“O rizoma não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda” (Deleuze e Guattari).
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Os Platôs de Deleuze, Guattari e Borges (2007)
Há pouco tempo, entre dez a quinze anos, a Internet começava a se configurar no que
conhecemos hoje, com toda sua capacidade de tráfego de informação e com o que podemos chamar
de interface gráfica. No seu início, por volta de 1969, ela foi criada com exclusividade para a Guerra
Fria e alguns anos depois para fins acadêmicos e não passava de uma tela negra com códigos
criptografados, ou seja, inacessível ao público. Muitos escritores visualizaram algo como a internet e
muitos conceitos foram usados. Walter Benjamim, em “One Way Street”, nos mostra o que hoje
conhecemos como hipertexto, baseando-se nos livros:O fichário marca a conquista da escrita
tridimensional e, deste modo, apresenta um extraordinário contraponto para a tridimensionalidade da
escrita na sua forma original como runa e escrita nodula. E o livro hoje, ta como o presente modo de
produção acadêmica demonstra, é uma ultrapassada forma de mediação entre dois sistemas de
arquivos. Pois tudo que importa se encontra no fichário do pesquisador que o escreveu, e o aluno, ao
estudar os textos, assimila o que importa em seu próprio fichário. (BENJAMIM, 1978:78) [1].
Um precursor das técnicas de internet, Ted Nelson, propôs o desenvolvimento de uma biblioteca
eletrônica onde estivesse disponível um espaço de troca de informações. O conceito de biblioteca
eletrônica universal, ele denominou de Docuverse, e o projeto chamava-se Xanadu. O princípio era
muito parecido com a Biblioteca de Babel, do escritor argentino Jorge Luis Borges: ele descreve uma
biblioteca como um espaço impossível de se percorrer por inteiro e onde é encontrada toda a
informação disponível do passado, presente e futuro da humanidade.
Uma reflexão importante a respeito de Internet, feita por muitos filósofos contemporâneos, é sua
capacidade descentralizadora. Isso faz com que não exista um núcleo, ou melhor, uma forma de
totalitarismo com a internet. Nomenclaturas e adjetivos são dados incessantemente a essa nova rede
de informações de princípios anárquicos e desterritoriais.Esta característica de não possuir um núcleo
faz da Internet um rizoma. O conceito de rizoma foi criado por Gilles Deleuze e Félix Guattari[2]. “O
rizoma não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Ele não tem
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começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda” (Deleuze e Guattari).Eles
usam o termo para designar sistemas que possuem uma estrutura onde não existe um tronco de onde
saem ramificações. Na condição de rizoma, estas ramificações teriam ligações entre elas, na internet
podemos designar estas ligações de links ou nexos. Na natureza encontramos várias estruturas
rizomáticas; o gengibre e a cana de açúcar não possuem caule de onde saem os galhos, como grande
parte das plantas, elas são constituídas por troncos e nós. A definição do dicionário Aurélio da língua
portuguesa para rizoma: caule em forma de raiz, em geral subterrâneo. O pensamento é onde se inicia
o rizoma; quem consegue pensar em uma coisa que seja, além dos monges budistas, com a
quantidade de informação que nos é exposta diariamente? A internet veio nos mostrar como nosso
pensamento se processa; através de livres associações é que vamos construindo nosso
pensamento.Na grande rede isso é visivelmente palpável, que usuário de internet nunca se pegou
“vagando” nas teias da rede, em um estado letárgico, como se estivesse com um controle remoto de
500 canais disponíveis, mas com uma grande diferença, nós usuários que “criamos os canais” somos
ao mesmo tempo telespectadores, diretores e roteiristas desta televisão rizomática.Deleuze e Guattari
trazem o conceito de rizoma para a forma de como escreveram o livro onde desenvolvem este e
outros conceitos. No início eles colocam esta nota:
“Esse livro é a continuação e o fim de Capitalismo e Esquizofrenia, cujo primeiro tomo é O anti-Édipo.
Não é composto de capítulos, mas de “platôs”. Tentamos explicar mais adiante o porquê (e também
por que os textos são datados). Em uma certa medida, esses platôs podem ser lidos
independentemente uns dos outros, exceto a conclusão, que só deveria ser lida no final”.
(Deleuze/Guattari, 1995: Nota).
A edição brasileira de “Mille Plateaux” foi lançada no Brasil em cinco edições e devidamente
autorizada pela editora e pelos autores. Bom salientar no início do livro para que seja conduzida a
leitura, em platôs, se torna mais necessária. O conceito de platô, inspirado em Bateson, mostra a
potencialidade do meio em virtude da sua multiplicidade para conectar nexos e elos subterraneos que
desenvolvem o rizoma. Um rizoma não tem início nem fim, ele se encontra nos elos, sempre ligando
uma coisa a outra, sempre em estado de alerta e na eminência de construir, uma espécie de constante
vigília; “entre as coisas, inter-ser, intermezzo… A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como
tecido a conjunção “e… e… e…” DG (Deleuze e Guattari) tomam como exemplo de organização
rizomática “viva” o sistema das formigas:É impossível exterminar as formigas, porque elas formam um
rizoma animal do qual a maior parte pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir… Faz-se
uma ruptura, traça-se uma linha de fuga, mas corre-se sempre o risco de reencontrar nela
organizações que reestratificam o conjunto, formações que dão novamente o poder a um significante.
(Deleuze e Guattari: 1995)A estrutura da internet, chamada de hipermídia também possui a mesmo
princípio do rizoma animal citado por DG. A hipermídia é formada pela conjunção de mídias (foto,
texto, vídeo e áudio). Essa conjunção de mídias, somada a energia elétrica e uma lógica de códigos
binários resulta na internet. Essa sinergia, enquadrada por uma tela de luz possui, igualmente as
formigas, esse poder de reconstrução. Não que a grande teia seja indestrutível, existem várias formas
de acabar com ela, mas o que torna impossível são os métodos de destruí-la. Isso somado a esse
fator de cura. Pode-se acabar com todos os computadores do mundo, mas sobrando dois, a internet
ainda existe. Isso somado a quantidade de pessoas que adquirem diariamente o hábito de usá-la,
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torna-se impossível a sua extinção. O rizoma digital é formado por nós e nexos. Os nós são os blocos
de informações, também chamados de lexia. Um nó é, basicamente, uma página ou um site[3] e pode
ser constituído por textos, fotos, vídeo, sons, botões, narrações etc. E já que os nós se comunicam
entre si, como eles constituem uma imensa rede? Através dos vínculos eletrônicos, mais conhecidos
como links. Os links são os elos entre um nó e outro e, dessa forma, é constituída a estrutura
rizomática do universo digital.Rizoma Digital e a Babel de BorgesÉ impossível ficar incólume com a
semelhança de justaposições entre o texto de Borges, A Biblioteca de Babel, com a principal teoria de
Mille Plateaux, o rizoma, de Deleuze e Guattari. No início do primeiro tomo da edição brasileira de
“Mille”, no início do segundo parágrafo, eles tomam como exemplo de criação rizomática a forma de
concepção de uma obra literária.
Eles (DG) dizem que para conceber uma obra é preciso que se preste atenção às influências e
exterioridades que circulam esse processo criativo. Em razão desse caos criativo que é apontada a
estrutura rizomática. Uma sinestesia urbana e social; Deslocamentos e desestruturação. “Um livro é
um tal agenciamento e, como tal, inatribuível. É uma multiplicidade…”
A Babel de Borges é construída como uma réplica literária do Universo, criando uma homenagem às
descobertas científicas e servindo também como paralelo ao desenvolvimento da teoria deleuziana do
rizoma. Ele descreve-a como um espaço tão grande que é impossível percorrê-lo e onde se encontra
toda a informação (e conseqüentemente toda desinformação) do passado, presente e futuro da
humanidade e que está disponível a todos. Uma menção importante para reforçar a
metáfora/referência a internet é a que Borges fala na dificuldade de se encontrar algo de valor na
biblioteca por sua vastidão de informações. A cada passo que damos na biblioteca borgeana torna-se
inevitável fazer um paralelo com a WWW, visto que na rede existem bilhões de informações e
documentos e milhares são acrescidos a cada momento.“… Afirmo que a Biblioteca é interminável. os
idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo
menos, de nossa intuição do espaço…basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: "A Biblioteca é
uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível…” (
Borges:1998)O fio de prata que conduz os dois textos adquire mais força e percepção em algumas
situações ambivalentes; a bilbioteca borgeana funciona como uma espécie de desdobramento para a
produção e desenvolvimento de Mille Plateaux vinte anos depois. Ao mesmo tempo em que o escritor
argentino fala de uma biblioteca onde caberia a história do passado, presente e futuro do universo, DG
falam que a produção de sua obra literária tem conexão entre si e que a produção desses textos não
pode ser atribuida só a eles como autores e sim deve ser interpretado como uma cadeia de
interpretações e multiplicidades.O texto de Borges é narrado por um dos bibliotecários que nasceu,
cresceu, vive e acredita que morrerá na biblioteca. Personagem desterritorializado que existe em Mille
Plateaux: “Escrevemos o Anti-Edipo a dois. Como cada um de nós era vários, já era muita gente.
Utilizamos tudo o que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante. Distribuímos hábeis
pseudônimos para dissimular”. Personagem esse que existe em cada um de nós, imersos na fluidez
do universo e em estruturas rizomáticas e que nos angustia em vida.Bibliografia:
BORGES, Jorge Luís. Biblioteca de Babel. Obras completas I. São Paulo: Globo, 1998.
DELEUZE, Gilles e Félix Guatarri. “Introdução: rizoma”, Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia, v.1
Rio de Janeiro, Ed, 34, 1995. LEÃO, Lucia. O labirinto da hipermídia. São Paulo, Iluminuras, 2001
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[1] Tradução retirada do livro “O labirinto da hipermídia” (Leão: 2001).
[2] O conceito de rizoma foi desenvolvido por Deleuze e Guattari (1995) no livro Mil platôs –
capitalismo e esquizofrenia - volume 1 ( Mil platôs é constituído por cinco volumes)
[3] Página que possui algum tipo de informação que possui um endereço na Internet