infinita perfeição, é que chamamos
Deus.
2. Argumento teleológico
Quem anda de olhos abertos e de inteligência vígil não pode deixar de perceber que reina em
toda natureza ordem, harmonia e finalidade, quer no mundo mineral, quer no mundo orgânico.
1. – Conhece a ciência bilhões de estrelas fixas, cada uma das quais é um sol. E muita dessas
estrelas são maiores que o nosso globo solar, cujo volume excede mais de um milhão de vezes o da
nossa terra. A circunferência da terra mede 40.000 quilômetros. O nosso sol mede, pois, cerca de
40.000.000.000 quilômetros de periferia equatorial. cada um desses milhões de sóis ou estelas fixas
tem, provavelmente, os seus planetas como o nosso sol. Em volta desses planetas giram luas e
satélites, assim como em torno dos planetas do nosso sistema. A nossa Terra tem uma lua; Netuno,
uma; Marte, duas; Urano, quatro; Júpiter quatro ou cinco; Saturno, até oito, além dum par de
magníficos círculos luminosos formados de uma infinidade de pequenas esferas; apenas Vênus e
Mercúrio, parece, não possuírem satélites. Todos os corpos celestes, sem excetuar as chamadas
“estrelas fixas”, se movem com estupenda velocidade em torno do seu centro de gravitação. A
nossa Terra percorre 30 quilômetros por segundo, no seu movimento de translação ao redor do sol,
da qual dista 150 milhões de quilômetros. Há estrelas com uma velocidade de 50 quilômetros por
segundo, quer dizer, 50 vezes maior que a velocidade inicial dum projétil de artilharia, que percorre
apenas um quilômetro por segundo. E constante e invariável esta velocidade dos corpos siderais.
Não adiantam nem atrasam um segundo, na sua vertiginosa carreira pelo espaço dos cosmos, e isto
já por milhares de milhões de anos.
Como seria possível um mecanismo tão grande, tão perfeito, tão preciso, sem um mecânico de
poder e inteligência? Se para qualquer relógio exigimos um relojoeiro, como se teria originado esse
cronômetro do universo sideral sem um autor inteligente?
“Faz Deus do sol, dos astros, catecismos,
Penetra até ao fundo dos abismos.
E as alturas relatam-lhe a grandeza.
Deus! é o eco que em tudo soa.
Deus! é o hino que o Universo entoa.
Deus diz, ajoelhada, a Natureza”...
2. – Aqui no planeta Terra, verificamos a mesma ordem e harmonia. Nada pode viver sem
água,. E para que esse elemento chegasse a todos os recantos do globo, foi instituído esse
maravilhoso sistema de circulação do precioso líquido: sobem dos seios dos rios e dos mares, sobre
as invisíveis asas da atmosfera, as águas em estado gasoso; são tangidas pelos ventos por todas as
latitudes e longitudes do orbe terráqueo; descem em forma de chuvas benéficas, infiltrando-se na
terra, nutrindo todos os seres vivos, e tornam a voltar ao mar – para recomeçar a sua grande viagem.
Como poderia o cego acaso engendrar semelhante prodígio de ordem e finalidade?
3. – todos os corpos se contraem na razão direta do seu esfriamento – à exceção da água. Esta
atinge o maior grau de densidade e, portanto, o menor volume, com 4 graus Celsius; baixando de 4
graus – A 2,1.0 – vai novamente diminuindo de densidade, e, por conseguinte, aumentando de
volumem. Daí resulta que o gelo – água a zero grau ou menos – flutua na água líquida em vez de
afundar. Que seria da nossa terra se assim não fosse? Se o gelo fosse mais pesado que a água,
afundaria, formando aos poucos imensas camadas no fundo0 dos rios, dos lagos, dos oceanos,
blocos de gelo que nunca mais se derreteriam, poriam em perigo a navegação, extinguiriam a fauna
dos mares e acabariam por transforma o nosso planeta num gigantesco bloco de gelo eterno. E então
– adeus, vida orgânica! adeus humanidade!...
Se dentro da água não residi uma grande inteligência, reside, certamente, acima dela.
4. – sobretudo o mundo orgânico é, todo ele, uma imensa maravilha de finalidade. Os
membros, os órgãos, os tecidos celulares, as células, todas as partes do organismo vegetal e
sensitivo conspiram para um determinado fim, que consiste no bem estar do indivíduo mediante a
conservação da espécie. As cores, o perfume e o néctar das flores tem por fim aliciar os insetos para
que estes levem de flor em flor o delicado pólen, porque sem esta transmissão de germes não pode a
planta garantir a conservação da espécie.
Quanta arte, beleza e finalidade na teia que a aranha suspende entre as árvores, precisamente
num ponto onde é intenso o vai-vem dos insetos!
A abelha sabe perfeitamente porque dá aos seus alvéolos a forma hexagonal, e não redonda,
nem quadrada ou triangular.
A formiga leva para o fundo da terra as folhas verdes de certas árvores, a fim de as fazer criar
bolor, isto é, pequenos fungos, de cujo fruto se nutre.
A ave migratória dos países frios adivinha, no outono, a existência de terras de clima mais
ameno e levanta vôo em demanda de regiões que nunca viu.
Quanto mais observamos e estudamos a natureza tanto mais nos convencemos de que ela é,
quer no infinitamente grande , quer no infinitamente pequeno, uma imensa apoteose de
inteligentíssima finalidade – que supõe necessariamente um espírito pensante e um gênio
organizador.
“Basta uma asa de borboleta, basta um olho de mosquito para confundir todos os que negam a
existência de Deus” (Diderot, filósofo incrédulo)
3. Argumento biológico
1. – Tempo ouve em que não existia no mundo um vestígio de vida orgânica. Hoje existe vida
nas formas mais variadas. Não existia a vida, nem podia existir, porque a terra, desprendida do sol,
era um globo de fogo que acusava milhares de graus de calor, impossibilitando toda e qualquer
manifestação de vida orgânica. Também nos outros planetas reinava a mesma temperatura.
2. – A vida orgânica nasceu um dia, talvez bem primitiva, na superfície do globo. Ora, está
provado com todo rigor da ciência e admitido por todos os grandes cientistas, mesmos os
incrédulos, que da matéria inanimada não pode nascer vida. Pois não há efeito superior à sua causa.
O que não possui vida não a pode dar.
3. – Donde, pois, a vida orgânica?
Se não admitimos um Ser vivo independente do mundo, acima de todas as manifestações
vitais do universo, um Ser vivo autor da vida – nunca termos resposta a essa pergunta: Donde veio a
vida?
4. – A hipótese da “geração espontânea” (origem da vida da matéria inorgânica), hipótese que,
há uns decênios, ainda prometia desvendar o mistério da vida, está hoje abandonada por todos os
cientistas de valor, mesmo os que não crêem na existência de Deus; porque esta hipótese é
essencialmente anti-científica e irracional. Hoje em dia vale o axioma: omne vivum ex vivo – todo
ser vivo vem de outro ser vivo.
Diz o racionalista Virchow, então diretor do Instituto Antropológico de Berlim: “Não
conhecemos um único fato positivo que nos prove ter-se alguma vez realizado uma geração
espontânea. Nunca houve quem tal fenômeno presenciasse, e toda a vez que alguém pretendesse o
contrário, tem sido desmentido, não pelos teólogos, mas pelos naturalistas”
Ora, se dentro do mundo não existia um Ser vivo, existia acima dele.
A este ser vivo extra-humano, transcendente, eterno, autor e fonte de vida, chamamos Deus.
4. Argumento antropológico
Há muitos milhares de anos, não existia o homem na face da terra. Hoje existe. Donde veio?
1. – Ainda que fosse, cientificamente, demonstrável a origem do corpo humano do corpo
animal, não estaria com isto explicada a origem do homem, porque há nele algo essencialmente
diverso do mundo animal, o espírito, a inteligência, a razão.
Nunca se dá em nossos dias o caso de o instinto animal se desenvolver em inteligência
humana, nem mesmo sob a ação do mais intenso e inteligente adestramento do homem. E como
teria sido possível semelhante evolução sem a atividade de mestre algum? Todo animal adestrado
para certas habilidades que parecem revelar inteligência, quando deixado a si mesmo, recai
infalivelmente ao estado primitivo. Não progride. Não se aperfeiçoa. Não desenvolve as habilidades
que o homem lhe emprestou. Regride e volta sempre ao estado anterior, por sinal este lhe é
intrinsecamente natural, que lhe falta a capacidade espiritual que no homem se revela por meio da
inteligência.
Se houvesse no animal um princípio de inteligência, haveria também cultura e progresso no
mundo animal, como há no gênero humano. entretanto não se verifica entre os animais o mais tênue
vestígio de cultura e progresso. Tudo que de eras pré-históricas nos dizem a geologia e a
paleontologia confirma a verdade que, a despeito da evolução material e orgânica, não houve no
mundo irracional o menor movimento ascensional no plano superior da inteligência. A pomba dos
nossos dias constrói do mesmo forma o seu ninho tosco e imperfeito como sua ascendente no
passado de Adão e Eva, e antes desse período, ainda que milhares de vezes tenha visto, ao lado do
seu, ninhos perfeitíssimos de outras aves. Nunca lhe veio a “idéia” de melhorar o seu e tomar por
modelo o das vizinhas. O cão, companheiro milenar do homem, nada aprendeu de seu inteligente
senhor. Não aprendeu sequer a arte simplíssima de fabricar uma primitiva escada e com ela apanhar
a caça que se refugiou no alto de uma árvore. Se há espécie de símios, como dizem, que se servem
de pedras para quebrar nozes, e exercem outras habilidades, com visos de “inteligentes”, prova isso
precisamente o contrário do que se pretende provar. Pois, se, há milhares de anos, esses animais são
tão “inteligentes”, já deviam ter dado o segundo passo, durante esse longo período, fabricado
instrumentos mais perfeitos, adaptando, por exemplo, um cabo ao primitivo martelo, ou inventando
um primitivo quebra-nozes. Entretanto, o fato é que o animal sabe-o desde o princípio da sua vida e
da sua raça; estaciona eternamente neste “saber”, porque o instinto é como que uma chapa de
gramofone, que toca, com absoluta certeza e precisão, o que está gravado na sua espiral, nem uma
nota a mais – ao passo que uma corda de violino dedilhada por um ser inteligente pode produzir
uma infinita variedade de sons com toda as suas variantes e os mais sutis cambiantes sonoros.
O segredo de todo progresso e cultura consiste na percepção da relação existente entre os fins
e os meios. Os meios pertencem, geralmente, à ordem real das coisas, ao passo que o fim, antes de
realizado, pertencem à ordem irreal, puramente ideal. Pra transferir este fim ideal ao plano real é
necessário estabelecer uma relação entre os meios existentes e o fim inexistente; ou seja, lançar
como que uma ponte entre o real e o irreal. Mas esta relação ou ponte é algo espiritual, que só pode
ser percebido por uma faculdade espiritual. O homem graças à sua inteligência, percebe esta
entidade espiritual, a relação, e lança uma ponte entre o mundo real dos meios e o mundo ideal do
fim, concretizando assim em realidade palpável o objeto do seu pensamento – eis o segredo de toda
cultura e progresso humano. É por isso que a primitiva jangada dos antigos fenícios se transformou
no soberbo transatlântico dos nossos dias. É por isso que as “asas de cera” de Dédalo e Ícaro
cederam aos aviões e dirigíveis da atualidade. Falta ao animal a possibilidade de apreender a relação
entre o meio e o fim, porque lhe falta uma faculdade espiritual.
Donde vem o espírito do homem? Da matéria? Iria contra o princípio de causalidade e da
razão suficiente, que não admite efeito maior que sua causa.
Espírito só pode vir de outro espírito. E a este espírito superior e eterno que chamamos Deus.
2. – Todo homem sente no seu interior a voz da consciência, que o impede de fazer o bem e
evitar o mal. Esta voz é independente do homem. Não obedece ao seu querer ou não querer. É uma
voz objetiva, e não subjetiva. Mesmo contra a vontade do homem, esta voz censura-o quando
praticou um ato mau. Por mais que certos fatores – educação, costumes, paixões, taras herdadas,
vícios adquiridos – possam modificar e obscurecer esta voz, ela continua no fundo a ser sempre a
mesma em todos os homens, exigindo, inexoravelmente o que é bom e condenando sem piedade o
que é mau. Ora, onde há uma voz há um autor. Não há lei sem legislador. A existência da voz da
consciência dentro do home é prova certa de que existe um Ser amigo do bem e inimigo do mau. A
consciência é a voz de Deus na alma humana.
Assim como Deus é autor da inteligência, que procura a Verdade – assim também é autor da
consciência, que exige o bem.
5. Argumento histórico
1. – Todos os povos de todos os tempos e países da terra, povos cultos e incultos, crêem na
existência de um Ser ou de seres superiores que governam o mundo e presidem os destinos da
humanidade. Ora, uma convicção universal e perene de tanta importância como esta não pode
deixar de ser a expressão da verdade, porque é a voz da própria natureza racional do homem. Se
fosse ilusória esta convicção geral da humanidade de todos os tempos, seria própria razão humana
uma guia para o erro, e não para a verdade – e guia para um erro invencível, porque não existe no
homem faculdade que possa retificar os resultados específicos da razão. Seria então a natureza
humana um ludíbrio e uma monstruosidade. Tal suposição, porém, é absurda uma vez que toda
natureza é bem organizada e toda faculdade normal é apta para atingir o seu objeto próprio. Não é
admissível que o homem, coroa da criação visível, seja a única desarmonia em toda essa harmonia
do universo.
2. – Pode a humanidade enganar-se em assuntos de pendentes dos sentidos e que não
entendam com o seu supremo destino, como, por exemplo, sobre o aparente movimento do sol ao
redor da terra; mas não pode iludir-se irremediavelmente, quando se trata do problema máximo da
sua existência.
“Não há povo, culto ou inculto, que não creia em Deus, embora discordem quanto a sua
natureza” – escreve Cícero no seu livro “De natura deorum” (I,17, 44). E conclui: “Ora, aquilo em
que concorda a natureza de todos é verdade”. E Aristóteles, o príncipe dos filósofos pagãos,
sentencia: “O que todos os homens, como que impelidos por um instinto, tem por verdadeiro, isto é,
uma verdade da natureza (Rhetor, 4, 18).
Objeções contra a existência de Deus
1. – Tem se dito que foi o medo e o terror em face de certos fenômenos da natureza que
engendrou a fé na divindade. Se assim fosse, não creria a humanidade em divindades amigas e
benéficas. Entretanto, todas as religiões conhecem divindades amigas do homem, e entre todos os
povos a suprema divindade é antes benéfica do que hostil.
2. – Objeta-se que há muitos ateus, e precisamente entre as classes mais cultas. /além disso,
muitíssimos que, embora não neguem a existência de Deus, dela duvidam. Respondo que o número
dos ateus – se é que existem verdadeiros ateus – é insignificante e quase nulo em comparação com a
imensa maioria da humanidade que crê em Deus. De resto, não afirmamos que não possa haver
muitas razões para o homem negar a existência de Deus; afirmamos apenas que a natureza humana,
deixada a seu próprio impulso natural e inato, é espontaneamente teísta. “O coração tem razões de
que a razão nada sabe” (Pascal). A ignorância, o orgulho e a luxuria mobilizam o homem contra a
idéia de um Ser supremo que exija sujeição e pureza. “Eu quisera ver um homem justo, casto e
morigerado que negasse a existência de Deus; porque este pelo menos seria imparcial – mas tal
homem não existe” (La Bruyère – Caracteres).
3. – Nem se diga que os homens da ciência são, geralmente, ateus. Ainda que o fossem, não
seguiria daí a favor da não existência de Deus, porque pode haver muitas razões, nada científicas,
que tal atitude produzem. Entretanto, não é exato que a maior parte dos corifeus da ciência sejam
negadores da divindade. É fato que precisamente as maiores sumidades nos diverso ramos do
humano saber são decididos teístas.
Copérnico, Kepler, Newton, Galileu, Sancchi, fundadores do atual sistema heliocêntrico
foram homens perfeitamente crentes e cristãos.
Volta Ampère, Galvani, Faraday, Edson, Marconi, Lord kelvin são astros de primeira
grandeza no firmamento de Física e das ciências da eletricidade, e nenhum deles foi ateu, sendo
Volta e Ampere até fervorosos católicos.
Pasteur, a maior autoridade em Medicina e Fisiologia, dos últimos tempos, erra católico
exemplar.
Com referência aos mistérios da Divindade, diz Aristóteles: “Assim como os olhos das aves
noturnas estão para a luminosa claridade do dia, assim está a nossa razão para aquilo que por sua
natureza é o mais luminosos que existe”.
E o grande Pascal afirma: ”O último passo da razão está em reconhecer que há infinitas coisas
que ultrapassam o seu alcance; e, se a razão a isso não chegar, dá prova de grande fraqueza”.
sobre Ampère, o astro de primeira grandeza no mundo da Física e da eletricidade, escreve
Ozanam, seu grande amigo e, mais tarde, organizador das Conferências Vicentinas: “Então tomava
Ampère a larga fronte entre as mão e exclamava: Oh! como Deus é grande, Ozanam! como Deus é
grande – e quão mesquinho é todo nosso saber!”
Lord Kelvin, primeira autoridade no mundo da Física Matemática, escreve: “Se fordes
bastante profundo no vosso pensar, vereis que a ciência, longe de ser antagonista, é antes fiel
cooperadora da religião”.
Pasteur, criador de um novo ramo da Medicina e um dos maiores fisiólogos de todos os
séculos, era cristão profundamente convicto, e, como alguém estranhasse como conseguia
harmonizar tão belamente a ciência com a fé, respondeu o sábio: “Tenho a fé de um campônio
bretão porque muito estudei, e, se mais houvera estudado teria a fé uma camponesa bretã”.
“Nenhum homem – dizia Napoleão Bonaparte – pode passar por virtuoso e justo, se não
souber de onde vem e para onde vai. A razão por si só não nos pode dar base segura para vida. Sem
a religião, o homem anda continuamente nas trevas”. “Tirai aos homens a religião, e vereis que se
matarão uns aos outros por causa da pêra mais suculenta ou da mulher mais bonita”.
Rousseau, um dos corifeus do ateísmo, não deixa de reconhecer a absoluta necessidade da fé
em Deus, para que o homem possa ser feliz. Em seu livro “Emile” dá este sábio conselho: “Foge
daqueles que, sob pretexto de explicarem a natureza, espalham doutrinas desoladoras, que destroem
tudo que a humanidade tem por santo: que roubam ao infeliz a última consolação nas suas dores;
arrancam aos ricos e aos poderosos o único freio capaz de lhes coibir as paixões – e ainda por cima
blasonam de benfeitores da humanidade”.
Todos os grandes pensadores do paganismo, guiando-se pela luz da razão, reconheciam a
existência da Divindade. Escreve Cícero: “Quales sinti dii, varium est; esse, nemo negat” (Variam
as opiniões sobre a natureza dos deuses, mas ninguém lhes nega a existência).
Entre 300 dos maiores cientistas dos últimos séculos, 280 se revelam crentes convictos, ao
passo que os restantes 20 não se manifestam claramente, em suas obras, sobre este ponto. Seria
difícil encontrar entre 100 dos maiores expoentes nas ciências naturais um só homem que
francamente se confessasse ateu, e baseasse em motivos de ordem científica a sua descrença.
SEGUNDA PARTE
O MUNDO
PRELIMINARES
Se das alturas do mundo invisível e divino, objeto do capítulo anterior, descermos ao mundo
visível circunjacente, encontramos por toda a parte a matéria, seres materiais.
Donde vem este mundo material?
Respondem o judaísmo e o cristianismo que o mundo visível foi criado por Deus, isto é, feito
do nada.
Nenhum dos antigos filósofos pagãos, nem mesmo Sócrates, Platão, Aristóteles – que aliás
tinham de Deus idéia muito pura – ensinou a criação do mundo. Nem tão pouco ocorre esta idéia
nas mitologias dos povos gentios. Os que refletiam sobre o problema da origem do mundo admitiam
a eternidade da matéria. Estabeleciam assim uma espécie de dualismo: dois seres eternos, invisível
um, visível outro. O maniqueísmo (fundado pelo persa Manes), de acordo com a religião de
Zoroastro, defendia a existência de duas divindade eternas: Ormuzd, o gênio luminoso do bem, e
Ahiman, o princípio tenebroso do mal, este com sede da matéria. Da luta entre esses dois princípios
antagônicos, diziam os maniqueus, nascera o mundo em que vivemos, misto de luz e trevas.
Hoje em dia, seria difícil encontrar entre povos cultos o dualismo da antiguidade. A
mentalidade hodierna propende antes para o extremo oposto: o monismo.
O monismo (monos = um só) elimina a diferença entre Deus e o mundo, entre espírito e
matéria, considerando estas realidades apenas como manifestações características: o materialismo e
o panteísmo. Afirma aquele que tudo é matéria. Ensina este que tudo é Deus.
O pessimismo, negando atributos essenciais à divindade, nega indiretamente a própria
existência de Deus.
1. Materialismo
1. – Resume-se a doutrina do materialismo nos seguintes princípios: Só existe a matéria com
suas forças químico-físicas. Fora da matéria não há nada de real. Um Deus imaterial e seres
espirituais são simples idéias, às quais não correspondem realidade alguma, não passando, pois, de
miragens, quimeras, utopias. A matéria é eterna e evolui segundo as suas leis imanentes, dando em
resultado o mundo atual. O homem é um animal aperfeiçoado. A fauna e a flora são produtos de
átomos inorgânicos e inanimados.
2. – O materialismo é inadmissível , porque: a) O materialista não pode provar a inexistência
do espírito, pois o simples fato de não ser perceptível pelos sentidos não se seque a sua inexistência.
Os sentidos corpóreos são feitos apenas para atingir certos fenômenos físicos; assim, por exemplo,
os olhos só percebem formas e cores; os ouvidos só reagem a sons, etc. Para os olhos são os sons
supra-sensíveis, inexistentes, assim como para os ouvidos não existem formas e cores. /e por que
não haveria seres reais inacessíveis a todos os sentidos corpóreos; seres portanto, supra-sensíveis
em toda extensão da palavra? b) Se a matéria fosse eterna, e, portanto, independente, auto-existente,
seria também de absoluta e infinita perfeição, como foi demonstrado acima. Ora, semelhante
hipótese repugna à nossa experiência cotidiana; pois vemos que a matéria é dependente, limitada,
imperfeita; e um mundo composto de elementos imperfeitos e finitos nunca poderá ser perfeito e
infinito; c) O materialista, se for lógico, Não pode admitir no mundo finalidade nem teleologia
alguma, devendo atribuir tudo ao cego acaso. Da irracionalidade do caos resultaria a harmonia do
cosmo. Todas as maravilhas do mundo sideral, da fauna e da flora, como também todas as criações
da ciência, arte e industria humana seriam efeitos de simples e fortuita causalidade, sem nenhum
espírito pensante, uma vez que não existe espírito. Quem não vê que isso repugna a mais comesinha
filosofia do bom-senso? Se cortássemos, uma por uma, todas as letras do “Lusíadas” e
espalhássemos a esmo, à mercê dos ventos, esses caracteres destacados, haveria esperança de
resultar alguma vez o célebre poema de Camões? um cântico sequer dos “Lusíadas”? Ou pelo
menos uma estância completa? E se repetíssimos milhões e bilhões de vezes a mesma tentativa?
Nunca! Por que não? Porque, para resultar uma obra de arte se requer um artista. Para que nasça um
fenômeno engenhoso requer-se um engenho. Para que se origine uma obra inteligente é necessário
um autor dotado de inteligência. O cego acaso não produz jamais uma obra cheia de ordem,
harmonia, sentido profunda e sábia finalidade – e tanto menor é essa possibilidade quanto mais
numerosas forem as partes componentes do todo. Ora, Qualquer organismos vegetal ou sensitivo se
compõe de células muito mais numerosas de que as letras que compões os “Lusíadas”. O corpo
humano é constituído por cerca de 15.000.000 de células. O materialismo, invocando o cego acaso
como autor da estupenda ordem do universo, profere com isso mesmo a sua sentença de morte. d)
Provam igualmente o absurdo do materialismo os argumentos que acima aduzimos pela existência
de Deus, bem como as provas que abaixo daremos sobre a espiritualidade da alma humana.
3. – O materialismo, que na sua forma crassa é essencialmente ateu, teve o seu período de
maior florescência na segunda metade do século XIX e princípios do presente século (Vogt,
Buechner, Haeckek). Em nossos dias, está praticamente abandonado pelos mais notáveis cientistas
de todos os países> Sobre o livro “Weltraetsel” (Enigmas do Universo) de Haeckel, uma das mais
famosas peças do materialismo popular, escreveu o filósofo panteísta Paulsen, da Univerdidade de
Berlim, as seguintes palavras: “Quanto a mim, li este livro com um sentimento de ardente vergonha,
vergonha sobre o nível da cultura geral, e da cultura filosófica do nosso povo. Que um livro desses
tenha sido possível, que tenha sido escrito, impresso, comprado, lido admirado e crido – isto é
sumamente doloroso” (Philosophia Militans, 155). O testemunho do grande físico russo, Chwolson,
é o seguinte: “O resultado da nossa investigação é espantoso – digo mal, é horripilante! Tudo, mas
absolutamente tudo o que Haeckel, em matéria de questões físicas, explica e afirma é falso e se
baseia em equívocos ou dá prova de uma incrível ignorância nas questões mais elementares”
(Hegel, Haeckel, Kossuth und das zwoeltte Gebot, 1906, pag. 76).
Podemos ter confiança em homens desses?
2. Panteísmo
1. – O panteísmo não nega explicitamente, como o materialismo, a existência de Deus, mas
identifica Deus com o mundo; considera-o como sendo a “alma do universo”, como a vida e
essência do cosmos, enquanto o mundo palpável é a “flutuante roupagem” da divindade.
2. – É inadmissível o panteísmo: a) Porque repugna à própria natureza do mundo; pois, sendo
o mundo repleto de diversidades e antagonismos, seria Deus idêntico a todas estas coisas
inconciliáveis; seria ao mesmo tempo finito e infinito, eterno e temporal, imutável e mutável,
virtuoso e vicioso, caridoso e cruel, filantrópico e egoísta, feliz e infeliz, bom e mau – uma vez que
todas essas oposições se encontram no mundo. b) Se Deus fosse tudo e tudo fosse Deus,
desapareceria também a diversidade entre os elementos que compões o mundo, a pedra seria planta,
o inseto seria mamífero, a ave seria peixe, Pedro seria Paulo, O homem seria mulher, São Francisco
de Assis seria idêntico a Judas Iscariotes, e assim por diante – absurdos que ninguém admite. Antes
de tudo repugna a minha íntima convicção que eu não seja uma personalidade independente e
autônoma, senão apenas uma parcela de outra personalidade c) O panteísmo destrói a liberdade
humana, e, por conseguinte, toda a noção do bem e do mal, de virtude e pecado, do lícito e ilícito.
Ora, diz-me a íntima consciência que sou livre, e o remorso da má consciência, independente do
meu querer ou não querer, é prova irrefragável de que agi com liberdade, cometendo o mal, quando
tinha a possibilidade de praticar o bem. Para o panteísmo não há consciência nem liberdade.
3. Pessimismo
1. – O pessimismo nega que o mundo seja bom, não podendo, portanto, ser obra de um Deus
poderoso e bom. Pois, se Deus não pode evitar os males que há no mundo, não é todo-poderoso; se
não os quer evitar, não é de infinita bondade. E um Deus que não seja poderoso e bom não é Deus.
O filósofo Artur Schopenhauer chega ao ponto de afirmar que o homem é um ser essencialmente
infeliz, que a inexistência seria preferível à existência; que é sábio o homem que, do melhor modo
possível, põe termo à sua vida. è absurdo, diz ele, identificar o mundo com Deus, como faz o
panteísmo; muito mais acertado seria identificar o mundo com o demônio.
2. – Respondemos: O mundo, embora não seja perfeito, não é essencialmente mau. O homem,
ainda que exposto a muitos sofrimentos físicos e morais, pode ser relativamente feliz na sua vida
presente, contanto que, seguindo a voz da sua natureza, creia em Deus e numa existência futura.
Realmente infeliz só é o homem que, contrariando os ditames da sua natureza racional, descrê de
Deus e nega a imortalidade.
3. – É necessário não esquecer que a vida presente não é uma existência definitiva, mas antes
um período preliminar e preparatório para outra. Os sofrimentos da vida, além de castigo da queda
inicial da humanidade e de culpas pessoais, tem antes de tudo, caráter educativo; quando bem
compreendidos purificam a alma, aperfeiçoando e espiritualizando o homem e aproximando cada
vez mais do seu supremo destino.
4. – Se não fosse a culpa original que passou para toda humanidade, se não fossem as culpas
pessoais de cada um, é certo que desapareceria grande parte dos sofrimentos do homem. Existe
males, portanto, que não podem ser lançados à conta de Deus.
5. – O homem que sinceramente crê em Deus, na vida eterna e na redenção por Jesus Cristo,
não pode jamais considerar o mundo e a vida humana como um inferno, embora não os identifique
com o paraíso.
TERCEIRA PARTE
O HOMEM
PRELIMINARES
Entre todos os seres vivos que povoam a terra, destaca-se o homem, graças à inteligência e ao livre
arbítrio, faculdades essas, espirituais, que supões necessariamente um princípio também espiritual
que as produza e as sustente.
A esse princípio espiritual é que chamamos alma ou espírito.
E, como todo espírito é, por sua natureza, indestrutível ou imortal, reduz-se o nosso estudo sobre o
homem ao ponto central sobre a espiritualidade e conseqüente imortalidade da alma humana.
É, pois, com razão que assinamos ao homem o lugar especial entre os seres vivos, uma vez que
entre ele e os seres inferiores vigora diferença essencial, e não apenas gradual.
1. O homem à luz da evolução
1. – Segundo o texto bíblico, criou Deus no terceiro dia as plantas, e no quinto e sexto os animais de
diversas espécies. Quer dizer que o mundo vegetal e sensitivo não nasceu, por si mesmo, da matéria
inorgânica e inanimada.
2. – Também a ciência chegou à conclusão de que não é possível originar-se um ser vivo da matéria
não-viva. A hipótese da “geração espontânea”, que pretendia provar o contrário, foi definitivamente
abandonada pela ciência natural. Vigora na biologia moderna o axioma: Omine vivo ex vivo – todo
ser vivo nasce de um ser vivo.
A paleontologia, que se ocupa com o estudo dos restos do mundo orgânico de tempos antigos,
demonstrou que as formas vegetais e animais da atualidade não coincidem com as formas primitivas
encontradas nas camadas geológicas. Provou outrossim, que se deu uma transição paulatina de
formas mais simples para formas mais desenvolvidas, passando, no mundo da Flora, pelos
criptógamos para fanerógamos (plantas com sementes ocultas e sementes à mostra); e, na Fauna, de
moluscos, peixes e répteis, para aves e mamíferos. Também entre os biologistas católicos, há
muitos, e dos notáveis – como por exemplo, o PE. Erico Wasmann S.J. – que admitem terem os
organismos vivos passa por uma longa evolução em linha ascensional, partindo de umas poucas
formas primitivas. Esta teoria, chamada Evolucionismo ou Transformismo, quando mantida nos
devidos termos, não repugna à revelação divina. Quando a Sagrada Escritura refere a origem do
mundo orgânico não pretende dar lições de história natural e prescinde do modo peculiar como se
tenham originado os seres vivos; servindo-se da linguagem humana da época, afirma apenas que,
em última análise, tudo quanto existe no âmbito do Universo deve sua origem ao Criador. A
Evolução, quando bem entendida, nos dá do poder e da sabedoria de Deus idéia muito mais
grandiosa de que a suposição de que o mundo seja criado no seu estado atual. Pois supõe maior
poder e inteligência a criação de um mundo informe e caótico, mas encerrando no seio todos os
elementos e as energias para, através dos séculos, desenvolver-se de perfeição em perfeição, do que
a criação do Universo em seu estado perfeito e definitivo. Sobre a epopéia multimilenária do
Universo em plena evolução para o alto poder criador e a vasta inteligência organizadora do divino
Artista.
3. – O cientista inglês Charles Darwin ensinava que a paulatina diferenciação das espécies
orgânicas obedecia à “seleção natural” manifestada pela “luta pela existência” (struggle for life);
admitia, assim, apenas causas externas, mecânicas, como fatores da evolução. Essa teoria, chamada
Darwinismo, não satisfaz às exigências dos fenômenos. O Evolucionismo, na sua acepção mais
larga e sólida, admite, além dessas causas externas, uma disposição interna, inerente à própria
natureza do organismo e que lhe faculta formas cada vez mais perfeitas. Nada obsta que o católico
admita o Evolucionismo este sentido, porque a existência de uma lei dentro do próprio organismo
supõe necessariamente um legislador inteligente, autor dessa sábia disposição.
Já em princípios do século V defendia Santo Agostinho a idéia de um Evolucionismo sensato,
escrevendo: “Deus criou tudo de uma vez, diz a Escritura Sagrada, quer dizer que naquele único
ato criador estava encerrado tudo quanto existe no Universo; não somente o céu, com o sol, a lua e
as estrelas; não somente a terra e os abismos da terra, mas também tudo quanto se ocultava na
força germinadora dos elementos, antes que, no decurso dos períodos cósmicos, se desenvolvesse,
assim como está visivelmente diante de nós. Por conseguinte, a obra dos seis dias da criação não
significa uma sucessão cronológica, mas uma disposição lógica. Também o homem faz parte dessa
criação em germe. Deus o criou, assim como criou a erva da terra antes que ela existisse” (De
Genesi ad litteram – Liv VI).
4. – Quanto à hipótese da descendência animal do homem – hipótese hoje, geralmente, abandonada
pelos cientistas de nomeada – convém notar o seguinte.
Em princípios do século XIX defendia o cientista francês Lamarck essa idéia, que, todavia, só
vingou no mundo profissional desde que o biologista inglês Huxley e os materialistas alemães Vogt
e Haeckel a exploraram em longa escala.
Em 1871, também Darwinm em sua obra sobre a “Descendência do homem e a seleção sexual”, se
declarou partidário dessa teoria, por algum tempo, parecia adquirir foros de tese geral. Mas não
durou muito o seu período de glórias. Já em 1877 declarava uma das maiores autoridades na
matéria, Virchow, incrédulo, então diretor do Instituto Antropológico de Berlim: “Não podemos
ensinar, não podemos arquivar como conquista da ciência que o homem descenda do macaco ou de
outro animal qualquer. Os crânios que encontramos nos sepulcros mais antigos revelam tipos mais
humanos e muito menos animal do que grande parte das cabeças vivas dos nossos dias. Nem tão
pouco foi encontrado crânio símio que deixasse margem a dúvida sobre a sua procedência.
Poderíamos antes admitir uma degenerescência de homem para macaco do que uma ascensão de
macaco à homem”.
5. – Contra a hipótese da descendência animal do homem lembramos os seguintes pontos: a)
Embora fosse filosoficamente possível que o corpo humano evoluísse do corpo animal, todos os
dados positivos das ciência naturais são contrários a essa idéia. Pois, para que se originassem as
notáveis diferenças que há entre o esqueleto humano e o esqueleto animal – porte vertical em vez de
horizontal; espinha dorsal em forma de S em vez de C; volume relativo do cérebro humano muito
superior ao mais perfeito animal; ângulo facial de 70 a 90 graus, quando os símios antropóide tem
30 a 35 graus, etc. – seria necessário para essa evolução um período de muitos milhares de anos de
transição, uma vez que a evolução caminha com passos mínimos em espaços máximos. Ora, esses
milhares de anos de transição do mais perfeito esqueleto animal para o menos perfeito esqueleto
humano deviam necessariamente ter deixado vestígios nas camadas geológicas, vestígios de animal-
homem, de homem-animal – mas, de fato, não possuímos fóssil algum desse suposto período de
transição, ao passo que outros espécimes da fauna contemporânea existem numerosas relíquias
paleontológicas. É, pois, a própria geologia e paleontologia que depõe contra a hipótese de uma
descendência animal do corpo humano. b) Quanto ao espírito humano, é filosoficamente impossível
que este tenha origem no mundo material, uma vez que vigora diferença essencial, e não apenas
gradual, entre instinto animal e inteligência humana. Sobre este ponto, ver acima, O argumento
antropológico; e abaixo, Espiritualidade da alma humana.
2. A alma humana – substancial
Chama-se “substancial”, em filosofia, o que pode subsistir em si mesmo, sem inerir em outro ser
que o sustente. O contrário de “substância” é “acidente”. O nosso pensamento, por exemplo, é um
acidente, porque não pode existir independente do ser pensante, no qual inere. Deus, anjo, pedra,
planta, animal, são substâncias. A substância pode ser material (pedra, planta, animal), e pode ser
espiritual (Deus, anjo).
Afirmamos, pois, que a alma humana, ainda que atualmente viva no corpo, pode dele viver e agir
independente. Se a alma fosse apenas um acidente do corpo, não poderia agir nem existir senão
dentro da substância que lhe serve de suporte (corpo). Mas, se a alma é substância, pode agir e
existir também fora e independente do corpo.
1. – Diz-nos a ciência que, de 7 em 7 anos, mais ou menos, se removem e substituem todos os
elementos constitutivos do corpo humano. De maneira que um homem de 70 anos de idade renovou
umas 10 vezes toda a matéria do seu corpo. Pelo processo de assimilação e de eliminação foram,
aos poucos, substituídos todos os átomos, moléculas e células do organismo, ossos, nervos, carne,
etc. Quer dizer que este homem nada mais tem da matéria corpórea que, um dia, foi seu corpo. E, no
entanto, tem ele a consciência de ser sempre o mesmo Eu, a mesma pessoa. E como tal também o
consideram as leis. O homem é responsável pelos atos que praticou, mesmo que a parte material do
seu ser tenha mudado duas, três, cinco, dez vezes. Por que se sente o homem sempre idêntico ao que
foi? Porque há nele um elemento que não acompanha a desagregação da matéria e nem a sucessão
de novas partes materiais, há nele um elemento inatingível pelas vicissitudes periódicas dos
processos orgânicos. Este ser permanente costumamos chamar alma.
2. – Se não houvesse no homem um princípio diferente do corpo, imaterial, uma substância
permanente, não poderia o homem recordar-se de fatos ocorridos 10, 20, 50 anos atrás, porque nada
mais existe daquele corpo, nem um átomo sequer que pudesse servir de base ou veículo a essa
evocação do passado. O elemento substancial em que inere a recordação é que chamamos alma; e
essa faculdade especial: memória.
3. A alma humana – imaterial e espiritual
1. – O homem tem a estranha propriedade de ser ao mesmo tempo sujeito e objeto do seu
pensamento, isto é, pode refletir sobre si mesmo. O meu Eu pode ser alvo integral do meu pensar.
Este Eu é todo objeto do meu pensamento reflexivo. Ora, tal processo só é possível num ser
imaterial, porque o ser material só pode refletir parcialmente sobre si mesmo (caso lhe seja possível
o pensar), uma parte sobre outra parte, mas nunca o todo sobre o todo; pois o ser material tem partes
justapostas umas às outras. Este fenômeno da consciência do próprio Eu (Selbstbewustssein) não se
encontra no animal, por lhe faltar a correspondente faculdade imaterial, espiritual.
2. – O homem pensa. É o glorioso apanágio da sua espécie. O pensamento, porém, é uma atividade
intrinsecamente espiritual, embora na vida atual, dependa extrinsecamente da matéria. Logo, a
faculdade que produz este pensamento espiritual deve ser também espiritual, uma vez que, segundo
o princípio da causalidade e da razão suficiente, não pode haver efeito maior que a sua causa. Um
efeito espiritual só pode ter uma causa, (ou faculdade) espiritual; e esta, por sua vez, só pode inerir
numa substância espiritual – que chamamos alma. O pensamento do homem é espiritual – por que?
porque apreende coisas imateriais, espirituais, como sejam: Deus, verdade, beleza, virtude, direito,
dever, etc., e pode apreender essas coisas também em abstrato, isto é, independentes dum objeto
concreto, individual; pode conceber estas coisas como puramente espiritual. O animal só apreende
objetos concretos; é absolutamente incapaz de apreender em abstrato, por exemplo, o conceito de
“justiça”, “verdade”, “virtude”. Não fosse o homem capaz de conceber uma coisa puramente
espiritual, não poderia estabelecer relação entre os meios e o fim, porque esta “relação” só existe no
meio da espiritualidade, e não no mundo das realidades concretas. Devido a esta percepção da
“relação” entre os meios e o fim, pode o homem “realizar” e “concretizar” um pensamento que a
princípio só existia na ordem puramente ideal, imaterial, espiritual. E nisto está todo o segredo do
seu progresso, como vimos acima.
Todas as maravilhas da ciência, arte, técnica e industria humana são outros tantos atestados de
espiritualidade de sua alma, assim como a ausência dessas realidades no mundo animal são provas
da não-existência duma alma espiritual no reino da Flora e da Fauna.
3. – O homem possui facilidade de querer objetos imateriais, puramente espirituais, como Deus,
verdade, bondade, graça, céu, felicidade eterna. Pode até querer estas coisas de encontro a todos os
protestos da matéria. Um mártir ao pé da fogueira tem a escolha entre duas coisas opostas: ou a
fidelidade à sua fé – ou a perda da vida. Todos os fatores materiais impelem-no a conservar a vida e
renunciar à fé. Se esse homem, de encontro à ofensiva geral da matéria, se decide em sentido
diametralmente oposto e contrário a matéria, sacrificando a vida por amor ao ideal espiritual da fé,
dá prova evidente de que nele existe e atua um princípio que não é material, nem intrinsecamente
dependente da matéria; portanto, imaterial, anti-material, espiritual. Nenhum animal é capaz de
proceder desta forma, porque é unilateralmente determinado pelos impulsos da matéria, não
podendo jamais encontrar-se entre as alternativas do dilema: matéria ou espírito? Não é admissível
que a matéria seja contrária à matéria, que seja anti-material. Só um princípio imaterial, espiritual,
pode atuar em sentido contrário a matéria.
4. – É íntima convicção de todo homem normal que ele é livre no seu agir. Pode querer ou não
querer uma coisa. Pode querer esta ou pode querer aquela. Por mais que sobre a vontade atuem os
nervos, a carne, o sangue, as taras, os recalques psíquicos, as potências conscientes ou
subconscientes da educação de prolongados hábitos, os exemplos da sociedade, etc., o homem tem
sempre consciência de ser livre, ainda que esses fatores adversos lhe dificultem o exercício da
liberdade. Ora, nenhuma matéria é livre. Onde principia a matéria termina a liberdade. Só o espírito
pode ser livre. todo impulso material age sob o impulso de leis firmes, inexoráveis, que o obrigam a
praticar determinados atos e omitir outros.
Ora, o princípio produtor de um ato livre é necessariamente imaterial, espiritual. Segue-se que a
alma humana, princípio do livre arbítrio, é espiritual.
4. Relação entre corpo e alma
Na vida presente, depende a nossa alam (espírito) do nosso corpo, no tocante ao seu agir. mas essa
dependência é apenas extrínseca, e não intrínseca. Na presente condição, o corpo, de preferência os
nervos e as células cerebrais, são instrumentos de que a alma se serve para produzir maravilhas.
Deste instrumento depende a alma, mais ou menos assim como um violinista depende do seu
violino para produzir uma melodia. Dessa dependência extrínseca do violinista não se pode concluir
que ele não possa existir nem produzir outros atos sem a presença do seu violino. O artista continua
a existir e continua a ser artista, com todas as suas perfeições internas, mesmo quando alguém lhe
arrebata e despedaça o instrumento musical. Assim a alma. É certo que, num estado futuro, a alma,
separada do corpo, encontrará outro “instrumento”, talvez muito mais perfeito, para exercer a sua
atividade específica – se é que não trabalha independente de todo e qualquer “instrumento”.
O princípio vital (chamado também “alma”, por analogia) do bruto depende intrinsecamente do
corpo, sem o qual não pode agir nem existir. Por isso, quando vier a faltar-lhe toda e qualquer
possibilidade de agir e, portanto, toda e qualquer razão-de-ser. Extingue-se, por isso, com a morte
corporal, também a “alma” do animal – assim como se extingue a chama de uma vela no momento
em que se destrói a vela que a produzira e sustentava.
5. A alma humana – imortal
a) A alma humana pode sobreviver à morte corporal
1. – Uma vez que a alma não é um simples acidente do corpo, mas uma substância, isto é, um ser
autônomo, capaz de existência própria, independente, segue-se logicamente que a sua separação do
corpo não acarreta necessariamente a destruição da alma. Termina com a morte apenas a sua
dependência extrínseca do corpo e a sua atividade mediante os órgãos corpóreos; mas não termina
necessariamente a própria existência da alma, que em outro ambiente poderá encontrar novo campo
de atividade. Desde que o pensar e o querer não dependam intrinsecamente da matéria do corpo,
não existe razão alguma por que a alma, princípios dessas atividades, separadas do seu instrumento,
deva por isso mesmo perecer.
Não se aniquila o organista porque se aniquilou o seu órgão; nem lhe morre a arte com a morte do
instrumento. Encontrará outras possibilidades para continuar a trabalhar, e talvez com muito maior
facilidade e perfeição do que na vida presente. Já neste mundo, trabalha a alma muito mais
perfeitamente nos nervos do corpo quanto mais independente se torna da prepotência da matéria e
dos sentidos. Apresenta-nos a história luminosa da falange de exímios pensadores – entre eles, São
Paulo, Santo Agostinho, São Basílio, Leão XIII, Pascal – cujo físico deficiente e frágil não
correspondia absolutamente ao poder de seu espírito. Por via de regra, quando começa a declinar a
vida vegetativa e sensitiva do homem, atinge a sua vida espiritual a maior intensidade. São
necessários, por ora, os nervos e as células cerebrais como auxiliares do pensamento, mas não existe
entre a força da matéria e a atividade do espírito correlação constante, nem dependência intrínseca e
necessária.
2. – Seria absurdo admitir que, após a sua separação do corpo, não encontrasse a alma ambiente e
objetos imateriais que lhe garantisse vasta atividade espiritual, quando já na vida presente os objetos
espirituais formam o verdadeiro meio do espírito humano, e tanto mais se delicia o homem nesse
mundo imaterial quanto maior é a sua potência espiritual
b) A alma humana deve sobreviver à morte corporal
1. – Toda substância espiritual exige, em virtude da sua própria natureza, vida imortal, Por que?
Porque, morrer quer dizer dissolver-se em partes componentes – mas o espírito não tem partes, pois
é um ser simples, indiviso e indivisível. Ser composto, ter partes ao lado de partes, é atributo
próprio da matéria. Por isso, a própria natureza espiritual da alma reclama a imortalidade.
2. – A única possibilidade de destruição seria aniquilamento direto por parte de Deus. Deus pode,
em virtude de seu supremo poder, reduzir a nada toda e qualquer criatura, material ou espiritual.
Assim como do nada a tirou, do nada pode fazê-la voltar. Entretanto, é certo que Deus não contradiz
a si próprio – e a natureza espiritual, exigindo imortalidade, é uma promessa implícita que reclama
realização explícita. Deus executa na imortalidade histórica a promessa da imortalidade que
infundiu na íntima natureza do ser espiritual. Deus cumpre o que promete pala voz da natureza.
Mais ainda: se Deus pôs na alma o desejo de indefinido conhecimento e o anseio de indefectível
felicidade, contradiria a si mesmo se nunca satisfizesse essas aspirações íntimas da natureza
humana. Desmentiria a sua sabedoria e santidade, se iludisse o espírito humano – e precisamente os
mais perfeitos – com sedutoras miragens de Verdade e de Felicidade, e lhe negasse eternamente
esses objetos, aniquilando a alma precisamente no momento em que ela sente mais próxima a
realização desses seus anelos. Pó onde se conclui que, negar a imortalidade, é negar a própria
sabedoria e santidade de Deus, é negar a existência de Deus.
“O homem – escreve Kant – seria a mais deplorável de todas as criaturas se não a elevasse a
esperança do futuro, e se ele não atingisse o desenvolvimento das energias latentes no seu interior”.
Diz-nos a consciência que deve haver perfeita justiça, que o bem deve encontrar o seu prêmio e o
mal o seu castigo. Ora, no mundo presente não há, por via de regra, justiça, e muito menos justiça
perfeita. Logo, Existe um mundo futuro onde se restabelecerá o equilíbrio da justiça perturbada pelo
abuso da liberdade humana.
3. – Assim como todos os povos crêem na existência de Deus, assim também não há em todo globo
um só povo que não admita uma vida da alma após a morte do corpo, embora muitas vezes inexata
e grotesca seja a idéia que muitos formam da vida futura. Entre os egípcios era tão intensa essa fé na
sobrevivência do espírito após a morte física que erguiam sobre os restos mortais dos seus príncipes
e homens notáveis gigantescos mausoléus em forma de pirâmides para que preservassem das
intempéries o veículo da alma. Para este fim também embalsamavam cuidadosamente o cadáver.
Entre os chineses e outros povos asiáticos é expressivo o culto dos mortos, em cuja sobrevivência
crêem firmemente. Nas religiões dos assírios, babilônios, persas, gregos, romanos celtas, germanos,
tribos africanas e australianas, entre os esquimós e silvícolas norte-americanos, no culto truculento
dos astecas do antigo México, entre os incas do Peri e na mitologia fantástica dos índios sul-
americanos – por toda parte encontramos a mesma fé numa vida futura, de mãos dadas com a
adoração de um Ser Supremo. Se falsa fosse essa fé universal da humanidade falsa seria a própria
natureza humana, e essa falsidade reverteria no próprio autor da natureza racional. Deus mesmo
mentiria aos homens, obrigando-os a crer em uma simples miragem apresentada como realidade. Se
existe a luz solar que alicia os brotos da planta; se existe terras de clima ameno que chamam as aves
migratórias para as regiões equatoriais – por que não existiria também o país que os inextinguíveis
anseios do nosso espírito e as saudades do coração humano adivinham para além das trevas da
morte? Por que seria o homem, o rei da natureza, a única nota dissonante no meio dessa grandiosa
sinfonia de ordem e finalidade que reinam no Universo? Por que seria a alma humana a única
mentira no meio dessa estupenda epopéia de verdades que constituem o cosmos?
Objeção: Tem-se levantado contra a idéia de imortalidade esta dúvida. O homem aguarda uma vida
eterna como recompensa das boas obras que praticou aqui no mundo. Ora, é indigno de Deus
prescrever, e indigno do homem praticar o bem por espírito mercenário, com os olhos na
recompensa;pois o bem se deve praticar por amor ao próprio bem, sem esperar prêmio algum dos
seus atos eticamente honestos.
Respondemos: 1) A fé na imortalidade não se baseia sobre esta esperança de retribuição – tanto
assim que reina em todos os povos a fé em uma vida infeliz após a morte. 2) A felicidade eterna que
o homem espera não é como um “prêmio” que se dá a uma criança pelo bom comportamento; mas
consiste na consecução do supremo e definitivo e definitivo destino do homem, na realização de
todas as potências do Eu; consiste na última perfeição da própria personalidade humana; perfeição
que só é possível na imortalidade. Ora, nenhum homem pode renunciar a esse “prêmio” sem negar a
si mesmo cometer uma espécie de suicídio espiritual do Eu. Pois a recompensa que a imortalidade
lhe garante é próprio do homem chegado à suprema culminância da sua evolução e, mais ainda, do
seu destino sobrenatural.
c) Conseqüência para a vida
A fé em Deus e na imortalidade é, para o homem, a única fonte de verdadeira, profunda e perene
felicidade, mesmo no meio das maiores tribulações. Se não existisse outra vida após a morte seria o
homem mais infeliz que o bruto, porque este encontra facilmente a satisfação dos seus desejos,
gozando assim a “felicidade” de que é capaz a sua natureza irracional – ao passo que o homem seria
como aquele desditoso Tântalo da mitologia greco-romana: colocado no meio duma torrente, vivia
morrendo de sede, sem nunca acabar de morrer; todas as vezes que seus lábios se aproximavam da
linfa salvadora, recuavam as águas eternamente presentes e eternamente inatingíveis. Tal seria a
vida de todo homem se não houvesse imortalidade. E Deus seria o autor desse jogo cruel.
Quem poderá crer em coisa tão incrível?
QUARTA PARTE
O CRISTIANISMO
PRELIMINARES
O estudo apologético sobre o cristianismo ocupa-se principalmente, com a demonstração da
divindade do seu fundador. Os argumentos que provam esta verdade encontra-se, de preferência,
nas páginas do Evangelho, e são confirmados pela história do cristianismo através dos séculos.
Para fins apologéticos, consideramos os Evangelhos como simples documentos históricos que,
como tais, merecem crédito natural. Não argumentamos, portanto, com o caráter da sua inspiração
divina, da qual prescindimos por ora.
Uma vez demonstrada a divindade de Cristo, segue-se logicamente o caráter divino da sua religião.
I. OS EVANGELHOS
A base histórica do cristianismo são, de preferência, os quatro Evangelhos.
Para firmar o valor dos Evangelhos temos de provar a sua autenticidade, genuinidade e veracidade.
Autêntico é o documento, quando é do tempo e do autor a que se atribui.
Genuíno, quando pelo menos a substância do seu conteúdo é tal qual saiu das mãos do autor.
Verídico ou fidedigno, quando o autor queria e podia referir a verdade, e de fato a referiu.
Demonstraremos que os quatro Evangelhos gozam dessas três prerrogativas, merecendo, portanto, o
nosso crédito
1. Autenticidade dos Evangelhos
Os Evangelhos são autênticos porque foram escritos pelos contemporâneos de Jesus Cristo,
Mateus< Marcos, Lucas e João. Prova-se com argumentos históricos e com razões internas.
a) Argumentos históricos
A cristandade de 19 séculos sempre teve por autênticos os Evangelhos que possuímos. Quem, pois,
quiser invalidar este argumento terá de alegar razões que pelo menos valham pelo testemunho de
todos esses séculos, provando-lhes a falsidade – o que ninguém conseguiu até o presente dia.
Assiste-nos, portanto, o direito de admitir com toda a cristandade a autenticidade desses
documentos.
Também a história profana, é unânime em admitir essa autenticidade. Quem se atreveria a declarar
apócrifos, por exemplo, os escritos que possuímos de Cícero, César, Tucídides, Plutarco, e outros
autores da antiguidade? E, contudo, a certeza que temos da autenticidade dessas obras não se
compara com a dos Evangelhos.
Do século 4° possuímos o Códice Vaticano, que se acha hoje na Biblioteca Vaticana de Roma; O
Códice Sinático, guardado hoje em São Petesburgo. Do 5° século, temos o Códice Alexandrino,
propriedade do Museu Britânico de Londres. Do mesmo século restam-nos mais 9 códices. Dos
séculos 6° ao 10° chegaram até nós 76 manuscritos dos Evangelhos. Ao todo foram até hoje
descobertos 3829 manuscritos do Novo Testamento, em grego, língua em que foi escrito pelos
autores sacros. o Códice Sinático é de todos o mais perfeito, contendo todo o texto neo-
testamentário.
Confrontemos com isto os documentos dos autores clássicos. O mais antigo documento que
possuímos, completo, de Homero é do século 13. Tudo que nos resta das obras de Sófocles não
passa de uma única cópia tirada no século 8° ou 9°. Os manuscritos mais antigos dos clássicos
latinos, Virgílio e Terêncio, datam do século 4° e 5°. Os de Horácio do século 8°. Os de Cesar e
Platão, do século 9°. Os de Tácito, do século 9° ou 10°. Os mais antigos fragmentos das obras de
Heródoto remontam o século 10°.
O tempo que medeia entre as mais antigas cópias que temos dos Evangelhos e a origem dos seus
originais é de 300 a 350 anos. O período que decorre entre as mais antigas cópias e os originais das
obras de Virgílio e de Lívio é de 400 anos; de Horácio, 800 anos; de César, 90; de Népos 1200; de
Tucídides, 1300; de Sófocles e Eurípides, 1450; de Ésquilo, 1500 anos. Ora, nenhum homem culto
nega ou põe em dúvida a autenticidade dessas obras, quando elas tem a seu favor argumentos muito
inferiores aos que militam em prol dos Evangelhos. “Não existe nenhuma obra literária da
antiguidade – conclui o erudito professor protestante Nestlé, autor da edição crítica do Novo
Testamento em grego – a favor da qual tenhamos tamanha cópia de manuscritos como pelo Novo
Testamento. Por bem felizes se dariam os nossos filólogos se, no tocante a Homero, Sófocles,
Platão, Aristóteles, Cícero ou Tácito, estivessem na favorável condição em que se acham, em
relação ao Novo Testamento, os teólogos Cristãos”.
Da autenticidade dos Evangelhos estavam convencidos os escritores cristãos dos primeiros séculos
do cristianismo, entre eles, Eusébio de Cesareia (265-340), Orígenes (185-254), Tertuliano (160-
240), Panteno ( ?-200), /clemente de Alexandria (150-217), Taciano (+/- 172), Irineu (140-202),
discípulo de São Policarpo, o qual tivera por mestre São João Evangelista; Papias (+/- 130), Justino
Mártir (100-160), Inácio Mártir (+/- 107), Clemente Romano, companheiro do apóstolo Paulo e,
mais tarde, Papa. Estes escritores. alguns dos quais contemporâneos dos próprios evangelistas,
citam em suas obras, inúmeras vezes os quatro Evangelhos, atribuindo-os constantemente aos
apóstolos de Cristo, Mateus e João, e aos discípulos Marcos e Lucas.
Atestam ainda a autenticidade dos Evangelhos os filósofos e escritores pagãos, entre os quis Celso,
Porfírio, Juliano Apóstata, que tinham, certamente o maior interesse em lhes negar essa qualidade, a
que todavia, nenhum deles se atreveu, porque seria negar o sol em pleno meio dia.
Atestam, por fim, a autenticidade dos Evangelhos, os próprios hereges apostados em destruir o
cristianismo nascente. Destacam-se, entre eles, Carpócrates, Basílides, Márcion, Heracleon, , os
valentianos, os ofitas, os ebionitas, os marcosianos. E, no entanto, o processo mais simples para
eliminar pela raiz todas as dificuldades em cantar vitória seria a negação peremptória das próprias
fontes em que os defensores da nova religião se fariam fortes. Dentre os numerosos hereges do
primeiro e segundo século nem um só se atreveu a recorrer a esse expediente, porque bem sabiam
que iam ser imediatamente refutados pelos próprios contemporâneos e até por testemunhas
presenciais dos acontecimentos.
Acresce a todos esses argumentos outro, de grande valor, que são as traduções dos Evangelhos
feitas no primeiro século. Temos a versão gótica, que data do 4° século; a cóptica, do 3° século; a
latina (Ítala), do 2° século; e a tradução siríaca (Peshitta), que remonta à primeira metade do 2°
século. Do fato de já existirem nos primeiros séculos, diversas traduções do texto grego dos
Evangelhos concluímos que eram bem conhecidos os livros sacros e universalmente atribuídos a
Mateus, Marcos, Lucas e João. Tradução só pode existir onde existe original.
b) Razões internas
Aos argumentos históricos acima expendidos acrescem notáveis razões internas tiradas do próprio
conteúdo e da forma dos documentos em apreço.
A linguagem e o estilo concordam perfeitamente com o que, pela história profana, sabemos dos
usos e costumes daquela época e sobre o caráter e o preparo dos evangelistas. Os três primeiros
Evangelhos (chamados sinópticos) encerram uma infinidades de indicações exatíssimas sobre as
condições religiosas, políticas, sociais e culturais da Palestina, no tempo de Cristo; sobre a milícia, a
numismática, o regime administrativo, sobre a topografia, nomes de cidades aldeias, povoados,
lagos, rios, arroios, fontes, portas das cidades e do templo – pormenores esses que um autor não
contemporâneo se teria facilmente equivocado, uma ou outra vez, tanto mais que, pouco depois,
antes de findar o 1° século da era cristã, passou a situação política, social e religiosa da Palestina
por transformações radicais, sob a dominação romana. Sirva de exemplo ilustrativo a certeza e
facilidade que os evangelistas revelam no emprego dos nomes das diversas moedas em curso, neste
tempo, a saber, as moedas gregas: talento, dracma, didracma, estáter; a par do dinheiro romano:
quadrante, dipôndio, denário. Entretanto, sabemos que, a partir do ano 70, após a destruição de
Jerusalém, só circulava na Palestina dinheiro romano. Segue-se que os autores dos três primeiros
Evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas, escreveram antes do ano 70.
Na razão direta que progride as ciências arqueológicas e vêem à luz os resultados das escavações,
confirma-se a exatidão do que os Evangelhos referem, incidentalmente, desse período histórico.
Mateus e Marcos falam da futura destruição de Jerusalém, profetizada por Daniel, e por Jesus Cristo
confirmada. Dão aos seus leitores as instruções necessárias para quando desabassem sobre a cidade
deicida o flagelo da ira divina. Que sentido e razão de ser teriam essas instruções se fossem dadas
depois do ano 70, quando a metrópole da Judéia não passava de um montão de escombros?
Sabemos por outras fontes históricas que no ano 66, seguindo o conselho dos evangelistas, os
cidadãos palestinenses abandonaram a capital e refugiaram-se em Pela, cidade situada ao norte,
sobre a margem esquerda do Jordão. Quer dizer que já nesse ano eram por toda parte conhecidos os
Evangelhos de Mateus e Marcos.
Outros documentos históricos que levaria longe pormenorizar, provam que o tempo da origem do
primeiro Evangelho incide no período entre o ano 34 e 50 da nossa era, quer dizer, uns 11 a 17 anos
após a morte de Jesus Cristo. Quando o Evangelho de São Marcos, é hoje fora de dúvida que não
foi escrito depois do ano 54.
O Evangelho de São Lucas foi composto antes do ano 63, verdade que se depreende dos Atos dos
Apóstolos, obra do mesmo autor.
Quanto ao Evangelho de São João, apareceu entre 79 e 100, provavelmente no último decênio do
primeiro século.
“Para obra nenhuma da antiguidade possuímos testemunhos tão antigos e tão numerosos como a
favor dos Evangelhos. Quem, portanto, não quiser ser incoerente, não lhes pode negar a
autenticidade” (Dr. Gutberlet).
2. Genuinidade dos Evangelhos
Provado que os Evangelhos tem por autores a Mateus, Marcos, Lucas e João e que remontam ao
primeiro século do cristianismo, surge a momentosa pergunta se chegou ao presente século o texto
genuíno exarado pelos evangelistas, ou se foi notavelmente adulterado.
Felizmente, estamos em condições de provar que o texto evangélico que manuseamos hoje em dia
é, substancialmente, o mesmo que usavam os cristão do primeiro século e que saiu da pena dos
autores sacros. Não afirmamos que não se tenham introduzido modificações acidentais, devido,
principalmente à negligência de alguns copistas, diferenças que se chamam variantes. Mas essas
variantes não afetam, geralmente, a substância dos documentos nem o fundo das verdades
reveladas.
Possuímos do Novo Testamento mais de dois mil códice antigos, sendo que 167 depois desses
escritos contêm na íntegra esta segunda parte da Bíblia. Conferido o teor desses documentos,
verificamos que o texto é, substancialmente, o mesmo e concorda com o que hoje em dia
manuseamos. Segue-se que, pelo menos dos meados do 4° século a esta parte, não se alterou o texto
dos Evangelhos.
Outra prova valiosa da genuinidade do texto sacro nos fornecem as traduções que dele possuímos,
entre as quais ressalta a versão siríaca, chamada Peshitta (isto é: singela), que data do 3º século. Do
mesmo século é também a tradução cóptica. No 2° o escritor assírio Taciano compôs uma sinopse
evangélica, na qual confronta os quatro Evangelhos, coordenando em sucessão cronológica os
acontecimentos. Do 2º século possuímos ainda a versão saídica do alto Egito, bem como a latina
chamada Ítala, que já nesse século era largamente conhecida em Roma, na Itália setentrional, na
Gália meridional e no norte da África. Ora, o conteúdo de todas essas traduções coincide com o dos
nossos Evangelhos de hoje.
Nas obras dos escritores eclesiásticos, bem como na dos hereges e inimigos do cristianismo, do 1° e
2° séuclo, encontramos inúmeras citações de tópicos dos Evangelhos. Nos escritos de Santo Irineu,
por exemplo, ocorrem mais de 100 destas citações, e todas elas em perfeita harmonia com os nossos
Evangelhos. E de notar que Santo Irineu foi discípulo de São Policarpo, o qual por sua vez, teve por
mestre São João Evangelista. Também os hereges da época, máxime os gnósticos – entre eles
Márcion, Basilides, Valentiano – cujo período de maior florescência vai de 140 a 145, dão
testemunho da genuinidade do evangélico, porque os tópicos por eles citados coincidem com os de
hoje. O filósofo cristão Aristide de Atenas, apresenta ao imperador romano Antonino uma petição,
na qual mostra que as perseguições motivadas aos cristão são injustas porque nas suas crenças nada
há de censurável. E passa a expor ao soberano os primeiros fatos da vida de Jesus Cristo e um
resumo da sua doutrina. Também esta exposição coincide perfeitamente com o que sabemos pelos
livros sacros do presente século.
Pelo ano de 165 morre em Roma, mártir da fé, o célebre filósofo cristão Justino. Entre seu escritos
se encontra um itinerário de 120-140, no qual afirma o autor que em muitas e extensas viagens pela
Ásia e pela Europa, verificou que em toda parte, por ocasião das funções religiosas, eram os
Evangelhos lidos aos fieis. E apresenta um compêndio da vida de Jesus Cristo extraído dos
mencionados documentos sacros. Este compêndio pode se considerar calcado perfeitamente sobre
os quatro Evangelhos do século 20, tão perfeita é consonância dos fatos narrados e das doutrinas
expostas.
Entre os anos 120 e 125 realizaram-se em Alexandria, as célebres controvérsias dos gnósticos
basílides, e nessa ocasião cita o heresiarca grande número de textos evangélicos, que são, no fundo,
idênticos aos dos nossos dias.
No reinado de Adriano (117-138), um discípulo dos apóstolos, por nome Quadrato, entregou ao
imperador romano uma apologia a favor dos cristãos perseguidos, procurando provar, à luz da
doutrina evangélica, que são inocentes as vítimas de tantas atrocidades – e cita em resumo o que
todo cristão instruído do nossos dias lê nas páginas de Mateus, Marcos, Lucas e João.
No ano 197, dia 20 de dezembro, morria no anfiteatro romano o mártir Inácio, bispo de Antioquia.
As cartas que, pouco antes da morte, dirigiu a várias igrejas da Ásia Menor vem repletas de citações
evangélicas, em parte pelo sentido, em parte textualmente, , rematando com um pequeno esboço da
vida do Cristo – e não encontramos diferença substancial entre essas citações e o texto hodierno.
Pelo ano 100 da nossa era nasceu a célebre “Didaché”,ou seja, “Doutrina dos Doze Apóstolos”, cujo
autor se serviu evidentemente de três Evangelhos, e cujo conteúdo não difere dos dias de hoje.
O mesmo acontece com os escritos de Clemente Romano, contemporâneo dos apóstolos. è o que
nos mostra a carta que, em 100, dirigiu aos cristão de Corinto, e em outros escritos.
Segue-se de todos esses fatos históricos que, do ano 100 ou 90 para cá, não mudou
substancialmente o texto do Evangelho.
E antes desse tempo?
Lembremo-nos que o último evangelista, São João, faleceu entre o ano 90 e 100. Adulterar um texto
evangélico em vida de um evangelista e em vida de centenas de testemunhas presenciais, amigos e
inimigos do Nazareno, difícil coisa seria.
Quem teria adulterado o texto? Os adversários do cristianismo? Mas a igreja nunca reconheceria
este documento. Os próprios cristãos? Mas eles estavam perenemente cercados de inimigos, judeus
pagãos, gentios, que, certamente, não teriam perdido a oportunidade para desmascarar a odiada
“seita dos nazarenos” como falsários e embusteiros. Pois os Evangelhos não eram documentos
reclusos e ignorados na escuridão de algum arquivo, eram lidos todos os dias, em público. Bem
compreendiam os cristãos que semelhante falsificação, além de ser um crime abominável,
entregaria às mãos do inimigo arma mortal contra eles mesmos e contra a causa sagrada que
defendiam.
É, pois, fora de dúvida que os nossos Evangelhos são substancialmente idênticos aos do primeiro
século do cristianismo.
3. Veracidade dos Evangelhos
Provada a autenticidade e genuinidade dos Evangelhos, resta saber se esses mesmos documentos
são verídicos ou fidedignos, isto é, se o seu conteúdo é a expressão fiel da realidade histórica.
O caráter verídico dos Evangelhos depende de dois pontos, do poder e do querer. Podiam os seus
autores saber a verdade dos fatos? e queriam eles transmitir esses fatos?
Quanto ao poder, basta considerar que Mateus e João eram apóstolos de Cristo, companheiros deles
durante três anos, testemunhas presenciais de tudo referem. Marcos, secretário do apóstolo Pedro, e
Lucas, inseparável companheiro de São Paulo, tinham todo a facilidade para conhecer a realidade
dos acontecimentos. Lucas, no princípio do seu Evangelho, diz que investigou cuidadosamente
todos os fatos e falou com aqueles que desde o início foram ministros da palavra. É provável que
Lucas, durante o longo cativeiro de Paulo em Cesaréia, tenha falado pessoalmente com a mãe de
Jesus, a qual, nesse período, se achava em Jerusalém – e quem melhor do que a mãe podia dar-lhe
notícias exatas sobre a infância, juventude e vida oculta de Jesus em Nazaré?
Quanto ao querer – não se supões ninguém gratuitamente mentiroso. Quando o homem mente visa
sempre algum interesse ou alguma vantagem. Mas que vantagem ou interesse teriam os evangelistas
para faltar com à verdade? Bem sabiam eles que os mesmos traços com que registravam a vida e
doutrina do Cristo assinavam a sua sentença de morte, como veio provar o futuro. Pra carregar de
culpa a consciência, e ser depois martirizado cruelmente – estranho falsário quem tal inventasse! De
resto, era moral e fisicamente impossível essa suposta escamoteação. Como poderiam ignorantes
pescadores da Galiléia conceber tão sublime ideal de virtude e santidade? Como podiam inventar
verdades mil vezes mais sublimes do que as idearam Platão, Aristóteles, Sócrates, Sêneca, se não
tivessem diante dos olhos a realidade histórica, cujo reflexo apanharam nos seus escritos? Para
inventar, por exemplo, o Sermão da Montanha, não bastaria a mais poderosa inteligência nem a
mais acendrada ética de nenhum filósofo ou santo da história, muito menos o espírito rudimentar de
uns homens simples do povo que pouco mais sabiam do que lançar a sua rede e empunhar o remo.
Se os evangelistas pretendiam pintar aos olhos da humanidade o retrato de um herói imaginário,
certamente não o teriam representado a suar sangue no Horto das Oliveiras, a clamar por socorro na
sua mortal angústia, s pedir companhia e compreensão a seus discípulos, não teriam dito à
humanidade que ele foi flagelado, ludibriado e crucificado. Nem tão pouco teriam contado as suas
próprias fraquezas e misérias, a incompreensão, a covarde deserção na hora do perigo, a vergonhosa
negação do Mestre por parte do primeiro dos seus apóstolos, as suas rixas e contendas por causa de
questões de mesquinha rivalidade, etc. Assim não costuma escrever um romancista ambicioso de
glórias.
Escreve Rousseau: “Tão grande, tão surpreendente, tão inimitável é o cunho de verdade que em si
trazem os Evangelhos, que quem tal inventasse seria maior que o próprio herói do Evangelho. Não,
assim não se inventa! Os feitos de Sócrates, que ninguém contesta, são menos verídicos do que as
obras de Jesus”.
Era até fisicamente impossível inventar, por exemplo, os grandes milagres de Jesus, a multiplicação
dos pães, a ressurreição de Lázaro, e tantos outros realizados na mais larga publicidade. Como iludir
aqueles 5000 homens que haviam presenciado o milagre da multiplicação dos pães? homens entre
os quais haviam fariseus, doutores da lei, saduceus escribas, talvez sacerdotes da sinagoga e muitos
outros inimigos mortais do Nazareno? Como inventar um Lázaro redivivo se ele tivesse apodrecido
no fundo do túmulo? Como teria sido fácil desmascarar semelhante embuste! e com que gosto
teriam o adversários de Jesus lançado mão desse expediente, para arrasar de vez os fundamentos da
nova religião. Em vez de negar a ressurreição de Lázaro, resolveram os fariseus matar esse homem
redivivo.
O interesse que os Judeus tinham em negar a veracidade dos Evangelhos não podia ser maior,
porquanto as tratava de acontecimentos intimamente relacionados com a vida nacional e religiosa
de Israel. Estava comprometida a honra dos sacerdotes e magistrados, doutores e escribas, aos quis
Jesus lançava em rosto os mais veementes anátemas: “Ai de vós, fariseus, hipócritas! ao de vós,
doutores da lei, hipócritas! sepulcros caiados, guias de cegos, mercenários...” Tratava-se da honra
ou da desonra de cidades e povoações inteiras, como Coroazin, Betsaida, Carfanaum e, sobretudo,
da capital do país, à qual o Evangelho lança em rosto o maior crime da história, desafiando-a
literalmente à contestação. Tratava-se, numa palavra, da vida e da morte da religião judaica, como
perfeitamente compreendeu Caifás quando disse: “E melhor morrer um homem do que perecer toda
a nação”. Em se tratando de pontos dessa natureza e deste alcance, todo homem nega o que negar
pode, e nada há que tanto aguce a nossa perspicácia como o próprio interesse e prestígio.
Entretanto, nenhum dos judeus, nenhum sacerdote da sinagoga se abalançou em negar a verdade
histórica do Evangelho e da vida do Nazareno. Preferiram lançar mão de outro expediente,
fartamente pueril, atribuindo os milagres de Jesus ao poder de Satanás.
Assiste-nos, pois, o direito de sustentar a veracidade histórica dos documentos que relatam a vida e
a doutrina de Jesus Cristo.
II. DIVINDADE DE CRISTO
A verdade central do cristianismo é a divindade do seu fundador.
Por divindade entendemos a perfeita igualdade da sua natureza eterna com a natureza de Deus Pai.
Não se trata de uma filiação adotiva, como compete a todo cristão e a todo homem na graça da
Deus. Jesus Cristo é o Filho Unigênito de Deus.
Limitar-nos-emos à palavras e obras do próprio Cristo, deixando de parte outras testemunhas. São
provas irrefragáveis da divindade do Cristo: 1) as suas palavras; 2) o seu juramento em face ao
Sinédrio; 3) os seus milagres; 4) o prodígio máximo da sua ressurreição.
1. Palavras de Cristo
Jesus afirma repetidas vezes que ele é Deus, ou usa palavras equivalentes a essa afirmação.
a) Jesus afirma a sua eternidade, atributo que só compete a Deus: “Antes que Abraão existisse, eu
sou” (Jô, 8,ss). Glorifica-me Pai, com aquela glória que eu tinha em ti, antes que o mundo existisse
(Jô. 17,s).
b) Afirma sua consubstancialidade com o Pai: “Eu e o Pai somos um” (Jô, 10,30). “O Pai está em
mim, e eu estou no Pai” (Jô 10,38).
c) Afirma a sua vida divina: “Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao
Filho ter a vida em si mesmo” (Jô 5,26).
d) A compreensão divina: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece ao
Filho senão o Pai, e ninguém conhece ao Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar”
(MT 11,27).
e) A onipotência divina: “foi-me dado todo o poder no céu e na Terra” ( MT 28,18).
f) O poder sobre a morte: “Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá a vida, assim também o
Filho dá a vida aos que ele quiser” (Jô 5,21).
g) O poder de perdoar os pecados: “O Filho do homem tem o poder de perdoar pecados sobre a
terra” (MT 9,6).
h) Jesus exige que os homens lhe tributem culto de adoração, devido a Deus somente: “Que todos
adorem ao Filho assim como adoram ao Pai” (Jô 5,23).Que creiam nele como crêem em Deus Pai:
“Crede em Deus, crede também em mim” (Jô 14,1). Que o amem mais que tudo: “O que ama o pai
e a mãe mais do que a mim não é digno de mim” (MT 10,37).
i) Jesus pergunta aos seus discípulos: “Que dizeis vós que eu sou?” Responde-lhe Simão Pedro: Tu
és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. E Jesus lhe diz: “Bem aventurado és tu Simão, filho de Jonas,
porque não foi a carne e o sangue que to revelou, mas, sim, o meu Pai que está nos céus” (MT 16,16
ss). Se as palavras de Simão Pedro não fosse a expressão da verdade, como poderia Jesus aprová-
las? e como podia dá-las como divinamente inspiradas?
Se estas palavras de Jesus não correspondessem à realidade objetiva, ou se teria ele enganado a
respeito da sua própria natureza, ou então teria enganado os seus ouvintes, afirmando ser o que
sabia não ser. Quer dizer que teria sido vítima ou de ignorância ou de deslealdade. Entretanto, toda
a vida de Jesus Cristo dá testemunho de uma grande, profunda e universal sabedoria, a ponto de ele
dizer: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; quem me segue não anda nas trevas”. E corre parelhas
com esta sabedoria a mais perfeita virtude e santidade, tanto assim que podia desafiar os seus
mortais inimigos com as palavras: “Quem de vós me argüirá de pecado?” e ninguém mais foi capaz
de lhe provar a menor imperfeição moral. A humanidade em peso confessa que Jesus de Nazaré foi
o mais sábio e o mais santo dos homens que já apareceu à face da terra. Por isso, não podemos
admitir que ele se engane ou nos enganasse a nós sobre a sua própria natureza. Logo, se Jesus
afirma a sua igualdade e identidade com o Pai, é esta afirmação a expressão da verdade objetiva.
2. Juramento de Cristo
Dentre as afirmações com que Jesus asseverou a sua divindade, uma nos merece especial atenção, o
seu solene juramento em face ao Sinédrio, supremo tribunal religioso de Israel.
Depois de uma série de acusações gratuitas e depoimentos discordes e sem valor, levanta-se o sumo
sacerdote Caifás, presidente do Sinédrio, e dirige a Jesus esta intimação categórica: “Eu te conjuro
pelo Deus vivo que nos diga se tu és o Cristo, o filho de Deus bendito”. Responde Jesus: “Sim, eu o
sou”. E, para precisar o sentido exato em que toma a palavra “Filho de Deus”, acrescenta: “A partir
daqui, vereis o filho do homem vir sobre as nuvens do céu para julgar os vivos e os mortos” (Mc
14,60ss).
Sendo que a intimação do sumo sacerdote vinha revestida da santidade do juramento – “Eu te
conjuro pelo Deus vivo” – a resposta que Jesus deu a esta pergunta equivale a um solene juramento:
“Eu vos juro pelo Deus vivo que sou o Cristo, o Filho de Deus bendito”. E, para que não restasse a
menor dúvida sobre o sentido exato em que entendia “filho de Deus”, apela Jesus para a conhecida
profecia de Daniel, onde o vate divinamente inspirado descreve o “filho do homem” (isto é, o
Messias prometido) como Deus a vir sobre as nuvens do céu para julgar a humanidade. Se, pois,
Jesus invoca explicitamente esta profecia, identificando-se como tal “filho do homem” de Daniel, e
evidente que se chamou de Deus, no sentido próprio da palavra; porque a nenhum outro senão a
Deus mesmo compete o direito de julgar a humanidade. O Sinédrio compreendeu perfeitamente o
que Jesus queria dizer, tanto assim que exclamaram, indignados, todos os presentes: “Blasfemou, é
réu de morte!” Já em outra ocasião tinham os Judeus compreendido o que Jesus queria dizer com a
palavra “filho de Deus”, porquanto o queriam apedrejar, “porque tu, diziam, sendo homem, te fazes
Deus”. E, ainda na mesma sexta-feira, em face do tribunal de Pilatos, declara o Sinédrio: “Nós
temos uma lei, segundo esta lei ele deve morrer, porque se fez filho de Deus”. Se Jesus se tivesse
intitulado “filho de Deus” apenas no sentido de “filho adotivo”, que motivo teria para tanta celeuma
e indignação pela sinagoga, pois todo israelita se dizia filho de Deus, neste sentido? Mas isto de se
identificar um homem com Deus era uma “blasfêmia” – e a pena da blasfêmia, segundo a lei de
Moises, era a morte.
É, pois, fora de dúvida que, perante o supremo tribunal de Israel, Jesus afirmou, e com juramento, a
sua perfeita identidade com o Deus Pai. Assim o entenderam todos os presentes, e, se Jesus não
quisesse ser entendido nesse sentido, devia necessariamente corrigir e retificar o conceito errado do
Sinédrio, sob pena de se tornar o autor do mais espantoso embuste de todos os séculos. Não revoga,
não corrige, não retifica, por sinal que queria ser entendido assim mesmo. E pro esta profissão de
sua identidade Jesus se entrega à morte, selando com o sangue do seu coração o juramento dos seus
lábios.
3. Milagres de Jesus
“Se não quiserdes crer a mim (isto é, às minhas palavras), crede às minhas obras, porque estas dão
testemunho de mim” (Jô 10,28).
Com esta palavras apela Jesus explicitamente para o seu poder divino que se revela nos seus
milagres.
Jesus opera milagres em virtude de um poder inerente à sua natureza, mostrando-se, assim, senhor
absoluto de todos os reinos da natureza, da matéria e das suas leis, afirmando explicitamente que
possui “todo o poder no céu e na terra”.
Tem dito que milagre é impossível, porque as leis naturais são férreas e não admite exceção.
Vai nesta objeção um sofisma. Verdade é que fatores imanentes à própria natureza não pode
suspender as leis naturais; mas não este provado que um fator transcendente à ordem natural não
possa intervir na sua obra e suspender temporariamente uma das leis que estabeleceu. Quem admite
a existência de um Deus todo poderoso não pode negar a possibilidade de um milagre, porque esta
possibilidade nada mais é que o perfeito domínio de Deus sobre o mundo. Admitir que o próprio
autor tenha perdido o controle sobre à sua obra, equivale declarar que o autor inferior a sua obra,
escravo da matéria e suas leis – equivale, portanto, a negar a existência de Deus. Pois um Deus
dependente e escravo das leis naturais não é Deus nenhum.
Nem vale objetar que Deus não desdiz o que disse, nem desfaz o que fez,; que uma intervenção
posterior no curso das leis naturais seria uma correção da natureza, e, portanto, uma confissão de
ignorância ou incompetência da parte do autor. O milagre não é uma correção da obra da natureza,
porque Seus, desde toda a eternidade, previu esta intervenção temporária, afim de revelar aos
homens determinados aspectos da sua providência e do seu plano redentor.
Nem se diga que o homem não sabe até onde atinge as leis físicas, e, portanto, não pode dizer com
certeza onde elas termina e onde principia a suspensão de uma lei natural, e, portanto, o milagre.
Verdade é que não sabemos o que podem fazer as leis naturais; mas daí não se segue que, em
determinado caso, não possamos saber com certeza o que elas não podem fazer. Não sabemos
quantas arrobas pode levantar um atleta, 10, 20 ou 30; mas podemos dizer com absoluta certeza que
nenhum homem é capaz de pegar com dois dedos o Corcovado e jogá-lo às águas da Guanabara.
Não sabemos onde termina, no arco-íris, o amarelo e principia o verde, mas todo homem normal
percebe que o vermelho não é igual ao azul. Não sabemos qual o limite externo dos prodígios da
medicina, mas ninguém admitirá em são juízo que, futuramente, possa algum esculápio revocar a
instantaneamente a perfeita vida e saúde de um cadáver putrefato, com quatro dias de sepultura, é
isto sem nenhum, remédio, sem instrumento algum, até sem o contacto com as mãos, mas co uma
simples ordem dada à beira do túmulo. Até aí não vai a nossa fé nas maravilhas da ciência humana.
Sabemos que é estupendo, em certos casos, o poder da sugestão, mas não cremos que, daqui a
tantos séculos ou milênios, um homem possa, com um simples ato de vontade, multiplicar cinco
pãesinhos em muitos milhares, ao ponto de dar de fartar milhares de homens esfaimados, sobrando
depois de tudo ainda muito maior quantidade de pão que havia no princípio.
Outrossim, é inútil afirmar que nunca se realizou um milagre cientificamente verificável. Muitos
dos milagres de Cristo são de tal natureza que qualquer pessoa, amiga ou inimiga, os podia verificar
com todo o rigor da crítica, e, no caso de Lázaro e do cego de nascença, de fato, os inimigos do
Nazareno lançaram mão de todos os expedientes imagináveis para negar o fato ou o seu caráter
sobrenatural, acabando por refugiar à evasiva pueril de que o profeta da Galiléia tinha aliança com
Satanás. De resto, em Lourdes tem a ciência farta oportunidade de verificar, com todos os recursos
da crítica mais inexorável, o caráter dos prodígios que aí se operam incessantemente, desafiando a
argúcia dos sábios. E a ciência arriou bandeira e confessou-se incompetente para dar explicação
natural a certos fenômenos ocorridos em Lourdes, como também em outros pontos do globo (Nota:
Citamos os fenômenos de Lourdes como simples ilustração; pois eles, embora historicamente
certos, não fazem parte do depósito da nossa fé).
* * *
Entretanto, limitemo-nos aos milagres de Jesus, porque só eles são objetos da fé cristã.
Partindo da base de que, como provamos, os Evangelhos são documentos histéricos, cuja
autenticidade, genuinidade e veracidade não pode ser posta em dúvidas, afirmamos que Jesus Cristo
realizou verdadeiros milagres, isto é, fatos que não se explicam senão por uma intervenção
preternatural, divina.
Referem-se os Evangelhos diversas dezenas d milagres de Jesus.
Jesus mostra-se senhor da natureza inanimada, orgânica, quer vegetal, quer sensitiva, senhor
sobretudo das forças do corpo humano. Cura toda espécie de moléstias – surdos, mudos, cegos,
coxos, paralíticos, leprosos, pessoas afetadas de doenças crônicas incuráveis – e realiza estas curas
instantaneamente, com perfeição, sem remédio nem instrumento algum, com uma simples palavra,
um ato de vontade, e, não raro, a grandes distâncias, em presença de amigos e inimigos, diante das
autoridades civis e religiosas e grande multidão de povo.
Jesus mostra-se senhor absoluto das almas humanas já separadas de seus corpos, ressuscitando a
filha de Jairo que acabava de falecer; o jovem de Naim, às portas do cemitério; e a Lázaro,
enterrado havia quatro dias e em vias de franca putrefação.
Jesus mostra-se senhor absoluto dos próprios espíritos malignos, que a uma ordem sua tem de
abandonar, a contragosto, os corpos das suas vítimas.
E, para remate e coroa do seu poder taumaturgo, ressuscita Jesus no terceiro dia após a sua morte.
Os Evangelhos referem explicitamente 10 milagres de Jesus operado nos domínios da natureza
inanimada; 21 no reino da natureza orgânica; 3 nas almas de defuntos; mais de 10 expulsões de
demônios. Entretanto, a cada passo referem os historiadores, sem especificação concreta, que Jesus
operava “numerosos prodígios”, curando a todos que lhe eram apresentados.
Pergunto: foi negada pelos contemporâneos a historicidade desses fatos?
Absolutamente. Judeus e pagãos, amigos e inimigos de Jesus reconheceram a realidade dos
prodígios dele.
Pergunto ainda: negou alguma das testemunhas presenciais o caráter preternatural dos
acontecimentos?
Nenhuma, nem mesmo os sacerdotes da sinagoga, os escribas e doutores da lei. Todos eles
confessaram, mau grado seu: “Que faremos? pois este homem faz muitos milagres”. E, em vez de
negar os fatos ou seu caráter preternatural, resolveram matar o autor dos mesmos e eliminar também
do número dos vivos a Lazaro, prova permanente e viva do poder taumaturgo do Nazareno.
Esses homens não eram competentes para verificar o milagre?
Perfeitamente. Pois, para distinguir um vivo de um morto, ou para ver a diferença entre 5 pães e
5000 não se requer o parecer de um acadêmico, nem o laudo parcial de um doutor em Física ou
Química que declare e ex-professo a diferença entre estes dois fenômenos.
De resto, mesmo à luz do mais rigoroso exame, o homem de má vontade não se renderia a
evidência. “Ainda que eu visse com meus olhos ressuscitar um defunto a meus pés – disse Rousseau
– antes eu havia de enlouquecer do que crer”.
Também os judeus, depois de examinarem com todo rigor o caso de cego de nascença
milagrosamente curado, continuaram incrédulos como dantes; porque contra a má vontade não há
argumento.
Nem se diga que os milagres de Cristo pertençam ao reino dos mitos e das fábulas, que costumam
acompanhar a origem das religiões. Pois, a história de Cristo e as origens do cristianismo incidem
num período histórico perfeitamente claro, precisamente no tempo do apogeu do poder romano,
tempo em que a Palestina era cortada de magníficas estradas militares e vias de comunicação,
tempo em que floresciam na metrópole do Império os maiores poetas, oradores e filósofos que a
história nos apresenta, tempo em que na Judéia não existia um só analfabeto judeu acima de sete
anos de idade (quando no Brasil existem em pleno século XX nuns 25 a 30 milhões, ou seja, 70%
da população – 1942) – nenhum conhecedor de história taxará de obscura ou nebulosa esta época.
Mitos e fábulas podem originar-se por entre os nevoeiros da pré-história, mas não em plena luz da
cultura e civilização.
Nem vale objetar que, naquele tampo, não existia análise crítica dos fatos, mas todos admitiam
indistintamente o que se lhes dizia. Pois, quando se trata do próprio interesse e, sobretudo, da
própria vida, todo o homem é eminentemente crítico e perspicaz. As classes mais influentes da
época, os sacerdotes, escribas, doutores da lei, saduceus, herodianos, etc., eram inimigos jurados de
Jesus e dos seus milagres. Admitir a historicidade e o caráter sobrenatural desses fatos era, para
esses homens, o mesmo que perder todo o prestígio civil e religioso, era o mesmo que serem
apeiados do seu privilegiado pedestal de senhores, guias e chefes de Israel e definitivamente
eclipsados por aquele indesejado profeta da Galiléia, que tinha a audácia de os chamar de
“sepulcros caiados”, “guias cegos”, “mercenários”, “sedutores do povo”, etc. Os representantes
dessas classes poderosas envidaram os maiores esforços, mobilizaram contra o Nazareno todas as
potências do espírito, recorreram a todas as injúrias e difamações, apelaram para o braço secular do
Império Romano e para a astúcia do aliás tão odiado Herodes, no intuito de eliminar da história os
milagres de Cristo. Ainda depois da morte dele postaram uma sentinela ao pé do sepulcro para
impedir que se verificasse a predita ressurreição. Não se diga pois, que não houve quem exercesse a
devida vigilância e crítica em torno dos milagres de Cristo.
No intuito de desvirtuar a força dos prodígios de Cristo tem se dito que também os nossos modernos
taumaturgos, médiuns, magos faquires, etc., realizam fenômenos análogos. Entretanto, há uma
diferença essencial entre os milagres de Cristo e os portentos de certos homens dos nossos tempos.
Antes de tudo, no tocante à própria natureza dos fatos. Nunca um médium ou faquir ressuscitou um
verdadeiro defunto, em estado de franca putrefação. Nunca converteu água em vinho. Nunca
multiplicou 5 pães para mais de 5000, fartando co eles milhares de homens e fazendo sobrar no fim
mais do que existia no princípio. Nem há analogia quanto ao modo e às circunstâncias em que se
realizaram estas duas espécies de fatos. Jesus Cristo não evocavam seres misteriosos para virem em
seu auxílio. Não se dizia possesso ou atuado desses seres. Não se refugiava à escuridão, à penumbra
ou à luz vermelha para realizar os seus prodígios; realizava-os em plena luz do dia, em praça
pública, em face de amigos e inimigos, a qualquer distância; realizava-os ele só, sem auxílio de
ninguém nem de instrumento algum, perfeitamente sereno, calmo e senhor de si. Jesus não fazia
dançar mesas e cadeiras, nem voar pelo espaço pessoas e coisas. Não se estorcia, não caia em estado
de inconsciência, de transe; tosos os seus milagres revestem um caráter digno, nobre,
eminentemente belo, estético e, sobretudo, humanitário. O seu divino poder está sempre a serviço
da sua humana caridade, e nunca a serviço da curiosidade ou de sensações espetaculares. Nunca
nenhum dos modernos “taumaturgos” se fez flagelar, coroar de espinhos, crucificar, transpassar por
uma lança, nenhum deles morreu numa cruz, foi sepultado e ressuscitou vivo no terceiro dia. Por
isso, é impossível estabelecer paralelo entre os milagres de Jesus e certo portento dos homens.
Assiste-nos, portanto, o direito de afirmar, com as palavras do próprio Cristo, que as suas obras, os
seus milagres dão testemunho da sua divindade.
Deus na Natureza
Deus na Natureza
Deus na Natureza
Deus na Natureza
Deus na Natureza
Deus na Natureza

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Existe vida em outros Planetas? O que diz o Espiritismo
Existe vida em outros Planetas? O que diz o EspiritismoExiste vida em outros Planetas? O que diz o Espiritismo
Existe vida em outros Planetas? O que diz o Espiritismogeenl_usp_sp
 
Fase2 aula 13 slides
Fase2 aula 13 slidesFase2 aula 13 slides
Fase2 aula 13 slidesIara Paiva
 
Criação e evolução a luz do espiritismo!
Criação e evolução a luz do espiritismo!Criação e evolução a luz do espiritismo!
Criação e evolução a luz do espiritismo!Leonardo Pereira
 
Astronomia geral
Astronomia geralAstronomia geral
Astronomia geralDalila Melo
 
O nascimento de uma nova civilização - ashtar
O nascimento de uma nova civilização - ashtarO nascimento de uma nova civilização - ashtar
O nascimento de uma nova civilização - ashtarNorberto Scavone Augusto
 

Mais procurados (9)

Existe vida em outros Planetas? O que diz o Espiritismo
Existe vida em outros Planetas? O que diz o EspiritismoExiste vida em outros Planetas? O que diz o Espiritismo
Existe vida em outros Planetas? O que diz o Espiritismo
 
Fase2 aula 13 slides
Fase2 aula 13 slidesFase2 aula 13 slides
Fase2 aula 13 slides
 
Criação e evolução a luz do espiritismo!
Criação e evolução a luz do espiritismo!Criação e evolução a luz do espiritismo!
Criação e evolução a luz do espiritismo!
 
Astronomia geral
Astronomia geralAstronomia geral
Astronomia geral
 
O nascimento de uma nova civilização - ashtar
O nascimento de uma nova civilização - ashtarO nascimento de uma nova civilização - ashtar
O nascimento de uma nova civilização - ashtar
 
Fase 1
Fase 1Fase 1
Fase 1
 
Eae 3 - o nosso planeta rev 03
Eae   3 - o nosso planeta rev 03Eae   3 - o nosso planeta rev 03
Eae 3 - o nosso planeta rev 03
 
A flor da vida e a geometria sagrada
A flor da vida e a geometria sagradaA flor da vida e a geometria sagrada
A flor da vida e a geometria sagrada
 
A criação
A criaçãoA criação
A criação
 

Semelhante a Deus na Natureza

96 razões da existência Divina
96 razões da existência Divina96 razões da existência Divina
96 razões da existência DivinaViva Ela
 
O universo segundo a visão espírita
O universo segundo a visão espíritaO universo segundo a visão espírita
O universo segundo a visão espíritaDanilo Galvão
 
Annie Besant - O Enigma da Vida
Annie Besant - O Enigma da VidaAnnie Besant - O Enigma da Vida
Annie Besant - O Enigma da Vidauniversalismo-7
 
De turbilhão a anjo a epopeia evolutiva (psicografia joão cândido - espírit...
De turbilhão a anjo   a epopeia evolutiva (psicografia joão cândido - espírit...De turbilhão a anjo   a epopeia evolutiva (psicografia joão cândido - espírit...
De turbilhão a anjo a epopeia evolutiva (psicografia joão cândido - espírit...Bruno Bartholomei
 
Apostila roteiro-dij_-_ciclo_1_juventude (2)
Apostila  roteiro-dij_-_ciclo_1_juventude (2)Apostila  roteiro-dij_-_ciclo_1_juventude (2)
Apostila roteiro-dij_-_ciclo_1_juventude (2)Alice Lirio
 
A grande esperança (charles richet)
A grande esperança (charles richet)A grande esperança (charles richet)
A grande esperança (charles richet)Ricardo Akerman
 
Gentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga Gigante
Gentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga GiganteGentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga Gigante
Gentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga GiganteAdriano J. P. Nascimento
 
Origem e natureza do Espirito. Origem do espírito Parte 2
Origem e natureza do Espirito. Origem do espírito Parte 2Origem e natureza do Espirito. Origem do espírito Parte 2
Origem e natureza do Espirito. Origem do espírito Parte 2Denise Aguiar
 
Evolução Em Dois Mundos - Primeira Parte - Capítulo III - Evolução do Corpo E...
Evolução Em Dois Mundos - Primeira Parte - Capítulo III - Evolução do Corpo E...Evolução Em Dois Mundos - Primeira Parte - Capítulo III - Evolução do Corpo E...
Evolução Em Dois Mundos - Primeira Parte - Capítulo III - Evolução do Corpo E...Cynthia Castro
 
Há muitas moradas na casa de meu pai moc. casimiro cunha - 27-06-15
Há muitas moradas na casa de meu pai   moc. casimiro cunha - 27-06-15Há muitas moradas na casa de meu pai   moc. casimiro cunha - 27-06-15
Há muitas moradas na casa de meu pai moc. casimiro cunha - 27-06-15Vilmar Vilaça
 
Universo Em Movimento
Universo Em MovimentoUniverso Em Movimento
Universo Em Movimentojmeirelles
 
O grande enigma leon denis
O grande enigma   leon denisO grande enigma   leon denis
O grande enigma leon denisHelio Cruz
 
Universo Em Movimento
Universo Em MovimentoUniverso Em Movimento
Universo Em Movimentojmeirelles
 
A hora do resgate
A hora do resgateA hora do resgate
A hora do resgatemj59lopes
 
Profecias: A verdade Vinda do Cosmos - Nelson Moraes
Profecias: A verdade Vinda do Cosmos - Nelson MoraesProfecias: A verdade Vinda do Cosmos - Nelson Moraes
Profecias: A verdade Vinda do Cosmos - Nelson Moraesvirginia_virginiana
 

Semelhante a Deus na Natureza (20)

96 razões da existência Divina
96 razões da existência Divina96 razões da existência Divina
96 razões da existência Divina
 
Huberto Rohden - O Homem
Huberto Rohden - O HomemHuberto Rohden - O Homem
Huberto Rohden - O Homem
 
Gênese orgânica
Gênese orgânicaGênese orgânica
Gênese orgânica
 
O universo segundo a visão espírita
O universo segundo a visão espíritaO universo segundo a visão espírita
O universo segundo a visão espírita
 
Principio Vital
Principio VitalPrincipio Vital
Principio Vital
 
Annie Besant - O Enigma da Vida
Annie Besant - O Enigma da VidaAnnie Besant - O Enigma da Vida
Annie Besant - O Enigma da Vida
 
De turbilhão a anjo a epopeia evolutiva (psicografia joão cândido - espírit...
De turbilhão a anjo   a epopeia evolutiva (psicografia joão cândido - espírit...De turbilhão a anjo   a epopeia evolutiva (psicografia joão cândido - espírit...
De turbilhão a anjo a epopeia evolutiva (psicografia joão cândido - espírit...
 
Apostila roteiro-dij_-_ciclo_1_juventude (2)
Apostila  roteiro-dij_-_ciclo_1_juventude (2)Apostila  roteiro-dij_-_ciclo_1_juventude (2)
Apostila roteiro-dij_-_ciclo_1_juventude (2)
 
A grande esperança (charles richet)
A grande esperança (charles richet)A grande esperança (charles richet)
A grande esperança (charles richet)
 
Consciência Cósmica
Consciência CósmicaConsciência Cósmica
Consciência Cósmica
 
Gentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga Gigante
Gentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga GiganteGentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga Gigante
Gentil, o iconoclasta - O Mundo Sobre o Casco de Uma Tartaruga Gigante
 
Origem e natureza do Espirito. Origem do espírito Parte 2
Origem e natureza do Espirito. Origem do espírito Parte 2Origem e natureza do Espirito. Origem do espírito Parte 2
Origem e natureza do Espirito. Origem do espírito Parte 2
 
Evolução Em Dois Mundos - Primeira Parte - Capítulo III - Evolução do Corpo E...
Evolução Em Dois Mundos - Primeira Parte - Capítulo III - Evolução do Corpo E...Evolução Em Dois Mundos - Primeira Parte - Capítulo III - Evolução do Corpo E...
Evolução Em Dois Mundos - Primeira Parte - Capítulo III - Evolução do Corpo E...
 
Há muitas moradas na casa de meu pai moc. casimiro cunha - 27-06-15
Há muitas moradas na casa de meu pai   moc. casimiro cunha - 27-06-15Há muitas moradas na casa de meu pai   moc. casimiro cunha - 27-06-15
Há muitas moradas na casa de meu pai moc. casimiro cunha - 27-06-15
 
Universo Em Movimento
Universo Em MovimentoUniverso Em Movimento
Universo Em Movimento
 
O grande enigma leon denis
O grande enigma   leon denisO grande enigma   leon denis
O grande enigma leon denis
 
Universo Em Movimento
Universo Em MovimentoUniverso Em Movimento
Universo Em Movimento
 
A hora do resgate
A hora do resgateA hora do resgate
A hora do resgate
 
Profecias: A verdade Vinda do Cosmos - Nelson Moraes
Profecias: A verdade Vinda do Cosmos - Nelson MoraesProfecias: A verdade Vinda do Cosmos - Nelson Moraes
Profecias: A verdade Vinda do Cosmos - Nelson Moraes
 
Causa e efeito mod.4
Causa e efeito mod.4Causa e efeito mod.4
Causa e efeito mod.4
 

Último

As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................natzarimdonorte
 
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPaulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPIB Penha
 
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresOração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresNilson Almeida
 
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxLição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxCelso Napoleon
 
2 joão (1) 1.pptx As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO têm uma mensagem solene e u...
2 joão (1) 1.pptx As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO têm uma mensagem solene e u...2 joão (1) 1.pptx As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO têm uma mensagem solene e u...
2 joão (1) 1.pptx As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO têm uma mensagem solene e u...MiltonCesarAquino1
 
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdfBaralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdfJacquelineGomes57
 
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...PIB Penha
 
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIAMATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIAInsituto Propósitos de Ensino
 
O Sacramento do perdão, da reconciliação.
O Sacramento do perdão, da reconciliação.O Sacramento do perdão, da reconciliação.
O Sacramento do perdão, da reconciliação.LucySouza16
 
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoSérie Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoRicardo Azevedo
 
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfTabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfAgnaldo Fernandes
 
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAEUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAMarco Aurélio Rodrigues Dias
 
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 199ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19PIB Penha
 
As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)natzarimdonorte
 

Último (18)

As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................
 
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPaulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
 
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresOração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
 
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxLição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
 
2 joão (1) 1.pptx As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO têm uma mensagem solene e u...
2 joão (1) 1.pptx As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO têm uma mensagem solene e u...2 joão (1) 1.pptx As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO têm uma mensagem solene e u...
2 joão (1) 1.pptx As TRÊS CARTAS DO APÓSTOLO JOÃO têm uma mensagem solene e u...
 
Mediunidade e Obsessão - Doutrina Espírita
Mediunidade e Obsessão - Doutrina EspíritaMediunidade e Obsessão - Doutrina Espírita
Mediunidade e Obsessão - Doutrina Espírita
 
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdfBaralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
Baralho Cigano Significado+das+cartas+slides.pdf
 
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
 
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIAMATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
MATERIAL DE APOIO - E-BOOK - CURSO TEOLOGIA DA BÍBLIA
 
O Sacramento do perdão, da reconciliação.
O Sacramento do perdão, da reconciliação.O Sacramento do perdão, da reconciliação.
O Sacramento do perdão, da reconciliação.
 
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoSérie Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
 
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmoAprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
 
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfTabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
 
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS NA VISÃO ESPÍRITA
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS  NA VISÃO ESPÍRITAVICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS  NA VISÃO ESPÍRITA
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS NA VISÃO ESPÍRITA
 
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
 
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAEUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
 
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 199ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
9ª aula - livro de Atos dos apóstolos Cap 18 e 19
 
As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)
 

Deus na Natureza

  • 1. Huberto Rohden LUZES Pequena apologética para uso dos colégios e para estudo individual (1942)
  • 2. AOS ESPÍRITOS PENSANTES Por ocasião da minha recente visita a alguns dos grandes colégios católicos do sul, foi-me sugerida a idéia de elaborar uma sucinta e fácil apologética para uso dos estabelecimentos de ensino e educação. De boa mente acedi a esse pedido, uma vez que a ilustração da fé pela razão é um dos mais gratos trabalhos que um cristão pensante possa empreender. Aí está, pois, este modesto compêndio. Sendo que se trata apenas de um ligeiro apanhado de argumentos, no qual vêem delineados em largos traços os pontos básicos da apologética, deverão os interessados aprofundar os seus conhecimentos em outras obras de maior fôlego, algumas das quais vêem indicadas no fim deste volume. É motivo de grande satisfação verificar que, nos últimos anos, aumentou notavelmente, também nos colégios femininos, o interesse pelos magnos problemas da humanidade. As jovens estudantes dos nossos dias, muitas delas, já não se contentam com os filmes tecni-colors de romances superficiais. Querem acompanhar a evolução de certas correntes ideológicas que, hoje mais do nunca, agitam o cenário internacional. E, em melhor análise, todos os problemas especificamente humanos, sejam de que ordem forem – filosófica, sociológica, política, econômica, etc. – desembocam sempre no problema espiritual, metafísico, eterno. O espírito inteligente investiga a “causa última” dos fenômenos. Quanto mais o homem conhece o mundo, a vida e o próprio Eu, tanto maior satisfação encontra no estudo daquilo que, qual ponto fixo, está acima do fluxo e refluxo dos fenômenos transitórios. É no fator eterno divino, que o irrequieto bandeirante da verdade encontra paz e sossego, quanto possível na vida presente. “Veritas liberabit vos” – dizia o divino Mestre – a verdade vos tornará livre. O Deus da Ciência é o Deus da Fé – eis aí a verdade libertadora que constitui o objeto primário da apologética. O AUTOR
  • 4. PRELIMINARES Deus é o objeto da nossa fé. A revelação cristã dá-nos plena e cabal certeza da existência de Deus. Entretanto, Deus pode também ser objeto de investigação científica. Sua existência é demonstrável à luz da razão natural. O fim desta demonstração racional não é dar-nos certeza da existência de Deus, mas antes desenvolver cientificamente a revelação divina e capacitar-nos de “dar conta da esperança que nos anima aos que no-las pedirem” (1Pd. 3,15). Todas as provas da existência de Deus tomam por base e ponto de partida o mundo das nossas experiências sensíveis. E com razão; pois não há efeito sem causa. A nossa experiência é de caráter externo quando provém do mundo fora de nós (macrocosmo), e de caráter interno quando nasce do mundo dentro do próprio Eu (microcosmo). Dentre os numerosos argumentos pela existência de Deus escolheremos os seguintes: 1 – O argumento cosmológico (cosmo = mundo) em que a existência do mundo dependente e imperfeito infere a existência de um Ser independente e perfeito; 2 – O argumento teleológico (telos = fim) – que da ordem, harmonia e finalidade do Universo conclui a existência de um Ser inteligente; 3 – O argumento biológico (bios = vida) – que pela origem da vida prova a existência de um Ser vivo e autor da vida; 4 – O argumento antropológico (ântropos = homem) – que vê na origem do homem e nas suas faculdades específicas a prova de um Ser dotado de grandes perfeições; 5 – O argumento histórico – que descobre na convicção geral da humanidade testemunho a favor da existência real do Ser que todos cultuam. PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS 1. Argumento cosmológico Tudo que vemos no mundo é dependente, e, por isso mesmo, imperfeito. Nada existe em virtude da sua própria essência. Podia existir e não podia existir. Todo ser é feito de outro ser, que o produziu, causou ou gerou. O filho vem dos pais. A planta deve a sua existência à semente. O som é produzido por determinadas vibrações, etc. Não há efeito sem causa. Não há produto sem produtor. Ora, é necessário que no princípio dessa longa série de seres exista um que seja o primeiro; pois sem esse primeiro, não haveria segundo nem terceiro. E este primeiro elo na longa cadeia de
  • 5. seres produzidos, de efeitos causados, é necessariamente um ser não produzido, uma causa que não seja efeito de outra causa – causa não causada, produtor não produzido. Não é possível que exista uma sucessão de seres dependentes um do outro sem que exista um ser que não dependa de outro ser, mas que tenha em si mesmo a razão da sua existência, que seja auto-existente, independente, autônomo. Se não existisse um ser absolutamente independente também não existiriam seres dependentes, assim como não se pode suspender no ar uma corrente sem um ponto fixo fora da série dos elos. E ainda que infinito fosse o número dos elos dependentes dessa cadeia, nunca seria possível prendê-la no espaço em a existência de um primeiro ponto fixo, independente de tosos os elos. Existe, portanto, um ser independente de todos os seres dependentes. E este ser independente , autônomo, auto-existente, de infinita perfeição, é que chamamos Deus. 2. Argumento teleológico Quem anda de olhos abertos e de inteligência vígil não pode deixar de perceber que reina em toda natureza ordem, harmonia e finalidade, quer no mundo mineral, quer no mundo orgânico. 1. – Conhece a ciência bilhões de estrelas fixas, cada uma das quais é um sol. E muita dessas estrelas são maiores que o nosso globo solar, cujo volume excede mais de um milhão de vezes o da nossa terra. A circunferência da terra mede 40.000 quilômetros. O nosso sol mede, pois, cerca de 40.000.000.000 quilômetros de periferia equatorial. cada um desses milhões de sóis ou estelas fixas tem, provavelmente, os seus planetas como o nosso sol. Em volta desses planetas giram luas e satélites, assim como em torno dos planetas do nosso sistema. A nossa Terra tem uma lua; Netuno, uma; Marte, duas; Urano, quatro; Júpiter quatro ou cinco; Saturno, até oito, além dum par de magníficos círculos luminosos formados de uma infinidade de pequenas esferas; apenas Vênus e Mercúrio, parece, não possuírem satélites. Todos os corpos celestes, sem excetuar as chamadas “estrelas fixas”, se movem com estupenda velocidade em torno do seu centro de gravitação. A nossa Terra percorre 30 quilômetros por segundo, no seu movimento de translação ao redor do sol, da qual dista 150 milhões de quilômetros. Há estrelas com uma velocidade de 50 quilômetros por segundo, quer dizer, 50 vezes maior que a velocidade inicial dum projétil de artilharia, que percorre apenas um quilômetro por segundo. E constante e invariável esta velocidade dos corpos siderais. Não adiantam nem atrasam um segundo, na sua vertiginosa carreira pelo espaço dos cosmos, e isto já por milhares de milhões de anos. Como seria possível um mecanismo tão grande, tão perfeito, tão preciso, sem um mecânico de poder e inteligência? Se para qualquer relógio exigimos um relojoeiro, como se teria originado esse cronômetro do universo sideral sem um autor inteligente? “Faz Deus do sol, dos astros, catecismos, Penetra até ao fundo dos abismos. E as alturas relatam-lhe a grandeza. Deus! é o eco que em tudo soa. Deus! é o hino que o Universo entoa. Deus diz, ajoelhada, a Natureza”...
  • 6. 2. – Aqui no planeta Terra, verificamos a mesma ordem e harmonia. Nada pode viver sem água,. E para que esse elemento chegasse a todos os recantos do globo, foi instituído esse maravilhoso sistema de circulação do precioso líquido: sobem dos seios dos rios e dos mares, sobre as invisíveis asas da atmosfera, as águas em estado gasoso; são tangidas pelos ventos por todas as latitudes e longitudes do orbe terráqueo; descem em forma de chuvas benéficas, infiltrando-se na terra, nutrindo todos os seres vivos, e tornam a voltar ao mar – para recomeçar a sua grande viagem. Como poderia o cego acaso engendrar semelhante prodígio de ordem e finalidade? 3. – todos os corpos se contraem na razão direta do seu esfriamento – à exceção da água. Esta atinge o maior grau de densidade e, portanto, o menor volume, com 4 graus Celsius; baixando de 4 graus – A 2,1.0 – vai novamente diminuindo de densidade, e, por conseguinte, aumentando de volumem. Daí resulta que o gelo – água a zero grau ou menos – flutua na água líquida em vez de afundar. Que seria da nossa terra se assim não fosse? Se o gelo fosse mais pesado que a água, afundaria, formando aos poucos imensas camadas no fundo0 dos rios, dos lagos, dos oceanos, blocos de gelo que nunca mais se derreteriam, poriam em perigo a navegação, extinguiriam a fauna dos mares e acabariam por transforma o nosso planeta num gigantesco bloco de gelo eterno. E então – adeus, vida orgânica! adeus humanidade!... Se dentro da água não residi uma grande inteligência, reside, certamente, acima dela. 4. – sobretudo o mundo orgânico é, todo ele, uma imensa maravilha de finalidade. Os membros, os órgãos, os tecidos celulares, as células, todas as partes do organismo vegetal e sensitivo conspiram para um determinado fim, que consiste no bem estar do indivíduo mediante a conservação da espécie. As cores, o perfume e o néctar das flores tem por fim aliciar os insetos para que estes levem de flor em flor o delicado pólen, porque sem esta transmissão de germes não pode a planta garantir a conservação da espécie. Quanta arte, beleza e finalidade na teia que a aranha suspende entre as árvores, precisamente num ponto onde é intenso o vai-vem dos insetos! A abelha sabe perfeitamente porque dá aos seus alvéolos a forma hexagonal, e não redonda, nem quadrada ou triangular. A formiga leva para o fundo da terra as folhas verdes de certas árvores, a fim de as fazer criar bolor, isto é, pequenos fungos, de cujo fruto se nutre. A ave migratória dos países frios adivinha, no outono, a existência de terras de clima mais ameno e levanta vôo em demanda de regiões que nunca viu. Quanto mais observamos e estudamos a natureza tanto mais nos convencemos de que ela é, quer no infinitamente grande , quer no infinitamente pequeno, uma imensa apoteose de inteligentíssima finalidade – que supõe necessariamente um espírito pensante e um gênio organizador. “Basta uma asa de borboleta, basta um olho de mosquito para confundir todos os que negam a existência de Deus” (Diderot, filósofo incrédulo)
  • 7. 3. Argumento biológico 1. – Tempo ouve em que não existia no mundo um vestígio de vida orgânica. Hoje existe vida nas formas mais variadas. Não existia a vida, nem podia existir, porque a terra, desprendida do sol, era um globo de fogo que acusava milhares de graus de calor, impossibilitando toda e qualquer manifestação de vida orgânica. Também nos outros planetas reinava a mesma temperatura. 2. – A vida orgânica nasceu um dia, talvez bem primitiva, na superfície do globo. Ora, está provado com todo rigor da ciência e admitido por todos os grandes cientistas, mesmos os incrédulos, que da matéria inanimada não pode nascer vida. Pois não há efeito superior à sua causa. O que não possui vida não a pode dar. 3. – Donde, pois, a vida orgânica? Se não admitimos um Ser vivo independente do mundo, acima de todas as manifestações vitais do universo, um Ser vivo autor da vida – nunca termos resposta a essa pergunta: Donde veio a vida? 4. – A hipótese da “geração espontânea” (origem da vida da matéria inorgânica), hipótese que, há uns decênios, ainda prometia desvendar o mistério da vida, está hoje abandonada por todos os cientistas de valor, mesmo os que não crêem na existência de Deus; porque esta hipótese é essencialmente anti-científica e irracional. Hoje em dia vale o axioma: omne vivum ex vivo – todo ser vivo vem de outro ser vivo. Diz o racionalista Virchow, então diretor do Instituto Antropológico de Berlim: “Não conhecemos um único fato positivo que nos prove ter-se alguma vez realizado uma geração espontânea. Nunca houve quem tal fenômeno presenciasse, e toda a vez que alguém pretendesse o contrário, tem sido desmentido, não pelos teólogos, mas pelos naturalistas” Ora, se dentro do mundo não existia um Ser vivo, existia acima dele. A este ser vivo extra-humano, transcendente, eterno, autor e fonte de vida, chamamos Deus. 4. Argumento antropológico Há muitos milhares de anos, não existia o homem na face da terra. Hoje existe. Donde veio? 1. – Ainda que fosse, cientificamente, demonstrável a origem do corpo humano do corpo animal, não estaria com isto explicada a origem do homem, porque há nele algo essencialmente diverso do mundo animal, o espírito, a inteligência, a razão. Nunca se dá em nossos dias o caso de o instinto animal se desenvolver em inteligência humana, nem mesmo sob a ação do mais intenso e inteligente adestramento do homem. E como teria sido possível semelhante evolução sem a atividade de mestre algum? Todo animal adestrado para certas habilidades que parecem revelar inteligência, quando deixado a si mesmo, recai infalivelmente ao estado primitivo. Não progride. Não se aperfeiçoa. Não desenvolve as habilidades que o homem lhe emprestou. Regride e volta sempre ao estado anterior, por sinal este lhe é
  • 8. intrinsecamente natural, que lhe falta a capacidade espiritual que no homem se revela por meio da inteligência. Se houvesse no animal um princípio de inteligência, haveria também cultura e progresso no mundo animal, como há no gênero humano. entretanto não se verifica entre os animais o mais tênue vestígio de cultura e progresso. Tudo que de eras pré-históricas nos dizem a geologia e a paleontologia confirma a verdade que, a despeito da evolução material e orgânica, não houve no mundo irracional o menor movimento ascensional no plano superior da inteligência. A pomba dos nossos dias constrói do mesmo forma o seu ninho tosco e imperfeito como sua ascendente no passado de Adão e Eva, e antes desse período, ainda que milhares de vezes tenha visto, ao lado do seu, ninhos perfeitíssimos de outras aves. Nunca lhe veio a “idéia” de melhorar o seu e tomar por modelo o das vizinhas. O cão, companheiro milenar do homem, nada aprendeu de seu inteligente senhor. Não aprendeu sequer a arte simplíssima de fabricar uma primitiva escada e com ela apanhar a caça que se refugiou no alto de uma árvore. Se há espécie de símios, como dizem, que se servem de pedras para quebrar nozes, e exercem outras habilidades, com visos de “inteligentes”, prova isso precisamente o contrário do que se pretende provar. Pois, se, há milhares de anos, esses animais são tão “inteligentes”, já deviam ter dado o segundo passo, durante esse longo período, fabricado instrumentos mais perfeitos, adaptando, por exemplo, um cabo ao primitivo martelo, ou inventando um primitivo quebra-nozes. Entretanto, o fato é que o animal sabe-o desde o princípio da sua vida e da sua raça; estaciona eternamente neste “saber”, porque o instinto é como que uma chapa de gramofone, que toca, com absoluta certeza e precisão, o que está gravado na sua espiral, nem uma nota a mais – ao passo que uma corda de violino dedilhada por um ser inteligente pode produzir uma infinita variedade de sons com toda as suas variantes e os mais sutis cambiantes sonoros. O segredo de todo progresso e cultura consiste na percepção da relação existente entre os fins e os meios. Os meios pertencem, geralmente, à ordem real das coisas, ao passo que o fim, antes de realizado, pertencem à ordem irreal, puramente ideal. Pra transferir este fim ideal ao plano real é necessário estabelecer uma relação entre os meios existentes e o fim inexistente; ou seja, lançar como que uma ponte entre o real e o irreal. Mas esta relação ou ponte é algo espiritual, que só pode ser percebido por uma faculdade espiritual. O homem graças à sua inteligência, percebe esta entidade espiritual, a relação, e lança uma ponte entre o mundo real dos meios e o mundo ideal do fim, concretizando assim em realidade palpável o objeto do seu pensamento – eis o segredo de toda cultura e progresso humano. É por isso que a primitiva jangada dos antigos fenícios se transformou no soberbo transatlântico dos nossos dias. É por isso que as “asas de cera” de Dédalo e Ícaro cederam aos aviões e dirigíveis da atualidade. Falta ao animal a possibilidade de apreender a relação entre o meio e o fim, porque lhe falta uma faculdade espiritual. Donde vem o espírito do homem? Da matéria? Iria contra o princípio de causalidade e da razão suficiente, que não admite efeito maior que sua causa. Espírito só pode vir de outro espírito. E a este espírito superior e eterno que chamamos Deus. 2. – Todo homem sente no seu interior a voz da consciência, que o impede de fazer o bem e evitar o mal. Esta voz é independente do homem. Não obedece ao seu querer ou não querer. É uma voz objetiva, e não subjetiva. Mesmo contra a vontade do homem, esta voz censura-o quando praticou um ato mau. Por mais que certos fatores – educação, costumes, paixões, taras herdadas, vícios adquiridos – possam modificar e obscurecer esta voz, ela continua no fundo a ser sempre a mesma em todos os homens, exigindo, inexoravelmente o que é bom e condenando sem piedade o que é mau. Ora, onde há uma voz há um autor. Não há lei sem legislador. A existência da voz da
  • 9. consciência dentro do home é prova certa de que existe um Ser amigo do bem e inimigo do mau. A consciência é a voz de Deus na alma humana. Assim como Deus é autor da inteligência, que procura a Verdade – assim também é autor da consciência, que exige o bem. 5. Argumento histórico 1. – Todos os povos de todos os tempos e países da terra, povos cultos e incultos, crêem na existência de um Ser ou de seres superiores que governam o mundo e presidem os destinos da humanidade. Ora, uma convicção universal e perene de tanta importância como esta não pode deixar de ser a expressão da verdade, porque é a voz da própria natureza racional do homem. Se fosse ilusória esta convicção geral da humanidade de todos os tempos, seria própria razão humana uma guia para o erro, e não para a verdade – e guia para um erro invencível, porque não existe no homem faculdade que possa retificar os resultados específicos da razão. Seria então a natureza humana um ludíbrio e uma monstruosidade. Tal suposição, porém, é absurda uma vez que toda natureza é bem organizada e toda faculdade normal é apta para atingir o seu objeto próprio. Não é admissível que o homem, coroa da criação visível, seja a única desarmonia em toda essa harmonia do universo. 2. – Pode a humanidade enganar-se em assuntos de pendentes dos sentidos e que não entendam com o seu supremo destino, como, por exemplo, sobre o aparente movimento do sol ao redor da terra; mas não pode iludir-se irremediavelmente, quando se trata do problema máximo da sua existência. “Não há povo, culto ou inculto, que não creia em Deus, embora discordem quanto a sua natureza” – escreve Cícero no seu livro “De natura deorum” (I,17, 44). E conclui: “Ora, aquilo em que concorda a natureza de todos é verdade”. E Aristóteles, o príncipe dos filósofos pagãos, sentencia: “O que todos os homens, como que impelidos por um instinto, tem por verdadeiro, isto é, uma verdade da natureza (Rhetor, 4, 18). Objeções contra a existência de Deus 1. – Tem se dito que foi o medo e o terror em face de certos fenômenos da natureza que engendrou a fé na divindade. Se assim fosse, não creria a humanidade em divindades amigas e benéficas. Entretanto, todas as religiões conhecem divindades amigas do homem, e entre todos os povos a suprema divindade é antes benéfica do que hostil. 2. – Objeta-se que há muitos ateus, e precisamente entre as classes mais cultas. /além disso, muitíssimos que, embora não neguem a existência de Deus, dela duvidam. Respondo que o número dos ateus – se é que existem verdadeiros ateus – é insignificante e quase nulo em comparação com a imensa maioria da humanidade que crê em Deus. De resto, não afirmamos que não possa haver muitas razões para o homem negar a existência de Deus; afirmamos apenas que a natureza humana, deixada a seu próprio impulso natural e inato, é espontaneamente teísta. “O coração tem razões de que a razão nada sabe” (Pascal). A ignorância, o orgulho e a luxuria mobilizam o homem contra a idéia de um Ser supremo que exija sujeição e pureza. “Eu quisera ver um homem justo, casto e
  • 10. morigerado que negasse a existência de Deus; porque este pelo menos seria imparcial – mas tal homem não existe” (La Bruyère – Caracteres). 3. – Nem se diga que os homens da ciência são, geralmente, ateus. Ainda que o fossem, não seguiria daí a favor da não existência de Deus, porque pode haver muitas razões, nada científicas, que tal atitude produzem. Entretanto, não é exato que a maior parte dos corifeus da ciência sejam negadores da divindade. É fato que precisamente as maiores sumidades nos diverso ramos do humano saber são decididos teístas. Copérnico, Kepler, Newton, Galileu, Sancchi, fundadores do atual sistema heliocêntrico foram homens perfeitamente crentes e cristãos. Volta Ampère, Galvani, Faraday, Edson, Marconi, Lord kelvin são astros de primeira grandeza no firmamento de Física e das ciências da eletricidade, e nenhum deles foi ateu, sendo Volta e Ampere até fervorosos católicos. Pasteur, a maior autoridade em Medicina e Fisiologia, dos últimos tempos, erra católico exemplar. Com referência aos mistérios da Divindade, diz Aristóteles: “Assim como os olhos das aves noturnas estão para a luminosa claridade do dia, assim está a nossa razão para aquilo que por sua natureza é o mais luminosos que existe”. E o grande Pascal afirma: ”O último passo da razão está em reconhecer que há infinitas coisas que ultrapassam o seu alcance; e, se a razão a isso não chegar, dá prova de grande fraqueza”. sobre Ampère, o astro de primeira grandeza no mundo da Física e da eletricidade, escreve Ozanam, seu grande amigo e, mais tarde, organizador das Conferências Vicentinas: “Então tomava Ampère a larga fronte entre as mão e exclamava: Oh! como Deus é grande, Ozanam! como Deus é grande – e quão mesquinho é todo nosso saber!” Lord Kelvin, primeira autoridade no mundo da Física Matemática, escreve: “Se fordes bastante profundo no vosso pensar, vereis que a ciência, longe de ser antagonista, é antes fiel cooperadora da religião”. Pasteur, criador de um novo ramo da Medicina e um dos maiores fisiólogos de todos os séculos, era cristão profundamente convicto, e, como alguém estranhasse como conseguia harmonizar tão belamente a ciência com a fé, respondeu o sábio: “Tenho a fé de um campônio bretão porque muito estudei, e, se mais houvera estudado teria a fé uma camponesa bretã”. “Nenhum homem – dizia Napoleão Bonaparte – pode passar por virtuoso e justo, se não souber de onde vem e para onde vai. A razão por si só não nos pode dar base segura para vida. Sem a religião, o homem anda continuamente nas trevas”. “Tirai aos homens a religião, e vereis que se matarão uns aos outros por causa da pêra mais suculenta ou da mulher mais bonita”. Rousseau, um dos corifeus do ateísmo, não deixa de reconhecer a absoluta necessidade da fé em Deus, para que o homem possa ser feliz. Em seu livro “Emile” dá este sábio conselho: “Foge daqueles que, sob pretexto de explicarem a natureza, espalham doutrinas desoladoras, que destroem tudo que a humanidade tem por santo: que roubam ao infeliz a última consolação nas suas dores; arrancam aos ricos e aos poderosos o único freio capaz de lhes coibir as paixões – e ainda por cima blasonam de benfeitores da humanidade”.
  • 11. Todos os grandes pensadores do paganismo, guiando-se pela luz da razão, reconheciam a existência da Divindade. Escreve Cícero: “Quales sinti dii, varium est; esse, nemo negat” (Variam as opiniões sobre a natureza dos deuses, mas ninguém lhes nega a existência). Entre 300 dos maiores cientistas dos últimos séculos, 280 se revelam crentes convictos, ao passo que os restantes 20 não se manifestam claramente, em suas obras, sobre este ponto. Seria difícil encontrar entre 100 dos maiores expoentes nas ciências naturais um só homem que francamente se confessasse ateu, e baseasse em motivos de ordem científica a sua descrença.
  • 13. PRELIMINARES Se das alturas do mundo invisível e divino, objeto do capítulo anterior, descermos ao mundo visível circunjacente, encontramos por toda a parte a matéria, seres materiais. Donde vem este mundo material? Respondem o judaísmo e o cristianismo que o mundo visível foi criado por Deus, isto é, feito do nada. Nenhum dos antigos filósofos pagãos, nem mesmo Sócrates, Platão, Aristóteles – que aliás tinham de Deus idéia muito pura – ensinou a criação do mundo. Nem tão pouco ocorre esta idéia nas mitologias dos povos gentios. Os que refletiam sobre o problema da origem do mundo admitiam a eternidade da matéria. Estabeleciam assim uma espécie de dualismo: dois seres eternos, invisível um, visível outro. O maniqueísmo (fundado pelo persa Manes), de acordo com a religião de Zoroastro, defendia a existência de duas divindade eternas: Ormuzd, o gênio luminoso do bem, e Ahiman, o princípio tenebroso do mal, este com sede da matéria. Da luta entre esses dois princípios antagônicos, diziam os maniqueus, nascera o mundo em que vivemos, misto de luz e trevas. Hoje em dia, seria difícil encontrar entre povos cultos o dualismo da antiguidade. A mentalidade hodierna propende antes para o extremo oposto: o monismo. O monismo (monos = um só) elimina a diferença entre Deus e o mundo, entre espírito e matéria, considerando estas realidades apenas como manifestações características: o materialismo e o panteísmo. Afirma aquele que tudo é matéria. Ensina este que tudo é Deus. O pessimismo, negando atributos essenciais à divindade, nega indiretamente a própria existência de Deus. 1. Materialismo 1. – Resume-se a doutrina do materialismo nos seguintes princípios: Só existe a matéria com suas forças químico-físicas. Fora da matéria não há nada de real. Um Deus imaterial e seres espirituais são simples idéias, às quais não correspondem realidade alguma, não passando, pois, de miragens, quimeras, utopias. A matéria é eterna e evolui segundo as suas leis imanentes, dando em resultado o mundo atual. O homem é um animal aperfeiçoado. A fauna e a flora são produtos de átomos inorgânicos e inanimados. 2. – O materialismo é inadmissível , porque: a) O materialista não pode provar a inexistência do espírito, pois o simples fato de não ser perceptível pelos sentidos não se seque a sua inexistência. Os sentidos corpóreos são feitos apenas para atingir certos fenômenos físicos; assim, por exemplo, os olhos só percebem formas e cores; os ouvidos só reagem a sons, etc. Para os olhos são os sons supra-sensíveis, inexistentes, assim como para os ouvidos não existem formas e cores. /e por que não haveria seres reais inacessíveis a todos os sentidos corpóreos; seres portanto, supra-sensíveis em toda extensão da palavra? b) Se a matéria fosse eterna, e, portanto, independente, auto-existente, seria também de absoluta e infinita perfeição, como foi demonstrado acima. Ora, semelhante hipótese repugna à nossa experiência cotidiana; pois vemos que a matéria é dependente, limitada,
  • 14. imperfeita; e um mundo composto de elementos imperfeitos e finitos nunca poderá ser perfeito e infinito; c) O materialista, se for lógico, Não pode admitir no mundo finalidade nem teleologia alguma, devendo atribuir tudo ao cego acaso. Da irracionalidade do caos resultaria a harmonia do cosmo. Todas as maravilhas do mundo sideral, da fauna e da flora, como também todas as criações da ciência, arte e industria humana seriam efeitos de simples e fortuita causalidade, sem nenhum espírito pensante, uma vez que não existe espírito. Quem não vê que isso repugna a mais comesinha filosofia do bom-senso? Se cortássemos, uma por uma, todas as letras do “Lusíadas” e espalhássemos a esmo, à mercê dos ventos, esses caracteres destacados, haveria esperança de resultar alguma vez o célebre poema de Camões? um cântico sequer dos “Lusíadas”? Ou pelo menos uma estância completa? E se repetíssimos milhões e bilhões de vezes a mesma tentativa? Nunca! Por que não? Porque, para resultar uma obra de arte se requer um artista. Para que nasça um fenômeno engenhoso requer-se um engenho. Para que se origine uma obra inteligente é necessário um autor dotado de inteligência. O cego acaso não produz jamais uma obra cheia de ordem, harmonia, sentido profunda e sábia finalidade – e tanto menor é essa possibilidade quanto mais numerosas forem as partes componentes do todo. Ora, Qualquer organismos vegetal ou sensitivo se compõe de células muito mais numerosas de que as letras que compões os “Lusíadas”. O corpo humano é constituído por cerca de 15.000.000 de células. O materialismo, invocando o cego acaso como autor da estupenda ordem do universo, profere com isso mesmo a sua sentença de morte. d) Provam igualmente o absurdo do materialismo os argumentos que acima aduzimos pela existência de Deus, bem como as provas que abaixo daremos sobre a espiritualidade da alma humana. 3. – O materialismo, que na sua forma crassa é essencialmente ateu, teve o seu período de maior florescência na segunda metade do século XIX e princípios do presente século (Vogt, Buechner, Haeckek). Em nossos dias, está praticamente abandonado pelos mais notáveis cientistas de todos os países> Sobre o livro “Weltraetsel” (Enigmas do Universo) de Haeckel, uma das mais famosas peças do materialismo popular, escreveu o filósofo panteísta Paulsen, da Univerdidade de Berlim, as seguintes palavras: “Quanto a mim, li este livro com um sentimento de ardente vergonha, vergonha sobre o nível da cultura geral, e da cultura filosófica do nosso povo. Que um livro desses tenha sido possível, que tenha sido escrito, impresso, comprado, lido admirado e crido – isto é sumamente doloroso” (Philosophia Militans, 155). O testemunho do grande físico russo, Chwolson, é o seguinte: “O resultado da nossa investigação é espantoso – digo mal, é horripilante! Tudo, mas absolutamente tudo o que Haeckel, em matéria de questões físicas, explica e afirma é falso e se baseia em equívocos ou dá prova de uma incrível ignorância nas questões mais elementares” (Hegel, Haeckel, Kossuth und das zwoeltte Gebot, 1906, pag. 76). Podemos ter confiança em homens desses? 2. Panteísmo 1. – O panteísmo não nega explicitamente, como o materialismo, a existência de Deus, mas identifica Deus com o mundo; considera-o como sendo a “alma do universo”, como a vida e essência do cosmos, enquanto o mundo palpável é a “flutuante roupagem” da divindade. 2. – É inadmissível o panteísmo: a) Porque repugna à própria natureza do mundo; pois, sendo o mundo repleto de diversidades e antagonismos, seria Deus idêntico a todas estas coisas inconciliáveis; seria ao mesmo tempo finito e infinito, eterno e temporal, imutável e mutável, virtuoso e vicioso, caridoso e cruel, filantrópico e egoísta, feliz e infeliz, bom e mau – uma vez que todas essas oposições se encontram no mundo. b) Se Deus fosse tudo e tudo fosse Deus,
  • 15. desapareceria também a diversidade entre os elementos que compões o mundo, a pedra seria planta, o inseto seria mamífero, a ave seria peixe, Pedro seria Paulo, O homem seria mulher, São Francisco de Assis seria idêntico a Judas Iscariotes, e assim por diante – absurdos que ninguém admite. Antes de tudo repugna a minha íntima convicção que eu não seja uma personalidade independente e autônoma, senão apenas uma parcela de outra personalidade c) O panteísmo destrói a liberdade humana, e, por conseguinte, toda a noção do bem e do mal, de virtude e pecado, do lícito e ilícito. Ora, diz-me a íntima consciência que sou livre, e o remorso da má consciência, independente do meu querer ou não querer, é prova irrefragável de que agi com liberdade, cometendo o mal, quando tinha a possibilidade de praticar o bem. Para o panteísmo não há consciência nem liberdade. 3. Pessimismo 1. – O pessimismo nega que o mundo seja bom, não podendo, portanto, ser obra de um Deus poderoso e bom. Pois, se Deus não pode evitar os males que há no mundo, não é todo-poderoso; se não os quer evitar, não é de infinita bondade. E um Deus que não seja poderoso e bom não é Deus. O filósofo Artur Schopenhauer chega ao ponto de afirmar que o homem é um ser essencialmente infeliz, que a inexistência seria preferível à existência; que é sábio o homem que, do melhor modo possível, põe termo à sua vida. è absurdo, diz ele, identificar o mundo com Deus, como faz o panteísmo; muito mais acertado seria identificar o mundo com o demônio. 2. – Respondemos: O mundo, embora não seja perfeito, não é essencialmente mau. O homem, ainda que exposto a muitos sofrimentos físicos e morais, pode ser relativamente feliz na sua vida presente, contanto que, seguindo a voz da sua natureza, creia em Deus e numa existência futura. Realmente infeliz só é o homem que, contrariando os ditames da sua natureza racional, descrê de Deus e nega a imortalidade. 3. – É necessário não esquecer que a vida presente não é uma existência definitiva, mas antes um período preliminar e preparatório para outra. Os sofrimentos da vida, além de castigo da queda inicial da humanidade e de culpas pessoais, tem antes de tudo, caráter educativo; quando bem compreendidos purificam a alma, aperfeiçoando e espiritualizando o homem e aproximando cada vez mais do seu supremo destino. 4. – Se não fosse a culpa original que passou para toda humanidade, se não fossem as culpas pessoais de cada um, é certo que desapareceria grande parte dos sofrimentos do homem. Existe males, portanto, que não podem ser lançados à conta de Deus. 5. – O homem que sinceramente crê em Deus, na vida eterna e na redenção por Jesus Cristo, não pode jamais considerar o mundo e a vida humana como um inferno, embora não os identifique com o paraíso.
  • 17. PRELIMINARES Entre todos os seres vivos que povoam a terra, destaca-se o homem, graças à inteligência e ao livre arbítrio, faculdades essas, espirituais, que supões necessariamente um princípio também espiritual que as produza e as sustente. A esse princípio espiritual é que chamamos alma ou espírito. E, como todo espírito é, por sua natureza, indestrutível ou imortal, reduz-se o nosso estudo sobre o homem ao ponto central sobre a espiritualidade e conseqüente imortalidade da alma humana. É, pois, com razão que assinamos ao homem o lugar especial entre os seres vivos, uma vez que entre ele e os seres inferiores vigora diferença essencial, e não apenas gradual. 1. O homem à luz da evolução 1. – Segundo o texto bíblico, criou Deus no terceiro dia as plantas, e no quinto e sexto os animais de diversas espécies. Quer dizer que o mundo vegetal e sensitivo não nasceu, por si mesmo, da matéria inorgânica e inanimada. 2. – Também a ciência chegou à conclusão de que não é possível originar-se um ser vivo da matéria não-viva. A hipótese da “geração espontânea”, que pretendia provar o contrário, foi definitivamente abandonada pela ciência natural. Vigora na biologia moderna o axioma: Omine vivo ex vivo – todo ser vivo nasce de um ser vivo. A paleontologia, que se ocupa com o estudo dos restos do mundo orgânico de tempos antigos, demonstrou que as formas vegetais e animais da atualidade não coincidem com as formas primitivas encontradas nas camadas geológicas. Provou outrossim, que se deu uma transição paulatina de formas mais simples para formas mais desenvolvidas, passando, no mundo da Flora, pelos criptógamos para fanerógamos (plantas com sementes ocultas e sementes à mostra); e, na Fauna, de moluscos, peixes e répteis, para aves e mamíferos. Também entre os biologistas católicos, há muitos, e dos notáveis – como por exemplo, o PE. Erico Wasmann S.J. – que admitem terem os organismos vivos passa por uma longa evolução em linha ascensional, partindo de umas poucas formas primitivas. Esta teoria, chamada Evolucionismo ou Transformismo, quando mantida nos devidos termos, não repugna à revelação divina. Quando a Sagrada Escritura refere a origem do mundo orgânico não pretende dar lições de história natural e prescinde do modo peculiar como se tenham originado os seres vivos; servindo-se da linguagem humana da época, afirma apenas que, em última análise, tudo quanto existe no âmbito do Universo deve sua origem ao Criador. A Evolução, quando bem entendida, nos dá do poder e da sabedoria de Deus idéia muito mais grandiosa de que a suposição de que o mundo seja criado no seu estado atual. Pois supõe maior poder e inteligência a criação de um mundo informe e caótico, mas encerrando no seio todos os elementos e as energias para, através dos séculos, desenvolver-se de perfeição em perfeição, do que a criação do Universo em seu estado perfeito e definitivo. Sobre a epopéia multimilenária do Universo em plena evolução para o alto poder criador e a vasta inteligência organizadora do divino Artista.
  • 18. 3. – O cientista inglês Charles Darwin ensinava que a paulatina diferenciação das espécies orgânicas obedecia à “seleção natural” manifestada pela “luta pela existência” (struggle for life); admitia, assim, apenas causas externas, mecânicas, como fatores da evolução. Essa teoria, chamada Darwinismo, não satisfaz às exigências dos fenômenos. O Evolucionismo, na sua acepção mais larga e sólida, admite, além dessas causas externas, uma disposição interna, inerente à própria natureza do organismo e que lhe faculta formas cada vez mais perfeitas. Nada obsta que o católico admita o Evolucionismo este sentido, porque a existência de uma lei dentro do próprio organismo supõe necessariamente um legislador inteligente, autor dessa sábia disposição. Já em princípios do século V defendia Santo Agostinho a idéia de um Evolucionismo sensato, escrevendo: “Deus criou tudo de uma vez, diz a Escritura Sagrada, quer dizer que naquele único ato criador estava encerrado tudo quanto existe no Universo; não somente o céu, com o sol, a lua e as estrelas; não somente a terra e os abismos da terra, mas também tudo quanto se ocultava na força germinadora dos elementos, antes que, no decurso dos períodos cósmicos, se desenvolvesse, assim como está visivelmente diante de nós. Por conseguinte, a obra dos seis dias da criação não significa uma sucessão cronológica, mas uma disposição lógica. Também o homem faz parte dessa criação em germe. Deus o criou, assim como criou a erva da terra antes que ela existisse” (De Genesi ad litteram – Liv VI). 4. – Quanto à hipótese da descendência animal do homem – hipótese hoje, geralmente, abandonada pelos cientistas de nomeada – convém notar o seguinte. Em princípios do século XIX defendia o cientista francês Lamarck essa idéia, que, todavia, só vingou no mundo profissional desde que o biologista inglês Huxley e os materialistas alemães Vogt e Haeckel a exploraram em longa escala. Em 1871, também Darwinm em sua obra sobre a “Descendência do homem e a seleção sexual”, se declarou partidário dessa teoria, por algum tempo, parecia adquirir foros de tese geral. Mas não durou muito o seu período de glórias. Já em 1877 declarava uma das maiores autoridades na matéria, Virchow, incrédulo, então diretor do Instituto Antropológico de Berlim: “Não podemos ensinar, não podemos arquivar como conquista da ciência que o homem descenda do macaco ou de outro animal qualquer. Os crânios que encontramos nos sepulcros mais antigos revelam tipos mais humanos e muito menos animal do que grande parte das cabeças vivas dos nossos dias. Nem tão pouco foi encontrado crânio símio que deixasse margem a dúvida sobre a sua procedência. Poderíamos antes admitir uma degenerescência de homem para macaco do que uma ascensão de macaco à homem”. 5. – Contra a hipótese da descendência animal do homem lembramos os seguintes pontos: a) Embora fosse filosoficamente possível que o corpo humano evoluísse do corpo animal, todos os dados positivos das ciência naturais são contrários a essa idéia. Pois, para que se originassem as notáveis diferenças que há entre o esqueleto humano e o esqueleto animal – porte vertical em vez de horizontal; espinha dorsal em forma de S em vez de C; volume relativo do cérebro humano muito superior ao mais perfeito animal; ângulo facial de 70 a 90 graus, quando os símios antropóide tem 30 a 35 graus, etc. – seria necessário para essa evolução um período de muitos milhares de anos de transição, uma vez que a evolução caminha com passos mínimos em espaços máximos. Ora, esses milhares de anos de transição do mais perfeito esqueleto animal para o menos perfeito esqueleto humano deviam necessariamente ter deixado vestígios nas camadas geológicas, vestígios de animal- homem, de homem-animal – mas, de fato, não possuímos fóssil algum desse suposto período de transição, ao passo que outros espécimes da fauna contemporânea existem numerosas relíquias paleontológicas. É, pois, a própria geologia e paleontologia que depõe contra a hipótese de uma
  • 19. descendência animal do corpo humano. b) Quanto ao espírito humano, é filosoficamente impossível que este tenha origem no mundo material, uma vez que vigora diferença essencial, e não apenas gradual, entre instinto animal e inteligência humana. Sobre este ponto, ver acima, O argumento antropológico; e abaixo, Espiritualidade da alma humana. 2. A alma humana – substancial Chama-se “substancial”, em filosofia, o que pode subsistir em si mesmo, sem inerir em outro ser que o sustente. O contrário de “substância” é “acidente”. O nosso pensamento, por exemplo, é um acidente, porque não pode existir independente do ser pensante, no qual inere. Deus, anjo, pedra, planta, animal, são substâncias. A substância pode ser material (pedra, planta, animal), e pode ser espiritual (Deus, anjo). Afirmamos, pois, que a alma humana, ainda que atualmente viva no corpo, pode dele viver e agir independente. Se a alma fosse apenas um acidente do corpo, não poderia agir nem existir senão dentro da substância que lhe serve de suporte (corpo). Mas, se a alma é substância, pode agir e existir também fora e independente do corpo. 1. – Diz-nos a ciência que, de 7 em 7 anos, mais ou menos, se removem e substituem todos os elementos constitutivos do corpo humano. De maneira que um homem de 70 anos de idade renovou umas 10 vezes toda a matéria do seu corpo. Pelo processo de assimilação e de eliminação foram, aos poucos, substituídos todos os átomos, moléculas e células do organismo, ossos, nervos, carne, etc. Quer dizer que este homem nada mais tem da matéria corpórea que, um dia, foi seu corpo. E, no entanto, tem ele a consciência de ser sempre o mesmo Eu, a mesma pessoa. E como tal também o consideram as leis. O homem é responsável pelos atos que praticou, mesmo que a parte material do seu ser tenha mudado duas, três, cinco, dez vezes. Por que se sente o homem sempre idêntico ao que foi? Porque há nele um elemento que não acompanha a desagregação da matéria e nem a sucessão de novas partes materiais, há nele um elemento inatingível pelas vicissitudes periódicas dos processos orgânicos. Este ser permanente costumamos chamar alma. 2. – Se não houvesse no homem um princípio diferente do corpo, imaterial, uma substância permanente, não poderia o homem recordar-se de fatos ocorridos 10, 20, 50 anos atrás, porque nada mais existe daquele corpo, nem um átomo sequer que pudesse servir de base ou veículo a essa evocação do passado. O elemento substancial em que inere a recordação é que chamamos alma; e essa faculdade especial: memória. 3. A alma humana – imaterial e espiritual 1. – O homem tem a estranha propriedade de ser ao mesmo tempo sujeito e objeto do seu pensamento, isto é, pode refletir sobre si mesmo. O meu Eu pode ser alvo integral do meu pensar. Este Eu é todo objeto do meu pensamento reflexivo. Ora, tal processo só é possível num ser imaterial, porque o ser material só pode refletir parcialmente sobre si mesmo (caso lhe seja possível o pensar), uma parte sobre outra parte, mas nunca o todo sobre o todo; pois o ser material tem partes justapostas umas às outras. Este fenômeno da consciência do próprio Eu (Selbstbewustssein) não se encontra no animal, por lhe faltar a correspondente faculdade imaterial, espiritual.
  • 20. 2. – O homem pensa. É o glorioso apanágio da sua espécie. O pensamento, porém, é uma atividade intrinsecamente espiritual, embora na vida atual, dependa extrinsecamente da matéria. Logo, a faculdade que produz este pensamento espiritual deve ser também espiritual, uma vez que, segundo o princípio da causalidade e da razão suficiente, não pode haver efeito maior que a sua causa. Um efeito espiritual só pode ter uma causa, (ou faculdade) espiritual; e esta, por sua vez, só pode inerir numa substância espiritual – que chamamos alma. O pensamento do homem é espiritual – por que? porque apreende coisas imateriais, espirituais, como sejam: Deus, verdade, beleza, virtude, direito, dever, etc., e pode apreender essas coisas também em abstrato, isto é, independentes dum objeto concreto, individual; pode conceber estas coisas como puramente espiritual. O animal só apreende objetos concretos; é absolutamente incapaz de apreender em abstrato, por exemplo, o conceito de “justiça”, “verdade”, “virtude”. Não fosse o homem capaz de conceber uma coisa puramente espiritual, não poderia estabelecer relação entre os meios e o fim, porque esta “relação” só existe no meio da espiritualidade, e não no mundo das realidades concretas. Devido a esta percepção da “relação” entre os meios e o fim, pode o homem “realizar” e “concretizar” um pensamento que a princípio só existia na ordem puramente ideal, imaterial, espiritual. E nisto está todo o segredo do seu progresso, como vimos acima. Todas as maravilhas da ciência, arte, técnica e industria humana são outros tantos atestados de espiritualidade de sua alma, assim como a ausência dessas realidades no mundo animal são provas da não-existência duma alma espiritual no reino da Flora e da Fauna. 3. – O homem possui facilidade de querer objetos imateriais, puramente espirituais, como Deus, verdade, bondade, graça, céu, felicidade eterna. Pode até querer estas coisas de encontro a todos os protestos da matéria. Um mártir ao pé da fogueira tem a escolha entre duas coisas opostas: ou a fidelidade à sua fé – ou a perda da vida. Todos os fatores materiais impelem-no a conservar a vida e renunciar à fé. Se esse homem, de encontro à ofensiva geral da matéria, se decide em sentido diametralmente oposto e contrário a matéria, sacrificando a vida por amor ao ideal espiritual da fé, dá prova evidente de que nele existe e atua um princípio que não é material, nem intrinsecamente dependente da matéria; portanto, imaterial, anti-material, espiritual. Nenhum animal é capaz de proceder desta forma, porque é unilateralmente determinado pelos impulsos da matéria, não podendo jamais encontrar-se entre as alternativas do dilema: matéria ou espírito? Não é admissível que a matéria seja contrária à matéria, que seja anti-material. Só um princípio imaterial, espiritual, pode atuar em sentido contrário a matéria. 4. – É íntima convicção de todo homem normal que ele é livre no seu agir. Pode querer ou não querer uma coisa. Pode querer esta ou pode querer aquela. Por mais que sobre a vontade atuem os nervos, a carne, o sangue, as taras, os recalques psíquicos, as potências conscientes ou subconscientes da educação de prolongados hábitos, os exemplos da sociedade, etc., o homem tem sempre consciência de ser livre, ainda que esses fatores adversos lhe dificultem o exercício da liberdade. Ora, nenhuma matéria é livre. Onde principia a matéria termina a liberdade. Só o espírito pode ser livre. todo impulso material age sob o impulso de leis firmes, inexoráveis, que o obrigam a praticar determinados atos e omitir outros. Ora, o princípio produtor de um ato livre é necessariamente imaterial, espiritual. Segue-se que a alma humana, princípio do livre arbítrio, é espiritual.
  • 21. 4. Relação entre corpo e alma Na vida presente, depende a nossa alam (espírito) do nosso corpo, no tocante ao seu agir. mas essa dependência é apenas extrínseca, e não intrínseca. Na presente condição, o corpo, de preferência os nervos e as células cerebrais, são instrumentos de que a alma se serve para produzir maravilhas. Deste instrumento depende a alma, mais ou menos assim como um violinista depende do seu violino para produzir uma melodia. Dessa dependência extrínseca do violinista não se pode concluir que ele não possa existir nem produzir outros atos sem a presença do seu violino. O artista continua a existir e continua a ser artista, com todas as suas perfeições internas, mesmo quando alguém lhe arrebata e despedaça o instrumento musical. Assim a alma. É certo que, num estado futuro, a alma, separada do corpo, encontrará outro “instrumento”, talvez muito mais perfeito, para exercer a sua atividade específica – se é que não trabalha independente de todo e qualquer “instrumento”. O princípio vital (chamado também “alma”, por analogia) do bruto depende intrinsecamente do corpo, sem o qual não pode agir nem existir. Por isso, quando vier a faltar-lhe toda e qualquer possibilidade de agir e, portanto, toda e qualquer razão-de-ser. Extingue-se, por isso, com a morte corporal, também a “alma” do animal – assim como se extingue a chama de uma vela no momento em que se destrói a vela que a produzira e sustentava. 5. A alma humana – imortal a) A alma humana pode sobreviver à morte corporal 1. – Uma vez que a alma não é um simples acidente do corpo, mas uma substância, isto é, um ser autônomo, capaz de existência própria, independente, segue-se logicamente que a sua separação do corpo não acarreta necessariamente a destruição da alma. Termina com a morte apenas a sua dependência extrínseca do corpo e a sua atividade mediante os órgãos corpóreos; mas não termina necessariamente a própria existência da alma, que em outro ambiente poderá encontrar novo campo de atividade. Desde que o pensar e o querer não dependam intrinsecamente da matéria do corpo, não existe razão alguma por que a alma, princípios dessas atividades, separadas do seu instrumento, deva por isso mesmo perecer. Não se aniquila o organista porque se aniquilou o seu órgão; nem lhe morre a arte com a morte do instrumento. Encontrará outras possibilidades para continuar a trabalhar, e talvez com muito maior facilidade e perfeição do que na vida presente. Já neste mundo, trabalha a alma muito mais perfeitamente nos nervos do corpo quanto mais independente se torna da prepotência da matéria e dos sentidos. Apresenta-nos a história luminosa da falange de exímios pensadores – entre eles, São Paulo, Santo Agostinho, São Basílio, Leão XIII, Pascal – cujo físico deficiente e frágil não correspondia absolutamente ao poder de seu espírito. Por via de regra, quando começa a declinar a vida vegetativa e sensitiva do homem, atinge a sua vida espiritual a maior intensidade. São necessários, por ora, os nervos e as células cerebrais como auxiliares do pensamento, mas não existe entre a força da matéria e a atividade do espírito correlação constante, nem dependência intrínseca e necessária. 2. – Seria absurdo admitir que, após a sua separação do corpo, não encontrasse a alma ambiente e objetos imateriais que lhe garantisse vasta atividade espiritual, quando já na vida presente os objetos
  • 22. espirituais formam o verdadeiro meio do espírito humano, e tanto mais se delicia o homem nesse mundo imaterial quanto maior é a sua potência espiritual b) A alma humana deve sobreviver à morte corporal 1. – Toda substância espiritual exige, em virtude da sua própria natureza, vida imortal, Por que? Porque, morrer quer dizer dissolver-se em partes componentes – mas o espírito não tem partes, pois é um ser simples, indiviso e indivisível. Ser composto, ter partes ao lado de partes, é atributo próprio da matéria. Por isso, a própria natureza espiritual da alma reclama a imortalidade. 2. – A única possibilidade de destruição seria aniquilamento direto por parte de Deus. Deus pode, em virtude de seu supremo poder, reduzir a nada toda e qualquer criatura, material ou espiritual. Assim como do nada a tirou, do nada pode fazê-la voltar. Entretanto, é certo que Deus não contradiz a si próprio – e a natureza espiritual, exigindo imortalidade, é uma promessa implícita que reclama realização explícita. Deus executa na imortalidade histórica a promessa da imortalidade que infundiu na íntima natureza do ser espiritual. Deus cumpre o que promete pala voz da natureza. Mais ainda: se Deus pôs na alma o desejo de indefinido conhecimento e o anseio de indefectível felicidade, contradiria a si mesmo se nunca satisfizesse essas aspirações íntimas da natureza humana. Desmentiria a sua sabedoria e santidade, se iludisse o espírito humano – e precisamente os mais perfeitos – com sedutoras miragens de Verdade e de Felicidade, e lhe negasse eternamente esses objetos, aniquilando a alma precisamente no momento em que ela sente mais próxima a realização desses seus anelos. Pó onde se conclui que, negar a imortalidade, é negar a própria sabedoria e santidade de Deus, é negar a existência de Deus. “O homem – escreve Kant – seria a mais deplorável de todas as criaturas se não a elevasse a esperança do futuro, e se ele não atingisse o desenvolvimento das energias latentes no seu interior”. Diz-nos a consciência que deve haver perfeita justiça, que o bem deve encontrar o seu prêmio e o mal o seu castigo. Ora, no mundo presente não há, por via de regra, justiça, e muito menos justiça perfeita. Logo, Existe um mundo futuro onde se restabelecerá o equilíbrio da justiça perturbada pelo abuso da liberdade humana. 3. – Assim como todos os povos crêem na existência de Deus, assim também não há em todo globo um só povo que não admita uma vida da alma após a morte do corpo, embora muitas vezes inexata e grotesca seja a idéia que muitos formam da vida futura. Entre os egípcios era tão intensa essa fé na sobrevivência do espírito após a morte física que erguiam sobre os restos mortais dos seus príncipes e homens notáveis gigantescos mausoléus em forma de pirâmides para que preservassem das intempéries o veículo da alma. Para este fim também embalsamavam cuidadosamente o cadáver. Entre os chineses e outros povos asiáticos é expressivo o culto dos mortos, em cuja sobrevivência crêem firmemente. Nas religiões dos assírios, babilônios, persas, gregos, romanos celtas, germanos, tribos africanas e australianas, entre os esquimós e silvícolas norte-americanos, no culto truculento dos astecas do antigo México, entre os incas do Peri e na mitologia fantástica dos índios sul- americanos – por toda parte encontramos a mesma fé numa vida futura, de mãos dadas com a adoração de um Ser Supremo. Se falsa fosse essa fé universal da humanidade falsa seria a própria natureza humana, e essa falsidade reverteria no próprio autor da natureza racional. Deus mesmo mentiria aos homens, obrigando-os a crer em uma simples miragem apresentada como realidade. Se existe a luz solar que alicia os brotos da planta; se existe terras de clima ameno que chamam as aves migratórias para as regiões equatoriais – por que não existiria também o país que os inextinguíveis anseios do nosso espírito e as saudades do coração humano adivinham para além das trevas da morte? Por que seria o homem, o rei da natureza, a única nota dissonante no meio dessa grandiosa
  • 23. sinfonia de ordem e finalidade que reinam no Universo? Por que seria a alma humana a única mentira no meio dessa estupenda epopéia de verdades que constituem o cosmos? Objeção: Tem-se levantado contra a idéia de imortalidade esta dúvida. O homem aguarda uma vida eterna como recompensa das boas obras que praticou aqui no mundo. Ora, é indigno de Deus prescrever, e indigno do homem praticar o bem por espírito mercenário, com os olhos na recompensa;pois o bem se deve praticar por amor ao próprio bem, sem esperar prêmio algum dos seus atos eticamente honestos. Respondemos: 1) A fé na imortalidade não se baseia sobre esta esperança de retribuição – tanto assim que reina em todos os povos a fé em uma vida infeliz após a morte. 2) A felicidade eterna que o homem espera não é como um “prêmio” que se dá a uma criança pelo bom comportamento; mas consiste na consecução do supremo e definitivo e definitivo destino do homem, na realização de todas as potências do Eu; consiste na última perfeição da própria personalidade humana; perfeição que só é possível na imortalidade. Ora, nenhum homem pode renunciar a esse “prêmio” sem negar a si mesmo cometer uma espécie de suicídio espiritual do Eu. Pois a recompensa que a imortalidade lhe garante é próprio do homem chegado à suprema culminância da sua evolução e, mais ainda, do seu destino sobrenatural. c) Conseqüência para a vida A fé em Deus e na imortalidade é, para o homem, a única fonte de verdadeira, profunda e perene felicidade, mesmo no meio das maiores tribulações. Se não existisse outra vida após a morte seria o homem mais infeliz que o bruto, porque este encontra facilmente a satisfação dos seus desejos, gozando assim a “felicidade” de que é capaz a sua natureza irracional – ao passo que o homem seria como aquele desditoso Tântalo da mitologia greco-romana: colocado no meio duma torrente, vivia morrendo de sede, sem nunca acabar de morrer; todas as vezes que seus lábios se aproximavam da linfa salvadora, recuavam as águas eternamente presentes e eternamente inatingíveis. Tal seria a vida de todo homem se não houvesse imortalidade. E Deus seria o autor desse jogo cruel. Quem poderá crer em coisa tão incrível?
  • 25. PRELIMINARES O estudo apologético sobre o cristianismo ocupa-se principalmente, com a demonstração da divindade do seu fundador. Os argumentos que provam esta verdade encontra-se, de preferência, nas páginas do Evangelho, e são confirmados pela história do cristianismo através dos séculos. Para fins apologéticos, consideramos os Evangelhos como simples documentos históricos que, como tais, merecem crédito natural. Não argumentamos, portanto, com o caráter da sua inspiração divina, da qual prescindimos por ora. Uma vez demonstrada a divindade de Cristo, segue-se logicamente o caráter divino da sua religião. I. OS EVANGELHOS A base histórica do cristianismo são, de preferência, os quatro Evangelhos. Para firmar o valor dos Evangelhos temos de provar a sua autenticidade, genuinidade e veracidade. Autêntico é o documento, quando é do tempo e do autor a que se atribui. Genuíno, quando pelo menos a substância do seu conteúdo é tal qual saiu das mãos do autor. Verídico ou fidedigno, quando o autor queria e podia referir a verdade, e de fato a referiu. Demonstraremos que os quatro Evangelhos gozam dessas três prerrogativas, merecendo, portanto, o nosso crédito 1. Autenticidade dos Evangelhos Os Evangelhos são autênticos porque foram escritos pelos contemporâneos de Jesus Cristo, Mateus< Marcos, Lucas e João. Prova-se com argumentos históricos e com razões internas. a) Argumentos históricos A cristandade de 19 séculos sempre teve por autênticos os Evangelhos que possuímos. Quem, pois, quiser invalidar este argumento terá de alegar razões que pelo menos valham pelo testemunho de todos esses séculos, provando-lhes a falsidade – o que ninguém conseguiu até o presente dia. Assiste-nos, portanto, o direito de admitir com toda a cristandade a autenticidade desses documentos. Também a história profana, é unânime em admitir essa autenticidade. Quem se atreveria a declarar apócrifos, por exemplo, os escritos que possuímos de Cícero, César, Tucídides, Plutarco, e outros autores da antiguidade? E, contudo, a certeza que temos da autenticidade dessas obras não se compara com a dos Evangelhos.
  • 26. Do século 4° possuímos o Códice Vaticano, que se acha hoje na Biblioteca Vaticana de Roma; O Códice Sinático, guardado hoje em São Petesburgo. Do 5° século, temos o Códice Alexandrino, propriedade do Museu Britânico de Londres. Do mesmo século restam-nos mais 9 códices. Dos séculos 6° ao 10° chegaram até nós 76 manuscritos dos Evangelhos. Ao todo foram até hoje descobertos 3829 manuscritos do Novo Testamento, em grego, língua em que foi escrito pelos autores sacros. o Códice Sinático é de todos o mais perfeito, contendo todo o texto neo- testamentário. Confrontemos com isto os documentos dos autores clássicos. O mais antigo documento que possuímos, completo, de Homero é do século 13. Tudo que nos resta das obras de Sófocles não passa de uma única cópia tirada no século 8° ou 9°. Os manuscritos mais antigos dos clássicos latinos, Virgílio e Terêncio, datam do século 4° e 5°. Os de Horácio do século 8°. Os de Cesar e Platão, do século 9°. Os de Tácito, do século 9° ou 10°. Os mais antigos fragmentos das obras de Heródoto remontam o século 10°. O tempo que medeia entre as mais antigas cópias que temos dos Evangelhos e a origem dos seus originais é de 300 a 350 anos. O período que decorre entre as mais antigas cópias e os originais das obras de Virgílio e de Lívio é de 400 anos; de Horácio, 800 anos; de César, 90; de Népos 1200; de Tucídides, 1300; de Sófocles e Eurípides, 1450; de Ésquilo, 1500 anos. Ora, nenhum homem culto nega ou põe em dúvida a autenticidade dessas obras, quando elas tem a seu favor argumentos muito inferiores aos que militam em prol dos Evangelhos. “Não existe nenhuma obra literária da antiguidade – conclui o erudito professor protestante Nestlé, autor da edição crítica do Novo Testamento em grego – a favor da qual tenhamos tamanha cópia de manuscritos como pelo Novo Testamento. Por bem felizes se dariam os nossos filólogos se, no tocante a Homero, Sófocles, Platão, Aristóteles, Cícero ou Tácito, estivessem na favorável condição em que se acham, em relação ao Novo Testamento, os teólogos Cristãos”. Da autenticidade dos Evangelhos estavam convencidos os escritores cristãos dos primeiros séculos do cristianismo, entre eles, Eusébio de Cesareia (265-340), Orígenes (185-254), Tertuliano (160- 240), Panteno ( ?-200), /clemente de Alexandria (150-217), Taciano (+/- 172), Irineu (140-202), discípulo de São Policarpo, o qual tivera por mestre São João Evangelista; Papias (+/- 130), Justino Mártir (100-160), Inácio Mártir (+/- 107), Clemente Romano, companheiro do apóstolo Paulo e, mais tarde, Papa. Estes escritores. alguns dos quais contemporâneos dos próprios evangelistas, citam em suas obras, inúmeras vezes os quatro Evangelhos, atribuindo-os constantemente aos apóstolos de Cristo, Mateus e João, e aos discípulos Marcos e Lucas. Atestam ainda a autenticidade dos Evangelhos os filósofos e escritores pagãos, entre os quis Celso, Porfírio, Juliano Apóstata, que tinham, certamente o maior interesse em lhes negar essa qualidade, a que todavia, nenhum deles se atreveu, porque seria negar o sol em pleno meio dia. Atestam, por fim, a autenticidade dos Evangelhos, os próprios hereges apostados em destruir o cristianismo nascente. Destacam-se, entre eles, Carpócrates, Basílides, Márcion, Heracleon, , os valentianos, os ofitas, os ebionitas, os marcosianos. E, no entanto, o processo mais simples para eliminar pela raiz todas as dificuldades em cantar vitória seria a negação peremptória das próprias fontes em que os defensores da nova religião se fariam fortes. Dentre os numerosos hereges do primeiro e segundo século nem um só se atreveu a recorrer a esse expediente, porque bem sabiam que iam ser imediatamente refutados pelos próprios contemporâneos e até por testemunhas presenciais dos acontecimentos.
  • 27. Acresce a todos esses argumentos outro, de grande valor, que são as traduções dos Evangelhos feitas no primeiro século. Temos a versão gótica, que data do 4° século; a cóptica, do 3° século; a latina (Ítala), do 2° século; e a tradução siríaca (Peshitta), que remonta à primeira metade do 2° século. Do fato de já existirem nos primeiros séculos, diversas traduções do texto grego dos Evangelhos concluímos que eram bem conhecidos os livros sacros e universalmente atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João. Tradução só pode existir onde existe original. b) Razões internas Aos argumentos históricos acima expendidos acrescem notáveis razões internas tiradas do próprio conteúdo e da forma dos documentos em apreço. A linguagem e o estilo concordam perfeitamente com o que, pela história profana, sabemos dos usos e costumes daquela época e sobre o caráter e o preparo dos evangelistas. Os três primeiros Evangelhos (chamados sinópticos) encerram uma infinidades de indicações exatíssimas sobre as condições religiosas, políticas, sociais e culturais da Palestina, no tempo de Cristo; sobre a milícia, a numismática, o regime administrativo, sobre a topografia, nomes de cidades aldeias, povoados, lagos, rios, arroios, fontes, portas das cidades e do templo – pormenores esses que um autor não contemporâneo se teria facilmente equivocado, uma ou outra vez, tanto mais que, pouco depois, antes de findar o 1° século da era cristã, passou a situação política, social e religiosa da Palestina por transformações radicais, sob a dominação romana. Sirva de exemplo ilustrativo a certeza e facilidade que os evangelistas revelam no emprego dos nomes das diversas moedas em curso, neste tempo, a saber, as moedas gregas: talento, dracma, didracma, estáter; a par do dinheiro romano: quadrante, dipôndio, denário. Entretanto, sabemos que, a partir do ano 70, após a destruição de Jerusalém, só circulava na Palestina dinheiro romano. Segue-se que os autores dos três primeiros Evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas, escreveram antes do ano 70. Na razão direta que progride as ciências arqueológicas e vêem à luz os resultados das escavações, confirma-se a exatidão do que os Evangelhos referem, incidentalmente, desse período histórico. Mateus e Marcos falam da futura destruição de Jerusalém, profetizada por Daniel, e por Jesus Cristo confirmada. Dão aos seus leitores as instruções necessárias para quando desabassem sobre a cidade deicida o flagelo da ira divina. Que sentido e razão de ser teriam essas instruções se fossem dadas depois do ano 70, quando a metrópole da Judéia não passava de um montão de escombros? Sabemos por outras fontes históricas que no ano 66, seguindo o conselho dos evangelistas, os cidadãos palestinenses abandonaram a capital e refugiaram-se em Pela, cidade situada ao norte, sobre a margem esquerda do Jordão. Quer dizer que já nesse ano eram por toda parte conhecidos os Evangelhos de Mateus e Marcos. Outros documentos históricos que levaria longe pormenorizar, provam que o tempo da origem do primeiro Evangelho incide no período entre o ano 34 e 50 da nossa era, quer dizer, uns 11 a 17 anos após a morte de Jesus Cristo. Quando o Evangelho de São Marcos, é hoje fora de dúvida que não foi escrito depois do ano 54. O Evangelho de São Lucas foi composto antes do ano 63, verdade que se depreende dos Atos dos Apóstolos, obra do mesmo autor. Quanto ao Evangelho de São João, apareceu entre 79 e 100, provavelmente no último decênio do primeiro século.
  • 28. “Para obra nenhuma da antiguidade possuímos testemunhos tão antigos e tão numerosos como a favor dos Evangelhos. Quem, portanto, não quiser ser incoerente, não lhes pode negar a autenticidade” (Dr. Gutberlet). 2. Genuinidade dos Evangelhos Provado que os Evangelhos tem por autores a Mateus, Marcos, Lucas e João e que remontam ao primeiro século do cristianismo, surge a momentosa pergunta se chegou ao presente século o texto genuíno exarado pelos evangelistas, ou se foi notavelmente adulterado. Felizmente, estamos em condições de provar que o texto evangélico que manuseamos hoje em dia é, substancialmente, o mesmo que usavam os cristão do primeiro século e que saiu da pena dos autores sacros. Não afirmamos que não se tenham introduzido modificações acidentais, devido, principalmente à negligência de alguns copistas, diferenças que se chamam variantes. Mas essas variantes não afetam, geralmente, a substância dos documentos nem o fundo das verdades reveladas. Possuímos do Novo Testamento mais de dois mil códice antigos, sendo que 167 depois desses escritos contêm na íntegra esta segunda parte da Bíblia. Conferido o teor desses documentos, verificamos que o texto é, substancialmente, o mesmo e concorda com o que hoje em dia manuseamos. Segue-se que, pelo menos dos meados do 4° século a esta parte, não se alterou o texto dos Evangelhos. Outra prova valiosa da genuinidade do texto sacro nos fornecem as traduções que dele possuímos, entre as quais ressalta a versão siríaca, chamada Peshitta (isto é: singela), que data do 3º século. Do mesmo século é também a tradução cóptica. No 2° o escritor assírio Taciano compôs uma sinopse evangélica, na qual confronta os quatro Evangelhos, coordenando em sucessão cronológica os acontecimentos. Do 2º século possuímos ainda a versão saídica do alto Egito, bem como a latina chamada Ítala, que já nesse século era largamente conhecida em Roma, na Itália setentrional, na Gália meridional e no norte da África. Ora, o conteúdo de todas essas traduções coincide com o dos nossos Evangelhos de hoje. Nas obras dos escritores eclesiásticos, bem como na dos hereges e inimigos do cristianismo, do 1° e 2° séuclo, encontramos inúmeras citações de tópicos dos Evangelhos. Nos escritos de Santo Irineu, por exemplo, ocorrem mais de 100 destas citações, e todas elas em perfeita harmonia com os nossos Evangelhos. E de notar que Santo Irineu foi discípulo de São Policarpo, o qual por sua vez, teve por mestre São João Evangelista. Também os hereges da época, máxime os gnósticos – entre eles Márcion, Basilides, Valentiano – cujo período de maior florescência vai de 140 a 145, dão testemunho da genuinidade do evangélico, porque os tópicos por eles citados coincidem com os de hoje. O filósofo cristão Aristide de Atenas, apresenta ao imperador romano Antonino uma petição, na qual mostra que as perseguições motivadas aos cristão são injustas porque nas suas crenças nada há de censurável. E passa a expor ao soberano os primeiros fatos da vida de Jesus Cristo e um resumo da sua doutrina. Também esta exposição coincide perfeitamente com o que sabemos pelos livros sacros do presente século. Pelo ano de 165 morre em Roma, mártir da fé, o célebre filósofo cristão Justino. Entre seu escritos se encontra um itinerário de 120-140, no qual afirma o autor que em muitas e extensas viagens pela
  • 29. Ásia e pela Europa, verificou que em toda parte, por ocasião das funções religiosas, eram os Evangelhos lidos aos fieis. E apresenta um compêndio da vida de Jesus Cristo extraído dos mencionados documentos sacros. Este compêndio pode se considerar calcado perfeitamente sobre os quatro Evangelhos do século 20, tão perfeita é consonância dos fatos narrados e das doutrinas expostas. Entre os anos 120 e 125 realizaram-se em Alexandria, as célebres controvérsias dos gnósticos basílides, e nessa ocasião cita o heresiarca grande número de textos evangélicos, que são, no fundo, idênticos aos dos nossos dias. No reinado de Adriano (117-138), um discípulo dos apóstolos, por nome Quadrato, entregou ao imperador romano uma apologia a favor dos cristãos perseguidos, procurando provar, à luz da doutrina evangélica, que são inocentes as vítimas de tantas atrocidades – e cita em resumo o que todo cristão instruído do nossos dias lê nas páginas de Mateus, Marcos, Lucas e João. No ano 197, dia 20 de dezembro, morria no anfiteatro romano o mártir Inácio, bispo de Antioquia. As cartas que, pouco antes da morte, dirigiu a várias igrejas da Ásia Menor vem repletas de citações evangélicas, em parte pelo sentido, em parte textualmente, , rematando com um pequeno esboço da vida do Cristo – e não encontramos diferença substancial entre essas citações e o texto hodierno. Pelo ano 100 da nossa era nasceu a célebre “Didaché”,ou seja, “Doutrina dos Doze Apóstolos”, cujo autor se serviu evidentemente de três Evangelhos, e cujo conteúdo não difere dos dias de hoje. O mesmo acontece com os escritos de Clemente Romano, contemporâneo dos apóstolos. è o que nos mostra a carta que, em 100, dirigiu aos cristão de Corinto, e em outros escritos. Segue-se de todos esses fatos históricos que, do ano 100 ou 90 para cá, não mudou substancialmente o texto do Evangelho. E antes desse tempo? Lembremo-nos que o último evangelista, São João, faleceu entre o ano 90 e 100. Adulterar um texto evangélico em vida de um evangelista e em vida de centenas de testemunhas presenciais, amigos e inimigos do Nazareno, difícil coisa seria. Quem teria adulterado o texto? Os adversários do cristianismo? Mas a igreja nunca reconheceria este documento. Os próprios cristãos? Mas eles estavam perenemente cercados de inimigos, judeus pagãos, gentios, que, certamente, não teriam perdido a oportunidade para desmascarar a odiada “seita dos nazarenos” como falsários e embusteiros. Pois os Evangelhos não eram documentos reclusos e ignorados na escuridão de algum arquivo, eram lidos todos os dias, em público. Bem compreendiam os cristãos que semelhante falsificação, além de ser um crime abominável, entregaria às mãos do inimigo arma mortal contra eles mesmos e contra a causa sagrada que defendiam. É, pois, fora de dúvida que os nossos Evangelhos são substancialmente idênticos aos do primeiro século do cristianismo.
  • 30. 3. Veracidade dos Evangelhos Provada a autenticidade e genuinidade dos Evangelhos, resta saber se esses mesmos documentos são verídicos ou fidedignos, isto é, se o seu conteúdo é a expressão fiel da realidade histórica. O caráter verídico dos Evangelhos depende de dois pontos, do poder e do querer. Podiam os seus autores saber a verdade dos fatos? e queriam eles transmitir esses fatos? Quanto ao poder, basta considerar que Mateus e João eram apóstolos de Cristo, companheiros deles durante três anos, testemunhas presenciais de tudo referem. Marcos, secretário do apóstolo Pedro, e Lucas, inseparável companheiro de São Paulo, tinham todo a facilidade para conhecer a realidade dos acontecimentos. Lucas, no princípio do seu Evangelho, diz que investigou cuidadosamente todos os fatos e falou com aqueles que desde o início foram ministros da palavra. É provável que Lucas, durante o longo cativeiro de Paulo em Cesaréia, tenha falado pessoalmente com a mãe de Jesus, a qual, nesse período, se achava em Jerusalém – e quem melhor do que a mãe podia dar-lhe notícias exatas sobre a infância, juventude e vida oculta de Jesus em Nazaré? Quanto ao querer – não se supões ninguém gratuitamente mentiroso. Quando o homem mente visa sempre algum interesse ou alguma vantagem. Mas que vantagem ou interesse teriam os evangelistas para faltar com à verdade? Bem sabiam eles que os mesmos traços com que registravam a vida e doutrina do Cristo assinavam a sua sentença de morte, como veio provar o futuro. Pra carregar de culpa a consciência, e ser depois martirizado cruelmente – estranho falsário quem tal inventasse! De resto, era moral e fisicamente impossível essa suposta escamoteação. Como poderiam ignorantes pescadores da Galiléia conceber tão sublime ideal de virtude e santidade? Como podiam inventar verdades mil vezes mais sublimes do que as idearam Platão, Aristóteles, Sócrates, Sêneca, se não tivessem diante dos olhos a realidade histórica, cujo reflexo apanharam nos seus escritos? Para inventar, por exemplo, o Sermão da Montanha, não bastaria a mais poderosa inteligência nem a mais acendrada ética de nenhum filósofo ou santo da história, muito menos o espírito rudimentar de uns homens simples do povo que pouco mais sabiam do que lançar a sua rede e empunhar o remo. Se os evangelistas pretendiam pintar aos olhos da humanidade o retrato de um herói imaginário, certamente não o teriam representado a suar sangue no Horto das Oliveiras, a clamar por socorro na sua mortal angústia, s pedir companhia e compreensão a seus discípulos, não teriam dito à humanidade que ele foi flagelado, ludibriado e crucificado. Nem tão pouco teriam contado as suas próprias fraquezas e misérias, a incompreensão, a covarde deserção na hora do perigo, a vergonhosa negação do Mestre por parte do primeiro dos seus apóstolos, as suas rixas e contendas por causa de questões de mesquinha rivalidade, etc. Assim não costuma escrever um romancista ambicioso de glórias. Escreve Rousseau: “Tão grande, tão surpreendente, tão inimitável é o cunho de verdade que em si trazem os Evangelhos, que quem tal inventasse seria maior que o próprio herói do Evangelho. Não, assim não se inventa! Os feitos de Sócrates, que ninguém contesta, são menos verídicos do que as obras de Jesus”. Era até fisicamente impossível inventar, por exemplo, os grandes milagres de Jesus, a multiplicação dos pães, a ressurreição de Lázaro, e tantos outros realizados na mais larga publicidade. Como iludir aqueles 5000 homens que haviam presenciado o milagre da multiplicação dos pães? homens entre os quais haviam fariseus, doutores da lei, saduceus escribas, talvez sacerdotes da sinagoga e muitos outros inimigos mortais do Nazareno? Como inventar um Lázaro redivivo se ele tivesse apodrecido no fundo do túmulo? Como teria sido fácil desmascarar semelhante embuste! e com que gosto
  • 31. teriam o adversários de Jesus lançado mão desse expediente, para arrasar de vez os fundamentos da nova religião. Em vez de negar a ressurreição de Lázaro, resolveram os fariseus matar esse homem redivivo. O interesse que os Judeus tinham em negar a veracidade dos Evangelhos não podia ser maior, porquanto as tratava de acontecimentos intimamente relacionados com a vida nacional e religiosa de Israel. Estava comprometida a honra dos sacerdotes e magistrados, doutores e escribas, aos quis Jesus lançava em rosto os mais veementes anátemas: “Ai de vós, fariseus, hipócritas! ao de vós, doutores da lei, hipócritas! sepulcros caiados, guias de cegos, mercenários...” Tratava-se da honra ou da desonra de cidades e povoações inteiras, como Coroazin, Betsaida, Carfanaum e, sobretudo, da capital do país, à qual o Evangelho lança em rosto o maior crime da história, desafiando-a literalmente à contestação. Tratava-se, numa palavra, da vida e da morte da religião judaica, como perfeitamente compreendeu Caifás quando disse: “E melhor morrer um homem do que perecer toda a nação”. Em se tratando de pontos dessa natureza e deste alcance, todo homem nega o que negar pode, e nada há que tanto aguce a nossa perspicácia como o próprio interesse e prestígio. Entretanto, nenhum dos judeus, nenhum sacerdote da sinagoga se abalançou em negar a verdade histórica do Evangelho e da vida do Nazareno. Preferiram lançar mão de outro expediente, fartamente pueril, atribuindo os milagres de Jesus ao poder de Satanás. Assiste-nos, pois, o direito de sustentar a veracidade histórica dos documentos que relatam a vida e a doutrina de Jesus Cristo. II. DIVINDADE DE CRISTO A verdade central do cristianismo é a divindade do seu fundador. Por divindade entendemos a perfeita igualdade da sua natureza eterna com a natureza de Deus Pai. Não se trata de uma filiação adotiva, como compete a todo cristão e a todo homem na graça da Deus. Jesus Cristo é o Filho Unigênito de Deus. Limitar-nos-emos à palavras e obras do próprio Cristo, deixando de parte outras testemunhas. São provas irrefragáveis da divindade do Cristo: 1) as suas palavras; 2) o seu juramento em face ao Sinédrio; 3) os seus milagres; 4) o prodígio máximo da sua ressurreição. 1. Palavras de Cristo Jesus afirma repetidas vezes que ele é Deus, ou usa palavras equivalentes a essa afirmação. a) Jesus afirma a sua eternidade, atributo que só compete a Deus: “Antes que Abraão existisse, eu sou” (Jô, 8,ss). Glorifica-me Pai, com aquela glória que eu tinha em ti, antes que o mundo existisse (Jô. 17,s). b) Afirma sua consubstancialidade com o Pai: “Eu e o Pai somos um” (Jô, 10,30). “O Pai está em mim, e eu estou no Pai” (Jô 10,38).
  • 32. c) Afirma a sua vida divina: “Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo” (Jô 5,26). d) A compreensão divina: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece ao Filho senão o Pai, e ninguém conhece ao Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar” (MT 11,27). e) A onipotência divina: “foi-me dado todo o poder no céu e na Terra” ( MT 28,18). f) O poder sobre a morte: “Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá a vida, assim também o Filho dá a vida aos que ele quiser” (Jô 5,21). g) O poder de perdoar os pecados: “O Filho do homem tem o poder de perdoar pecados sobre a terra” (MT 9,6). h) Jesus exige que os homens lhe tributem culto de adoração, devido a Deus somente: “Que todos adorem ao Filho assim como adoram ao Pai” (Jô 5,23).Que creiam nele como crêem em Deus Pai: “Crede em Deus, crede também em mim” (Jô 14,1). Que o amem mais que tudo: “O que ama o pai e a mãe mais do que a mim não é digno de mim” (MT 10,37). i) Jesus pergunta aos seus discípulos: “Que dizeis vós que eu sou?” Responde-lhe Simão Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. E Jesus lhe diz: “Bem aventurado és tu Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne e o sangue que to revelou, mas, sim, o meu Pai que está nos céus” (MT 16,16 ss). Se as palavras de Simão Pedro não fosse a expressão da verdade, como poderia Jesus aprová- las? e como podia dá-las como divinamente inspiradas? Se estas palavras de Jesus não correspondessem à realidade objetiva, ou se teria ele enganado a respeito da sua própria natureza, ou então teria enganado os seus ouvintes, afirmando ser o que sabia não ser. Quer dizer que teria sido vítima ou de ignorância ou de deslealdade. Entretanto, toda a vida de Jesus Cristo dá testemunho de uma grande, profunda e universal sabedoria, a ponto de ele dizer: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; quem me segue não anda nas trevas”. E corre parelhas com esta sabedoria a mais perfeita virtude e santidade, tanto assim que podia desafiar os seus mortais inimigos com as palavras: “Quem de vós me argüirá de pecado?” e ninguém mais foi capaz de lhe provar a menor imperfeição moral. A humanidade em peso confessa que Jesus de Nazaré foi o mais sábio e o mais santo dos homens que já apareceu à face da terra. Por isso, não podemos admitir que ele se engane ou nos enganasse a nós sobre a sua própria natureza. Logo, se Jesus afirma a sua igualdade e identidade com o Pai, é esta afirmação a expressão da verdade objetiva. 2. Juramento de Cristo Dentre as afirmações com que Jesus asseverou a sua divindade, uma nos merece especial atenção, o seu solene juramento em face ao Sinédrio, supremo tribunal religioso de Israel. Depois de uma série de acusações gratuitas e depoimentos discordes e sem valor, levanta-se o sumo sacerdote Caifás, presidente do Sinédrio, e dirige a Jesus esta intimação categórica: “Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos diga se tu és o Cristo, o filho de Deus bendito”. Responde Jesus: “Sim, eu o sou”. E, para precisar o sentido exato em que toma a palavra “Filho de Deus”, acrescenta: “A partir
  • 33. daqui, vereis o filho do homem vir sobre as nuvens do céu para julgar os vivos e os mortos” (Mc 14,60ss). Sendo que a intimação do sumo sacerdote vinha revestida da santidade do juramento – “Eu te conjuro pelo Deus vivo” – a resposta que Jesus deu a esta pergunta equivale a um solene juramento: “Eu vos juro pelo Deus vivo que sou o Cristo, o Filho de Deus bendito”. E, para que não restasse a menor dúvida sobre o sentido exato em que entendia “filho de Deus”, apela Jesus para a conhecida profecia de Daniel, onde o vate divinamente inspirado descreve o “filho do homem” (isto é, o Messias prometido) como Deus a vir sobre as nuvens do céu para julgar a humanidade. Se, pois, Jesus invoca explicitamente esta profecia, identificando-se como tal “filho do homem” de Daniel, e evidente que se chamou de Deus, no sentido próprio da palavra; porque a nenhum outro senão a Deus mesmo compete o direito de julgar a humanidade. O Sinédrio compreendeu perfeitamente o que Jesus queria dizer, tanto assim que exclamaram, indignados, todos os presentes: “Blasfemou, é réu de morte!” Já em outra ocasião tinham os Judeus compreendido o que Jesus queria dizer com a palavra “filho de Deus”, porquanto o queriam apedrejar, “porque tu, diziam, sendo homem, te fazes Deus”. E, ainda na mesma sexta-feira, em face do tribunal de Pilatos, declara o Sinédrio: “Nós temos uma lei, segundo esta lei ele deve morrer, porque se fez filho de Deus”. Se Jesus se tivesse intitulado “filho de Deus” apenas no sentido de “filho adotivo”, que motivo teria para tanta celeuma e indignação pela sinagoga, pois todo israelita se dizia filho de Deus, neste sentido? Mas isto de se identificar um homem com Deus era uma “blasfêmia” – e a pena da blasfêmia, segundo a lei de Moises, era a morte. É, pois, fora de dúvida que, perante o supremo tribunal de Israel, Jesus afirmou, e com juramento, a sua perfeita identidade com o Deus Pai. Assim o entenderam todos os presentes, e, se Jesus não quisesse ser entendido nesse sentido, devia necessariamente corrigir e retificar o conceito errado do Sinédrio, sob pena de se tornar o autor do mais espantoso embuste de todos os séculos. Não revoga, não corrige, não retifica, por sinal que queria ser entendido assim mesmo. E pro esta profissão de sua identidade Jesus se entrega à morte, selando com o sangue do seu coração o juramento dos seus lábios. 3. Milagres de Jesus “Se não quiserdes crer a mim (isto é, às minhas palavras), crede às minhas obras, porque estas dão testemunho de mim” (Jô 10,28). Com esta palavras apela Jesus explicitamente para o seu poder divino que se revela nos seus milagres. Jesus opera milagres em virtude de um poder inerente à sua natureza, mostrando-se, assim, senhor absoluto de todos os reinos da natureza, da matéria e das suas leis, afirmando explicitamente que possui “todo o poder no céu e na terra”. Tem dito que milagre é impossível, porque as leis naturais são férreas e não admite exceção. Vai nesta objeção um sofisma. Verdade é que fatores imanentes à própria natureza não pode suspender as leis naturais; mas não este provado que um fator transcendente à ordem natural não possa intervir na sua obra e suspender temporariamente uma das leis que estabeleceu. Quem admite a existência de um Deus todo poderoso não pode negar a possibilidade de um milagre, porque esta
  • 34. possibilidade nada mais é que o perfeito domínio de Deus sobre o mundo. Admitir que o próprio autor tenha perdido o controle sobre à sua obra, equivale declarar que o autor inferior a sua obra, escravo da matéria e suas leis – equivale, portanto, a negar a existência de Deus. Pois um Deus dependente e escravo das leis naturais não é Deus nenhum. Nem vale objetar que Deus não desdiz o que disse, nem desfaz o que fez,; que uma intervenção posterior no curso das leis naturais seria uma correção da natureza, e, portanto, uma confissão de ignorância ou incompetência da parte do autor. O milagre não é uma correção da obra da natureza, porque Seus, desde toda a eternidade, previu esta intervenção temporária, afim de revelar aos homens determinados aspectos da sua providência e do seu plano redentor. Nem se diga que o homem não sabe até onde atinge as leis físicas, e, portanto, não pode dizer com certeza onde elas termina e onde principia a suspensão de uma lei natural, e, portanto, o milagre. Verdade é que não sabemos o que podem fazer as leis naturais; mas daí não se segue que, em determinado caso, não possamos saber com certeza o que elas não podem fazer. Não sabemos quantas arrobas pode levantar um atleta, 10, 20 ou 30; mas podemos dizer com absoluta certeza que nenhum homem é capaz de pegar com dois dedos o Corcovado e jogá-lo às águas da Guanabara. Não sabemos onde termina, no arco-íris, o amarelo e principia o verde, mas todo homem normal percebe que o vermelho não é igual ao azul. Não sabemos qual o limite externo dos prodígios da medicina, mas ninguém admitirá em são juízo que, futuramente, possa algum esculápio revocar a instantaneamente a perfeita vida e saúde de um cadáver putrefato, com quatro dias de sepultura, é isto sem nenhum, remédio, sem instrumento algum, até sem o contacto com as mãos, mas co uma simples ordem dada à beira do túmulo. Até aí não vai a nossa fé nas maravilhas da ciência humana. Sabemos que é estupendo, em certos casos, o poder da sugestão, mas não cremos que, daqui a tantos séculos ou milênios, um homem possa, com um simples ato de vontade, multiplicar cinco pãesinhos em muitos milhares, ao ponto de dar de fartar milhares de homens esfaimados, sobrando depois de tudo ainda muito maior quantidade de pão que havia no princípio. Outrossim, é inútil afirmar que nunca se realizou um milagre cientificamente verificável. Muitos dos milagres de Cristo são de tal natureza que qualquer pessoa, amiga ou inimiga, os podia verificar com todo o rigor da crítica, e, no caso de Lázaro e do cego de nascença, de fato, os inimigos do Nazareno lançaram mão de todos os expedientes imagináveis para negar o fato ou o seu caráter sobrenatural, acabando por refugiar à evasiva pueril de que o profeta da Galiléia tinha aliança com Satanás. De resto, em Lourdes tem a ciência farta oportunidade de verificar, com todos os recursos da crítica mais inexorável, o caráter dos prodígios que aí se operam incessantemente, desafiando a argúcia dos sábios. E a ciência arriou bandeira e confessou-se incompetente para dar explicação natural a certos fenômenos ocorridos em Lourdes, como também em outros pontos do globo (Nota: Citamos os fenômenos de Lourdes como simples ilustração; pois eles, embora historicamente certos, não fazem parte do depósito da nossa fé). * * * Entretanto, limitemo-nos aos milagres de Jesus, porque só eles são objetos da fé cristã. Partindo da base de que, como provamos, os Evangelhos são documentos histéricos, cuja autenticidade, genuinidade e veracidade não pode ser posta em dúvidas, afirmamos que Jesus Cristo realizou verdadeiros milagres, isto é, fatos que não se explicam senão por uma intervenção preternatural, divina.
  • 35. Referem-se os Evangelhos diversas dezenas d milagres de Jesus. Jesus mostra-se senhor da natureza inanimada, orgânica, quer vegetal, quer sensitiva, senhor sobretudo das forças do corpo humano. Cura toda espécie de moléstias – surdos, mudos, cegos, coxos, paralíticos, leprosos, pessoas afetadas de doenças crônicas incuráveis – e realiza estas curas instantaneamente, com perfeição, sem remédio nem instrumento algum, com uma simples palavra, um ato de vontade, e, não raro, a grandes distâncias, em presença de amigos e inimigos, diante das autoridades civis e religiosas e grande multidão de povo. Jesus mostra-se senhor absoluto das almas humanas já separadas de seus corpos, ressuscitando a filha de Jairo que acabava de falecer; o jovem de Naim, às portas do cemitério; e a Lázaro, enterrado havia quatro dias e em vias de franca putrefação. Jesus mostra-se senhor absoluto dos próprios espíritos malignos, que a uma ordem sua tem de abandonar, a contragosto, os corpos das suas vítimas. E, para remate e coroa do seu poder taumaturgo, ressuscita Jesus no terceiro dia após a sua morte. Os Evangelhos referem explicitamente 10 milagres de Jesus operado nos domínios da natureza inanimada; 21 no reino da natureza orgânica; 3 nas almas de defuntos; mais de 10 expulsões de demônios. Entretanto, a cada passo referem os historiadores, sem especificação concreta, que Jesus operava “numerosos prodígios”, curando a todos que lhe eram apresentados. Pergunto: foi negada pelos contemporâneos a historicidade desses fatos? Absolutamente. Judeus e pagãos, amigos e inimigos de Jesus reconheceram a realidade dos prodígios dele. Pergunto ainda: negou alguma das testemunhas presenciais o caráter preternatural dos acontecimentos? Nenhuma, nem mesmo os sacerdotes da sinagoga, os escribas e doutores da lei. Todos eles confessaram, mau grado seu: “Que faremos? pois este homem faz muitos milagres”. E, em vez de negar os fatos ou seu caráter preternatural, resolveram matar o autor dos mesmos e eliminar também do número dos vivos a Lazaro, prova permanente e viva do poder taumaturgo do Nazareno. Esses homens não eram competentes para verificar o milagre? Perfeitamente. Pois, para distinguir um vivo de um morto, ou para ver a diferença entre 5 pães e 5000 não se requer o parecer de um acadêmico, nem o laudo parcial de um doutor em Física ou Química que declare e ex-professo a diferença entre estes dois fenômenos. De resto, mesmo à luz do mais rigoroso exame, o homem de má vontade não se renderia a evidência. “Ainda que eu visse com meus olhos ressuscitar um defunto a meus pés – disse Rousseau – antes eu havia de enlouquecer do que crer”. Também os judeus, depois de examinarem com todo rigor o caso de cego de nascença milagrosamente curado, continuaram incrédulos como dantes; porque contra a má vontade não há argumento.
  • 36. Nem se diga que os milagres de Cristo pertençam ao reino dos mitos e das fábulas, que costumam acompanhar a origem das religiões. Pois, a história de Cristo e as origens do cristianismo incidem num período histórico perfeitamente claro, precisamente no tempo do apogeu do poder romano, tempo em que a Palestina era cortada de magníficas estradas militares e vias de comunicação, tempo em que floresciam na metrópole do Império os maiores poetas, oradores e filósofos que a história nos apresenta, tempo em que na Judéia não existia um só analfabeto judeu acima de sete anos de idade (quando no Brasil existem em pleno século XX nuns 25 a 30 milhões, ou seja, 70% da população – 1942) – nenhum conhecedor de história taxará de obscura ou nebulosa esta época. Mitos e fábulas podem originar-se por entre os nevoeiros da pré-história, mas não em plena luz da cultura e civilização. Nem vale objetar que, naquele tampo, não existia análise crítica dos fatos, mas todos admitiam indistintamente o que se lhes dizia. Pois, quando se trata do próprio interesse e, sobretudo, da própria vida, todo o homem é eminentemente crítico e perspicaz. As classes mais influentes da época, os sacerdotes, escribas, doutores da lei, saduceus, herodianos, etc., eram inimigos jurados de Jesus e dos seus milagres. Admitir a historicidade e o caráter sobrenatural desses fatos era, para esses homens, o mesmo que perder todo o prestígio civil e religioso, era o mesmo que serem apeiados do seu privilegiado pedestal de senhores, guias e chefes de Israel e definitivamente eclipsados por aquele indesejado profeta da Galiléia, que tinha a audácia de os chamar de “sepulcros caiados”, “guias cegos”, “mercenários”, “sedutores do povo”, etc. Os representantes dessas classes poderosas envidaram os maiores esforços, mobilizaram contra o Nazareno todas as potências do espírito, recorreram a todas as injúrias e difamações, apelaram para o braço secular do Império Romano e para a astúcia do aliás tão odiado Herodes, no intuito de eliminar da história os milagres de Cristo. Ainda depois da morte dele postaram uma sentinela ao pé do sepulcro para impedir que se verificasse a predita ressurreição. Não se diga pois, que não houve quem exercesse a devida vigilância e crítica em torno dos milagres de Cristo. No intuito de desvirtuar a força dos prodígios de Cristo tem se dito que também os nossos modernos taumaturgos, médiuns, magos faquires, etc., realizam fenômenos análogos. Entretanto, há uma diferença essencial entre os milagres de Cristo e os portentos de certos homens dos nossos tempos. Antes de tudo, no tocante à própria natureza dos fatos. Nunca um médium ou faquir ressuscitou um verdadeiro defunto, em estado de franca putrefação. Nunca converteu água em vinho. Nunca multiplicou 5 pães para mais de 5000, fartando co eles milhares de homens e fazendo sobrar no fim mais do que existia no princípio. Nem há analogia quanto ao modo e às circunstâncias em que se realizaram estas duas espécies de fatos. Jesus Cristo não evocavam seres misteriosos para virem em seu auxílio. Não se dizia possesso ou atuado desses seres. Não se refugiava à escuridão, à penumbra ou à luz vermelha para realizar os seus prodígios; realizava-os em plena luz do dia, em praça pública, em face de amigos e inimigos, a qualquer distância; realizava-os ele só, sem auxílio de ninguém nem de instrumento algum, perfeitamente sereno, calmo e senhor de si. Jesus não fazia dançar mesas e cadeiras, nem voar pelo espaço pessoas e coisas. Não se estorcia, não caia em estado de inconsciência, de transe; tosos os seus milagres revestem um caráter digno, nobre, eminentemente belo, estético e, sobretudo, humanitário. O seu divino poder está sempre a serviço da sua humana caridade, e nunca a serviço da curiosidade ou de sensações espetaculares. Nunca nenhum dos modernos “taumaturgos” se fez flagelar, coroar de espinhos, crucificar, transpassar por uma lança, nenhum deles morreu numa cruz, foi sepultado e ressuscitou vivo no terceiro dia. Por isso, é impossível estabelecer paralelo entre os milagres de Jesus e certo portento dos homens. Assiste-nos, portanto, o direito de afirmar, com as palavras do próprio Cristo, que as suas obras, os seus milagres dão testemunho da sua divindade.