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GEOGRAFIA:
Teoriaecrítica
O saber posto em questão
Ruy Moreira (org.)
O espaço geográfico intervém de modo crescente no esquema da reprodução estrutural do
capitalismo, ao mesmo tempo que o saber geográfico permanece ao nível público como uma
"práxis" de espaços "apolíticos": a Escola, os Departamentos Universitários e os organismos
estatais de pesquisas e planejamento espaço-territorial. Mas a Escola e o Estado encontram-se tão
incorporados à reprodução do capitalismo quanto a renovação contínua do aparato técnico-
científico, de vez que Escola e Estado têm a mesma raiz da Fábrica: a divisão capitalista do
trabalho. Ao despojar o operariado do conjunto dos meios de produção o capital logra separar o
trabalho intelectual do trabalho manual e o trabalho de direção do trabalho de execução, se
apropria igualmente do sabere do poder. Constitui-se o capital por esta via o senhor moderno dos
homens, da natureza, do espaço, da sociedade. O que é então o espaço geográfico e que lugar ocupa
na reprodução dos homens e do capital?
Que forma de poder é este saber chamado Geografia? Que geografia é a "geografia que se
ensina"? Sendo a aula de Geografia a passagem de uma dada "visão de mundo" aos
alunos, por gerações sucessivas, uma dada "configuração de sociedade", que concepção de mundo e
de sociedade se estará passando nas escolas brasileiras? Que papel ideológico tem cumprido a
Geografia?Se não é o planejamento que planeja o capital, antes o capital que planeja o
planejamento, como adverte Paul Baran, qual tem sido a função social do geógrafo e do
planejamento espaço-territorial?
Conferir à Geografia o necessário rigor teórico-epistemológico que se requer a toda
ciência, sem contudo esconder o caráter político de todo o saber em uma sociedade estruturada em
classes, eis do que trata profusamente este livro.
1
INTRODUÇÃO
O SABER GEOGRÁFICO: PARA QUE/QUEM SERVE?
Ruy Moreira
Reúne esta coletânea alguns dos textos de geógrafos brasileiros vindos à luz no
período 1978-1981. Refletindo o plano geral dos anseios de liberdade democrática e
justiça social que conduzem ao extraordinário ascenso político das organizações de massas
operárias e populares — 1978 é o ano das greves no ABC — atravessa-os um certo
propósito de crítica e superação daquela geografia da imagem popular que Yves Lacoste
denomina "geografia do professor" e "geografia dos estados maiores do Estado e do
empresariado".
Não se precisa advertir um tal propósito de conferir ao saber geográfico uma outra
"práxis" — identificada esta com a construção de uma sociedade estruturalmente capaz de
abrir soluções reais à problemática popular, dos homens, para a qual a vigente mostrou-se
historicamente incapaz — cada autor aqui presente formula e situa suas ideias em campos
político-ideológicos nem sempre concordantes, nisto precisamente residindo uma das
riquezas da coletânea.
Não se verá — desnecessário seria dizer, não fora o episódio recente da "nova
geografia" gestada nos anos 1968-1978 — qualquer pretensão de uma "revolução na
geografia". Simplesmente porque só é real a transformação que se opere na estrutura
objetiva da sociedade e com esta esteja incorporada, quando é o tema, as ideias. Antes, é
esta realidade objetiva e seu movimento histórico que se deseja pôr à mesn, submeter à
dissecação, ver revelada sem as máscaras que dissimulam suas raízes de classe.
Neste conjunto de textos se evidencia uma interinfluência, sugerindo um subjacente
debate no fluxo do qual cada autor se põe e repõe, convergindo e se separando, avançando
em conjunto. Mais que isto, sugerindo um plano de indagação ansiosa da história con creta
dos homens, no interior da qual, porque só então expressivo e transparente, se indaga
2
acerca do saber geográfico: "a geografia, o que é, para que serve e a quem serve?" Ainda
mais, sugerindo a eleição do caráter histórico-concreto da sociedade de nossos dias e dos
caminhos de sua superação histórica, o contexto da luta de classes, por conseguinte, como
eixo do carroussel em que se movimentam e se refazem o instrumental discursivo da
geografia, seu valor específico, função, envolvimentos. Se porém todos os textos e autores
da coletânea movem-se nesse solo comum, não estão contudo presentes todos os que o
vêm produzindo, advirta-se. São inevitáveis, então, as omissões involuntárias.
Com esta coletânea se divulga, assim, parcela da rica massa já acumulada de
subsídios ao pensamento geográfico gestada por um segmento do saber geográfico em
desenvolvimento recente no Brasil e no exterior.
A sociedade como "práxis", o objeto e seu caráter concreto como condição de
cientificidade, a estrutura interna do discurso (dicotomia ou projeto unitário?), a relação
teoria-epistemologia, as articulações ideologia-política-ciência, tais entre tantas questões as
que atravessam os textos reunidos.
As intenções revelam-se na estrutura do livro. O que aqui se tem é a ampliação de
um propósito inicial de reunir-se em coletânea textos publicados esparsamente em
periódicos os mais variados, e não só geográficos — tornou-se hoje fato corrente revistas
de cultura e política abrirem seus espaços para textos de geografia, a exemplo das revistas
Vozes, Encontros com a Civilização, Contexto, Temas de Ciências Humanas — no biénio
1978-1979, período marcante para o processo de reformulação do pensamento geográfico
em curso. A dificuldade de acesso a tais textos, crescente no tempo, sua dispersão e as
frequentes referências bibliográficas, por si sós justificariam a reedição em livro único.
Porém, a rápida evolução intelectual e político-ideológica que acompanha e promove o
avanço das lutas democráticas no Brasil, com inevitáveis e imediatos reflexos nas ciências,
aconselhou incluirmos alguns de seus próprios desdobramentos posteriores, agora na forma de
estudos concretos da realidade nacional e internacional.
Daí, uma primeira parte reunindo aqueles textos do projeto inicial, seguida de uma
segunda parte reunindo textos de tratamento do real, na verdade um trabalho de releitura
3
radical da sociedade.
Todo um largo passo está dado. Que esta coletânea sirva para encurtá-lo e tirar-se o
saber geográfico do casulo dos círculos oficiais e academias. Um instrumento de ação
popular poderoso como o saber geográfico não pode mais continuar usurpado.
GEOGRAFIA, MARXISMO E SUBDESENVOLVIMENTO
Milton Santos
As categorias do pensamento marxista não são inovações em geografia. As razões
pelas quais são raramente discutidas pertencem a dois tipos: 1) o relativo isolamento das
chamadas "escolas nacionais" que ignoram frequentemente os avanços em outras línguas;
e 2) as ideias marxistas nunca alcançaram a marca de uma aprovação
oficial. Os geógrafos marxistas, membros ou não do partido, foram
mais que modestos em citar suas maiores fontes: Marx, Engels, Lenin
ou Rosa Luxemburgo. Provavelmente, esta foi uma forma de evitar serem denominados
"tipos políticos", durante o período em que tal denominação era evitada pêlos académicos.
Esta atitude prevaleceu na França após a Segunda Guerra Mundial. Jean Dresch e
Jean Tricart, antes de serem geomorfólogos, estiveram interessados em tópicos marxistas.
O primeiro estudou o papel dos fluxos de capital na organização do espaço africano e o
segundo estudou a estrutura interna das cidades (ecologia urbana) no contexto do conflito
de classes, a propriedade da terra e o mercado especulativo da terra urbana, isto foi o
resultado da inflação, essencial a esta fase do capitalismo e a exploração das exter-
nalidades (não reconhecidas explicitamente nestes termos, mas financiadas pela coletividade)
através da criação da mais-valia.
Pierre George, leal à tradição da geografia humana francesa, agrupou um certo
número de geógrafos ativistas. Merece o crédito de haver estabelecido a importância das
estruturas sócio-econômicas na explicação geográfica. Suas primeiras publicações sobre
população (1951-1959), geografia social (1946) e seu tratado sobre as cidades (1952)
4
demonstram seu esforço em abarcar a dinâmica dos sistemas sócio-econômicos com as
estruturas de produção. A Guerra Fria, sem dúvida, e a invasão da Hungria marcaram um
ponto importante de mudança. Alguns seguiram as linhas marxistas muito discretamente,
enquanto outros a abandonaram. Todavia, esta ideologia sobreviveu. A geografia necessitava,
nesse momento, de uma ideologia coerente.
Os geógrafos "não envolvidos na política" buscavam alguns fundamentos teóricos.
Começavam a adotar, inconscientemente, termos do vocabulário marxista": por exemplo,
acumulação da renda urbana; ou melhor, teses que explicavam a cidade como uma criação
da mais-valia rural. Sem conhecer sua origem, não tiveram dúvidas em usar uma
interpretação marxista da evolução urbana durante o período de transição do feudalismo ao
capitalismo e, inclusive, no contexto do pós-guerra. A noção de "ruralização urbana" que
se aprende na literatura sobre "pequenas cidades'' é também emprestada a Marx (1964, p.
78). Uma reflexão similar pode ser feita em relação à noção de "região urbana" definida
como uma área na qual cidade e campo se complementam através de intercâmbios
bilaterais. Uma frase-chave na geografia francesa e americana é: "Não há cidade sem uma
região, nem há região sem uma cidade." Efetivamente, este foi um cliché desprovido de
significado sólido.
GEOGRAFIA (ESPAÇO) E CATEGORIAS MARXISTAS
As contradições existentes nas extremas concentrações de poder do gigantes
Estados-corporações renovaram o interesse por Marx e seus discípulos (ortodoxos ou não),
como fontes de explicação geográfica (sobre as dimensões geográficas deste problema, ver
Santos 1974, 1975). As desigualdades económicas e sociais, a decrescente participação do
povo na tomada de decisões geram uma alienação social e económica, com importantes
efeitos na organização do espaço. Isto é uma realidade em todas as escalas de observação
geográficas.
Duas importantes questões metodológicas, pelo menos, surgem deste problema:
primeiro, como se pode entender — em termos de variáveis — a totalidade; segundo, como
5
se pode interpretar o presente significado de espaço em termos de tempo acumulado. A
noção de totalidade somente pode ser relacionada com o mundo como um todo. Por outro
lado, o espaço nacional é contínuo, como o é o espaço de suas partes, e assim a noção de
escala é fundamental. Os elementos definidores do espaço, conseqüentemente, deveriam ser
considerados como variáveis cuja natureza e significação variam segundo o nível (de espaço)
considerado. O problema da delimitação espacial assume outra dimensão, já que cada uma
das partes é supostamente uma réplica da totalidade. Este objetivo torna-se particularmente
difícil já que a geografia, com seus esforços de especialização, fragmentou-se e tem
fragmentado também a realidade que ela estuda. Ao selecionar várias ideias de diferentes
fontes, a geografia burguesa foi incapaz de interpretar o todo. Em muitos casos, poder-se-ia
dizer que esta foi uma ignorância deliberada.
Por outro lado, quando se têm explicado os aspectos dinâmicos da geografia, a
noção de sistemas "espácio-temporais" tem sido utilizada, mas geralmente espaço e tempo
têm sido considerados como categorias independentes, infelizmente, a significação do tempo
não foi bem fundamentada, e a perspectiva transtemporal foi escassamente desenvolvida,
até um ponto em que, não obstante, os modelos de difusão permaneceram medíocres.
O que se pode dizer sobre o presente? Isso é muito difícil hoje, quando, segundo M.
Dobb (1963, p. 12), o tempo de mudança é "normalmente acelerado". Tais fases
revolucionárias representam transições entre períodos históricos. Contudo, é muito mais
conveniente lidar com ritmos temporais (sistemas), que são relativamente definíveis em
termos de períodos de rupturas. A velocidade da mudança aumenta a amplitude do
desconhecido e pode encobrir a hierarquia real de variáveis em um mundo caracterizado
pela instabilidade.
Estas dificuldades significam um desafio. Não se pode aplicar a análise marxista à
interpretação do espaço enquanto aquelas categorias marxistas relacionadas com a
geografia não forem opera-cionalizantes. Isto significa que não se pode usar categorias
convencionais, já que não serão obtidas em textos oficiais.
Noções marxistas, como a de mais-valia, podem ser aplicadas, como o fez Harvey
6
(1976), a situações sociais empíricas. É neste sentido que Harvey assinalou certas
debilidades fundamentais da teoria da renda da terra (Alonso 1964). Outras ideias
poderiam ser similarmente aplicadas: por exemplo, a acumulação e circulação do capital; o
impacto da inovação no capital monetário, capital fixo e capital circulante; valor de uso e
valor de troca; medo e estrutura da produção; estrutura de classes; . . . são todas categorias
que podem ser levadas à linguagem espacial ou geográfica.
Os êxitos alcançados por autores com Harvey, Bunge, Eichen-baum e outros, na
investigação da estrutura interna de classes, deveriam ser seguidos por estudos similares
sobre externalidades, ou a natureza integral do espaço. Isto pressupõe algumas questões
metodológicas. A unidade fundamental para o estudo geográfico deveria ser a Nação-Estado,
Não se pode dissociar a noção de sistema da noção de um sistema de estruturas (Santos
1974). Nesta perspectiva, poder-se-ia utilizar todo o poder explicativo das múltiplas forças
dialéticas no espaço. Se o espaço é concebido como um todo, "enïão a distinção artificial
entre "espaço económico" e "espaço geográfico" poderia ser abolida (Santos 1971, 1974a).
Dever-se-ia conceber o espaço como um todo e não como um espaço aristocrático onde os
fluxos estudados são unicamente aqueles das grandes empresas e população burguesa. Isto
produziria uma verdadeira geografia da pobreza, uma geografia onde riqueza e pobreza não
fossem tratadas como entidades separadas, mas como partes complementares de uma só
realidade.
UM ESPAÇO SUBDESENVOLVIDO?
A geografia dos países desenvolvidos coloca a questão de como definir o espaço. É
possível chegar a uma definição universal de espaço, como um tipo de chave-mestra? A
geografia burguesa tentou fazê-lo: o subdesenvolvimento foi simplesmente um apêndice ou
um capítulo suplementar nos manuais "gerais".
(Sem dúvida, aquelas variáveis formadoras do espaço e suas combinações, as quais
originam as diferenças entre lugares, são universalmente as mesmas. O problema é
descobrir se estas combinações se manifestam espacialmente e se sua manifestação é a
7
mesma no centro e na periferia do sistema mundial. Neste sentido, pelo menos três
aspectos são essenciais: 1) aquelas forças que promovem a modernização e operam no
centro do sistema não alcançam a periferia ao mesmo tempo; existe um efeito decrescente
definido da distância. Isto poderia explicar historicamente a acumulação do capital no
sistema capitalista, as variações entre países e as desigualdades regionais dentro dos
países; 2) alguns pontos no espaço são alcançados por novas forças, enquanto outros não
recebem tais impactos. Sem dúvida, esses impactos não se dão ao acaso, sendo dirigidos
do centro do sistema em termos de máxima produtividade. A história do espaço é assim de
tipo seletivo; 3) as forças emitidas dos centros (pólos) mudam à medida que alcançam a
periferia. Ainda que se possa encontrar isomorfismo, o valor do fenómeno é diferente. Por
exemplo, a noção de "cidade privada" na França, ou de "metrópole incompleta" nos
Estados Unidos e Alemanha, não pode ser interpretada da mesma forma nos países sub­
desenvolvidos.
O "espaço subdesenvolvido" tem um caráter específico: as prioridades de
importância variam, mesmo quando operam as mesmas forças, já que suas combinações e
resultados são diferentes. É algo que os geógrafos ocidentais têm tido grande dificuldade
em entender. Por que nós não podemos, então, reunir a experiência surgida nos países
subdesenvolvidos: desenvolver teorias que tenham sentido tanto para os geógrafos como
para os cidadãos? A malmente, a geografia "oficial" funciona como se o Ocidente tivesse o
monopólio das ideias. Além disso, há muitos geógrafos do Terceiro Mundo que preferem
permanecer silenciosos: sem dúvida, existem geógrafos ocidentais que estão começando a
repensar muitos problemas do Terceiro Mundo. Isto é muito importante, já que nós não te­
mos uma ideologia global que possa ser aplicada aos países subdesenvolvidos. Há um
risco, então, de superpor categorias marxistas sobre uma superfície débil.
É urgente que uma teoria seja formulada: e o método dialético é adequado para um
contexto onde múltiplas forças externas e internas, passadas e presentes, políticas,
económicas e sociais, se enfrentam constantemente.
8
AS FRENTES DO AVANÇO
Participar de uma renovação radical da geografia é um desafio tentador. Isto
provavelmente explica o entusiasmo com que este tó pico é considerado nos Estados
Unidos, Grã-Bretanha e Françaa. Alguns, sem dúvida, não apreciaram a seriedade desse
trabalho. Algumas observações sobre este assunto são aqui sugeridas em formas de
conclusão.
Este movimento é bem-vindo por diversas razões: permite-nos reconhecer a
hegemonia que a chamada "revolução quantitativa" tem mantido no recente
desenvolvimento da geografia. Pode-se, assim, denunciar este tipo de dogmatismo científico
que está mais interessado na verificação de hipóteses que na fonte e natureza destas
hipóteses (J. Doherty 1974, p. 10). Este tipo de arrogância ("o mais destrutivo de todos os
vícios académicos" — Freeman 1961, p. 38) não conduz a nenhum tipo de progresso.
Pode-se denunciar também o uso de linguagens obscuras (o leitor fica com a impressão de
que está dirigida somente a pessoas realmente científicas). Liberados de tais vícios, pode
ser mais fácil impedir a formação de clichés, os quais se sustém através de recíprocos
rituais de citações bibliográficas e proceder sob a forma de discussões abertas. O marxismo
permanecerá empobrecido até que tal situação seja alcançada. Tem-se que afastar, é claro,
exercícios puramente académicos. As citações bibliográficas são úteis para dar embasamento
a uma ideia ou explicá-la melhor, mas não têm valor intrínseco em si mesmas. É bastante
ridículo ver como alguns autores citam cegamente Marx, Engels, Lenin e Rosa
Luxemburgo, geralmente fora de contexto.
Uma boa coleção de enunciados não tem necessariamente maior significação:
"Elegância não significa relevância"; uma sofisticada demonstração de um problema não é
necessariamente melhor que uma explicação simples. A sociologia latino-americana tem
sido vítima de uma "diarreia retórica" — tal como Aníbal Quijano (1973,
p. 46) a tem criticado: "Se somos incapazes de abandonar esta
atitude persistente de discutir nossos problemas em termos ideológicos. . . Eu creio, tu crês,
nós cremos, Lenin pensou, Trotsky creu, Stalin afirmou, Mão disse. . . será impossível fazer
algum progresso."
9
Finalmente, não é suficiente seguir uma corrente que possa resultar simplesmente
em outra moda passageira. Tem-se que sele-cionar os aspectos mais apropriados e úteis aos
estudos geográficos: aspectos apropriados à realidade do presente e ao caráter espacial dos
lugares. Por outro lado, não se deve vacilar em usar todas as evidências — históricas,
filosóficas ou empíricas — porque o perigo de ser dogmático estará sempre presente. O
valor de tais instrumentos de análise será julgado dentro de um contexto de ação social e a
partir de uma perspectiva dialética. O risco de converter-mo-nos em inúteis é também
herdado do marxismo clássico. A crítica que Engels fez a Buchner, Vogt e Moleschott não
se baseava (de acordo com Lenin 1967, p. 227) no fato de que estivessem em desacordo
com Marx, mas no fato de que eles foram "materialistas vulgares": não desenvolveram
uma teoria maior que a de seus mestres.
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s d. Vidal de Ia Blache. Príncipes de géographie huinaine. Ed. de Mar-tonne.
A GEOGRAFIA SERVE PARA DESVENDAR MÁSCARAS SOCIAIS
Ruy Moreira
distinguir a essência nas aparências..." (Marx)
Nelson Werneck Sodré chamou atenção, em livro recente', para o uso ideológico
da geografia pelo capitalismo no decorrer do colonialismo e do imperialismo. Mas o que
nele expõe, acerca do determinismo geográfico e da geopolítica, nem de longe se
compara com a manipulação, de que é hoje objeto o espaço geográfico, denunciada por
Yves Lacoste.
Usando a paisagem com fins turísticos; projetando "obras de impacto" em áreas
estratégicas; confinando ideias cívicas à unidade espacial Estado-Nação; planejando a
exploração e consumo de recursos naturais; redistribuindo populações faveladas (viveiros de
mão-de-obra) para áreas destinadas à implantação de distritos industriais; fabricando
imagens de lazer e conforto com áreas verdes, sol, sal e mar para forjar venda de imóveis
de fachadas e nomes pomposos, ou marcas de cigarros; manobrando as articulações do
12
complicado tabuleiro de xadrez da geopolítica mundial; espraiando os tentáculos desses
polvos gulosos e insaciáveis eufemisticamente chamados multinacionais; tais são alguns
exemplos dessa interminável lista de maneiras que o capital encontrou de usar o espaço
geográfico como instrumento de acumulação e poder.
O capital descobriu o espaço geográfico. Resta saber quando o descobrirão os que
se opõem à sua ditadura.
Ora, como afirma Lacoste: "Toda a gente julga que a geografia mais não é que uma
disciplina escolar e universitária cuja função seria fornecer elementos de uma descrição do
mundo, dentro de uma certa concepção 'desinteressada' da cultura dita geral. . . Pois qual
poderia ser a utilidade daquelas frases soltas das lições que era necessário aprender na
escola? ( . . . ) A função ideológica essencial do palavreado da geografia escolar e
universitária foi sobretudo de mascarar, através de processos que não são evidentes, a
utilidade prática da análise do espaço, sobretudo para a condução da guerra, assim como
para a organização do Estado e a prática do poder. É, sobretudo, a partir do momento em
que surge como 'inútil', que o palavreado da geografia exerce sua função mistificadora mais
eficaz, pois a crítica de seus fins 'neutros' e 'inocentes' parece supérflua. ( .. .) É por isso
que é particularmente importante (...) desmascarar uma das funções estratégicas
essenciais e demonstrar os subterfúgios que a fazem passar por simples e inútil"3.
Mas se é uma necessidade cada vez mais premente tomar a tarefa do estudo do
espaço geográfico, para uma maior compreensão dos processos sociais gerais das formações
econômico-sociais contemporâneas, porquanto o espaço geográfico torna-se mais e mais um
elemento importante nesse processo, esta necessidade lança por outro lado um desafio aos
cientistas e estudiosos de geografia.
Definida como a ciência da organização do espaço, a geografia até agora
negligenciou seu próprio fundamento de cientificidade. Desprestigiados por todos quantos
preocupam-se com as questões da teoria e da prática da transformação social, os geógrafos
não alcançaram o quanto o desprestígio reflete uma incómoda realidade. Os geógrafos não
perceberam que o que lhes falta é pôr os pés no seu próprio chão, e, então, propor uma
13
teoria do espaço, que seja uma teoria social.
Este texto propõe-se a sugerir alguns pontos de reflexão para uma teoria do espaço,
considerando o autor ser este um projeto prioritá rio no campo da teoria da transformação
social para todos aqueles que pretendam conduzir a geografia ao encontro das
necessidades mais prementes de nossa época.
1. OS TERMOS DA QUESTÃO
Yves Lacoste intitulou seu livro recente: A geografia Serve Antes de Mais Nada para
Fazer a guerra. Diríamos, alargando o significado desse enunciado, que a geografia, através
da análise dialética do arranjo do espaço, serve para desvendar máscaras sociais, vale dizer,
para desvendar as relações de classes que produzem esse arranjo. É nossa opinião que por
detrás de todo arranjo espacial estão relações sociais, que nas condições históricas do
presente são relações de classes.
Com isso, afirmamos que espaço é história, estatuto epistemoló-gico sobre o qual a
geografia deve erigir-se como ciência, se pretende prestar-se a alguma utilidade na
prática da transformação social. JE tal noção reside não na mera constatação de que a
história desenrola-se no espaço geográfico, mas, antes que tudo, de que .p espaço
geográfico é parte fundamental do processo de produção social e do mecanismo de
controle da sociedade.
Conseqüentemente, afirmamos também que o espaço geográfico tem uma natureza
social, do que deriva que a geografia é uma ciência social.
Compreendido como parte fundamental em uma formação econômico-social de
dois processos articulados que lhe são vitais, o de produção social e o de controle de suas
instituições e relações de classes, o espaço é uma entidade de rico tratamento científico.
Tal compreensão parte do pressuposto de que ao incorporar-se o "espaço físico",
que doravante chamaremos de "primeira natureza", ao processo de gênese e
14
desenvolvimento de uma dada formação econômico-social, inicia-se a formação de um
espaço geográfico, uma "segunda natureza", dizia Marx tomando a expressão a Feuerbach,
que nada mais é que a própria formação econômico-social.
Ora, a origem, em última análise, das sociedades, é o processo social de
transformação da natureza em meios de subsistência e de produção. [Ocorrendo numa
sociedade de classes, tanto o processo de produção quanto o de distribuição dos bens
produzidos estão sujeitos aos condicionamentos das formas como se travam as relações
entre as classes sociais. Motivo pelo qual Marx propôs a fórmula segundo a qual "o motor
da história são as lutas de classes".
O que afirmamos, então, é que o arranjo espacial brota tanto do processo de
produção-distribuição, quanto do controle que se exerce sobre as relações existentes entre
as classes. Como o processo de produção-distribuição se faz sob o condicionamento das
formas como se travam as relações entre as classes, pode-se afirmar que o arranjo
espacial, na verdade, numa sociedade de classes, reproduz em síntese as relações de
classes da formação econômico-social.
Vimos que o processo formador do espaço geográfico é o mesmo da formação
econômico-social. Por isso, tem por estrutura e leis de movimentos a própria estrutura e leis
de movimentos da formação econômico-social. Podemos, com isso, doravante designar o
que até agora chamamos de organização do espaço por formação espacial, ou for-jtnação
sócio-espacial, como propôs Milton Santos".
Confundindo-se com a formação econômico-social, a formação espacial contém
sua estrutura e nela está contida, numa relação dialé-tica que nos permite, através do
conhecimento da estrutura e movimentos da formação espacial, conhecer a estrutura e
movimentos da formação econômico-social, e vice-versa. Fato de fundamental importância
ao estudo da formação espacial e da destinação desse estudo ao conhecimento da
formação cconômicc-social. Chave da inserção da geografia e dos geógrafos no campo da
teoria e prática da transformação social no sentido da resolução dos problemas mais
candentes de nossa época, ao lado dos demais estudiosos sociais.
15
É fácil perceber-se, por exemplo, através de elementos do arranjo espacial (objetos
espaciais), a fusão do espaço com as instâncias que compõem a estrutura da formação
eeonômíco-social, como a fábríca (instância econômica), o tribunal (instância jurídico-
política) e a Igreja (instância ideológica). Fica evidente, portanto, que tais elementos
dcTãiranjo espacial não se encontram "soltos" no espaço, pois -inserem-se numa lógica de
arranjo espacial que reproduz a própria lógica do modo de produção a que pertencem.
A fábrica moderna, por exemplo, jamais seria um objeto espacial encontrado na
paisagem de uma formação econômico-social feudal. Mas, se pode ser encontrado na
paisagem tanto de uma formação econômico-social capitalista, quanto na de uma formação
econômico-social socialista, em cada qual tem um significado próprio, significado que só
pode ser apreendido quando visto no interior da totalidade social de que faz parte. Desligado
da sua totalidade social, um objeto espacial, e, por extensão, um arranjo espacial, perde
completamente sua expressão e seu valor analítico de uma formação espacial ou uma
formação econômico-social.
Observe-se, contudo, que o significado dado a um objeto espacial ou um arranjo espacial
por uma totalidade social, é dado, em última e primeira análise, pelo caráter das relações
sociais de classes dessa totalidade social. Nunca pela cultura, como tornou-se voga pelas
mãos da antropologia funcionalista-culturalista ou da filosofia da escola neo-hegeliana de
Frankfurt. O contexto em que qualquer dado ganha sua expressão não é o contexto cultural,
mas o contexto das relações sociais de classes, do qual deriva o próprio contexto cultural.
Se por um lado a presença da fábrica na paisagem sugere revelações sobre o grau de
relacionamento do homem com o seu meio físico, daí sua ausência na paisagem de uma
formação espacial feudal, por refletir determinado estágio de desenvolvimento das forças
produtivas, o mesmo para as formações espaciais capitalista e socialista por exemplo, por
outro lado seu significado e papel na dinâmica do espaço só podem ser apreendidos na
medida em que se distingam as relações sociais que a originaram e comandam: capitalistas
numa formação espacial, socialistas, noutra.
Assim, desde que conceituado nos quadros de uma teoria do espaço geográfico
16
submetida ao rigor epistemológico necessário e da compreensão de que a geografia é, por
origem, uma ciência social, por construir-se sobre um objeto de natureza historicamente
determinada (o espaço), e, que, portanto, seus objetos (os objetos espaciais), como a
fábrica do nosso exemplo acima, tiram seu significado da natureza da totalidade social de
que fazem parte, perdendo totalmente sua expressão quando isolado dessa totalidade, o
arranjo espacial pode e deve ser transformado numa categoria de análise, de fundamental
valor para a análise do espaço. Por extensão, de cada formação econômico-social, como deve
ser o objetivo da Geografia e do geógrafo.
Ora, como vimos que o arranjo espacial é a própria estrutura da totalidade social, e
como na base dessa estrutura está a natureza do processo de reprodução social, é no
conhecimento das leis que regem este processo de reprodução que deve se apoiar a análise
do espaço.
Como, face à sua natureza, pode-se partir do arranjo espacial para o conhecimento
das leis da reprodução social, ou vice-versa, há aí uma flexibilidade de alta importância
para o geógrafo. O importante é que sempre se tenha em vista a necessária relação entre
arranjo espacial e o processo de produção social.
2. OBJETO E OBJETIVO DA GEOGRAFIA
O espaço é o objeto da geografia, o conhecimento da natureza e leis dos
movimentos da formação econômico-social é o seu objetivo. O espaço geográfico é o
espaço interdisciplinar da geografia. É a categoria por intermédio da qual se busca
apreender os movimentos do todo: a formação econômico-social.
A noção de espaço como "chão" da geografia é, certamente, um tema que perpassa
todos os discursos geográficos em todos os tempos, tal como se pode aferir duma simples
17
confrontação da maneira como a vêm definindo os geógrafos.
Os gregos definiam a geografia em seu sentido etimológico, como "descrição da
terra", em termos de um enciclopedismo que era fruto de sua visão sistémica dos
fenómenos. O objeto da geografia seriam os fenômenos passados na superfície terrestre,
mas como estes tinham sua génese numa escala fenomenológica que transcendia a epiderme
do Planeta, suas dimensões eram cósmicas.
Esta foi a herança que arrastou-se até o século XVIII e desenvolvida por Estrabão,
Ibn Khaldun, Cuverius, Avenarius, cada qual alargando apenas o campo de conhecimento e
esboçando uma primeira sistematização da ciência.
O ^período científico" que toma lugar no século XVIII ao "período de coleta e
classificação", inicia-se com J. R. e J. G. Forster, alemães11, ganhando crescente expressão a
noção de "estudo da relação homem-meio". A partir de então, as concepções teóricas da
geografia deixam-se prender pela armadilha de falsas questões, como a querela determinismo
ratzeliano e possibilismo lablacheano. É nesse período que são lançados os alicerces da
"geografia científica", como o primeiro grande esforço de enquadramento epistemológico
das ciências em geral, e da geografia em particular, por Kant que a lecionou por 40 anos
(de 1756 a 1796) na Universidade de Kõnigsberg, e o arrolamento de seus "princípios" com
Humboldt e Ritter.
Ganham corpo nesta época as "armadilhas epistemológicas" que ainda hoje lançam
a geografia em contradições e impasses, diligentemente cultivados pêlos geógrafos. Com
Kant nascem as noções de "ciência de descrição" e "ciência de síntese", e com os "pre­
cursores" as encruzilhadas dicotômicas 'homem-meio" e "geral-regional", noções dualistas
que têm prestado enormes desserviços à geografia como ciência social.
Durante toda a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX, por quase
um século, o pensamento geográfico girou em torno de suas matrizes: a escola francesa e a
escola alemã, multiplicando-se as definições, em todas as quais o espaço está implícito. La
Blache define-a como "o estudo dos lugares", e não dos homens, e Hettner define-a como
"estudo das diferenciações de áreas". Delas, Carl Sauer, nos Estados Unidos, extrai a
18
definição"" de "estudo das paisagens", nascendo o que veio a chamar-se "geografia cultural",
talvez pretendendo fugir à dicotomia homem-meio.
Continuador conspícuo da tradição francesa, Pierre George, marxista até seu
rompimento em 1956, define a geografia como "estudo da organização do espaço pelo
homem", refletindo a influência de F. Perreux e de seus trabalhos sobre a economia espacial,
particularmente de sua teoria de pólos de crescimento. Este geógrafo repre senta, em nossa
opinião, o estágio de maior destrinçamento das "armadilhas epistemológicas" aludidas atrás,
até o surgimento recente das novas tendências, ainda fragmentárias e nascidas sob marcada
influência do marxismo pós-estalinista, que encontramos representadas em trabalhos
publicados nas revistas Espace et Soclété, Hé-rodote (dirigida por Lacoste) e Antipode
(americana).
Não é nosso intuito traçar um retrospecto da evolução do pensamento geográfico,
embora seja nossa opinião de que é hoje uma necessidade das mais prementes o
desenvolvimento de trabalhos histórico-críticos sobre o saber geográfico.
Mas se o espaço foi sempre o "chão" desse saber, como se explica não ter sido
notado, dotado do mínimo rigor teórico e epistemológico, e usado como instrumento de
conhecimento e transformação das sociedades? Questões que, para os geógrafos, são ainda
mais desafiantes, quando se observa que o espaço é hoje tema comum nos trabalhos das
demais ciências sociais, como a economia, a sociologia e a antropologia. Quando se
observa que o espaço foi descoberto pelo capital como instrumento de acumulação e poder.
3. A GEOGRAFIA É UMA CIÊNCIA SOCIAL
Tendo por objeto uma categoria de natureza social, a natureza científica da
geografia fica determinada pela natureza do seu objeto. Ora, o espaço é essencialmente um
espaço social.
19
Pelo que já se deu a entender, o espaço não é "suporte", "substrato" ou
"receptáculo" das ações humanas, não se confunde com o "espaço físico". O espaço
geográfico é um "espaço produzido", uma formação espacial.
Mas a "primeira natureza" não é mera parte integrante da formação espacial. É uma
condição concreta de sua existência social e isto por ser uma condição concreta da
existência social dos homens. Conquanto a "primeira natureza" não seja o espaço geográ­
fico, não há no entanto espaço geográfico sem ela.
Sobre este assunto, que merece de uma teoria do espaço viva
atenção, vale lembrar que de todos os objetos existentes num ar- ranjo espacial os de
ordem natural são os únicos que não derivam do trabalho social.
Ora, a "primeira natureza" somente é incorporada ao espaço geográfico quando
absorvida pelo processo da história. Daí decorre que sua importância geográfica resulta
sobretudo do fato de situar-se no próprio âmago da natureza social do espaço, sendo este
âmago o trabalho social. A "primeira natureza" integra a base material da sociedade.
4. O ESPAÇO COMO ESPAÇO SOCIAL
A natureza social do espaço geográfico decorre do fato simples de que os homens
têm fome, sede e frio, necessidades de ordem física decorrentes de pertencer o homem ao
reino animal, ponte de sua dimensão cósmica. No entanto, à diferença do animal, o homem
consegue os bens de que necessita intervindo na "primeira natureza", transformando-a.
Transformando o meio natural, o homem transforma-se a si mesmo. Ora, como a obra de
transformação do meio é uma realização necessariamente dependente do trabalho social
(a ação organizada da coletividade dos homens), é o trabalho social o agente de mutação
do homem, de um "ser animal" para um "ser social", combinando estes dois momentos
em todo o decorrer da história humana.
Decorre, então, que a formação espacial, na verdade a formação econômico-
social, deriva de um duplo conjunto de interações, necessariamente articuladas: a) o
20
conjunto das interações homem-meio, erroneamente denominadas "relações geográficas"; e,
b) o conjunto das interações homem-homem, as relações sociais.
Tais interações ocorrem simultânea e articuladamente, sendo, na verdade, duas
faces de um mesmo processo. Aqui são vistas como "duplo conjunto" apenas para
encaminharmos a crítica a um dos postulados básicos da geografia clássica: o de que a
geografia é o "estudo da relação homem-meio". Expressão que originou formas correlatas
do tipo "base geográfica da história", com que o senso comum manifesta a imagem que
tem da geografia. A decomposição dessas interações em "interação homem-meio" e
"interação ho-mem-homem" é um dualismo perigoso, embora estejamos aqui correndo este
risco ao buscarmos forma mais simples (simplista?) de crítica ao clássico "dualismo físico-
humano".
O caráter simultâneo e articulado dessas interações pode ser expresso nos seguintes
termos: os homens entram em relação com o meio natural, através das relações sociais
travadas por eles no processo de produção dos bens materiais necessários à existência. En-
gels já observava que os homens entram em relações uns com os outros através de
"coisas". No caso, não haveria relações sociais, se não houvesse a necessidade de os
homens transformarem por via do trabalho social o meio natural em meio de subsistência
ou de a este chegarem.
Decorre do exposto que é o processo de produção dos bens necessários à existência
humana, no bojo do qual se dão tais interações, que lhes confere unidade.
Eis por que achamos que toda análise do que chamamos formação espacial
confunde-se com a análise do processo de produção. Vejamos isto em termos breves.
A consecução dos bens de subsistência humana implica numa intervenção do homem
em seu meio natural, inicialmente sob a forma de extração e a seguir sob a forma de uma
transformação crescentemente complexa, do ponto de vista da história. Eis a origem da
"primeira" forma de interações: a relação homem-meio.
Ocorre que esta consecução dos bens, seja pela forma mais primitiva ou seja pelo
21
ato mais complexo de transformação do meio natural em produtos, é uma tarefa que
transcende ao trabalho individual do homem, sobretudo face à crescente complexidade que
adquire mais e mais no tempo o processo de produção por realizar-se sob a dependência de
emprego de forças produtivas crescentemente mais evoluídas. Implica, pois, numa divisão
de trabalho. Em trabalho social.
Ora, trabalho social significa o travamento de relações entre os homens que se
reúnem para o ato de produzir. Por exemplo, implica uma divisão de trabalho definir-se o
que produzir e o volume do que se vai produzir e ainda um modo de repartição da riqueza
coletivamente produzida. Implica, pois, em determinadas relações sociais. Eis a origem da
"segunda" forma de interações: as relações homem-homem.
São todas estas interações que estão na base da origem e evolução das formações
espaciais que se sucederam no tempo.
O discurso geográfico clássico, não só lablacheano, só viu a "primeira" forma de
interações, não percebendo ou evitando perceber, que a relação homem-meio é, antes de
tudo, uma relação social. Não é de estranhar que esta concepção de geografia só tenda à
dicotomia entre os "lados" da relação. Afinal, o que exprime o termo "homem" senão
aquilo que Pierre George frequentemente chama de "co-letividade humana" do lugar,
reproduzindo o discurso clássico, expressão que os geógrafos reduziram ao significado
demográfico mais simples: o de quantidade de homens. Expressão que esconde a natureza
dos fenómenos espaciais de totalidade estruturada das relações sociais estabelecidas pêlos
homens no decurso do trabalho social.
Daí, concepções nada geográficas, em verdade, como "estudo das relações homem-
meio" ou "charneira entre o físico e o social", e toda uma série de distorções de cunho
epistemológico. Verdadeiras "armadilhas epistemológicas" em que os geógrafos vêm
incorrendo insistentemente, sem perceberem ou fazendo vistas grossas ao fato de que elas
desviam a epistemologia geográfica do seu real terreno. De que a falsa dicotomia "físico-
humana" só serve para esconder a natureza social da geografia e do seu objeto; de que a
falsa querela "determinismo x possibilismo" só serve para desviar os geógrafos do emprego
22
da categoria "determinações"; de que a falsa dicotomia "geografia geral-geografia
regional" só serve para afastar a geografia da lógica dialética, atrelando-a à lógica formal e ao
kantismo.
"Armadilhas epistemológicas" que tiveram o papel de manterem a geografia como o
último reduto do positivismo nas ciências sociais e de, por consequência, torná-la a única
ciência social refratária ao marxismo, ao emprego do materialismo dialético e histórico como
bússola.
Daí, a ausência de qualquer postura crítica e atuante, científica e consequente,
perante a "sociedade global" por parte dos geógrafos e da geografia, demonstrando uma
ridícula indiferença ou arrogância para com os fenómenos sociais, "coisas carentes de rigor
científico".
Parece-nos pertinente, por estas razões, propormos tomarí a geografia como sendo
a ciência de análise das formações espaciais que adquirem as relações sociais de dada
jormacão econômico-social
5. ESPAÇO SOCIAL E ESPAÇO TEMPO
Todo objeto tem uma dupla dimensão: a espacial e a temporal. E se os geógrafos,
por força da natureza mesma de sua disciplina, não puderem abstrair-se por completo do
espaço, substituindo-o pela ambígua noção de "relação homem-meio", o fizeram com o
tempo. Daí o espaço geográfico ter-se tornado, no dizer de Foucault, um espaço
"congelado"20. Durante todo o tempo os geógrafos trabalharam seu objeto escamoteando-o
e tendo uma noção do tempo, quando tinham, mecanicista, evolucionista. Ao separarem o
espaço do tempo, pagaram seu tributo ao kantismo; ao desprezarem a histo-ricização do
espaço geográfico, pagaram seu tributo ao positivismo (geografia clássica) e ao
neopositivismo (new geography).
Ora, o tempo não é só movimento, mas movimento dialético. Movimento que
combina continuidade e descontinuidade, estabelecendo uma periodização na qual cada
23
período caracteriza-se por formas historicamente específicas de relações de produção. Daí
a importância de se utilizar a categoria dos modos de produção nos estudos espaciais.
A introdução da dialética espaco-tempo nos estudos de geografia é fundamental
para compreender-se as leis de movimentos das formações espaciais e seu conteúdo
histórico. Sem ela, a noção de arranjo espacial torna-se uma noção estática, meramente de
"estrutura" da formação espacial.
Somente através da dialética espaço-tempo podemos acompanhar os processos e os
estágios de desenvolvimento das formações espaciais, no interior dos quais encontraremos
diferentes estágios de relação homem-meio. Dar aos objetos do arranjo espacial e ao
arranjo como um todo o significado social e temporal necessário.
6. ESPAÇO E REPRODUÇÃO
Vimos que a formação espacial é um "espaço produzido". Que a produção do
espaço confunde-se com a produção dos bens mate riais necessários à sobrevivência dos
homens. E que isto decorre do fato de que os homens suprem suas necessidades
convertendo a a terra, que Marx denominou "sua despensa primitiva", nos bens ne­
cessários, pela via do trabalho social.
Vimos também que a formação espacial é a própria formação econômico-social,
espacializada, contendo sua estrutura e leis de movimento, e nela estando contida.
Retomemos estas duas afirmações, a fim de, estabelecendo a unidade necessária
entre base económica (infra-estrutura) e formação econômico-social, precisarmos mais a
noção de formação espacial e compreendermos o significado de modo de produção.
Em primeiro lugar, o espaço não seria formação espacial se o processo de produção
não fosse, em verdade, um processo de reprodução". A formação espacial teria existência
efémera, restrita ao momento (período) de conversão da "primeira natureza" em bens pelo
trabalho social, não chegando a adquirir uma estrutura duradoura e mais definitiva.
24
Terminado o processo de produção, se extinguiria a "ordem espacial" gerada pelo trabalho
social, como resultado e ao mesmo tempo condição de realização da produção.
É devido ao fato de que o processo de produção é em verdade um processo de
reprodução que esta "ordem espacial" ganha existência permanente. Fica mais uma vez
patente o vínculo existencial entre a formação espacial e o processo de produção: como a
reprodução é a produção em caráter permanente (contínuo), a formação espacial ganha um
caráter permanente.
Em segundo lugar, decorre dessa relação com o processo da produção social a
relação de correspondência básica entre a formação espacial e a formação econômico-
social. Produzida pelo mesmo processo gerador, em última instância, da formação
econômico-social, e em simultaneidade, a formação espacial exerce dialeticamen-te papel
fundamental nesse processo, já que é resultado e condição da reprodução.
Mas a relação de correspondência básica é o fundamento da correspondência
necessária entre a formação espacial em seu todo e a formação econômico-social em seu
todo. Se a formação econômico-social organiza a formação espacial em se organizando,
estrutura a formação espacial em se estruturando, origina a formação espacial em se
originando, transfere-lhe suas leis de organização e movimentos, isto tudo ocorre também
no sentido inverso, o da formação espacial para a formação econômico-social.
Acompanhemos mais de perto o processo de reciprocidade de influências que se
verifica como decorrência da relação de correspondência necessária entre a formação
espacial e a formação econômico-social.
A produção de bens é feita em razão das necessidades de consumo, realizando-se
tanto a produção quanto o consumo segundo as leis historicamente determinadas, que são
próprias a cada modo de produção. Como o montante dos bens oriundos do processo de
produção desaparece sob o consumo, o processo de produção se repete continuamente, isto
é, se reproduz.
Como para realizar a produção os homens travam relações sociais, denominadas
25
relações de produção em razão de sua natureza, a realização da reprodução implica em
reprodução das relações de produção.
Coloca-se, aqui, a questão das articulações das instâncias de uma formação
econômico-social e desta com a formação espacial em termos de totalidade.
Dependendo da posição em que os homens se coloquem face aos meios de
produção, as relações de produção serão relações sociais entre iguais ou entre proprietários
e não-proprietários, surgindo, neste segundo caso, uma estrutura social de classes sociais
que comandará o processo global da formação econômico-social. Assim, numa formação
econômico-social desse tipo, toda vez que no processo de reprodução se reproduzirem as
relações de produção, estará na verdade com a reprodução destas se reproduzindo a
estrutura de classes. Ora, para que tal encadeamento da reprodução realizada ao nível da
infra-estrutura se faça sem rupturas ou prejuízo à própria continuidade da reprodução
provocados pelo entrechoque dos interesses contrários das classes, surgem as relações
sociais superestruturais, jurídico-políticas e ideológicas. Estas relações sociais
superestruturais, por surgirem em decorrência de o processo de reprodução ser comandado
pelas relações de classes (relações de classes estas engendradas pela reprodução das
relações de produção), entram também em processo de reprodução a cada vez que se
reproduzem as relações infra-estruturais.
O fenômeno da reprodução é, assim, como observa Henri Lefebvre, uma
reprodução da formação econômico-social como um todo, numa dialética em que as
relações sociais de todos os níveis perpassam umas às outras.
No dizer de.Engels: "A situação económica é a base, porém as diversas
partes da superestrutura — as formas políticas da luta de classes e suas consequências,
as constituições estabelecidas pela classe vitoriosa, uma vez ganha a batalha, etc. — as
formas jurídicas — e em consequência inclusive os reflexos de todas essas lutas reais
nos cérebros dos combatentes: teorias políticas, jurídicas, filosóficas, ideias religiosas e
seu desenvolvimento posterior até converter-se em sistemas de dogmas — também
exercem influência sobre o curso das lutas históricas e em muitos casos preponderam
26
na determinação de sua forma".
Ora, sendo a formação espacial a própria formação econômico-social, ao nível
do espaço, e sendo seus movimentos os mesmos, fica mais que evidente que, toda vez
que a formação econômico-social se reproduz como um todo, a formação espacial se
reproduz como um todo.
O que afirmamos é que na formação espacial se realiza todo o processo de
reprodução realizado na formação econômico-social. E o que pomos em realce é que
todo movimento resultante do per-passamento da instância económica no todo e todo
movimento resultante do perpassamento das instâncias superestruturais no todo en:.
contram correspondência integral na formação espacial. Por isso'o espaço geográfico
intervém em dois processos articulados na formação econômico-social: o de produção
social (instância económica) e o de controle de suas instituições e de relações de
classes (instâncias jurídico-política e ideológica).
Alargamos, assim, a noção inicial de correspondência entre o "espaço produzido" e o
processo de produção dos bens materiais necessários à sobrevivência dos homens, que
denominamos de relação de correspondência básica entre a formação espacial e a
formação econômico-social, noção que é o equivalente espacial da noção de determinação
em última instância da instância económica, e estabelecemos a noção de correspondência
entre o todo da formação espacial com o todo da formação econômico-social, noção que
denominamos de relação de correspondência necessária entre a formação espacial e a
formação econômico-social.
7. ESPAÇO E ACUMULAÇÃO
A formação espacial, como a formação ecunômico-social com que se confunde, é
resultado e agente impulsor, ao mesmo tempo, do processo de desenvolvimento da história dos
homens. Ora, processo de desenvolvimento é processo de acumulação.
O processo de evolução, de desenvolvimento, das sociedades humanas é o
27
armazenamento contínuo de um arsenal de "coisas" produzidas pêlos homens, como instrumentos
de trabalho e conhecimentos (know-how?), de que os homens se valem para reproduzirem sua
existência social e impulsionarem o progresso mais para a frente. Os objetos do arranjo espacial e
o próprio arranjo em seu todo são exemplos de formas dessas "coisas" produzidas e acumuladas
no decurso infinitamente contínuo do processo de reprodução.
Para que a produção seja um processo contínuo, necessário se torna que no ato de produzir
se gere simultaneamente os bens de consumo, bens que garantam a continuidade. Como exemplo,
que parte das sementes cultivadas seja separada para a reprodução; que a força de trabalho
despendida pelo trabalhador encontre, ao lado do consumo, descanso e lazer, indispensáveis à sua
reprodução; que as ferramentas de trabalho surgidas no processo de trabalho sejam reincorporadas
à reprodução.
Quando o processo de produção se repete cada ano nas mesmas proporções, como ocorre
com as comunidades agrícolas primitivas e o pequeno artesanato, diz-se que há reprodução
simples. Quando o processo de produção se repete sob uma forma mais vasta, diz-se que há
reprodução ampliada. Vê-se, pelo exposto, quesó existe acumulação quando a reprodução é do
tipo ampliado. O espaço geográfico tem uma participação relevante no processo de reprodução,
seja na reprodução simples ou na reprodução ampliada. Os objetos do arranjo da "segunda
natureza" (espaço produzido), tais como prédios, caminhos e lugares de trabalho, ou da "primeira
natureza", como a água, solos e jazidas minerais, bem como o próprio arranjo como um todo, são
aspectos daquilo de que se valem os homens para uma produção contínua e que Marx denominou
de "condições de reprodução".
Seja como "espaço produzido" ou mesmo como "primeira natureza'', o espaço
geográfico atua no processo de reprodução como "condição de reprodução", através do
qual, em seu seio, o devir histórico foi acumulando.
Ocorre, contudo, que tais "condições de reprodução" são meios de produção e, por
conseguinte, objetos de apropriação pelas classes de uma formação econômico-social.
Conforme seja o modo de produção, diferente uns dos outros justamente pela forma
de relações de produção e de classes que encerram, as "condições de reprodução" e os
28
demais meios de produção ganharão uma conformação própria. Como também o processo
ide acumulação.
Nas condições do modo de produção capitalista, os meios de produção são capital,
ou seja, veículos por meio dos quais a forca de trabalho operária, produzindo a mercadoria,
produz mais-valia. Dessa maneira, os meios de produção têm sua apropriação por uma
classe social que os considera um meio de geração de sobretrabalho (excedentes), que ela
utilizará com fins de acumulação de capital.
Sendo assim, uma formação espacial capitalista encerra em seu cerne a luta que
travam o capital e o trabalho.
Primeiramente, porque através dos elementos extraídos à "primeira natureza" o que se
garante não é a conversão da "dispensa primitiva" em meios de sobrevivência dos homens,
mas a produção, sob a forma de matérias-primas brutas, de capital circulante. Em segundo
lugar, porque através da geração de "condições de reprodução" o que se gera não são
aquelas condições de continuidade sem as quais os homens não repetem com regularidade
a produção dos meios de sua sobrevivência, mas capital fixo. Em terceiro lugar, porque
através do uso desses meios de produção o que se está gerando não são meios de
sobrevivência dos homens, mas mercadorias, veículos de transformação da mais-valia
extraída daqueles que a produziram, em lucros. Em quarto lugar, por fim, porque através
da reinversão da mais-valia expropriada em nova fase do processo de reprodução o que se
produzirá não será o desenvolvimento econômico-social, mas a acumulação do capital.
Eis por que, em belíssimo e inspirado texto, afirma Francisco de Oliveira: "Não
pode o Estado solucionar o chamado problema de transporte urbano? Pelo tamanho do
excedente que maneja, pode; mas, se esse excedente provém em parte da produção
automobilística, então não pode. Pode o Estado solucionar o chamado problema da
poluição? Tendo tanto chão neste país, parece que se poderia descentralizar a indústria,
principal poluidora; mas o chão da pátria não é chão, é capital"24.
29
8. ESPAÇO E INSTÂNCIAS
Vimos que a formação espacial tem a própria estrutura e leis da formação
econômico-social. Uma analogia simples nos permitirá ilustrar o que afirmamos.
Se observarmos uma quadra de futebol de salão, notamos que o arranjo do terreno
reproduz as regras desse esporte. Basta aproveitarmos a mesma quadra e nela superpormos
o arranjo espacial de outros esportes, como o vôlei, o basquete ou o handball, cada qual
com "leis" próprias, para notarmos que o arranjo espacial de cada qual diferirá no terreno.
Diferirá porque o arranjo espacial confundindo-se com as regras do jogo, estas regras
diferem em cada um dos esportes citados. Se fossem as mesmas as "leis" para todos eles, o
arranjo seria um só.
Naturalmente que a transposição do exemplo da quadra de esportes para o que
ocorre com a formação espacial implica em alguns cuidados, como de resto deve acontecer
com as analogias. Não se trata de uma diferença de escalas, apenas, mas de natureza qua­
litativamente distinta entre a quadra e a formação espacial, embora possamos falar da
quadra como de uma formação espacial. Mas as regras do esporte são regras simples quase
mecânicas, com intuitos de repetições de jogadas de reduzida margem de variações. As leis
de uma formação econômico-social são da ordem de grande complexidade de movimentos
determinadas historicamente. Confundindo-se com estruturas complexas e enquadradas no
tempo histórico, e não no tempo sideral como o da quadra, a formação espacial tem uma
estrutura complexa e submetida ao tempo histórico.
Ora, sabemos que uma formação econômico-social tem uma estrutura formada pelo
perpassamento de três estruturas (instâncias ou níveis): uma infra-estrutura (a instância
econômica) e duas superestruturas (a instância jurídico-política e a instância ideológica).
Estas "três" instâncias permeiam-se, formando uma única totalidade social. Embora
no interior dessa totalidade guardem certa autonomia, não se pode na verdade falar de três,
30
exceto em benefício (ou deformação?) da análise científica. Projetando-se umas sobre as
outras, cada uma contém as demais, de modo que um fenómeno social qualquer é, ao
mesmo tempo, "económico", "jurídico-políti-co" e "ideológico". Tal concepção de unidade
das instâncias decorre da própria concepção de totalidade social, que não deve ser
entendida como "uma combinação de partes" ou "um todo articulado de partes". Uma
totalidade social não é um sistema, é um todo confundido com as "partes", sendo cada
"parte" a forma específica como se manifesta o todo. Assim, o Estado, por exemplo, não é
uma parte da formação econômico-social, mas uma forma específica como o todo se
manifesta, sintetizando esta "parte", o Estado, tudo o que constitui o todo. O raciocínio é o
mesmo para a formação espacial que vimos usando neste trabalho, como já se deu a
perceber. Não se pode dizer que a instância jurídico-política, materializada no exemplo do
Estado, seja uma parte da formação econômico-social, o mesmo sucedendo quanto às
demais.
Projetando-se umas sobre as outras, somente sobre o espaço "projetam-se" as três
simultaneamente. Contendo as três instâncias a um só tempo, o espaço está contido em cada
uma delas, através de um jogo dialético em que, ao confundir-se com cada uma, passa a
interferir nos movimentos de cada uma. Como as instâncias estão perpassadas, passa a
interferir no movimento da formação econômico-social em seu todo.
Vejamos, somente para efeito de maior visualização do que foi exposto, a articulação entre
o espaço e cada instância.
ESPAÇO E INSTÂNCIA ECONÓMICA
A articulação do espaço geográfico com a instância económica dá origem ao que
chamaremos "arranjo espacial económico". Tal arranjo é, em essência, o resultado de
como se exprimem no âmago da instância económica as forças produtivas como relações
de produção. As formas de expressão das forças produtivas como relações de produção
diferem, qualitativamente, de uma formação econômico-social para outra, vale dizer, de
uma formação espacial para Outra, e são, por sinal, os elementos qualificadores de cada
31
formação.
As forças produtivas, por sua vez, articulam, no processo de trabalho, a força de
trabalho, os objetos do trabalho e os meios de trabalho. Os meios de trabalho e os objetos
de trabalho constituem os meios de produção. Somente quando a força de trabalho põe os
meios de produção em movimento é que as forças produtivas ganham vida e se põem em
movimento como um todo.
Sabemos já que o espaço confunde-se com a instância económica como meio de
produção e, então, de dupla forma: primeiramente, como objeto do trabalho, temos a
"primeira natureza"; em segundo lugar, como meio de trabalho (o arranjo produzido no
espaço pela acumulação), temos a "segunda natureza" ou "espaço produzido”.
Como objeto do trabalho, a inserção do espaço se faz por intermédio dos seus
componentes de ordem natural, sob a forma de matérias-primas brutas ou semi-
elaboradas. Como meio de trabalho, a inserção do espaço se faz por intermédio dos seus
componentes "históricos", isto é, dos objetos nele gerados, organizados e acumulados pelo
incessante processo de reprodução ampliada. Ou em termos já ditos: como "condição de
reprodução".
Ora, sabemos que o arranjo espacial económico resulta da forma como se
exprimem historicamente as forças produtivas como relações de produção, ou dito em
outros termos: do grau de desenvolvimento das forças produtivas e do caráter das relações
de produção.
Nas condições do modo de produção capitalista, para tomarmos um exemplo, as
forças produtivas se encontram em alto grau de desenvolvimento, implicando numa
relação do homem com o meio físico caracterizada pela forte superioridade daquele,
significando uma ampla divisão social de trabalho que confere ao arranjo espacial intensa
complexidade de formas. As relações de produção expressam-se nas forças produtivas de
uma forma típica: a força de trabalho, e somente ela, pertence ao proletariado, o qual tem
que vendê-la para adquirir os meios de subsistência; os meios de produção (objeto e meios
de trabalho) pertencem à burguesia, que compra a força de trabalho do proletário, para,
32
fundindo-a aos meios de produção, produzir mais-valia.
Assim, o "chão" é capital e a formação espacial tem sua estrutura e movimentos
determinados pelo entrechoque entre aquelas classes, básicas desse modo de produção.
Podemos, então, imaginar um arranjo espacial económico numa formação
econômico-social capitalista central, composto ipor porções do espaço de traços definidos:
aqui uma área industrial, articulada a uma área mineira localizada mais além, e a uma área
urbana, que pode confundir-se com o próprio espaço industrial; derredor, em círculos
concêntricos, áreas agrícolas encerradas por pastagens. Podemos imaginá-lo como uma
porção, por sua vez, de um espaço mais amplo, onde inúmeras porções de espaço de
arranjos igualmente simples ou mais complexos se articulam numa sucessão de escalas de
concentricidade, numa hierarquia de dominância de umas porções de espaço por outras,
hierarquia esta definida em termos de "equipamentos terciários" existentes em cada cidade
maior de cada porção de espaço, até atingir-se o espaço global, que é o espaço de domínio
hierárquico de uma metrópole.
Enfeixando todo o espaço, articulando a totalidade, uma densa e ramificada rede
viária, que cobre todas as porções de espaço e atinge todos os objetos dos seus arranjos.
Um arranjo assim poderia estar confundindo-se a uma instância económica
altamente desenvolvida e composta por: a) uma intensa divisão de trabalho representada
pelas diferentes fases de circulação do capital (capital industrial, capital agrário, capital
mercantil, capital financeiro), isto é, por setores e suas ramificações; e b) diferentes níveis
de articulação interna das forças produtivas, significando diferentes níveis de taxa orgânica
de capital.
Como o espaço capitalista é um "espaço de relações", por exemplo, um espaço de
relações intra e intercapitais e entre capital e trabalho, comandadas pela lei do
desenvolvimento desigual e combinado, vale dizer, pela lei da acumulação capitalista,
evidentemente que num arranjo espacial económico desse tipo teremos inevitáveis
desigualdades. As porções de espaço que atuarem como locus da acumulação,
principalmente a metrópole da totalidade espacial, serão aquelas onde a riqueza mais se
33
centralizará; aquelas porções de espaço que atuarem como locus de produção e
expropriação de excedentes serão as que empobrecerão. Locus da riqueza e locus da po­
breza", cada um desses espaços, reproduz internamente por seu turno em seus arranjos
espaciais específicos a desigualdade, porque riqueza e pobreza são os nomes eufêmicos de
burguesia e proletariado, as classes sociais básicas das formações espaciais capitalistas
centrais.
Basta olharmos o arranjo espacial do espaço metropolitano de Nova Iorque, ou de
qualquer metrópole das formações econômi co-sociais capitalistas centrais, para vermos
estampada na paisagem a estrutura de classes desses lugares.
É nesse sentido que talvez possamos falar da formação espacial como sendo uma
formação de múltiplos espaços desiguais. Sendo a estrutura da formação espacial a própria
estrutura da formação eco-nômico-social, tais espaços desiguais não são nada mais que as
desigualdades sociais existentes entre as classes sociais da formação econômico-social.
Mais importante que a imagem é o que ela revela: que a causa das desigualdades espaciais
é a mesma das desigualdades sociais, ou seja, a exploração do trabalho pelo capital.
ESPAÇO E INSTÂNCIAS SUPERESTRUTURAS
A forte integração das instâncias jurídico-política e ideológica, sobretudo em face da
onipresença cada vez maior do Estado nas formações econômico-sociais, desaconselha
separá-las.
Talvez se possa falar de um "arranjo espacial jurídico-político" e de um "arranjo
espacial ideológico", se tomarmos noções como as propostas por Althusser de "aparelhos
repressivos de Estado" e "aparelhos ideológicos de Estado". Os objetos de arranjo de cada
um desses "aparelhos de Estado" são mais que visíveis. Parece-nos ter razão, no entanto,
Foucault ao observar que "se quisermos perceber os mecanismos de poder na sua
complexidade e nos seus detalhes, não poderemos nos ater unicamente à análise dos
aparelhos de Estado".
34
A separação do jurídico-político e do ideológico fica ainda mais desaconselhável
quando novamente nos remetemos a Foucault e nos introduzimos em um seu objeto de
reflexão, o das "relações que podem existir entre poder e saber", relações que têm sua
inscrição espacial, como: saber psiquiátrico e asilo; saber disciplinar e prisão; saber
"médico" e hospital; economia política e fábrica; que se complementam com o saber
geográfico e país, chão da ideologia do nacionalismo.
Surgidas sobretudo para regência da instância económica, as instâncias
superestruturais mobilizam cada vez mais o espaço como via de superação de eventuais
obstruções dos processos económicos pelas contradições do sistema, e com isto
preservarem aquela instância na essência de sua organização.
Exemplo recente disto temos na história brasileira, em que estas duas instâncias se
integram completamente. Quando a crise do "modelo económico" foi explicada como tendo
sido gerada pela "crise do petróleo", interveio o Estado com o planejamento do espaço
como medida de solução: tomando em conta o arranjo espacial de consumo do combustível
existente (distribuição dos postos de gasolina), permaneceriam abertos nos fins de semana
somente os pos-los que guardassem determinada distância dos centros urbanos.
Vejamos, entretanto, como poderíamos pensar espacialmente estas instâncias, segundo
arranjos espaciais "próprios".
O "ARRANJO ESPACIAL JURÍDICO-POLÍÏICO"
Dizia-se na formação econômico-social persa antiga, dos tempos de Dario I, uma
formação econômico-social tributária, que "os sátrapas são os olhos e os ouvidos do rei".
Nada mais revelador do arranjo espacial jurídico-político, um arranjo sobretudo moldado
pelo Estado.
35
Ocorre que os propósitos desse arranjo revelam bem a articulação que existe numa
formação econômico-social entre esta instância e a instância económica. A conquista de um
território extenso, formado pela anexação militar de territórios de outros povos, tinha por
finalidade a cobrança de tributos. A par de garantir a cobrança regular dos tributos, o
arranjo em satrapias visava garantir o exercício da dominação e da integridade do império.
A fórmula encontrada foi a criação de uma malha político-administrativa da qual não
escapasse qualquer parte do espaço sob domínio persa, dividida em satrapias. Com base
nessa malha, os "aparelhos de Estado" jurídico-políticos (e ideológicos) puderam ser
estrategicamente distribuídos: os sátrapas (governadores), os organismos de tributação, os
contingentes militares de ocupação, as estradas e o correio a cavalo.
Exemplos como este multiplicam-se na história. O que hoje haveria de novo seria o
suprimento e a multiplicação dos "aparelhos jurídico-políticos" voltados para as
necessidades específicas de um outro modo de produção, o modo de produção capitalista,
um modo mercantil por excelência.
Já vimos como Lacoste refere-se à intervenção do que denomina de "estados
maiores militares e financeiros", orientada cada vez menos pelo espontaneísmo e com
objetivos os mais variados: regulação das relações entre classes e segmentos de classes
sociais, instituições e nações; conquista militar, política, cultural ou económica; alocação
de capitais interessados em rápida circulação; provimento de maior "racionalidade
económica" aos investimentos. Fenómenos que ocorrem no interior de espaços mais vastos
que sonhou jamais Dario I.
Em que medida, no entanto, o planejamento de espaço deixa de ser, também, uma
ideologia?
O "ARRANJO ESPACIAL IDEOLÓGICO"
Objeto secular de uso ideológico, por meio do qual "a maioria das pessoas formam
sua "visão do mundo", se não sua "visão global", o espaço geográfico tem seu arranjo
36
fortemente confundido com a instância ideológica.
Como exemplo, o arranjo espacial ideológico contém as instituições pelas quais os
valores circulam e são assimilados, como a família, a escola, os centros culturais, a Igreja,
os asilos, os cárceres. É no interior desses "espaços sociais" que os valores se tornam
concretos. Espaços específicos, cada qual é uma síntese do todo, prescrevendo, segundo a
ideologia dominante, as noções de mundo e hierarquia. Tais noções seguem uma escala de
espaço que vai do "espaço social" específico ao mais geral, como: o espaço familiar, seguido do
espaço estado-nação e encimado pelo espaço cósmico; ou, em outro caso paralelo: o espaço
empresarial, o espaço estatal e o espaço mundial. Curiosamente, o primeiro exemplo é
apresentado na disciplina escolar chamada moral e civismo nas pessoas, sucessivamente, do
pai, do presidente e de Deus.
É interessante a maneira como o arranjo espacial ideológico se organiza em função
da noção de pátria, que numa hierarquia igualmente escalar vai do bairrismo ao
nacionalismo.
Mas a fusão do espaço com a ideologia é mais dinâmica sob os interesses mais
rapinantes do capital.
Anderson observa que há crescente interesse pela "qualidade do meio ambiente",
salientando o caráter ideológico daquilo que veio a chamar-se "crise ambiental". Se nos
lembrarmos do que ficou dito atrás, que "os homens relacionam-se com o meio físico atra­
vés de suas relações sociais", veremos que Anderson tem toda razão. E a "crise ambiental"
entra em cadeia com a "crise urbana" e com a "crise demográfica", esta provocada por uma
"explosão" populacional. Em todas estas "crises" o espaço é tomado como um dos pivôs,
já que está em causa o "acelerado consumo e esgotamento dos recursos naturais em face
do progresso e das necessidades humanas crescentes com o aumento acelerado da
população mundial". Verdadeiro "fetichismo do espaço" que toma como relações entre
coisas o que em verdade são relações sociais.
Citando Goodman, lembra ainda Anderson que "na arquitetura há "ideologias
estéticas", com ele concordando Castells quando afirma que não há espaço mais
37
ideologicamente construído que o espaço urbano. Explorando paisagens por elas cada vez
mais elaboradas, as grandes empresas imobiliárias promovem a fusão do espaço com a
produção de ideologia, seja sob a forma da estética arquitetônica dos "Barramares" ou sob
a forma ecológica de "sol, sal, montanhas e verdes".
E o que dizer das segregações espaciais do tipo ghettos, apar-theids e favelas,
sejam estas "Borel" ou "Vila Kennedy"?
9. A FORMAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL COMO SÍNTESE (TOTALIDADE)
A formação econômico-social é a totalidade que os geógrafos buscam,
quixotescamente e há séculos, sob a ambígua expressão "síntese". Manifestada como
formação espacial.
Entendida como "ciência de síntese" cercada por uma "constelação de ciências de
análise", a geografia ainda não se libertou da epistemologia kantiana do século XVIII,
padecendo de um mal "patológico".
É assim que encontramos em Pierre George afirmações como: "Ciência que mobiliza
o conhecimento dos métodos e dos resultados de um bom número de ciências associadas" e
"uma ciência de síntese na encruzilhada dos métodos de diversas ciências". Megalomania
patológica pura e simples? Os geógrafos pareceram sempre acometidos dessa "doença",
que não é mais que a expressão do uso ideológico de que a geografia tem sido sempre
objeto. Eis como a doença se manifesta em Albert Faure, citado por Milton Santos: "A
geografia reúne todas as ciências, abre os horizontes, comporta todos os conhecimentos
humanos". Afirmação muito próxima desta outra, do geopolítico Mackinder, citado por
Sodré: "Quem dominar a Europa Oriental dominará o coração continental; quem dominar o
coração continental controlará a ilha-mundo; quem dominar a ilha-mundo controlará o
mundo".
38
Paga a geografia, por consequência, pesado ónus por não terem os geógrafos
percebido, ou feito vistas grossas, ao fato de que é a formação econômico-social uma
totalidade social cuja concretude é dada pelo espaço, a verdadeira síntese de que se devem
ocupar.
Repensar a geografia, a partir da categoria formação espacial articulada às categorias
de formação econômico-social e de modo de produção, condição necessária para entender-
se o espaço como es-paço-social e espaço-tempo, eis uma perspectiva que nos parece capaz
de abrir-lhe caminhos no cipoal de ambiguidades em que está secularmente mergulhada.
Significa repensá-la em outros termos de interdisciplinaridade, para podermos colocá-
la, sem patologia, no lugar que lhe cabe entre as ciências sociais.
10. PARA REPENSAR A GEOGRAFIA
Nota Marx na epígrafe que serviu de guia para este trabalho que devemos buscar
apreender ".. .a essência nas aparências. . .". Entendemos com isso que se deve apreender
as leis internas (a essência) que governam as formas, as estruturas.
Ora, se as formas são as aparências, parece-nos que se encaixa aí a noção de arranjo
espacial que vimos usando neste trabalho. Entendemos por arranjo espacial uma estrutura
de objetos espaciais, uma localização organizada de formas espaciais, uma forma ou uma
totalidade estruturada de formas espaciais. O papel da análise espacial estaria em apreender
as leis que regem a formação espacial, seu todo e suas "partes", a partir do arranjo espacial,
e vice-versa.
Marta Harnecker propõe que ". . .para se chegar a .definir um objeto é necessário
ser capaz de descobrir a unidade ou a forma de organização dos elementos que servem
num primeiro momento para descrevê-la. Pode-se descrever uma sociedade; podemos, por
exemplo, dizer que em toda sociedade existem indústrias, campos cultivados, correios,
escolas, exército, polícia, leis, correntes ideológicas, etc. Porém, a organização destes
elementos em diferentes estruturas (económica, jurídico-política e ideológica) e a determi­
39
nação do papel que cada uma dessas estruturas desempenha na sociedade permite-nos passar
da descrição ao conhecimento de uma realidade social, estabelecer as leis de seu
desenvolvimento e, portanto, a possibilidade de dirigi-lo conscientemente".
Lembra Lefebvre: "A análise que distingue os fatos, as formas, os aspectos e os
momentos de um desenvolvimento, deve também preparar a síntese determinando as
ligações internas que existem entre esses elementos""1. E é o próprio Lefebvre que,
observando que a investigação somente ultrapassa o nível do empírico quando norteada
por uma teoria calcada na noção do lodo, diz: "Esta noção do todo desempenha papel
primordial, tanto metodologicamente como teoricamente. Já sabemos por quê. A realidade
que temos de compreender, na natureza tanto como na vida social, apresenta-se como um
todo". Só depois da análise das partes, "só então vem a exposição do todo, do conjunto".
O que propomos é a construção de uma teoria do espaço que se fundamente em três
categorias de totalidade, que são três facetas de uma mesma realidade: a formação espacial,
a formação econômico-social e o modo de produção. O conceito de formação espacial
passa pêlos conceitos de formação econômico-social e de modo de produção e, mais ainda,
pela forma como se articulam estes dois.
Entendemos uma formação espacial como uma "tópica marxista", para tomarmos,
talvez apressadamente mas não de todo sem validade em um texto que se propõe socializar
reflexões do autor, a expressão cunhada por Althusser, qual seja, "...um dispositivo es
pecial que assinala em determinadas realidades seus lugares no espaço", ou, "...um sistema
articulado de posições (lugares) comandados pela determinação em última instância". Sabemos
que esta "determinação em última instância" são as relações de produção. Vimos, ao longo
do texto, que a formação espacial é a própria formação econômico-social, espacializada.
A formação econômico-social define-se como "uma totalidade social concreta", ao
passo que o modo de produção define-se como "uma totalidade social abstrata", não se
podendo separar os dois conceitos, e tomada a expressão "abstrata" não na sua acepção
idealista. A primeira é um "conceito complexo e impuro", ao passo que o segundo é um
"conceito puro, ideal, que permite pensar uma totalidade". Tanto um quanto outro são
40
conceitos que se constróem sobre relações de produção (relações económicas, para empregar­
mos o conceito em sua acepção ampla), historicamente determinadas. Assim, se o modo de
produção funda-se em relações de produção homogéneas, a formação econômico-social
funda-se (ou não) em tipos de relações de produção heterogéneas, articuladas sob o
domínio do tipo mais avançado. Desse modo, o certo seria dizer-se "formação econômico-
social com dominante. . .".
Por isso, se afigura ser-nos válido em nosso estudo o conceito que Samir Amin
propõe de formação econômico-social, como sendo "um complexo organizado de modos
de produção", isto é, como sendo "uma estrutura concreta, organizada, caracterizada por um
modo de produção dominante e pela articulação à volta deste de um conjunto complexo de
modos de produção que a ele estão sub-metidos". Formulação que nos sugere a forma
adequada de articulação dos dois conceitos.
Parece-nos, abreviando um tema controverso e trazendo-o para o terreno da reflexão do
espaço, que a articulação dos três conceitos aqui propostos como as categorias mais gerais
de análise do espaço, envolve a observância de alguns pares dialéticos fundamentais, como:
concreto-abstrato, espaço-tempo, continuidade-desconti-nuidade, forma-conteúdo, assim
expressos:
Concreto-abstrato: A análise de uma formação econômico-social envolve o
conhecimento do mecanismo geral de funcionamento dos modos de produção que a
compõem. Assim, por exemplo, a análise de uma formação econômico-social com
dominante capitalista implica o conhecimento dos mecanismos gerais desse modo de produ­
ção e de cada um dos dominados. Só assim se pode captar as articulações e a
complexidade do todo.
Espaço-tempo: O que dá concretude à formação econômico-social é o espaço.
Contudo, vimos que o espaço sem a dimensão tempo é um "espaço congelado". Do mesmo
modo, pensar um modo de produção apenas pelo prisma do tempo, a-espacialmente, é
produzir uma história de generalidades, que esconde as diferenças das formações econômico-
sociais. A não-espacialização da história produz erros, como aquele observado por Samir
41
Amin de que, não se vendo que o modo de produção feudal foi um fenómeno restrito
espacialmente a uma porção do continente europeu, foi-lhe dado uma universalidade que
não teve. Daí as discussões hoje de modo de produção asiático (tributário).
Continuidade-descontinuidade: O modo de produção é uma des-continuidade no
tempo, razão por que permite-nos uma correia periodização do tempo histórico. Quer nos
parecer que a formação econômico-social é uma integração de tempos históricos desiguais,
estratificados no interior de uma mesma temporalidade e articulados sob o modo de
produção mais desenvolvido. Daí sua formação espacial exprimir-se como uma unidade
articulada de espaços regionais diferenciados, formando uma "regionalização" baseada em
modos de produção, diferenciação espacial esta que se torna "desenvolvimento desigual e
combinado" se o modo de produção dominante for o capitalista.
Duas propostas nos parecem pertinentes à passagem do nível de abrangência mais
geral dessas três categorias para o conhecimento do real, pela via da intermediação do
arranjo espacial.
Marta Harnecker propõe que, sendo as relações de produção o "núcleo estruturador"
que "explica o tipo característico de articulação das distintas instâncias (estruturas regionais)
e determina qual delas terá o papel dominante" das totalidades sociais, "devemos começar
diagnosticando que tipo de relações de produção existem, como se combinam, qual é a
relação de produção dominante, como exerce sua influência sobre as relações de produção
subordinadas. A partir daí, explicar o conjunto, sem negar a autonomia relativa das
estruturas regionais e sem deixar de ver a estrutura económica como determinante em
última instância".
Samir Amin propõe que, já que uma totalidade social se organiza em função da
produção e expropriação de excedentes, a análise da totalidade "deve organizar-se em
torno da forma pela qual é gerado o excedente característico dessa formação, das
transferências e da distribuição interna desse excedente entre as diferentes classes ou
grupos que dele se apropriam. Como uma formação social é um complexo organizado de
vários modos de produção, o excedente gerado nessa formação não é homogéneo. Existe
42
uma adição de excedentes com origens diferentes. Uma questão essencial é a de saber em
determinada formação concreta qual modo de produção é predominante, e, portanto, qual
é a forma predominante de excedente. Uma segunda questão é saber em que proporção a
sociedade vive do excedente gerado por ela própria e do excedente transferido com
origem em outra sociedade, ou, dito em outra forma, qual a importância relativa que nela
ocupa o comércio a longa distância". Convém lembrarmos que Samir Amin debruça-se
sobre o que denomina "formações sociais periféricas", que é o caso da formação social
brasileira, uma formação com dominante capitalista.
Parece clara a combinação das duas propostas: para a compreensão do processo de
produção e expropriação dos excedentes, é preciso conhecermos as relações de produção
existentes na formação. E vice-versa.
O estudo mais e mais preciso do conceito e articulação de formação econômico-
social e de modo de produção, a par do estudo minucioso da economia política, das
instituições e da ideologia, sem o qual não se pode mergulhar fundo na compreensão de
uma formação econômico-social, e a convergência de tudo isto ao estudo do conceito, forma
e processos da formação espacial, eis o que nos parece que é necessário para um bom
trabalho de construção teórica do espaço.
Resta lembrar que o processo de teorização só ganha concretude e vigor se
realizado no interior da práxis.
EM BUSCA DA ONTOLOGIA DO ESPAÇO
António Carlos Robert Morais
Tentaremos neste pequeno artigo introduzir na problemática geográfica um
encaminhamento teórico baseado em autores que acreditamos encontram-se até agora
ausentes de tal discussão. O obje-tivo é fornecer ao leitor indicações de uma posição
43
possível no tratamento de questões referentes ao espaço. Esta posição, resposta a questões de
caráter geral, apresenta-se como um momento de um esforço de reflexão, tentando dar conta
de um primeiro nível de problemas que se colocam aos geógrafos que buscam
compreender o espaço numa perspectiva materialista e dialética. Assim é a bagagem com que
partimos para um projeto de pesquisa. Esta posição foi se constituindo em leituras e
discussões, e deste modo se vier a servir de auxílio ou alimento à discussão, seu mérito
deve ser creditado, aos colegas que conosco discutiram-na; por outro lado, as lacunas e a
brevidade no tratamento de certos pontos ligam-se ao fato de não se tratar de uma proposta
acabada, porém de um posicionamento ainda em formação. Em suma, se conseguir suscitar
o interesse pêlos autores que serão apresentados, a validade do presente artigo estará dada.
Como realizar um estudo do espaço dentro do matelialismo histórico, em que ele
não seja apenas o receptáculo de fenómenos determinados por outras instâncias do real?
Como efetivar a apropriação total do espaço, apreendendo-lhe a essência? Como apreen
der este ser específico, sem autonomizá-lo e sem empobrecer-lhe a singularidade? Como
realizar um corte no real sem cair num procedimento positivista? Estas são dúvidas que
constantemente atormentam todo geógrafo que assume um posicionamento marxista. Al­
gumas são ainda mais amplas, aparecendo como questões basilares de toda a reflexão
geográfica, pois dizem respeito à particularidade da análise, à possibilidade mesmo de
existência da geografia, à definição do objeto.
Por muito tempo a geografia apresentou-se como a única disciplina que se
debruçava cientificamente sobre o espaço, talvez isso explique a raridade de reflexões mais
aprofundadas a respeito desse ser e de sua apreensão no âmbito deste corpo de
conhecimentos. O rigor conceituai e o esforço metodológico precoce por exemplo na
sociologia não frutificou na geografia, que assim entorpeceu-se nas soluções semânticas ou
analógicas. O questionamento sobre os atributos e a dinâmica própria do espaço restou
como campo da especulação filosófica. Nas décadas recentes, por imposições colocadas pelo
trabalho técnico, outras disciplinas começaram a revelar em seus estudos o que poderíamos
chamar de componente espacial da manifestação dos fenómenos. Não cabe aqui construir
uma redoma lógica para justificar a propriedade exclusiva sobre este objeto, nem defender
um rótulo antigo em nome de uma tradição académica, em sua quase totalidade de
44
orientação positivista. Deixemos a estes o árido debate sobre a classificação e a delimitação
das ciências humanas. Entretanto, devemos observar que a reflexão filosófica sobre o
espaço se fez desvinculada de uma análise histórica concreta, aparecendo como um esforço
puramente lógico (por exemplo em Kant ou em Leibnitz). Por outro lado, as ciências
específicas, ao meditarem sobre o tema, já possuem um interesse particularizado (como
por exemplo a cidade para o urbanismo) que as desvincula da preocupação com o espaço
em sua universalidade. Resta a geografia, com uma bagagem empírica considerável, e com
um restrito porém não desinteressante escopo teórico. A elaboração de uma história crítica
deste material poderá fornecer pontos relevantes à discussão. Tal empreitada obviamente foge
ao alcance deste pequeno artigo. Pretende-se aqui avançar na problematização do tema,
tentando elucidar uma proposta de encaminhamento da compreensão do espaço.
As tentativas de fazer geografia utilizando o arsenal teórico do materialismo
histórico têm-se revelado problemáticas. P. Bertoquy um dos primeiros autores da
geografia a citar Marx, partindo de um posicionamento eclético, aceita as formulações do
autor de O Capital, porém realizando uma redução economicista em sua leitura. Negando a
determinação do económico, não compreende o método de Marx, utilizando-se apenas de
algumas explicações retiradas de seu contexto. De resto, realiza um estudo nitidamente posi­
tivista. Citei este autor, pois o seu procedimento demonstra um tipo de conciliação entre o
marxismo e a geografia: a daqueles que utilizam as colocações marxistas em
procedimentos analíticos que lhes são antagónicos. Assim, P. George toma os termos mar­
xistas tendo-os por conceitos e os insere em propostas tipológicas. Por outro lado, alguns
geógrafos claramente posicionados encastelam-se na famosa afirmação de Marx: "Só
reconhecemos a existência de uma ciência: a ciência da história", para deslegitimarem as
questões geográficas. Estes, a partir da crítica de solucionamentos propostos, negam a
validade dos temas em si, tomando a crítica, tarefa importante, por tarefa única do
geógrafo marxista; como se a luta ideológica resolvesse todos os problemas postos para a
ciência. A partir dessa negação m totum da geografia, e tomando o materialismo histórico
por método de análise, chegam ao que poderia ser definido como uma sociologia espacial
(uma projeção das relações sociais no espaço concreto, atentando para as contradições
gerais do capitalismo), reduzindo o objeto ao seu aspecto fenomê-nico, assim una espaço
45
Ruy moreira   geografia teoria e crítca
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Ruy moreira geografia teoria e crítca

  • 1. GEOGRAFIA: Teoriaecrítica O saber posto em questão Ruy Moreira (org.) O espaço geográfico intervém de modo crescente no esquema da reprodução estrutural do capitalismo, ao mesmo tempo que o saber geográfico permanece ao nível público como uma "práxis" de espaços "apolíticos": a Escola, os Departamentos Universitários e os organismos estatais de pesquisas e planejamento espaço-territorial. Mas a Escola e o Estado encontram-se tão incorporados à reprodução do capitalismo quanto a renovação contínua do aparato técnico- científico, de vez que Escola e Estado têm a mesma raiz da Fábrica: a divisão capitalista do trabalho. Ao despojar o operariado do conjunto dos meios de produção o capital logra separar o trabalho intelectual do trabalho manual e o trabalho de direção do trabalho de execução, se apropria igualmente do sabere do poder. Constitui-se o capital por esta via o senhor moderno dos homens, da natureza, do espaço, da sociedade. O que é então o espaço geográfico e que lugar ocupa na reprodução dos homens e do capital? Que forma de poder é este saber chamado Geografia? Que geografia é a "geografia que se ensina"? Sendo a aula de Geografia a passagem de uma dada "visão de mundo" aos alunos, por gerações sucessivas, uma dada "configuração de sociedade", que concepção de mundo e de sociedade se estará passando nas escolas brasileiras? Que papel ideológico tem cumprido a Geografia?Se não é o planejamento que planeja o capital, antes o capital que planeja o planejamento, como adverte Paul Baran, qual tem sido a função social do geógrafo e do planejamento espaço-territorial? Conferir à Geografia o necessário rigor teórico-epistemológico que se requer a toda ciência, sem contudo esconder o caráter político de todo o saber em uma sociedade estruturada em classes, eis do que trata profusamente este livro. 1
  • 2. INTRODUÇÃO O SABER GEOGRÁFICO: PARA QUE/QUEM SERVE? Ruy Moreira Reúne esta coletânea alguns dos textos de geógrafos brasileiros vindos à luz no período 1978-1981. Refletindo o plano geral dos anseios de liberdade democrática e justiça social que conduzem ao extraordinário ascenso político das organizações de massas operárias e populares — 1978 é o ano das greves no ABC — atravessa-os um certo propósito de crítica e superação daquela geografia da imagem popular que Yves Lacoste denomina "geografia do professor" e "geografia dos estados maiores do Estado e do empresariado". Não se precisa advertir um tal propósito de conferir ao saber geográfico uma outra "práxis" — identificada esta com a construção de uma sociedade estruturalmente capaz de abrir soluções reais à problemática popular, dos homens, para a qual a vigente mostrou-se historicamente incapaz — cada autor aqui presente formula e situa suas ideias em campos político-ideológicos nem sempre concordantes, nisto precisamente residindo uma das riquezas da coletânea. Não se verá — desnecessário seria dizer, não fora o episódio recente da "nova geografia" gestada nos anos 1968-1978 — qualquer pretensão de uma "revolução na geografia". Simplesmente porque só é real a transformação que se opere na estrutura objetiva da sociedade e com esta esteja incorporada, quando é o tema, as ideias. Antes, é esta realidade objetiva e seu movimento histórico que se deseja pôr à mesn, submeter à dissecação, ver revelada sem as máscaras que dissimulam suas raízes de classe. Neste conjunto de textos se evidencia uma interinfluência, sugerindo um subjacente debate no fluxo do qual cada autor se põe e repõe, convergindo e se separando, avançando em conjunto. Mais que isto, sugerindo um plano de indagação ansiosa da história con creta dos homens, no interior da qual, porque só então expressivo e transparente, se indaga 2
  • 3. acerca do saber geográfico: "a geografia, o que é, para que serve e a quem serve?" Ainda mais, sugerindo a eleição do caráter histórico-concreto da sociedade de nossos dias e dos caminhos de sua superação histórica, o contexto da luta de classes, por conseguinte, como eixo do carroussel em que se movimentam e se refazem o instrumental discursivo da geografia, seu valor específico, função, envolvimentos. Se porém todos os textos e autores da coletânea movem-se nesse solo comum, não estão contudo presentes todos os que o vêm produzindo, advirta-se. São inevitáveis, então, as omissões involuntárias. Com esta coletânea se divulga, assim, parcela da rica massa já acumulada de subsídios ao pensamento geográfico gestada por um segmento do saber geográfico em desenvolvimento recente no Brasil e no exterior. A sociedade como "práxis", o objeto e seu caráter concreto como condição de cientificidade, a estrutura interna do discurso (dicotomia ou projeto unitário?), a relação teoria-epistemologia, as articulações ideologia-política-ciência, tais entre tantas questões as que atravessam os textos reunidos. As intenções revelam-se na estrutura do livro. O que aqui se tem é a ampliação de um propósito inicial de reunir-se em coletânea textos publicados esparsamente em periódicos os mais variados, e não só geográficos — tornou-se hoje fato corrente revistas de cultura e política abrirem seus espaços para textos de geografia, a exemplo das revistas Vozes, Encontros com a Civilização, Contexto, Temas de Ciências Humanas — no biénio 1978-1979, período marcante para o processo de reformulação do pensamento geográfico em curso. A dificuldade de acesso a tais textos, crescente no tempo, sua dispersão e as frequentes referências bibliográficas, por si sós justificariam a reedição em livro único. Porém, a rápida evolução intelectual e político-ideológica que acompanha e promove o avanço das lutas democráticas no Brasil, com inevitáveis e imediatos reflexos nas ciências, aconselhou incluirmos alguns de seus próprios desdobramentos posteriores, agora na forma de estudos concretos da realidade nacional e internacional. Daí, uma primeira parte reunindo aqueles textos do projeto inicial, seguida de uma segunda parte reunindo textos de tratamento do real, na verdade um trabalho de releitura 3
  • 4. radical da sociedade. Todo um largo passo está dado. Que esta coletânea sirva para encurtá-lo e tirar-se o saber geográfico do casulo dos círculos oficiais e academias. Um instrumento de ação popular poderoso como o saber geográfico não pode mais continuar usurpado. GEOGRAFIA, MARXISMO E SUBDESENVOLVIMENTO Milton Santos As categorias do pensamento marxista não são inovações em geografia. As razões pelas quais são raramente discutidas pertencem a dois tipos: 1) o relativo isolamento das chamadas "escolas nacionais" que ignoram frequentemente os avanços em outras línguas; e 2) as ideias marxistas nunca alcançaram a marca de uma aprovação oficial. Os geógrafos marxistas, membros ou não do partido, foram mais que modestos em citar suas maiores fontes: Marx, Engels, Lenin ou Rosa Luxemburgo. Provavelmente, esta foi uma forma de evitar serem denominados "tipos políticos", durante o período em que tal denominação era evitada pêlos académicos. Esta atitude prevaleceu na França após a Segunda Guerra Mundial. Jean Dresch e Jean Tricart, antes de serem geomorfólogos, estiveram interessados em tópicos marxistas. O primeiro estudou o papel dos fluxos de capital na organização do espaço africano e o segundo estudou a estrutura interna das cidades (ecologia urbana) no contexto do conflito de classes, a propriedade da terra e o mercado especulativo da terra urbana, isto foi o resultado da inflação, essencial a esta fase do capitalismo e a exploração das exter- nalidades (não reconhecidas explicitamente nestes termos, mas financiadas pela coletividade) através da criação da mais-valia. Pierre George, leal à tradição da geografia humana francesa, agrupou um certo número de geógrafos ativistas. Merece o crédito de haver estabelecido a importância das estruturas sócio-econômicas na explicação geográfica. Suas primeiras publicações sobre população (1951-1959), geografia social (1946) e seu tratado sobre as cidades (1952) 4
  • 5. demonstram seu esforço em abarcar a dinâmica dos sistemas sócio-econômicos com as estruturas de produção. A Guerra Fria, sem dúvida, e a invasão da Hungria marcaram um ponto importante de mudança. Alguns seguiram as linhas marxistas muito discretamente, enquanto outros a abandonaram. Todavia, esta ideologia sobreviveu. A geografia necessitava, nesse momento, de uma ideologia coerente. Os geógrafos "não envolvidos na política" buscavam alguns fundamentos teóricos. Começavam a adotar, inconscientemente, termos do vocabulário marxista": por exemplo, acumulação da renda urbana; ou melhor, teses que explicavam a cidade como uma criação da mais-valia rural. Sem conhecer sua origem, não tiveram dúvidas em usar uma interpretação marxista da evolução urbana durante o período de transição do feudalismo ao capitalismo e, inclusive, no contexto do pós-guerra. A noção de "ruralização urbana" que se aprende na literatura sobre "pequenas cidades'' é também emprestada a Marx (1964, p. 78). Uma reflexão similar pode ser feita em relação à noção de "região urbana" definida como uma área na qual cidade e campo se complementam através de intercâmbios bilaterais. Uma frase-chave na geografia francesa e americana é: "Não há cidade sem uma região, nem há região sem uma cidade." Efetivamente, este foi um cliché desprovido de significado sólido. GEOGRAFIA (ESPAÇO) E CATEGORIAS MARXISTAS As contradições existentes nas extremas concentrações de poder do gigantes Estados-corporações renovaram o interesse por Marx e seus discípulos (ortodoxos ou não), como fontes de explicação geográfica (sobre as dimensões geográficas deste problema, ver Santos 1974, 1975). As desigualdades económicas e sociais, a decrescente participação do povo na tomada de decisões geram uma alienação social e económica, com importantes efeitos na organização do espaço. Isto é uma realidade em todas as escalas de observação geográficas. Duas importantes questões metodológicas, pelo menos, surgem deste problema: primeiro, como se pode entender — em termos de variáveis — a totalidade; segundo, como 5
  • 6. se pode interpretar o presente significado de espaço em termos de tempo acumulado. A noção de totalidade somente pode ser relacionada com o mundo como um todo. Por outro lado, o espaço nacional é contínuo, como o é o espaço de suas partes, e assim a noção de escala é fundamental. Os elementos definidores do espaço, conseqüentemente, deveriam ser considerados como variáveis cuja natureza e significação variam segundo o nível (de espaço) considerado. O problema da delimitação espacial assume outra dimensão, já que cada uma das partes é supostamente uma réplica da totalidade. Este objetivo torna-se particularmente difícil já que a geografia, com seus esforços de especialização, fragmentou-se e tem fragmentado também a realidade que ela estuda. Ao selecionar várias ideias de diferentes fontes, a geografia burguesa foi incapaz de interpretar o todo. Em muitos casos, poder-se-ia dizer que esta foi uma ignorância deliberada. Por outro lado, quando se têm explicado os aspectos dinâmicos da geografia, a noção de sistemas "espácio-temporais" tem sido utilizada, mas geralmente espaço e tempo têm sido considerados como categorias independentes, infelizmente, a significação do tempo não foi bem fundamentada, e a perspectiva transtemporal foi escassamente desenvolvida, até um ponto em que, não obstante, os modelos de difusão permaneceram medíocres. O que se pode dizer sobre o presente? Isso é muito difícil hoje, quando, segundo M. Dobb (1963, p. 12), o tempo de mudança é "normalmente acelerado". Tais fases revolucionárias representam transições entre períodos históricos. Contudo, é muito mais conveniente lidar com ritmos temporais (sistemas), que são relativamente definíveis em termos de períodos de rupturas. A velocidade da mudança aumenta a amplitude do desconhecido e pode encobrir a hierarquia real de variáveis em um mundo caracterizado pela instabilidade. Estas dificuldades significam um desafio. Não se pode aplicar a análise marxista à interpretação do espaço enquanto aquelas categorias marxistas relacionadas com a geografia não forem opera-cionalizantes. Isto significa que não se pode usar categorias convencionais, já que não serão obtidas em textos oficiais. Noções marxistas, como a de mais-valia, podem ser aplicadas, como o fez Harvey 6
  • 7. (1976), a situações sociais empíricas. É neste sentido que Harvey assinalou certas debilidades fundamentais da teoria da renda da terra (Alonso 1964). Outras ideias poderiam ser similarmente aplicadas: por exemplo, a acumulação e circulação do capital; o impacto da inovação no capital monetário, capital fixo e capital circulante; valor de uso e valor de troca; medo e estrutura da produção; estrutura de classes; . . . são todas categorias que podem ser levadas à linguagem espacial ou geográfica. Os êxitos alcançados por autores com Harvey, Bunge, Eichen-baum e outros, na investigação da estrutura interna de classes, deveriam ser seguidos por estudos similares sobre externalidades, ou a natureza integral do espaço. Isto pressupõe algumas questões metodológicas. A unidade fundamental para o estudo geográfico deveria ser a Nação-Estado, Não se pode dissociar a noção de sistema da noção de um sistema de estruturas (Santos 1974). Nesta perspectiva, poder-se-ia utilizar todo o poder explicativo das múltiplas forças dialéticas no espaço. Se o espaço é concebido como um todo, "enïão a distinção artificial entre "espaço económico" e "espaço geográfico" poderia ser abolida (Santos 1971, 1974a). Dever-se-ia conceber o espaço como um todo e não como um espaço aristocrático onde os fluxos estudados são unicamente aqueles das grandes empresas e população burguesa. Isto produziria uma verdadeira geografia da pobreza, uma geografia onde riqueza e pobreza não fossem tratadas como entidades separadas, mas como partes complementares de uma só realidade. UM ESPAÇO SUBDESENVOLVIDO? A geografia dos países desenvolvidos coloca a questão de como definir o espaço. É possível chegar a uma definição universal de espaço, como um tipo de chave-mestra? A geografia burguesa tentou fazê-lo: o subdesenvolvimento foi simplesmente um apêndice ou um capítulo suplementar nos manuais "gerais". (Sem dúvida, aquelas variáveis formadoras do espaço e suas combinações, as quais originam as diferenças entre lugares, são universalmente as mesmas. O problema é descobrir se estas combinações se manifestam espacialmente e se sua manifestação é a 7
  • 8. mesma no centro e na periferia do sistema mundial. Neste sentido, pelo menos três aspectos são essenciais: 1) aquelas forças que promovem a modernização e operam no centro do sistema não alcançam a periferia ao mesmo tempo; existe um efeito decrescente definido da distância. Isto poderia explicar historicamente a acumulação do capital no sistema capitalista, as variações entre países e as desigualdades regionais dentro dos países; 2) alguns pontos no espaço são alcançados por novas forças, enquanto outros não recebem tais impactos. Sem dúvida, esses impactos não se dão ao acaso, sendo dirigidos do centro do sistema em termos de máxima produtividade. A história do espaço é assim de tipo seletivo; 3) as forças emitidas dos centros (pólos) mudam à medida que alcançam a periferia. Ainda que se possa encontrar isomorfismo, o valor do fenómeno é diferente. Por exemplo, a noção de "cidade privada" na França, ou de "metrópole incompleta" nos Estados Unidos e Alemanha, não pode ser interpretada da mesma forma nos países sub­ desenvolvidos. O "espaço subdesenvolvido" tem um caráter específico: as prioridades de importância variam, mesmo quando operam as mesmas forças, já que suas combinações e resultados são diferentes. É algo que os geógrafos ocidentais têm tido grande dificuldade em entender. Por que nós não podemos, então, reunir a experiência surgida nos países subdesenvolvidos: desenvolver teorias que tenham sentido tanto para os geógrafos como para os cidadãos? A malmente, a geografia "oficial" funciona como se o Ocidente tivesse o monopólio das ideias. Além disso, há muitos geógrafos do Terceiro Mundo que preferem permanecer silenciosos: sem dúvida, existem geógrafos ocidentais que estão começando a repensar muitos problemas do Terceiro Mundo. Isto é muito importante, já que nós não te­ mos uma ideologia global que possa ser aplicada aos países subdesenvolvidos. Há um risco, então, de superpor categorias marxistas sobre uma superfície débil. É urgente que uma teoria seja formulada: e o método dialético é adequado para um contexto onde múltiplas forças externas e internas, passadas e presentes, políticas, económicas e sociais, se enfrentam constantemente. 8
  • 9. AS FRENTES DO AVANÇO Participar de uma renovação radical da geografia é um desafio tentador. Isto provavelmente explica o entusiasmo com que este tó pico é considerado nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Françaa. Alguns, sem dúvida, não apreciaram a seriedade desse trabalho. Algumas observações sobre este assunto são aqui sugeridas em formas de conclusão. Este movimento é bem-vindo por diversas razões: permite-nos reconhecer a hegemonia que a chamada "revolução quantitativa" tem mantido no recente desenvolvimento da geografia. Pode-se, assim, denunciar este tipo de dogmatismo científico que está mais interessado na verificação de hipóteses que na fonte e natureza destas hipóteses (J. Doherty 1974, p. 10). Este tipo de arrogância ("o mais destrutivo de todos os vícios académicos" — Freeman 1961, p. 38) não conduz a nenhum tipo de progresso. Pode-se denunciar também o uso de linguagens obscuras (o leitor fica com a impressão de que está dirigida somente a pessoas realmente científicas). Liberados de tais vícios, pode ser mais fácil impedir a formação de clichés, os quais se sustém através de recíprocos rituais de citações bibliográficas e proceder sob a forma de discussões abertas. O marxismo permanecerá empobrecido até que tal situação seja alcançada. Tem-se que afastar, é claro, exercícios puramente académicos. As citações bibliográficas são úteis para dar embasamento a uma ideia ou explicá-la melhor, mas não têm valor intrínseco em si mesmas. É bastante ridículo ver como alguns autores citam cegamente Marx, Engels, Lenin e Rosa Luxemburgo, geralmente fora de contexto. Uma boa coleção de enunciados não tem necessariamente maior significação: "Elegância não significa relevância"; uma sofisticada demonstração de um problema não é necessariamente melhor que uma explicação simples. A sociologia latino-americana tem sido vítima de uma "diarreia retórica" — tal como Aníbal Quijano (1973, p. 46) a tem criticado: "Se somos incapazes de abandonar esta atitude persistente de discutir nossos problemas em termos ideológicos. . . Eu creio, tu crês, nós cremos, Lenin pensou, Trotsky creu, Stalin afirmou, Mão disse. . . será impossível fazer algum progresso." 9
  • 10. Finalmente, não é suficiente seguir uma corrente que possa resultar simplesmente em outra moda passageira. Tem-se que sele-cionar os aspectos mais apropriados e úteis aos estudos geográficos: aspectos apropriados à realidade do presente e ao caráter espacial dos lugares. Por outro lado, não se deve vacilar em usar todas as evidências — históricas, filosóficas ou empíricas — porque o perigo de ser dogmático estará sempre presente. O valor de tais instrumentos de análise será julgado dentro de um contexto de ação social e a partir de uma perspectiva dialética. O risco de converter-mo-nos em inúteis é também herdado do marxismo clássico. A crítica que Engels fez a Buchner, Vogt e Moleschott não se baseava (de acordo com Lenin 1967, p. 227) no fato de que estivessem em desacordo com Marx, mas no fato de que eles foram "materialistas vulgares": não desenvolveram uma teoria maior que a de seus mestres. Referências bibliográficas ACOSTA, Majura; SEGNINI, Isabela; YANES, German. Problemática dei subdesarrollo: modalidades de ocupación dei espado en Latino-Amé-ríca. Caracas, Universidad Central de Venezuela, Facultad de Ciências Económicas y Sociales, 1973. ALONSO, W. Location and Lana Use. Cambridge, Mass., 1964. Brookfield, H. C. Colonialism, Development and Independence: the Case of the Melanesian Islands in the South Pacific. Londres, 1972. Brookfield, H. C. On One Geography and a Third World, Institu-te of British Geographers Transactions 58 (março de 1973). DOBB, Maurice. Studies in the Development of Capitalism. Londres, Routledge and Kegan Paul, 1963 (l.a ed. 1946). Doherty, J. The Role of Urban Places in Socialist Transformation (Some Tentatives and Introductory Notes), mimeograf. 10 p. Dar es Salaam, University of Dar es Salaam, Department of Geography, 1974. DOHERTY, J. Introduction: Geographic Research and Methodology, Journal of the Geographical Association of Tanzania 10 (abril de 1974), p. l-3a. DRESCH, Jean. Réflexions sur Ia géographie, La pensée 18, 1948, p. 87s. FREEMAN, T. W. .4 Hundred Years of Geography. Londres, 1961. George, Pierre. Géographie sociale du monde. Paris, 1946. George, Pierre. Introduction à 1'étude géographique de Ia popula-tion du monde. Travaux et documents 14. Institut National d'Etu-des Démographiques, Paris, 1951. GEORGE, Pierre. La ville. Lê fait humain à travers lê monde. Paris, Presses Universitaires de France, 1952. 10
  • 11. GUGLIELMO, R. Géographie et dialectique, La nouvelle critique 68 (set./out. 1955). HARVEY, David. Explanation in Geography. Londres, 1969. Harvey, David. Social Justice and the City. Baltimore, 1973. Kayser, Bernard. De Fobjectivisme au confusionisme dans 1'enseig-nement de Ia géographie, La pensée 35, 1951, p. lOs. Kayser, Bernard. Lê nouveau système de relations ville-campagne, Espaces et sociétés 8, 1973. LACOSTE, Yves. Lê concept de sous-développement et Ia géographie, Annales de géographie, 1966, p. 644-670. LACOSTE, Yves. La géographie, in Chatelet, F. Philosophie dês scien-ces sociales, Paris, 1973. LENIN, V. I. Materialism and Empiro-criticism, Criticai Comments on a Reactionary Philosophy. Moscou, 1967 (l.a ed. 1947). Marx, Karl. Pre-capitalist Economic Formations. Londres, 1964 (manuscrito: 1857-1858). MCGEE, T. C. Dualism in the Asian City: the Implications for City and Regional Planning, Centre of Asian Studies, reprint series 2. University of Hong-Kong, 1970a. MCGEE, T. C. Hawkers in Selected Asian Cities, a Preliminary In-vestigation, Centre of Asian Studies, University of Hong Kong, 1970b. MCGEE, T. C. The Urbanization Process in the Third World. Londres, 1971. MCGEE, T. C. Peasants in the Cities: a Paradox, a Most Ingenious Paradox, Human Organization 32 (2) 1973, p. 135-142. McGee, T. C. The Persistence of the Proto- Proletariat: Occupa-tional Structures and Planning of the future World Cities. Austra-lian National University, Research School of Pacific Studies, Department of Human Geography (abril de 1974), mimeograf., 60 p. e bibliografia. PAIX, Catherine. Approche théorique dês problèmes de 1'urbanisa-tion, Revue Tiers Monde 50, 1972. QUIJANO, Aníbal. Alternativas de Ias ciências sociales en América Latiria, Desarrollo indoamericano 21 (outubro de 1975K p. 45-47. Santos, Milton. Lê métier du géographe. Paris. 1971. Santos, Milton. Sous-développement et polés de croissance économi-que et sociale, Revue Tiers Monde 58, 1974a. p. 271-286. Santos, Milton. Uespace partagé: lês deux circiiiis de 1'économie ur-baine dês pays sous-développés et leurs révercussions spatiales. Paris, 1974b. SANTOS, Milton. The Shared Space: the Two Circuiis of Lrban Eco-nomy in Underdeveloped Countries and Their Spaiial Implicaiions, 1975. SEVÉ, Lucien. Panorama de Ia philosophie francaise contemporaine (II), lê matérialisme depuis 1920, La pensée 90 (março abril de 1960), p. 56-76. SLATER, David. Underdevelopment and Spaiial Inequaliiy. Londres, Pergamon Press. 11
  • 12. SURET-CANALE, Jean. L'exploitation coloniale est-elle une réalité scien-tifique? La pensée 16, 1948, p. 13s. SURET-CANALE, Jean. Encore quelques réflexions sur Ia géographie, La pensée 26, 1949, p. 26s. SURET-CANALE, Jean. Sur Ia géographie du sous-déve!oppement, La pensée 131 (fevereiro de 1967), p. 14-21. TRICART, Jean. Premier essai sur Ia géomorphclogie et Ia pensée mar-xiste, La pensée 47, 1953, p. 62s. TRICART, Jean. La géomorphologie et Ia pensée marxiste, La pensée 69 (setembro/outubro de 1956), p. 55-76. Tricart, Jean. L'habitant urbain. Paris, CDU-Sedes. s d. Vidal de Ia Blache. Príncipes de géographie huinaine. Ed. de Mar-tonne. A GEOGRAFIA SERVE PARA DESVENDAR MÁSCARAS SOCIAIS Ruy Moreira distinguir a essência nas aparências..." (Marx) Nelson Werneck Sodré chamou atenção, em livro recente', para o uso ideológico da geografia pelo capitalismo no decorrer do colonialismo e do imperialismo. Mas o que nele expõe, acerca do determinismo geográfico e da geopolítica, nem de longe se compara com a manipulação, de que é hoje objeto o espaço geográfico, denunciada por Yves Lacoste. Usando a paisagem com fins turísticos; projetando "obras de impacto" em áreas estratégicas; confinando ideias cívicas à unidade espacial Estado-Nação; planejando a exploração e consumo de recursos naturais; redistribuindo populações faveladas (viveiros de mão-de-obra) para áreas destinadas à implantação de distritos industriais; fabricando imagens de lazer e conforto com áreas verdes, sol, sal e mar para forjar venda de imóveis de fachadas e nomes pomposos, ou marcas de cigarros; manobrando as articulações do 12
  • 13. complicado tabuleiro de xadrez da geopolítica mundial; espraiando os tentáculos desses polvos gulosos e insaciáveis eufemisticamente chamados multinacionais; tais são alguns exemplos dessa interminável lista de maneiras que o capital encontrou de usar o espaço geográfico como instrumento de acumulação e poder. O capital descobriu o espaço geográfico. Resta saber quando o descobrirão os que se opõem à sua ditadura. Ora, como afirma Lacoste: "Toda a gente julga que a geografia mais não é que uma disciplina escolar e universitária cuja função seria fornecer elementos de uma descrição do mundo, dentro de uma certa concepção 'desinteressada' da cultura dita geral. . . Pois qual poderia ser a utilidade daquelas frases soltas das lições que era necessário aprender na escola? ( . . . ) A função ideológica essencial do palavreado da geografia escolar e universitária foi sobretudo de mascarar, através de processos que não são evidentes, a utilidade prática da análise do espaço, sobretudo para a condução da guerra, assim como para a organização do Estado e a prática do poder. É, sobretudo, a partir do momento em que surge como 'inútil', que o palavreado da geografia exerce sua função mistificadora mais eficaz, pois a crítica de seus fins 'neutros' e 'inocentes' parece supérflua. ( .. .) É por isso que é particularmente importante (...) desmascarar uma das funções estratégicas essenciais e demonstrar os subterfúgios que a fazem passar por simples e inútil"3. Mas se é uma necessidade cada vez mais premente tomar a tarefa do estudo do espaço geográfico, para uma maior compreensão dos processos sociais gerais das formações econômico-sociais contemporâneas, porquanto o espaço geográfico torna-se mais e mais um elemento importante nesse processo, esta necessidade lança por outro lado um desafio aos cientistas e estudiosos de geografia. Definida como a ciência da organização do espaço, a geografia até agora negligenciou seu próprio fundamento de cientificidade. Desprestigiados por todos quantos preocupam-se com as questões da teoria e da prática da transformação social, os geógrafos não alcançaram o quanto o desprestígio reflete uma incómoda realidade. Os geógrafos não perceberam que o que lhes falta é pôr os pés no seu próprio chão, e, então, propor uma 13
  • 14. teoria do espaço, que seja uma teoria social. Este texto propõe-se a sugerir alguns pontos de reflexão para uma teoria do espaço, considerando o autor ser este um projeto prioritá rio no campo da teoria da transformação social para todos aqueles que pretendam conduzir a geografia ao encontro das necessidades mais prementes de nossa época. 1. OS TERMOS DA QUESTÃO Yves Lacoste intitulou seu livro recente: A geografia Serve Antes de Mais Nada para Fazer a guerra. Diríamos, alargando o significado desse enunciado, que a geografia, através da análise dialética do arranjo do espaço, serve para desvendar máscaras sociais, vale dizer, para desvendar as relações de classes que produzem esse arranjo. É nossa opinião que por detrás de todo arranjo espacial estão relações sociais, que nas condições históricas do presente são relações de classes. Com isso, afirmamos que espaço é história, estatuto epistemoló-gico sobre o qual a geografia deve erigir-se como ciência, se pretende prestar-se a alguma utilidade na prática da transformação social. JE tal noção reside não na mera constatação de que a história desenrola-se no espaço geográfico, mas, antes que tudo, de que .p espaço geográfico é parte fundamental do processo de produção social e do mecanismo de controle da sociedade. Conseqüentemente, afirmamos também que o espaço geográfico tem uma natureza social, do que deriva que a geografia é uma ciência social. Compreendido como parte fundamental em uma formação econômico-social de dois processos articulados que lhe são vitais, o de produção social e o de controle de suas instituições e relações de classes, o espaço é uma entidade de rico tratamento científico. Tal compreensão parte do pressuposto de que ao incorporar-se o "espaço físico", que doravante chamaremos de "primeira natureza", ao processo de gênese e 14
  • 15. desenvolvimento de uma dada formação econômico-social, inicia-se a formação de um espaço geográfico, uma "segunda natureza", dizia Marx tomando a expressão a Feuerbach, que nada mais é que a própria formação econômico-social. Ora, a origem, em última análise, das sociedades, é o processo social de transformação da natureza em meios de subsistência e de produção. [Ocorrendo numa sociedade de classes, tanto o processo de produção quanto o de distribuição dos bens produzidos estão sujeitos aos condicionamentos das formas como se travam as relações entre as classes sociais. Motivo pelo qual Marx propôs a fórmula segundo a qual "o motor da história são as lutas de classes". O que afirmamos, então, é que o arranjo espacial brota tanto do processo de produção-distribuição, quanto do controle que se exerce sobre as relações existentes entre as classes. Como o processo de produção-distribuição se faz sob o condicionamento das formas como se travam as relações entre as classes, pode-se afirmar que o arranjo espacial, na verdade, numa sociedade de classes, reproduz em síntese as relações de classes da formação econômico-social. Vimos que o processo formador do espaço geográfico é o mesmo da formação econômico-social. Por isso, tem por estrutura e leis de movimentos a própria estrutura e leis de movimentos da formação econômico-social. Podemos, com isso, doravante designar o que até agora chamamos de organização do espaço por formação espacial, ou for-jtnação sócio-espacial, como propôs Milton Santos". Confundindo-se com a formação econômico-social, a formação espacial contém sua estrutura e nela está contida, numa relação dialé-tica que nos permite, através do conhecimento da estrutura e movimentos da formação espacial, conhecer a estrutura e movimentos da formação econômico-social, e vice-versa. Fato de fundamental importância ao estudo da formação espacial e da destinação desse estudo ao conhecimento da formação cconômicc-social. Chave da inserção da geografia e dos geógrafos no campo da teoria e prática da transformação social no sentido da resolução dos problemas mais candentes de nossa época, ao lado dos demais estudiosos sociais. 15
  • 16. É fácil perceber-se, por exemplo, através de elementos do arranjo espacial (objetos espaciais), a fusão do espaço com as instâncias que compõem a estrutura da formação eeonômíco-social, como a fábríca (instância econômica), o tribunal (instância jurídico- política) e a Igreja (instância ideológica). Fica evidente, portanto, que tais elementos dcTãiranjo espacial não se encontram "soltos" no espaço, pois -inserem-se numa lógica de arranjo espacial que reproduz a própria lógica do modo de produção a que pertencem. A fábrica moderna, por exemplo, jamais seria um objeto espacial encontrado na paisagem de uma formação econômico-social feudal. Mas, se pode ser encontrado na paisagem tanto de uma formação econômico-social capitalista, quanto na de uma formação econômico-social socialista, em cada qual tem um significado próprio, significado que só pode ser apreendido quando visto no interior da totalidade social de que faz parte. Desligado da sua totalidade social, um objeto espacial, e, por extensão, um arranjo espacial, perde completamente sua expressão e seu valor analítico de uma formação espacial ou uma formação econômico-social. Observe-se, contudo, que o significado dado a um objeto espacial ou um arranjo espacial por uma totalidade social, é dado, em última e primeira análise, pelo caráter das relações sociais de classes dessa totalidade social. Nunca pela cultura, como tornou-se voga pelas mãos da antropologia funcionalista-culturalista ou da filosofia da escola neo-hegeliana de Frankfurt. O contexto em que qualquer dado ganha sua expressão não é o contexto cultural, mas o contexto das relações sociais de classes, do qual deriva o próprio contexto cultural. Se por um lado a presença da fábrica na paisagem sugere revelações sobre o grau de relacionamento do homem com o seu meio físico, daí sua ausência na paisagem de uma formação espacial feudal, por refletir determinado estágio de desenvolvimento das forças produtivas, o mesmo para as formações espaciais capitalista e socialista por exemplo, por outro lado seu significado e papel na dinâmica do espaço só podem ser apreendidos na medida em que se distingam as relações sociais que a originaram e comandam: capitalistas numa formação espacial, socialistas, noutra. Assim, desde que conceituado nos quadros de uma teoria do espaço geográfico 16
  • 17. submetida ao rigor epistemológico necessário e da compreensão de que a geografia é, por origem, uma ciência social, por construir-se sobre um objeto de natureza historicamente determinada (o espaço), e, que, portanto, seus objetos (os objetos espaciais), como a fábrica do nosso exemplo acima, tiram seu significado da natureza da totalidade social de que fazem parte, perdendo totalmente sua expressão quando isolado dessa totalidade, o arranjo espacial pode e deve ser transformado numa categoria de análise, de fundamental valor para a análise do espaço. Por extensão, de cada formação econômico-social, como deve ser o objetivo da Geografia e do geógrafo. Ora, como vimos que o arranjo espacial é a própria estrutura da totalidade social, e como na base dessa estrutura está a natureza do processo de reprodução social, é no conhecimento das leis que regem este processo de reprodução que deve se apoiar a análise do espaço. Como, face à sua natureza, pode-se partir do arranjo espacial para o conhecimento das leis da reprodução social, ou vice-versa, há aí uma flexibilidade de alta importância para o geógrafo. O importante é que sempre se tenha em vista a necessária relação entre arranjo espacial e o processo de produção social. 2. OBJETO E OBJETIVO DA GEOGRAFIA O espaço é o objeto da geografia, o conhecimento da natureza e leis dos movimentos da formação econômico-social é o seu objetivo. O espaço geográfico é o espaço interdisciplinar da geografia. É a categoria por intermédio da qual se busca apreender os movimentos do todo: a formação econômico-social. A noção de espaço como "chão" da geografia é, certamente, um tema que perpassa todos os discursos geográficos em todos os tempos, tal como se pode aferir duma simples 17
  • 18. confrontação da maneira como a vêm definindo os geógrafos. Os gregos definiam a geografia em seu sentido etimológico, como "descrição da terra", em termos de um enciclopedismo que era fruto de sua visão sistémica dos fenómenos. O objeto da geografia seriam os fenômenos passados na superfície terrestre, mas como estes tinham sua génese numa escala fenomenológica que transcendia a epiderme do Planeta, suas dimensões eram cósmicas. Esta foi a herança que arrastou-se até o século XVIII e desenvolvida por Estrabão, Ibn Khaldun, Cuverius, Avenarius, cada qual alargando apenas o campo de conhecimento e esboçando uma primeira sistematização da ciência. O ^período científico" que toma lugar no século XVIII ao "período de coleta e classificação", inicia-se com J. R. e J. G. Forster, alemães11, ganhando crescente expressão a noção de "estudo da relação homem-meio". A partir de então, as concepções teóricas da geografia deixam-se prender pela armadilha de falsas questões, como a querela determinismo ratzeliano e possibilismo lablacheano. É nesse período que são lançados os alicerces da "geografia científica", como o primeiro grande esforço de enquadramento epistemológico das ciências em geral, e da geografia em particular, por Kant que a lecionou por 40 anos (de 1756 a 1796) na Universidade de Kõnigsberg, e o arrolamento de seus "princípios" com Humboldt e Ritter. Ganham corpo nesta época as "armadilhas epistemológicas" que ainda hoje lançam a geografia em contradições e impasses, diligentemente cultivados pêlos geógrafos. Com Kant nascem as noções de "ciência de descrição" e "ciência de síntese", e com os "pre­ cursores" as encruzilhadas dicotômicas 'homem-meio" e "geral-regional", noções dualistas que têm prestado enormes desserviços à geografia como ciência social. Durante toda a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX, por quase um século, o pensamento geográfico girou em torno de suas matrizes: a escola francesa e a escola alemã, multiplicando-se as definições, em todas as quais o espaço está implícito. La Blache define-a como "o estudo dos lugares", e não dos homens, e Hettner define-a como "estudo das diferenciações de áreas". Delas, Carl Sauer, nos Estados Unidos, extrai a 18
  • 19. definição"" de "estudo das paisagens", nascendo o que veio a chamar-se "geografia cultural", talvez pretendendo fugir à dicotomia homem-meio. Continuador conspícuo da tradição francesa, Pierre George, marxista até seu rompimento em 1956, define a geografia como "estudo da organização do espaço pelo homem", refletindo a influência de F. Perreux e de seus trabalhos sobre a economia espacial, particularmente de sua teoria de pólos de crescimento. Este geógrafo repre senta, em nossa opinião, o estágio de maior destrinçamento das "armadilhas epistemológicas" aludidas atrás, até o surgimento recente das novas tendências, ainda fragmentárias e nascidas sob marcada influência do marxismo pós-estalinista, que encontramos representadas em trabalhos publicados nas revistas Espace et Soclété, Hé-rodote (dirigida por Lacoste) e Antipode (americana). Não é nosso intuito traçar um retrospecto da evolução do pensamento geográfico, embora seja nossa opinião de que é hoje uma necessidade das mais prementes o desenvolvimento de trabalhos histórico-críticos sobre o saber geográfico. Mas se o espaço foi sempre o "chão" desse saber, como se explica não ter sido notado, dotado do mínimo rigor teórico e epistemológico, e usado como instrumento de conhecimento e transformação das sociedades? Questões que, para os geógrafos, são ainda mais desafiantes, quando se observa que o espaço é hoje tema comum nos trabalhos das demais ciências sociais, como a economia, a sociologia e a antropologia. Quando se observa que o espaço foi descoberto pelo capital como instrumento de acumulação e poder. 3. A GEOGRAFIA É UMA CIÊNCIA SOCIAL Tendo por objeto uma categoria de natureza social, a natureza científica da geografia fica determinada pela natureza do seu objeto. Ora, o espaço é essencialmente um espaço social. 19
  • 20. Pelo que já se deu a entender, o espaço não é "suporte", "substrato" ou "receptáculo" das ações humanas, não se confunde com o "espaço físico". O espaço geográfico é um "espaço produzido", uma formação espacial. Mas a "primeira natureza" não é mera parte integrante da formação espacial. É uma condição concreta de sua existência social e isto por ser uma condição concreta da existência social dos homens. Conquanto a "primeira natureza" não seja o espaço geográ­ fico, não há no entanto espaço geográfico sem ela. Sobre este assunto, que merece de uma teoria do espaço viva atenção, vale lembrar que de todos os objetos existentes num ar- ranjo espacial os de ordem natural são os únicos que não derivam do trabalho social. Ora, a "primeira natureza" somente é incorporada ao espaço geográfico quando absorvida pelo processo da história. Daí decorre que sua importância geográfica resulta sobretudo do fato de situar-se no próprio âmago da natureza social do espaço, sendo este âmago o trabalho social. A "primeira natureza" integra a base material da sociedade. 4. O ESPAÇO COMO ESPAÇO SOCIAL A natureza social do espaço geográfico decorre do fato simples de que os homens têm fome, sede e frio, necessidades de ordem física decorrentes de pertencer o homem ao reino animal, ponte de sua dimensão cósmica. No entanto, à diferença do animal, o homem consegue os bens de que necessita intervindo na "primeira natureza", transformando-a. Transformando o meio natural, o homem transforma-se a si mesmo. Ora, como a obra de transformação do meio é uma realização necessariamente dependente do trabalho social (a ação organizada da coletividade dos homens), é o trabalho social o agente de mutação do homem, de um "ser animal" para um "ser social", combinando estes dois momentos em todo o decorrer da história humana. Decorre, então, que a formação espacial, na verdade a formação econômico- social, deriva de um duplo conjunto de interações, necessariamente articuladas: a) o 20
  • 21. conjunto das interações homem-meio, erroneamente denominadas "relações geográficas"; e, b) o conjunto das interações homem-homem, as relações sociais. Tais interações ocorrem simultânea e articuladamente, sendo, na verdade, duas faces de um mesmo processo. Aqui são vistas como "duplo conjunto" apenas para encaminharmos a crítica a um dos postulados básicos da geografia clássica: o de que a geografia é o "estudo da relação homem-meio". Expressão que originou formas correlatas do tipo "base geográfica da história", com que o senso comum manifesta a imagem que tem da geografia. A decomposição dessas interações em "interação homem-meio" e "interação ho-mem-homem" é um dualismo perigoso, embora estejamos aqui correndo este risco ao buscarmos forma mais simples (simplista?) de crítica ao clássico "dualismo físico- humano". O caráter simultâneo e articulado dessas interações pode ser expresso nos seguintes termos: os homens entram em relação com o meio natural, através das relações sociais travadas por eles no processo de produção dos bens materiais necessários à existência. En- gels já observava que os homens entram em relações uns com os outros através de "coisas". No caso, não haveria relações sociais, se não houvesse a necessidade de os homens transformarem por via do trabalho social o meio natural em meio de subsistência ou de a este chegarem. Decorre do exposto que é o processo de produção dos bens necessários à existência humana, no bojo do qual se dão tais interações, que lhes confere unidade. Eis por que achamos que toda análise do que chamamos formação espacial confunde-se com a análise do processo de produção. Vejamos isto em termos breves. A consecução dos bens de subsistência humana implica numa intervenção do homem em seu meio natural, inicialmente sob a forma de extração e a seguir sob a forma de uma transformação crescentemente complexa, do ponto de vista da história. Eis a origem da "primeira" forma de interações: a relação homem-meio. Ocorre que esta consecução dos bens, seja pela forma mais primitiva ou seja pelo 21
  • 22. ato mais complexo de transformação do meio natural em produtos, é uma tarefa que transcende ao trabalho individual do homem, sobretudo face à crescente complexidade que adquire mais e mais no tempo o processo de produção por realizar-se sob a dependência de emprego de forças produtivas crescentemente mais evoluídas. Implica, pois, numa divisão de trabalho. Em trabalho social. Ora, trabalho social significa o travamento de relações entre os homens que se reúnem para o ato de produzir. Por exemplo, implica uma divisão de trabalho definir-se o que produzir e o volume do que se vai produzir e ainda um modo de repartição da riqueza coletivamente produzida. Implica, pois, em determinadas relações sociais. Eis a origem da "segunda" forma de interações: as relações homem-homem. São todas estas interações que estão na base da origem e evolução das formações espaciais que se sucederam no tempo. O discurso geográfico clássico, não só lablacheano, só viu a "primeira" forma de interações, não percebendo ou evitando perceber, que a relação homem-meio é, antes de tudo, uma relação social. Não é de estranhar que esta concepção de geografia só tenda à dicotomia entre os "lados" da relação. Afinal, o que exprime o termo "homem" senão aquilo que Pierre George frequentemente chama de "co-letividade humana" do lugar, reproduzindo o discurso clássico, expressão que os geógrafos reduziram ao significado demográfico mais simples: o de quantidade de homens. Expressão que esconde a natureza dos fenómenos espaciais de totalidade estruturada das relações sociais estabelecidas pêlos homens no decurso do trabalho social. Daí, concepções nada geográficas, em verdade, como "estudo das relações homem- meio" ou "charneira entre o físico e o social", e toda uma série de distorções de cunho epistemológico. Verdadeiras "armadilhas epistemológicas" em que os geógrafos vêm incorrendo insistentemente, sem perceberem ou fazendo vistas grossas ao fato de que elas desviam a epistemologia geográfica do seu real terreno. De que a falsa dicotomia "físico- humana" só serve para esconder a natureza social da geografia e do seu objeto; de que a falsa querela "determinismo x possibilismo" só serve para desviar os geógrafos do emprego 22
  • 23. da categoria "determinações"; de que a falsa dicotomia "geografia geral-geografia regional" só serve para afastar a geografia da lógica dialética, atrelando-a à lógica formal e ao kantismo. "Armadilhas epistemológicas" que tiveram o papel de manterem a geografia como o último reduto do positivismo nas ciências sociais e de, por consequência, torná-la a única ciência social refratária ao marxismo, ao emprego do materialismo dialético e histórico como bússola. Daí, a ausência de qualquer postura crítica e atuante, científica e consequente, perante a "sociedade global" por parte dos geógrafos e da geografia, demonstrando uma ridícula indiferença ou arrogância para com os fenómenos sociais, "coisas carentes de rigor científico". Parece-nos pertinente, por estas razões, propormos tomarí a geografia como sendo a ciência de análise das formações espaciais que adquirem as relações sociais de dada jormacão econômico-social 5. ESPAÇO SOCIAL E ESPAÇO TEMPO Todo objeto tem uma dupla dimensão: a espacial e a temporal. E se os geógrafos, por força da natureza mesma de sua disciplina, não puderem abstrair-se por completo do espaço, substituindo-o pela ambígua noção de "relação homem-meio", o fizeram com o tempo. Daí o espaço geográfico ter-se tornado, no dizer de Foucault, um espaço "congelado"20. Durante todo o tempo os geógrafos trabalharam seu objeto escamoteando-o e tendo uma noção do tempo, quando tinham, mecanicista, evolucionista. Ao separarem o espaço do tempo, pagaram seu tributo ao kantismo; ao desprezarem a histo-ricização do espaço geográfico, pagaram seu tributo ao positivismo (geografia clássica) e ao neopositivismo (new geography). Ora, o tempo não é só movimento, mas movimento dialético. Movimento que combina continuidade e descontinuidade, estabelecendo uma periodização na qual cada 23
  • 24. período caracteriza-se por formas historicamente específicas de relações de produção. Daí a importância de se utilizar a categoria dos modos de produção nos estudos espaciais. A introdução da dialética espaco-tempo nos estudos de geografia é fundamental para compreender-se as leis de movimentos das formações espaciais e seu conteúdo histórico. Sem ela, a noção de arranjo espacial torna-se uma noção estática, meramente de "estrutura" da formação espacial. Somente através da dialética espaço-tempo podemos acompanhar os processos e os estágios de desenvolvimento das formações espaciais, no interior dos quais encontraremos diferentes estágios de relação homem-meio. Dar aos objetos do arranjo espacial e ao arranjo como um todo o significado social e temporal necessário. 6. ESPAÇO E REPRODUÇÃO Vimos que a formação espacial é um "espaço produzido". Que a produção do espaço confunde-se com a produção dos bens mate riais necessários à sobrevivência dos homens. E que isto decorre do fato de que os homens suprem suas necessidades convertendo a a terra, que Marx denominou "sua despensa primitiva", nos bens ne­ cessários, pela via do trabalho social. Vimos também que a formação espacial é a própria formação econômico-social, espacializada, contendo sua estrutura e leis de movimento, e nela estando contida. Retomemos estas duas afirmações, a fim de, estabelecendo a unidade necessária entre base económica (infra-estrutura) e formação econômico-social, precisarmos mais a noção de formação espacial e compreendermos o significado de modo de produção. Em primeiro lugar, o espaço não seria formação espacial se o processo de produção não fosse, em verdade, um processo de reprodução". A formação espacial teria existência efémera, restrita ao momento (período) de conversão da "primeira natureza" em bens pelo trabalho social, não chegando a adquirir uma estrutura duradoura e mais definitiva. 24
  • 25. Terminado o processo de produção, se extinguiria a "ordem espacial" gerada pelo trabalho social, como resultado e ao mesmo tempo condição de realização da produção. É devido ao fato de que o processo de produção é em verdade um processo de reprodução que esta "ordem espacial" ganha existência permanente. Fica mais uma vez patente o vínculo existencial entre a formação espacial e o processo de produção: como a reprodução é a produção em caráter permanente (contínuo), a formação espacial ganha um caráter permanente. Em segundo lugar, decorre dessa relação com o processo da produção social a relação de correspondência básica entre a formação espacial e a formação econômico- social. Produzida pelo mesmo processo gerador, em última instância, da formação econômico-social, e em simultaneidade, a formação espacial exerce dialeticamen-te papel fundamental nesse processo, já que é resultado e condição da reprodução. Mas a relação de correspondência básica é o fundamento da correspondência necessária entre a formação espacial em seu todo e a formação econômico-social em seu todo. Se a formação econômico-social organiza a formação espacial em se organizando, estrutura a formação espacial em se estruturando, origina a formação espacial em se originando, transfere-lhe suas leis de organização e movimentos, isto tudo ocorre também no sentido inverso, o da formação espacial para a formação econômico-social. Acompanhemos mais de perto o processo de reciprocidade de influências que se verifica como decorrência da relação de correspondência necessária entre a formação espacial e a formação econômico-social. A produção de bens é feita em razão das necessidades de consumo, realizando-se tanto a produção quanto o consumo segundo as leis historicamente determinadas, que são próprias a cada modo de produção. Como o montante dos bens oriundos do processo de produção desaparece sob o consumo, o processo de produção se repete continuamente, isto é, se reproduz. Como para realizar a produção os homens travam relações sociais, denominadas 25
  • 26. relações de produção em razão de sua natureza, a realização da reprodução implica em reprodução das relações de produção. Coloca-se, aqui, a questão das articulações das instâncias de uma formação econômico-social e desta com a formação espacial em termos de totalidade. Dependendo da posição em que os homens se coloquem face aos meios de produção, as relações de produção serão relações sociais entre iguais ou entre proprietários e não-proprietários, surgindo, neste segundo caso, uma estrutura social de classes sociais que comandará o processo global da formação econômico-social. Assim, numa formação econômico-social desse tipo, toda vez que no processo de reprodução se reproduzirem as relações de produção, estará na verdade com a reprodução destas se reproduzindo a estrutura de classes. Ora, para que tal encadeamento da reprodução realizada ao nível da infra-estrutura se faça sem rupturas ou prejuízo à própria continuidade da reprodução provocados pelo entrechoque dos interesses contrários das classes, surgem as relações sociais superestruturais, jurídico-políticas e ideológicas. Estas relações sociais superestruturais, por surgirem em decorrência de o processo de reprodução ser comandado pelas relações de classes (relações de classes estas engendradas pela reprodução das relações de produção), entram também em processo de reprodução a cada vez que se reproduzem as relações infra-estruturais. O fenômeno da reprodução é, assim, como observa Henri Lefebvre, uma reprodução da formação econômico-social como um todo, numa dialética em que as relações sociais de todos os níveis perpassam umas às outras. No dizer de.Engels: "A situação económica é a base, porém as diversas partes da superestrutura — as formas políticas da luta de classes e suas consequências, as constituições estabelecidas pela classe vitoriosa, uma vez ganha a batalha, etc. — as formas jurídicas — e em consequência inclusive os reflexos de todas essas lutas reais nos cérebros dos combatentes: teorias políticas, jurídicas, filosóficas, ideias religiosas e seu desenvolvimento posterior até converter-se em sistemas de dogmas — também exercem influência sobre o curso das lutas históricas e em muitos casos preponderam 26
  • 27. na determinação de sua forma". Ora, sendo a formação espacial a própria formação econômico-social, ao nível do espaço, e sendo seus movimentos os mesmos, fica mais que evidente que, toda vez que a formação econômico-social se reproduz como um todo, a formação espacial se reproduz como um todo. O que afirmamos é que na formação espacial se realiza todo o processo de reprodução realizado na formação econômico-social. E o que pomos em realce é que todo movimento resultante do per-passamento da instância económica no todo e todo movimento resultante do perpassamento das instâncias superestruturais no todo en:. contram correspondência integral na formação espacial. Por isso'o espaço geográfico intervém em dois processos articulados na formação econômico-social: o de produção social (instância económica) e o de controle de suas instituições e de relações de classes (instâncias jurídico-política e ideológica). Alargamos, assim, a noção inicial de correspondência entre o "espaço produzido" e o processo de produção dos bens materiais necessários à sobrevivência dos homens, que denominamos de relação de correspondência básica entre a formação espacial e a formação econômico-social, noção que é o equivalente espacial da noção de determinação em última instância da instância económica, e estabelecemos a noção de correspondência entre o todo da formação espacial com o todo da formação econômico-social, noção que denominamos de relação de correspondência necessária entre a formação espacial e a formação econômico-social. 7. ESPAÇO E ACUMULAÇÃO A formação espacial, como a formação ecunômico-social com que se confunde, é resultado e agente impulsor, ao mesmo tempo, do processo de desenvolvimento da história dos homens. Ora, processo de desenvolvimento é processo de acumulação. O processo de evolução, de desenvolvimento, das sociedades humanas é o 27
  • 28. armazenamento contínuo de um arsenal de "coisas" produzidas pêlos homens, como instrumentos de trabalho e conhecimentos (know-how?), de que os homens se valem para reproduzirem sua existência social e impulsionarem o progresso mais para a frente. Os objetos do arranjo espacial e o próprio arranjo em seu todo são exemplos de formas dessas "coisas" produzidas e acumuladas no decurso infinitamente contínuo do processo de reprodução. Para que a produção seja um processo contínuo, necessário se torna que no ato de produzir se gere simultaneamente os bens de consumo, bens que garantam a continuidade. Como exemplo, que parte das sementes cultivadas seja separada para a reprodução; que a força de trabalho despendida pelo trabalhador encontre, ao lado do consumo, descanso e lazer, indispensáveis à sua reprodução; que as ferramentas de trabalho surgidas no processo de trabalho sejam reincorporadas à reprodução. Quando o processo de produção se repete cada ano nas mesmas proporções, como ocorre com as comunidades agrícolas primitivas e o pequeno artesanato, diz-se que há reprodução simples. Quando o processo de produção se repete sob uma forma mais vasta, diz-se que há reprodução ampliada. Vê-se, pelo exposto, quesó existe acumulação quando a reprodução é do tipo ampliado. O espaço geográfico tem uma participação relevante no processo de reprodução, seja na reprodução simples ou na reprodução ampliada. Os objetos do arranjo da "segunda natureza" (espaço produzido), tais como prédios, caminhos e lugares de trabalho, ou da "primeira natureza", como a água, solos e jazidas minerais, bem como o próprio arranjo como um todo, são aspectos daquilo de que se valem os homens para uma produção contínua e que Marx denominou de "condições de reprodução". Seja como "espaço produzido" ou mesmo como "primeira natureza'', o espaço geográfico atua no processo de reprodução como "condição de reprodução", através do qual, em seu seio, o devir histórico foi acumulando. Ocorre, contudo, que tais "condições de reprodução" são meios de produção e, por conseguinte, objetos de apropriação pelas classes de uma formação econômico-social. Conforme seja o modo de produção, diferente uns dos outros justamente pela forma de relações de produção e de classes que encerram, as "condições de reprodução" e os 28
  • 29. demais meios de produção ganharão uma conformação própria. Como também o processo ide acumulação. Nas condições do modo de produção capitalista, os meios de produção são capital, ou seja, veículos por meio dos quais a forca de trabalho operária, produzindo a mercadoria, produz mais-valia. Dessa maneira, os meios de produção têm sua apropriação por uma classe social que os considera um meio de geração de sobretrabalho (excedentes), que ela utilizará com fins de acumulação de capital. Sendo assim, uma formação espacial capitalista encerra em seu cerne a luta que travam o capital e o trabalho. Primeiramente, porque através dos elementos extraídos à "primeira natureza" o que se garante não é a conversão da "dispensa primitiva" em meios de sobrevivência dos homens, mas a produção, sob a forma de matérias-primas brutas, de capital circulante. Em segundo lugar, porque através da geração de "condições de reprodução" o que se gera não são aquelas condições de continuidade sem as quais os homens não repetem com regularidade a produção dos meios de sua sobrevivência, mas capital fixo. Em terceiro lugar, porque através do uso desses meios de produção o que se está gerando não são meios de sobrevivência dos homens, mas mercadorias, veículos de transformação da mais-valia extraída daqueles que a produziram, em lucros. Em quarto lugar, por fim, porque através da reinversão da mais-valia expropriada em nova fase do processo de reprodução o que se produzirá não será o desenvolvimento econômico-social, mas a acumulação do capital. Eis por que, em belíssimo e inspirado texto, afirma Francisco de Oliveira: "Não pode o Estado solucionar o chamado problema de transporte urbano? Pelo tamanho do excedente que maneja, pode; mas, se esse excedente provém em parte da produção automobilística, então não pode. Pode o Estado solucionar o chamado problema da poluição? Tendo tanto chão neste país, parece que se poderia descentralizar a indústria, principal poluidora; mas o chão da pátria não é chão, é capital"24. 29
  • 30. 8. ESPAÇO E INSTÂNCIAS Vimos que a formação espacial tem a própria estrutura e leis da formação econômico-social. Uma analogia simples nos permitirá ilustrar o que afirmamos. Se observarmos uma quadra de futebol de salão, notamos que o arranjo do terreno reproduz as regras desse esporte. Basta aproveitarmos a mesma quadra e nela superpormos o arranjo espacial de outros esportes, como o vôlei, o basquete ou o handball, cada qual com "leis" próprias, para notarmos que o arranjo espacial de cada qual diferirá no terreno. Diferirá porque o arranjo espacial confundindo-se com as regras do jogo, estas regras diferem em cada um dos esportes citados. Se fossem as mesmas as "leis" para todos eles, o arranjo seria um só. Naturalmente que a transposição do exemplo da quadra de esportes para o que ocorre com a formação espacial implica em alguns cuidados, como de resto deve acontecer com as analogias. Não se trata de uma diferença de escalas, apenas, mas de natureza qua­ litativamente distinta entre a quadra e a formação espacial, embora possamos falar da quadra como de uma formação espacial. Mas as regras do esporte são regras simples quase mecânicas, com intuitos de repetições de jogadas de reduzida margem de variações. As leis de uma formação econômico-social são da ordem de grande complexidade de movimentos determinadas historicamente. Confundindo-se com estruturas complexas e enquadradas no tempo histórico, e não no tempo sideral como o da quadra, a formação espacial tem uma estrutura complexa e submetida ao tempo histórico. Ora, sabemos que uma formação econômico-social tem uma estrutura formada pelo perpassamento de três estruturas (instâncias ou níveis): uma infra-estrutura (a instância econômica) e duas superestruturas (a instância jurídico-política e a instância ideológica). Estas "três" instâncias permeiam-se, formando uma única totalidade social. Embora no interior dessa totalidade guardem certa autonomia, não se pode na verdade falar de três, 30
  • 31. exceto em benefício (ou deformação?) da análise científica. Projetando-se umas sobre as outras, cada uma contém as demais, de modo que um fenómeno social qualquer é, ao mesmo tempo, "económico", "jurídico-políti-co" e "ideológico". Tal concepção de unidade das instâncias decorre da própria concepção de totalidade social, que não deve ser entendida como "uma combinação de partes" ou "um todo articulado de partes". Uma totalidade social não é um sistema, é um todo confundido com as "partes", sendo cada "parte" a forma específica como se manifesta o todo. Assim, o Estado, por exemplo, não é uma parte da formação econômico-social, mas uma forma específica como o todo se manifesta, sintetizando esta "parte", o Estado, tudo o que constitui o todo. O raciocínio é o mesmo para a formação espacial que vimos usando neste trabalho, como já se deu a perceber. Não se pode dizer que a instância jurídico-política, materializada no exemplo do Estado, seja uma parte da formação econômico-social, o mesmo sucedendo quanto às demais. Projetando-se umas sobre as outras, somente sobre o espaço "projetam-se" as três simultaneamente. Contendo as três instâncias a um só tempo, o espaço está contido em cada uma delas, através de um jogo dialético em que, ao confundir-se com cada uma, passa a interferir nos movimentos de cada uma. Como as instâncias estão perpassadas, passa a interferir no movimento da formação econômico-social em seu todo. Vejamos, somente para efeito de maior visualização do que foi exposto, a articulação entre o espaço e cada instância. ESPAÇO E INSTÂNCIA ECONÓMICA A articulação do espaço geográfico com a instância económica dá origem ao que chamaremos "arranjo espacial económico". Tal arranjo é, em essência, o resultado de como se exprimem no âmago da instância económica as forças produtivas como relações de produção. As formas de expressão das forças produtivas como relações de produção diferem, qualitativamente, de uma formação econômico-social para outra, vale dizer, de uma formação espacial para Outra, e são, por sinal, os elementos qualificadores de cada 31
  • 32. formação. As forças produtivas, por sua vez, articulam, no processo de trabalho, a força de trabalho, os objetos do trabalho e os meios de trabalho. Os meios de trabalho e os objetos de trabalho constituem os meios de produção. Somente quando a força de trabalho põe os meios de produção em movimento é que as forças produtivas ganham vida e se põem em movimento como um todo. Sabemos já que o espaço confunde-se com a instância económica como meio de produção e, então, de dupla forma: primeiramente, como objeto do trabalho, temos a "primeira natureza"; em segundo lugar, como meio de trabalho (o arranjo produzido no espaço pela acumulação), temos a "segunda natureza" ou "espaço produzido”. Como objeto do trabalho, a inserção do espaço se faz por intermédio dos seus componentes de ordem natural, sob a forma de matérias-primas brutas ou semi- elaboradas. Como meio de trabalho, a inserção do espaço se faz por intermédio dos seus componentes "históricos", isto é, dos objetos nele gerados, organizados e acumulados pelo incessante processo de reprodução ampliada. Ou em termos já ditos: como "condição de reprodução". Ora, sabemos que o arranjo espacial económico resulta da forma como se exprimem historicamente as forças produtivas como relações de produção, ou dito em outros termos: do grau de desenvolvimento das forças produtivas e do caráter das relações de produção. Nas condições do modo de produção capitalista, para tomarmos um exemplo, as forças produtivas se encontram em alto grau de desenvolvimento, implicando numa relação do homem com o meio físico caracterizada pela forte superioridade daquele, significando uma ampla divisão social de trabalho que confere ao arranjo espacial intensa complexidade de formas. As relações de produção expressam-se nas forças produtivas de uma forma típica: a força de trabalho, e somente ela, pertence ao proletariado, o qual tem que vendê-la para adquirir os meios de subsistência; os meios de produção (objeto e meios de trabalho) pertencem à burguesia, que compra a força de trabalho do proletário, para, 32
  • 33. fundindo-a aos meios de produção, produzir mais-valia. Assim, o "chão" é capital e a formação espacial tem sua estrutura e movimentos determinados pelo entrechoque entre aquelas classes, básicas desse modo de produção. Podemos, então, imaginar um arranjo espacial económico numa formação econômico-social capitalista central, composto ipor porções do espaço de traços definidos: aqui uma área industrial, articulada a uma área mineira localizada mais além, e a uma área urbana, que pode confundir-se com o próprio espaço industrial; derredor, em círculos concêntricos, áreas agrícolas encerradas por pastagens. Podemos imaginá-lo como uma porção, por sua vez, de um espaço mais amplo, onde inúmeras porções de espaço de arranjos igualmente simples ou mais complexos se articulam numa sucessão de escalas de concentricidade, numa hierarquia de dominância de umas porções de espaço por outras, hierarquia esta definida em termos de "equipamentos terciários" existentes em cada cidade maior de cada porção de espaço, até atingir-se o espaço global, que é o espaço de domínio hierárquico de uma metrópole. Enfeixando todo o espaço, articulando a totalidade, uma densa e ramificada rede viária, que cobre todas as porções de espaço e atinge todos os objetos dos seus arranjos. Um arranjo assim poderia estar confundindo-se a uma instância económica altamente desenvolvida e composta por: a) uma intensa divisão de trabalho representada pelas diferentes fases de circulação do capital (capital industrial, capital agrário, capital mercantil, capital financeiro), isto é, por setores e suas ramificações; e b) diferentes níveis de articulação interna das forças produtivas, significando diferentes níveis de taxa orgânica de capital. Como o espaço capitalista é um "espaço de relações", por exemplo, um espaço de relações intra e intercapitais e entre capital e trabalho, comandadas pela lei do desenvolvimento desigual e combinado, vale dizer, pela lei da acumulação capitalista, evidentemente que num arranjo espacial económico desse tipo teremos inevitáveis desigualdades. As porções de espaço que atuarem como locus da acumulação, principalmente a metrópole da totalidade espacial, serão aquelas onde a riqueza mais se 33
  • 34. centralizará; aquelas porções de espaço que atuarem como locus de produção e expropriação de excedentes serão as que empobrecerão. Locus da riqueza e locus da po­ breza", cada um desses espaços, reproduz internamente por seu turno em seus arranjos espaciais específicos a desigualdade, porque riqueza e pobreza são os nomes eufêmicos de burguesia e proletariado, as classes sociais básicas das formações espaciais capitalistas centrais. Basta olharmos o arranjo espacial do espaço metropolitano de Nova Iorque, ou de qualquer metrópole das formações econômi co-sociais capitalistas centrais, para vermos estampada na paisagem a estrutura de classes desses lugares. É nesse sentido que talvez possamos falar da formação espacial como sendo uma formação de múltiplos espaços desiguais. Sendo a estrutura da formação espacial a própria estrutura da formação eco-nômico-social, tais espaços desiguais não são nada mais que as desigualdades sociais existentes entre as classes sociais da formação econômico-social. Mais importante que a imagem é o que ela revela: que a causa das desigualdades espaciais é a mesma das desigualdades sociais, ou seja, a exploração do trabalho pelo capital. ESPAÇO E INSTÂNCIAS SUPERESTRUTURAS A forte integração das instâncias jurídico-política e ideológica, sobretudo em face da onipresença cada vez maior do Estado nas formações econômico-sociais, desaconselha separá-las. Talvez se possa falar de um "arranjo espacial jurídico-político" e de um "arranjo espacial ideológico", se tomarmos noções como as propostas por Althusser de "aparelhos repressivos de Estado" e "aparelhos ideológicos de Estado". Os objetos de arranjo de cada um desses "aparelhos de Estado" são mais que visíveis. Parece-nos ter razão, no entanto, Foucault ao observar que "se quisermos perceber os mecanismos de poder na sua complexidade e nos seus detalhes, não poderemos nos ater unicamente à análise dos aparelhos de Estado". 34
  • 35. A separação do jurídico-político e do ideológico fica ainda mais desaconselhável quando novamente nos remetemos a Foucault e nos introduzimos em um seu objeto de reflexão, o das "relações que podem existir entre poder e saber", relações que têm sua inscrição espacial, como: saber psiquiátrico e asilo; saber disciplinar e prisão; saber "médico" e hospital; economia política e fábrica; que se complementam com o saber geográfico e país, chão da ideologia do nacionalismo. Surgidas sobretudo para regência da instância económica, as instâncias superestruturais mobilizam cada vez mais o espaço como via de superação de eventuais obstruções dos processos económicos pelas contradições do sistema, e com isto preservarem aquela instância na essência de sua organização. Exemplo recente disto temos na história brasileira, em que estas duas instâncias se integram completamente. Quando a crise do "modelo económico" foi explicada como tendo sido gerada pela "crise do petróleo", interveio o Estado com o planejamento do espaço como medida de solução: tomando em conta o arranjo espacial de consumo do combustível existente (distribuição dos postos de gasolina), permaneceriam abertos nos fins de semana somente os pos-los que guardassem determinada distância dos centros urbanos. Vejamos, entretanto, como poderíamos pensar espacialmente estas instâncias, segundo arranjos espaciais "próprios". O "ARRANJO ESPACIAL JURÍDICO-POLÍÏICO" Dizia-se na formação econômico-social persa antiga, dos tempos de Dario I, uma formação econômico-social tributária, que "os sátrapas são os olhos e os ouvidos do rei". Nada mais revelador do arranjo espacial jurídico-político, um arranjo sobretudo moldado pelo Estado. 35
  • 36. Ocorre que os propósitos desse arranjo revelam bem a articulação que existe numa formação econômico-social entre esta instância e a instância económica. A conquista de um território extenso, formado pela anexação militar de territórios de outros povos, tinha por finalidade a cobrança de tributos. A par de garantir a cobrança regular dos tributos, o arranjo em satrapias visava garantir o exercício da dominação e da integridade do império. A fórmula encontrada foi a criação de uma malha político-administrativa da qual não escapasse qualquer parte do espaço sob domínio persa, dividida em satrapias. Com base nessa malha, os "aparelhos de Estado" jurídico-políticos (e ideológicos) puderam ser estrategicamente distribuídos: os sátrapas (governadores), os organismos de tributação, os contingentes militares de ocupação, as estradas e o correio a cavalo. Exemplos como este multiplicam-se na história. O que hoje haveria de novo seria o suprimento e a multiplicação dos "aparelhos jurídico-políticos" voltados para as necessidades específicas de um outro modo de produção, o modo de produção capitalista, um modo mercantil por excelência. Já vimos como Lacoste refere-se à intervenção do que denomina de "estados maiores militares e financeiros", orientada cada vez menos pelo espontaneísmo e com objetivos os mais variados: regulação das relações entre classes e segmentos de classes sociais, instituições e nações; conquista militar, política, cultural ou económica; alocação de capitais interessados em rápida circulação; provimento de maior "racionalidade económica" aos investimentos. Fenómenos que ocorrem no interior de espaços mais vastos que sonhou jamais Dario I. Em que medida, no entanto, o planejamento de espaço deixa de ser, também, uma ideologia? O "ARRANJO ESPACIAL IDEOLÓGICO" Objeto secular de uso ideológico, por meio do qual "a maioria das pessoas formam sua "visão do mundo", se não sua "visão global", o espaço geográfico tem seu arranjo 36
  • 37. fortemente confundido com a instância ideológica. Como exemplo, o arranjo espacial ideológico contém as instituições pelas quais os valores circulam e são assimilados, como a família, a escola, os centros culturais, a Igreja, os asilos, os cárceres. É no interior desses "espaços sociais" que os valores se tornam concretos. Espaços específicos, cada qual é uma síntese do todo, prescrevendo, segundo a ideologia dominante, as noções de mundo e hierarquia. Tais noções seguem uma escala de espaço que vai do "espaço social" específico ao mais geral, como: o espaço familiar, seguido do espaço estado-nação e encimado pelo espaço cósmico; ou, em outro caso paralelo: o espaço empresarial, o espaço estatal e o espaço mundial. Curiosamente, o primeiro exemplo é apresentado na disciplina escolar chamada moral e civismo nas pessoas, sucessivamente, do pai, do presidente e de Deus. É interessante a maneira como o arranjo espacial ideológico se organiza em função da noção de pátria, que numa hierarquia igualmente escalar vai do bairrismo ao nacionalismo. Mas a fusão do espaço com a ideologia é mais dinâmica sob os interesses mais rapinantes do capital. Anderson observa que há crescente interesse pela "qualidade do meio ambiente", salientando o caráter ideológico daquilo que veio a chamar-se "crise ambiental". Se nos lembrarmos do que ficou dito atrás, que "os homens relacionam-se com o meio físico atra­ vés de suas relações sociais", veremos que Anderson tem toda razão. E a "crise ambiental" entra em cadeia com a "crise urbana" e com a "crise demográfica", esta provocada por uma "explosão" populacional. Em todas estas "crises" o espaço é tomado como um dos pivôs, já que está em causa o "acelerado consumo e esgotamento dos recursos naturais em face do progresso e das necessidades humanas crescentes com o aumento acelerado da população mundial". Verdadeiro "fetichismo do espaço" que toma como relações entre coisas o que em verdade são relações sociais. Citando Goodman, lembra ainda Anderson que "na arquitetura há "ideologias estéticas", com ele concordando Castells quando afirma que não há espaço mais 37
  • 38. ideologicamente construído que o espaço urbano. Explorando paisagens por elas cada vez mais elaboradas, as grandes empresas imobiliárias promovem a fusão do espaço com a produção de ideologia, seja sob a forma da estética arquitetônica dos "Barramares" ou sob a forma ecológica de "sol, sal, montanhas e verdes". E o que dizer das segregações espaciais do tipo ghettos, apar-theids e favelas, sejam estas "Borel" ou "Vila Kennedy"? 9. A FORMAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL COMO SÍNTESE (TOTALIDADE) A formação econômico-social é a totalidade que os geógrafos buscam, quixotescamente e há séculos, sob a ambígua expressão "síntese". Manifestada como formação espacial. Entendida como "ciência de síntese" cercada por uma "constelação de ciências de análise", a geografia ainda não se libertou da epistemologia kantiana do século XVIII, padecendo de um mal "patológico". É assim que encontramos em Pierre George afirmações como: "Ciência que mobiliza o conhecimento dos métodos e dos resultados de um bom número de ciências associadas" e "uma ciência de síntese na encruzilhada dos métodos de diversas ciências". Megalomania patológica pura e simples? Os geógrafos pareceram sempre acometidos dessa "doença", que não é mais que a expressão do uso ideológico de que a geografia tem sido sempre objeto. Eis como a doença se manifesta em Albert Faure, citado por Milton Santos: "A geografia reúne todas as ciências, abre os horizontes, comporta todos os conhecimentos humanos". Afirmação muito próxima desta outra, do geopolítico Mackinder, citado por Sodré: "Quem dominar a Europa Oriental dominará o coração continental; quem dominar o coração continental controlará a ilha-mundo; quem dominar a ilha-mundo controlará o mundo". 38
  • 39. Paga a geografia, por consequência, pesado ónus por não terem os geógrafos percebido, ou feito vistas grossas, ao fato de que é a formação econômico-social uma totalidade social cuja concretude é dada pelo espaço, a verdadeira síntese de que se devem ocupar. Repensar a geografia, a partir da categoria formação espacial articulada às categorias de formação econômico-social e de modo de produção, condição necessária para entender- se o espaço como es-paço-social e espaço-tempo, eis uma perspectiva que nos parece capaz de abrir-lhe caminhos no cipoal de ambiguidades em que está secularmente mergulhada. Significa repensá-la em outros termos de interdisciplinaridade, para podermos colocá- la, sem patologia, no lugar que lhe cabe entre as ciências sociais. 10. PARA REPENSAR A GEOGRAFIA Nota Marx na epígrafe que serviu de guia para este trabalho que devemos buscar apreender ".. .a essência nas aparências. . .". Entendemos com isso que se deve apreender as leis internas (a essência) que governam as formas, as estruturas. Ora, se as formas são as aparências, parece-nos que se encaixa aí a noção de arranjo espacial que vimos usando neste trabalho. Entendemos por arranjo espacial uma estrutura de objetos espaciais, uma localização organizada de formas espaciais, uma forma ou uma totalidade estruturada de formas espaciais. O papel da análise espacial estaria em apreender as leis que regem a formação espacial, seu todo e suas "partes", a partir do arranjo espacial, e vice-versa. Marta Harnecker propõe que ". . .para se chegar a .definir um objeto é necessário ser capaz de descobrir a unidade ou a forma de organização dos elementos que servem num primeiro momento para descrevê-la. Pode-se descrever uma sociedade; podemos, por exemplo, dizer que em toda sociedade existem indústrias, campos cultivados, correios, escolas, exército, polícia, leis, correntes ideológicas, etc. Porém, a organização destes elementos em diferentes estruturas (económica, jurídico-política e ideológica) e a determi­ 39
  • 40. nação do papel que cada uma dessas estruturas desempenha na sociedade permite-nos passar da descrição ao conhecimento de uma realidade social, estabelecer as leis de seu desenvolvimento e, portanto, a possibilidade de dirigi-lo conscientemente". Lembra Lefebvre: "A análise que distingue os fatos, as formas, os aspectos e os momentos de um desenvolvimento, deve também preparar a síntese determinando as ligações internas que existem entre esses elementos""1. E é o próprio Lefebvre que, observando que a investigação somente ultrapassa o nível do empírico quando norteada por uma teoria calcada na noção do lodo, diz: "Esta noção do todo desempenha papel primordial, tanto metodologicamente como teoricamente. Já sabemos por quê. A realidade que temos de compreender, na natureza tanto como na vida social, apresenta-se como um todo". Só depois da análise das partes, "só então vem a exposição do todo, do conjunto". O que propomos é a construção de uma teoria do espaço que se fundamente em três categorias de totalidade, que são três facetas de uma mesma realidade: a formação espacial, a formação econômico-social e o modo de produção. O conceito de formação espacial passa pêlos conceitos de formação econômico-social e de modo de produção e, mais ainda, pela forma como se articulam estes dois. Entendemos uma formação espacial como uma "tópica marxista", para tomarmos, talvez apressadamente mas não de todo sem validade em um texto que se propõe socializar reflexões do autor, a expressão cunhada por Althusser, qual seja, "...um dispositivo es pecial que assinala em determinadas realidades seus lugares no espaço", ou, "...um sistema articulado de posições (lugares) comandados pela determinação em última instância". Sabemos que esta "determinação em última instância" são as relações de produção. Vimos, ao longo do texto, que a formação espacial é a própria formação econômico-social, espacializada. A formação econômico-social define-se como "uma totalidade social concreta", ao passo que o modo de produção define-se como "uma totalidade social abstrata", não se podendo separar os dois conceitos, e tomada a expressão "abstrata" não na sua acepção idealista. A primeira é um "conceito complexo e impuro", ao passo que o segundo é um "conceito puro, ideal, que permite pensar uma totalidade". Tanto um quanto outro são 40
  • 41. conceitos que se constróem sobre relações de produção (relações económicas, para empregar­ mos o conceito em sua acepção ampla), historicamente determinadas. Assim, se o modo de produção funda-se em relações de produção homogéneas, a formação econômico-social funda-se (ou não) em tipos de relações de produção heterogéneas, articuladas sob o domínio do tipo mais avançado. Desse modo, o certo seria dizer-se "formação econômico- social com dominante. . .". Por isso, se afigura ser-nos válido em nosso estudo o conceito que Samir Amin propõe de formação econômico-social, como sendo "um complexo organizado de modos de produção", isto é, como sendo "uma estrutura concreta, organizada, caracterizada por um modo de produção dominante e pela articulação à volta deste de um conjunto complexo de modos de produção que a ele estão sub-metidos". Formulação que nos sugere a forma adequada de articulação dos dois conceitos. Parece-nos, abreviando um tema controverso e trazendo-o para o terreno da reflexão do espaço, que a articulação dos três conceitos aqui propostos como as categorias mais gerais de análise do espaço, envolve a observância de alguns pares dialéticos fundamentais, como: concreto-abstrato, espaço-tempo, continuidade-desconti-nuidade, forma-conteúdo, assim expressos: Concreto-abstrato: A análise de uma formação econômico-social envolve o conhecimento do mecanismo geral de funcionamento dos modos de produção que a compõem. Assim, por exemplo, a análise de uma formação econômico-social com dominante capitalista implica o conhecimento dos mecanismos gerais desse modo de produ­ ção e de cada um dos dominados. Só assim se pode captar as articulações e a complexidade do todo. Espaço-tempo: O que dá concretude à formação econômico-social é o espaço. Contudo, vimos que o espaço sem a dimensão tempo é um "espaço congelado". Do mesmo modo, pensar um modo de produção apenas pelo prisma do tempo, a-espacialmente, é produzir uma história de generalidades, que esconde as diferenças das formações econômico- sociais. A não-espacialização da história produz erros, como aquele observado por Samir 41
  • 42. Amin de que, não se vendo que o modo de produção feudal foi um fenómeno restrito espacialmente a uma porção do continente europeu, foi-lhe dado uma universalidade que não teve. Daí as discussões hoje de modo de produção asiático (tributário). Continuidade-descontinuidade: O modo de produção é uma des-continuidade no tempo, razão por que permite-nos uma correia periodização do tempo histórico. Quer nos parecer que a formação econômico-social é uma integração de tempos históricos desiguais, estratificados no interior de uma mesma temporalidade e articulados sob o modo de produção mais desenvolvido. Daí sua formação espacial exprimir-se como uma unidade articulada de espaços regionais diferenciados, formando uma "regionalização" baseada em modos de produção, diferenciação espacial esta que se torna "desenvolvimento desigual e combinado" se o modo de produção dominante for o capitalista. Duas propostas nos parecem pertinentes à passagem do nível de abrangência mais geral dessas três categorias para o conhecimento do real, pela via da intermediação do arranjo espacial. Marta Harnecker propõe que, sendo as relações de produção o "núcleo estruturador" que "explica o tipo característico de articulação das distintas instâncias (estruturas regionais) e determina qual delas terá o papel dominante" das totalidades sociais, "devemos começar diagnosticando que tipo de relações de produção existem, como se combinam, qual é a relação de produção dominante, como exerce sua influência sobre as relações de produção subordinadas. A partir daí, explicar o conjunto, sem negar a autonomia relativa das estruturas regionais e sem deixar de ver a estrutura económica como determinante em última instância". Samir Amin propõe que, já que uma totalidade social se organiza em função da produção e expropriação de excedentes, a análise da totalidade "deve organizar-se em torno da forma pela qual é gerado o excedente característico dessa formação, das transferências e da distribuição interna desse excedente entre as diferentes classes ou grupos que dele se apropriam. Como uma formação social é um complexo organizado de vários modos de produção, o excedente gerado nessa formação não é homogéneo. Existe 42
  • 43. uma adição de excedentes com origens diferentes. Uma questão essencial é a de saber em determinada formação concreta qual modo de produção é predominante, e, portanto, qual é a forma predominante de excedente. Uma segunda questão é saber em que proporção a sociedade vive do excedente gerado por ela própria e do excedente transferido com origem em outra sociedade, ou, dito em outra forma, qual a importância relativa que nela ocupa o comércio a longa distância". Convém lembrarmos que Samir Amin debruça-se sobre o que denomina "formações sociais periféricas", que é o caso da formação social brasileira, uma formação com dominante capitalista. Parece clara a combinação das duas propostas: para a compreensão do processo de produção e expropriação dos excedentes, é preciso conhecermos as relações de produção existentes na formação. E vice-versa. O estudo mais e mais preciso do conceito e articulação de formação econômico- social e de modo de produção, a par do estudo minucioso da economia política, das instituições e da ideologia, sem o qual não se pode mergulhar fundo na compreensão de uma formação econômico-social, e a convergência de tudo isto ao estudo do conceito, forma e processos da formação espacial, eis o que nos parece que é necessário para um bom trabalho de construção teórica do espaço. Resta lembrar que o processo de teorização só ganha concretude e vigor se realizado no interior da práxis. EM BUSCA DA ONTOLOGIA DO ESPAÇO António Carlos Robert Morais Tentaremos neste pequeno artigo introduzir na problemática geográfica um encaminhamento teórico baseado em autores que acreditamos encontram-se até agora ausentes de tal discussão. O obje-tivo é fornecer ao leitor indicações de uma posição 43
  • 44. possível no tratamento de questões referentes ao espaço. Esta posição, resposta a questões de caráter geral, apresenta-se como um momento de um esforço de reflexão, tentando dar conta de um primeiro nível de problemas que se colocam aos geógrafos que buscam compreender o espaço numa perspectiva materialista e dialética. Assim é a bagagem com que partimos para um projeto de pesquisa. Esta posição foi se constituindo em leituras e discussões, e deste modo se vier a servir de auxílio ou alimento à discussão, seu mérito deve ser creditado, aos colegas que conosco discutiram-na; por outro lado, as lacunas e a brevidade no tratamento de certos pontos ligam-se ao fato de não se tratar de uma proposta acabada, porém de um posicionamento ainda em formação. Em suma, se conseguir suscitar o interesse pêlos autores que serão apresentados, a validade do presente artigo estará dada. Como realizar um estudo do espaço dentro do matelialismo histórico, em que ele não seja apenas o receptáculo de fenómenos determinados por outras instâncias do real? Como efetivar a apropriação total do espaço, apreendendo-lhe a essência? Como apreen der este ser específico, sem autonomizá-lo e sem empobrecer-lhe a singularidade? Como realizar um corte no real sem cair num procedimento positivista? Estas são dúvidas que constantemente atormentam todo geógrafo que assume um posicionamento marxista. Al­ gumas são ainda mais amplas, aparecendo como questões basilares de toda a reflexão geográfica, pois dizem respeito à particularidade da análise, à possibilidade mesmo de existência da geografia, à definição do objeto. Por muito tempo a geografia apresentou-se como a única disciplina que se debruçava cientificamente sobre o espaço, talvez isso explique a raridade de reflexões mais aprofundadas a respeito desse ser e de sua apreensão no âmbito deste corpo de conhecimentos. O rigor conceituai e o esforço metodológico precoce por exemplo na sociologia não frutificou na geografia, que assim entorpeceu-se nas soluções semânticas ou analógicas. O questionamento sobre os atributos e a dinâmica própria do espaço restou como campo da especulação filosófica. Nas décadas recentes, por imposições colocadas pelo trabalho técnico, outras disciplinas começaram a revelar em seus estudos o que poderíamos chamar de componente espacial da manifestação dos fenómenos. Não cabe aqui construir uma redoma lógica para justificar a propriedade exclusiva sobre este objeto, nem defender um rótulo antigo em nome de uma tradição académica, em sua quase totalidade de 44
  • 45. orientação positivista. Deixemos a estes o árido debate sobre a classificação e a delimitação das ciências humanas. Entretanto, devemos observar que a reflexão filosófica sobre o espaço se fez desvinculada de uma análise histórica concreta, aparecendo como um esforço puramente lógico (por exemplo em Kant ou em Leibnitz). Por outro lado, as ciências específicas, ao meditarem sobre o tema, já possuem um interesse particularizado (como por exemplo a cidade para o urbanismo) que as desvincula da preocupação com o espaço em sua universalidade. Resta a geografia, com uma bagagem empírica considerável, e com um restrito porém não desinteressante escopo teórico. A elaboração de uma história crítica deste material poderá fornecer pontos relevantes à discussão. Tal empreitada obviamente foge ao alcance deste pequeno artigo. Pretende-se aqui avançar na problematização do tema, tentando elucidar uma proposta de encaminhamento da compreensão do espaço. As tentativas de fazer geografia utilizando o arsenal teórico do materialismo histórico têm-se revelado problemáticas. P. Bertoquy um dos primeiros autores da geografia a citar Marx, partindo de um posicionamento eclético, aceita as formulações do autor de O Capital, porém realizando uma redução economicista em sua leitura. Negando a determinação do económico, não compreende o método de Marx, utilizando-se apenas de algumas explicações retiradas de seu contexto. De resto, realiza um estudo nitidamente posi­ tivista. Citei este autor, pois o seu procedimento demonstra um tipo de conciliação entre o marxismo e a geografia: a daqueles que utilizam as colocações marxistas em procedimentos analíticos que lhes são antagónicos. Assim, P. George toma os termos mar­ xistas tendo-os por conceitos e os insere em propostas tipológicas. Por outro lado, alguns geógrafos claramente posicionados encastelam-se na famosa afirmação de Marx: "Só reconhecemos a existência de uma ciência: a ciência da história", para deslegitimarem as questões geográficas. Estes, a partir da crítica de solucionamentos propostos, negam a validade dos temas em si, tomando a crítica, tarefa importante, por tarefa única do geógrafo marxista; como se a luta ideológica resolvesse todos os problemas postos para a ciência. A partir dessa negação m totum da geografia, e tomando o materialismo histórico por método de análise, chegam ao que poderia ser definido como uma sociologia espacial (uma projeção das relações sociais no espaço concreto, atentando para as contradições gerais do capitalismo), reduzindo o objeto ao seu aspecto fenomê-nico, assim una espaço 45