1. 1
UNIJUÍ – UNIVERSIDADE DE IJUÍ
LINHA 29 IMIGRANTES x CABOCLOS: HISTÓRIA DO PODER
IDEOLÓGICO
ADROALDO JOSÉ DALLABRIDA
2. 2
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS SOCIAIS
CURSO DE HISTÓRIA
Estudo apresentado para a disciplina de
HISTÓRIA DO BRASIL IV
Professor: PAULO AFONSO ZARTH
AJURICABA, DEZ/1992
3. 3
PARA:
A ENERGI
O LUCIANO
A MATHILDE
O PAULO
O BEIÇO, CEKA e ALMA,
Que contribuíram com sua parcela e acreditam que: O
anarquismo é melhor que a ordem quando garante o progresso dos
opressores e exploradores à custa da miséria e MORTE EM VIDA da
maioria.
4. 4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
O mundo que vivemos constantemente nos oportuniza situações as
quais enfrentamos ou ignoramos. Estas nossas atitudes particulares, são fruto
de uma ideologia influente na complexidade social, provocam uma reação ou
não da mesma. O jogo das forças de interesses marcam a presença em nosso
comportamento e como simples carta é planejado e determinado o nosso papel
dentro do aspecto econômico que atinge o sistema produtivo e reflete na vida
social e política.
O imigrante foi reflexo da conjuntura e do objetivo capitalista nacional.
Sua atividade, seu comportamento, atendeu a lógica de um processo histórico
da sociedade capitalista a qual ocupou seu espaço ideológico e social.
O presente trabalho tem por objetivo exercitar a prática de construção de
um projeto de um saber histórico. Adquirir conhecimento e experiência quanto
o procedimento necessário, desde a fase de elaboração de um projeto de
pesquisa até a estrutura final do trabalho produzido.
Três capítulos direcionam a organização do trabalho de monografia. I- A
causas da emigração italiana para o Brasil e mais especificamente o RS, região
e localidade.
Linha 29 pertence hoje ao município de Ajuricaba. Ainda neste capítulo
relacionarei os aspectos positivos, o rápido progresso e ocupação da região.
O segundo capítulo é resultado a pesquisa feita com pessoas fontes,
desta localidade. A preocupação maior foi buscar a verdadeira ocupação e
colonização da localidade, como também caracterizar e provar causas de sua
vinda por fatos ocorridos. A maneira que adquiriram e exploraram as terras,
sua fertilidade, produção e desenvolvimento do comércio também foram objeto
de estudo neste capítulo.
Um terceiro capítulo com o objetivo de entender a realidade local.
Considerando a influência ideológica da sociedade capitalista, a discriminação
social em relação aos caboclos e classes sociais, elaborei entrevista que foi
respondida por (25) vinte e cinco jovens da localidade. O proposito foi
identificar o grau de envolvimento com a ideologia capitalista predominante,
existência de preconceito racial ou discriminação social.
5. 5
I – A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO RS
1 – Emigração Italiana
A emigração Europeia para a América aconteceu dentro de um
determinado contexto social, ligado à transformação política e econômica do
mundo ocidental. A expansão do capitalismo europeu com a revolução
Industrial provocou mudanças. “A Itália continuava sendo um país agrário,
regido por relações sociais muito atrasadas que freavam o desenvolvimento
econômico e condenavam as massas populares à miséria”. 1
Apesar de apresentar o excesso de população como fator principal,
comovendo os demais países a receber a massa populacional que o sistema
expulsava do mercado de trabalho, outros fatores contribuíram. Dentre alguns
citamos: “ode terras, as crises agrícolas, a política fiscal, o desflorestamento e
a política comercial”. 2
É evidente os vários interesses em jogo, europeus tentando aliviar as
tensões sociais caracterizadas por relações sociais atrasadas, miséria, fome,
indústria dependente e trabalhadores do campo asfixiados pelos impostos e
falta de tecnologia. O Brasil tentando superar a carência de mão-de-obra,
fazendeiros do café necessitavam substituir escrasvos da lavoura que estavam
tornando-se antiquados e causavam muitos gastos. E finalmente, os ingleses
interessados em garantir a industrial e mercado consumidor.
A Itália demonstrava-se fragmentada e envolvida constantemente nos
conflitos europeus. ”Após a queda de Napoleão esta se mantivera praticamente
reunificada sob o domínio francês, que fragmenta-se com o congresso de
Viena (1815). Mas a Áustria graças a política Metternich, recebe as melhores
porções as quais mantém sob seu domínio té o término da Segunda Guerra
Mundial, pelo Tratado de Saint-Germain”. Dentre outras podemos citar: “ o sul
de Tirol, Trentino, Trieste e Istria” 3
Isto justifica a origem de muitos imigrantes
italianos registrados Austríacos.
2 – Política de Imigração: Brasileira e Rio-Grandense
Referencias anteriores caracterizam as revoltas proletárias,
mecanização agrícola, esgotamento de terras e a sucessiva imigração de
europeus para a América, um negócio vantajoso para a economia e sociedade
italiana. Eliminou o perigo de revoltas sociais e estabilizou a economia.
Dentro deste contexto é indispensável observar a situação brasileira e
seu imbricamento com a europa.
A partir do século XIX, mais precisamente 1780 a 1870 ocorre a
expansão e consolidação do capitalismo de livre concorrência, o qual inicia na
Inglaterra já no fim do século XVIII e se expande por toda a Europa.
A América, justamente neste período, 1780, inicia suas independências.
O Brasil antes mesmo da independência (18822) toma medidas que permitem
o fim do sistema colonial dando inicio ao livre comércio e a chamada política de
Portos as Nações Amigas”. Cabe aqui, ressaltar que a nação amiga era no
entanto a Inglaterra, a qual interessava-se pela matéria prima brasileira.
1
DACANAL, Jose H. RS: Imigração & Colonização, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1980, p.51 (Série
Documentada).
2
DACANAL, José H. op. cit., nota 1, p.52.
3
Idem, op. cit., p.50.
6. 6
Apesar de já estar adequando-se aos novos modos de produzir
permaneceu com o escravo por ser mercadorias, ou mercado, altamente
rentável nas mãos da elite brasileira. Mas aos poucos através de diversas leis
que protegiam suas riquezas, ou indenizavam seus escravos foram sendo
“libertados”. Também porque representavam-se um perigo junto com brancos
que estavam organizando movimentos que abalavam o poder da elite. Como
também segundo Celso Furtado, “era entrave para o desenvolvimento
capitalista, necessita-se de mão-de-obra livre e branca para substituir a mao-
de-obra negra e escrava”. 4
“Thomas E. Skidmore, em sua obra Preto no Branco, afirma que a
ideologia da elite, da cultura brasileira apresenta-se como ideal de
branqueamento que se aglutinara ao liberalismo político e econômico, já que os
brasileiros natos eram considerados incapazes para outro serviço que não os
pesados”. 5
A política de terras, lei de terras de 1850, foi o ultimato a escravidão, e a
ponte para a vinda dos imigrantes. Esta manifestou-se pela democratização da
propriedade, ou então ajuste e difusão do modo capitalista de produção. É
neste momento que o imigrante se tornará um elemento importante. Em São
Paulo substituirá a mão-de-obra nos cafezais, enquanto que em Santa Catarina
e no Rio Grande do Sul entrará no processo de colonização, recebendo lotes
de terra.
Sendo assim podemos afirmar co certeza que a imigração não foi
espontânea. O governo brasileiro proporcionou, apoiando em vantagens e “em
virtudes do povoamento e exploração de novas regiões por brancos não
portugueses”, 6
como também para regiões em desenvolvimento como vimos
anteriormente.
O Rio Grande do Sul que só havia recebido visitantes como os
bandeirantes de São Paulo, à procura de ouro, escravos e gado “em 1684
recebe os primeiros habitantes vindos da Baía de Santa Catarina, Laguna. Em
1735, açorianos para povoar e proteger as terras de invasões de espanhóis”. 7
Os acontecimentos políticos, a pressão espanhola, “a formação da
oligaraquia rural sul-riograndense com a eliminação das reduções jesuíticas” 8
conduzem a economia e sociedade rio-grandense ao início do processo
imigratório. Foram trazidos “milícias-alemães destinados a pontos estratégicos
de defesa de território”. 9
As causas da imigração no rio Grande do Sul em linhas seguem o
processo a nível nacional, destacando-se na ocupação das matas para a
produção de alimentos aos núcleos urbanos e ainda ocupar região
desprotegida. No início o meio natural não sofre grandes transformações
devido as dificuldades com transportes e mercados para a produção.
“para os italianos sobrou a zona da mata já que chegaram depois dos
descendentes portugueses terem ocupado os campos de cima da Serra, e
alemães na depressão central. Sua vinda foi possível no momento que o
governo alemão reage contra a escravidão camuflada e recebe imigrantes para
4
Idem, op. cit., p.52.
5
Idem, op. cit., p.55.
6
ROCHE, Jean, A colonização Alemã e o Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Globo, 1962, p.23.
7
ROCHE, Jean, op. cit., nota 6 p. 23.
8
Idem, op. cit., p. 23.
9
Idem, op. cit., p. 23.
7. 7
o Brasil. Apresentam-se em desvantagens pelo fato de que necessitaram
competir com o lemão já organizado, enfrentar a mata e adotar valores luso-
brasileiros, além de receber gleba agrícola de apenas 25 ha (hectares)”. 10
3 – Fatores Decisivos
Os imigrantes, principalmente italianos, os quais são objeto deste
estudo, foram dirigidos para a região de acordo com os interesses
governamentais. Construíam estradas e proporcionavam fianaciamentos e
outras condições sempre que julgavam necessárias para o desenvolvimento e
progresso na ótica capitalista de produção.
Para que esta região do Planalto rio-grandense iniciou-se sua integração
com o resto do estado, “foi construída aos poucos a via férrea ligando Porto
Alegre – Uruguaiana. A grande linha de estrada de ferro partiu de Santa Maria
à Cruz Alta, em 1894, Passo Fundo em 1900, Marcelinno Ramos em 1910.Um
ramal uniu Cruz Alta à Ijuí em 1917, Santo Ângelo em 1915 e Santa Rosa em
1940”. 11
Como constatei em entrevistas feitas, é realmente nesta época que o
maior fluxo de imigrantes e ou descendentes de imigrantes italianos chegaram
nesta localidade, Linha 29, hoje pertencente ao município de Ajuricaba.
A importância da via férrea se confirma pelos seguintes dados; “o valor
da exportação de Ijuí se mantivera estacionária até 1904. Diminuíra entre 1904
a 1910, só representava 44% da produção em 1904 e 33% em 1903, pois as
carroças não eram suficientes para o escoamento da produção. Os colonos
eram obrigados a vender apenas os mais compensadores. Graças a estrada de
ferro em 1911, a produção em 1912 aumentou 370% e a importação 400%. O
valor da exportação por habitante passou de 88 para 120 mil réis”. 12
Quanto as rodovias não foi diferente, tardaram muito a chegar na região.
Para chegar até a localidade em estudo, os imigrantes tiveram que abrir um
picada no meio da mata e vir pulando sobre madeiras. Os próprios imigrantes
muitas e muitas vezes reuniam-se em mutirão para abrir estradas, ou em suas
expressões, picadas, para interligar-se com outras localidades.
“As primeiras rodovias foram abertas após a pacificação do rio Grande
do Sul. Melhoradas no fim do Império nunca passaram dos, Caí, Taquari e
Jacuí. Mais tarde outras partiram enfim dem diagonais. Uma delas, a que
interessa para este trabalho, partiu de Mirante, no Taquari para Venâncio Aires,
Soledade, Cruz Alta, Ijuí, Santo Angelo e Guarani”. 13
Além destes interesses políticos-econômicos-sociais estarem ligados a
um processo maior, “a via férra proporcionou a intensificação da exploração e
com relativa facilidade a colônia usufruiu de excelente rede de rodovias e
comunicações que se prolongam para além da zona de campo”. 14
Depois de analisar so fatores determinantes da inauguração da Colônia
e mais especificamente da localidade, Linha 29, entendemos melhor o que diz
José Hildebrando Ducanal: “os imigrantes se localizaram nas zonas de
serrarias porque a maioria vinha sem qualquer fortuna. Só restavam as
10
DACANAL, José H. op. cit., nota 1, p.53-55.
11
ROCHE, Jean, op. cit., nota 6 p. 63.
12
Idem, op. cit., p. 64-65.
13
Idem, op. cit., p. 67.
14
Idem, op. cit., p. 118.
8. 8
matarias, não passa de anedota a atração por semelhanças com terras de
origem. Tudo isso é invenção sem fundamento”. 15
4 – Fertilidade e Valorização das Terras
O progresso desta região de difícil acesso com, como já vimos,
comparada com outras do estado e ou municípios, se deve em grande parte,
como já vimos, pelo avanço dos meios e principalmente vias de transporte,
comércio e fertilidade do solo. “Os vales da antiga colônia de Ijuí, que não
cortam o salto, cuja decomposição deu um solo fértil no início da colonização.
Ataíram descendentes de imigrantes das colônias velhas do estado e de Santa
Catarina para a região”. 16
“O estabelecimento da Colônia se dá em 1890, mas sua ocupação
termina aproximadamente em 1910/11 ano da inauguração da ferrovia. O preço
das terras sobe imediatamente, de 1911 a 1912 dobrou. Lote 25 hectares em
Cadeado (Ijuí) na fundação custava 35 mil-réis em 1901, 100,00 e entre 1908 e
1910 seu preço foi multiplicado por 28 em menos de dez anos. A área cultivada
em 1920 era de 19,4%, já em 1950 passou para 32%”.17
Para melhor exemplificar podemos dividir “a ocupação da mata por
imigrantes e descendentes destes, em duas etapas.
Na primeira processou-se a ocupação da mata da região centro-
nordeste do Estado, por imigrantes de uma única nacionalidade.
“Na segunda etapa processou-se a ocupação das terras cobertas de
mata no norte do Estado-vale do rio Ijuí e região do Alto Uruguai. Teve início
em 1890 com a fundação da “Colônia Ijuhy” que avançou rapidamente. Estas
foram as chamadas colônias novas”. 18
Segundo estes relatos observa-se a ligação com a chegada dos
imigrantes e descendentes neste período, como também a fertilidade das
terras, pois eram as mais difíceis de exploração devido a existência da mata.
Estas “colônias novas”, “sofreram um processo idêntico e importante que se
caracterizava pela pequena propriedade a qual originou o minifúndio, a prática
da policultura destinada ao abastecimento da família e a produção do
excedente para a comercialização, como também a utilização dos recursos
naturais, ou seja, da fertilidade natural do solo e uso da mão-de-obra direta dos
membros da família”. 19
II – LOCALIZAÇÃO E COLONIZAÇÃO
1 – Primeiros Habitantes
Quando vieram os primeiros imigrantes haviam poucos moradores nesta
localidade. Segundo depoimentos de pessoas mais idosas da localidade,
moravam apenas alguns caboclos como: “a família Cavaleiro, seu Norberto que
possuía os seguintes filhos: Itagiba, Itacílio, Antonio, Braulio e outros, como
também Eurico de Oliveira, (bicudo) Bras Marques, Victor Antunes rolin e mais
tarde o professor Eurélio Trindade. Também morava próximo a esta localidade,
do outro lado do rio Ijuí, pertencente ao município de Panambi a família De
Marchi. Hoje neste mesmo lugar reside a família Trentini. Sr. Floriano
15
DACANAL, José H. op. cit., nota 1, p.273-274.
16
ROCHE, Jean, op. cit., nota 6, p.188.
17
Idem, op. cit., p.53-63-390.
18
BRUM, Argemiro Jacob, Modernização da Agricultura: trigo e soja, Ijuí, Fidene, 1985, p.63.
19
BRUM, Argemiro Jacob, op. cit., nota 18, p.37.
9. 9
Breitembach (avô do Floriano Breitembach que mora hoje na localidade)
contava que existia madeiras de um casa em sua propriedade, (hoje
propriedade do Sr. Lino Dallabrida). Esta casa provavelmente tinha cobertura
de palha porque já desapareceu”. 20
Acredita-se que nela moravam caboclos e
saíram para outro lugar quando os italianos chegaram. O Sr. Luciano
Dallabrida relata que sua família, seu pai e avô vieram por volta dos anos 1907
a 1909.
A principal causa de sua “migração de Santa Catarina, município de
Nova Trento, foi uma terrível tempestade de granizo que acabou com
produção, esta preocupou até as autoridades, que visitaram a região para
avaliar os danos da tragédia. A intensidade dos estragos causou desânimo em
recomeçar.” 21
Tentando fugir dos problemas e amenizar a situação decidiram
migrar para o Rio Grande do Sul, Rio Grande, como diziam.
“os imigrantes vieram da Itália em busca de melhores e mais terras para
seus filhos. A procura de uma vida melhor na América. Chegaram no Estado de
Santa Catarina, município de Nova Trento e vieram há vários anos. As terras
que receberam não eram muito férteis, o milho parecia pipoca, a principal
cultura ou, a que melhor rendia era a mandioca.”. 22
Outras famílias migraram
para esta localidade devido notícias recebidas de parentes que já residiam
aqui. Estas famílias eram as já citadas, de seu. Através Luciano e Adão de
cartas diziam que as terras eram férteis, mas os lugares não eram bonitos.
Mesmos assim as notícias motivaram a transferência para as novas terras.
Interessados a transferirem-se começaram a guardar antecipadamente
alimentos, roupas e outros mantimentos para a viagem e a chegada à nova
terra. “A viagem foi difícil e demorada, viajaram durante três dias para chegar
até Itajaí, litoral de Santa Catarina. Aguardaram três dias antes de embarcarem
para Porto Alegre. Depois de três dias de viagem chegaram, e ali espararam
oito dias a fim de esperar o trem que os conduzissem até Cruz Alta.
Prosseguindo, as dificuldades aumentaram, pois tiveram que vir até a Linha 26
de carroça. Desta localidade até a Linha 29, lugar que pretendiam chegar, não
havia estrada. Esta realidade fez com que viessem a pé e à cavalo por uma
picada no meio da mata. Estas famílias chegaram dia três de maio de 1909” 23
No início as dificuldades foram muitas, mas a vontade de prosperar não
deu lugar ao desânimo. Derrubaram algumas árvores, construíram um casebre
coberto de capim onde moraram todos juntos por algum tempo, até
conseguirem construir novas casas. No primeiro ano não conseguiram plantar,
receberam alimentos dos parenes. Segundo seu Paulo Dallabrida, no ano
seguinte conseguiram plantar trigo, sua avó Ursula apenas conseguiu conhecer
a cultura, pois neste mesmo ano faleceu.*
2 – Propriedades
Conforme relatos feitos, vemos que eram realmente poucos os
moradores da região, a grande quantidade de matas comprova a afirmação das
primeiras famílias que vieram apenas um ou dois anos antes compraram suas
20
Entrevista concedida por Luciano e Mathilde Dallabrida ao autor, Ajuricaba, setembro de 1992.
21
Idem, op. cit., nota 20.
22
Arquivo Histórico da localidade Linha 29, Ajuricaba, 1989, p.2, na Escola Municipal de 1º Grau
Incompleto Brasília.
23
Idem, op. cit., nota 22.
*Depoimento comprovado pelo túmulo no cemitério da Linha 29.
10. 10
terras do governo em forma de títulos. Os italianos que vieram mais tarde
influenciados por notícias de que a terra era fértil, também conseguiram alguns
lotes do governo. Mas isto não foi para todos, pois a localidade já estava sendo
habitada, tiveram que comprar de particulares. È importante lembrar que “a
distribuição dos lotes coloniais foi fundamental para a sobrevivência biológica
dos imigrantes”, 24
e consequentemente condução do processo exigido pelo
sistema capitalista de produção.
Nesta localidade nunca existiram grandes proprietários de terras, a
comercialização de propriedades ocorreu, mas. foram pequenos lotes,
geralmente de 25 hectares. Este era o lote básico de uma família, mas na
medida do possível ia adquirindo mais lotes.
Segundo descendentes de imigrantes italianos, eles nunca expulsaram
caboclos da região. O que queriam era ter o seu pedaço de terra e trabalhar
par sustentar e possuir mais filhos. Em contrapartida as palavras do professor
da época, Sr. Eurélio Trindade, Diziam eles: “Porque vieram tirar a terra?... Por
inveja?” 25
As propriedades foram sendo organizadas na medida que conseguiam
derrubar a mata, na maioria das vezes nem tiravam a madeira. As casas dos
primeiros moradores, caboclos e italianos, foram feitas de bambu. Isto
realmente demonstra as dificuldades de organização e colonização.
Mesmo a terra sendo fértil, no início superaram dificuldades idênticas a
sua realidade anterior, o desafio de começar do nada. As dificuldades
aumentavam e agrava-se a situação por não possuírem ferramentas de
trabalho adequadas para enfrentar a mata densa.
“Nós ainda tínhamos algumas coisas, mas era triste escutar e ver outros,
principalmente descendentes de alemães que vieram para fugir de guerras e se
instalarem nas redondezas, contar de que faziam um buraco com uma vara
para plantar os produtos. Para colher o trigo, cortavam com a tesoura e em
cima de um pequeno pano batiam para trilhar. Muitos contavam e enchiam os
olhos de lágrimas lembrando o sofrimento que passaram”. 26
Para começar a produzir alimentos tiveram que derrubar a mata, uma
pequena parte, pois as dificuldades eram muitas e o rendimento era excelente.
Plantavam milho feijão e trigo, mais tarde, abóbora, amendoim e outras
culturas que conseguiram sementes. O milho, o feijão e o trigo foram os
pioneiros porque eram basicamente a sua alimentação. Ao meio dia sua
alimentação era a polenta e a noite feijão. Muitas vezes não comiam outros
como ovos ,,,, pois deixavam para vender ou trocar por mantimento que não
possuíam ou ainda ferramentas de trabalho.
Como se pode observar este foi o processo de ocupação e distribuição
das propriedades desta localidade, Linha 29, com também outras do Planalto
Riograndense.
A causa de escolherem estas terras para fixarem residência foi a de que
não possuíam muita escolha. Estas terras recisavam ser ocupadas e os
imigrantes vieram para trabalhar e adquirí-las para a família.
A distribuição de pequenos lotes ainda é característica desta m. Muitos
filhos de descendentes de imigrantes não mais encontraram lotes para adquirir
e consequentemente repetiram a história de seus avós e bisavós. Os
24
DACANAL, José H. op. cit., nota 1, p.274.
25
Entrevista com Luciano Dallabrida, setembro, 1992.
26
Entrevista com Mathilde Dallabrida, setembro,1992.
11. 11
municípios que “escolheram” para possuir terras que foram suas, foram:
Estado. Além de que muitos foram mais adiante, como Santa Catarina e
Principalmente Paraná.
3 – Relações de Poder
O relacionamento diretamente com a natureza, no início, fez com que os
imigrantes e descendentes de italianos superassem muitas dificuldades
inesperadas.
A estrutura governamental que muitas vezes prometia auxilio,
abandonava os colonos, ou então financiava apenas o título da terra, não lhes
proporcionando as mínimas condições para prosperarem. Estas promessas
desafiaram os colonos, que desacreditados no governo, por conta própria
migram e fixam morada em terras ainda não habitadas, então pouco habitadas.
A ocupação da Linha 29, não se enquadra totalmente dentro desta
amplitude, mas observa-se aspectos que se encaixam, como o da
espontaneidade da migração, falta de ferramentas de trabalho e outros. A
vontade de prosperar, viver melhor, a preocupação com o futuro da família e
possuir sua terra, dispensou a contribuição do governo.
Com suas poucas ferramentas e experiência, iniciaram a colonização
nesta localidade. O relacionamento com os caboclos era muitas vezes violento,
mas em outras ocasiões aprendiam juntos. As dificuldades manifestavam-se
pela maneira de ser do italiano, seus costumes, língua e forma enérgica quanto
a segurança de seus bens materiais. Mas por outro lado não podemos ignorar
a capacidade e habilidade do caboclo em superar as dificuldades. “Não é
possível acreditar a versão de chauvinista e rascista segundo o qual o
imigrante sobreviveu e venceu porque era „melhor‟ que o caboclo.
O caboclo não tendo o mesmo privilégio de receber lotes, era
constantemente deslocado. As terras jamais foram distribuídas aos caboclos.
Eles possuíam outra ideologia de vida que para a época era racional,
utilizavam qa terra por determinado tempo, depois migravam ou derrubavam
outra área de mata.
Havia abundância de terras, mas com a chegada do imigrante que veio
com outra visão, inspirado no sistema capitalista, aos poucos ele ficou a
margem da sociedade”. 27
Conforme podemos observar, no texto acima, o caboclo permaneceu em
desvantagem e sua maneira de trabalhar a terra confere na íntegra com o
depoimento: “Eles só plantavam cantos, cada ano trocavam de lugar, deixavam
virar capoeira e abriam outra roça”. 28
As relações de trabalho entre os dois grupos agora existentes na
localidade manifestavam-se pela acirrada exploração do maior sobre o menor,
tudo em nome do progresso e necessidades sociais. Os próprios descendentes
de imigrantes com mínimas vantagens reclamavam da exploração do trabalho
justificando-se: “Para comprar um lenço de pescoço nós trabalhava três dias”.
29
Não fio só esta localidade, mas sim toda a Colônia de Ijuí que sofreu
tensas relações de exploração.
27
DACANAL, José H. op. cit., nota 1, p.273-275.
28
Idem, op. cit., nota 26.
29
Idem, op. cit., nota 25.
12. 12
“Em Ijuí, fundada em 1890, mas cujo território só foi inteiramente
ocupado por volta de 1911, a propriedade média totalizava 41,5 hectares, em
1920, e 30,4 em 1950”. 30
É importante observar que em poucos anos de colonização estas
colônias começam a sofrer um rápido processo de divisão da propriedade.
Segunda conclusão que se faz necessário aqui detalhar é o tamanho
das propriedades na Linha em estudo, Linha 29, a maioria abaixo da média.
Desta forma não se torna difícil entender a intensidade das relações capital X
trabalho. A grande preocupação do pai de família era pelo menos deixar de
herança um pedaço de terra para os filhos.
Por outro lado, temos que considerar que “na verdade o negro foi trazido
para preencher o papel de força de trabalho compulsório estruturado na grande
lavoura, preocupada em produzir para o mercado,” 31
e muitos pós a libertação
(1888) ou até antes, fugiram das charqueadas e campos do sul também em
busca de terras e vida melhor.
“O fato de tachar as sociedades de negras de „atrasadas‟ ou „primitivas‟
é um erro histórico e hábitos”. 32
O italiano representava o poder dominante, isso lhe dava privilégios.
4 – Produção e Comércio
No primeiro contato com o solo vivenciaram uma experiência inédita em
sua vida, a produção impressionou os colonos. O milho se tornou indispensável
na alimentação tanto humana como animal. Assim como também o trigo que
rendimento. “Uma quarta de lata de semente plantada chegou a produzir 50
sacas de trigo. Era trigo mesmo, de uma saca de 50 quilogramas se tirava de
45 a 47 quilogramas de farinha, era descontado 1 quilograma e o restante se
recebia em farelo”. 33
No primeiro ano não conseguiram plantar, para tratar os animais tiveram
que comprar milho. Mas após alguns anos já vendiam ou trocavam
Por outros produtos necessários à família. A venda do milho era feita em
espigas. A cultura da mandioca também foi muito cultivada, “plantavam até
4.000 pés por ano”. 34
Esta cultura se tornou mais importante principalmente
quando começaram a engordar suínos, porcos, para a comercializar. O mesmo
aconteceu com o cultivo de abóboras que em pouca terra rendia muito.
“Colheram até 105 carroçadas com aproximadamente 39 abóboras por carga,
em um ano. A maior abóbora colhida pesou 47 quilogramas”. 35
Estes relatos
comprovam a fertilidade da terra de que seus parentes noticiaram na época.
Como também o espírito capitalista de produzir, que os italianos possuíam.
A facilidade em produzir alimentos incentivou a criação de suínos para
engordar, extrair a banha e comercializar.
Mas por outro lado a comercialização era dificultada pela inexistência de
vias e precários meios de transporte como também de comerciantes próximos
da localidade. A produção motivou e fez surgir casas comerciais que iniciaram
a comprar o suíno vivo. Este avanço acelerou a produção agrícola e a criação
30
ROCHE, Jean, op. cit., nota 6, p.326.
31
PINSKY, Jaime, A Escravidão no Brasil, São Paulo, Global, 1982, p.21 (Coleção História Popular nº 4)
32
PINSKY, Jaime, op. cit., nota 31, p.23.
33
Arquivo Histórico da localidade Linha 29, Ajuricaba, op. cit., nota 22, p.3.
34
Idem, op. cit., nota 25.
35
Idem, op. cit., nota 25.
13. 13
de suínos. O mesmo, por muito tempo se tornou a fonte básica da economia
colonial.
As negociações entre colonos e comerciantes geravam conflito quando
havia variação de preços. O comerciante combinava o preço muito tempo antes
de carregar os suínos, pela dificuldade de comunicação e transporte. Mas
acontecia que muitas vezes quando ia carregar era outro o valor. Se o preço
tivesse sido elevado o produtor exigia o preço do dia, justamente, este não era
o problema. Os desentendimentos aconteciam quando o preço baixava e o
produtor exigia o preço combinado.
As conflituosas relações comerciais fizeram com que “o comerciante
ficasse mais „esperto‟ e para não perder seu lucro, começam a fraudar no peso
ou outros descontos (o cocho,...)” 36
Por outro lado, a exigência dos colonos se fazia necessária na medida
que, havendo boa produtividade os preços tornavam-se irrisórios e injustos e a
sua lucratividade também desapareceria. “Um caminhão carregado de milho
possuía o valor de 200 a 300 mil réis. Uma arroba de banha 9 a 10 mil réis.” 37
“ A banha, e mais tarde o suíno foram os pilares da prosperidade da
maioria dos colonos”. 38
Sempre que sobravam dinheiro deixavam depositado
no comércio, o qual iam descontando suas compras necessárias. Depositavam
muita confiança no comerciante, lá consideravam que seu capital estivesse
seguro. Muitos produtores dispensavam o pagamento de juro pelo empréstimo
ou guarda do dinheiro, como se referiam. O comerciante com mais experiência
financeira aplicava em mercadorias para seu armazém. Ou ainda aplicava em
compra de terras, multiplicando o dinheiro dos colonos e devolvendo com a
maior facilidade. As fazendas de campos, não muito longe da localidade, na
época poderiam ter sido compradas, porém não interessava já que eram terras
com baixa fertilidade e não havia inseticida para as formigas. A terra não
produzia, eram campos cobertos de capim, (barba de bode). Assim sendo, o
comerciante tornava-se a garantia não encontrada na maioria das vezes nos
caboclos.
A maioria das compras, gastos com casamentos e outro, eram
custeados inicialmente com a venda da banha. “O meu casamento foi feito com
o dinheiro da banha. Para comprar minha cama vendemos 30 arrobas de
banha”. 39
Estes relatos se tornam importante no momento que fizermos sua
comparação com a nossa realidade em relação ao mesmo produto ou então
com o principal produto cultivado atualmente na região.
A conclusão evidente, apesar de algumas diferenças de valores, é que a
produção primária não era e continua não sendo valorizada pelo seu valor de
utilidade. A produção é um instrumento de poder para os setores secundário ou
terciário ou classes sociais que detém o poder econômico.
A deficiência no transporte foi consequência do lento crescimento da
produção. Nos primeiros anos a produção da banha era transportada de
carroça até Ijuí, isto quando não tinham que levar até Cruz Alta. O trajeto era
longo e demorado, custava-lhes dias de viagem.
36
Idem, op. cit., nota 25.
37
Idem, op. cit., nota 25.
38
BRUM, Argemiro Jacob, Cotrijornal, outubro de 1990, p. 14.
39
Idem, op. cit., nota 22.
14. 14
A mata existente era densa e rica em madeira. Dificultava o plantio e sua
retirada para utilização em construções de casas e galpões. A madeira era
farquejada na própria mata e depois de pronta transportada para o local das
construções. Ainda hoje existem casas e galpões construídos na época, nas
quais comprovam a qualidade e prte da madeira existente.
III – RELAÇÕES SOCIAIS
1 – Formação das Famílias
Partindo da árvore genealógica da minha própria família observa-se que
muitos casamentos aconteceram entre parentes (primos).
Arvore genealógica
Observa-se que meus bisavós paternos eram irmãos e destas duas
famílias surgiu a família de meus avós. Também observa-se que meus avós
não foram os únicos a casarem-se entre primos. Os símbolos ao lado dos
nomes indicam os outros casamentos entre estas duas famílias. Com os
demais aconteceu o seguinte: o Domingo, a Ursula, a Catharina e a Maria
também casaram-se com parceiros uo parceiras da mesma família (Dallabrida),
mas estes não eram parentes próximos, primos como os anteriores. Os outros
casaram-se com famílias descendentes de imigrantes italianos que já residiam
na localidade ou vizinhança, dentre elas: Bandeira, Lauer, Sangiogo, Calgaro e
Breitembach.
Este é um exemplo que caracteriza o forte relacionamento entre
parentescos ou pessoas da mesma origem que predominava na localidade.
Observamos que houve também um casamento com pessoa de origem
alemã.
15. 15
Dos oito irmãos de meu pai cinco casaram-se com parceiros ou
parceiras caboclos. Acredito que isto aconteceu poque muitos deles quando
casaram-se não residiam mais nesta localidade. Pois aqui na localidade, Linha
29, este forte relacionamento entre italianos persistiu e ainda predomina, nos
últimos anos ainda assistimos casamentos entre parentescos (os pais sendo
primo-irmãos). É claro que são raros, mas ainda registrou-se.
Os primeiros habitantes dizem que os casamentos aconteciam entre
parentes porque não conheciam outras pessoas e muitas vezes eram os pais
que indicavam a companheira ou companheiro. Eles saíam muito pouco de
casa, talvez nem nas festas de igreja tinham a liberdade de participar. Assim
vários casais conheceram-se alguns dias antes do casamento e começavam a
sair mais de casa devido as necessidades que a família exigia.
A seguir temos a oportunidade de observar os casamentos na localidade
nos anos de 1920 a 1970.
CASAMENTOS COM:
ANO PRIMOS ITALIANOS CABOCLOS
OUTRAS
ORIGENS
TOTAL
1920 1 1
1921 1 1
1926 2 2
1927 1 1
1929 1 1 1 3
1930 2 2
1932 1 1
1935 1 1
1938 2 2
1940 2 2
1941 1 1 2
1943 1 1
1946 1 2 3
1947 1 3 4
1948 1 1
1949 2 7 9
1950 1 2 3
1952 2 2
1953 1 1
1954 1 1
1955 2 2
1956 1 1 2
1957 1 1 2
1958 5 2 7
1959 3 1 4
1960 1 1
1961 1 1
1962 1 1
1964 1 1 2
1965 1 1
16. 16
1966 2 2
1967 2 1 1 4
1968 1 1
1969 1 1 2
1970 1 1
TOTAL 12 51 8 5 76
Fonte: Casa paroquial de Ajuricaba: Livro:
Os dados da tabela demonstram a predominância dos casamentos entre
descendentes de italianos. Em 50 anos aconteceram 51 casamentos entre
italianos, 12 entre parentes e apenas 8 com caboclos.
Outra observação importante nestes dados é que a partir de 1959
começaram acontecer casamentos com descendentes alemães e poloneses.
Cabe aqui lembrar de que aos poucos os caboclos foram afastando-se
da localidade e dando lugar a outros migrantes. A integração com estes teve
um processo mais acelerado, pois os casamentos aconteciam mais
frequentemente e em número igual aos entre italianos.
2 – Participação na Comunidade
Uma das primeiras preocupações dos imigrantes e descendentes foi
fundar uma comunidade e construir uma igreja. O pai de seu Luciano em Santa
Catarina possuía bom relacionamento com a comunidade religiosa, contribuía
sendo coroinha do padre. Com a mudança para a nova terra não esmoreceu
sua fé, ao contrário sentiu-se desafiado a fundar junto com outros interessados
a comunidade que denominou-se São Jorge.
Já no segundo ano, 1911 construí1932 deu lugar a uma nova de
tamanho maior, ppois a comunidade crescia e se fazia necessário.
Foto da igreja
Não tiveram enormes dificuldades, já que madeira existia em
abundância. Hoje esta acima, não mais existe, foi construída outra de alvenaria
A união e organização estava presente e reforçada pelas orações e
devoções de fé cristã. Aconteciam todos os sábados a reza do terço, como
também nas festas religiosas, procissões em meses especiais, via-sacras e
domingos. Rezavam muitas outras orações atualmente esquecidas. As missas
eram apenas assistidas, o padre é que rezava. Hoje acorre a participação da
comunidade, nos cultos pode acontecer até debates.
A pouca participação dos caboclos na comunidade causou o domínio
dos imigrantes e descendentes na formação de Diretorias e cargos da igreja e
escola. Para as diretorias eram escolhidas sempre pessoas mais influentes,
com mais experiência.
Destaca-se a importância da Igreja Católica para os italianos, com com
estrutura e experiência de dois mil anos, como catalizador cultural, afastando o
perigo da evolução e acompanhando lado a lado em sua marcha evolutiva.
Seminários e juvenatos praticamente custearam estudos de milhares de
jovens imigrantes rurais ou urbanos que não tinham condições financeiras.
17. 17
“Imigrantes possuíam capacidade de organização privilegiada, em
condições de integrar-se, chegando a alcançar posições reservadas à
oligarquia agrário-mercantil. Assim aqueles que dispunham de mais
conhecimentos técnicos, mesmo rudimentares e de pequenas posses,
prosperaram visivelmente em sua economia e socialmente já início do século”.
40
Afastados dos fatores determinantes da prosperidade, forçados a
adaptar-se à realidade vigente sem condições igualitárias de competir com o
imigrante o caboclo revolta-se e agressivamente agia em festas e promoções
da comunidade. Suas atitudes, eram consideradas abusivas e
consequentemente iam sendo excluídos do convívio social. Também
precisamos considerar que em sua ideologia não havia a preocupação de
acúmuno de riquezas, a qual justificava-se pela maneira de trabalhar a terra e
participar em festividades.
Assim como estas, crenças religiosas e outras causaa provocaram seu
afastamento da localidade. O conflito de ideologias e contraste cultural
desencadeou o isolamento e afastamento da parte mais fraca. A regra da ótica
capitalista predominou sendo o italiano como fiel seguidor. Esta geração
prosseguiu com muita insistência seus objetivos almejados, sempre
considerando a melhor forma de ação. Da mesma forma a maioria de nossa
geração continua seguindo a ideologia predominante. Ocorreu erança cultural,
transferinso-se as idéias conservadoras dos pais para os filhos. A juventude
encontra-se contagiada ideologicamente, nem mesmo a igreja, ou melhor, seu
relacionamento com a igreja conseguiu reverteu este quadro e incutir idéias
mais progressivas.
3 – Visão dos Vencidos
A dificuldade de encontrar caboclos que realmente morassem e
soubessem mais sobre a localidade, fez com que este lado da história ficasse
em desvantagem.
Diante de alguns descendentes de caboclos moradores da localidade
consegui resgatar e confrontar argumentações feitas por descendentes de
italianos.
O caboclo possuía seus costumes diferentes dos italianos, diziam eles: “
a nossa preocupação era viver bem e quando não dava mais, ir para outras
terras. Os italianos italianos não nos tocaram embora da Linha 29. Eles tinham
muita vontade de trabalhar, trabalhavam mesmo, até os filhos menores. Eles
fizeram boa oferta e nóis vendemo as terra nos mudando para o outro lugar”. 41
Quanto a participação na comunidade, frequentavam até regularmente,
mas acreditavam também em benzimentos, simpatias e outras crenças. Estas
idéias não eram aceitas pelos italianos católicos. O impasse estava formado, e
a exigência da religião afastava e desligava o caboclo da comunidade. Mas
este não foi o único fator, havia outros como: diferença nos hábitos,
vestimentos, trabalho e língua. Não gostavam de frequentar a comunidade
quando falavam a língua italiana, pois nada entendiam. Por outro lado, muitos
italianos só sabiam falar esta língua. Outra característica que não se
enquadrava aos seus costumes era o jeito fechado de ser do italiano.
Conversava pouco, era bastante envergonhado, saía pouco de casa, na meia
40
DACANAL, José H. op. cit., nota 1, p.275.
41
Entrevista com J. M. A.
18. 18
tarde iam para casa, mesmo aos domingos para fazer os serviços, tratar os
animais, etc. O caboclo também colocou que, poucos casamentos aconteciam
entre eles porque era difícil conversar com as moças, eram envergonhadas e
falavam pouco ou nada em português.
Estes depoimentos conferem que havia dificuldade de relacionamento
social devido as diferenças culturais. A desconfiança a humildade e vontade
de integração manifestava-se na convivência social. Mas mais forte, porém foi
a preservação de seus costumes, de ambas as partes presenciou-se a
resistência. Quando intensificam-se ou acirravam-se conflitos de idéias, os
ânimos se exaltavam e ocorriam os desentendimentos. Nestes momentos
expressavam-se com dizeres ofensivos em relação as raças.
A maneira do caboclo participar e ajudar a comunidade era manifestada
diferentemente à do italiano. Sua contribuição era festejando, se divertindo
mesmo. Que por outro lado, o italiano era mais reservado, seguro e
controlado, “pensava duas vezes antes de gastar”, 42
diziam eles.
4 – Preconceito ou Jogo de Cartas Marcadas
Nas entrevistas com pessoas mais idosas e relatos feitos observou-se
uma certa rivalidade que agravou-se e afastou o caboclo da localidade.
As constatações feitas evidenciam as diferenças econômicas, culturais e
sociais que provocaram a dos caboclos. Seu temperamento, usos e costumes
tornaram-se para a sociedade que transformava-se com os imigrantes e
descendentes de imigrantes. Por serem minoria e vendo invadido seu meio
ambiente a alternativa foi migrar para novas terras onde pudessem viver
segundo seus costumes. A sua transferência não foi com revoltas, mas
também não podemos representa-los como figuras passivas da história que
tudo suportavam. As relações eram tensas, esles resistiam e defendiam sua
posição sócio-cultural. Muitos ditados populares criaram-se agravando o
relacionamento entre os dois grupos étnicos existentes. Sua popularidade foi
abatida, marginalizou-se e deixou o caboclo margem da sociedade. Em cargos
públicos não participavam, eram confiados à pessoas influentes. É claro que
devemos considerar as vantagens comparativas entre eles, mas o caboclo não
tinha por prioridade a participação e convivência em comunidade, sempre
foram divididos e afastados de suas famílias, não tiveram a oportunidade desta
prática educacional.
Em contrapartida o imigrante considerava de extrema relevância a
participação e conservação de hábitos adquiridos de ser educado por pessoas
mais experientes, muitas vezes vindos de sua terra natal.
Para a sociedade capitalista vigente o imigrante prosperava e entendia
os desejos governamentais. Esta condição colocava-o em posição vantajosa
em relação ao caboclo.
Acredito que o relacionamento entre o imigrante referindo-se ao caboclo,
apesar dos pesares, não se caracterizava como preconceito racial.
Apresentava sim, a lógica do jogo de interesses do poder dominante que trouxe
para esta realidade características representativas na prática real em sua
ideologia, economia, sociedade e cultura.
“No caso brasileiro observamos o preconceito, apesar do baixo
nível cultural, através de inúmeras “piadas” e “aforismo”, relacionados com o
42
Idem, op. cit., nota 41.
19. 19
grupo negro, que circulam em todo o país, momo “negro de alma branca”
(negro do lado de ótimas qualidades), “negro quando não faz na entrada faz na
saída” (significado que negro sempre decepciona) e muitos outros. Constata
isso também nas novelas, programas humorísticos, cinemas, teatros, literatura,
etc, onde o negro desempenha os papéis mais humildes ou ridículos”. 43
Estes ditados populares demonstram-se presentes nesta localidade,
motivo de muitos enfrentamentos entre caboclos e italianos. Apesar de que
muitos, os mais conscientes e progressistas se manifestaram contrários a estes
dizeres. A concretização destes ditados as vezes ditos por “simples prazer”
torna-os hereditários e permitindo a continuação das marginalização social.
Comprova-se a existência destes ditados e a revolta dos caboclos no
seguinte fato: “na localidade próxima residia um caboclo o qual os italianos o
chamavam de „bicudo‟, não se sabe a razão. Em certa ocasião encontrou um
imigrante a cavalo, ao se cumprimentarem este lhe chamou pelo apelido. O
caboclo sem hesitar assegurou-lhe o feio do cavalo e pedui que repetisse.
Discutiram por instantes, mas o imigrante reconhecendo rebaixou-se e seguiu
viagem ouvindo a revolta do caboclo”. 44
“No caso brasileiro as raízes dos preconceitos estão no período da
escravidão e, principalmente, na fase imediatamente após a abolição.
A libertação lhes foi concedida sem que lhe tivesse sido preparado para
o ingresso numa sociedade de capitalismo emergente e para os papéis sócio-
econômico de trabalhador livre.
O imigrante praticamente monopolizava todas as oportunidades novas,
ao mesmo tempo que eliminava o negro das posições que ele alcaçara no
artesanato e em alguns ramos de pequeno comércio.
Não foram preparados, mun piscar de olho passaram do escravismo
para o capitalismo. Evitavam permanecer muito tempo vinculados na mesma
atividade, afastando-se sempre que tinham recursos para manterem-se numa
ociosidade temporária”. 45
Esta realidade estava presente e representada nesta localidade, mas os
imigrantes não entendiam o caboclo, julgavam serem vagabundos, diziam que
não queriam nada com nada. Quando trocavam anualmente de lavoura para o
plantio, consideravam ignorante. Mas na realidade com seu modo de vida,
muito bem conseguiam viver, se não houvesse é claro, a intervenção do
imigrante.
“Estas suas características provocavam constantes atritos com
empregadores e iam marginalizando o negro da oportunidade de trabalho. Aqui
começa a se originar o estereotipo da irregularidade e preguiça do negro”. 46
Atualmente a juventude até possui elogiável relacionamento com o
caboclo. Quanto aos casamentos com o caboclo e outra etnias os mesmos se
intensificaram em comparação com os primeiros tempos, apesar de que alguns
ainda persistem na regra traçada pelos seus ancestrais.
Dos vinte e cinco jovens e adolescentes entrevistados sobre o
preconceito racial em casar-se com caboclo ou cabocla os resultados foram os
seguintes: dezoito responderam não ter importância a cor ou a origem da
43
PACHECO, Eliezer, Colonização e Racismo, Arte Nova/Fidene, 1976, p.36-37.
44
Idem, op. cit., nota 25.
45
FERNANDES, Florestan, O negro no Mundo dos Brancos, São Paulo, Difusão Europeia do livro, 1976,
p.87-88. Citado em. PACHECO, Eliezer, p.41.
46
PACHECO, Eliezer, op. cit., nota 43, p.41-43.
20. 20
pessoa, mas sim o comportamento e atitudes como parceira ou parceiro;
quatro manifestaram-se indiferentes por já possuírem namorado uo namorada.
E os três últimos disseram ter preferencia por loiros/loiras. Argumentaram
dizendo ser importante analisar a família que vem, “a cepa”.
Em relação a questão: - Por que a grande maioria dos caboclos são
pobres e não ocupam emprego de primeiro escalão? Obtive o seguinte
resultado: vinte e um expressaram-se lamentando discriminação que o caboclo
sofreu, não podendo competir com o imigrante; três em parte consideraram as
desvantagens e dificuldades, mas posicionaram-se contrários justificando
serem vadios, que só trabalham se recebem o valor que querem e ainda fazem
o serviço mal feito, ou não acabam o mesmo. E um respondeu agressivo
dizendo que só se aproveitavam, que são pagos para fazer o serviço e não
aparecem mais. Justificou dizendo: “nego é nego, não adianta”.
Quanto a última questão que tinha por objetivo analisar a ideologia
predominante quanto a questão social dos menores abandonados, FEBEM e
Penitenciárias, locais que atualmente estão em efervescência e que possuem
grande número de caboclos, apresento o seguinte resultado: O mais radical
manifestou-se assim sobre o massacre ocorrido na Penitenciária de São Paulo
e revolta dos menores da FEBEM de porto Alegre no mês de outubro (esta
ultima, dia 22 de outubro de 1992). “Nestes lugares o que existe é 80% de
gente que não presta mesmo, que soltos, voltariam a roubar e matar, a maioria
é negrada”. Analisando mais profundamente a citação revoltada pode-se dizer
que “nem sempre são representação ideológica da infraestrutura vigente no
momento histórico. As vezes a situação ideológica já desapareceu mas
encontra-se ainda as condições que a geram”. 47
“A sociedade brasileira já oferece maiores oportunidades de trabalho e
ascensão do negro, embora muitas barreiras ainda persistam. Ele ainda ocupa
o status de cidadão de segunda categoria”. 48
Ficou evidente que as barreiras persistentes estão mais presentes na
camada média da população. A classe social que se mantém indiferente, que
possui certa estabilidade sócio-econômica, que mantém a aparência de
autônoma e e tradição política conservadora. Mantendo fiel alinhamento as
características política-ideológica da zona da mata, região que predomina a
imigração.
Tudo o que o negro passou em todo o país; “enfrentou diferentes
hábitos, língua, religião. Separação de famílias, dificultando a integração que
pudesse vir a ter,” 49
Podemos dizer que seus descendentes ainda respeitam o
branco.
Na profundidade do areabouço ideológico cultivava-se os resultados
previstos, pois “devido a especificidade das relações de produção que se
desenvolviam no Brasil e ao interesse de marginalizar seus lucros. Não foi uma
fatalidade da natureza, mas uma determinação histórica”. 50
“Nesta amplitude da política nacional, nossa localidade encontra-se
imbricada e contagiada ideologicamente. Em linguagem atual a relação branco
X caboclo era, e muitas vezes ainda é, mania nacional. É um conteúdo
47
IANINI, Octávio, Raças e Classes Sociais no Brasil, 2ª ed. Rio de janeiro, Civilização Brasileira, 1972,
p.226. citado por PACHECO, Eliezer, op. Cit., nota 43, p.39.
48
PACHECO, Eliezer, op. cit., nota 43, p.43
49
PINSKY, Jaime, op. cit., nota 31, p.25.
50
Idem, op. cit., p.28.
21. 21
profundamente programado pela máquina político-ideológica que conduz a
sociedade. O jogo das relações sociais está praticamente com as cartas
marcadas” A letra tras a triste realidade vivida existencialmente pela maioria
dos brasileiros. Mostra a dual situação: num lado os que são e outro os que
não são jogados como cartas, uns contra os outros. E quando o povo
manifesta-se as imagens enganosas acabam com as esperanças e emoções e
como um jogo acaba e recomeça em suas mãos.
CONCLUSÃO
A emigração italiana para o brasil r
Almente foi dirigida segundo os interesses do sistema capitalista que
determinava sua distribuição e função.
Observa-se que o sacrifício, seja pelo recebimento de terras de má
qualidade, seja pelas contrariedades ligadas a saúde, alimentação e
ferramentas fazia parte da estratégia governamental ou de empresas
colonizadoras.
A saída de sua terra natal, e o caso em estudo de Santa Catarina
município de Nova Trento, foi a procura de novas terras, oportunidade melhor
de vida e fuga da tragédia inesperada. A não acomodação, a sede de
prosperar trouxe o italiano para esta região que rapidamente estava sendo
ocupada. A inclinação das terras não foi impecílio para fixar residência.
No âmbito social, no entanto, surgiram tensões sociais, oriundas da
diversidade cultural e ideológica em relação ao caboclo que residia nesta
localidade. Mas conforme narrativas, ficou evidente que não havia um
preconceito racial, mas sim apenas uma discriminação em alguns aspectos
referentes aos costumes do caboclo. O caboclo construía sua capacidade de
autodefesa e perseguia uma estratégia de uso da terra e produção totalmente
autônoma. O contrário do colono italiano que era submetido a subconsumo e
complexo lógico que definia e controlava as forças e interesses dominantes,
estimulou sua ambição de acumular capital a qualquer custo. É importante
frisar e recordar do passado dos dois grupos étnicos, comparar vanragens e
desvantagens para compreender seu relacionamento e consequente
predomínio do italiano na Linha 29. Pela sua própria estrutura de organização,
viu-se envolvido e viabilizava seus interesses e aspirações. O seu sistema de
produzir e viver obrigatoriamente era sustentado pelo alinhamento a política-
ideológica capitalista a qual lhe forneceu vantagens em detrimento de sua
própria liberdade e doação.
Quanto a juventude atual, último objetivo de análise, houve evolução,
mas conforme diz Argemiro J. Brum: “da consciência ingênua deve-se evoluir
para a consciência crítica e desta para a consciência organizacional:
instrumento fundamental para conduzir as aspirações populares”. 51
A esta não
cabe um julgamento, mas o desafio de construção de sua consciência e
história da localidade.
51
BRUM, Argemiro Jacob, Por que o Brasil foi ao fundo, Petrópolis, Vozes, 1984, p.80. (série Fidene).
22. 22
DEPOIMENTOS
Depoimento de Luciano e Mathilde Dallabrida relativo a Migração e
Colonização Italiana na linha 29, Ajuricaba, RS, setembro de 1992.
Depoimento de J.M.A.
Depoimento de Seraphim Carlos e Anna Dallabrida relativo a Árvore
Genealogica. Ajuricaba, RS, outubro de 1992.
Depoimento de vinte e cinco jovens da localidade: Ângela, Aniro,
Berenice, Carlos, Cledemir, Egidio, Elaine, Elemar, Gertrudes, Hildebrando,
Ivan, Jair, Josemar, Lauro, Leniro, marcos, Marilda, Marilene, Marilucia,
Rogério, Romildo, Rosane, Tarso, Valdoir e Vilson.
PANFLETO
PESAVENTO, Sandra Jatahy, De escravo á liberto, um difícil caminho, Porto
Alegre, 1988, 16p.
23. 23
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24. 24
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