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Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
FEMININO E MASCULINO NA OBRA LITERÁRIA DE MÁRIO LAGO
Getúlio Nascentes da Cunha
Resumo: Apesar de ser mais conhecido como ator e compositor além de militante político ligado ao
PCB, Mário Lago foi também autor de memórias, poesias, contos e romances, que se encontram
hoje um pouco esquecidos. A proposta do trabalho é retomar a importância de Mário Lago enquanto
escritor, buscando entender como ele representava os papéis masculinos e femininos em seus textos.
Mário Lago foi um autor profundamente inserido em seu tempo, com grande vivência do cotidiano
da cidade do Rio de Janeiro. Partindo da ideia de representação e de gênero, buscaremos discutir
sua percepção do papel de homens e mulheres, enfatizando certa visão trágica que perpassa seus
textos, principalmente quando envolve as relações afetivas
Palavras-chave: Masculinidades. Femilinidades. Mário Lago.
Mário Lago é certamente mais conhecido pelo público em geral como ator. Sua presença em
novelas de rádio e de TV, em filmes e no teatro, lhe deram notoriedade nacional e reconhecimento.
Alguns talvez se lembrem dele também com compositor de “Ai que saudades da Amélia”. Sem se
darem conta de que além desta, que foi certamente sua música de maior sucesso, ele compôs mais
de 100 músicas, principalmente sambas, sua grande paixão musical.
Poucos devem lembrar de Mário Lago como militante político, simpatizante do Partido
Comunista Brasileiro, do qual se aproximou no início dos anos 1930 influenciado por colegas da
Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro (Velloso, 1998, 215). Sua simpatia pelo Partido
Comunista Brasileiro se estendeu por boa parte de sua vida1
, caracterizando uma intensa
participação social em todas as atividades que desenvolvia. É assim que acaba sendo preso em
1932, 1937, 1948, 1949, 1964 e novamente em 1968, gerando inclusive uma das ironias típicas da
escrita de Mário Lago:
Quando fui preso em 68 (o Ato começava sua devastação), fui encontrar esse sargento
servindo no Caetano de Faria, promovido a capitão, comandante de tropa de choque, e o
rápido diálogo que travamos foi meio piada de revista:
– O senhor não muda, hein, seu Mário? Virou, mexeu, tá preso.
– Nem o senhor. Virou Mexeu, tá prendendo. (LAGO, 2001, 40)
Aqueles que se interessam pela história do Rio de Janeiro entre o final dos anos 1920 e a
década de 1950, pela sua boemia, sua vida noturna e cultural, o Carnaval, seus teatros, sua vida
cotidiana, certamente leram ou ouviram falar de seus dois livros de mémória: Na rolança do tempo
e Bagaço de beira-estrada. Junto com Reminiscências do sol quadrado, suas memórias sobre sua
prisão em 1964, foram um belo exemplo de memorialística.
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No final dos anos 1980 se aproximou do PT apoiando a candidatura de Lula no segundo turno da eleição
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
Bem menos conhecida e quase que esquecida, já que nunca foram reeditadas é sua obra de
ficção, curta, mas significativa. Um livro de poemas políticos, O povo escreve a história nas paredes
(disponível na internet no site de comemoração dos 100 anos do autor); um livro infantil, O
mostrinho medonhento, de bastante sucesso; o livro de contos, No rabo da noite; o romance,
Manuscritos do heróico empregadinho de bordel; e dois livros com histórias curtas, poemas, frases,
Meia porção de sarapatel e 16 linhas cravadas.
A proposta central do presente texto é perceber as diversas masculinidades e representações
do feminino presentes nos livros Rabo da Noite e Manuscrito do heróico empregadinho de bordel,
nos socorrendo quando for necessário das demais obras do autor. Os dois foram publicados pela
Civilização Brasileira, o primeiro em 1977 e o segundo em 1979. Vale lembrar que o final dos anos
1970, quando Mário Lago já estava com mais de 60 anos, concentra boa parte de sua produção
literária imprensa e toda ela na Civilização Brasileira.
Apesar da consolidação inegável dos estudos de gênero no Brasil, não é possível ainda
deixar de ter a percepção de que eles ainda estão focados mais nas mulheres e nos homossexuais,
com pouca preocupação com questões voltadas para as masculinidades, em especial quando se
pensa numa masculinidade heterossexual. Poucos estudos focam essas questões, ainda que o “o
conceito [gênero] também abriu espaço analítico para se questionar as próprias categorias de
homem e de mascunilidade, bem como de mulher e de feminino” (Matos, 2008, 337)
O livro Manuscrito do heróico empregadinho de bordel, pode ser lido de várias formas. A
orelha escrita por Ariel Krivochein Marques enfatizava sua característica de retrato do Rio de
Janeiro, lugar onde se passa parte da história. Uma outra forma de ver a narrativa é como um retrato
da violência do Regime Militar brasileiro do pós-64. O suposto manuscrito, teria sido entregue a
Mário Lago por uma desconhecida, ele imagina ser uma prostituta, que o recebeu no aeroporto com
instruções de entregá-lo diretamente a Mário.
A mulher não é capaz de dar maiores informações sobre a origem do manuscrito, diz apenas
que o recebeu das mãos de “um pinta”2
que embarcava pra o estrangeiro (Lago, 1979, 10). a
primeira reação de Lago ao receber o pacote é de suspeita, afinal “coisas bem estranhas acontecem
nos tempos que vivemos. Aquele rolo podia conter documentos comprometedores e, saída a
mensageira, chegarem os homens que me incriminariam por estar com aquilo entre as mãos” (Lago,
1979, 11). Ao ler o título manuscrito do heróico empregadinho de bordel, o medo muda, passou ao
de ser pego pela família e associado àquela figura, afinal, empregado de bordel tinha que ser um
2
Pinta é gíria para cara, pessoa. www.dicafacil.com/2011/09/05/girias-de-carioca, acesso em 30/04/2013
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“frescalhote”. Decide esconder o manuscrito e só retoma a ele num dia em que perde o sono e se
põe a ler.
O manuscrito era na verdade o relato da fuga de um militante de esquerda, que avisado na
rua de que seria preso, resolve fugir, sem retornar nem mesmo em casa para se despedir, pegar
roupas ou o que fosse. Perambula pela cidade por dias a procura de um lugar onde pudesse se
esconder, até que encontra um antigo conhecido que o leva para o interior de São Paulo onde passa
anos escondido em várias situações diferentes, sendo a última delas um bordel. Lá, na tentativa de
ajudar o travesti, dono do lugar, se propôs a trabalhar, originando o título do manuscrito. Mas a
coisa não dá certo, afinal, os fregueses, assim como Mário achavam que empregadinho de bordel
tinha necessariamente de ser homossexual, gerando um atrito que o leva a deixar mais uma vez seu
esconderijo, só que agora com a decisão de deixar o país.
Assim entramos nos aspectos da questão de gênero e das masculinidades apresentadas por
Mário Lago. A história não está datada, mas tudo sugere que ela se passa num tempo presente
relativamente curto, Mário recebeu o manuscrito no exato momento em que seu personagem
resolveu sair do país3
, portanto estamos em algum ponto entre 1978 e 1979. As perambulações do
personagem duraram alguns anos, o que remete seu início para meados da década, momento em que
o governo militar voltou suas atenções para o PCB, que tinha ficado fora da luta armada (Gaspari,
2003, 405). Portanto, nosso personagem era certamente um militante do PCB.
Importante aspecto dos estudos das masculinidades, é sua divisão entre masculinidades
hegemônicas e masculinidades subalternas. Isto leva a construções em que parte das identidade
masculinas são construídas a partir de sua relação com os padrões de masculinidades dominantes. É
o caso dos homens homossexuais e/ ou de referências a eles que aparecem ao longo do texto. Há
uma clara desqualificação seja pelo Mário autor, seja pelo personagem autor do manuscrito,
daqueles que se apresentam como não portando uma masculinidade nos moldes da esperada.
Estamos diante de uma total rejeição da homossexualidade masculina, que faz com que a
convivência ou mesmo o simples contato com um homossexual seja visto como desabonador e
comprometedor. Depois de algumas especulações irônicas sobre quem seria o autor do manuscrito,
Plínio Marcos ou Josué Montello, e descartados os dois por incompatibilidades no estilo e no tema,
vem a interrogação “Que interesse eu poderia ter pela confidências de um frescalhote”? (Lago,
3
Em nenhum momento do texto o autor do manuscrito diz seu nome, e ao longo de sua narrativa, movido pela
necessidade de se esconder, ele vai assumindo novas identidades, procedimento comum entre aqueles que se viram na
clandestinidade.
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1979, 13) e segue afirmando nunca ter negado conversa aos que encontrou pelos “randevus” (sic)
do Manque e da Lapa,
mas que algum deles, aproveitando-se de uma intimidade passada, chagasse ao
descaramento de vir perturbar meus sessenta e tantos anos com suas revelações, e
mandando aquilo justamente para minha casa, ah não! tenham a santa paciência, já ia um
pouco além da nenhuma importância que sempre dei aos preconceitos, preferindo mesmo
combatê-los. (LAGO, 1979, 14)
O que não impediu de manter a distância.
Vale aqui um parênteses. A ideia de que todo bordel tinha um homossexual entre seus
quadros era compartilhado pela polícia, em seu discurso de desqualificação da prostituição e da
legitimação de sua ação disciplinadora. Ainda assim, o assunto da prostituição masculina constituía
um tabu de tal proporções que em nenhum dos levantamentos feitos pela polícia das prostitutas que
atuavam na cidade do Rio de Janeiro aparece registrada a presença de homossexuais trabalhando
nas casas.
A rejeição é reafirmada quando o narrador passa a contar sua própria história de fuga da
perseguição dos agentes da repressão. Depois de muito caminhar sem destino certo, acaba entrando
em um cinema da Cinelândia procurando um lugar onde pudesse descansar um pouco as pernas
antes de retomar sua caminhada. É quando sente a presença de um homem que já havia visto fora
do cinema. a primeira sensação é de medo, a sensação de que tudo tinha sido em vão e que o fim
chegara, havia sido descoberto e seria preso, ou coisa pior ali mesmo. Mas o que ocorreu foi sentir
uma mão em sua coxa que deslizava em direção à barriguilha (braguilha) da calça. E sua reação foi
de total recusa:
Eu estava cansado, estava, arrebentado até não sei onde e em profundo desânimo por ainda
não me haver ocorrido um local onde encontrasse segurança. Esse estropiamento talvez me
deixasse as ideias um tanto perturbadas, pois a verdade é que, por fração de segundo – e
por que ficaria envergonhado de confessar? –, cheguei a admitir que se consentisse
naquele jogo poderia ter a recompensa de uma cama, de um esconderijo mesmo,
quem sabe?, após o nojo do sacrifício. (LAGO, 1979, 33)
Preferiu voltar para as ruas, para voltar a encontrar outro homossexual, tempos mais tarde,
em sua penúltima parada antes da saída do Brasil. Um amigo que há tempos vinha lhe dando
cobertura o apresenta a Fafinha, um travesti, dono de um bordel (origem do título). Sua reação se
repete, inclusive com a lembrança do ocorrido antes no cinema.
Quanto mais ouvia o tal de Fafinha minha nega falar, mais me ia irritando, tendo de volta à
lembrança o acontecido naquela noite na Cinelândia. Com muito esforço me continha para
não mandar-lhe a pasta na cara. Que repertório de trejeitos exibia o sem-vergonha!
Vontade, mesmo, era dizer ao Custódio para irmos embora dali o mais depressa possível,
pois melhor voltar para o Rio, mesmo a pé, indiferente às consequências de minha
maluquice, do que continuar suportando todas aquelas frescuragens. (LAGO, 1979, 99)
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
Se, de fato, nosso personagem, assim como Mário, era um militante do PCB, sua rejeição a
qualquer possibilidade de contato homossexual é compreensível e faz parte da tradição do Partido4
.
Uma das principais reclamações dos comunistas, presos políticos, era quanto ao comportamento dos
presos comuns. Segundo depoimento de Heitor Ferreira Lima, “viviam sujos, quase sem banhos,
exalando mau cheiro, roubando tudo que podiam [e] não possuindo qualquer reconhecimento
humano, parecendo mais animais do que gente. A pederastia, muito disseminada, se praticava à
noite, debaixo de nossas ‘camas’”. (apud Ferreira, 2011, 127-8).
O mesmo preconceito pode ser percebido no conto É..., do livro Rabo da Noite. O conto é a
história de um pai de família que acha que está prestes a morrer, já que foi ao médico e esse não
disse nada, não lhe receitou nenhum medicamento e apenas mandou que voltasse outro dia. No dia
em que teria a consulta, foi almoçar com a família e presencia uma briga entre seus dois filhos, um
menino e uma menina. O conto é excelente narrativa para se pensar as relações de gênero no Brasil,
mas o trecho que nos interessa aqui é quando o pai pensa sobre as atitudes do filho Paulinho, com
17 anos, “o dia inteiro pelos botecos, no futebol, em bacanais – [...] – com mulheres da vida e outro
tipo de gente que ele preferia não dizer porque a esposa sempre lhe merecera respeito, mas não
podia admitir num filho seu. Coisa de tarado!” (Lago, 1977, 42).
Apesar de não haver uma menção explícita a quem eram essas outras pessoas que
participavam dos bacanais, não há como deixar de pensar em homossexuais e travestis. Personagens
esses que não podiam ser mencionados próximos a uma mãe de família5
.
Se há a discordância, uma sensação de desconforto, um mau estar frente à homossexualidade
como uma forma de masculinidade desviante, há uma aceitação quando ela se impõe, quando para
além dos trejeitos e das opções há uma afirmação contundente da própria masculinidade em muitos
de seus traços tradicionais: como força, coragem, bravura. É o caso pro exemplo, da admiração
demonstrada por Mário Lago em Na rolança do tempo, por Madame Satã (Lago, 1977b, 107). Mas
é também o que ocorre com Fafinha, o travesti que vai abrigar o narrador do Manuscrito. Fafinha
era dono de um cabaré, o que o levou a manter uma postura de força como estratégia para se impor
frente aos frequentadores do caberá e que não pensa duas vezes antes de responder:
Que é que você está pensando de mim, seu grosso de uma figa? Que eu sou mulher, é? sou
muito homem, ouviu? Quando boto a saia entre as pernas até soldado da polícia sai
correndo. (Lago, 1977b, 100)
4
James Green cita o caso em que se chegou a cogitar no “justiçamento” de dois militantes no Presídio Tiradentes, por
conta de suas práticas homossexuais, que “desmoralizariam” a revolução. (Green, 2006, 106)
5
Em suas memórias, Mário relata o desconforto que foi ser abordado por um antigo colega de colégio. Desconforto
causado tanto pela situação do reencontro, mas também pelo choque das diferentes masculinidades. (Lago, 1977b, 91)
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
Apesar de estabelecerem um convívio respeitoso, o personagem não consegue deixar de ser
perguntar, por que “um sujeito tão legal, pinta de galã incrível, podendo gozar status de Rubirosa
indígena, deliciar-se naqueles remelexos e trejeitos quase asquerosos”? (Lago, 1979, 107-8). A
resposta de Regiobaldo, verdadeiro nome de Fafinha, era que tinha sido uma forra contra os pais por
conta do nome, e que fazia com que os pais não merecessem respeito. Seu comportamento seria
uma forma de afrontar os pais, repetindo a lógica de que certos padrões de comportamento eram
suficientemente indignos para serem utilizados como punição aos pais.
A rejeição à homossexualidade que transparece nos texto de Mário Lago só não está
presente em relação à iniciação sexual dos meninos. No conto Rabo da noite, certamente o melhor
conto, o de maior crítica social e o mais triste dos presentes no livro de mesmo nome, Beto é um
jovem recém-casado que acaba na noite do centro do Rio de Janeiro para esperar a manhã quando
poderia ver seu filho que acabará de nascer. O primeiro de muitos acontecimentos da madrugada foi
a voz de um menino por trás de um tapume “Tá machucando, Chicão.” e a voz do Chicão, que “era
como de homem já feito”. A situação provoca revolta e nojo, mas também a de reconhecimento,
afinal “aquela conversa não era novidade para Beto, menino criado no vai do jeito que der. Em
pequeno tinha sido Chicão de muito garoto menor do que ele”. (Lago, 1977, 141-2) A iniciação
sexual ainda jovem parece ser o padrão de masculinidade aceitável e mesmo que ela ocorra numa
relação homossexual desde que sempre no padrão jovem/passivo X mais velho/ativo. Vale lembrar
que o próprio Mário relata em suas memórias suas aventuras nos bordéis da Lapa quando ainda era
estudante do Colégio Pedro II.
Ao pensar no padrão de masculinidade presentes nos textos de Mário Lago, Manuscrito do
heróico e Rabo da noite, é preciso antes de mais nada ter em mente que falamos de dois grupos
sociais bastante distintos. O narrador de Manuscrito do heróico empregadinho de bordel, apesar de
nunca ser identificado (mesmo seu nome é permanentemente mudado à medida que assume novas
identidades na clandestinidade) é um homem de classe média. Quando foi avisado de que poderia
ser preso a qualquer momento estava indo para o trabalho, tendo na mão uma pasta. Não era,
portanto, um operário. Da mesma forma, sua primeira reação foi tomar um taxi e mandar o
motorista rodar sem ter um destino certo, atitude impensável para um trabalhador de menor renda,
ainda mais quando pensamos que uma das principais realizações dos militares no plano econômico
foi o arrocho salarial (Prado & Earp, 2003, 213-6)
Já os diversos personagens dos contos de Rabo da noite, são claramente homens do povo,
trabalhadores que tinham que lidar no cotidiano com a dura realidade econômico-social. A maioria
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vivendo vida nos limites da pobreza, ressaltando as posições políticas do autor, já que a maioria dos
contos podem ser lidos como denúncia social.
Apesar das diferenças entre os cotidianos dos vários homens que compõem as narrativas eles
possuem aspectos comuns. Todos eles são os provedores de suas família. Apenas no conto Rabo da
Noite, a mulher trabalhava, mas com a gravidez se fui forçada a abandonar o trabalho. O
protagonista do Manuscrito tinha companheira e filhos, mas não informação de como eles
sobreviveram com após a fuga. Mas a maioria das mulheres com as quais ele se relaciona ao longo
da narrativa, não exercia atividade fora de casa, apenas aquelas que não tinham um homem que lhes
provesse o sustento, caso da Rosalinda. Em todos os casos estamos diante de um homem que
trabalha, e trabalha duro para garantir o sustento de sua família.
Também estamos diante de homens que mesmo casados não deixam de ter relacionamentos
fora do casamento, principalmente com prostitutas. Mas chama a atenção a forma como o
protagonista do Manuscrito durante seu período de clandestinidade acaba se relacionando com
várias mulheres. É um sinal claro de uma vida sexual bastante livre, que não se prendia às amarras
do casamento. Menção à sexualidade como uma força acima das demais é frequente em relação aos
homens, não estranha, portanto, que uma prostituta só entende-se sua recusa com a expressão “Você
está precisando mesmo é de um bom garoto” (Lago, 1979, 34), sem acreditar na sua incapacidade
de pagar pela noite. No conto Rabo da noite, Beto é aconselhado a ir para o centro da cidade pois a
mulher teria um longo período de resguardo pela frente e não “daria conta do recado” (Lago, 1977,
141). E, claro, masturbação era uma prática dos tempos de criança, que não cabia a um homem
adulto, ainda que os barulhos da orgia no quarto ao lado fosse digna de figurar num quadro de
Bosch (Lago, 1979, 74)
Mas se o padrão de masculinidade implicava numa sexualidade ativa e heterossexual, cabe
salientar que a representação das mulheres feitas por Mário Lago apresenta algumas ambiguidades.
No Manuscrito, quando ele pede abrigo a uma antiga amiga de infância a primeira reação dela é
“que é que você está pensando de mim, hein?”, para em seguida, explicada a situação acresentar “É
que desde quando fiquei viúva, sabe?, nunca mais homem nenhum entrou lá em casa.” (Lago, 1977,
46-7). E para aquelas que se desviam do caminho a prostituição, ou pelo menos o direito a dizer não
aos homens parecia ser o destino previsto (Lago, 1979, 88)
Mas nos contos em vários momentos as mulheres tomam a iniciativa da sedução,
principalmente quando são jovens, como nos contos Azeredo, o Simples Azeredo e Pra quê, se não
necessário? Mas, mais indicativo desse papel ativo das mulheres é o final do conto Carossel,
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quando a filha explica as razões de sua separação e fala do desejo de se casar novamente a mãe
recomenda:
– Maria, a vida é como um carrossel de parque de diversões. Já viu quantos cavalinhos para
a pessoa montar? Hoje um, amanhã outro, depois um terceiro, um quarto... É muito mais
divertido do que montar num cavalo só, acredite. (LAGO, 1977, 82)
Interessante é perceber que mesmo sendo mulheres do povo, poucas delas exercem atividade
remunerada fora de suas casas. Apenas Maninha do conto Rabo da noite era operária antes da
gravidez. As outras exercem atividades que podiam ser feitas na própria casa, como lavar roupa
para fora. Mas elas são essencialmente domésticas, principalmente depois de casadas, que parece
ser o destino das mulheres na representação dos texto. Caso mais sintomático disso é Nininha, do
conto Azeredo, o simples Azeredo. Namoradeira como ela só, “a moça andara aprendendo [outras
prendas] por conta própria em cursos intensivos com um mundão de namorados pelos cinemas e
esquinas do bairro ou mesmo um pouco mais longe” (Lago, 1977, 12). O que fez com que a mãe
visse na inocência de Azeredo a salvação para sua filha, que poderia assim casar e deixar de ser
falada, a Nininha-toalha.
Muitos dos personagens de Mário Lago eram trabalhadores. Trabalhadores que passam boa
parte do dia fora de suas casas e por isso têm pouco tempo para se dedicar aos filhos. A paternidade
é certamente importante aspecto da questão das formas de masculinidades. No Manuscrito, o
protagonista se refere uma única vez aos filhos. Depois de muito perambular, cansado e sujo,
usando a mesma roupa por semanas, diante do espelho vem “Inevitável a lembrança da mão da filha
me ajeitando os cabelos para a careca aparecer um pouco menos, os filhos se divertindo com minha
preocupação de elegância” (Lago, 1979, 40). Difícil avaliar se era uma relação amorosa, mas
certamente era de um pai presente.
Nos contos também aparecem várias vezes a figura paterna. Em É..., Tonho é um pai divido.
Achando-se perto da morte não quer que a última imagem dos filhos a seu respeito seja a de um pau
disciplinador, “um chato eternamente em censuras”. Sua auto imagem é a de um pau preocupado
em agradar e fazer as vontades dos filhos, mas sem descurar de chamar-lhes a atenção. Ainda assim,
a imagem do conto é de uma clara divisão de tarefas entre pai e mãe: as brigas entre os irmãos só
cessam na presença do pai, a fonte de autoridade na casa; enquanto a mãe, claramente mais
permissiva é o tempo todo cobrada por Tonho no sentido de ter maior autoridade sobre os filhos.
Também em Ursa Maior, Ursa Menor, Pedro não se negava a ficar com os filhos nos domingos
quando a mulher saia para entrega as roupas e demonstrava preocupação com sua educação, com o
cultivo de bons hábitos, preocupado que os filhos ouvissem a mãe falando palavrões. Apesar do
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pouco tempo que passava em casa, já que saia cedo e só voltava tarde da noite com os filhos já
dormindo, havia uma preocupação sincera de Pedro em relação aos filhos.
Mas em nenhum outro lugar a questão da paternidade assume cores tão dramáticas quanto
no conto Rabo da noite. O conto narra a história de um jovem casal Beto e Maninha e as muitas
dificuldades que enfrentam. Se os textos apresentam pais presentes e mesmo amorosos, isso não
chega a ponto de se perdoar a filha que “deu o mau passo”. Maninha saiu de casa contra a vontade
do pai que não queria seu casamento com Beto. Casados, logo vem a gravidez e o aumento das
dificuldades: vida no subúrbio distante, salário baixo, despesas aumentando. No dia do parto Beto
chega tarde ao hospital, depois do horário de visitas e a enfermeira não o deixa entrar, mas consente
numa visita logo pela manha.
Voltar para o subúrbio era correr o risco de perder o horário, o sofá do hospital era muito
desconfortável. Acaba sendo aconselhado pelo porteiro do hospital a ir ao centro da cidade
aproveitar a noite, já que a mulher teria longo período de resguardo. No centro da cidade ele viveria
uma noite difícil: presencia a cena de sexo entre um menino e um marinheiro. em seguida é quase
assaltado por um grupo de jovens, de cerca de 14-15 anos que viviam na rua. De repente a rua se
ilumina, era a filmagem de um filme, onde acaba ocorrendo um assalto. O suspeito é um menino
que estava próximo e que é surrado pela equipe, até descobrirem que ele era inocente. Inocente do
assunto, o que não o impediu de furtar o dinheiro daqueles que o espancavam. Também esse
menino vivia nas ruas, mas naquela semana pela menos teria dinheiro para comer. Para completar a
noite quando voltava, passava por uma batida polícia e um hotel de prostituição. Primeiro vê um
casal que se justificava com a polícia, pois era marido e mulher, mas se viam obrigados a irem ali
porque o lugar onde moravam com os filhos eram tão pequenos que não lhes dava privacidade. Por
último, ouve seu nome e reconhece sua primeira namoradinha de infância, agora uma prostituta.
Descobre que sua família, antes tão moralista não só aprovava sua condição como se aproveitava
dela, e ainda que ela conseguia na prostituição uma renda muito maior do que a sua.
Depois dessa noite onde muitas das mazelas sociais da cidade lhe foram apresentadas Beto
foi para o hospital esperar a hora da primeira mamada para poder ver sua Maninha e o filho. No
quarto pede para segurar a criança e em meio a um fluxo de lembranças estrangula o filho:
A gente mora nove num barraco só, seu delegado, de noite sente vontade enquanto aqueles
caras me batiam afanei um bocado de dinheiro deles parece que perdeu a língua Beto tá tão
prosa assim porque é pai me deixa de mão moço você está muchucando elezinho Beto não
é assim que se segura criança pão nosso de cada dia nego vambora mão já chega ele tá
chorando benzinho você não tá segurando direito nove milhas por mês quando não tem
navio de camone vambora mãe já lá em casa a coisa era dura-mão vambora mãe você disse
que não ia machuca me dá elezinho aqui se fosse baseado era mais legal não faça isso Beto
Beto!
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Diante daquela realidade sem perspectiva que se lhe apresentava Beto julgou que a maior
prova de amor a seu filho era poupa-lo de viver num mundo tão cruel.
Referências bibliográficas
FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular (1930-1945). Rio de Janeiro: 7
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GASPARI, Élio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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O golpe de 1964 e o regime militar. Novas perspectivas. São Carlos/SP: EDUFSCar, 2006, p.105-
117
LAGO, Mário. Rabo da noite. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
__________. Na rolança do tempo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977b.
__________. Manuscrito do heróico empregadinho de bordel. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1979.
__________. Reminiscências do sol quadrado. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
MATOS, Marlise. Teorias de gênero ou teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero e
feministas se transformaram em um campo novo para as ciências. Estudos Feministas,
Florianópolis, n. 16, v. 2, maio/agosto 2008, p. 333-357
PRADO, Luiz Carlos Delorme & EARP, Fábio Sá. O “milagre” brasileiro: crescimento acelerado,
integração internacional e concentração de renda (1967-1973). In: FERREIRA, Jorge &
DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano, vol. 4. O tempo da ditadura:
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VELLOSO, Mônica. Mário Lago. Boemia e política. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1998.
Site de comemoração aos 100 anos de Mário Lago www.mariolago.com.br/literatura.php
Feminility and Masculinity on Mário Lago's literature
Abstract: Much knowed as an actor and a composer, as well as a political militant of Communist
Party, Mário Lago was also the author of memories, poetry, short stories and novels, which are
much forgotten. This work aims to take back the relevance of Mário Lago as a writer, trying to
understand how femininity and masculinity appear on his texts. Mário Lago was a whiter who news
quite well his society and his city, Rio de Janeiro. Using the concepts of representation and gender,
we will try to show his perception of female and male social attribution, and a kind of tragic view of
emotional relations between men and women.
Keywords: Masculinities. Feminilities. Mário Lago.

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FEMININO E MASCULINO NA OBRA LITERÁRIA DE MÁRIO LAGO

  • 1. 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X FEMININO E MASCULINO NA OBRA LITERÁRIA DE MÁRIO LAGO Getúlio Nascentes da Cunha Resumo: Apesar de ser mais conhecido como ator e compositor além de militante político ligado ao PCB, Mário Lago foi também autor de memórias, poesias, contos e romances, que se encontram hoje um pouco esquecidos. A proposta do trabalho é retomar a importância de Mário Lago enquanto escritor, buscando entender como ele representava os papéis masculinos e femininos em seus textos. Mário Lago foi um autor profundamente inserido em seu tempo, com grande vivência do cotidiano da cidade do Rio de Janeiro. Partindo da ideia de representação e de gênero, buscaremos discutir sua percepção do papel de homens e mulheres, enfatizando certa visão trágica que perpassa seus textos, principalmente quando envolve as relações afetivas Palavras-chave: Masculinidades. Femilinidades. Mário Lago. Mário Lago é certamente mais conhecido pelo público em geral como ator. Sua presença em novelas de rádio e de TV, em filmes e no teatro, lhe deram notoriedade nacional e reconhecimento. Alguns talvez se lembrem dele também com compositor de “Ai que saudades da Amélia”. Sem se darem conta de que além desta, que foi certamente sua música de maior sucesso, ele compôs mais de 100 músicas, principalmente sambas, sua grande paixão musical. Poucos devem lembrar de Mário Lago como militante político, simpatizante do Partido Comunista Brasileiro, do qual se aproximou no início dos anos 1930 influenciado por colegas da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro (Velloso, 1998, 215). Sua simpatia pelo Partido Comunista Brasileiro se estendeu por boa parte de sua vida1 , caracterizando uma intensa participação social em todas as atividades que desenvolvia. É assim que acaba sendo preso em 1932, 1937, 1948, 1949, 1964 e novamente em 1968, gerando inclusive uma das ironias típicas da escrita de Mário Lago: Quando fui preso em 68 (o Ato começava sua devastação), fui encontrar esse sargento servindo no Caetano de Faria, promovido a capitão, comandante de tropa de choque, e o rápido diálogo que travamos foi meio piada de revista: – O senhor não muda, hein, seu Mário? Virou, mexeu, tá preso. – Nem o senhor. Virou Mexeu, tá prendendo. (LAGO, 2001, 40) Aqueles que se interessam pela história do Rio de Janeiro entre o final dos anos 1920 e a década de 1950, pela sua boemia, sua vida noturna e cultural, o Carnaval, seus teatros, sua vida cotidiana, certamente leram ou ouviram falar de seus dois livros de mémória: Na rolança do tempo e Bagaço de beira-estrada. Junto com Reminiscências do sol quadrado, suas memórias sobre sua prisão em 1964, foram um belo exemplo de memorialística. 1 No final dos anos 1980 se aproximou do PT apoiando a candidatura de Lula no segundo turno da eleição
  • 2. 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Bem menos conhecida e quase que esquecida, já que nunca foram reeditadas é sua obra de ficção, curta, mas significativa. Um livro de poemas políticos, O povo escreve a história nas paredes (disponível na internet no site de comemoração dos 100 anos do autor); um livro infantil, O mostrinho medonhento, de bastante sucesso; o livro de contos, No rabo da noite; o romance, Manuscritos do heróico empregadinho de bordel; e dois livros com histórias curtas, poemas, frases, Meia porção de sarapatel e 16 linhas cravadas. A proposta central do presente texto é perceber as diversas masculinidades e representações do feminino presentes nos livros Rabo da Noite e Manuscrito do heróico empregadinho de bordel, nos socorrendo quando for necessário das demais obras do autor. Os dois foram publicados pela Civilização Brasileira, o primeiro em 1977 e o segundo em 1979. Vale lembrar que o final dos anos 1970, quando Mário Lago já estava com mais de 60 anos, concentra boa parte de sua produção literária imprensa e toda ela na Civilização Brasileira. Apesar da consolidação inegável dos estudos de gênero no Brasil, não é possível ainda deixar de ter a percepção de que eles ainda estão focados mais nas mulheres e nos homossexuais, com pouca preocupação com questões voltadas para as masculinidades, em especial quando se pensa numa masculinidade heterossexual. Poucos estudos focam essas questões, ainda que o “o conceito [gênero] também abriu espaço analítico para se questionar as próprias categorias de homem e de mascunilidade, bem como de mulher e de feminino” (Matos, 2008, 337) O livro Manuscrito do heróico empregadinho de bordel, pode ser lido de várias formas. A orelha escrita por Ariel Krivochein Marques enfatizava sua característica de retrato do Rio de Janeiro, lugar onde se passa parte da história. Uma outra forma de ver a narrativa é como um retrato da violência do Regime Militar brasileiro do pós-64. O suposto manuscrito, teria sido entregue a Mário Lago por uma desconhecida, ele imagina ser uma prostituta, que o recebeu no aeroporto com instruções de entregá-lo diretamente a Mário. A mulher não é capaz de dar maiores informações sobre a origem do manuscrito, diz apenas que o recebeu das mãos de “um pinta”2 que embarcava pra o estrangeiro (Lago, 1979, 10). a primeira reação de Lago ao receber o pacote é de suspeita, afinal “coisas bem estranhas acontecem nos tempos que vivemos. Aquele rolo podia conter documentos comprometedores e, saída a mensageira, chegarem os homens que me incriminariam por estar com aquilo entre as mãos” (Lago, 1979, 11). Ao ler o título manuscrito do heróico empregadinho de bordel, o medo muda, passou ao de ser pego pela família e associado àquela figura, afinal, empregado de bordel tinha que ser um 2 Pinta é gíria para cara, pessoa. www.dicafacil.com/2011/09/05/girias-de-carioca, acesso em 30/04/2013
  • 3. 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X “frescalhote”. Decide esconder o manuscrito e só retoma a ele num dia em que perde o sono e se põe a ler. O manuscrito era na verdade o relato da fuga de um militante de esquerda, que avisado na rua de que seria preso, resolve fugir, sem retornar nem mesmo em casa para se despedir, pegar roupas ou o que fosse. Perambula pela cidade por dias a procura de um lugar onde pudesse se esconder, até que encontra um antigo conhecido que o leva para o interior de São Paulo onde passa anos escondido em várias situações diferentes, sendo a última delas um bordel. Lá, na tentativa de ajudar o travesti, dono do lugar, se propôs a trabalhar, originando o título do manuscrito. Mas a coisa não dá certo, afinal, os fregueses, assim como Mário achavam que empregadinho de bordel tinha necessariamente de ser homossexual, gerando um atrito que o leva a deixar mais uma vez seu esconderijo, só que agora com a decisão de deixar o país. Assim entramos nos aspectos da questão de gênero e das masculinidades apresentadas por Mário Lago. A história não está datada, mas tudo sugere que ela se passa num tempo presente relativamente curto, Mário recebeu o manuscrito no exato momento em que seu personagem resolveu sair do país3 , portanto estamos em algum ponto entre 1978 e 1979. As perambulações do personagem duraram alguns anos, o que remete seu início para meados da década, momento em que o governo militar voltou suas atenções para o PCB, que tinha ficado fora da luta armada (Gaspari, 2003, 405). Portanto, nosso personagem era certamente um militante do PCB. Importante aspecto dos estudos das masculinidades, é sua divisão entre masculinidades hegemônicas e masculinidades subalternas. Isto leva a construções em que parte das identidade masculinas são construídas a partir de sua relação com os padrões de masculinidades dominantes. É o caso dos homens homossexuais e/ ou de referências a eles que aparecem ao longo do texto. Há uma clara desqualificação seja pelo Mário autor, seja pelo personagem autor do manuscrito, daqueles que se apresentam como não portando uma masculinidade nos moldes da esperada. Estamos diante de uma total rejeição da homossexualidade masculina, que faz com que a convivência ou mesmo o simples contato com um homossexual seja visto como desabonador e comprometedor. Depois de algumas especulações irônicas sobre quem seria o autor do manuscrito, Plínio Marcos ou Josué Montello, e descartados os dois por incompatibilidades no estilo e no tema, vem a interrogação “Que interesse eu poderia ter pela confidências de um frescalhote”? (Lago, 3 Em nenhum momento do texto o autor do manuscrito diz seu nome, e ao longo de sua narrativa, movido pela necessidade de se esconder, ele vai assumindo novas identidades, procedimento comum entre aqueles que se viram na clandestinidade.
  • 4. 4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X 1979, 13) e segue afirmando nunca ter negado conversa aos que encontrou pelos “randevus” (sic) do Manque e da Lapa, mas que algum deles, aproveitando-se de uma intimidade passada, chagasse ao descaramento de vir perturbar meus sessenta e tantos anos com suas revelações, e mandando aquilo justamente para minha casa, ah não! tenham a santa paciência, já ia um pouco além da nenhuma importância que sempre dei aos preconceitos, preferindo mesmo combatê-los. (LAGO, 1979, 14) O que não impediu de manter a distância. Vale aqui um parênteses. A ideia de que todo bordel tinha um homossexual entre seus quadros era compartilhado pela polícia, em seu discurso de desqualificação da prostituição e da legitimação de sua ação disciplinadora. Ainda assim, o assunto da prostituição masculina constituía um tabu de tal proporções que em nenhum dos levantamentos feitos pela polícia das prostitutas que atuavam na cidade do Rio de Janeiro aparece registrada a presença de homossexuais trabalhando nas casas. A rejeição é reafirmada quando o narrador passa a contar sua própria história de fuga da perseguição dos agentes da repressão. Depois de muito caminhar sem destino certo, acaba entrando em um cinema da Cinelândia procurando um lugar onde pudesse descansar um pouco as pernas antes de retomar sua caminhada. É quando sente a presença de um homem que já havia visto fora do cinema. a primeira sensação é de medo, a sensação de que tudo tinha sido em vão e que o fim chegara, havia sido descoberto e seria preso, ou coisa pior ali mesmo. Mas o que ocorreu foi sentir uma mão em sua coxa que deslizava em direção à barriguilha (braguilha) da calça. E sua reação foi de total recusa: Eu estava cansado, estava, arrebentado até não sei onde e em profundo desânimo por ainda não me haver ocorrido um local onde encontrasse segurança. Esse estropiamento talvez me deixasse as ideias um tanto perturbadas, pois a verdade é que, por fração de segundo – e por que ficaria envergonhado de confessar? –, cheguei a admitir que se consentisse naquele jogo poderia ter a recompensa de uma cama, de um esconderijo mesmo, quem sabe?, após o nojo do sacrifício. (LAGO, 1979, 33) Preferiu voltar para as ruas, para voltar a encontrar outro homossexual, tempos mais tarde, em sua penúltima parada antes da saída do Brasil. Um amigo que há tempos vinha lhe dando cobertura o apresenta a Fafinha, um travesti, dono de um bordel (origem do título). Sua reação se repete, inclusive com a lembrança do ocorrido antes no cinema. Quanto mais ouvia o tal de Fafinha minha nega falar, mais me ia irritando, tendo de volta à lembrança o acontecido naquela noite na Cinelândia. Com muito esforço me continha para não mandar-lhe a pasta na cara. Que repertório de trejeitos exibia o sem-vergonha! Vontade, mesmo, era dizer ao Custódio para irmos embora dali o mais depressa possível, pois melhor voltar para o Rio, mesmo a pé, indiferente às consequências de minha maluquice, do que continuar suportando todas aquelas frescuragens. (LAGO, 1979, 99)
  • 5. 5 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Se, de fato, nosso personagem, assim como Mário, era um militante do PCB, sua rejeição a qualquer possibilidade de contato homossexual é compreensível e faz parte da tradição do Partido4 . Uma das principais reclamações dos comunistas, presos políticos, era quanto ao comportamento dos presos comuns. Segundo depoimento de Heitor Ferreira Lima, “viviam sujos, quase sem banhos, exalando mau cheiro, roubando tudo que podiam [e] não possuindo qualquer reconhecimento humano, parecendo mais animais do que gente. A pederastia, muito disseminada, se praticava à noite, debaixo de nossas ‘camas’”. (apud Ferreira, 2011, 127-8). O mesmo preconceito pode ser percebido no conto É..., do livro Rabo da Noite. O conto é a história de um pai de família que acha que está prestes a morrer, já que foi ao médico e esse não disse nada, não lhe receitou nenhum medicamento e apenas mandou que voltasse outro dia. No dia em que teria a consulta, foi almoçar com a família e presencia uma briga entre seus dois filhos, um menino e uma menina. O conto é excelente narrativa para se pensar as relações de gênero no Brasil, mas o trecho que nos interessa aqui é quando o pai pensa sobre as atitudes do filho Paulinho, com 17 anos, “o dia inteiro pelos botecos, no futebol, em bacanais – [...] – com mulheres da vida e outro tipo de gente que ele preferia não dizer porque a esposa sempre lhe merecera respeito, mas não podia admitir num filho seu. Coisa de tarado!” (Lago, 1977, 42). Apesar de não haver uma menção explícita a quem eram essas outras pessoas que participavam dos bacanais, não há como deixar de pensar em homossexuais e travestis. Personagens esses que não podiam ser mencionados próximos a uma mãe de família5 . Se há a discordância, uma sensação de desconforto, um mau estar frente à homossexualidade como uma forma de masculinidade desviante, há uma aceitação quando ela se impõe, quando para além dos trejeitos e das opções há uma afirmação contundente da própria masculinidade em muitos de seus traços tradicionais: como força, coragem, bravura. É o caso pro exemplo, da admiração demonstrada por Mário Lago em Na rolança do tempo, por Madame Satã (Lago, 1977b, 107). Mas é também o que ocorre com Fafinha, o travesti que vai abrigar o narrador do Manuscrito. Fafinha era dono de um cabaré, o que o levou a manter uma postura de força como estratégia para se impor frente aos frequentadores do caberá e que não pensa duas vezes antes de responder: Que é que você está pensando de mim, seu grosso de uma figa? Que eu sou mulher, é? sou muito homem, ouviu? Quando boto a saia entre as pernas até soldado da polícia sai correndo. (Lago, 1977b, 100) 4 James Green cita o caso em que se chegou a cogitar no “justiçamento” de dois militantes no Presídio Tiradentes, por conta de suas práticas homossexuais, que “desmoralizariam” a revolução. (Green, 2006, 106) 5 Em suas memórias, Mário relata o desconforto que foi ser abordado por um antigo colega de colégio. Desconforto causado tanto pela situação do reencontro, mas também pelo choque das diferentes masculinidades. (Lago, 1977b, 91)
  • 6. 6 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Apesar de estabelecerem um convívio respeitoso, o personagem não consegue deixar de ser perguntar, por que “um sujeito tão legal, pinta de galã incrível, podendo gozar status de Rubirosa indígena, deliciar-se naqueles remelexos e trejeitos quase asquerosos”? (Lago, 1979, 107-8). A resposta de Regiobaldo, verdadeiro nome de Fafinha, era que tinha sido uma forra contra os pais por conta do nome, e que fazia com que os pais não merecessem respeito. Seu comportamento seria uma forma de afrontar os pais, repetindo a lógica de que certos padrões de comportamento eram suficientemente indignos para serem utilizados como punição aos pais. A rejeição à homossexualidade que transparece nos texto de Mário Lago só não está presente em relação à iniciação sexual dos meninos. No conto Rabo da noite, certamente o melhor conto, o de maior crítica social e o mais triste dos presentes no livro de mesmo nome, Beto é um jovem recém-casado que acaba na noite do centro do Rio de Janeiro para esperar a manhã quando poderia ver seu filho que acabará de nascer. O primeiro de muitos acontecimentos da madrugada foi a voz de um menino por trás de um tapume “Tá machucando, Chicão.” e a voz do Chicão, que “era como de homem já feito”. A situação provoca revolta e nojo, mas também a de reconhecimento, afinal “aquela conversa não era novidade para Beto, menino criado no vai do jeito que der. Em pequeno tinha sido Chicão de muito garoto menor do que ele”. (Lago, 1977, 141-2) A iniciação sexual ainda jovem parece ser o padrão de masculinidade aceitável e mesmo que ela ocorra numa relação homossexual desde que sempre no padrão jovem/passivo X mais velho/ativo. Vale lembrar que o próprio Mário relata em suas memórias suas aventuras nos bordéis da Lapa quando ainda era estudante do Colégio Pedro II. Ao pensar no padrão de masculinidade presentes nos textos de Mário Lago, Manuscrito do heróico e Rabo da noite, é preciso antes de mais nada ter em mente que falamos de dois grupos sociais bastante distintos. O narrador de Manuscrito do heróico empregadinho de bordel, apesar de nunca ser identificado (mesmo seu nome é permanentemente mudado à medida que assume novas identidades na clandestinidade) é um homem de classe média. Quando foi avisado de que poderia ser preso a qualquer momento estava indo para o trabalho, tendo na mão uma pasta. Não era, portanto, um operário. Da mesma forma, sua primeira reação foi tomar um taxi e mandar o motorista rodar sem ter um destino certo, atitude impensável para um trabalhador de menor renda, ainda mais quando pensamos que uma das principais realizações dos militares no plano econômico foi o arrocho salarial (Prado & Earp, 2003, 213-6) Já os diversos personagens dos contos de Rabo da noite, são claramente homens do povo, trabalhadores que tinham que lidar no cotidiano com a dura realidade econômico-social. A maioria
  • 7. 7 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X vivendo vida nos limites da pobreza, ressaltando as posições políticas do autor, já que a maioria dos contos podem ser lidos como denúncia social. Apesar das diferenças entre os cotidianos dos vários homens que compõem as narrativas eles possuem aspectos comuns. Todos eles são os provedores de suas família. Apenas no conto Rabo da Noite, a mulher trabalhava, mas com a gravidez se fui forçada a abandonar o trabalho. O protagonista do Manuscrito tinha companheira e filhos, mas não informação de como eles sobreviveram com após a fuga. Mas a maioria das mulheres com as quais ele se relaciona ao longo da narrativa, não exercia atividade fora de casa, apenas aquelas que não tinham um homem que lhes provesse o sustento, caso da Rosalinda. Em todos os casos estamos diante de um homem que trabalha, e trabalha duro para garantir o sustento de sua família. Também estamos diante de homens que mesmo casados não deixam de ter relacionamentos fora do casamento, principalmente com prostitutas. Mas chama a atenção a forma como o protagonista do Manuscrito durante seu período de clandestinidade acaba se relacionando com várias mulheres. É um sinal claro de uma vida sexual bastante livre, que não se prendia às amarras do casamento. Menção à sexualidade como uma força acima das demais é frequente em relação aos homens, não estranha, portanto, que uma prostituta só entende-se sua recusa com a expressão “Você está precisando mesmo é de um bom garoto” (Lago, 1979, 34), sem acreditar na sua incapacidade de pagar pela noite. No conto Rabo da noite, Beto é aconselhado a ir para o centro da cidade pois a mulher teria um longo período de resguardo pela frente e não “daria conta do recado” (Lago, 1977, 141). E, claro, masturbação era uma prática dos tempos de criança, que não cabia a um homem adulto, ainda que os barulhos da orgia no quarto ao lado fosse digna de figurar num quadro de Bosch (Lago, 1979, 74) Mas se o padrão de masculinidade implicava numa sexualidade ativa e heterossexual, cabe salientar que a representação das mulheres feitas por Mário Lago apresenta algumas ambiguidades. No Manuscrito, quando ele pede abrigo a uma antiga amiga de infância a primeira reação dela é “que é que você está pensando de mim, hein?”, para em seguida, explicada a situação acresentar “É que desde quando fiquei viúva, sabe?, nunca mais homem nenhum entrou lá em casa.” (Lago, 1977, 46-7). E para aquelas que se desviam do caminho a prostituição, ou pelo menos o direito a dizer não aos homens parecia ser o destino previsto (Lago, 1979, 88) Mas nos contos em vários momentos as mulheres tomam a iniciativa da sedução, principalmente quando são jovens, como nos contos Azeredo, o Simples Azeredo e Pra quê, se não necessário? Mas, mais indicativo desse papel ativo das mulheres é o final do conto Carossel,
  • 8. 8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X quando a filha explica as razões de sua separação e fala do desejo de se casar novamente a mãe recomenda: – Maria, a vida é como um carrossel de parque de diversões. Já viu quantos cavalinhos para a pessoa montar? Hoje um, amanhã outro, depois um terceiro, um quarto... É muito mais divertido do que montar num cavalo só, acredite. (LAGO, 1977, 82) Interessante é perceber que mesmo sendo mulheres do povo, poucas delas exercem atividade remunerada fora de suas casas. Apenas Maninha do conto Rabo da noite era operária antes da gravidez. As outras exercem atividades que podiam ser feitas na própria casa, como lavar roupa para fora. Mas elas são essencialmente domésticas, principalmente depois de casadas, que parece ser o destino das mulheres na representação dos texto. Caso mais sintomático disso é Nininha, do conto Azeredo, o simples Azeredo. Namoradeira como ela só, “a moça andara aprendendo [outras prendas] por conta própria em cursos intensivos com um mundão de namorados pelos cinemas e esquinas do bairro ou mesmo um pouco mais longe” (Lago, 1977, 12). O que fez com que a mãe visse na inocência de Azeredo a salvação para sua filha, que poderia assim casar e deixar de ser falada, a Nininha-toalha. Muitos dos personagens de Mário Lago eram trabalhadores. Trabalhadores que passam boa parte do dia fora de suas casas e por isso têm pouco tempo para se dedicar aos filhos. A paternidade é certamente importante aspecto da questão das formas de masculinidades. No Manuscrito, o protagonista se refere uma única vez aos filhos. Depois de muito perambular, cansado e sujo, usando a mesma roupa por semanas, diante do espelho vem “Inevitável a lembrança da mão da filha me ajeitando os cabelos para a careca aparecer um pouco menos, os filhos se divertindo com minha preocupação de elegância” (Lago, 1979, 40). Difícil avaliar se era uma relação amorosa, mas certamente era de um pai presente. Nos contos também aparecem várias vezes a figura paterna. Em É..., Tonho é um pai divido. Achando-se perto da morte não quer que a última imagem dos filhos a seu respeito seja a de um pau disciplinador, “um chato eternamente em censuras”. Sua auto imagem é a de um pau preocupado em agradar e fazer as vontades dos filhos, mas sem descurar de chamar-lhes a atenção. Ainda assim, a imagem do conto é de uma clara divisão de tarefas entre pai e mãe: as brigas entre os irmãos só cessam na presença do pai, a fonte de autoridade na casa; enquanto a mãe, claramente mais permissiva é o tempo todo cobrada por Tonho no sentido de ter maior autoridade sobre os filhos. Também em Ursa Maior, Ursa Menor, Pedro não se negava a ficar com os filhos nos domingos quando a mulher saia para entrega as roupas e demonstrava preocupação com sua educação, com o cultivo de bons hábitos, preocupado que os filhos ouvissem a mãe falando palavrões. Apesar do
  • 9. 9 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X pouco tempo que passava em casa, já que saia cedo e só voltava tarde da noite com os filhos já dormindo, havia uma preocupação sincera de Pedro em relação aos filhos. Mas em nenhum outro lugar a questão da paternidade assume cores tão dramáticas quanto no conto Rabo da noite. O conto narra a história de um jovem casal Beto e Maninha e as muitas dificuldades que enfrentam. Se os textos apresentam pais presentes e mesmo amorosos, isso não chega a ponto de se perdoar a filha que “deu o mau passo”. Maninha saiu de casa contra a vontade do pai que não queria seu casamento com Beto. Casados, logo vem a gravidez e o aumento das dificuldades: vida no subúrbio distante, salário baixo, despesas aumentando. No dia do parto Beto chega tarde ao hospital, depois do horário de visitas e a enfermeira não o deixa entrar, mas consente numa visita logo pela manha. Voltar para o subúrbio era correr o risco de perder o horário, o sofá do hospital era muito desconfortável. Acaba sendo aconselhado pelo porteiro do hospital a ir ao centro da cidade aproveitar a noite, já que a mulher teria longo período de resguardo. No centro da cidade ele viveria uma noite difícil: presencia a cena de sexo entre um menino e um marinheiro. em seguida é quase assaltado por um grupo de jovens, de cerca de 14-15 anos que viviam na rua. De repente a rua se ilumina, era a filmagem de um filme, onde acaba ocorrendo um assalto. O suspeito é um menino que estava próximo e que é surrado pela equipe, até descobrirem que ele era inocente. Inocente do assunto, o que não o impediu de furtar o dinheiro daqueles que o espancavam. Também esse menino vivia nas ruas, mas naquela semana pela menos teria dinheiro para comer. Para completar a noite quando voltava, passava por uma batida polícia e um hotel de prostituição. Primeiro vê um casal que se justificava com a polícia, pois era marido e mulher, mas se viam obrigados a irem ali porque o lugar onde moravam com os filhos eram tão pequenos que não lhes dava privacidade. Por último, ouve seu nome e reconhece sua primeira namoradinha de infância, agora uma prostituta. Descobre que sua família, antes tão moralista não só aprovava sua condição como se aproveitava dela, e ainda que ela conseguia na prostituição uma renda muito maior do que a sua. Depois dessa noite onde muitas das mazelas sociais da cidade lhe foram apresentadas Beto foi para o hospital esperar a hora da primeira mamada para poder ver sua Maninha e o filho. No quarto pede para segurar a criança e em meio a um fluxo de lembranças estrangula o filho: A gente mora nove num barraco só, seu delegado, de noite sente vontade enquanto aqueles caras me batiam afanei um bocado de dinheiro deles parece que perdeu a língua Beto tá tão prosa assim porque é pai me deixa de mão moço você está muchucando elezinho Beto não é assim que se segura criança pão nosso de cada dia nego vambora mão já chega ele tá chorando benzinho você não tá segurando direito nove milhas por mês quando não tem navio de camone vambora mãe já lá em casa a coisa era dura-mão vambora mãe você disse que não ia machuca me dá elezinho aqui se fosse baseado era mais legal não faça isso Beto Beto!
  • 10. 10 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X Diante daquela realidade sem perspectiva que se lhe apresentava Beto julgou que a maior prova de amor a seu filho era poupa-lo de viver num mundo tão cruel. Referências bibliográficas FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular (1930-1945). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011 GASPARI, Élio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. GREEN, James N. “Quem é o homem que quer me matar?”: homossexualidade, masculinidade e luta armada revolucionária nas décadas de 1960 e 1970. In: MARTINS Filho, João Roberto (org.). O golpe de 1964 e o regime militar. Novas perspectivas. São Carlos/SP: EDUFSCar, 2006, p.105- 117 LAGO, Mário. Rabo da noite. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. __________. Na rolança do tempo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977b. __________. Manuscrito do heróico empregadinho de bordel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. __________. Reminiscências do sol quadrado. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. MATOS, Marlise. Teorias de gênero ou teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero e feministas se transformaram em um campo novo para as ciências. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 16, v. 2, maio/agosto 2008, p. 333-357 PRADO, Luiz Carlos Delorme & EARP, Fábio Sá. O “milagre” brasileiro: crescimento acelerado, integração internacional e concentração de renda (1967-1973). In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano, vol. 4. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 207-241. VELLOSO, Mônica. Mário Lago. Boemia e política. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1998. Site de comemoração aos 100 anos de Mário Lago www.mariolago.com.br/literatura.php Feminility and Masculinity on Mário Lago's literature Abstract: Much knowed as an actor and a composer, as well as a political militant of Communist Party, Mário Lago was also the author of memories, poetry, short stories and novels, which are much forgotten. This work aims to take back the relevance of Mário Lago as a writer, trying to understand how femininity and masculinity appear on his texts. Mário Lago was a whiter who news quite well his society and his city, Rio de Janeiro. Using the concepts of representation and gender, we will try to show his perception of female and male social attribution, and a kind of tragic view of emotional relations between men and women. Keywords: Masculinities. Feminilities. Mário Lago.