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A Profecia nas Origens e suas Recepções
Faculdade de Teologia da Igreja Metodista
Universidade Metodista de São Paulo
Diretor da Faculdade de Teologia: Paulo Roberto Garcia
Reitor da Universidade Metodista de São Paulo: Paulo Borges Campos
Junior
Conselho Diretor
Wesley Gonçalves Santos – Presidente
Lia Eunice Hack da Rosa – Vice-Presidente
Cláudia Maria Silva Nascimento – Secretária
Almir Lemos Nogueira – Vogal
Eni Domingues – Vogal
Ewander Ferreira de Macêdo – Vogal
Luciano José Martins da Silva – Vogal
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EDITEO – Editora da Faculdade de Teologia
Editor
João Batista Ribeiro Santos
Comissão Editorial
João Batista Ribeiro Santos – Presidente
Martin Santos Barcala – Secretário
Blanches de Paula
Éber Borges da Costa
José Carlos de Souza
Nicanor Lopes
Assistente Editorial
Fagner Pereira dos Santos
Editeo
Editora da Faculdade de
Teologia da Igreja Metodista
São Bernardo do Campo, SP
2018
A Profecia nas
Origens e suas
Recepções
Danielle Lucy Bósio Frederico
Organizadora
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Maria de Fátima Almeida CRB‐8/7111 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
         
                     
 
														 A	profecia	nas	origens	e	suas	recepções.	/	Danielle	Lucy	Bósio	
																	Frederico	(Org.)	
																									São	Bernardo	do	Campo:	EDITEO,	2018.																		
																					
																		125	p.	
	
																			Bibliografia		
																			Semana	de	Estudos	Teológicos	(SET)						
																			ISBN:	978‐85‐54334‐00‐0	
																							
			1.	Bíblia	–	A.T.	–	Livros	proféticos	–	Crítica	e	interpretação	
			2.	Profetismo	–	Novo	Testamento	3.	Profetas	I.	Título	II.	Kaefer,	José	
			Ademar	et	al...	
                                                                       CDD: 224.06               
Revisão: Martin Barcala
Assistente editorial: Fagner Pereira dos Santos
Editoração eletrônica: 	Maria Zélia Firmino de Sá
Capa: Fagner Pereira dos Santos
	
© 2018 A Profecia nas Origens e suas Recepções
Editeo
Editeo: Editora da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista
Rua do Sacramento, 230, Prédio Gama, Rudge Ramos
09640-000 – São Bernardo do Campo, SP – Telefone: (011) 4366-5983
Sumário
Apresentação da Semana de Estudos Teológicos – SET
Danielle Lucy Bósio Frederico......................................................................... 7
O profeta e a literatura profética
José Ademar Kaefer.................................................................................... 11
A espiritualidade no Antigo Testamento
Tércio Machado Siqueira............................................................................ 27
Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl
João Batista Ribeiro Santos........................................................................ 35
A Confissão de Jeremias como reação à injustiça em Judá no início
do reinado de Jeoaquim
Samuel de Freitas Salgado.......................................................................... 47
Tradições proféticas de Moisés no Novo Testamento e a figura
messiânica de Jesus – A recepção de tradições veterotestamentárias
e costuras traditivas
Paulo Roberto Garcia................................................................................. 69
A Nova Aliança de Jeremias por nova perspectiva: A recepção da
“obra da Lei gravada no coração” em Romanos
Jonas Machado........................................................................................... 79
A Leitura dos Profetas na Literatura Gnóstica Cristã
Antonio Carlos Soares dos Santos
Ozeias Rocha Júnior................................................................................... 87
Os povos da terra. Abordagem historiográfica de grandezas sociais
do antigo Oriente-Próximo no segundo milênio A.E.C.: uma
abordagem comparativa
João Batista Ribeiro Santos........................................................................ 95
Os Profetas no Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português: uma
experiência de tradução
Edson de Faria Francisco......................................................................... 119
7
Apresentação da Semana
de Estudos Teológicos – SET
Com alegria, apresentamos a todas e todos os textos das Conferências
e Minicursos realizados na Semana de Estudos Teológicos (SET), ocorrida
no período de 24 a 26 de outubro de 2016, cujo tema foi: A Profecia nas
Origens e suas Recepções.
Abrindo o ciclo de Conferências, tivemos o Prof. Dr. José Ademar
Kaefer com o tema: O Profeta e a Literatura Profética; onde o mesmo
nos apresenta o desenvolvimento do entendimento da pessoa e da função
de profeta no Antigo ou Primeiro Testamento; e também da misericórdia
profética, tomando como fio condutor a palavra “misericórdia”. Durante o
texto, ele nos expõe uma análise mais atenta do termo no livro do profeta
Oseias, bem como reafirma a importância de se perceber o profeta dentro de
seu contexto histórico, sem o qual a sua mensagem estaria descontextualizada
e consequentemente perderia o sentido.
No segundo dia tivemos a apresentação do Prof. Me. João Batista –
Origens e Função do Profetismo no Antigo Israel. Em sua exposição,
o professor nos mostra as possíveis raízes e os desenvolvimentos ocorridos
às funções de profeta desde Mari até o Levante. A vinculação da atividade
profética aos contextos sociais específicos, a presença da figura feminina,
bem como a presença do culto aos mortos, da magia, da cremação, a adivi-
nhação, os sorteios e os transes por meio de drogas alucinógenas, praticados
em Yiśrā’ēl; são apresentados no decorrer de sua exposição.
O Prof. Dr. Samuel de Freitas Salgado, cujo o tema foi: A Confis-
são de Jeremias como reação à injustiça em Judá no início do reinado
de Jeoaquim; nos apresenta uma proposta exegética de Jeremias 12, 1-6.
Tendo como ponto de partida o pressuposto socioanalítico do modo de
8
A Profecia nas Origens e suas Recepções
produção. A crítica profética, aqui exposta, faz frente ao enriquecimento
dos detentores dos meios de produção e do empobrecimento e/ou não
melhorias sociais a maioria da população.
Iniciando o terceiro dia de Conferências tivemos o Prof. Dr. Paulo
Roberto Garcia, que desenvolveu o tema: Tradições proféticas de Moi-
sés no NT e a figura messiânica de Jesus. A recepção de tradições
veterotestamentárias e costuras traditivas. Ele nos apresenta como as
comunidades do cristianismo primitivo cultivavam inúmeras tradições que
são encontradas no Novo Testamento. Duas delas, por sua presença abun-
dante, são destacadas: as tradições de Moisés e as dos Profetas. Ao aceitar o
desafio de compreender como elas se articulam e são ressignificadas, ele faz
o mapeamento do termo tanto no Antigo ou Primeiro Testamento, como no
Novo Testamento. Percebendo a ênfase presente nos Evangelhos e fazendo
o destaque da apresentação de Jesus como um novo Moisés.
Fechando o ciclo de Conferências, temos o Prof. Dr. Jonas Machado:
A Recepção dos Profetas no Novo Testamento. Ele nos apresenta uma
abordagem do geral para o particular da relação entre os textos proféticos
do judaísmo mais antigo e sua recepção no Novo Testamento, mais espe-
cificamente a recepção da “obra da lei gravada no coração” de Jeremias 31
em Romanos 2.15. Mais do que alusões ou citações, tal relação é marcada
por complexidade que demonstra que a recepção dos textos proféticos foi
caracterizada por utilização dos mesmos de acordo com os interesses dos
primeiros autores cristãos. Nesse bloco de fechamento também tivemos a
participação do Prof. Dr. Paulo Augusto Nogueira, o qual tendo o tema
da Apocalítica e a sua relação com os profetas do AT; junto com o Prof.
Jonas teceu uma série de comentários e explicações interessantes.
Além das conferências, contamos com a realização de Minicursos, os
quais abordaram os seguintes assuntos: Os Profetas no Antigo Testa-
mento Interlinear Hebraico-Português: uma Experiência de Tradu-
ção, com o Prof. Dr. de Faria Francisco. Onde expos a sua experiência
de tradução na composição de sua obra: Antigo Testamento Interlinear
Hebraico-Português, a qual quando concluída, contará com 05 volumes:
volume 1: Pentateuco (Gn-Dt), volume 2: Profetas Anteriores (Js-2Rs),
volume 3: Profetas Posteriores (Is-Ml), volume 4: Escritos (Sl-2Cr) e volume
5: Léxico Hebraico-Português e Aramaico-Português.
A Leitura dos Profetas na Literatura Gnóstica Cristã, tema trabalhado
pelo Prof. Me. Antonio Carlos Soares e pelo Prof. Ozeias de Paula. Os
Apresentação
9
professores abordaram a leitura dos profetas por meio da literatura gnóstica
cristã, propondo um enfoque entre movimentos que apontavam espirituali-
dades diferenciadas, mas que tinham entre suas histórias: o cristianismo, que
releu os profetas e o gnosticismo que releu o cristianismo.
E fechando o bloco de minicursos oferecidos durante a Semana de
Estudos Teológicos, tivemos o tema: Os povos da terra. Abordagem histo-
riográfica de grandezas sociais do antigo Oriente-Próximo no segundo
milênio A.E.C.: uma abordagem comparativa; oferecido pelo Prof. Me.
João Batista Ribeiro Santos. Durante a sua exposição, o professor discorre
de forma bastante interessante sobre os seguintes temas: Hyksos ,Kĕna‘ănîm/
Canaanitas, Ḫabiru, Pĕlištîm, Sha’su e ‘amaleqîm. Demonstrando as interações
culturais e os hibridismos ocorridos durante o período de formação das
identidades de Israel.
Junto a essa coletânea de textos, também apresentamos a contribuição do
Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira através do tema: A espiritualidade
no Antigo Testamento.
Nesse texto, o autor nos apresenta como ocorreu o desenvolvimento
da espiritualidade do povo israelita. Desde o seu entendimento sobre a
Torá entre os sábios, os quais pregavam a necessidade de cada pessoa se
aproximar de Deus, orientando os seus pensamentos, suas ações, afetos e
emoções às Escrituras; ao contrário do que pensavam os legalistas. A pro-
posta dos sábios não incluía um legalismo externo ou obediência à letra
da lei. Para isso, o professor fala sobre alguns conceitos oriundos de uma
espiritualidade familiar, preservada pelo povo israelita, e que a seu ver é
resgatada pelo movimento de Jesus no Novo Testamento.
Tais olhares e percepções trouxeram uma rica contribuição sobre o
tema desenvolvido durante a SET, fazendo-nos perceber novas possibilidades
hermenêuticas e tornando esse evento bastante interessante e provocativo.
Agradecemos a participação e a presença de todos e todas, as equipes
de trabalho envolvidas, bem como as/aos docentes da área de Bíblia na or-
ganização e planejamento dessa Semana de Estudos!
Profa. Danielle Lucy Bósio Frederico
10
11
O profeta e a literatura profética
José Ademar Kaefer*
O profeta
O profetismo, enquanto movimento ou manifestação em defesa da
vida, é o que dá legitimidade e autenticidade à Igreja, a qualquer Igreja. Ai
da instituição que mata seus profetas. Ai da instituição que não os mata.
Querido e temido, admirado e odiado, esse é o profeta. Uma figura
controversa, que cava seu próprio túmulo. Todo movimento religioso que
não se institucionaliza está fadado a desaparecer, dizia Max Weber (1991).
Eis o dilema do movimento profético: se ele não se institucionaliza, morre.
Ao se institucionalizar, morre também. Em igual dilema se encontra o seu
agente, o profeta. O fim do profeta não é o seu triunfo, mas sua derrota: o
martírio. Por isso, o profetismo não é um movimento permanente. Ele surge,
provoca ebulição social e desaparece. Esta é sua função. Assim também o
profeta: sua missão é anunciar, denunciar, propor e sair de cena. Nunca visa
e nunca chega ao poder. Se isto ocorre, deixa de ser profeta.
Os homens poderosos, os algozes dos profetas, gostam de ser compara-
dos a eles. Quando o presidente Abraham Lincoln foi assassinado, sua morte
foi associada à de Jesus. Lincoln entra na história estadunidense como “o
nosso presidente martirizado”. Gostam de ser comparados com profetas e,
por extensão, com o messias. Nos escritos e discursos de Benjamin Franklin,
George Washington, Thomas Jefferson, John Kennedy, Lyndon Johnson, Ro-
bert Nixon, George W. Bush, para citar alguns, esse analogismo é constante.
Gostam de estabelecer paralelos simbólicos entre a nação estadunidense e
o antigo Israel (FILORAMO e PRANDI, 1999, p. 140-141). É um nacio-
*	 Doutor em Teologia Bíblica pela Westfälischen Wilhelms-Universität Münster, Alemanha,
e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião na Universidade Me-
todista de São Paulo (UMESP). jademarkaefer@gmail.com .
12
A Profecia nas Origens e suas Recepções
nalismo fundamentalista, de caráter profético-messiânico e reacionário. Os
personagens citados, presidentes, são antigos, mas a ideologia, por incrível que
pareça, é muito atual e “vai muito bem, obrigado”. Basta analisar os discursos,
que parecem esquizofrênicos, do atual presidente dos EUA, Donald Trump,
em sua campanha eleitoral. E o mais incrível ainda é que grande parte dos
que fazem coro a esses discursos e votam nesses candidatos se diz cristã,
católicos e evangélicos.
É a arte ardilosa de matar o profeta e de se apropriar da profecia. Ma-
tam os profetas e, depois, constroem-lhes belos monumentos. É uma forma
de não só matar o profeta, mas também a profecia. Ela é absorvida pela
ideologia dominante, tirando-lhe seu caráter contestador e denunciador. É
para esses mesmos que Jesus se dirige, quando diz:
Ai de vós, porque edificais os túmulos dos profetas, os que vossos pais mataram. Assim sois
testemunhas e concordais com as obras dos vossos pais. Porque eles, por um lado, mataram-
-nos, e vós, por outro, edificais (Lc 11,47-48).
De forma que, dizer-se profeta ou ser comparado a ele, é algo muito
almejado pelos que não o são.
Esse mesmo interesse pelo status do “ser profeta” também está manifesto
em todo Primeiro ou Antigo Testamento. Profeta é um título honorífico! As
grandes personagens bíblicas são identificadas ou associadas com ou aos pro-
fetas. Abraão é chamado de profeta (Gn 20,7); Moisés é chamado de profeta
(Nm 12,6-8; Dt 18,15-19; 34,10); assim também Aarão (Ex 7,1) e os anciãos
(Nm 11,16.23-26). Sem falar de grandes figuras que desempenham um papel
duplo, de profeta e sacerdote, como é o caso de Samuel, de Ezequiel (Ez 1,2)
e do Primeiro Isaías (Is 6).
É curioso que Amós, um dos mais autênticos profetas, na essência da
palavra, não aceita ser chamado de profeta. Quando Amasias, sacerdote de
Betel, escuta as denúncias e acusações de Amós, ele chega à conclusão de
que a “terra/a corte de Jeroboão II não pode mais suportar todas as suas
palavras”. Então, Amasias vai e diz a Amós: “vidente (ro’eh), vai embora
daqui, vai para a terra de Judá; come lá o teu pão e profetiza lá. Porque aqui
você não pode profetizar, porque Betel é um santuário do rei, uma casa do
reino”. Ao que Amós responde: “Eu não sou profeta e nem filho de profeta.
Sou um pastor (vaqueiro) e cultivador de sicômoros. E Javé me tirou de trás
do rebanho” (Am 7,10-14).
13
O profeta e a literatura profética
Mas, há, também, mulheres profetisas, como Míriam (Ex 15,20); Débora
(Jz 4,4); Hulda (2Rs 22,14); a mulher de Isaías (Is 8,3); Noadias (Ne 6,15).
Diferentemente dos profetas citados, elas não são sacerdotisas.
Jesus também é identificado como profeta. Num determinado período
de sua vida, parece que o movimento de Jesus passa por uma séria crise.
Isso acontece quando ele começa a falar da cruz como exigência para o seu
discipulado. E, à custa disso, parece que muitos seguidores o abandonam.
Jesus, então, faz uma pergunta enigmática aos seus discípulos: “Quem dizem
os homens que eu sou?”. Ao que eles respondem: “uns dizem que você é
João Batista; outros dizem que é Elias; outros, ainda, um dos profetas” (Mc
8,28). As três associações que as pessoas fazem de Jesus estão relacionadas
aos profetas: João Batista, Elias ou algum outro profeta. Isso leva a supor que,
para as pessoas, estava claro: primeiro, o que é ser um profeta; e, segundo,
que Jesus era um profeta, pela semelhança a eles no seu modo de agir. E o
interessante é que Jesus nunca se diz profeta. Os outros o identificam assim.
Similar ao que acontece com Amós.
Portanto, hoje como ontem, o profeta impressiona, é odiado e é admi-
rado. É martirizado, mas continua vivo. É memória que não se apaga.
Profeta do centro e profeta da periferia
Na Bíblia (Primeiro Testamento), podemos distinguir três tipos ou
categorias de profetas.
1. Profetas da corte. São os profetas que estão a serviço do rei e são pagos
pelo serviço. São uma espécie de conselheiros, que consultam a Deus a res-
peito dos desejos e projetos do rei. Por exemplo: se o rei deve entrar em uma
guerra, se Javé vai estar a seu favor, se vai vencer etc. Normalmente, esses
profetas fazem o prognóstico a favor dos interesses do rei. Sabem que, se não
o fizerem assim, perderão o emprego. É o caso, por exemplo, do profeta Natã,
a serviço do rei Davi (2Sm 7, 1-17;1Rs 1,11-26); dos 400 profetas reunidos
pelo rei Josafá para aconselha-lo se deveria atacar Ramot de Gilead ou não,
uma vez que o profeta Miqueias, filho Jemla, sempre profetizava contra ele
(1Rs 22,5-9). Ou ainda aqueles denunciados pelo profeta Miqueias, quando
diz: “Seus juízes julgam por suborno, seus sacerdotes ensinam por salário e
seus profetas vaticinam por dinheiro” (Mq 3,11).
2. Profetas do centro. São profetas da cidade, vivem no templo, alguns são
sacerdotes, que estão a serviço do templo e também da corte e do rei. São
14
A Profecia nas Origens e suas Recepções
respeitados pela sua sabedoria, mas, no final, comem da mão do rei. É o caso,
por exemplo, do Primeiro Isaías, cuja vocação ele recebe no templo (Is 6); do
profeta Ezequiel, que é sacerdote (Ez 1,2). É claro que eles podem chegar
a defender os interesses do povo, como se vê, por exemplo, na denúncia
do profeta Isaías contra a opressão (Is 10,1-2). Mas, dificilmente propõem
mudanças estruturais, pois dependem do templo. Evidentemente, pode haver
grupos internos que se diferenciam um do outro, com posicionamentos e
atitudes mais ou menos comprometidos com as necessidades do povo.
Em geral, em nossos dias, é com os membros desse grupo que poderiam
ser identificados os agentes pastorais, padres, pastores, pastoras pertencentes
de alguma forma a uma instituição religiosa, mas que lutam e sonham com
mundo mais fraterno e solidário.
3. Profetas da periferia. Como diz o título, estes profetas não vivem no
centro. Geralmente, vivem no campo e trabalham a terra. Podem viver em
comunidades, como é o caso da comunidade de profetas de Eliseu. Essa co-
munidade de profetas deixou um testemunho de organização solidária muito
bonito. O livro de Segundo Reis relata alguns episódios desta comunidade
exemplar. Um é o da viúva endividada (2Re 4,1-7), que por causa de uma dívida
corre o risco de ver seus filhos serem vendidos como escravos pelo credor. A
comunidade se organiza e todos ajudam com doações que permitem à viúva
saldar sua dívida. Outro episódio é o da sopa milagrosa (2Rs 4,38-41), quando,
devido à fome que reinava na região, alguém da comunidade acabou fazendo
uma sopa com verdura imprópria, que quase envenenou toda a comunidade.
Um terceiro episódio é o da multiplicação dos pães das primícias (2Rs 4,42-44),
trazidos por um homem de outro vilarejo para a comunidade faminta. Eram
apenas vinte pães, mas que foram partilhados e saciaram a fome de toda a
comunidade, que era formada por cerca de cem pessoas.
Essas comunidades de profetas têm tradição de serem muito críticas aos
sistemas de governos monárquicos, que para a sua manutenção exploravam os
camponeses. É o que se pode ver, por exemplo, na comunidade de profetas
de Anatot, na região de Benjamin, da qual era oriundo o profeta Jeremias (Jr
1,1; 32,6-15; 37,12) e para a qual foi exilado o sacerdote Abiatar, que fazia
oposição a Salomão (2Rs 2,26). Temos, ainda, outras referências a esse tipo
comunidades, como é o caso da comunidade de profetas que vivia em Gabaá,
também no território de Benjamin (1Sm 10,9-12).
Mas, também existem profetas da periferia independentes, como parece
ser o caso de Amós, Oseias, Miqueias, Sofonias etc. Evidentemente, atrás de
15
O profeta e a literatura profética
suas denúncias e de seus oráculos, sempre tem uma comunidade. De uma
ou outra forma, a voz desses profetas é a voz de uma comunidade, é um
clamor coletivo. Eles costumam ser chamados de “vidente” (ro’eh); “homem
de Deus” (ix haelohim); e, às vezes, também de “profeta” (nabii). Podem ser
comparados, em alguns casos, aos nossos xamãs, aos videntes populares, aos
pais e mães de santo etc.
Normalmente, são vistos nos portões das cidades e nas praças públicas,
denunciando a opressão e rogando praga sobre o rei, sobre as elites dominan-
tes, sobre os juízes, sobre os sacerdotes e sobre os profetas oficiais. Pode-se
imaginar um Amós gritando no portão da cidade: “Javé vai enviar fogo sobre
Judá e ele devorará os palácios de Jerusalém” (Am 2,5).
Uma forma de distinguir esse grupo de profetas dos dois grupos ante-
riores é ver se o rei recorre a eles, quando necessita. Por exemplo, o rei nunca
vai recorrer a um Amós para lhe pedir conselhos. A partir desse princípio,
pode-se questionar se a profetisa Hulda (2Rs 22,14) era da periferia, uma vez
que o rei Josias mandou consultá-la. Ainda que ela morasse na cidade nova,
que foi a área para onde Jerusalém se expandiu com a chegada da grande
massa de migrantes vindos do Norte, após a queda de Samaria.
A misericórdia profética (ḥēsēd)
Ajuda-nos a compreender melhor quem é o profeta e sua mensagem
quando estudamos a fundo determinados conceitos utilizados por ele. Esta
é, particularmente, a tarefa do exegeta. É uma forma dele (do exegeta) ser
uma pequena extensão do profeta, dando eco à sua voz. E eu gostaria de me
ater à expressão ḥēsēd, que traduzo por “misericórdia”.
Tércio Siqueira (texto em elaboração) prefere a palavra “bondade”. Mas,
eu acho que devemos insistir com a palavra “misericórdia” porque ela é uma
palavra muito utilizada em nossas Igrejas e pastorais. E seu verdadeiro senti-
do precisa ser resgatado. Por exemplo, na Igreja Católica Apostólica Romana
(ICAR), o Papa Francisco, com a recente bula papal, Misericordiae vultus (“Rosto
da misericórdia”), proclamou o ano de 2016 (08/12/15-20/11/16) como “o
ano da misericórdia”. E, por isso, muito se tem refletido e falado sobre o signi-
ficado da misericórdia. Considero que seja importante oferecer, também, nossa
contribuição a partir de como os profetas entendiam o significado de ḥēsēd.
16
A Profecia nas Origens e suas Recepções
O que se entende por misericórdia? 
A palavra “misericórdia” vem do latim: miseratio (compaixão) + cor-
dis (coração). É a junção de duas palavras, que podem ser entendidas lite-
ralmente por “coração compadecido”. Ou, ainda, miserere + cordis: “ter o
coração com os miseráveis”. Portanto, na sua raiz etimológica, “misericórdia”
é um conceito sociológico, que reporta uma atitude solidária.
Mas, nós sabemos que a linguagem é viva. Os sentidos das palavras mu-
dam com o passar do tempo. Algumas perdem força, outras ganham força.
Por exemplo, entre tantos, a palavra hebel – que nossas Bíblias traduzem por
“vaidade” – particularmente no livro do Eclesiastes, que é o livro que mais
utiliza essa expressão (KAEFER, 2016, p. 121), é completamente negativa.
Hebel se refere a alguém ou a algo superficial, sem consistência, sem profun-
didade, vazio, que passa sem deixar marcas, assim como a névoa. Na verdade,
esse é o significado original de “vaidade” e, por isso, é a tradução correta de
hebel. Contudo, “vaidade”, no português corrente, pode ter conotação positiva.
Tem pessoas que gostam de se definir como “vaidosas”. Também podemos
dar um exemplo do nosso cotidiano político e que estamos cansados de ouvir.
Atentemos, por exemplo, para o tratamento “vossa excelência”, utilizado cons-
tantemente no meio político entre deputados, senadores, juízes e ministros. O
tratamento “vossa excelência” se tornou hoje sinônimo de ladrão. Você, caro
leitor ou leitora, certamente se ofenderia se fosse tratado ou tratada assim.
Enfim, como se entende comumente, no dia a dia, a palavra misericórdia
ou o ato de ser misericordioso.
Como o Dicionário Aurélio define misericórdia?
O Aurélio apresenta quatro definições para misericórdia:
1. Compaixão suscitada pela miséria alheia.
2. Indulgência, graça, perdão.
3. Antigo punhal que os cavaleiros traziam do lado direito e com que
matavam o adversário derribado, a menos que este pedisse por misericórdia.
4. Grito de quem pede compaixão, piedade ou socorro.
Parece-nos que a compreensão mais comum, em nossos dias, é a se-
gunda definição do Aurélio: “Misericórdia como uma indulgência, graça e
perdão”. Basta mencionar a expressão que toda pessoa já deve ter ouvido:
“Que Deus tenha misericórdia de sua alma” (Miserere mei, Deus: “Misericórdia
de mim, Deus”).
17
O profeta e a literatura profética
É provável que muitos entendam assim a proclamação do “ano da mise-
ricórdia” do Papa Francisco, ou seja, como um ano para receber indulgências.
Um ano de receber o perdão dos pecados. Não é assim que a Bíblia define
ou utiliza a palavra misericórdia.
A misericórdia (ḥēsēd) no
livro do profeta Oseias
A raiz de ḥēsēd, palavra que em português é comumente traduzida por
misericórdia, aparece 255 vezes na Bíblia hebraica. Nos livros proféticos,
ela aparece oito vezes no livro do profeta Isaías, das quais, quatro vezes no
Dêutero-Isaías (40,6; 54,8.10; 55,3), três no Trito-Isaías (57,1; 63,7 (2x)), e
só uma vez no Primeiro Isaías (16,5). Seis vezes no livro do profeta Jeremias
(2,2; 9,23; 16,5; 31,3; 32,18; 33,11); três vezes no livro de Lamentações (3,22
e 332 (2x)); duas vezes em Daniel (1,9; 9,4); seis vezes em Oseias (2,21; 4,1;
6,4; 6,6; 10,12; 12,7) – que iremos analisar mais detalhadamente adiante; uma
vez em Joel (2,13); duas vezes em Jonas (2,9; 4,2); três vezes em Miqueias (6,8;
7,18; 7,20); e uma vez em Zacarias (7,9). Na absoluta maioria das vezes, ela
aparece no livro dos Salmos (SILVEIRA, 2016, p. 32-44). Portanto, nos livros
proféticos ḥēsēd é mais usada em Oseias, Jeremias, Dêutero e Trito Isaías e
Miqueias. Ou seja, para quem conhece os livros proféticos, já é possível ter
uma aproximação ao significado de ḥēsēd. Todos estes profetas pertencem ao
grupo que acima definimos como “profetas da periferia”.
Na Bíblia, muitas expressões ou conceitos são utilizados de diferentes
maneiras, com diferentes sentidos. Como a Bíblia foi escrita por muitas mãos
e em diferentes períodos e contextos históricos, a forma que um autor de um
livro bíblico usa um verbo ou substantivo às vezes pode diferir bastante da
forma como outro autor o utiliza. Aí os dicionários não ajudam muito, pois
estes sempre apresentam o sentido genérico da palavra analisada. Por isso,
para nos aproximarmos melhor do sentido ou significado que uma palavra tem
para determinado autor de um livro bíblico, precisamos recorrer à exegese. E,
nesse caso particular, ao estudo semântico da palavra. Como fazemos isso?
Analisando o campo semântico de onde o autor emprega determinado conceito.
Avaliemos, então, como é empregada a palavra ḥēsēd no livro do pro-
feta Oseias 2,21; 4,1; 6,4; 6,6; 10,12 e 12,7.
Em 2,1, o autor emprega ḥēsēd, “misericórdia”, para falar do amor de
Javé para com o seu povo, no intuito de resgatar o amor da sua vida. É Javé
quem está falando para a sua amada, o povo de Israel, e diz assim:
18
A Profecia nas Origens e suas Recepções
“Eu te desposaria para mim para sempre. E te desposarei para mim com justiça
e com direito, e com misericórdia e com compaixões”.
Portanto, aqui a ḥēsēd, “misericórdia”, está associada à “justiça” (ṣedeq),
ao “direito” (mišᵉpat) e à “compaixão’ (raḥǎmîm). Assim, ḥēsēd é sinônimo
de cuidado integral da pessoa, no caso, do povo. Significa dar amor, proteção,
garantia de seus direitos, tratamento justo e compassivo.
A passagem seguinte do emprego do conceito ḥēsēd em Oseias está
em 4,1-2:
“Escutem a palavra de Javé, filhos de Israel, pois Javé contenda com os habitantes da
terra, porque não há fidelidade, nem misericórdia, nem conhecimento de Deus na terra.
Perjurar, mentir, assassinar, roubar e adulterar transbordam. Sangue derramado em sangue
derramado se juntam”.
Aqui temos uma denúncia muito forte do profeta. A terra, o país, está
cheio de perjúrio, mentira, assassinato, roubo e adultério. “Sangue derramado
se junta a sangue derramado”. E não há fidelidade, não há ḥēsēd, não há
conhecimento de Deus. Parece que o profeta chegou ao seu limite. Imagi-
nemos a cena: Oseias parado junto ao portão da cidade gritando tudo isso.
Como podemos ver, ḥēsēd apresenta aqui o mesmo campo semântico
do verso anterior, só que muito mais intenso e abrangente. A veemência da
denúncia de violência e injustiça social que o profeta faz aqui é praticamente
única em intensidade na Bíblia. Por causa disso, Javé vai contender com os
responsáveis e abrir um processo contra eles.
As duas ocorrências seguintes se encontram no mesmo contexto lite-
rário, 6,4.6:
Que farei contigo Efraim? Que farei contigo Judá? Pois tua misericórdia é como névoa da
manhã e como o orvalho que se cedo vai... Porque é misericórdia que desejo e não sacrifício,
e conhecimento de Deus e não holocaustos”.
Aqui é novamente Javé quem fala, interpelando Israel e Judá, porque a
prática da justiça, a ḥēsēd, não existe ou é como névoa, que logo desaparece,
é apenas aparência. A denúncia também revela que, por parte dos dirigen-
tes do povo, existe uma exagerada preocupação com o culto, sacrifícios e
holocaustos (DE SOUZA; AUGUSTA, 2016, p. 97-110). O curioso é que a
interpretação comum de misericórdia em nossos dias, enquanto alcance de
19
O profeta e a literatura profética
indulgência ou perdão dos pecados, é obtida por meio de sacrifícios e holo-
caustos (VITÓRIO, 2016, p. 71-84), o que é condenado nesta passagem. Ou
seja, misericórdia e holocaustos são antagônicos para Oseias.
Parece que esta passagem de Oseias era bastante conhecida por Jesus e,
por extensão, pelas primeiras comunidades cristãs. Em certa ocasião, numa
ceia na casa de cobradores de impostos e pecadores, Jesus entra num embate
com os fariseus por causa dos rituais de purificação. É, então, que ele cita
literalmente para os seus oponentes este verso de Oseias: Éleos thelō kai oü
thüsian “Misericórdia quero e não sacrifício” (Mt 9,13). Ou seja, as primeiras
comunidades cristãs tinham uma particular preocupação com o tipo de ritos e
sacrifícios que deviam praticar, especialmente a comunidade de Mateus, cujo
evangelho cita literalmente duas vezes esse verso (Mt 9,13 e 12,7).
O quinto uso de ḥēsēd no livro de Oseias ocorre em 10,12:
“Semeiem para vocês a justiça e vocês colherão frutos de misericórdia. Arai
para vocês um terreno sem arar, pois é tempo para buscar a Javé, até que venha
e derrame justiça sobre vocês”.
Aqui não está claro se é Javé quem está falando ou se é o profeta. Em
todo caso, há uma forte interpelação do profeta, em nome de Deus, junto
às autoridades, para que pratiquem/semeiem justiça e, então, colherão mi-
sericórdia.
Novamente, a misericórdia está ligada à prática da justiça, repetida duas
vezes. Uma leva à outra. Quem semeia justiça (ṣedeq), colherá misericórdia
(ḥēsēd). Quem busca a Javé, receberá a justiça (ṣedeq).
A sexta e última vez em que ḥēsēd é usada em Oseias é em 12,7:
“Mas tu, a teu Deus voltarás, misericórdia e direito guarda, e espere em teu Deus sempre”.
Aqui já estamos na conclusão do livro, uma espécie de orientação final:
voltar para Deus e guardar a ḥēsēd e o direito (mišᵉpat). Como se pode
ver, também aqui encontramos a misericórdia (ḥēsēd) junto com o direito
(mišᵉpat). Ou seja, a última referência mantém o campo semântico das re-
ferências anteriores.
Portanto, para o profeta Oseias, misericórdia é um conceito sociológico,
que tem relação muito estreita com a prática da justiça e do direito, em defesa
das pessoas mais vulneráveis socialmente. É uma questão de solidariedade
20
A Profecia nas Origens e suas Recepções
(XAVIER, 2015, p. 453) com os marginalizados da sociedade. Outro aspecto
a salientar é que, para Oseias, misericórdia (ḥēsēd) é uma palavra que vem de
Javé, é sempre Javé quem está falando, ou está associada a ele. É uma palavra
ou uma preocupação própria de Javé, por isso sagrada. Curiosamente, apesar
de haver mãos diferentes na composição do livro de Oseias, o conceito de
ḥēsēd foi mantido por todas elas.
Com isso, deveríamos também rever o uso da palavra misericórdia no
Segundo Testamento (NT). Como, por exemplo, quando ela é empregada
nas “bem-aventuranças” de Mateus, quando Jesus fala aos apóstolos e ao
povo, e a nós, hoje:
Mt 5,7: Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.1
Dada à sua importância para a linguagem profética, com o tempo, a
ḥēsēd dos profetas vai adquirindo novos significados, como “fidelidade”,
“lealdade” e sendo associada à lei ou ao cumprimento dela. Passa, então, a
ser um conceito por excelência de grupos ligados ao templo e à lei. De aí que
surge o grupo denominado de “assideus” ou hassidim, no hebraico, um grupo
ou partido religioso que se autodenominava fiel e leal à lei (1Mac 2,42; 7,13;
14,6). Esse grupo era muito próximo dos macabeus, e parece ter lutado ao
seu lado na guerra contra Antíco IV Epífanes. Ao que se sabe, do grupo dos
assideus surge, mais tarde, o grupo dos fariseus. É possível, também, que a
comunidade de Qumrã tenha sido remanescente desse grupo.
Análise libertadora da literatura profética
A partir da recuperação do significado de ḥēsēd nos profetas, eu vejo
também a necessidade de um resgate mais amplo de toda literatura profé-
tica, no que diz respeito à leitura contextualizada dos livros proféticos. Ou
seja, não só a necessidade da centralidade da literatura profética em nossos
centros acadêmicos e projetos eclesiais e pastorais, mas a forma como se
faz a abordagem da literatura profética. Se não se tem um olhar sociológico,
dificilmente se entenderá o que é misericórdia para os profetas e nem se
entenderá os próprios profetas.
1
	 De aí se estende o significado de misericórdia (Eleos) para outras passagens do NT, como
no Magnificat de Maria (Lc 1,50) e no Benedictus de Zacarias (Lc 1,72) ou ainda para Lc
6,36: “Sede misericordiosos, como vosso pai é misericordioso”.
21
O profeta e a literatura profética
Como diz Mircea Eliade, “é sempre numa certa situação histórica que
o sagrado se manifesta. Até as experiências místicas mais pessoais e mais
transcendentes sofrem a influência do momento histórico” (ELIADE, 2002,
p. 9). A partir disso, tem lugar a seguinte pergunta: Se tirássemos Jesus de
seu contexto histórico, ele ainda seria Jesus? Nós não temos o domínio so-
bre os mistérios de Deus, mas é praticamente impossível conceber Jesus de
Nazaré fora do ambiente messiânico-judaico da Palestina de dois mil anos
atrás. Ou seja, Jesus não seria esse Jesus que nós conhecemos fora do seu
ambiente histórico.
Com isso se reafirma que o profeta é fruto do seu tempo. Tirá-lo de
seu contexto é tirar a sua identidade. Por isso, ele deve ser lido dentro de
seu contexto histórico e literário para ser compreendido. Evidentemente,
um texto sempre é interpretado a partir do contexto particular, cultural e
histórico do leitor e da leitora. Não é possível fazer uma interpretação isenta
dessa influência. Contudo, é somente com o domínio da identidade, pelo
menos aproximada, do profeta em seu contexto histórico que sua mensagem
pode ser interpretada e atualizada para épocas e contextos distintos. Sem
esse conhecimento prévio, pode-se até tentar, mas não será a mensagem
do profeta que será atualizada.
Leitura sincrônica e leitura diacrônica
As palavras são manipuladas. Elas perdem ou ganham força dependendo
da boca de quem as pronuncia. Na Bíblia também é assim.
Desde a crise da teoria das fontes, na década de 1980, surgiram vários
métodos de leitura bíblica. Nos últimos anos, uma forte tendência é a con-
centração do estudo do texto na sua forma final, unida à leitura canônica
(KAEFER, 2014, p. 123-124). Tomemos como base a pesquisa da história da
redação dos livros proféticos, que se divide em três fases (SCHMID, 2010,
p. 388-400).
A primeira fase situa-se no século XIX e início do século XX. Nesta
etapa, em geral, considerava-se que os escritos remetiam literalmente aos pro-
fetas históricos. É o que comumente se denomina por leitura fundamentalista.
A segunda fase situa-se a partir da metade do século XX, quando se
começa a falar mais insistentemente em redações ou camadas. Ou seja, haveria
no texto unidades ou perícopes que rementem aos profetas históricos, sendo
testemunhos autênticos desse ou daquele profeta. E partes ou unidades que
22
A Profecia nas Origens e suas Recepções
seriam redações acrescidas, muitas vezes carregadas de ideologias do poder
dominante, da corte e do templo. Chegou-se, em muitos casos, ao exagero
de seccionar o texto em múltiplas partes, multiplicando-se as fontes. Evi-
dentemente, o valor maior e mais buscado recaía sobre a parcela que possi-
velmente remitia ao profeta originário. O problema era que, em não poucos
casos, algumas unidades que por uns eram remetidas ao profeta original, por
outros eram atribuídas a uma redação posterior, o que, obviamente, resultava
numa enorme confusão para o leitor ou leitora.
A terceira fase surge no final do século XX e se intensifica no prin-
cípio do século XXI. Esta análise volta seu olhar para a redação final e o
conjunto da obra. Enquanto as duas primeiras se interessam pelo profeta,
aquilo que ele disse e na autenticidade do texto, a terceira se preocupa com
a forma conjunta do texto. De maneira genérica, pode se dizer que as duas
primeiras estão mais voltadas para o conteúdo – quem foi que disse, quando,
onde e para quem –, enquanto a terceira está mais interessada na forma e
na estética do texto.
Os argumentos a favor desse modelo (SCHMID, 2010, p. 392.) partem
do princípio de que a profecia, assim como os demais livros bíblicos, é o
resultado de um longo processo coletivo que resultou no livro. Os redatores
subsequentes também estariam no mesmo plano do profeta, ou seja, também
seriam profetas, uma vez que tiveram a capacidade de reinterpretar e inovar a
profecia e de incluir uma nova mensagem também entendida como profecia.
Nesse sentido, os escribas também seriam profetas. Tanto que, alguns livros
proféticos podem ser atribuídos integralmente a escribas, como no caso dos
livros de Malaquias e Jonas. Assim, já não haveria mais profeta autêntico no
Primeiro Testamento, uma vez que as palavras do profeta, a tradição oral,
foram postas por escrito e as redações posteriores de pequenas unidades ou
frases já são interpretações. O crescimento literário dos livros proféticos po-
deria ser comparado a uma “floresta incontrolável” ou uma avalanche sempre
crescente, em que não seria possível distinguir camadas menores ou maiores.
Não pensamos assim. Primeiramente, não há como negar a existência de
camadas maiores ou menores nos livros bíblicos. Apenas para citar algumas:
Como negar as diferenças das tradições na narrativa da história de Abraão,
Isaac e Jacó, presentes no livro do Gênesis ou da história de José, que é
claramente uma unidade que foi acrescida tardiamente ao livro de Gênesis?
Ou, no caso dos livros proféticos, nosso objeto, como não perceber a di-
ferença dos capítulos 40-48 do profeta Ezequiel – nos quais se encontra o
23
O profeta e a literatura profética
fundamento da teocracia do pós-exílio –, dos demais capítulos do livro? Ou
o apocalipse de Isaías, capítulos 24-27, que não pode ter sido escrito antes
do século V da nossa era?
Perdas do estudo bíblico sem contexto
É evidente que há contribuições da leitura sincrônica que podem ajudar,
em muito, na análise dos textos bíblicos. No entanto, o estudo que permanece
somente no nível sincrônico pode resultar em sérias perdas para a pesquisa
bíblica. Elencamos algumas:
a)	Ignorar o contexto, tanto da formação oral da profecia quanto
do redator. Por mais difícil que possa ser, entendemos que, para a
compreensão do conteúdo, é fundamental buscar situar o texto em
seu contexto. Sem contexto, a profecia perde a força da denúncia.
Tirar o contexto e a identidade do profeta é uma forma de matar
o profeta outra vez.
b)	Igualar todos os profetas, não importando se é da periferia ou do
centro, do campo ou da corte e do templo.
c)	 Colocar o mesmo peso numa denúncia contra a opressão dos po-
bres e numa preocupação com o cumprimento da lei que favorece
o templo e o palácio.
d)	 Privilegiar a forma e relativizar o conteúdo. Entendemos que a
forma é importante por causa do conteúdo, que é o que deve ser
o objeto final da pesquisa.
e) Evitar a leitura crítica da Bíblia.
f)	Tirar a importância da exegese.
Um estudo bíblico sem contexto coloca o mesmo peso em uma denúncia
contra a exploração dos pobres e uma preocupação com o cumprimento da
lei que favorece o templo e o palácio e oprime o pobre. É diferente quando
um Chico Mendes ou Marina Silva falam de sustentabilidade e quando Re-
nan Calheiros ou José Sarney ou ainda a Vale falam de sustentabilidade. O
Deus do profeta e o Deus do rei não são os mesmos. É diferente quando
um José Comblin fala de Jesus e quando um candidato à presidência dos
EUA fala de Jesus.
É verdade que a hermenêutica permite atualizar o conteúdo bíblico, e
está aí uma das grandes riquezas e diferenças da mensagem bíblica em relação
24
A Profecia nas Origens e suas Recepções
à outra literatura, mas esse conteúdo nunca perde suas raízes. Se as perder,
deixará de ser relevante. Ou seja, o Evangelho, assim como as palavras de um
profeta, é importante porque foi Jesus ou o profeta quem disse, dentro de
seu contexto e em seu tempo. Se colocarmos esse mesmo conteúdo na boca
de uma pessoa do nosso tempo, como sendo de sua autoria, esse conteúdo
certamente perderá relevância. Por isso, a mensagem bíblica é atualizada,
reinterpretada, mas não mudada.
Na América Latina, aprendemos a ler a Bíblia a partir da periferia para
o centro. Como todo texto é um produto da sua época, carregado de teor
social, religioso, econômico, literário, de gênero etc., ele traz em suas letras
a marca, tanto da classe dominante, como da classe dominada da sociedade
que o produziu. O estudo bíblico na América Latina e Caribe se “especiali-
zou” em resgatar os valores culturais dos empobrecidos, seus sonhos e suas
lutas, que se encontram nas entrelinhas do texto bíblico. A literatura profé-
tica, excepcionalmente, traz um subsídio enorme para essa leitura. Por isso,
nenhum estudo sério da literatura profética, nenhum plano de aula, deveria
olvidar a abordagem sociológica. Senão, como se poderia dar eco a palavras
como as de Miqueias ou Amós, para citar algumas:
Mq 2,1-2:
Ai dos que pensam iniquidade e tramam maldade em seus leitos, e o executam à luz da
manhã, porque têm o poder em suas mãos. Se cobiçam campos, eles se apropriam deles, e se
casas, eles as tomam. E oprimem o varão e sua casa, a pessoa e sua herança.
Mq 3,1-3:
....Escutem agora chefes de Jacó e magistrados da casa de Israel. Não cabe a vocês conhecer
o direito? Vocês que odeiam o bem e são amantes do mal, que arrancam do meu povo a
pele e a carne de seus ossos. Que comem a carne do meu povo e lhe arrancam a pele. Vocês
lhe quebram os ossos, como para o caldeirão, e lho cortam como carne para a panela.
Mq 3,9-10:
Agora escutem isto, chefes da casa de Jacó e magistrados da casa de Israel. Vocês que
desprezam o direito e pervertem tudo o que é reto. Vocês que edificam Sião com sangue e
Jerusalém com iniquidade.
Am 6,1.4-6:
Ai dos que vivem tranquilos em Sião e dos que estão seguros no monte de Samaria...
Ai dos que dormem em camas de marfim, e se estendem sobre os seus leitos, e comem
os cordeiros do rebanho, e os novilhos do meio do curral; Que cantam ao som da har-
pa, como Davi, e inventam para si instrumentos musicais; Que bebem vinho em ta-
ças e se ungem com o mais fino dos óleos, mas, não se preocupam pela ruína de José.
25
O profeta e a literatura profética
Am 8,4-6:
Ouvi isto, vocês que pisoteiam o necessitado para fazer desaparecer o pobre da terra. Vocês
que dizem: quando passará a lua nova, para vendermos o grão, e o sábado, para negociar-
mos o trigo, para diminuir a medida e aumentar o preço e enganar com balanças falsas?
Para comprar com dinheiro os pobres, o necessitado por um par de sandálias e vendermos
o refugo do trigo?
Referências
DE SOUZA, Neusa Silveira; AUGUSTA, Maria de Lourdes. “Eu quero misericórdia e não sacrifício”
(Os 6,6). In: Estudos bíblicos, n. 129. Petrópolis: Editora Vozes, 2016, p. 97-110.
ELIADE, Mircea. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 7-38.
KAEFER, José Ademar. Coélet e a Idolatria ao Dinheiro: Um Estudo do Eclesiastes.
Saarbrücken, Deutschland: Novas Edições Acadêmicas, 2016.
_____. Hermenêutica bíblica: Refazendo caminhos. In: Estudos de Religião, vol. 28, n.1. São
Bernardo do Campo: UMESP, 2014, p. 115-134.
SCHMID, Konrad. A formação dos últimos profetas (história da redação). In: RÖMER, T.; MAC-
CHI, J.-D.; NIHAN, C. (orgs.). Antigo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo:
Loyola, 2010, p. 388-400.
SILVEIRA, Rogério Goldini. “Porque para sempre é a misericórdia dele”: Hesed do Senhor no Sl
136. In: Estudos Bíblicos, n. 130. Petrópolis: Editora Vozes, 2016, p. 32-44.
SIQUEIRA, Tércio Machado. O conceito de hesed, “solidariedade”, “bondade”, no Antigo Testamento
(texto em elaboração).
VITÓRIO, Jaldemir. O culto desagradável a Deus: A denúncia profética da falsa religião em Is
1,10-20. In: Estudos bíblicos, n. 129. Petrópolis: Editora Vozes, 2016, p. 71-84.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UnB, 1991.
XAVIER, Suely. Sobre opressão e violência versus solidariedade e direito! Uma leitura de Os 12,2-11.
In: Estudos Bíblicos, n. 128. Petrópolis: Editora Vozes, 2015, p. 445-457.
27
A espiritualidade no Antigo Testamento
*	 Doutor em Ciências da Religião, presbítero da Igreja Metodista, docente aposentado da
Escola de Teologia e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo.
Tércio Machado Siqueira*
Inicialmente, devo confessar que a intenção deste artigo é muito preten-
ciosa, já que este tema é amplo e difícil de ser analisado. Todavia, a espiritu-
alidade faz parte da história da religião do povo israelita, contada no Antigo
Testamento (AT). É bem verdade que a monarquia levou Israel a perder boa
parte de sua identidade de fé, seja no âmbito político, seja no âmbito social.
Por esta razão, um estudo sobre a espiritualidade do povo de Israel requer
uma análise da religião dos israelitas nos seguintes períodos: tempo do tri-
balismo, anterior à monarquia; período da monarquia, entre Davi e Sedecias
(século X aC ao início do século VI aC); e período após o exílio babilônio.
Evidentemente, esta divisão em quatro períodos não é suficiente para obter
esclarecedoras conclusões. Todavia, ela pode trazer bons elementos para o
esclarecimento deste tema no Novo Testamento.
Sobre o tema da “espiritualidade”, quero fazer uma referência ao impor-
tante artigo de meu professor Rolf Knierim (1995). A minha intenção neste
trabalho, ao contrário do estudo de Knierim, é pesquisar, individualmente,
a espiritualidade presente em quatro grupos, ao longo da história da religião
de Israel, em tempos do Antigo Testamento.
A religiosidade no período tribal
As descobertas arqueológicas têm mostrado que os primeiros sinais do
estabelecimento dos israelitas, em Canaan, não foi no Sul, Reino de Judá,
mas na região Norte, o conhecido Reino do Norte. É nessa região que a
28
A Profecia nas Origens e suas Recepções
arqueologia tem encontrado sinais das primeiras comunidades israelitas
(FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).
A espiritualidade dos membros da primeira comunidade de israelitas,
em terras de Canaan, é encontrada na família. Aqui, é importante revelar que
a família, dentro dessa cultura, estava estreitamente ligada ao conceito de
povo, pois a religiosidade pessoal é oriunda da família ou “casa do pai”, que
Winfried Thiel (1988) chama de bet ’ab. É bem verdade que Israel pretendeu
formar uma nova sociedade onde o amor, bondade e a solidariedade fizessem
parte do projeto de vida e convivência para a nova sociedade. É evidente que
Israel não fez tudo isso por acaso, mas o povo da Bíblia tinha dois modelos
em vista: o primeiro foi a cultura religiosa dos povos do antigo Oriente Médio,
que passou para Israel práticas de vivência humana com base na família, em
especial. O segundo modelo foi uma influência inversa, isto é, uma reação às
práticas políticas e religiosas do Egito, conforme as informações reveladas pelas
cartas de Tell el-Amarna (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003, p. 148-149).
A religião de Israel tem como base a promessa que Javé fez ao povo
hebreu de libertá-lo da escravidão do Egito e conduzi-lo a Canaan (cf. Êx
1–18). Essa promessa foi confirmada no Monte Sinai, onde Deus fez seu
povo conhecer todas as suas leis e preceitos (cf. Êx 19–Dt 34). Os editores
do Pentateuco, apesar das muitas inserções ao longo da história, mantiveram
alguns elementos próprios da religiosidade do antigo Israel: a espiritualida-
de da família (cf. Dt 6,4-9). Podemos observar que essa espiritualidade se
estende à responsabilidade social (cf. Dt 6,20-25). A criança e a família são
colocadas no cenário das decisões e projetos do povo, constituindo-se uma
figura importante na sociedade.
Ainda falando da religiosidade familiar, não podemos nos furtar de
mencionar a religiosidade que encerra os nomes próprios. É certo que a
escolha dos nomes próprios pertence ao âmbito da família. Assim, não é
mera casualidade encontrar, na história bíblica, nomes teofóricos. Nomes
contendo as inscrições “El” (Ezequiel, Deus dê força) ou “Yah” (Josafá, Javé
julga; Josias, Javé é salvação) revelam a afinidade com Deus e, ao mesmo tempo,
uma forma de declarar a fé nele. Enfim, eles testemunham a fé no Deus que
continua agindo na história.
A religiosidade pessoal entre os profetas
As melhores informações sobre a religiosidade dos profetas vêm de
suas atividades junto aos agrupamentos de onde eles têm origem. Sabemos
29
A espiritualidade no Antigo Testamento
que os profetas, especialmente os do Reino do Norte, surgiram de grupos
de videntes estáticos, mas mantiveram vínculos com a religiosidade da casa
paterna. Eliseu, no século IX aC, é o exemplo claro que o AT apresenta. Ele
conta que Eliseu reuniu, junto a ele, discípulos que participavam de sua obra
(1Rs 19,19-21). O texto revela que esses discípulos participavam de sua ativi-
dade carismática e conviviam com a simplicidade e a pobreza (2Rs 4,38-44;
6,5; 9,1). Não só Eliseu, mas o profeta Isaías, um século depois, dá sinais da
religiosidade familiar: ele faz menção de um círculo de discípulos que fazia
parte de sua prática profética: Conserva fechado o testemunho, sela a instrução entre
os meus discípulos (Is 8,16). Isaías cita expressamente os discípulos, os limundim,
que possuíam uma relação de proximidade, não só com a pregação, mas com
as práticas de vida e missão do mestre. Esse registro é significativo para a
história dos profetas, já que a religiosidade desses discípulos se dava nos
círculos proféticos de oposição aos reis.
Não só Isaías, mas outros profetas bíblicos sugerem a presença de gru-
pos em redor deles, participando dos mesmos propósitos do mestre. Hans
Walter Wolff (1969, p. 131-133) sugere que Amós possuía uma escola de
profetas em torno de si; a formação de pequenas perícopes do livro de Oséias
pode sugerir que, por trás dessa formulação literária e teológica, havia um
grupo de discípulos atuando junto ao mestre (Os 4–14); também Jeremias
possuía uma ampla retaguarda que o amparava em sua difícil missão. Explici-
tamente, o seu livro menciona a atuação do escriba Baruch (cf. Jr 36 e 45) e
os anciãos (Jr 26,17-18), que agiam como suportes à sua atividade profética.
O fato de constatar e mencionar a existência de círculos de discípu-
los em torno dos profetas não quer dizer que os discípulos só agiam nos
empreendimentos políticos. O círculo de discípulos constituía uma espécie
de comunidade cúltica na qual eles desfrutavam uma experiência pessoal de
fé que ajudava o profeta a manter-se firme na difícil missão (ALBERTZ,
1999a, p. 332-337). Assim, o círculo dos discípulos tinha muito a ver com a
religiosidade da família: ambos os grupos atuavam como suporte do javismo,
no subterrâneo da sociedade israelita.
A lamentação: herdeira da religiosidade familiar
A religião familiar nunca perdeu sua força junto ao povo israelita,
pois agiu no subterrâneo da sociedade como suporte do javismo. É certo
que a política dos reis e dos sacerdotes do templo de Jerusalém procurou
desvincular-se das formas primitivas da religião, porém a família, no secreto
da sociedade, conservou a substância de suas práticas. Isto fica claro no
30
A Profecia nas Origens e suas Recepções
período pós-exílio, quando o povo israelita perdeu toda a sua dependência à
teologia monárquica. Exilado, sem rei e sem terra, o povo volta-se para suas
práticas religiosas básicas. Evidentemente, a religiosidade familiar ganhou no-
vas formas de expressão. Primeiramente, ela se expandiu para a religiosidade
pessoal de lamentação (cf. Sl 3–7). Estas expressões de lamento possuem
um dado que vai além da queixa: são orações que expressam lamento pelo
sofrimento, mas afirmam sua confiança e esperança na resposta de Javé. Em
segundo lugar, a influência religiosa da família proporcionou o surgimento
dos cânticos de louvor e ação de graças (cf. Sl 46; 48; 76). Portanto, não é
difícil supor que o lamento e a ação de graças, tão presentes no período do
exílio e pós-exílio, foram um resgate do culto familiar feito pelo movimento
dos profetas. Certamente, a oração de lamento ajudou o povo no exílio a se
manter firme em sua difícil vivência nesse período de muita perda. Os salmos
de lamentação mostram a importância dessas orações na tarefa de consolar,
animar e enfrentar as enormes perdas humanas e materiais.
A religiosidade pessoal, assim, voltou a ser uma prática em comunidade
cúltica, de forma pública. Afora o culto familiar, o cuidado pastoral era restri-
to aos membros da família, no período do exílio e pós-exilio; os testemunhos
de religiosidade pessoal tornam-se populares, pois o sofrimento atingia uma
parte maior da sociedade.
O lamento pela perda do rei, da terra e de familiares se estendeu por
outros motivos. O livro de Salmos mostra cerca de quarenta composições
de lamento em que o motivo se diversifica: a queixa pelo exílio se estende,
especialmente, contra a atuação dos malfeitores, denominados rexaim, na co-
munidade (cf. Sl 10,2.15; 17,9.13) e instrui os celebrantes a evitar a maldade
(cf. Sl 37,10.17.28.34.38.40).
A espiritualidade da Torá
À medida que o tempo passava e os confrontos se multiplicavam no
âmbito sociorreligioso, os desafios levaram o povo a criar novas soluções
e declarações de fé. Assim ocorreu no século III aC, no início do Império
Grego. O povo judeu encontrava-se desarticulado e sem forças diante de mais
uma ameaça política e as consequências da ruptura com o povo samaritano.
Essa difícil situação enfrentada pelos judeus fez nascer um novo tipo
de teologia, algo próximo da piedade pessoal, expressa nos lamentos. Os
sábios da classe alta promoveram a teologia em torno da piedade da Torá.
A finalidade desse modelo de teologia era intensificar a busca dos ensinos
31
A espiritualidade no Antigo Testamento
divinos para obter a solução dos problemas de deserção e esfriamento da
fé. A cultura grega, com suas práticas contrárias aos princípios fé do povo
judeu, era uma ameaça à Torá.
O Salmo 1, na ordem bíblica, é o primeiro a ser o porta-voz da teologia
da piedade da Torá. O seu tema é o justo e a felicidade humana. O salmista
sábio usa a figura do malfeitor, raxa´, para caracterizar a sociedade perversa
do seu tempo. Para o autor do Salmo, a pessoa justa, sadiq, é o libertador da
sociedade. Ele exalta e caracteriza o justo como alguém criativo e produtivo
para o bem-estar da comunidade. Se o salmista promove a conduta do justo,
sadiq, como exemplo de solução para a sociedade, ele, também, desestimula
qualquer interesse pela conduta do raxa´, malfeitor.
Qual foi o interesse do compositor deste salmo e do movimento de
leitura piedosa da Torá? É sabido que a comunidade dos judeus estava de-
sorganizada, vivendo à mercê da política grega. O Salmo 19 segue, com os
Salmos 1 e 119, a mesma tradição de leitura piedosa da Torá. A data de sua
composição e o lugar vivencial se identificam com os dois outros salmos.
O salmista mostra duas grandezas, criadas por Deus, fundamentais para o
equilíbrio e a ordem do mundo: o sol (v. 2-7) e a Torá (v. 8-11).
Esse compositor usa de outra metodologia para definir a Torá, embora
não fugindo do princípio piedoso de tratar a Torá. Ele descreve a Torá de
duas formas: adjetivando e qualificando-a pelo que ela representa e faz na
comunidade. Por isso, os Salmos 19 e 119 mostram muitas afinidades.
mostra duas grandezas, criadas por Deus, fundamentais para o equilíbrio e a ordem do mundo: o
sol (v. 2-7) e a Torá (v. 8-11).
Esse compositor usa de outra metodologia para definir a Torá, embora não fugindo do
princípio piedoso de tratar a Torá. Ele descreve a Torá de duas formas: adjetivando e
qualificando-a pelo que ela representa e faz na comunidade. Por isso, os Salmos 19 e 119
mostram muitas afinidades.
A	Torá,	torah,	de	Javé																								é	perfeita							a	que	faz	voltar	a	vida,								
O	Testemunho,	‘edut,	de	Javé												é	fiel															faz	saber	o	ingênuo,	
As	Ordens,	pequdah,	de	Javé												são	retas								as	que	fazem	alegrar	o	coração,	
Os	Mandamentos,	misewah,	de	Javé					são	puros						o	que	faz	alumiar	os	olhos,	
O	Temor,	yir`ah,	de	Javé																				é	genuíno							o	que	permanece	para	a	eternidade,	
Os	Julgamentos,	mixepat,	de	Javé					são	verdades				são	justos	igualmente.			
																														Os	que	são	mais	agradáveis	como	ouro	
																																																																									e	como	ouro	muito	puro,	
																																																																									e											doçura	de	mel	
																																																																									e											mel	de	favos.		
O espaço que melhor abrigou a espiritualidade da Torá está na vontade de transferir para
a Torá a solução dos desafios que os judeus enfrentavam. A Torá não somente é perfeita, fiel,
reta, pura, genuína e verdadeira, mas ela produz nas pessoas vida plena, justa e eterna, sabedoria,
alegria, discernimento. Muito mais! A Torá é valiosa como o ouro depurado e é saborosa como o
32
A Profecia nas Origens e suas Recepções
O espaço que melhor abrigou a espiritualidade da Torá está na vontade de
transferir para a Torá a solução dos desafios que os judeus enfrentavam. A Torá
não somente é perfeita, fiel, reta, pura, genuína e verdadeira, mas ela produz
nas pessoas vida plena, justa e eterna, sabedoria, alegria, discernimento. Muito
mais! A Torá é valiosa como o ouro depurado e é saborosa como o mel de
abelha. Estas comparações são ricas e significativas. O salmista compara o valor
da Torá com o ouro depurado no fogo e sua consistência imperecível; também
compara com a doçura que os favos de mel contêm. Se o ouro é consistente
e imperecível, o mel é saboroso e portador de saúde para os seres humanos.
Assim, o autor do salmo 19 usa uma linguagem diferente daquela en-
contrada no célebre Código do rei Hammurabi, recheada de leis casuísticas,
cuja influência vem dos legisladores estrangeiros (cf. Lv 20,2-6; Dt 21,18-
21). O salmista, da tradição sapiencial, propõe ver as normas com o sabor
da doçura do mel.
Por fim, o Salmo 119, com seus 176 versos, amplia a definição dos
sábios sobre a Torá. Este salmo pertence à mesma tradição dos Salmos 1 e
19, mas mostrando mais afinidades literárias e teológicas com o segundo. As
razões para esta afirmação são claras, pois há muitos elementos que guar-
dam semelhanças: 12, 8b = 119,130; 12,9a = 119,137; 19,11 = 119,103.127.
Também os dois salmos usam palavras hebraicas afins: ´eqeb, “recompensa”
(Sl 19,12 e Sl 119,33.112) e xagah, “errar” (Sl 12,13 e Sl 119, 67.118). Além
disso, os dois salmos usam os mesmos substantivos como sinônimos de
Torá: ´edut, “testemunho”; misewah, “mandamentos”; pequdah, “decretos”;
yir`ah, “temor”; e mixepat, “julgamento”.1
Todavia, o padrão literário mostra
diferença na exposição dos argumentos que definem a Torá.
O conceito de Torá, encontrado nos Salmos 1, 19 e 119, não possui,
exatamente, a lei incluída no Pentateuco: não é aquela denominada “Torá de
Moisés”, e nem possui o sentido nomístico de lei. Estes três salmos acentu-
am a Torá com o sentido mais divino do que humano. Por isso, a pessoa que
a lê deve contemplar a Torá, nabat (cf. Sl 119,6.15.18) e xa´a´, deleitar-se na
sua leitura (119,16.47.70) e se ocupar com ela, siah (119,15.23.27.48,78.148),
e o Salmo 1 acrescenta o verbo meditar, hagah (v. 2).
Entendemos que o tratamento da Torá, nestes salmos, deve ser diferen-
ciado daquele que temos no Pentateuco: (1) a Torá dos Salmos 1, 19 e 119
1
	 O Sl 12 não usa os sinônimos hoq, estatuto; `imerah, promessa; sedeq, justiça e dabar, palavra,
enquanto o Sl 119 faz uso destes termos 20, 19, 13 e 22 vezes, respectivamente.
33
A espiritualidade no Antigo Testamento
não é um documento fixo em sua definição; (2) o conceito de Torá, nestes
salmos, tem uma compreensão mais ampla do que o legalismo da lei; (3) esta
duplicidade de conceito da Torá, certamente, está nas tradições que estão
por trás de suas formulações: tradição sacerdotal e tradição sapiencial. O
movimento sapiencial viu o projeto de Javé desvinculado da história e num
momento de grande crise para o povo judeu. Para os sábios, a comunidade
judia precisava da Torá para organizar e dar sentido aos seus passos, porém
o uso e a prática dessas instruções divinas careciam de um método novo no
seu uso. Assim os sábios propuseram.
O Salmo 19 afirma: A Torá de Javé é perfeita, é a que faz voltar a vida, nepex
(v. 8); enquanto isto, o Salmo 119 enfatiza que “viver”, hayah, é saber guardar,
ter prazer, não envergonhar desta esperança, discernir e louvar os ensinos
contidos na Torá (v. 17.77. 116.144.175). Por esta razão, o salmista insiste
com o pedido faze-me viver (v. 25.40. 50.88.107.149.154,156.159). Para ele,
viver é obedecer às instruções divinas. Esta obediência não exige sacrifício
dos fiéis. O salmista prefere denominar Javé, o Deus que deu a Torá, de
bondoso, hesed (v. 41.64.76.88.124.149.159). Não é difícil dizer que o salmista
dedica e obedece à Torá com amor, `ahab (v. 49.97.113.119.127.140.163.165.
167); com prazer, xa´a´ (v. 16.24.47.70.77.92.143.174); e com muito regozijo,
sis (v. 14 e 162). Estas declarações do salmista levam os leitores e leitoras a
crer que o compositor ou compositores deste salmo encaravam a Torá com
um excesso de espiritualidade.
Conclusão
Graças ao excelente trabalho Rainer Albertz (1999b, p. 770-782) a
pesquisa bíblica sobre espiritualidade aprofundou e avançou, abrindo no-
vas possibilidades para a interpretação das palavras de Jesus sobre a Torá.
A religiosidade sempre esteve presente entre os israelitas, seja na forma-
ção da família, seja na proclamação profética ou na reação do povo oprimido
pelo exílio imposto pelos babilônios. Todas estas reações piedosas surgiram
entre os membros da chamada “classe baixa”. Todavia, diante dos desafios
criados pela cultura grega e a ruptura com os samaritanos é que a aristocracia
fez uma nova proposta de postura teológica. Para os sábios, a solução seria
buscar na Torá os ensinos que ela contém. Ao contrário do que pensavam
os legalistas, a proposta dos sábios não incluía um legalismo externo ou
obediência à letra da lei. O centro dessa nova espiritualidade bíblica estava
34
A Profecia nas Origens e suas Recepções
voltado para o contato com a Torá, especialmente emocional. Os sábios
pregavam a necessidade de cada pessoa se aproximar de Deus, orientando os
seus pensamentos, suas ações, afetos e emoções às Escrituras. Esta atitude
define a espiritualidade ou piedade proposta pelos Salmos 1, 19 e 119.
Entendemos, com a leitura do Novo Testamento, que a fuga do le-
galismo, referindo-se à Torá, ajudou na pregação de Jesus de Nazaré. Na
discussão com os fariseus, Jesus expôs e ampliou o conceito da Torá dos
sábios. Nos Salmos 1, 19 e 119, os sábios reafirmaram que a Torá, exposta
no Pentateuco, é reinterpretada, sem perder o seu núcleo básico. Os fariseus
e escribas não entendiam assim, por isso o embate com Jesus, que afirma
com absoluta convicção: Não penseis que vim revogar a Torá ou os Profetas. Não
vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento (Mt 5,17).
Referências
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel em tiempos del Antiguo Testamento.
vol. 1. Madrid: Editorial Trota, 1999a.
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel em tiempos del Antiguo Testamento.
vol. 2. Madrid: Editorial Trota, 1999b.
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, N.A. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa,
2003.
KNIERIM, Rolf. The Spirituality of the Old Testament. In: The Task of the Old Testament
Theology. Grand Rapids: W.B. Eerdmans, 1995, p. 269-297.
THIEL, Winfried. A Sociedade de Israel. São Leopoldo; São Paulo: Sinodal; Paulinas, 1988.
WOLFF, Hans Walter. Amos and Joel. Minneapolis: Augsburg Fortress, 1969.
35
Origens e Função do Profetismo
no Antigo Yiśrā’ēl
João Batista Ribeiro Santos*
Introdutoriamente, abordaremos os inícios identificáveis da divinação
como manifestação de visionário. Desde o período Paleolítico superior, entre
35.000 e 10.000 anos atrás, especialmente com o Homo sapiens, as atividades
de reverência aos entes mortos dirigidas com os sepultamentos e o culto
aos ossos de parentes têm sido atestadas por pesquisas arqueológicas no
antigo Oriente-Próximo. Quando nos referirmos à “função” do profetismo,
será apresentada a similaridade dos textos proféticos de Mārī e Kinaḫnu com
a Bíblia hebraica, pela maior interação cultural entre as populações siro-
-mesopotâmicas e as populações israelitas.
Especificamente, comprova-se a presença de xamãs1
no sul da África.
Eles não buscavam lugares de isolamento pessoal, viviam entre os demais
moradores do local e obtinham suas visões durante o transe ocorrido por
meio de uma dança (LEWIS-WILLIAMS, 2015, p. 171). Mas existiam vi-
sionários que não eram xamãs, que obtinham poder à maneira de um líder
*	 Mestre em História Política (pesquisa em História Antiga e Medieval) pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre e doutorando em Ciências da Religião pela
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Docente da Escola de Teologia da UMESP.
joao.ribeiro@metodista.br
1
	 Aqui apresentamos as significâncias: “Cremos que ‘xamanismo’ indica utilmente um universal
humano – a necessidade de compreender o sentido de uma consciência mutante – e a for-
ma em que isto se realiza, especialmente, ainda que não sempre, entre caçadores-coletores”
(LEWIS-WILLIAMS, 2015, p. 135). Quanto aos profetas, “o nabi é [...] por força do cargo, e
não por motivos pessoais, um nabi da salvação. Um nabi da desgraça constitui uma contradição
em si mesmo” (A.A. Johnson, apud HESSE, 1985, p. 150). Nābî’ é derivado do verbo nāba‘, que
significa “extravasar palavras”; o acadiano nabû significa literalmente “aquele que é chamado”.
Rō’eh, significa “visão”, literalmente “aquele que vê”, “vidente”; em Isaías 28,7 significa “visão
profética”, como um particípio presente ativo, rā’āh. Com relação a ḥōzeh, deriva do verbo
ḥāzāh, “olhar”, “ver”, e do substantivo ḥāzōn, que significa “visão”, literalmente “aquele que
é visionário” (cf. HARRIS; ARCHER, JR.; WALTKE, 1998).
36
A Profecia nas Origens e suas Recepções
político; segundo David Lewis-Williams (2015, p. 171), “o objetivo principal
de um buscador de visões é o de ‘ver’ um espírito animal que se converterá
no ajudante animal do buscador e na fonte de seu poder”. Nesse sentido, as
experiências visionárias – os estados alterados – se convertem em um recurso
para a garantia de uma posição espiritual especial com reflexo na posição
social (LEWIS-WILLIAMS, 2015, p. 280).
Para a aquisição dessa espécie de poder, o interessado montava num
cavalo e seguia até o pico de um altiplano; as imagens rupestres que repro-
duzem tal busca aludem a alguém que suportava o frio, a insônia e fumava
tabaco alucinógeno – nessas circunstâncias, o visionário sentia-se como se
abandonasse o seu corpo numa viagem extracorpórea; outras vezes, a visão
era obtida quando o buscador estava em estado de vigília. O vidente xamânico
em estado de transe dizia-se que “entrou em uma gruta” – uma metáfora
para o sistema nervoso em estado alterado de consciência, pois a gruta era
considerada o portal que dava acesso ao mundo sobrenatural ou ao reino
espiritual (LEWIS-WILLIAMS, 2015, p. 172).
Identifica-se, também, inícios de supostas condutas religiosas no Paleo-
lítico superior, a partir do X milênio, baseado em práticas de sepultamentos
nos próprios domicílios, em que algumas grandezas sociais criam que “o
defunto segue vivendo nos bosques como espírito”. Mesmo não dispondo
de uma cronologia histórica, é possível afirmar que, no desenvolvimento
iconográfico da arte parietal e das estatuetas, as figuras femininas cumprem
função protetora; posteriormente, esses ícones passaram a representar o gênio
tutelar com mensagens religiosas, num período em que se atesta a presença
de curandeiros nas culturas caçadoras antigas (WUNN, 2012, p. 196-197).
Assim, aproximamo-nos do Levante, com os indícios da Anatólia (Ásia
Menor), povo de linguagem indo-europeia. No período Neolítico (7200-4400),
as culturas campesinas do sul da Anatólia e da Sūriyā apresentam uma evolu-
ção religiosa; com os sepultamentos intramuros, os “depósitos de cadáveres”
foram substituídos por edifícios com funções religiosas – onde as primeiras
estelas e estatuetas “foram consideradas como a morada das almas dos an-
tepassados. A partir destes santuários centrais, que originalmente serviam
para o culto aos mortos, se desenvolveram os templos da Mesopotâmia”
(WUNN, 2012, p. 291-292).
No período posterior, na Idade do Bronze Antigo – começo dos pro-
cessos de urbanização e etnicização no antigo Oriente Próximo – a Anató-
lia, assim como todos os outros povos, percebem e objetificam divindades,
37
Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl
demônios e os espíritos de mortos envolvidos na vida cotidiana; a “religião
era para eles uma parte integral da vida diária” (BECKMAN, 2013, p. 284).
No Bronze Médio (c. 2000-c. 1600), um período de grandes turbulên-
cias políticas, destacam-se as cidades-Estado ’Aššûr (Aš-šur-ra-a-a-ú), Bāb-ilī,
’Êlām, Eš-nun-na, I3-si-inki (Isin), Larsamki
-še₃ (Larsa), Mārī (Tell Harīrī, oriente
do Iraque), Nippur, Ur5
-ra (“Ur dos Caldeus”) e ’Erek (Uruk). A importân-
cia de Mārī deve-se, em grande parte, aos contatos siro-mesopotâmicos na
região do rio Eufrates, mas muito mais pela descoberta, em 1933 d.E.C., de
25.000 tabuinhas cuneiformes no palácio real, com a transcrição de mais de
uma dezena de sonhos e profecias cultuais (SICRE, 1996, p. 224); por volta
de 1760, Mārī foi destruída por ˤAmmu-rāpi.
Como resultado das interações com a Anatólia, é no Levante, especi-
ficamente na multicultural – attuša (moderna Boğazköy, localizada próximo
de Ankara), capital de –atti, império que controlou do norte de Kinaḫnu ao
Eufrates, que aparecem, no segundo milênio, os primeiros registros de ati-
vidades divinatórias, ou seja, a atividade profética. Segundo Gary Beckman
(2013, p. 284), as escavações descobriram mais de trinta templos em Ḫattuša,
chamados de šiunaš per (literalmente “casa de deus”).
Beckman (2013, p. 290) alude a uma inscrição em que, numa época de
epidemia, o rei hitita Muršili II dirigiu-se aos deuses para que lhe permitissem
falar com um šiunaš antuḫšaš (literalmente “homem de deus”). Neste contexto,
cabe acrescentar que, na sociedade hitita, as “mulheres eram particularmente
proeminentes entre os magos” (BECKMAN, 2013, p. 291).
Aproximações ao antigo Yiśrā’ēl: as origens
Na época dos assentamentos israelitas em Kinaḫnu surgiram, na Meso-
potâmia, grandes textos proféticos. A profecia de Šulgi (2094-2047), rei da
3ª dinastia de Ur5
-ra, divinizado ainda em vida, foi transmitida oralmente e
epigrafada cerca de oito séculos depois (c. 1200), e o discurso profético de
Mar-dúk da época do reinado de Nabû-kundur-uṣur I (1126-1105), conservado
em tabuinhas encontradas em ’Aššûr e Ninĕwēh (Ni-i-nu-a-a-), são autoelogios
reais (SICRE, 1996, p. 216 ss.). Das margens do rio Eufrates, além da profecia
ligada às atividades cúlticas, a profecia de Mārī assemelha-se com o profe-
tismo israelita pela consciência do profeta como enviado pela divindade, as
bases da censura (“eleição” e “pacto”) e as promessas de bens e libertação.
É sabido que o profeta e a profetisa são meios para o estabelecimento de
comunicação dos seres humanos com as divindades; uma divindade escolhe
38
A Profecia nas Origens e suas Recepções
uma pessoa, chama e revela sua mensagem às vezes por meio de sonhos, às
vezes por meio de transes. A profecia é, portanto, uma iniciativa divina que
difere da adivinhação, isto é, das questões procedentes dos seres humanos
implicadas aos deuses (LION; SÉRANDOUR, 2014, p. 453-454).
O profetismo aparece no antigo Oriente-Próximo no segundo milênio e é
conhecido no ambiente semita, o mundo sumério não emitiu alusões a esta
prática. A documentação para esse período provém, principalmente, dos arqui-
vos do palácio de Mari: uma quarentena de cartas, redigidas pelos funcionários
reais, relatando ao rei a atividade e as mensagens de profetas de várias cidades
do reino e de Estados vizinhos, como Aleppo ou Babilônia. Eram recebidos
no palácio como diplomatas estrangeiros, profetas munidos de presentes. Na
mesma época, uma atividade profética semelhante é conhecida na Baixa Me-
sopotâmia por meio de textos de Uruk, assim como em Diyala, a leste do rio
Tigre. Na segunda metade do segundo milênio, as fontes são menos abundantes.
Elas contêm poucas referências a profetas ativos na Babilônia, na Transtigrina
(Nuzi) e na Síria (Ugarit, Emar) (LION; SÉRANDOUR, 2014, p. 454).2
A nosso ver, faz-se necessário uma conexão com a cidade-Estado de
Ebla. Klaus Koch (apud SICRE, 1996, p. 204) descobriu que “aquele que
mais tarde seria o tipo de profeta mais frequente em Israel, o Nabí, já está
atestado em Ebla, no norte da Síria, no século XXIII aC”. Mais tarde, no
primeiro milênio, os testemunhos arqueológicos que provêm dos arquivos do
palácio de Ninĕwēh, capital do império neoassírio, por volta do século VII,
são comparáveis aos de Mārī: os documentos dirigidos ao rei mencionam os
profetas e falam das suas mensagens.
Na região siro-palestinense o profetismo é atestado em Gu-ub-la (Gĕbal/
Biblos), por meio de um romance egípcio do século XI (Viagem de Ounamon), na
estela de Meša‘, rei de Mô’āb (fim do século IX), pelas inscrições aramaicas de
Zakkur, rei de Ḥămāt e Lu’aš, na Síria (fim do século IX), e de Tell Deir ‘Alla, no
vale do Jordão (séculos VIII-VII) (LION; SÉRANDOUR, 2014, p. 454-455).
2	
“Le prophétisme apparaît au Proche-Orient au IIe
millénaire et n’est connu qu’en milieu
sémitique, le monde sumérien n’ayant pas livré d’allusions à cette pratique. La documentation
pour cette époque provient en premier lieu des archives du palais de Mari: une quarantaine
de lettres, rédigées par des fonctionnaires royaux, rapportent au roi l’activité et les messages
de prophètes de diverses villes du royaume et des États voisins, tels Alep ou Babylone. Reçus
au palais comme des légats étrangers, des prophètes en repartent munis de présents. Vers la
même époque, une activité prophétique comparable est connue en Basse Mésopotamie par
les textes d’Uruk, ainsi que dans la Diyala, à l’est du Tigre. Dans la seconde moitié du IIe
millénaire, les sources sont moins abondantes. Elles comportent toutefois quelques allusions
à des prophètes actifs en Babylonie, en Transtigrine (Nuzi) et en Syrie (Ougarit, Emar).”
39
Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl
Segundo Lion e Sérandour (2014, p. 455), “os textos proféticos antigos
são redigidos de uma forma narrativa. A mensagem é endereçada ao rei, em
um estilo semelhante aos usos diplomáticos”. Por vezes, os profetas pala-
ciais mentem para satisfazer o soberano. Muitas narrativas da Bíblia hebraica
confirmam a atividade profética e a evolução do profetismo na região siro-
-palestinense. Comumente, as divindades dos ditos proféticos são os chefes de
panteão: Addu ou Iškur, o deus da tempestade em Aleppo; Dagan, na região
do rio Eufrates; Mar-dúk, em Bāb-ilī; Ištar ou Inanna, em ’Erek; Milkōm, no
reino de ‘Ammôn; Kĕmôš, em Mô’āb; Ba‘alšamayin, em Tell Deir ‘Alla; ’Aššûr, na
Assíria; ‘Aštart, principal deusa dos semitas ocidentais; Milqart, o ba‘al fenício
de Şūr; Yhwh, em Yiśrā’ēl e Yĕhûdāh/Yĕrûšālam; ’Ēl ou Ilu, em Ugarit, na Sūriyā.
Os ambientes de guerra e os tumultos políticos estão nos contextos
de maior variedade das práticas divinatórias (podem ter propósito positivo
ou negativo, a depender do juízo prévio interpretativo que se faz do rei, da
aristocracia, da cidade e do povo), essa conexão possibilita reconstruir a
realidade histórica. Nota-se na Bíblia hebraica a menção a muitas armas de
guerra que estão descritas nos Arquivos epistolários de Mari 1/1 209 (BARSTAD,
2006): lança (ḥnyt, Habacuque 3,11), rede (ršt, Ezequiel 12,13; 17,20; 32,3)
etc.3
Barstad (2006, p. 47) afirma que
não podemos dizer, por exemplo, que os profetas do antigo Israel tiveram
suas origens históricas na sociedade de Mari. Em vez disso, as semelhanças
deveriam ser interpretadas como o impacto de uma cultura comum sobre duas
sociedades relacionadas, mas diferentes. Textos de Mari refletem claramente a
realidade histórica fora de si; o mesmo aplica-se à Bíblia hebraica. Esta afir-
mação, obviamente, é agora fortemente apoiada por várias formas de textos
proféticos extrabíblicos de todo o antigo Oriente-Próximo.4
Pelas razões acima enunciadas, são razoáveis as conexões das grandes
estruturas políticas mesopotâmicas com as variadas grandezas sociais e,
posteriormente, com os pequenos reinos mediterrâneos – dentre os quais
encontra-se Yiśrā’ēl.
3
	 As transliterações e traduções de citações da Bíblia hebraica foram realizadas pelo autor
diretamente da BHS (ELLIGER; RUDOLPH, 1997).
4
	 “We cannot say, for instance, that the prophets of ancient Israel had their historical origins
in Mari society. Rather, the similarities should be explained as the impact of a common
culture on two related but different societies. Texts from Mari clearly reflect a historical
reality outside themselves; the same applies to the Hebrew Bible. This claim, obviously, is
now strongly supported by various forms of extrabiblical prophetic texts from all over the
ancient Near East.”
40
A Profecia nas Origens e suas Recepções
Por vincular a sacralidade divina à epigrafia, os antigos israelitas re-
troprojetam as origens do profetismo aos patriarcas. ’Abĕrāhām era profeta
(Gênesis 20,7), assim como Miriyām (Êxodo 15,20) e Mōšeh (Número 12,6-8),
cujo dom era falar pe ’el-pe (“boca a boca”) com Yhwh – a mediação deve-se
ao fato de o povo ter medo de ouvir diretamente a Deus (Êxodo 20,19).
Afora, talvez, as tradições atribuídas a Šĕmû’ēl, pela epigrafia do conflito de
cacicado (1Samuel 13,7-15; 15,10-23), as narrações não são históricas, mas
reflexo da mentalidade de uma época (a colonial Yĕhûd sob o império Persa
Aquemênida) em que a Torah começa a ser constitutiva do povo.
Considerando a nossa familiaridade com os oráculos e narrações vete-
rotestamentários, é importante localizar os inícios da profecia escrita; a esta
tarefa Frank Crüsemann procedeu metodologicamente por meio da crítica
das formas e da crítica literária. A nossa tarefa aqui se situa na pesquisa da
história, metodologicamente menos redutora e objetivada para a busca dos
acontecimentos. Com efeito, interessa-nos a pesquisa de Crüsemann (2009,
p. 209) na medida em que apresenta o oráculo de Oséias 4–11 nos contextos
sociais do avanço e da invasão das guarnições neoassírias em Yiśrā’ēl, ou seja,
não como anúncio futuro, mas como “eventos e experiências do presente
[que] são teologicamente interpretados e ordenados”, sabendo-se que os
oráculos de transcrição posterior falam de um futuro ainda por acontecer.5
Para Crüsemann (2009, p. 215 ss.), o fato de Oséias 4–11 ser um orá-
culo transmitido por escrito e para um círculo restrito de contemporâneos
do profeta “traz consigo déficits de informação” para outros receptores; por
outro lado, mantém-se a totalidade da informação, numa época de transição
entre a transmissão oral e a documentação escrita.
Justamente o vínculo tenso entre, de um lado, indícios de uma composição
literária e, de outro, uma ligação (que lembra uma comunicação oral) a um
público limitado em que se podem pressupor experiências iguais, tal como
caracteriza Oséias 4–11, fala a favor de um surgimento escrito inicial. A isso
corresponde o conteúdo: a interpretação do presente – exemplarmente reali-
zada no nônuplo “agora” –, com o avanço vitorioso dos assírios, como o juízo
de Israel executado por Deus em virtude da conduta dos líderes e do povo
(CRÜSEMANN, 2009, p. 218).
5	
Em definição, não seguimos Robert P. Carroll (1995, p. 210), quando afirma que “a profecia
claramente se refere ao falar e em geral existe uma referência em algum lugar ao futuro
que justifica a definição, embora exceções (que confirmam a regra?) possam facilmente ser
encontradas nas tradições (p. ex., Is 9,8-21; Hb 3)”. Entendemos que a definição de Carroll
deveria ser invertida e refeito o postulado em relação à projeção da profecia.
41
Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl
Por meio da preservação do saber coloquial na epigrafia, a documentação
profética fundante de Yiśrā’ēl situa-se nas antigas tradições mesopotâmicas;
fator para classificarmos o profetismo como uma instituição vinculada aos
contextos de uma determinada estrutura social, nunca unicamente como posi-
cionamento individualista, pois os profetas e o profetismo têm relações com
a vida cultural – ainda que as tradições tentem isolá-los nos locais de religião.
Com relação à profecia praticada em Kinaḫnu, a derivação fica restrita
ao fenômeno do profetismo extático, além dos procedimentos comuns de
consulta à divindade e de legitimação real. Em paralelo, em Tell Deir ‘Alla,
junto à torrente do Yabbōq (atual Jordânia), foi encontrada, em 1967 d.E.C.,
uma inscrição aramaica datada de c. VIII-VI, cujo pratogonista é Bili‘ām, o
mesmo visionário citado na Bíblia hebraica. Bili‘ām é chamado de “visionário
dos deuses” (ḥzh ’lhn), a quem os “deuses vieram a ele à noite”. Seguindo a
análise de Robert R. Wilson, “os fragmentos que se preservaram sugerem que
os deuses deram oráculos de ruína ou até de maldição contra os seus adver-
sários” (1993, p. 126). Essa inscrição não diverge das coleções de oráculos
em Números 22–24, cujos “oráculos implicam que Balaão era intermediário
estabelecido, cujos serviços de abençoador ou amaldiçoador profissional se
podiam comprar”. A analogia com as inscrições de Tell Deir ‘Alla pressupõe o
visionário como pertencente “à estrutura social central e talvez fosse inclusive
participante formal no culto” (WILSON, 1993, p. 141). Em adição, além da
designação nĕ’um, gênero profético que aparece no Yiśrā’ēl Norte, o oráculo
sugere que o visionário recebeu as suas mensagens em transe.6
Os postulados anteriores forneceram o acesso ao discurso antigo e à
função. O lugar originário do “discurso profético de julgamento”, por exem-
plo; a oposição de argumentos e contra-argumentos é típica do processo
jurídico profano, sendo desvinculada para novos propósitos, ou seja, levar
o ouvinte a assentir com a decisão divina. “O culto israelita tinha, portanto,
conhecimento de um julgamento por parte de Javé” (WÜRTHWEIN, 1985, p.
142-143); este seria o mais antigo vínculo da profecia com o culto, presente
no Primeiro Testamento.
Isto nos quer dizer que a origem do gênero profético mais antigo de
Yiśrā’ēl é forense, deslocado para o culto à maneira das profecias atestadas
em Mārī, com manifestações extáticas como em Kinaḫnu. O deslocamento
6	
Cf. Números 24,15-16 (Nĕ’um de Bili‘ām, filho de Bĕ‘ōr... de quem ouve as palavras de ’Ēl...
quem maḥăzēh Šadday yeḥĕzeh [vê a visão do Poderoso], cai mas tem os olhos descobertos
[nōpēl ûgĕlû ‘ênāyim].
42
A Profecia nas Origens e suas Recepções
explica o fato de a proclamação de desgraça suscitar espanto, réplica e per-
seguição. Em adição, é possível afirmar que a profecia clássica israelita se
desenvolve em comunidades das fríngias, e a atividade de acusação a Yiśrā’ēl,
mesmo com a sua argumentação legal antiquíssima, tem origem no período
posterior ao primeiro templo (após o século VII).
A função da profecia
Do ponto de vista de Würthwein, o lugar da origem do “julgamento”,
o mais antigo gênero de profecia em Yiśrā’ēl, seria o culto e os representan-
tes de Yhwh, profetas cultuais – com a tarefa de prognosticar, interceder e
acusar Yiśrā’ēl em nome de Yhwh. Essa última empreitada – acusar Yiśrā’ēl
– é rejeitada por Franz Hesse. Hesse (1985, p. 148) afirma que a acusação
era dirigida aos outros povos; para ele, “a acusação dos inimigos em nome
de Javé era uma das funções cúlticas dos profetas”. Sobre isto, Isaías 3,13:
“Yhwh dispõe-se para processar [niṣṣāb lārîb], e levanta-se para julgar [wi‘ōmēd
lādîn] os povos” (cf. também Sofonias 1,2-3; Miqueias 1,2-4).
Permitimo-nos corrigir a intitulação “função” por “funções”. A visão
de mundo do profeta baseia-se na objetificação da palavra divina profética,
portanto o dito é perceptível: “Palavra enviada por Yhwh em Ya‘ăqōb e caiu
em Yiśrā’ēl” (Isaías 9,7). Mesmo mantendo a interpretação teológica, certamente
havia a consciência história de que o Dābār atingiria o seu objetivo.
A única perspectiva que interessa ao profeta é esta: a relação entre o presente e
o plano de Deus. Não se preocupa em saber através de que condicionamentos
político-econômicos o Egito chegou a dominar o imperador etíope Sabaka. Não
analisa o jogo de interesses das grandes potências para dominar a Síria-Palestina.
Não consigna como algo novo na história a política assíria das deportações
em massa. A visão do profeta é estritamente teológica (SICRE, 1996, p. 413).
O Dābār, então, é construtor de História. Para além desta síntese, um
primeiro conjunto de documentos da prática profética refere-se à “consulta
das sortes” e questões direcionadas à divindade; o segundo conjunto diz
respeito a coleções de oráculos e interpretações de sinais, produto de um
longo trabalho de compilação dos presságios (ABRAHAMI, 2014, p. 339).
Os conteúdos proféticos podem ser classificados grosso modo como “di-
tos de desgraça” e “ditos de salvação” (cf. Jeremias 28,8-9). Para Hans M.
Barstad (2006, p. 24; cf. também ABRAHAMI, 2014), “o uso de ‘palavras
43
Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl
de desgraça’ e ‘palavras de salvação’ ecoa a origem divina das demonstrações
divinatórias, e reflete a visão teológica que resulta no êxito para a obtenção
do favor da divindade, enquanto o fracasso é uma forma de punição divina”.
Um dos primeiros conjuntos de relatos proféticos foi descoberto na
Mesopotâmia, com evocações de alertas sobre fenômenos atmosféricos e fatos
naturais; acerca disso Philippe Abrahami (2014, p. 339) cita um presságio que
ecoa à ferida do Nilo, relatada no livro do Êxodo: “Se no mês de Nisan, a
água sobe e o rio é escuro como sangue, haverá alta mortalidade no país”.
Outra forma de profecia, muito mais ligada à adivinhação, se interes-
sa pelos nascimentos humanos e animais (a cor da pele, marcas diversas e
malformações), tamanho da ninhada e comportamento dos recém-nascidos.
A observação dos céus e dos fenômenos astronômicos e atmosféricos serve
como fundamento para as profecias ou prédicas; “tirar a sorte” constitui
também uma forma de comunicação com a divindade.
Enfatizamos que, na Bíblia hebraica, esse procedimento está associado à
petição do ’Ûrîm wĕTummîm,7
iniciado possivelmente entre os altos funcioná-
rios da corte assíria, para a escolha de sucessores. Com relação às divindades
mediterrâneas, Īmār, a grande sacerdotisa do deus canaanita e fenício Ba‘al foi
escolhida por sorteio. Com efeito, as consultas têm por função validar um
resultado obtido; nesses casos, as imagens visualizadas nos fígados (chamados
de “tabletes dos deuses”) tinham tanta importância que em Mārī (c. século
XVIII) e em E-mar (c. século XIV) faziam-se maquetes de fígado com os
nomes revelados numa consulta, assim validava e mantinha-se a coincidência
entre o presságio (simbolizado no fígado) e o oráculo (o dito profético).
Quanto às faltas de sorte, “os acontecimentos adversos são normalmente
associados com a falta cometida contra os deuses, particularmente pela ig-
norância em relação às suas exigências rituais” (ABRAHAMI, 2014, p. 344).
No Paleolítico superior, o tabaco incrementava o transe; a partir do
Bronze Antigo, a bebida alucinógena passou a fazer parte do profetismo
extático e do pagamento pelo prognóstico. Em uma carta do arquivo de Mārī
(1/1 211), dirigida à rainha Šibtu de Aleppo, há uma denúncia do profeta:
ele diz que a deusa Ninegal/Bēlet-ekallim está prometendo sucesso militar ao
rei Zimrî-Lîm de Mārī, marido de Šibtu, numa guerra contra o rei ˤAmmu-rāpi
de Bāb-ilī (aqui parece que temos um estranho caso de ciúme da rainha em
relação à deusa). Em outra carta (1/1 212), denuncia-se que, em troca de
7	
Philippe Abrahami (2014, p. 340-343) desenvolve esta analogia.
44
A Profecia nas Origens e suas Recepções
bebidas alucinógenas, profetas estão dizendo que a deusa Annunîtum de Bāb-ilī
está prometendo sucesso militar a Zimrî-Lîm de Mārī;8
o protesto faz sentido,
pois a deusa é do país adversário.
Distinguimos entre “profecia” e “adivinhação”; no entanto, ambas são
práticas atestadas na Bíblia hebraica.9
A nosso ver, em Yiśrā’ēl, as atividades
proféticas traziam consigo as intuições xamânicas e divinatórias do Pale-
olítico superior (WUNN, 2012; LEWIS-WILLIAMS, 2015) milenarmente
preservadas, com comprovações na região siro-mesopotâmica (BARSTAD,
2006). De acordo com as pesquisas arqueológicas acima apresentadas, tanto
a caracterização quanto o perspectivismo de profetismo parecem-nos comuns
no antigo Oriente Próximo – tais como o culto aos mortos, a magia, a cre-
mação, adivinhação, sorteios e os transes por meio de drogas alucinógenas,
todos praticados em Yiśrā’ēl.10
A função no documento literário é caracterizada pelos contextos his-
tóricos, e a justiça social é, por vezes, a única perspectiva profética. Por
conseguinte, a categorização individual e a estratificação social, com reflexo
na administração da justiça, constituem o motivo da atividade profética. E
nisto estão o sumário das funções: garantir vitórias militares ao rei; defender
as categorias fracas economicamente do processo de empobrecimento que
levará à escravidão (sexual, trabalhista, religiosa, militar, cultural; cf. SAN-
TOS, 2009); protestar contra a administração estatal da justiça, que impede o
acesso a direito inalienável – e aqui ampliamos para os problemas culturais,
o comércio fraudulento, os raptos de endividados, o latifundismo, o salário,
a tributação, a apropriação de moradias.
Constatamos que a justificação dessas funções proféticas foi construída
sob o pano de fundo de antigas codificações humanitárias (Código da Aliança,
Êxodo 20,22–23,19), com algumas soluções políticas presentes em leis reais
mesopotâmicas,11
e nos conceitos de ética (Decálogo Ético, Deuteronômio
5,6-21) de grandezas sociais de linhagem de parentesco, lugar identitário do
próprio Yiśrā’ēl.
8
	 Uma série de cartas e fragmentos do Arquivo Epistolário de Mārī encontra-se na importante
pesquisa de Hans M. Barstad (2006), de onde baseamos nossa interpretação.
9
	 Cf., por exemplo, Isaías 3,2-3; 8,19.
10 Cf., por exemplo, Deuteronômio 18,9-14,15-22; Isaías 28,7; Miqueias 3,7; Jeremias 19,1-
6; 1Reis 13,2; cf. também 2Crônicas 33,1-9; práticas já comprovadas tanto no Paleolítico
superior quanto na cidade-Estado de Mārī, na Idade do Bronze Médio.
11
	Código de ˤAmmu-rāpi, rei de Bāb-ilī; código de Ur-Nammu, rei de Ur5
-ra; código de Lipit-
Ištar, rei de I3-si-inki; código de Enmetena, rei de Lagaš; código de Urukagina, rei de Lagaš;
código de Eš-nun-na, rei de Ur5
-ra.
45
Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl
Referências
ABRAHAMI, Philippe. Les nombreuses formes de divination. In: BORDREUIL, Pierre; BRIQUEL-
-CHATONNET, Françoise; MICHEL, Cécile (Dir.). Les débuts de l’Histoire: civilisations
et cultures du Proche-Orient ancien. Nouvelle édition revue et augmentée. Paris: Éditions
Khéops, 2014, p. 339-345.
BARSTAD, Hans M. Sic dicit dominus: Mari prophetic texts and the Hebrew Bible. In: AMIT,
Yairah et alii. Essays on ancient Israel in its Near Eastern context. A tribute to Nadav
Na’aman. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2006, p. 21-52.
BECKMAN, Gary. Under the spell of Babylon: Mesopotamian influence on the religion of the
Hittites. In: ARUZ, Joan; GRAFF, Sarah B.; RAKIC, Yelena (Ed.). Cultures in contact: from
Mesopotamia to the Mediterranean in the second millennium B.C. New York; New Haven,
Conn.: Metropolitan Museum of Art; Yale University Press, 2013, p.284-297.
CARROLL, Robert P. Profecia e sociedade. In: CLEMENTS, Ronald E. (Ed.). O mundo do
antigo Israel: perspectivas sociológicas, antropológicas e políticas. Tradução de João Rezende
Costa. São Paulo: Paulus, 1995, p. 199-219.
CRÜSEMANN, Frank. ht[ – “Agora”: Oséias 4–11 como início da profecia escrita. In: Cânon
e história social: ensaios sobre o Antigo Testamento. Tradução de Milton Camargo Mota.
São Paulo: Loyola, 2009, p. 199-220.
ELLIGER, Karl; RUDOLPH, Wilhelm (Ed.). Biblia Hebraica Stuttgartensia. 5. aufl. Stut-
tgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.
HARRIS, R. Laird; ARCHER, JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (Org.). Dicionário in-
ternacional de teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro Redondo,
Luiz A.T. Sayão e Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998.
HESSE, Franz. Tem o discurso profético de julgamento a sua origem no culto israelita?. Tradução de
Geraldo Korndörfer. In: Profetismo: coletânea de estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p.
145-153.
LEWIS-WILLIAMS, David. La mente en la caverna. Traducción de Enrique Herrando
Pérez. Madrid: Ediciones Akal, 2015.
LION, Brigitte; SÉRANDOUR, Arnaud. Du prophète royal au prophète contestataire. In: BOR-
DREUIL, Pierre; BRIQUEL-CHATONNET, Françoise; MICHEL, Cécile (Dir.). Les débuts
de l’Histoire: civilisations et cultures du Proche-Orient ancien. Nouvelle édition revue et
augmentée. Paris: Éditions Khéops, 2014, p. 453-457.
SANTOS, João Batista Ribeiro. Elementos de direito político-econômico e as estruturas de poder no antigo
Israel. In: Caminhando, São Bernardo do Campo, vol. 14, n. 2, p. 155-170, 2009.
SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. Tradução de
João Luís Baraúna. Petrópolis: Vozes 1996.
WILSON, Robert R. Profecia e sociedade no antigo Israel. Tradução de João Rezende
Costa. São Paulo: Paulus, 1993.
46
A Profecia nas Origens e suas Recepções
WUNN, Ina. Las religiones en la Prehistoria. Traducción de María Dolores Ábalos. Madrid:
Ediciones Akal, 2012.
WÜRTHWEIN, Ernst. A origem do discurso profético de julgamento. Tradução de Geraldo Korn-
dörfer. In: Profetismo: coletânea de estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p. 129-144.
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  • 1. A Profecia nas Origens e suas Recepções
  • 2. Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Universidade Metodista de São Paulo Diretor da Faculdade de Teologia: Paulo Roberto Garcia Reitor da Universidade Metodista de São Paulo: Paulo Borges Campos Junior Conselho Diretor Wesley Gonçalves Santos – Presidente Lia Eunice Hack da Rosa – Vice-Presidente Cláudia Maria Silva Nascimento – Secretária Almir Lemos Nogueira – Vogal Eni Domingues – Vogal Ewander Ferreira de Macêdo – Vogal Luciano José Martins da Silva – Vogal João Carlos Lopes – Bispo representante do Colégio Episcopal EDITEO – Editora da Faculdade de Teologia Editor João Batista Ribeiro Santos Comissão Editorial João Batista Ribeiro Santos – Presidente Martin Santos Barcala – Secretário Blanches de Paula Éber Borges da Costa José Carlos de Souza Nicanor Lopes Assistente Editorial Fagner Pereira dos Santos
  • 3. Editeo Editora da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista São Bernardo do Campo, SP 2018 A Profecia nas Origens e suas Recepções Danielle Lucy Bósio Frederico Organizadora
  • 4.       Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)  Maria de Fátima Almeida CRB‐8/7111                                                                A profecia nas origens e suas recepções. / Danielle Lucy Bósio Frederico (Org.) São Bernardo do Campo: EDITEO, 2018. 125 p. Bibliografia Semana de Estudos Teológicos (SET) ISBN: 978‐85‐54334‐00‐0 1. Bíblia – A.T. – Livros proféticos – Crítica e interpretação 2. Profetismo – Novo Testamento 3. Profetas I. Título II. Kaefer, José Ademar et al...                                                                        CDD: 224.06                Revisão: Martin Barcala Assistente editorial: Fagner Pereira dos Santos Editoração eletrônica: Maria Zélia Firmino de Sá Capa: Fagner Pereira dos Santos © 2018 A Profecia nas Origens e suas Recepções Editeo Editeo: Editora da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista Rua do Sacramento, 230, Prédio Gama, Rudge Ramos 09640-000 – São Bernardo do Campo, SP – Telefone: (011) 4366-5983
  • 5. Sumário Apresentação da Semana de Estudos Teológicos – SET Danielle Lucy Bósio Frederico......................................................................... 7 O profeta e a literatura profética José Ademar Kaefer.................................................................................... 11 A espiritualidade no Antigo Testamento Tércio Machado Siqueira............................................................................ 27 Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl João Batista Ribeiro Santos........................................................................ 35 A Confissão de Jeremias como reação à injustiça em Judá no início do reinado de Jeoaquim Samuel de Freitas Salgado.......................................................................... 47 Tradições proféticas de Moisés no Novo Testamento e a figura messiânica de Jesus – A recepção de tradições veterotestamentárias e costuras traditivas Paulo Roberto Garcia................................................................................. 69
  • 6. A Nova Aliança de Jeremias por nova perspectiva: A recepção da “obra da Lei gravada no coração” em Romanos Jonas Machado........................................................................................... 79 A Leitura dos Profetas na Literatura Gnóstica Cristã Antonio Carlos Soares dos Santos Ozeias Rocha Júnior................................................................................... 87 Os povos da terra. Abordagem historiográfica de grandezas sociais do antigo Oriente-Próximo no segundo milênio A.E.C.: uma abordagem comparativa João Batista Ribeiro Santos........................................................................ 95 Os Profetas no Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português: uma experiência de tradução Edson de Faria Francisco......................................................................... 119
  • 7. 7 Apresentação da Semana de Estudos Teológicos – SET Com alegria, apresentamos a todas e todos os textos das Conferências e Minicursos realizados na Semana de Estudos Teológicos (SET), ocorrida no período de 24 a 26 de outubro de 2016, cujo tema foi: A Profecia nas Origens e suas Recepções. Abrindo o ciclo de Conferências, tivemos o Prof. Dr. José Ademar Kaefer com o tema: O Profeta e a Literatura Profética; onde o mesmo nos apresenta o desenvolvimento do entendimento da pessoa e da função de profeta no Antigo ou Primeiro Testamento; e também da misericórdia profética, tomando como fio condutor a palavra “misericórdia”. Durante o texto, ele nos expõe uma análise mais atenta do termo no livro do profeta Oseias, bem como reafirma a importância de se perceber o profeta dentro de seu contexto histórico, sem o qual a sua mensagem estaria descontextualizada e consequentemente perderia o sentido. No segundo dia tivemos a apresentação do Prof. Me. João Batista – Origens e Função do Profetismo no Antigo Israel. Em sua exposição, o professor nos mostra as possíveis raízes e os desenvolvimentos ocorridos às funções de profeta desde Mari até o Levante. A vinculação da atividade profética aos contextos sociais específicos, a presença da figura feminina, bem como a presença do culto aos mortos, da magia, da cremação, a adivi- nhação, os sorteios e os transes por meio de drogas alucinógenas, praticados em Yiśrā’ēl; são apresentados no decorrer de sua exposição. O Prof. Dr. Samuel de Freitas Salgado, cujo o tema foi: A Confis- são de Jeremias como reação à injustiça em Judá no início do reinado de Jeoaquim; nos apresenta uma proposta exegética de Jeremias 12, 1-6. Tendo como ponto de partida o pressuposto socioanalítico do modo de
  • 8. 8 A Profecia nas Origens e suas Recepções produção. A crítica profética, aqui exposta, faz frente ao enriquecimento dos detentores dos meios de produção e do empobrecimento e/ou não melhorias sociais a maioria da população. Iniciando o terceiro dia de Conferências tivemos o Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia, que desenvolveu o tema: Tradições proféticas de Moi- sés no NT e a figura messiânica de Jesus. A recepção de tradições veterotestamentárias e costuras traditivas. Ele nos apresenta como as comunidades do cristianismo primitivo cultivavam inúmeras tradições que são encontradas no Novo Testamento. Duas delas, por sua presença abun- dante, são destacadas: as tradições de Moisés e as dos Profetas. Ao aceitar o desafio de compreender como elas se articulam e são ressignificadas, ele faz o mapeamento do termo tanto no Antigo ou Primeiro Testamento, como no Novo Testamento. Percebendo a ênfase presente nos Evangelhos e fazendo o destaque da apresentação de Jesus como um novo Moisés. Fechando o ciclo de Conferências, temos o Prof. Dr. Jonas Machado: A Recepção dos Profetas no Novo Testamento. Ele nos apresenta uma abordagem do geral para o particular da relação entre os textos proféticos do judaísmo mais antigo e sua recepção no Novo Testamento, mais espe- cificamente a recepção da “obra da lei gravada no coração” de Jeremias 31 em Romanos 2.15. Mais do que alusões ou citações, tal relação é marcada por complexidade que demonstra que a recepção dos textos proféticos foi caracterizada por utilização dos mesmos de acordo com os interesses dos primeiros autores cristãos. Nesse bloco de fechamento também tivemos a participação do Prof. Dr. Paulo Augusto Nogueira, o qual tendo o tema da Apocalítica e a sua relação com os profetas do AT; junto com o Prof. Jonas teceu uma série de comentários e explicações interessantes. Além das conferências, contamos com a realização de Minicursos, os quais abordaram os seguintes assuntos: Os Profetas no Antigo Testa- mento Interlinear Hebraico-Português: uma Experiência de Tradu- ção, com o Prof. Dr. de Faria Francisco. Onde expos a sua experiência de tradução na composição de sua obra: Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português, a qual quando concluída, contará com 05 volumes: volume 1: Pentateuco (Gn-Dt), volume 2: Profetas Anteriores (Js-2Rs), volume 3: Profetas Posteriores (Is-Ml), volume 4: Escritos (Sl-2Cr) e volume 5: Léxico Hebraico-Português e Aramaico-Português. A Leitura dos Profetas na Literatura Gnóstica Cristã, tema trabalhado pelo Prof. Me. Antonio Carlos Soares e pelo Prof. Ozeias de Paula. Os
  • 9. Apresentação 9 professores abordaram a leitura dos profetas por meio da literatura gnóstica cristã, propondo um enfoque entre movimentos que apontavam espirituali- dades diferenciadas, mas que tinham entre suas histórias: o cristianismo, que releu os profetas e o gnosticismo que releu o cristianismo. E fechando o bloco de minicursos oferecidos durante a Semana de Estudos Teológicos, tivemos o tema: Os povos da terra. Abordagem histo- riográfica de grandezas sociais do antigo Oriente-Próximo no segundo milênio A.E.C.: uma abordagem comparativa; oferecido pelo Prof. Me. João Batista Ribeiro Santos. Durante a sua exposição, o professor discorre de forma bastante interessante sobre os seguintes temas: Hyksos ,Kĕna‘ănîm/ Canaanitas, Ḫabiru, Pĕlištîm, Sha’su e ‘amaleqîm. Demonstrando as interações culturais e os hibridismos ocorridos durante o período de formação das identidades de Israel. Junto a essa coletânea de textos, também apresentamos a contribuição do Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira através do tema: A espiritualidade no Antigo Testamento. Nesse texto, o autor nos apresenta como ocorreu o desenvolvimento da espiritualidade do povo israelita. Desde o seu entendimento sobre a Torá entre os sábios, os quais pregavam a necessidade de cada pessoa se aproximar de Deus, orientando os seus pensamentos, suas ações, afetos e emoções às Escrituras; ao contrário do que pensavam os legalistas. A pro- posta dos sábios não incluía um legalismo externo ou obediência à letra da lei. Para isso, o professor fala sobre alguns conceitos oriundos de uma espiritualidade familiar, preservada pelo povo israelita, e que a seu ver é resgatada pelo movimento de Jesus no Novo Testamento. Tais olhares e percepções trouxeram uma rica contribuição sobre o tema desenvolvido durante a SET, fazendo-nos perceber novas possibilidades hermenêuticas e tornando esse evento bastante interessante e provocativo. Agradecemos a participação e a presença de todos e todas, as equipes de trabalho envolvidas, bem como as/aos docentes da área de Bíblia na or- ganização e planejamento dessa Semana de Estudos! Profa. Danielle Lucy Bósio Frederico
  • 10. 10
  • 11. 11 O profeta e a literatura profética José Ademar Kaefer* O profeta O profetismo, enquanto movimento ou manifestação em defesa da vida, é o que dá legitimidade e autenticidade à Igreja, a qualquer Igreja. Ai da instituição que mata seus profetas. Ai da instituição que não os mata. Querido e temido, admirado e odiado, esse é o profeta. Uma figura controversa, que cava seu próprio túmulo. Todo movimento religioso que não se institucionaliza está fadado a desaparecer, dizia Max Weber (1991). Eis o dilema do movimento profético: se ele não se institucionaliza, morre. Ao se institucionalizar, morre também. Em igual dilema se encontra o seu agente, o profeta. O fim do profeta não é o seu triunfo, mas sua derrota: o martírio. Por isso, o profetismo não é um movimento permanente. Ele surge, provoca ebulição social e desaparece. Esta é sua função. Assim também o profeta: sua missão é anunciar, denunciar, propor e sair de cena. Nunca visa e nunca chega ao poder. Se isto ocorre, deixa de ser profeta. Os homens poderosos, os algozes dos profetas, gostam de ser compara- dos a eles. Quando o presidente Abraham Lincoln foi assassinado, sua morte foi associada à de Jesus. Lincoln entra na história estadunidense como “o nosso presidente martirizado”. Gostam de ser comparados com profetas e, por extensão, com o messias. Nos escritos e discursos de Benjamin Franklin, George Washington, Thomas Jefferson, John Kennedy, Lyndon Johnson, Ro- bert Nixon, George W. Bush, para citar alguns, esse analogismo é constante. Gostam de estabelecer paralelos simbólicos entre a nação estadunidense e o antigo Israel (FILORAMO e PRANDI, 1999, p. 140-141). É um nacio- * Doutor em Teologia Bíblica pela Westfälischen Wilhelms-Universität Münster, Alemanha, e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião na Universidade Me- todista de São Paulo (UMESP). jademarkaefer@gmail.com .
  • 12. 12 A Profecia nas Origens e suas Recepções nalismo fundamentalista, de caráter profético-messiânico e reacionário. Os personagens citados, presidentes, são antigos, mas a ideologia, por incrível que pareça, é muito atual e “vai muito bem, obrigado”. Basta analisar os discursos, que parecem esquizofrênicos, do atual presidente dos EUA, Donald Trump, em sua campanha eleitoral. E o mais incrível ainda é que grande parte dos que fazem coro a esses discursos e votam nesses candidatos se diz cristã, católicos e evangélicos. É a arte ardilosa de matar o profeta e de se apropriar da profecia. Ma- tam os profetas e, depois, constroem-lhes belos monumentos. É uma forma de não só matar o profeta, mas também a profecia. Ela é absorvida pela ideologia dominante, tirando-lhe seu caráter contestador e denunciador. É para esses mesmos que Jesus se dirige, quando diz: Ai de vós, porque edificais os túmulos dos profetas, os que vossos pais mataram. Assim sois testemunhas e concordais com as obras dos vossos pais. Porque eles, por um lado, mataram- -nos, e vós, por outro, edificais (Lc 11,47-48). De forma que, dizer-se profeta ou ser comparado a ele, é algo muito almejado pelos que não o são. Esse mesmo interesse pelo status do “ser profeta” também está manifesto em todo Primeiro ou Antigo Testamento. Profeta é um título honorífico! As grandes personagens bíblicas são identificadas ou associadas com ou aos pro- fetas. Abraão é chamado de profeta (Gn 20,7); Moisés é chamado de profeta (Nm 12,6-8; Dt 18,15-19; 34,10); assim também Aarão (Ex 7,1) e os anciãos (Nm 11,16.23-26). Sem falar de grandes figuras que desempenham um papel duplo, de profeta e sacerdote, como é o caso de Samuel, de Ezequiel (Ez 1,2) e do Primeiro Isaías (Is 6). É curioso que Amós, um dos mais autênticos profetas, na essência da palavra, não aceita ser chamado de profeta. Quando Amasias, sacerdote de Betel, escuta as denúncias e acusações de Amós, ele chega à conclusão de que a “terra/a corte de Jeroboão II não pode mais suportar todas as suas palavras”. Então, Amasias vai e diz a Amós: “vidente (ro’eh), vai embora daqui, vai para a terra de Judá; come lá o teu pão e profetiza lá. Porque aqui você não pode profetizar, porque Betel é um santuário do rei, uma casa do reino”. Ao que Amós responde: “Eu não sou profeta e nem filho de profeta. Sou um pastor (vaqueiro) e cultivador de sicômoros. E Javé me tirou de trás do rebanho” (Am 7,10-14).
  • 13. 13 O profeta e a literatura profética Mas, há, também, mulheres profetisas, como Míriam (Ex 15,20); Débora (Jz 4,4); Hulda (2Rs 22,14); a mulher de Isaías (Is 8,3); Noadias (Ne 6,15). Diferentemente dos profetas citados, elas não são sacerdotisas. Jesus também é identificado como profeta. Num determinado período de sua vida, parece que o movimento de Jesus passa por uma séria crise. Isso acontece quando ele começa a falar da cruz como exigência para o seu discipulado. E, à custa disso, parece que muitos seguidores o abandonam. Jesus, então, faz uma pergunta enigmática aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?”. Ao que eles respondem: “uns dizem que você é João Batista; outros dizem que é Elias; outros, ainda, um dos profetas” (Mc 8,28). As três associações que as pessoas fazem de Jesus estão relacionadas aos profetas: João Batista, Elias ou algum outro profeta. Isso leva a supor que, para as pessoas, estava claro: primeiro, o que é ser um profeta; e, segundo, que Jesus era um profeta, pela semelhança a eles no seu modo de agir. E o interessante é que Jesus nunca se diz profeta. Os outros o identificam assim. Similar ao que acontece com Amós. Portanto, hoje como ontem, o profeta impressiona, é odiado e é admi- rado. É martirizado, mas continua vivo. É memória que não se apaga. Profeta do centro e profeta da periferia Na Bíblia (Primeiro Testamento), podemos distinguir três tipos ou categorias de profetas. 1. Profetas da corte. São os profetas que estão a serviço do rei e são pagos pelo serviço. São uma espécie de conselheiros, que consultam a Deus a res- peito dos desejos e projetos do rei. Por exemplo: se o rei deve entrar em uma guerra, se Javé vai estar a seu favor, se vai vencer etc. Normalmente, esses profetas fazem o prognóstico a favor dos interesses do rei. Sabem que, se não o fizerem assim, perderão o emprego. É o caso, por exemplo, do profeta Natã, a serviço do rei Davi (2Sm 7, 1-17;1Rs 1,11-26); dos 400 profetas reunidos pelo rei Josafá para aconselha-lo se deveria atacar Ramot de Gilead ou não, uma vez que o profeta Miqueias, filho Jemla, sempre profetizava contra ele (1Rs 22,5-9). Ou ainda aqueles denunciados pelo profeta Miqueias, quando diz: “Seus juízes julgam por suborno, seus sacerdotes ensinam por salário e seus profetas vaticinam por dinheiro” (Mq 3,11). 2. Profetas do centro. São profetas da cidade, vivem no templo, alguns são sacerdotes, que estão a serviço do templo e também da corte e do rei. São
  • 14. 14 A Profecia nas Origens e suas Recepções respeitados pela sua sabedoria, mas, no final, comem da mão do rei. É o caso, por exemplo, do Primeiro Isaías, cuja vocação ele recebe no templo (Is 6); do profeta Ezequiel, que é sacerdote (Ez 1,2). É claro que eles podem chegar a defender os interesses do povo, como se vê, por exemplo, na denúncia do profeta Isaías contra a opressão (Is 10,1-2). Mas, dificilmente propõem mudanças estruturais, pois dependem do templo. Evidentemente, pode haver grupos internos que se diferenciam um do outro, com posicionamentos e atitudes mais ou menos comprometidos com as necessidades do povo. Em geral, em nossos dias, é com os membros desse grupo que poderiam ser identificados os agentes pastorais, padres, pastores, pastoras pertencentes de alguma forma a uma instituição religiosa, mas que lutam e sonham com mundo mais fraterno e solidário. 3. Profetas da periferia. Como diz o título, estes profetas não vivem no centro. Geralmente, vivem no campo e trabalham a terra. Podem viver em comunidades, como é o caso da comunidade de profetas de Eliseu. Essa co- munidade de profetas deixou um testemunho de organização solidária muito bonito. O livro de Segundo Reis relata alguns episódios desta comunidade exemplar. Um é o da viúva endividada (2Re 4,1-7), que por causa de uma dívida corre o risco de ver seus filhos serem vendidos como escravos pelo credor. A comunidade se organiza e todos ajudam com doações que permitem à viúva saldar sua dívida. Outro episódio é o da sopa milagrosa (2Rs 4,38-41), quando, devido à fome que reinava na região, alguém da comunidade acabou fazendo uma sopa com verdura imprópria, que quase envenenou toda a comunidade. Um terceiro episódio é o da multiplicação dos pães das primícias (2Rs 4,42-44), trazidos por um homem de outro vilarejo para a comunidade faminta. Eram apenas vinte pães, mas que foram partilhados e saciaram a fome de toda a comunidade, que era formada por cerca de cem pessoas. Essas comunidades de profetas têm tradição de serem muito críticas aos sistemas de governos monárquicos, que para a sua manutenção exploravam os camponeses. É o que se pode ver, por exemplo, na comunidade de profetas de Anatot, na região de Benjamin, da qual era oriundo o profeta Jeremias (Jr 1,1; 32,6-15; 37,12) e para a qual foi exilado o sacerdote Abiatar, que fazia oposição a Salomão (2Rs 2,26). Temos, ainda, outras referências a esse tipo comunidades, como é o caso da comunidade de profetas que vivia em Gabaá, também no território de Benjamin (1Sm 10,9-12). Mas, também existem profetas da periferia independentes, como parece ser o caso de Amós, Oseias, Miqueias, Sofonias etc. Evidentemente, atrás de
  • 15. 15 O profeta e a literatura profética suas denúncias e de seus oráculos, sempre tem uma comunidade. De uma ou outra forma, a voz desses profetas é a voz de uma comunidade, é um clamor coletivo. Eles costumam ser chamados de “vidente” (ro’eh); “homem de Deus” (ix haelohim); e, às vezes, também de “profeta” (nabii). Podem ser comparados, em alguns casos, aos nossos xamãs, aos videntes populares, aos pais e mães de santo etc. Normalmente, são vistos nos portões das cidades e nas praças públicas, denunciando a opressão e rogando praga sobre o rei, sobre as elites dominan- tes, sobre os juízes, sobre os sacerdotes e sobre os profetas oficiais. Pode-se imaginar um Amós gritando no portão da cidade: “Javé vai enviar fogo sobre Judá e ele devorará os palácios de Jerusalém” (Am 2,5). Uma forma de distinguir esse grupo de profetas dos dois grupos ante- riores é ver se o rei recorre a eles, quando necessita. Por exemplo, o rei nunca vai recorrer a um Amós para lhe pedir conselhos. A partir desse princípio, pode-se questionar se a profetisa Hulda (2Rs 22,14) era da periferia, uma vez que o rei Josias mandou consultá-la. Ainda que ela morasse na cidade nova, que foi a área para onde Jerusalém se expandiu com a chegada da grande massa de migrantes vindos do Norte, após a queda de Samaria. A misericórdia profética (ḥēsēd) Ajuda-nos a compreender melhor quem é o profeta e sua mensagem quando estudamos a fundo determinados conceitos utilizados por ele. Esta é, particularmente, a tarefa do exegeta. É uma forma dele (do exegeta) ser uma pequena extensão do profeta, dando eco à sua voz. E eu gostaria de me ater à expressão ḥēsēd, que traduzo por “misericórdia”. Tércio Siqueira (texto em elaboração) prefere a palavra “bondade”. Mas, eu acho que devemos insistir com a palavra “misericórdia” porque ela é uma palavra muito utilizada em nossas Igrejas e pastorais. E seu verdadeiro senti- do precisa ser resgatado. Por exemplo, na Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), o Papa Francisco, com a recente bula papal, Misericordiae vultus (“Rosto da misericórdia”), proclamou o ano de 2016 (08/12/15-20/11/16) como “o ano da misericórdia”. E, por isso, muito se tem refletido e falado sobre o signi- ficado da misericórdia. Considero que seja importante oferecer, também, nossa contribuição a partir de como os profetas entendiam o significado de ḥēsēd.
  • 16. 16 A Profecia nas Origens e suas Recepções O que se entende por misericórdia?  A palavra “misericórdia” vem do latim: miseratio (compaixão) + cor- dis (coração). É a junção de duas palavras, que podem ser entendidas lite- ralmente por “coração compadecido”. Ou, ainda, miserere + cordis: “ter o coração com os miseráveis”. Portanto, na sua raiz etimológica, “misericórdia” é um conceito sociológico, que reporta uma atitude solidária. Mas, nós sabemos que a linguagem é viva. Os sentidos das palavras mu- dam com o passar do tempo. Algumas perdem força, outras ganham força. Por exemplo, entre tantos, a palavra hebel – que nossas Bíblias traduzem por “vaidade” – particularmente no livro do Eclesiastes, que é o livro que mais utiliza essa expressão (KAEFER, 2016, p. 121), é completamente negativa. Hebel se refere a alguém ou a algo superficial, sem consistência, sem profun- didade, vazio, que passa sem deixar marcas, assim como a névoa. Na verdade, esse é o significado original de “vaidade” e, por isso, é a tradução correta de hebel. Contudo, “vaidade”, no português corrente, pode ter conotação positiva. Tem pessoas que gostam de se definir como “vaidosas”. Também podemos dar um exemplo do nosso cotidiano político e que estamos cansados de ouvir. Atentemos, por exemplo, para o tratamento “vossa excelência”, utilizado cons- tantemente no meio político entre deputados, senadores, juízes e ministros. O tratamento “vossa excelência” se tornou hoje sinônimo de ladrão. Você, caro leitor ou leitora, certamente se ofenderia se fosse tratado ou tratada assim. Enfim, como se entende comumente, no dia a dia, a palavra misericórdia ou o ato de ser misericordioso. Como o Dicionário Aurélio define misericórdia? O Aurélio apresenta quatro definições para misericórdia: 1. Compaixão suscitada pela miséria alheia. 2. Indulgência, graça, perdão. 3. Antigo punhal que os cavaleiros traziam do lado direito e com que matavam o adversário derribado, a menos que este pedisse por misericórdia. 4. Grito de quem pede compaixão, piedade ou socorro. Parece-nos que a compreensão mais comum, em nossos dias, é a se- gunda definição do Aurélio: “Misericórdia como uma indulgência, graça e perdão”. Basta mencionar a expressão que toda pessoa já deve ter ouvido: “Que Deus tenha misericórdia de sua alma” (Miserere mei, Deus: “Misericórdia de mim, Deus”).
  • 17. 17 O profeta e a literatura profética É provável que muitos entendam assim a proclamação do “ano da mise- ricórdia” do Papa Francisco, ou seja, como um ano para receber indulgências. Um ano de receber o perdão dos pecados. Não é assim que a Bíblia define ou utiliza a palavra misericórdia. A misericórdia (ḥēsēd) no livro do profeta Oseias A raiz de ḥēsēd, palavra que em português é comumente traduzida por misericórdia, aparece 255 vezes na Bíblia hebraica. Nos livros proféticos, ela aparece oito vezes no livro do profeta Isaías, das quais, quatro vezes no Dêutero-Isaías (40,6; 54,8.10; 55,3), três no Trito-Isaías (57,1; 63,7 (2x)), e só uma vez no Primeiro Isaías (16,5). Seis vezes no livro do profeta Jeremias (2,2; 9,23; 16,5; 31,3; 32,18; 33,11); três vezes no livro de Lamentações (3,22 e 332 (2x)); duas vezes em Daniel (1,9; 9,4); seis vezes em Oseias (2,21; 4,1; 6,4; 6,6; 10,12; 12,7) – que iremos analisar mais detalhadamente adiante; uma vez em Joel (2,13); duas vezes em Jonas (2,9; 4,2); três vezes em Miqueias (6,8; 7,18; 7,20); e uma vez em Zacarias (7,9). Na absoluta maioria das vezes, ela aparece no livro dos Salmos (SILVEIRA, 2016, p. 32-44). Portanto, nos livros proféticos ḥēsēd é mais usada em Oseias, Jeremias, Dêutero e Trito Isaías e Miqueias. Ou seja, para quem conhece os livros proféticos, já é possível ter uma aproximação ao significado de ḥēsēd. Todos estes profetas pertencem ao grupo que acima definimos como “profetas da periferia”. Na Bíblia, muitas expressões ou conceitos são utilizados de diferentes maneiras, com diferentes sentidos. Como a Bíblia foi escrita por muitas mãos e em diferentes períodos e contextos históricos, a forma que um autor de um livro bíblico usa um verbo ou substantivo às vezes pode diferir bastante da forma como outro autor o utiliza. Aí os dicionários não ajudam muito, pois estes sempre apresentam o sentido genérico da palavra analisada. Por isso, para nos aproximarmos melhor do sentido ou significado que uma palavra tem para determinado autor de um livro bíblico, precisamos recorrer à exegese. E, nesse caso particular, ao estudo semântico da palavra. Como fazemos isso? Analisando o campo semântico de onde o autor emprega determinado conceito. Avaliemos, então, como é empregada a palavra ḥēsēd no livro do pro- feta Oseias 2,21; 4,1; 6,4; 6,6; 10,12 e 12,7. Em 2,1, o autor emprega ḥēsēd, “misericórdia”, para falar do amor de Javé para com o seu povo, no intuito de resgatar o amor da sua vida. É Javé quem está falando para a sua amada, o povo de Israel, e diz assim:
  • 18. 18 A Profecia nas Origens e suas Recepções “Eu te desposaria para mim para sempre. E te desposarei para mim com justiça e com direito, e com misericórdia e com compaixões”. Portanto, aqui a ḥēsēd, “misericórdia”, está associada à “justiça” (ṣedeq), ao “direito” (mišᵉpat) e à “compaixão’ (raḥǎmîm). Assim, ḥēsēd é sinônimo de cuidado integral da pessoa, no caso, do povo. Significa dar amor, proteção, garantia de seus direitos, tratamento justo e compassivo. A passagem seguinte do emprego do conceito ḥēsēd em Oseias está em 4,1-2: “Escutem a palavra de Javé, filhos de Israel, pois Javé contenda com os habitantes da terra, porque não há fidelidade, nem misericórdia, nem conhecimento de Deus na terra. Perjurar, mentir, assassinar, roubar e adulterar transbordam. Sangue derramado em sangue derramado se juntam”. Aqui temos uma denúncia muito forte do profeta. A terra, o país, está cheio de perjúrio, mentira, assassinato, roubo e adultério. “Sangue derramado se junta a sangue derramado”. E não há fidelidade, não há ḥēsēd, não há conhecimento de Deus. Parece que o profeta chegou ao seu limite. Imagi- nemos a cena: Oseias parado junto ao portão da cidade gritando tudo isso. Como podemos ver, ḥēsēd apresenta aqui o mesmo campo semântico do verso anterior, só que muito mais intenso e abrangente. A veemência da denúncia de violência e injustiça social que o profeta faz aqui é praticamente única em intensidade na Bíblia. Por causa disso, Javé vai contender com os responsáveis e abrir um processo contra eles. As duas ocorrências seguintes se encontram no mesmo contexto lite- rário, 6,4.6: Que farei contigo Efraim? Que farei contigo Judá? Pois tua misericórdia é como névoa da manhã e como o orvalho que se cedo vai... Porque é misericórdia que desejo e não sacrifício, e conhecimento de Deus e não holocaustos”. Aqui é novamente Javé quem fala, interpelando Israel e Judá, porque a prática da justiça, a ḥēsēd, não existe ou é como névoa, que logo desaparece, é apenas aparência. A denúncia também revela que, por parte dos dirigen- tes do povo, existe uma exagerada preocupação com o culto, sacrifícios e holocaustos (DE SOUZA; AUGUSTA, 2016, p. 97-110). O curioso é que a interpretação comum de misericórdia em nossos dias, enquanto alcance de
  • 19. 19 O profeta e a literatura profética indulgência ou perdão dos pecados, é obtida por meio de sacrifícios e holo- caustos (VITÓRIO, 2016, p. 71-84), o que é condenado nesta passagem. Ou seja, misericórdia e holocaustos são antagônicos para Oseias. Parece que esta passagem de Oseias era bastante conhecida por Jesus e, por extensão, pelas primeiras comunidades cristãs. Em certa ocasião, numa ceia na casa de cobradores de impostos e pecadores, Jesus entra num embate com os fariseus por causa dos rituais de purificação. É, então, que ele cita literalmente para os seus oponentes este verso de Oseias: Éleos thelō kai oü thüsian “Misericórdia quero e não sacrifício” (Mt 9,13). Ou seja, as primeiras comunidades cristãs tinham uma particular preocupação com o tipo de ritos e sacrifícios que deviam praticar, especialmente a comunidade de Mateus, cujo evangelho cita literalmente duas vezes esse verso (Mt 9,13 e 12,7). O quinto uso de ḥēsēd no livro de Oseias ocorre em 10,12: “Semeiem para vocês a justiça e vocês colherão frutos de misericórdia. Arai para vocês um terreno sem arar, pois é tempo para buscar a Javé, até que venha e derrame justiça sobre vocês”. Aqui não está claro se é Javé quem está falando ou se é o profeta. Em todo caso, há uma forte interpelação do profeta, em nome de Deus, junto às autoridades, para que pratiquem/semeiem justiça e, então, colherão mi- sericórdia. Novamente, a misericórdia está ligada à prática da justiça, repetida duas vezes. Uma leva à outra. Quem semeia justiça (ṣedeq), colherá misericórdia (ḥēsēd). Quem busca a Javé, receberá a justiça (ṣedeq). A sexta e última vez em que ḥēsēd é usada em Oseias é em 12,7: “Mas tu, a teu Deus voltarás, misericórdia e direito guarda, e espere em teu Deus sempre”. Aqui já estamos na conclusão do livro, uma espécie de orientação final: voltar para Deus e guardar a ḥēsēd e o direito (mišᵉpat). Como se pode ver, também aqui encontramos a misericórdia (ḥēsēd) junto com o direito (mišᵉpat). Ou seja, a última referência mantém o campo semântico das re- ferências anteriores. Portanto, para o profeta Oseias, misericórdia é um conceito sociológico, que tem relação muito estreita com a prática da justiça e do direito, em defesa das pessoas mais vulneráveis socialmente. É uma questão de solidariedade
  • 20. 20 A Profecia nas Origens e suas Recepções (XAVIER, 2015, p. 453) com os marginalizados da sociedade. Outro aspecto a salientar é que, para Oseias, misericórdia (ḥēsēd) é uma palavra que vem de Javé, é sempre Javé quem está falando, ou está associada a ele. É uma palavra ou uma preocupação própria de Javé, por isso sagrada. Curiosamente, apesar de haver mãos diferentes na composição do livro de Oseias, o conceito de ḥēsēd foi mantido por todas elas. Com isso, deveríamos também rever o uso da palavra misericórdia no Segundo Testamento (NT). Como, por exemplo, quando ela é empregada nas “bem-aventuranças” de Mateus, quando Jesus fala aos apóstolos e ao povo, e a nós, hoje: Mt 5,7: Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.1 Dada à sua importância para a linguagem profética, com o tempo, a ḥēsēd dos profetas vai adquirindo novos significados, como “fidelidade”, “lealdade” e sendo associada à lei ou ao cumprimento dela. Passa, então, a ser um conceito por excelência de grupos ligados ao templo e à lei. De aí que surge o grupo denominado de “assideus” ou hassidim, no hebraico, um grupo ou partido religioso que se autodenominava fiel e leal à lei (1Mac 2,42; 7,13; 14,6). Esse grupo era muito próximo dos macabeus, e parece ter lutado ao seu lado na guerra contra Antíco IV Epífanes. Ao que se sabe, do grupo dos assideus surge, mais tarde, o grupo dos fariseus. É possível, também, que a comunidade de Qumrã tenha sido remanescente desse grupo. Análise libertadora da literatura profética A partir da recuperação do significado de ḥēsēd nos profetas, eu vejo também a necessidade de um resgate mais amplo de toda literatura profé- tica, no que diz respeito à leitura contextualizada dos livros proféticos. Ou seja, não só a necessidade da centralidade da literatura profética em nossos centros acadêmicos e projetos eclesiais e pastorais, mas a forma como se faz a abordagem da literatura profética. Se não se tem um olhar sociológico, dificilmente se entenderá o que é misericórdia para os profetas e nem se entenderá os próprios profetas. 1 De aí se estende o significado de misericórdia (Eleos) para outras passagens do NT, como no Magnificat de Maria (Lc 1,50) e no Benedictus de Zacarias (Lc 1,72) ou ainda para Lc 6,36: “Sede misericordiosos, como vosso pai é misericordioso”.
  • 21. 21 O profeta e a literatura profética Como diz Mircea Eliade, “é sempre numa certa situação histórica que o sagrado se manifesta. Até as experiências místicas mais pessoais e mais transcendentes sofrem a influência do momento histórico” (ELIADE, 2002, p. 9). A partir disso, tem lugar a seguinte pergunta: Se tirássemos Jesus de seu contexto histórico, ele ainda seria Jesus? Nós não temos o domínio so- bre os mistérios de Deus, mas é praticamente impossível conceber Jesus de Nazaré fora do ambiente messiânico-judaico da Palestina de dois mil anos atrás. Ou seja, Jesus não seria esse Jesus que nós conhecemos fora do seu ambiente histórico. Com isso se reafirma que o profeta é fruto do seu tempo. Tirá-lo de seu contexto é tirar a sua identidade. Por isso, ele deve ser lido dentro de seu contexto histórico e literário para ser compreendido. Evidentemente, um texto sempre é interpretado a partir do contexto particular, cultural e histórico do leitor e da leitora. Não é possível fazer uma interpretação isenta dessa influência. Contudo, é somente com o domínio da identidade, pelo menos aproximada, do profeta em seu contexto histórico que sua mensagem pode ser interpretada e atualizada para épocas e contextos distintos. Sem esse conhecimento prévio, pode-se até tentar, mas não será a mensagem do profeta que será atualizada. Leitura sincrônica e leitura diacrônica As palavras são manipuladas. Elas perdem ou ganham força dependendo da boca de quem as pronuncia. Na Bíblia também é assim. Desde a crise da teoria das fontes, na década de 1980, surgiram vários métodos de leitura bíblica. Nos últimos anos, uma forte tendência é a con- centração do estudo do texto na sua forma final, unida à leitura canônica (KAEFER, 2014, p. 123-124). Tomemos como base a pesquisa da história da redação dos livros proféticos, que se divide em três fases (SCHMID, 2010, p. 388-400). A primeira fase situa-se no século XIX e início do século XX. Nesta etapa, em geral, considerava-se que os escritos remetiam literalmente aos pro- fetas históricos. É o que comumente se denomina por leitura fundamentalista. A segunda fase situa-se a partir da metade do século XX, quando se começa a falar mais insistentemente em redações ou camadas. Ou seja, haveria no texto unidades ou perícopes que rementem aos profetas históricos, sendo testemunhos autênticos desse ou daquele profeta. E partes ou unidades que
  • 22. 22 A Profecia nas Origens e suas Recepções seriam redações acrescidas, muitas vezes carregadas de ideologias do poder dominante, da corte e do templo. Chegou-se, em muitos casos, ao exagero de seccionar o texto em múltiplas partes, multiplicando-se as fontes. Evi- dentemente, o valor maior e mais buscado recaía sobre a parcela que possi- velmente remitia ao profeta originário. O problema era que, em não poucos casos, algumas unidades que por uns eram remetidas ao profeta original, por outros eram atribuídas a uma redação posterior, o que, obviamente, resultava numa enorme confusão para o leitor ou leitora. A terceira fase surge no final do século XX e se intensifica no prin- cípio do século XXI. Esta análise volta seu olhar para a redação final e o conjunto da obra. Enquanto as duas primeiras se interessam pelo profeta, aquilo que ele disse e na autenticidade do texto, a terceira se preocupa com a forma conjunta do texto. De maneira genérica, pode se dizer que as duas primeiras estão mais voltadas para o conteúdo – quem foi que disse, quando, onde e para quem –, enquanto a terceira está mais interessada na forma e na estética do texto. Os argumentos a favor desse modelo (SCHMID, 2010, p. 392.) partem do princípio de que a profecia, assim como os demais livros bíblicos, é o resultado de um longo processo coletivo que resultou no livro. Os redatores subsequentes também estariam no mesmo plano do profeta, ou seja, também seriam profetas, uma vez que tiveram a capacidade de reinterpretar e inovar a profecia e de incluir uma nova mensagem também entendida como profecia. Nesse sentido, os escribas também seriam profetas. Tanto que, alguns livros proféticos podem ser atribuídos integralmente a escribas, como no caso dos livros de Malaquias e Jonas. Assim, já não haveria mais profeta autêntico no Primeiro Testamento, uma vez que as palavras do profeta, a tradição oral, foram postas por escrito e as redações posteriores de pequenas unidades ou frases já são interpretações. O crescimento literário dos livros proféticos po- deria ser comparado a uma “floresta incontrolável” ou uma avalanche sempre crescente, em que não seria possível distinguir camadas menores ou maiores. Não pensamos assim. Primeiramente, não há como negar a existência de camadas maiores ou menores nos livros bíblicos. Apenas para citar algumas: Como negar as diferenças das tradições na narrativa da história de Abraão, Isaac e Jacó, presentes no livro do Gênesis ou da história de José, que é claramente uma unidade que foi acrescida tardiamente ao livro de Gênesis? Ou, no caso dos livros proféticos, nosso objeto, como não perceber a di- ferença dos capítulos 40-48 do profeta Ezequiel – nos quais se encontra o
  • 23. 23 O profeta e a literatura profética fundamento da teocracia do pós-exílio –, dos demais capítulos do livro? Ou o apocalipse de Isaías, capítulos 24-27, que não pode ter sido escrito antes do século V da nossa era? Perdas do estudo bíblico sem contexto É evidente que há contribuições da leitura sincrônica que podem ajudar, em muito, na análise dos textos bíblicos. No entanto, o estudo que permanece somente no nível sincrônico pode resultar em sérias perdas para a pesquisa bíblica. Elencamos algumas: a) Ignorar o contexto, tanto da formação oral da profecia quanto do redator. Por mais difícil que possa ser, entendemos que, para a compreensão do conteúdo, é fundamental buscar situar o texto em seu contexto. Sem contexto, a profecia perde a força da denúncia. Tirar o contexto e a identidade do profeta é uma forma de matar o profeta outra vez. b) Igualar todos os profetas, não importando se é da periferia ou do centro, do campo ou da corte e do templo. c) Colocar o mesmo peso numa denúncia contra a opressão dos po- bres e numa preocupação com o cumprimento da lei que favorece o templo e o palácio. d) Privilegiar a forma e relativizar o conteúdo. Entendemos que a forma é importante por causa do conteúdo, que é o que deve ser o objeto final da pesquisa. e) Evitar a leitura crítica da Bíblia. f) Tirar a importância da exegese. Um estudo bíblico sem contexto coloca o mesmo peso em uma denúncia contra a exploração dos pobres e uma preocupação com o cumprimento da lei que favorece o templo e o palácio e oprime o pobre. É diferente quando um Chico Mendes ou Marina Silva falam de sustentabilidade e quando Re- nan Calheiros ou José Sarney ou ainda a Vale falam de sustentabilidade. O Deus do profeta e o Deus do rei não são os mesmos. É diferente quando um José Comblin fala de Jesus e quando um candidato à presidência dos EUA fala de Jesus. É verdade que a hermenêutica permite atualizar o conteúdo bíblico, e está aí uma das grandes riquezas e diferenças da mensagem bíblica em relação
  • 24. 24 A Profecia nas Origens e suas Recepções à outra literatura, mas esse conteúdo nunca perde suas raízes. Se as perder, deixará de ser relevante. Ou seja, o Evangelho, assim como as palavras de um profeta, é importante porque foi Jesus ou o profeta quem disse, dentro de seu contexto e em seu tempo. Se colocarmos esse mesmo conteúdo na boca de uma pessoa do nosso tempo, como sendo de sua autoria, esse conteúdo certamente perderá relevância. Por isso, a mensagem bíblica é atualizada, reinterpretada, mas não mudada. Na América Latina, aprendemos a ler a Bíblia a partir da periferia para o centro. Como todo texto é um produto da sua época, carregado de teor social, religioso, econômico, literário, de gênero etc., ele traz em suas letras a marca, tanto da classe dominante, como da classe dominada da sociedade que o produziu. O estudo bíblico na América Latina e Caribe se “especiali- zou” em resgatar os valores culturais dos empobrecidos, seus sonhos e suas lutas, que se encontram nas entrelinhas do texto bíblico. A literatura profé- tica, excepcionalmente, traz um subsídio enorme para essa leitura. Por isso, nenhum estudo sério da literatura profética, nenhum plano de aula, deveria olvidar a abordagem sociológica. Senão, como se poderia dar eco a palavras como as de Miqueias ou Amós, para citar algumas: Mq 2,1-2: Ai dos que pensam iniquidade e tramam maldade em seus leitos, e o executam à luz da manhã, porque têm o poder em suas mãos. Se cobiçam campos, eles se apropriam deles, e se casas, eles as tomam. E oprimem o varão e sua casa, a pessoa e sua herança. Mq 3,1-3: ....Escutem agora chefes de Jacó e magistrados da casa de Israel. Não cabe a vocês conhecer o direito? Vocês que odeiam o bem e são amantes do mal, que arrancam do meu povo a pele e a carne de seus ossos. Que comem a carne do meu povo e lhe arrancam a pele. Vocês lhe quebram os ossos, como para o caldeirão, e lho cortam como carne para a panela. Mq 3,9-10: Agora escutem isto, chefes da casa de Jacó e magistrados da casa de Israel. Vocês que desprezam o direito e pervertem tudo o que é reto. Vocês que edificam Sião com sangue e Jerusalém com iniquidade. Am 6,1.4-6: Ai dos que vivem tranquilos em Sião e dos que estão seguros no monte de Samaria... Ai dos que dormem em camas de marfim, e se estendem sobre os seus leitos, e comem os cordeiros do rebanho, e os novilhos do meio do curral; Que cantam ao som da har- pa, como Davi, e inventam para si instrumentos musicais; Que bebem vinho em ta- ças e se ungem com o mais fino dos óleos, mas, não se preocupam pela ruína de José.
  • 25. 25 O profeta e a literatura profética Am 8,4-6: Ouvi isto, vocês que pisoteiam o necessitado para fazer desaparecer o pobre da terra. Vocês que dizem: quando passará a lua nova, para vendermos o grão, e o sábado, para negociar- mos o trigo, para diminuir a medida e aumentar o preço e enganar com balanças falsas? Para comprar com dinheiro os pobres, o necessitado por um par de sandálias e vendermos o refugo do trigo? Referências DE SOUZA, Neusa Silveira; AUGUSTA, Maria de Lourdes. “Eu quero misericórdia e não sacrifício” (Os 6,6). In: Estudos bíblicos, n. 129. Petrópolis: Editora Vozes, 2016, p. 97-110. ELIADE, Mircea. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 7-38. KAEFER, José Ademar. Coélet e a Idolatria ao Dinheiro: Um Estudo do Eclesiastes. Saarbrücken, Deutschland: Novas Edições Acadêmicas, 2016. _____. Hermenêutica bíblica: Refazendo caminhos. In: Estudos de Religião, vol. 28, n.1. São Bernardo do Campo: UMESP, 2014, p. 115-134. SCHMID, Konrad. A formação dos últimos profetas (história da redação). In: RÖMER, T.; MAC- CHI, J.-D.; NIHAN, C. (orgs.). Antigo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2010, p. 388-400. SILVEIRA, Rogério Goldini. “Porque para sempre é a misericórdia dele”: Hesed do Senhor no Sl 136. In: Estudos Bíblicos, n. 130. Petrópolis: Editora Vozes, 2016, p. 32-44. SIQUEIRA, Tércio Machado. O conceito de hesed, “solidariedade”, “bondade”, no Antigo Testamento (texto em elaboração). VITÓRIO, Jaldemir. O culto desagradável a Deus: A denúncia profética da falsa religião em Is 1,10-20. In: Estudos bíblicos, n. 129. Petrópolis: Editora Vozes, 2016, p. 71-84. WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UnB, 1991. XAVIER, Suely. Sobre opressão e violência versus solidariedade e direito! Uma leitura de Os 12,2-11. In: Estudos Bíblicos, n. 128. Petrópolis: Editora Vozes, 2015, p. 445-457.
  • 26.
  • 27. 27 A espiritualidade no Antigo Testamento * Doutor em Ciências da Religião, presbítero da Igreja Metodista, docente aposentado da Escola de Teologia e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Tércio Machado Siqueira* Inicialmente, devo confessar que a intenção deste artigo é muito preten- ciosa, já que este tema é amplo e difícil de ser analisado. Todavia, a espiritu- alidade faz parte da história da religião do povo israelita, contada no Antigo Testamento (AT). É bem verdade que a monarquia levou Israel a perder boa parte de sua identidade de fé, seja no âmbito político, seja no âmbito social. Por esta razão, um estudo sobre a espiritualidade do povo de Israel requer uma análise da religião dos israelitas nos seguintes períodos: tempo do tri- balismo, anterior à monarquia; período da monarquia, entre Davi e Sedecias (século X aC ao início do século VI aC); e período após o exílio babilônio. Evidentemente, esta divisão em quatro períodos não é suficiente para obter esclarecedoras conclusões. Todavia, ela pode trazer bons elementos para o esclarecimento deste tema no Novo Testamento. Sobre o tema da “espiritualidade”, quero fazer uma referência ao impor- tante artigo de meu professor Rolf Knierim (1995). A minha intenção neste trabalho, ao contrário do estudo de Knierim, é pesquisar, individualmente, a espiritualidade presente em quatro grupos, ao longo da história da religião de Israel, em tempos do Antigo Testamento. A religiosidade no período tribal As descobertas arqueológicas têm mostrado que os primeiros sinais do estabelecimento dos israelitas, em Canaan, não foi no Sul, Reino de Judá, mas na região Norte, o conhecido Reino do Norte. É nessa região que a
  • 28. 28 A Profecia nas Origens e suas Recepções arqueologia tem encontrado sinais das primeiras comunidades israelitas (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003). A espiritualidade dos membros da primeira comunidade de israelitas, em terras de Canaan, é encontrada na família. Aqui, é importante revelar que a família, dentro dessa cultura, estava estreitamente ligada ao conceito de povo, pois a religiosidade pessoal é oriunda da família ou “casa do pai”, que Winfried Thiel (1988) chama de bet ’ab. É bem verdade que Israel pretendeu formar uma nova sociedade onde o amor, bondade e a solidariedade fizessem parte do projeto de vida e convivência para a nova sociedade. É evidente que Israel não fez tudo isso por acaso, mas o povo da Bíblia tinha dois modelos em vista: o primeiro foi a cultura religiosa dos povos do antigo Oriente Médio, que passou para Israel práticas de vivência humana com base na família, em especial. O segundo modelo foi uma influência inversa, isto é, uma reação às práticas políticas e religiosas do Egito, conforme as informações reveladas pelas cartas de Tell el-Amarna (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003, p. 148-149). A religião de Israel tem como base a promessa que Javé fez ao povo hebreu de libertá-lo da escravidão do Egito e conduzi-lo a Canaan (cf. Êx 1–18). Essa promessa foi confirmada no Monte Sinai, onde Deus fez seu povo conhecer todas as suas leis e preceitos (cf. Êx 19–Dt 34). Os editores do Pentateuco, apesar das muitas inserções ao longo da história, mantiveram alguns elementos próprios da religiosidade do antigo Israel: a espiritualida- de da família (cf. Dt 6,4-9). Podemos observar que essa espiritualidade se estende à responsabilidade social (cf. Dt 6,20-25). A criança e a família são colocadas no cenário das decisões e projetos do povo, constituindo-se uma figura importante na sociedade. Ainda falando da religiosidade familiar, não podemos nos furtar de mencionar a religiosidade que encerra os nomes próprios. É certo que a escolha dos nomes próprios pertence ao âmbito da família. Assim, não é mera casualidade encontrar, na história bíblica, nomes teofóricos. Nomes contendo as inscrições “El” (Ezequiel, Deus dê força) ou “Yah” (Josafá, Javé julga; Josias, Javé é salvação) revelam a afinidade com Deus e, ao mesmo tempo, uma forma de declarar a fé nele. Enfim, eles testemunham a fé no Deus que continua agindo na história. A religiosidade pessoal entre os profetas As melhores informações sobre a religiosidade dos profetas vêm de suas atividades junto aos agrupamentos de onde eles têm origem. Sabemos
  • 29. 29 A espiritualidade no Antigo Testamento que os profetas, especialmente os do Reino do Norte, surgiram de grupos de videntes estáticos, mas mantiveram vínculos com a religiosidade da casa paterna. Eliseu, no século IX aC, é o exemplo claro que o AT apresenta. Ele conta que Eliseu reuniu, junto a ele, discípulos que participavam de sua obra (1Rs 19,19-21). O texto revela que esses discípulos participavam de sua ativi- dade carismática e conviviam com a simplicidade e a pobreza (2Rs 4,38-44; 6,5; 9,1). Não só Eliseu, mas o profeta Isaías, um século depois, dá sinais da religiosidade familiar: ele faz menção de um círculo de discípulos que fazia parte de sua prática profética: Conserva fechado o testemunho, sela a instrução entre os meus discípulos (Is 8,16). Isaías cita expressamente os discípulos, os limundim, que possuíam uma relação de proximidade, não só com a pregação, mas com as práticas de vida e missão do mestre. Esse registro é significativo para a história dos profetas, já que a religiosidade desses discípulos se dava nos círculos proféticos de oposição aos reis. Não só Isaías, mas outros profetas bíblicos sugerem a presença de gru- pos em redor deles, participando dos mesmos propósitos do mestre. Hans Walter Wolff (1969, p. 131-133) sugere que Amós possuía uma escola de profetas em torno de si; a formação de pequenas perícopes do livro de Oséias pode sugerir que, por trás dessa formulação literária e teológica, havia um grupo de discípulos atuando junto ao mestre (Os 4–14); também Jeremias possuía uma ampla retaguarda que o amparava em sua difícil missão. Explici- tamente, o seu livro menciona a atuação do escriba Baruch (cf. Jr 36 e 45) e os anciãos (Jr 26,17-18), que agiam como suportes à sua atividade profética. O fato de constatar e mencionar a existência de círculos de discípu- los em torno dos profetas não quer dizer que os discípulos só agiam nos empreendimentos políticos. O círculo de discípulos constituía uma espécie de comunidade cúltica na qual eles desfrutavam uma experiência pessoal de fé que ajudava o profeta a manter-se firme na difícil missão (ALBERTZ, 1999a, p. 332-337). Assim, o círculo dos discípulos tinha muito a ver com a religiosidade da família: ambos os grupos atuavam como suporte do javismo, no subterrâneo da sociedade israelita. A lamentação: herdeira da religiosidade familiar A religião familiar nunca perdeu sua força junto ao povo israelita, pois agiu no subterrâneo da sociedade como suporte do javismo. É certo que a política dos reis e dos sacerdotes do templo de Jerusalém procurou desvincular-se das formas primitivas da religião, porém a família, no secreto da sociedade, conservou a substância de suas práticas. Isto fica claro no
  • 30. 30 A Profecia nas Origens e suas Recepções período pós-exílio, quando o povo israelita perdeu toda a sua dependência à teologia monárquica. Exilado, sem rei e sem terra, o povo volta-se para suas práticas religiosas básicas. Evidentemente, a religiosidade familiar ganhou no- vas formas de expressão. Primeiramente, ela se expandiu para a religiosidade pessoal de lamentação (cf. Sl 3–7). Estas expressões de lamento possuem um dado que vai além da queixa: são orações que expressam lamento pelo sofrimento, mas afirmam sua confiança e esperança na resposta de Javé. Em segundo lugar, a influência religiosa da família proporcionou o surgimento dos cânticos de louvor e ação de graças (cf. Sl 46; 48; 76). Portanto, não é difícil supor que o lamento e a ação de graças, tão presentes no período do exílio e pós-exílio, foram um resgate do culto familiar feito pelo movimento dos profetas. Certamente, a oração de lamento ajudou o povo no exílio a se manter firme em sua difícil vivência nesse período de muita perda. Os salmos de lamentação mostram a importância dessas orações na tarefa de consolar, animar e enfrentar as enormes perdas humanas e materiais. A religiosidade pessoal, assim, voltou a ser uma prática em comunidade cúltica, de forma pública. Afora o culto familiar, o cuidado pastoral era restri- to aos membros da família, no período do exílio e pós-exilio; os testemunhos de religiosidade pessoal tornam-se populares, pois o sofrimento atingia uma parte maior da sociedade. O lamento pela perda do rei, da terra e de familiares se estendeu por outros motivos. O livro de Salmos mostra cerca de quarenta composições de lamento em que o motivo se diversifica: a queixa pelo exílio se estende, especialmente, contra a atuação dos malfeitores, denominados rexaim, na co- munidade (cf. Sl 10,2.15; 17,9.13) e instrui os celebrantes a evitar a maldade (cf. Sl 37,10.17.28.34.38.40). A espiritualidade da Torá À medida que o tempo passava e os confrontos se multiplicavam no âmbito sociorreligioso, os desafios levaram o povo a criar novas soluções e declarações de fé. Assim ocorreu no século III aC, no início do Império Grego. O povo judeu encontrava-se desarticulado e sem forças diante de mais uma ameaça política e as consequências da ruptura com o povo samaritano. Essa difícil situação enfrentada pelos judeus fez nascer um novo tipo de teologia, algo próximo da piedade pessoal, expressa nos lamentos. Os sábios da classe alta promoveram a teologia em torno da piedade da Torá. A finalidade desse modelo de teologia era intensificar a busca dos ensinos
  • 31. 31 A espiritualidade no Antigo Testamento divinos para obter a solução dos problemas de deserção e esfriamento da fé. A cultura grega, com suas práticas contrárias aos princípios fé do povo judeu, era uma ameaça à Torá. O Salmo 1, na ordem bíblica, é o primeiro a ser o porta-voz da teologia da piedade da Torá. O seu tema é o justo e a felicidade humana. O salmista sábio usa a figura do malfeitor, raxa´, para caracterizar a sociedade perversa do seu tempo. Para o autor do Salmo, a pessoa justa, sadiq, é o libertador da sociedade. Ele exalta e caracteriza o justo como alguém criativo e produtivo para o bem-estar da comunidade. Se o salmista promove a conduta do justo, sadiq, como exemplo de solução para a sociedade, ele, também, desestimula qualquer interesse pela conduta do raxa´, malfeitor. Qual foi o interesse do compositor deste salmo e do movimento de leitura piedosa da Torá? É sabido que a comunidade dos judeus estava de- sorganizada, vivendo à mercê da política grega. O Salmo 19 segue, com os Salmos 1 e 119, a mesma tradição de leitura piedosa da Torá. A data de sua composição e o lugar vivencial se identificam com os dois outros salmos. O salmista mostra duas grandezas, criadas por Deus, fundamentais para o equilíbrio e a ordem do mundo: o sol (v. 2-7) e a Torá (v. 8-11). Esse compositor usa de outra metodologia para definir a Torá, embora não fugindo do princípio piedoso de tratar a Torá. Ele descreve a Torá de duas formas: adjetivando e qualificando-a pelo que ela representa e faz na comunidade. Por isso, os Salmos 19 e 119 mostram muitas afinidades. mostra duas grandezas, criadas por Deus, fundamentais para o equilíbrio e a ordem do mundo: o sol (v. 2-7) e a Torá (v. 8-11). Esse compositor usa de outra metodologia para definir a Torá, embora não fugindo do princípio piedoso de tratar a Torá. Ele descreve a Torá de duas formas: adjetivando e qualificando-a pelo que ela representa e faz na comunidade. Por isso, os Salmos 19 e 119 mostram muitas afinidades. A Torá, torah, de Javé é perfeita a que faz voltar a vida, O Testemunho, ‘edut, de Javé é fiel faz saber o ingênuo, As Ordens, pequdah, de Javé são retas as que fazem alegrar o coração, Os Mandamentos, misewah, de Javé são puros o que faz alumiar os olhos, O Temor, yir`ah, de Javé é genuíno o que permanece para a eternidade, Os Julgamentos, mixepat, de Javé são verdades são justos igualmente. Os que são mais agradáveis como ouro e como ouro muito puro, e doçura de mel e mel de favos. O espaço que melhor abrigou a espiritualidade da Torá está na vontade de transferir para a Torá a solução dos desafios que os judeus enfrentavam. A Torá não somente é perfeita, fiel, reta, pura, genuína e verdadeira, mas ela produz nas pessoas vida plena, justa e eterna, sabedoria, alegria, discernimento. Muito mais! A Torá é valiosa como o ouro depurado e é saborosa como o
  • 32. 32 A Profecia nas Origens e suas Recepções O espaço que melhor abrigou a espiritualidade da Torá está na vontade de transferir para a Torá a solução dos desafios que os judeus enfrentavam. A Torá não somente é perfeita, fiel, reta, pura, genuína e verdadeira, mas ela produz nas pessoas vida plena, justa e eterna, sabedoria, alegria, discernimento. Muito mais! A Torá é valiosa como o ouro depurado e é saborosa como o mel de abelha. Estas comparações são ricas e significativas. O salmista compara o valor da Torá com o ouro depurado no fogo e sua consistência imperecível; também compara com a doçura que os favos de mel contêm. Se o ouro é consistente e imperecível, o mel é saboroso e portador de saúde para os seres humanos. Assim, o autor do salmo 19 usa uma linguagem diferente daquela en- contrada no célebre Código do rei Hammurabi, recheada de leis casuísticas, cuja influência vem dos legisladores estrangeiros (cf. Lv 20,2-6; Dt 21,18- 21). O salmista, da tradição sapiencial, propõe ver as normas com o sabor da doçura do mel. Por fim, o Salmo 119, com seus 176 versos, amplia a definição dos sábios sobre a Torá. Este salmo pertence à mesma tradição dos Salmos 1 e 19, mas mostrando mais afinidades literárias e teológicas com o segundo. As razões para esta afirmação são claras, pois há muitos elementos que guar- dam semelhanças: 12, 8b = 119,130; 12,9a = 119,137; 19,11 = 119,103.127. Também os dois salmos usam palavras hebraicas afins: ´eqeb, “recompensa” (Sl 19,12 e Sl 119,33.112) e xagah, “errar” (Sl 12,13 e Sl 119, 67.118). Além disso, os dois salmos usam os mesmos substantivos como sinônimos de Torá: ´edut, “testemunho”; misewah, “mandamentos”; pequdah, “decretos”; yir`ah, “temor”; e mixepat, “julgamento”.1 Todavia, o padrão literário mostra diferença na exposição dos argumentos que definem a Torá. O conceito de Torá, encontrado nos Salmos 1, 19 e 119, não possui, exatamente, a lei incluída no Pentateuco: não é aquela denominada “Torá de Moisés”, e nem possui o sentido nomístico de lei. Estes três salmos acentu- am a Torá com o sentido mais divino do que humano. Por isso, a pessoa que a lê deve contemplar a Torá, nabat (cf. Sl 119,6.15.18) e xa´a´, deleitar-se na sua leitura (119,16.47.70) e se ocupar com ela, siah (119,15.23.27.48,78.148), e o Salmo 1 acrescenta o verbo meditar, hagah (v. 2). Entendemos que o tratamento da Torá, nestes salmos, deve ser diferen- ciado daquele que temos no Pentateuco: (1) a Torá dos Salmos 1, 19 e 119 1 O Sl 12 não usa os sinônimos hoq, estatuto; `imerah, promessa; sedeq, justiça e dabar, palavra, enquanto o Sl 119 faz uso destes termos 20, 19, 13 e 22 vezes, respectivamente.
  • 33. 33 A espiritualidade no Antigo Testamento não é um documento fixo em sua definição; (2) o conceito de Torá, nestes salmos, tem uma compreensão mais ampla do que o legalismo da lei; (3) esta duplicidade de conceito da Torá, certamente, está nas tradições que estão por trás de suas formulações: tradição sacerdotal e tradição sapiencial. O movimento sapiencial viu o projeto de Javé desvinculado da história e num momento de grande crise para o povo judeu. Para os sábios, a comunidade judia precisava da Torá para organizar e dar sentido aos seus passos, porém o uso e a prática dessas instruções divinas careciam de um método novo no seu uso. Assim os sábios propuseram. O Salmo 19 afirma: A Torá de Javé é perfeita, é a que faz voltar a vida, nepex (v. 8); enquanto isto, o Salmo 119 enfatiza que “viver”, hayah, é saber guardar, ter prazer, não envergonhar desta esperança, discernir e louvar os ensinos contidos na Torá (v. 17.77. 116.144.175). Por esta razão, o salmista insiste com o pedido faze-me viver (v. 25.40. 50.88.107.149.154,156.159). Para ele, viver é obedecer às instruções divinas. Esta obediência não exige sacrifício dos fiéis. O salmista prefere denominar Javé, o Deus que deu a Torá, de bondoso, hesed (v. 41.64.76.88.124.149.159). Não é difícil dizer que o salmista dedica e obedece à Torá com amor, `ahab (v. 49.97.113.119.127.140.163.165. 167); com prazer, xa´a´ (v. 16.24.47.70.77.92.143.174); e com muito regozijo, sis (v. 14 e 162). Estas declarações do salmista levam os leitores e leitoras a crer que o compositor ou compositores deste salmo encaravam a Torá com um excesso de espiritualidade. Conclusão Graças ao excelente trabalho Rainer Albertz (1999b, p. 770-782) a pesquisa bíblica sobre espiritualidade aprofundou e avançou, abrindo no- vas possibilidades para a interpretação das palavras de Jesus sobre a Torá. A religiosidade sempre esteve presente entre os israelitas, seja na forma- ção da família, seja na proclamação profética ou na reação do povo oprimido pelo exílio imposto pelos babilônios. Todas estas reações piedosas surgiram entre os membros da chamada “classe baixa”. Todavia, diante dos desafios criados pela cultura grega e a ruptura com os samaritanos é que a aristocracia fez uma nova proposta de postura teológica. Para os sábios, a solução seria buscar na Torá os ensinos que ela contém. Ao contrário do que pensavam os legalistas, a proposta dos sábios não incluía um legalismo externo ou obediência à letra da lei. O centro dessa nova espiritualidade bíblica estava
  • 34. 34 A Profecia nas Origens e suas Recepções voltado para o contato com a Torá, especialmente emocional. Os sábios pregavam a necessidade de cada pessoa se aproximar de Deus, orientando os seus pensamentos, suas ações, afetos e emoções às Escrituras. Esta atitude define a espiritualidade ou piedade proposta pelos Salmos 1, 19 e 119. Entendemos, com a leitura do Novo Testamento, que a fuga do le- galismo, referindo-se à Torá, ajudou na pregação de Jesus de Nazaré. Na discussão com os fariseus, Jesus expôs e ampliou o conceito da Torá dos sábios. Nos Salmos 1, 19 e 119, os sábios reafirmaram que a Torá, exposta no Pentateuco, é reinterpretada, sem perder o seu núcleo básico. Os fariseus e escribas não entendiam assim, por isso o embate com Jesus, que afirma com absoluta convicção: Não penseis que vim revogar a Torá ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento (Mt 5,17). Referências ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel em tiempos del Antiguo Testamento. vol. 1. Madrid: Editorial Trota, 1999a. ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel em tiempos del Antiguo Testamento. vol. 2. Madrid: Editorial Trota, 1999b. FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, N.A. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa, 2003. KNIERIM, Rolf. The Spirituality of the Old Testament. In: The Task of the Old Testament Theology. Grand Rapids: W.B. Eerdmans, 1995, p. 269-297. THIEL, Winfried. A Sociedade de Israel. São Leopoldo; São Paulo: Sinodal; Paulinas, 1988. WOLFF, Hans Walter. Amos and Joel. Minneapolis: Augsburg Fortress, 1969.
  • 35. 35 Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl João Batista Ribeiro Santos* Introdutoriamente, abordaremos os inícios identificáveis da divinação como manifestação de visionário. Desde o período Paleolítico superior, entre 35.000 e 10.000 anos atrás, especialmente com o Homo sapiens, as atividades de reverência aos entes mortos dirigidas com os sepultamentos e o culto aos ossos de parentes têm sido atestadas por pesquisas arqueológicas no antigo Oriente-Próximo. Quando nos referirmos à “função” do profetismo, será apresentada a similaridade dos textos proféticos de Mārī e Kinaḫnu com a Bíblia hebraica, pela maior interação cultural entre as populações siro- -mesopotâmicas e as populações israelitas. Especificamente, comprova-se a presença de xamãs1 no sul da África. Eles não buscavam lugares de isolamento pessoal, viviam entre os demais moradores do local e obtinham suas visões durante o transe ocorrido por meio de uma dança (LEWIS-WILLIAMS, 2015, p. 171). Mas existiam vi- sionários que não eram xamãs, que obtinham poder à maneira de um líder * Mestre em História Política (pesquisa em História Antiga e Medieval) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre e doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Docente da Escola de Teologia da UMESP. joao.ribeiro@metodista.br 1 Aqui apresentamos as significâncias: “Cremos que ‘xamanismo’ indica utilmente um universal humano – a necessidade de compreender o sentido de uma consciência mutante – e a for- ma em que isto se realiza, especialmente, ainda que não sempre, entre caçadores-coletores” (LEWIS-WILLIAMS, 2015, p. 135). Quanto aos profetas, “o nabi é [...] por força do cargo, e não por motivos pessoais, um nabi da salvação. Um nabi da desgraça constitui uma contradição em si mesmo” (A.A. Johnson, apud HESSE, 1985, p. 150). Nābî’ é derivado do verbo nāba‘, que significa “extravasar palavras”; o acadiano nabû significa literalmente “aquele que é chamado”. Rō’eh, significa “visão”, literalmente “aquele que vê”, “vidente”; em Isaías 28,7 significa “visão profética”, como um particípio presente ativo, rā’āh. Com relação a ḥōzeh, deriva do verbo ḥāzāh, “olhar”, “ver”, e do substantivo ḥāzōn, que significa “visão”, literalmente “aquele que é visionário” (cf. HARRIS; ARCHER, JR.; WALTKE, 1998).
  • 36. 36 A Profecia nas Origens e suas Recepções político; segundo David Lewis-Williams (2015, p. 171), “o objetivo principal de um buscador de visões é o de ‘ver’ um espírito animal que se converterá no ajudante animal do buscador e na fonte de seu poder”. Nesse sentido, as experiências visionárias – os estados alterados – se convertem em um recurso para a garantia de uma posição espiritual especial com reflexo na posição social (LEWIS-WILLIAMS, 2015, p. 280). Para a aquisição dessa espécie de poder, o interessado montava num cavalo e seguia até o pico de um altiplano; as imagens rupestres que repro- duzem tal busca aludem a alguém que suportava o frio, a insônia e fumava tabaco alucinógeno – nessas circunstâncias, o visionário sentia-se como se abandonasse o seu corpo numa viagem extracorpórea; outras vezes, a visão era obtida quando o buscador estava em estado de vigília. O vidente xamânico em estado de transe dizia-se que “entrou em uma gruta” – uma metáfora para o sistema nervoso em estado alterado de consciência, pois a gruta era considerada o portal que dava acesso ao mundo sobrenatural ou ao reino espiritual (LEWIS-WILLIAMS, 2015, p. 172). Identifica-se, também, inícios de supostas condutas religiosas no Paleo- lítico superior, a partir do X milênio, baseado em práticas de sepultamentos nos próprios domicílios, em que algumas grandezas sociais criam que “o defunto segue vivendo nos bosques como espírito”. Mesmo não dispondo de uma cronologia histórica, é possível afirmar que, no desenvolvimento iconográfico da arte parietal e das estatuetas, as figuras femininas cumprem função protetora; posteriormente, esses ícones passaram a representar o gênio tutelar com mensagens religiosas, num período em que se atesta a presença de curandeiros nas culturas caçadoras antigas (WUNN, 2012, p. 196-197). Assim, aproximamo-nos do Levante, com os indícios da Anatólia (Ásia Menor), povo de linguagem indo-europeia. No período Neolítico (7200-4400), as culturas campesinas do sul da Anatólia e da Sūriyā apresentam uma evolu- ção religiosa; com os sepultamentos intramuros, os “depósitos de cadáveres” foram substituídos por edifícios com funções religiosas – onde as primeiras estelas e estatuetas “foram consideradas como a morada das almas dos an- tepassados. A partir destes santuários centrais, que originalmente serviam para o culto aos mortos, se desenvolveram os templos da Mesopotâmia” (WUNN, 2012, p. 291-292). No período posterior, na Idade do Bronze Antigo – começo dos pro- cessos de urbanização e etnicização no antigo Oriente Próximo – a Anató- lia, assim como todos os outros povos, percebem e objetificam divindades,
  • 37. 37 Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl demônios e os espíritos de mortos envolvidos na vida cotidiana; a “religião era para eles uma parte integral da vida diária” (BECKMAN, 2013, p. 284). No Bronze Médio (c. 2000-c. 1600), um período de grandes turbulên- cias políticas, destacam-se as cidades-Estado ’Aššûr (Aš-šur-ra-a-a-ú), Bāb-ilī, ’Êlām, Eš-nun-na, I3-si-inki (Isin), Larsamki -še₃ (Larsa), Mārī (Tell Harīrī, oriente do Iraque), Nippur, Ur5 -ra (“Ur dos Caldeus”) e ’Erek (Uruk). A importân- cia de Mārī deve-se, em grande parte, aos contatos siro-mesopotâmicos na região do rio Eufrates, mas muito mais pela descoberta, em 1933 d.E.C., de 25.000 tabuinhas cuneiformes no palácio real, com a transcrição de mais de uma dezena de sonhos e profecias cultuais (SICRE, 1996, p. 224); por volta de 1760, Mārī foi destruída por ˤAmmu-rāpi. Como resultado das interações com a Anatólia, é no Levante, especi- ficamente na multicultural – attuša (moderna Boğazköy, localizada próximo de Ankara), capital de –atti, império que controlou do norte de Kinaḫnu ao Eufrates, que aparecem, no segundo milênio, os primeiros registros de ati- vidades divinatórias, ou seja, a atividade profética. Segundo Gary Beckman (2013, p. 284), as escavações descobriram mais de trinta templos em Ḫattuša, chamados de šiunaš per (literalmente “casa de deus”). Beckman (2013, p. 290) alude a uma inscrição em que, numa época de epidemia, o rei hitita Muršili II dirigiu-se aos deuses para que lhe permitissem falar com um šiunaš antuḫšaš (literalmente “homem de deus”). Neste contexto, cabe acrescentar que, na sociedade hitita, as “mulheres eram particularmente proeminentes entre os magos” (BECKMAN, 2013, p. 291). Aproximações ao antigo Yiśrā’ēl: as origens Na época dos assentamentos israelitas em Kinaḫnu surgiram, na Meso- potâmia, grandes textos proféticos. A profecia de Šulgi (2094-2047), rei da 3ª dinastia de Ur5 -ra, divinizado ainda em vida, foi transmitida oralmente e epigrafada cerca de oito séculos depois (c. 1200), e o discurso profético de Mar-dúk da época do reinado de Nabû-kundur-uṣur I (1126-1105), conservado em tabuinhas encontradas em ’Aššûr e Ninĕwēh (Ni-i-nu-a-a-), são autoelogios reais (SICRE, 1996, p. 216 ss.). Das margens do rio Eufrates, além da profecia ligada às atividades cúlticas, a profecia de Mārī assemelha-se com o profe- tismo israelita pela consciência do profeta como enviado pela divindade, as bases da censura (“eleição” e “pacto”) e as promessas de bens e libertação. É sabido que o profeta e a profetisa são meios para o estabelecimento de comunicação dos seres humanos com as divindades; uma divindade escolhe
  • 38. 38 A Profecia nas Origens e suas Recepções uma pessoa, chama e revela sua mensagem às vezes por meio de sonhos, às vezes por meio de transes. A profecia é, portanto, uma iniciativa divina que difere da adivinhação, isto é, das questões procedentes dos seres humanos implicadas aos deuses (LION; SÉRANDOUR, 2014, p. 453-454). O profetismo aparece no antigo Oriente-Próximo no segundo milênio e é conhecido no ambiente semita, o mundo sumério não emitiu alusões a esta prática. A documentação para esse período provém, principalmente, dos arqui- vos do palácio de Mari: uma quarentena de cartas, redigidas pelos funcionários reais, relatando ao rei a atividade e as mensagens de profetas de várias cidades do reino e de Estados vizinhos, como Aleppo ou Babilônia. Eram recebidos no palácio como diplomatas estrangeiros, profetas munidos de presentes. Na mesma época, uma atividade profética semelhante é conhecida na Baixa Me- sopotâmia por meio de textos de Uruk, assim como em Diyala, a leste do rio Tigre. Na segunda metade do segundo milênio, as fontes são menos abundantes. Elas contêm poucas referências a profetas ativos na Babilônia, na Transtigrina (Nuzi) e na Síria (Ugarit, Emar) (LION; SÉRANDOUR, 2014, p. 454).2 A nosso ver, faz-se necessário uma conexão com a cidade-Estado de Ebla. Klaus Koch (apud SICRE, 1996, p. 204) descobriu que “aquele que mais tarde seria o tipo de profeta mais frequente em Israel, o Nabí, já está atestado em Ebla, no norte da Síria, no século XXIII aC”. Mais tarde, no primeiro milênio, os testemunhos arqueológicos que provêm dos arquivos do palácio de Ninĕwēh, capital do império neoassírio, por volta do século VII, são comparáveis aos de Mārī: os documentos dirigidos ao rei mencionam os profetas e falam das suas mensagens. Na região siro-palestinense o profetismo é atestado em Gu-ub-la (Gĕbal/ Biblos), por meio de um romance egípcio do século XI (Viagem de Ounamon), na estela de Meša‘, rei de Mô’āb (fim do século IX), pelas inscrições aramaicas de Zakkur, rei de Ḥămāt e Lu’aš, na Síria (fim do século IX), e de Tell Deir ‘Alla, no vale do Jordão (séculos VIII-VII) (LION; SÉRANDOUR, 2014, p. 454-455). 2 “Le prophétisme apparaît au Proche-Orient au IIe millénaire et n’est connu qu’en milieu sémitique, le monde sumérien n’ayant pas livré d’allusions à cette pratique. La documentation pour cette époque provient en premier lieu des archives du palais de Mari: une quarantaine de lettres, rédigées par des fonctionnaires royaux, rapportent au roi l’activité et les messages de prophètes de diverses villes du royaume et des États voisins, tels Alep ou Babylone. Reçus au palais comme des légats étrangers, des prophètes en repartent munis de présents. Vers la même époque, une activité prophétique comparable est connue en Basse Mésopotamie par les textes d’Uruk, ainsi que dans la Diyala, à l’est du Tigre. Dans la seconde moitié du IIe millénaire, les sources sont moins abondantes. Elles comportent toutefois quelques allusions à des prophètes actifs en Babylonie, en Transtigrine (Nuzi) et en Syrie (Ougarit, Emar).”
  • 39. 39 Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl Segundo Lion e Sérandour (2014, p. 455), “os textos proféticos antigos são redigidos de uma forma narrativa. A mensagem é endereçada ao rei, em um estilo semelhante aos usos diplomáticos”. Por vezes, os profetas pala- ciais mentem para satisfazer o soberano. Muitas narrativas da Bíblia hebraica confirmam a atividade profética e a evolução do profetismo na região siro- -palestinense. Comumente, as divindades dos ditos proféticos são os chefes de panteão: Addu ou Iškur, o deus da tempestade em Aleppo; Dagan, na região do rio Eufrates; Mar-dúk, em Bāb-ilī; Ištar ou Inanna, em ’Erek; Milkōm, no reino de ‘Ammôn; Kĕmôš, em Mô’āb; Ba‘alšamayin, em Tell Deir ‘Alla; ’Aššûr, na Assíria; ‘Aštart, principal deusa dos semitas ocidentais; Milqart, o ba‘al fenício de Şūr; Yhwh, em Yiśrā’ēl e Yĕhûdāh/Yĕrûšālam; ’Ēl ou Ilu, em Ugarit, na Sūriyā. Os ambientes de guerra e os tumultos políticos estão nos contextos de maior variedade das práticas divinatórias (podem ter propósito positivo ou negativo, a depender do juízo prévio interpretativo que se faz do rei, da aristocracia, da cidade e do povo), essa conexão possibilita reconstruir a realidade histórica. Nota-se na Bíblia hebraica a menção a muitas armas de guerra que estão descritas nos Arquivos epistolários de Mari 1/1 209 (BARSTAD, 2006): lança (ḥnyt, Habacuque 3,11), rede (ršt, Ezequiel 12,13; 17,20; 32,3) etc.3 Barstad (2006, p. 47) afirma que não podemos dizer, por exemplo, que os profetas do antigo Israel tiveram suas origens históricas na sociedade de Mari. Em vez disso, as semelhanças deveriam ser interpretadas como o impacto de uma cultura comum sobre duas sociedades relacionadas, mas diferentes. Textos de Mari refletem claramente a realidade histórica fora de si; o mesmo aplica-se à Bíblia hebraica. Esta afir- mação, obviamente, é agora fortemente apoiada por várias formas de textos proféticos extrabíblicos de todo o antigo Oriente-Próximo.4 Pelas razões acima enunciadas, são razoáveis as conexões das grandes estruturas políticas mesopotâmicas com as variadas grandezas sociais e, posteriormente, com os pequenos reinos mediterrâneos – dentre os quais encontra-se Yiśrā’ēl. 3 As transliterações e traduções de citações da Bíblia hebraica foram realizadas pelo autor diretamente da BHS (ELLIGER; RUDOLPH, 1997). 4 “We cannot say, for instance, that the prophets of ancient Israel had their historical origins in Mari society. Rather, the similarities should be explained as the impact of a common culture on two related but different societies. Texts from Mari clearly reflect a historical reality outside themselves; the same applies to the Hebrew Bible. This claim, obviously, is now strongly supported by various forms of extrabiblical prophetic texts from all over the ancient Near East.”
  • 40. 40 A Profecia nas Origens e suas Recepções Por vincular a sacralidade divina à epigrafia, os antigos israelitas re- troprojetam as origens do profetismo aos patriarcas. ’Abĕrāhām era profeta (Gênesis 20,7), assim como Miriyām (Êxodo 15,20) e Mōšeh (Número 12,6-8), cujo dom era falar pe ’el-pe (“boca a boca”) com Yhwh – a mediação deve-se ao fato de o povo ter medo de ouvir diretamente a Deus (Êxodo 20,19). Afora, talvez, as tradições atribuídas a Šĕmû’ēl, pela epigrafia do conflito de cacicado (1Samuel 13,7-15; 15,10-23), as narrações não são históricas, mas reflexo da mentalidade de uma época (a colonial Yĕhûd sob o império Persa Aquemênida) em que a Torah começa a ser constitutiva do povo. Considerando a nossa familiaridade com os oráculos e narrações vete- rotestamentários, é importante localizar os inícios da profecia escrita; a esta tarefa Frank Crüsemann procedeu metodologicamente por meio da crítica das formas e da crítica literária. A nossa tarefa aqui se situa na pesquisa da história, metodologicamente menos redutora e objetivada para a busca dos acontecimentos. Com efeito, interessa-nos a pesquisa de Crüsemann (2009, p. 209) na medida em que apresenta o oráculo de Oséias 4–11 nos contextos sociais do avanço e da invasão das guarnições neoassírias em Yiśrā’ēl, ou seja, não como anúncio futuro, mas como “eventos e experiências do presente [que] são teologicamente interpretados e ordenados”, sabendo-se que os oráculos de transcrição posterior falam de um futuro ainda por acontecer.5 Para Crüsemann (2009, p. 215 ss.), o fato de Oséias 4–11 ser um orá- culo transmitido por escrito e para um círculo restrito de contemporâneos do profeta “traz consigo déficits de informação” para outros receptores; por outro lado, mantém-se a totalidade da informação, numa época de transição entre a transmissão oral e a documentação escrita. Justamente o vínculo tenso entre, de um lado, indícios de uma composição literária e, de outro, uma ligação (que lembra uma comunicação oral) a um público limitado em que se podem pressupor experiências iguais, tal como caracteriza Oséias 4–11, fala a favor de um surgimento escrito inicial. A isso corresponde o conteúdo: a interpretação do presente – exemplarmente reali- zada no nônuplo “agora” –, com o avanço vitorioso dos assírios, como o juízo de Israel executado por Deus em virtude da conduta dos líderes e do povo (CRÜSEMANN, 2009, p. 218). 5 Em definição, não seguimos Robert P. Carroll (1995, p. 210), quando afirma que “a profecia claramente se refere ao falar e em geral existe uma referência em algum lugar ao futuro que justifica a definição, embora exceções (que confirmam a regra?) possam facilmente ser encontradas nas tradições (p. ex., Is 9,8-21; Hb 3)”. Entendemos que a definição de Carroll deveria ser invertida e refeito o postulado em relação à projeção da profecia.
  • 41. 41 Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl Por meio da preservação do saber coloquial na epigrafia, a documentação profética fundante de Yiśrā’ēl situa-se nas antigas tradições mesopotâmicas; fator para classificarmos o profetismo como uma instituição vinculada aos contextos de uma determinada estrutura social, nunca unicamente como posi- cionamento individualista, pois os profetas e o profetismo têm relações com a vida cultural – ainda que as tradições tentem isolá-los nos locais de religião. Com relação à profecia praticada em Kinaḫnu, a derivação fica restrita ao fenômeno do profetismo extático, além dos procedimentos comuns de consulta à divindade e de legitimação real. Em paralelo, em Tell Deir ‘Alla, junto à torrente do Yabbōq (atual Jordânia), foi encontrada, em 1967 d.E.C., uma inscrição aramaica datada de c. VIII-VI, cujo pratogonista é Bili‘ām, o mesmo visionário citado na Bíblia hebraica. Bili‘ām é chamado de “visionário dos deuses” (ḥzh ’lhn), a quem os “deuses vieram a ele à noite”. Seguindo a análise de Robert R. Wilson, “os fragmentos que se preservaram sugerem que os deuses deram oráculos de ruína ou até de maldição contra os seus adver- sários” (1993, p. 126). Essa inscrição não diverge das coleções de oráculos em Números 22–24, cujos “oráculos implicam que Balaão era intermediário estabelecido, cujos serviços de abençoador ou amaldiçoador profissional se podiam comprar”. A analogia com as inscrições de Tell Deir ‘Alla pressupõe o visionário como pertencente “à estrutura social central e talvez fosse inclusive participante formal no culto” (WILSON, 1993, p. 141). Em adição, além da designação nĕ’um, gênero profético que aparece no Yiśrā’ēl Norte, o oráculo sugere que o visionário recebeu as suas mensagens em transe.6 Os postulados anteriores forneceram o acesso ao discurso antigo e à função. O lugar originário do “discurso profético de julgamento”, por exem- plo; a oposição de argumentos e contra-argumentos é típica do processo jurídico profano, sendo desvinculada para novos propósitos, ou seja, levar o ouvinte a assentir com a decisão divina. “O culto israelita tinha, portanto, conhecimento de um julgamento por parte de Javé” (WÜRTHWEIN, 1985, p. 142-143); este seria o mais antigo vínculo da profecia com o culto, presente no Primeiro Testamento. Isto nos quer dizer que a origem do gênero profético mais antigo de Yiśrā’ēl é forense, deslocado para o culto à maneira das profecias atestadas em Mārī, com manifestações extáticas como em Kinaḫnu. O deslocamento 6 Cf. Números 24,15-16 (Nĕ’um de Bili‘ām, filho de Bĕ‘ōr... de quem ouve as palavras de ’Ēl... quem maḥăzēh Šadday yeḥĕzeh [vê a visão do Poderoso], cai mas tem os olhos descobertos [nōpēl ûgĕlû ‘ênāyim].
  • 42. 42 A Profecia nas Origens e suas Recepções explica o fato de a proclamação de desgraça suscitar espanto, réplica e per- seguição. Em adição, é possível afirmar que a profecia clássica israelita se desenvolve em comunidades das fríngias, e a atividade de acusação a Yiśrā’ēl, mesmo com a sua argumentação legal antiquíssima, tem origem no período posterior ao primeiro templo (após o século VII). A função da profecia Do ponto de vista de Würthwein, o lugar da origem do “julgamento”, o mais antigo gênero de profecia em Yiśrā’ēl, seria o culto e os representan- tes de Yhwh, profetas cultuais – com a tarefa de prognosticar, interceder e acusar Yiśrā’ēl em nome de Yhwh. Essa última empreitada – acusar Yiśrā’ēl – é rejeitada por Franz Hesse. Hesse (1985, p. 148) afirma que a acusação era dirigida aos outros povos; para ele, “a acusação dos inimigos em nome de Javé era uma das funções cúlticas dos profetas”. Sobre isto, Isaías 3,13: “Yhwh dispõe-se para processar [niṣṣāb lārîb], e levanta-se para julgar [wi‘ōmēd lādîn] os povos” (cf. também Sofonias 1,2-3; Miqueias 1,2-4). Permitimo-nos corrigir a intitulação “função” por “funções”. A visão de mundo do profeta baseia-se na objetificação da palavra divina profética, portanto o dito é perceptível: “Palavra enviada por Yhwh em Ya‘ăqōb e caiu em Yiśrā’ēl” (Isaías 9,7). Mesmo mantendo a interpretação teológica, certamente havia a consciência história de que o Dābār atingiria o seu objetivo. A única perspectiva que interessa ao profeta é esta: a relação entre o presente e o plano de Deus. Não se preocupa em saber através de que condicionamentos político-econômicos o Egito chegou a dominar o imperador etíope Sabaka. Não analisa o jogo de interesses das grandes potências para dominar a Síria-Palestina. Não consigna como algo novo na história a política assíria das deportações em massa. A visão do profeta é estritamente teológica (SICRE, 1996, p. 413). O Dābār, então, é construtor de História. Para além desta síntese, um primeiro conjunto de documentos da prática profética refere-se à “consulta das sortes” e questões direcionadas à divindade; o segundo conjunto diz respeito a coleções de oráculos e interpretações de sinais, produto de um longo trabalho de compilação dos presságios (ABRAHAMI, 2014, p. 339). Os conteúdos proféticos podem ser classificados grosso modo como “di- tos de desgraça” e “ditos de salvação” (cf. Jeremias 28,8-9). Para Hans M. Barstad (2006, p. 24; cf. também ABRAHAMI, 2014), “o uso de ‘palavras
  • 43. 43 Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl de desgraça’ e ‘palavras de salvação’ ecoa a origem divina das demonstrações divinatórias, e reflete a visão teológica que resulta no êxito para a obtenção do favor da divindade, enquanto o fracasso é uma forma de punição divina”. Um dos primeiros conjuntos de relatos proféticos foi descoberto na Mesopotâmia, com evocações de alertas sobre fenômenos atmosféricos e fatos naturais; acerca disso Philippe Abrahami (2014, p. 339) cita um presságio que ecoa à ferida do Nilo, relatada no livro do Êxodo: “Se no mês de Nisan, a água sobe e o rio é escuro como sangue, haverá alta mortalidade no país”. Outra forma de profecia, muito mais ligada à adivinhação, se interes- sa pelos nascimentos humanos e animais (a cor da pele, marcas diversas e malformações), tamanho da ninhada e comportamento dos recém-nascidos. A observação dos céus e dos fenômenos astronômicos e atmosféricos serve como fundamento para as profecias ou prédicas; “tirar a sorte” constitui também uma forma de comunicação com a divindade. Enfatizamos que, na Bíblia hebraica, esse procedimento está associado à petição do ’Ûrîm wĕTummîm,7 iniciado possivelmente entre os altos funcioná- rios da corte assíria, para a escolha de sucessores. Com relação às divindades mediterrâneas, Īmār, a grande sacerdotisa do deus canaanita e fenício Ba‘al foi escolhida por sorteio. Com efeito, as consultas têm por função validar um resultado obtido; nesses casos, as imagens visualizadas nos fígados (chamados de “tabletes dos deuses”) tinham tanta importância que em Mārī (c. século XVIII) e em E-mar (c. século XIV) faziam-se maquetes de fígado com os nomes revelados numa consulta, assim validava e mantinha-se a coincidência entre o presságio (simbolizado no fígado) e o oráculo (o dito profético). Quanto às faltas de sorte, “os acontecimentos adversos são normalmente associados com a falta cometida contra os deuses, particularmente pela ig- norância em relação às suas exigências rituais” (ABRAHAMI, 2014, p. 344). No Paleolítico superior, o tabaco incrementava o transe; a partir do Bronze Antigo, a bebida alucinógena passou a fazer parte do profetismo extático e do pagamento pelo prognóstico. Em uma carta do arquivo de Mārī (1/1 211), dirigida à rainha Šibtu de Aleppo, há uma denúncia do profeta: ele diz que a deusa Ninegal/Bēlet-ekallim está prometendo sucesso militar ao rei Zimrî-Lîm de Mārī, marido de Šibtu, numa guerra contra o rei ˤAmmu-rāpi de Bāb-ilī (aqui parece que temos um estranho caso de ciúme da rainha em relação à deusa). Em outra carta (1/1 212), denuncia-se que, em troca de 7 Philippe Abrahami (2014, p. 340-343) desenvolve esta analogia.
  • 44. 44 A Profecia nas Origens e suas Recepções bebidas alucinógenas, profetas estão dizendo que a deusa Annunîtum de Bāb-ilī está prometendo sucesso militar a Zimrî-Lîm de Mārī;8 o protesto faz sentido, pois a deusa é do país adversário. Distinguimos entre “profecia” e “adivinhação”; no entanto, ambas são práticas atestadas na Bíblia hebraica.9 A nosso ver, em Yiśrā’ēl, as atividades proféticas traziam consigo as intuições xamânicas e divinatórias do Pale- olítico superior (WUNN, 2012; LEWIS-WILLIAMS, 2015) milenarmente preservadas, com comprovações na região siro-mesopotâmica (BARSTAD, 2006). De acordo com as pesquisas arqueológicas acima apresentadas, tanto a caracterização quanto o perspectivismo de profetismo parecem-nos comuns no antigo Oriente Próximo – tais como o culto aos mortos, a magia, a cre- mação, adivinhação, sorteios e os transes por meio de drogas alucinógenas, todos praticados em Yiśrā’ēl.10 A função no documento literário é caracterizada pelos contextos his- tóricos, e a justiça social é, por vezes, a única perspectiva profética. Por conseguinte, a categorização individual e a estratificação social, com reflexo na administração da justiça, constituem o motivo da atividade profética. E nisto estão o sumário das funções: garantir vitórias militares ao rei; defender as categorias fracas economicamente do processo de empobrecimento que levará à escravidão (sexual, trabalhista, religiosa, militar, cultural; cf. SAN- TOS, 2009); protestar contra a administração estatal da justiça, que impede o acesso a direito inalienável – e aqui ampliamos para os problemas culturais, o comércio fraudulento, os raptos de endividados, o latifundismo, o salário, a tributação, a apropriação de moradias. Constatamos que a justificação dessas funções proféticas foi construída sob o pano de fundo de antigas codificações humanitárias (Código da Aliança, Êxodo 20,22–23,19), com algumas soluções políticas presentes em leis reais mesopotâmicas,11 e nos conceitos de ética (Decálogo Ético, Deuteronômio 5,6-21) de grandezas sociais de linhagem de parentesco, lugar identitário do próprio Yiśrā’ēl. 8 Uma série de cartas e fragmentos do Arquivo Epistolário de Mārī encontra-se na importante pesquisa de Hans M. Barstad (2006), de onde baseamos nossa interpretação. 9 Cf., por exemplo, Isaías 3,2-3; 8,19. 10 Cf., por exemplo, Deuteronômio 18,9-14,15-22; Isaías 28,7; Miqueias 3,7; Jeremias 19,1- 6; 1Reis 13,2; cf. também 2Crônicas 33,1-9; práticas já comprovadas tanto no Paleolítico superior quanto na cidade-Estado de Mārī, na Idade do Bronze Médio. 11 Código de ˤAmmu-rāpi, rei de Bāb-ilī; código de Ur-Nammu, rei de Ur5 -ra; código de Lipit- Ištar, rei de I3-si-inki; código de Enmetena, rei de Lagaš; código de Urukagina, rei de Lagaš; código de Eš-nun-na, rei de Ur5 -ra.
  • 45. 45 Origens e Função do Profetismo no Antigo Yiśrā’ēl Referências ABRAHAMI, Philippe. Les nombreuses formes de divination. In: BORDREUIL, Pierre; BRIQUEL- -CHATONNET, Françoise; MICHEL, Cécile (Dir.). Les débuts de l’Histoire: civilisations et cultures du Proche-Orient ancien. Nouvelle édition revue et augmentée. Paris: Éditions Khéops, 2014, p. 339-345. BARSTAD, Hans M. Sic dicit dominus: Mari prophetic texts and the Hebrew Bible. In: AMIT, Yairah et alii. Essays on ancient Israel in its Near Eastern context. A tribute to Nadav Na’aman. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2006, p. 21-52. BECKMAN, Gary. Under the spell of Babylon: Mesopotamian influence on the religion of the Hittites. In: ARUZ, Joan; GRAFF, Sarah B.; RAKIC, Yelena (Ed.). Cultures in contact: from Mesopotamia to the Mediterranean in the second millennium B.C. New York; New Haven, Conn.: Metropolitan Museum of Art; Yale University Press, 2013, p.284-297. CARROLL, Robert P. Profecia e sociedade. In: CLEMENTS, Ronald E. (Ed.). O mundo do antigo Israel: perspectivas sociológicas, antropológicas e políticas. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1995, p. 199-219. CRÜSEMANN, Frank. ht[ – “Agora”: Oséias 4–11 como início da profecia escrita. In: Cânon e história social: ensaios sobre o Antigo Testamento. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2009, p. 199-220. ELLIGER, Karl; RUDOLPH, Wilhelm (Ed.). Biblia Hebraica Stuttgartensia. 5. aufl. Stut- tgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1997. HARRIS, R. Laird; ARCHER, JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (Org.). Dicionário in- ternacional de teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro Redondo, Luiz A.T. Sayão e Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998. HESSE, Franz. Tem o discurso profético de julgamento a sua origem no culto israelita?. Tradução de Geraldo Korndörfer. In: Profetismo: coletânea de estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p. 145-153. LEWIS-WILLIAMS, David. La mente en la caverna. Traducción de Enrique Herrando Pérez. Madrid: Ediciones Akal, 2015. LION, Brigitte; SÉRANDOUR, Arnaud. Du prophète royal au prophète contestataire. In: BOR- DREUIL, Pierre; BRIQUEL-CHATONNET, Françoise; MICHEL, Cécile (Dir.). Les débuts de l’Histoire: civilisations et cultures du Proche-Orient ancien. Nouvelle édition revue et augmentée. Paris: Éditions Khéops, 2014, p. 453-457. SANTOS, João Batista Ribeiro. Elementos de direito político-econômico e as estruturas de poder no antigo Israel. In: Caminhando, São Bernardo do Campo, vol. 14, n. 2, p. 155-170, 2009. SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. Tradução de João Luís Baraúna. Petrópolis: Vozes 1996. WILSON, Robert R. Profecia e sociedade no antigo Israel. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1993.
  • 46. 46 A Profecia nas Origens e suas Recepções WUNN, Ina. Las religiones en la Prehistoria. Traducción de María Dolores Ábalos. Madrid: Ediciones Akal, 2012. WÜRTHWEIN, Ernst. A origem do discurso profético de julgamento. Tradução de Geraldo Korn- dörfer. In: Profetismo: coletânea de estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p. 129-144.