O documento discute conceitos como heterotopias, rizomas, hipertextos e abstrações no contexto de ambientes virtuais e redes. Apresenta definições destes termos de acordo com autores como Foucault, Deleuze, Guattari e Lévy, mostrando como eles questionam dicotomias e propõem novas formas de organização do conhecimento.
4. L’hétérotopie a le pouvoir de juxtaposer en un seul lieu réel plusieurs espaces,
plusieurs emplacements qui sont en eux-mêmes incompatibles.
A heterotopia tem o poder de justapor em um único lugar real diversos
espaços, vários locais que são incompatíveis entre si.
— Michel Foucault
5. Utopias: espaços sem lugar real, irrealizados
Heterotopias: são como utopias realizadas que representam,
contestam, invertem todos os espaços reais que podemos encontrar
na cultura. Espaços que estão fora de todos os espaços, ainda que os
representem
6.
7. Les hétérotopies sont liées, le plus souvent, à des découpages du temps, c’est-
à-dire qu’elles ouvrent sur ce qu’on pourrait appeler, par pure symétrie, des
hétérochronies; l’hétérotopie se met à fonctionner à plein lorsque les hommes
se trouvent dans une sorte de rupture absolue avec leur temps traditionnel.
As heterotopias são ligadas, muito frequentemente, às divisões do tempo,
quer dizer que elas abrem aquilo que podemos chamar, por pura simetria, de
heterocronias; a heterotopia começa a funcionar plenamente quando
os homens se encontram em uma sorte de ruptura absoluta com seu
tempo tradicional.
— Michel Foucault
8.
9. Il y a d’abord les hétérotopies du temps qui s’accumule à l’infini, par exemple les
musées, les bibliothèques; musées et bibliothèques sont des hétérotopies dans
lesquelles le temps ne cesse de s’amonceler et de se jucher au sommet de lui-
même.
Primeiro houve heterotopias do tempo que se acumula ao infinito, por
exemplo os museus, as bibliotecas; museus e bibliotecas são heterotopias
em que o tempo continua a amontoar-se e empoleirar-se em cima de si
mesmo.
— Michel Foucault
10. UCRONISMO
Tempo sem fim nem origem, liberto de qualquer
orientação particular inscrita no tempo do mundo
11. O tempo u-crônico é o homólogo do espaço virtual no qual está mergulhado
o operador, o espaço u-tópico - este espaço sintetizado matematicamente,
que não pertence a nenhum lugar próprio, que se estende em todas
as dimensões, que obedece a todas as leis possíveis de associação, de
deslocamento, de translação, de projeção e que pode simular todas as
topologias concebíveis. O tempo ucrônico não é um tempo “imaginário”
como aquele da evocação da memória ou como o do sonho, mesmo que
o sonho provoque freqüentemente uma forte impressão de realidade. É
um tempo em potência, mas que se atualiza durante a interação
em instantes, durações, simultaneidades singulares; um tempo não
linear que se expande ou se contrai em inúmeros encadeamentos
ou bifurcações de causas e de efeitos. Sem fim nem origem, o tempo
ucrônico se libera de qualquer orientação particular, qualquer
presente, passado ou futuro, inscritos no tempo do mundo.
— Edmond Couchot
12.
13. Dois espaços se combinam então: o espaço real onde se desloca o visitante
e o espaço utópico sintetizado pelo cálculo (edificações e personagens em
ação). Ao passo que várias temporalidades se fundem: a temporalidade
totalmente subjetiva que ele vive com seu próprio corpo mergulhado
no mundo real e o tempo próprio do mundo virtual e das imagens
sintéticas que ele faz surgir, enquanto passeia. Situação complexa onde o
visitante vive, ao mesmo tempo, acontecimentos reais e puras eventualidades
propostas pelo simulador das quais ele provoca o aparecimento. Na
realidade “aumentada”, o mundo virtual sobrepõe-se ao mundo real,
enquanto o tempo do mundo real continua a fazer pressão sobre o tempo
vivido pelo interator e o tempo próprio da máquina.
— Edmond Couchot
14.
15. The internet produces a dense information landscape that shapes a particular
sensibility. On the Net one becomes capable of inhabiting multiple contexts
at once and of absorbing large amounts of sensory stimuli simultaneously.
On the Net one evolves strategies to manipulate large amounts of data and to
move through fields of information.
A internet produz uma densa paisagem informacional que molda
uma sensibilidade particular. Na rede o indivíduo é capaz de habitar
múltiplos contextos ao mesmo tempo e de absorver grandes
quantidades de estímulos sensoriais simultaneamente. Na rede o
indivíduo desenvolve estratégias para manipular grandes quantidades
de dados e para se mover através de campos de informação.
— Eduardo Kac
16. A vivência do tempo ucrônico e do espaço heterotópico em ambientes
virtuais - e particularmente nas experiências em rede - se manifesta
em uma análise comportamental das ações e práticas dos indivíduos;
sua contraparte estrutural, como componente de sistema, é, ainda,
derivativa [programação é hierárquica, código é linear]:
• Multi-tasking
• Navegação não-linear e fragmentada entre tabs de um browser
• Uso de hiperlinks para escapar da linearidade do texto
• Citação, combinação, mixagem de mídias e textos - escritura semiológica
• Edição simultânea de documentos: escrita simultânea
...
17. E os usos do computador constituem ainda conexões suplementares,
estendendo mais longe o hipertexto, conectando-o a novos
agenciamentos, reinventando assim o significado dos elementos
conectados. O que é o uso? O prolongamento do caminho já traçado
pelas interpretações precedentes; ou, pelo contrário, a construção
de novos agenciamentos de sentido. Não há uso sem torção semântica
inventiva, quer ela seja minúscula ou essencial. (...) Toda criação equivale
a utilizar de maneira original elementos preexistentes. Todo uso criativo,
ao descobrir novas possibilidades, atinge o plano da criação. (...) Criação
e uso são, na verdade, dimensões complementares de uma mesma
operação elementar de conexão, com seus efeitos de reinterpretação
e construção de novos significados. Ao se prolongarem reciprocamente,
criação e uso contribuem alternadamente para fazer ramificar o hipertexto
sociotécnico.
— Pierre Lévy
18. (...) Se por um lado o texto é o mesmo para cada um, por outro o
hipertexto pode diferir completamente. O que conta é a rede de
relações pela qual a mensagem será capturada, a rede semiótica que o
interpretante usará para captá-la.
— Pierre Lévy
19. Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de
experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida
é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma
amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e
reordenado de todas as maneiras possíveis.
— Ítalo Calvino
20. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso
em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque
cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.
— Pierre Lévy
22. Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está
somente em conexão com outros agenciamentos, em relação com outros
corpos sem órgãos. Não se perguntará nunca o que um livro quer dizer,
significado ou significante, não se buscará nada compreender num
livro, perguntar-se-á com o que ele funciona, em conexão com o que ele
faz ou não passar intensidades, em que multiplicidades ele se introduz
e metamorfoseia a sua, com que corpos sem órgãos ele faz convergir o
seu.
— Gilles Deleuze e Félix Guattari
24. Princípios de conexão e de heterogeneidade: qualquer ponto de um
rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito
diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem. (...)
Num rizoma, ao contrário, cada traço não remete necessariamente
a um traço lingüístico: cadeias semióticas de toda natureza são aí
conectadas a modos de codificação muito diversos, cadeias biológicas,
políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente regimes de
signos diferentes, mas também estatutos de estados de coisas.
— Gilles Deleuze e Félix Guattari
26. Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e
também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo
outras linhas. (...) Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade
segundo as quais ele é estratificado, terrirorializado, organizado,
significado, atribuído, etc.; mas compreende também linhas de
desterritorialização pelas quais ele foge sem parar.
— Gilles Deleuze e Félix Guattari
28. A operação elementar da atividade interpretativa é a associação; dar
sentido a um texto é o mesmo que ligá-lo, conectá-lo a outros textos, e
portanto é o mesmo que construir um hipertexto.
— Pierre Lévy
29. Um mundo molecular e conexionista resistirá melhor às maciças oposições
binárias entre substâncias: sujeito e objeto, homem e técnica, indivíduo
e sociedade, etc. Ora, são estas as grandes dicotomias que nos impedem
de reconhecer que todos os agenciamentos cognitivos concretos são,
ao contrário, constituídos por ligas, redes, concreções provisórias de
interfaces pertencendo geralmente aos dois lados das fronteiras ontológicas
tradicionais.
— Pierre Lévy
Assim, questiona-se as dicotomias e
oposições binárias tradicionais
30. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a
conjunção “e... e... e...”
— Gilles Deleuze e Félix Guattari
31. Árvore impõe o absoluto (fixo)
Rizoma é relativizar (fluxo)
VETORES CONTEXTUAL E TEMPORAL
33. Não somente cada palavra transforma, pela ativação que propaga ao
longo de certas vias, o estado de excitação da rede semântica, mas
também contribui para construir ou remodelar a própria topologia
da rede ou a composição de seus nós. (...) Em termos gerais, cada
vez que um caminho de ativação é percorrido, algumas conexões são
reforçadas, ao passo que outras caem aos poucos em desuso.
— Pierre Lévy
36. O caráter principal do sistema a-centrado é que as iniciativas locais são
coordenadas independentemente de uma instância central, fazendo-
se cálculo no conjunto da rede (multiplicidade). É por isto que o único
lugar onde pode ser construído um fichário possível das pessoas está entre
as próprias pessoas, a únicas capazes de serem portadores de sua descrição
e de mantê-la em dia: a sociedade é o único fichário de pessoas. Uma
sociedade a-centrada natural rejeita como intruso associal o autômato
centralizador.
— Pierre Rosenstiehl e Jean Petitot apud Deleuze e Guattari
49. Os produtos da técnica moderna, longe de adequarem-se apenas a um
uso instrumental e calculável, são importantes fontes de imaginário,
entidades que participam plenamente da instituição de mundos
percebidos.
— Pierre Lévy
51. Nem a sociedade, nem a economia, nem a filosofia, nem a religião,
nem a língua, nem mesmo a ciência ou a técnica são forças reais, elas
são, repetimos, dimensões de análise, quer dizer, abstrações.
— Pierre Lévy
53. Abstraction may be discovered or produced, may be material or immaterial, but
abstraction is what every hack produces and affirms. To abstract is to construct
a plane upon which otherwise different and unrelated matters may be brought
into many possible relations. To abstract is to express the virtuality of nature,
to make known some instance of its possibilities, to actualize a relation out of
infinite relationality, to manifest the manifold.
Abstrações podem ser descobertas ou produzidas, podem ser materiais
ou imateriais, todavia abstração é aquilo que todo hack produz e
afirma. Abstrair é construir um plano em que matérias diferentes e
não-relacionadas podem ser aproximadas em muitas relações. Abstrair
é expressar a virtualidade da natureza, tornar conhecidas algumas
instâncias de suas possibilidades, atualizar uma relação a partir de
infinitas relações, manifestar o múltiplo.
— McKenzie Wark
54.
55. Un número n de lenguajes posibles usa el mismo vocabulario; en algunos, el
símbolo biblioteca admite la correcta definición «ubicuo y perdurable sistema
de galerías hexagonales», pero biblioteca es «pan» o «pirámide» o cualquier
otra cosa, y las siete palabras que la definen tienen otro valor. Tú, que me lees,
¿estás seguro de entender mi lenguaje?
Um número n de linguagens possíveis usa o mesmo vocabulário; em
alguns, o símbolo biblioteca contém a definição correta «sistema
ubíquo e perdurável de galerias hexagonais», todavia biblioteca é
«pão» ou «pirâmide» ou qualquer outra coisa, e as sete palavras que
a definem têm outro valor. Você, que me lê, tem certeza que entende
minha língua?
— Jorge Luis Borges
58. Como a luneta astronômica, o microscópio ou os raios X, a interface
digital alarga o campo do visível. Ela permite ver modelos abstratos de
fenômenos físicos ou outros, visualizar dados numéricos que, sem isso,
permaneceriam soterrados em toneladas de listagens.
— Pierre Lévy
63. Todo vestígio escrito se precipita como um elemento químico
inicialmente transparente, inocente e neutro, no qual a simples
duração faz aparecer, pouco a pouco, todo um passado em suspensão,
toda uma criptografia cada vez mais densa.
— Roland Barthes
67. He (Larry Page, Google) reasoned that the entire Web was loosely based on the
premise of citation - after all, what is a link but a citation?
Ele (Larry Page, Google) argumentou que toda a rede era vagamente
baseada na premissa da citação - afinal, o que é um link se não uma
citação?
— John Battalle
68. Os dispositivos materiais são formas de memória. Inteligência,
conceitos e até mesmo visão do mundo não se encontram apenas
congelados nas línguas, encontram-se também cristalizados nos
instrumentos de trabalho, nas máquinas, nos métodos. Uma
modificação técnica é ipso facto uma modificação da coletividade
cognitiva, implicando novas analogias e classificações, novos mundos
práticos, sociais e cognitivos.
— Pierre Lévy
69.
70. Nós, seres humanos, jamais pensamos sozinhos ou sem ferramentas.
As instituições, as línguas, os sistemas de signos, as técnicas de
comunicação, de representação e de registro informam profundamente
nossas atividades cognitivas: toda uma sociedade cosmopolita pensa
dentro de nós.
— Pierre Lévy
71. Os seres humanos podem se desligar parcialmente da experiência
corrente e recordar, evocar, imaginar, jogar, simular. Assim eles
decolam para outros lugares, outros momentos e outros mundos. Não
devemos esses poderes apenas às línguas, como o francês, o inglês ou
o wolof, mas igualmente às linguagens plásticas, visuais, musicais,
matemáticas etc. Quanto mais as linguagens se enriquecem e se
estendem, maiores são as possibilidades de simular, imaginar, fazer
imaginar um alhures ou uma alteridade.
— Pierre Lévy
72.
73.
74.
75. Em minha conferência anterior, a propósito da leveza, havia
citado Lucrécio, que via na combinatória do alfabeto o modelo da
impalpável estrutura atômica da matéria; hoje cito Galileu, que via na
combinatória alfabética (“as combinações variáveis de vinte pequenos
caracteres”) o instrumento insuperável da comunicação. Comunicação
entre pessoas distantes no espaço e no tempo, dizia Galileu; mas
ocorre acrescentar igualmente a comunicação imediata que a escrita
estabelece entre todos os seres existentes ou possíveis.
— Ítalo Calvino
77. The world already possesses the dream of a time whose consciousness it must
now posses in order to actually live it.
O mundo já possui o sonho de um tempo cuja consciência ele deve,
agora, possuir de modo a de fato vivê-lo.
— Guy Debord
78. ... vivemos hoje em uma destas épocas limítrofes na qual toda a
antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar
a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social
ainda pouco estabilizados. Vivemos um destes raros momentos
em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de
uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é
inventado.
— Pierre Lévy
79. The best way to predict the future is to invent it.
A melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo.
– informal PARC slogan