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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

I.        INTRODUCAO


Um dos flagelos que mais afligem a humanidade são as doenças, sejam físicas ou
mentais. Desde sempre o Homem procurou lutar contra elas e com base em várias
experiências e descobertas chegou-se ao desenvolvimento da Medicina e da Psicologia
que se verifica em nossos dias. Apesar disso, ainda hoje temos doenças que não são
curáveis por nenhum destas áreas de investigação da saúde. (Ribeiro, 1998: 115).


Também o Homem africano procurou, como todo o homem de uma outra cultura, na sua
comunidade e tribo, fazer frente a estes males e desde há muito que surgiu no seu seio o
homem especializado nos segredos curativos. Em todos os países da África existem as
mais diversas formas de interpretacao e cura das doenças.


A Psicologia ocidental, que é tomada como modelo para as doenças mentais, também
baseou-se em uma cultura, a do Ocidente. Entretanto, cada povo tem a sua cultura, e cada
cultura tem a sua forma de interpretacao dos fenomenos, no caso, psicologicos. A questão
que surge de momento é: será que a Psicologia Ocidental consegue tratar todos os
problemas psicológicos perturbam o homem africano? A análise desta questão torna-se
muito pertinente, pois, a psicologia que estudamos e que os especialistas do nosso país
têm conhecimento nao engloba nenhum elemento da cultura moçambicana.


Assim, o presente estudo de caso, realizado no âmbito da cadeira de Perspectivas
Africanas dos Fenómenos Psicológicos, tem por objectivo analisar a componenente
africana patente num dada situacao psicopatológica. Mais especificamente, o estudo feito
pretende mostrar como uma situacao, no caso, de Psicose, é vista pelo doente e sua
família e qual o tratamento que estes recorrem ao constatar que se tratava de um problema
mental.


O presente relato é um caso verídico ocorrido na Enfermaria da Psiquiatria do Hospital
Central de Maputo e todos os dados relativos a este nos foram facultados pelo psicólogo Dr.
Juvêncio Sarmento. Referir que não conseguimos obter todos os dados necessários para a
interpretação do mesmo pois tornou-se um caso de óbito e também por nao ser recente.




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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

Apesar disso, escolheu-se o caso para se fazer o estudo, pois, acreditamos que é muito
interessante e uma mais valia para nós estudantes de Psicologia podermos entender o
quanto é importante englobar a cultura do indivíduo quando o estudamos.


As pesquisas feitas para a realizacao do estudo foram tanto bibliográficas como de campo.
Na pesquisa bibliográfica consultou-se vários livros e estudos feitos na área de Psicologia
Transcultural, Psicologia Clínica e Antropologia. A pesquisa de campo serviu para a
recolha de dados por meio da técnica de entrevista.


Assim, o estudo a seguir apresentado, é resultado do que foi consumido dos dados obtidos
atraves da entrevista com o psicólogo e da leitura e reflexão feita por nós quanto ao mesmo.




II.      APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE CASO


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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso




         1. Descriçao do Caso


S, de 39 anos, sexo feminino, divorciada, 3º ano de Escola Comercial, veio acompanhada
pela família aos Servicos de Psiquiatria do Hospital Central de Maputo com a queixa de
alteracoes de comportamento, alucinaçoes auditivas e visuais e agressividade.


Tendo em vista as manifestacoes apresentadas pela paciente e depois de se fazerem todos
os testes e exames com o consentimento da sua familia, concluiu-se que esta sofria de
uma psicose.


Em termos de tratamento, em primeiro lugar, fez-se uma intervencao psiquiatrica por
meio de fármacos, nao tendo obtido melhorias na condicao da paciente. À seguir, decidiu-
se fazer uma abordagem familiar com a ajuda dos psicologos da instituicao. Esta visava
desvendar aspectos que poderiam ter sido ocultados pela familia aquando das primeiras
entrevistas.


Durante a abordagem, a familia revelou que a paciente ja tinha estado num curandeiro
(médico tradicional). Esta foi conduzida ao curandeiro pela familia por ouvir vozes e ter
visoes. Segundo o curandeiro, esta tinha sido escolhida pelos espíritos para ser uma
curandeira.


Foram seguidos todos os rituais necessarios para que a paciente se tornasse uma
curandeira, mas no dia da realizacao da consagracao (chamado de Thwasa, na cultura
moçambicana) esta teve um desentendimento com a curandeira mestra e abandonou a
cerimonia. Depois de alguns dias, a paciente comecou a manifestar uma alteracao de
comportamento – insultando e partindo as coisas.


Analisando o que foi dito pela familia, os psicologos juntamente com a Direccao da
Enfermaria da Psiquiatria decidiram encaminhar o caso para um curandeiro por estes
conhecido. Assim, foi feita a orientacao à familia e esta concordou em levá-la.


Segundo o que a familia disse ao médico, à 100 metros da casa da nova curandeira, a
paciente entrou em “transe” e vozes e visoes que esta tinha desapareceram. Depois esta


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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

dirigiu-se sozinha à casa que até entao desconhecia. Durante um/dois meses foram feitos
todos os rituais mais uma vez até a consagracao.


Após à consagracao, a paciente integrou-se na AMETRAMO (Associacao dos Médicos
Tradicionais de Moçambique). Viveu durante dois/três meses sem precisar de nenhum
tratamento psiquiátrico ou psicológico vindo a falecer de Tuberculose Óssea que segundo
o psicologo dr. Juvêncio Sarmento, nao tinha nenhuma relacao com os problemas que esta
apresentara anteriormente.


         2. Diagnóstico e Tratamento Clínico


Como acima referimos, o presente caso foi diagnosticado como sendo uma psicose -
distúrbio psiquiátrico grave onde o paciente perde contato com a realidade, emite juízos
falsos (delírios), podendo também apresentar alucinações (percepções visuais, auditivas e
tácteis irreais), distúrbios de conduta que tornam impossível o convívio social e outros
comportamentos bizarros (Ballone, 2005: 1).


A perda de contacto com a realidade é o aspecto essencial da psicose, entretanto, este
depende da intensidade da perturbação. A psicose propriamente dita começa a partir do
ponto em que o paciente relaciona-se com objectos e coisas que não existem no nosso
mundo. O psicótico vive num mundo onde a realidade é outra, inatingível por nós ou
mesmo por outros psicóticos, mas vive simultaneamente neste mundo real (Marot, 2004:
1).


O delírio é o principal sintoma nestes pacientes. Pode ser proveniente de uma recordação
para a qual o paciente dá uma nova interpretação, vir de um simples gesto realizado por
qualquer pessoa como coçar a cabeça, pode vir de uma idéia criada pelo próprio paciente,
pode ser uma fantasia como acreditar que seres espirituais estão a envia mensagens do
além através da televisão, entre outros (Marot, 2004: 1).

As psicoses podem ter várias origens: por lesões cerebrais, tumores cerebrais,
esquizofrenia, tóxicos, álcool, infecções, traumas emocionais etc. Algumas psicoses são
incuráveis, outras apresentam cura completa. Quase sempre requer tratamento à base de
psicotrópicos e nem sempre é necessária a internação do paciente.


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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

Com base na descricao da psicose que acabou-se de fazer, podemos dizer que grande
parte dos sintomas que a paciente apresentava iam de acordo com os da psicose. Apesar
disso, o tratamento clínico feito com esta nao apresentou melhorias na mesma. Isto pode-
nos levar a pensar que talvez o problema da paciente nao fosse efectivamente uma psicose
mas sim uma outra perturbacao ou problema.

O capitulo a seguir irá tentar fazer a interpretacao deste caso segundo uma outra
perspectiva, a da cultura moçambicana e mostrar como este fenómeno é encarado e
percebido de acordo com os seus conhecimentos tradicionais.



         INTERPRETAÇÃO SEGUNDO A CULTURA MOÇAMBICANA
III.


         1. Diagnóstico Tradicional


Segundo a cultura mocambicana, mais concretamente, do Sul de Moçambique, o caso
acima retratado refere-se a uma possessao pelos espiritos, em que a paciente fora
escolhida para ser um nyamusoro, ou seja, uma curandeira.


A possessao pelos espiritos, também conhecida pela “doença” ou “loucura dos deuses”
(vuvayi bza svikwembu, no dialeto changana do sul de Moçambique), tem também um
caracter religioso, pois, os espiritos figurados como causa da doença são svikwembu, ou
seja, espiritos dos falecidos (Junod, 1996: 411).


Kardek (1968) citado por Milani (s/d) refere que a possessao é a accao que um espirito
exerce sobre um individuo encarnado, substituindo-o temporariamente em seu próprio
corpo material. O espirito toma o corpo possesso para domicílio, sem que este, no
entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela
morte. Esta ação não é permanente considerando que a união molecular do perispírito ao
corpo opera-se somente no momento da concepção.


Os fenómenos de possessão existem na maior parte das raças não-civilizadas (EX:) e até
em povos mais avançados (ex: a França). Algo estranho é que os deuses ou espiritos a que
se atribui o poder de tomar possessão de seres humanos não são os antepassados dos
Tsongas (povos do sul do país), mas sim, os espiritos dos Zulus (povos da África do Sul)


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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

e os da tribos dos Ndrawus – povos que habitam o país além do Save até aos arredores da
Beira, (Junod, 1996: 413).




         2. Manifestacoes ou Sintomatologia


Antes de falar de como se manifesta a “doenca”, é importante clarificar o conceito de
nyamusoro, pois a razao pela qual esta se apresenta no individuo é exactamente porque
este foi escolhido para ser um novo nyamusoro. Segundo o Dicionario Tsonga-Portugues
citado por Ribeiro (1998: 163), este refere-se a um individuo que trata das doencas dos
espiritos, exorcista, medium. Portanto, é um medico que trata por meio de espiritos, com
ritos e remédios espaciais, diferentemente de um nyanga-rhume que trata somente por
habilidade natural - por meio de plantas cujas propriedades foram-lhe reveladas pelos
espiritos através dos sonhos (Ribeiro, 1998: 125).


Quando o invidiuo é escolhido para ser um nyamusoro, este padece de uma doença grave,
sintomática do “chamamento” ancestral e que só pode ser curada atraves de uma serie de
rituais de iniciacao (Honwana, 2002: 87). O individuo pode apresentar sintomas fisicos ou
mentais. Quanto aos primeiros, podemos observar mau apetite e perda de peso sem causa
aparente, falta de vontade de trabalhar, dores no peito, ausencia de forca nos membros
superiores e inferiores (Morelli, 2002: 49). Nos sintomas mentais, podemos ter a angustia,
a agressividade, moléstias, sonhos premonitórios, visões, distúrbios mentais (Cabús, s/d).


No caso da paciente, como vimos, esta apresentou alteracoes de comportamento, visoes,
audicao de vozes e agressividade, o que levou a familia a procurar um especialista de
medicina tradicional – o nyamusoro. Este, por sua vez, conlcuiu que se tratava de uma
“doenca de chamamento” devido aos sintomas que a paciente apresentava e também por
meio dos ossiculos que devem ser sempre consultados antes de chegar a uma conclusao.
Estes, sao ossos que devem ser lançados e servem de um meio para perguntar aos
espiritos sobre o que se passa com o paciente.




         3. Causas da Doença



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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

Segundo Polanah (1967) citado por Jurg et al. (1991), as causas da possessao podem ser
analisadas de acordo com duas perspectivas: a Cristo-judáica e a Medicina Tradicional.
Para a igreja Católica, o individuo possesso sofre de uma presenca satánica e só poderá
ser salvo com o banimento do espirito maligno do corpo enfermo, enfrentando em nome
de Deus. Já do ponto de vista da Medicina Tradicional, esta produz-se por laços que unem
descendentes e antepassados.


Deprende-se do parágrafo anterior que as causas da possessao para as duas perspectivas
sao sobrenaturais e nao fisicas ou ambientais como acontece para a Psicologia Ocidental.


De acordo com o caso acima descrito, podemos dizer que a causa da sua doenca está mais
ligada ao ponto de vista da medicina tradicional, pois, fala-se de possessão por espiritos
que a escolheram para ser uma nyamusoro.




         4. Formas de Aquisicao da “Doenca”


Segundo a tradicao mocambicana, existem tres formas de se tornar um nyamusoro. A
primeira, é a existencia de um nyamusoro-antepassado na familia. Os espiritos deste
escolhem um membro para prosseguir com a tradicao, podendo ficar algumas geracoes
sem se manifestar. Na segunda forma, o individuo pode ser apanhado por espiritos no
meio ambiente ou por pisar o local onde o corpo de um um morto esteja enterrado, mas o
enterro nao fora realizado segundo a tradicao da pessoa. A ultima forma é atraves da
compra de poderes e do conhecimento de um nyamusoro (Honwana, 2002: 82).


Embora no caso apresentado, nao tenhamos informacoes suficientes para dizer de que
forma os espiritos escolheram a paciente, desde já nos é possivel descartar a ultima
hipotese, pois, caso tivesse sido por iniciativa propria dificilmente teria abandonado o
ritual e procurado um tratamento cientifico. Portanto, as hipóteses que nos restam, levam
a concluir que a paciente, ou fora escolhida por um antepassado ou entao, poderá ter sido
apanhada por um espirito no ambiente.




         5. Tratamento Tradicional


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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso




A única forma de tratamento para quem foi escolhido pelos espiritos é abandonar tudo e
seguir o “chamamento”, pois caso não, este ficara doente para o resto da vida (Honwana,
2002: 88). Segundo o relato do psicologo, como vimos, a paciente abandonou a iniciacao
no ultimo ritual por desentendimento com o nyamusoro e isto fez com que os sintomas da
mesma se agravassem, passando esta a apresentar comportamentos destructivos de
objectos, insultos e agresssao fisica à outrem.


Como referimos na descricao do caso, após isto a familia decidiu procurar um tratamento
cientifico, levando-a a Enfermaria da Psiquiatria do HCM. O tratamento aqui feito não
teve o efeito desejado, tendo a paciente voltado a fazer um tratamento tradicional.
Segundo o nyamusoro, este é feito com base em uma serie de rituais que vao iniciar o
twasana (iniciado) no processo de transformacao em um nyamusoro.


Existem tres tipo de rituais de iniciacao a que os iniciados sao sujeitos: kufundrukisa
(ritual intermedio que é realizado nos primeiros seis meses de iniciacao), kuthwasa
(destinado aos espiritos vanguni) e o kuparura (dirigido aos espiritos vandau). Há ainda
um quarto ritual chamado kuheleketa, que permite aos praticipantes regressarem às suas
familias, marcando o fim do processo de iniciacao. O kuthwasa, para alem de ser um dos
rituais de iniciacao, pode dizer respeito a todo o processo de iniciacao Geralmente, o
processo de iniciacao todo tem a duracao de 1 a 3 anos dependendo do tipo de espiritos.
(Honwana, 2002: 104-108).


Esta associacao foi criada tendo como um dos objectivos o de verificar a capacidade
cientifica dos seus futuros membros, pois, era necessario encontrar criterios que
tornassem possivel o reconhecimento dos verdadeiros curandeiros dentre os inumeros
“charlatães” (Meneses, 2000: 23).
IV.       ANÁLISE E DISCUSSAO




Tendo analisado o caso acima descrito por meio das duas perspectivas (psicologia
ocidental e Africana), podemos dizer que há psicoses que tenham um conteudo religioso
ou espiritual, como o caso presente. Embora os sintomas da paciente fossem de aparencia
organica nao tinham nenhuma causa biológica. Tratava-se sim, de uma causa espiritual.


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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso




Segundo um estudo feito por Koenig (2007) sobre a relacao entre a religiao,
espiritualidade e transtornos psicóticos nos EUA, Brasil e outras areas do mundo, revelou
que enquanto cerca de um terço das psicoses têm conteúdo religioso, nem todas as
experiências religiosas são psicóticas. Na realidade, elas podem ter efeitos positivos no
curso de doenças mentais graves, como aconteceu no caso da paciente que foi possessa
pelos espiritos.




Isto leva-nos a reflectir se devemos ou nao tratar e desencorajar as experiências religiosas
ou se devemos apoiá-las. Acreditamos que os clínicos da area de Psicologia e Psiquiatria
devem compreender os papéis positivos e negativos que a religião desempenha nos
pacientes com transtornos psicóticos pois por vezes esta tem efeitos sobre os mesmos.




No caso que apresentamos, vimos que a causa da “psicose” tinha uma causa cultural e por
isso só o tratamento tradicional conseguiu curar a paciente, pois quando a causa é
espiritual/cultural não há tratamento cientifico que possa elimina-la.




Por causa disto, torna-se necessário entender as crenças do individuo que estivermos a
avaliar, e isto obriga-nos a incluir o elemento “cultura” na psicologia que usamos, ou seja,
ocidental. Portanto, é preciso adoptar uma perspectiva psicologica relativista




V.       COMO DEVE SER ENCARADA A PSICOLOGIA EM MOÇAMBIQUE?


Tendo em vista o caso acima descrito, acreditamos que a psicologia em Moçambique
deverá ser vista não só do ponto de vista do Ocidente, mas também do ponto de vista
cultural, pois, quando analisamos um caso de psicopatologia estamos a falar de uma
personalidade perturbada que sofre influência de variáveis tais como a cultura, a família e
o ambiente. Assim, torna-se necessário ver o individuo como um todo e não em




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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

compartimentos, pois só deste modo ser-nos-á possível fazer uma intervencao apropriada
ao caso que se nos apresentar.


A nossa sugestão não é ignorar a Psicologia Ocidental, mas não tomá-la como a única
perspectiva possível de interpretacao e avaliacao dos fenomenos psicologicos. É
recomendável e também imprescindivel que se olhe para a cultura do individuo, pois, é
com base nos seus conhecimentos, na sua tradicao e religiao que este interpreta e gere as
doencas que encontra ao longo da vida.


Sendo o método da psicologia curar o individuo atraves da mente não obteremos os
nossos resultados se não compreendermos como esta funcina pois cada mente é única.
Será que conseguiremos curar alguém se este não tiver crença na interpretacao e
tratamento que estamos fazendo do seu problema? Sinceramente, acreditamos que não
adianta tratar um individuo que tem uma forma diferente de visualizar e interpretar o seu
problema, pois, só quando o indivíduo acredita em algo é que consegue-se curar por meio
desse algo.


Assim, podemos considerar que a saúde é o bem-estar biopsicossocial e também espiritual
do indivíduo, pois o Homem é antes de mais um ser espiritual e é com base na noção que
ele tem da sua espiritualidade que compreende a si, a vida e a morte. Portanto, não se
pode fazer uma psicologia fora do contexto real do individuo.


Segundo o Dr. Juvêncio, os pacientes procuram os services de psiquiatria depois de já
terem feito um tratamento tradicional e não tiverem obtido o resultado desejado, isto é, a
cura para o mal que os levou a procurá-los, e só revelam que já fizeram algum tratamento
tradicional quando estao em crise ou por lapsos de lingua.


Acreditamos que os pacientes tentam esconder que antes fizeram um tratamento
tradicional, pois, a medicina tradicional, por não ter a legitimidade cientifica, é vista como
uma forma de feitiçaria e magia negra, e por isso receiam informar ao psiquiatra ou ao
psicólogo.
VII.     CONLCUSAO




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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

Feita a apresentaçao do estudo de caso sobre a possessao pelos espiritos, analisada pela
psicologia occidental como sendo uma “psicose”, podemos concluir que é importante
termos em conta a cultura do individuo quando estivermos a fazer uma interpretacao e
intervencao do fenomeno psicologico.


“O papel da posse dos espiritos no processo de cura contemporaneo, nao deve ser visto
como uma pratica tradicional remota, fechada no passado, mas como uma resposta dos
nossos dias que ajuda as pessoas a enfrentar os desafios lancados pelo mundo moderno.”
(Honwana, 2002: 47).


Embora nao tenhamos dados suficientes para afirmar, por meio das informacoes obtidas
podemos dizer que também a familia da paciente em primeiro lugar preferiu consultar um
curandeiro ao em vez de leva-la a um psiquiatra ou psicologo. Só mais tarde, por nao ter
conseguido ajuda-la decidiu conduzi-la aos servicos de saude cientificos.


É de salientar a atiude do psicólogo Dr. Juvencio Sarmento quanto ao caso abordado,
pois, caso este não tivesse tentado compreender a cultura e a tradicao da paciente não se
teria obtido sucesso na cura da mesma, mesmo que por medicina tradicional. Recomenda-
se que esta attitude deve ser imitada por todos nós no decurso da nossa carreira
professional.


Por fim, agradecemos ao Prof. Doutor Balegamire Bazilache, a dra. Joana Munembe por
nos ter facultado a oportunidade de poder pesquisar e compreender melhor a cultura
mocambicana bem como as interpretacoes feitas em casos de dencas mentais.
Agradecemos ainda o dr. Juvêncio Sarmento e dra. Sandra pelo tempo disponibilizado
para nos falar da psicologia Africana e relatar-nos um caso verídico.




REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS




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Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso

    •    Ballone, G. J. Psicoses. Disponível em:
         http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=289 Acesso
         em: 27 de Abril, 2009.



    •    CABÚS, L. Quimbandas: Os Sacerdotes da Cura e dos Espíritos da Noite.
         Disponivel       em:      http://mortesubita.org/jack/cultos-afros/teoria/quimbandas-os-
         sacerdotes-da-cura-e-dos-espiritos-da-noite/ Acesso em: 27 de Abril, 2009.



    •    HONWANA, A. (2002). Espíritos Vivos, Tradições Modernas: possessão de
         Espíritos e Reintegração social Pós-guerra no sul de Moçambique. Edições
         Promédia.


    •    JUNG. A. Et al (1991) Fornecedores e utentes de unidade de saúde moderna ou
         tradicionais em Maputo. Resultados de um inquérito realizado entre Novembro
         de 1990 e Fevereiro de 1991 na Cidade de Maputo. MISAU, Gabinete de estudos
         de Medicina tradicional. Maputo. Pp 21-22


    •    JUNOD, H.(1996). Usos e Costumes Bantu (Tomo II: Vida Mental). Arquivo
         Histórico de Moçambique, Documentos 3. pp. 406-432



    •    MILANI, M. (s/d). Possessao. Disponivel em:
         www.guia.heu.nom.br/possessao.htm. Acesso em 27 de Abril, 2009.



    •    Marot, A. (2004). Psicoses. Disponviel em: www.psicosite.com.br/psicoses
         Acesso em: 27 de Abril, 2009.



    •    MENESES, M. (2000). Medicina Tradicional, Biodiversidade e Conhecimentos
         rivais em Moçambique. Oficina do Centro de Estudos Sociais




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     •    Milani, M. Possessao. Disponivel em: www.guia.heu.nom.br/possessao.htm
          Acesso em: 27 de Abril, 2009.



    •    MORELLI. G.(2002). Antropologia della Salute in Mozambico. Editrice
         Democrática Sarda. Pp 45-55




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  • 1. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso I. INTRODUCAO Um dos flagelos que mais afligem a humanidade são as doenças, sejam físicas ou mentais. Desde sempre o Homem procurou lutar contra elas e com base em várias experiências e descobertas chegou-se ao desenvolvimento da Medicina e da Psicologia que se verifica em nossos dias. Apesar disso, ainda hoje temos doenças que não são curáveis por nenhum destas áreas de investigação da saúde. (Ribeiro, 1998: 115). Também o Homem africano procurou, como todo o homem de uma outra cultura, na sua comunidade e tribo, fazer frente a estes males e desde há muito que surgiu no seu seio o homem especializado nos segredos curativos. Em todos os países da África existem as mais diversas formas de interpretacao e cura das doenças. A Psicologia ocidental, que é tomada como modelo para as doenças mentais, também baseou-se em uma cultura, a do Ocidente. Entretanto, cada povo tem a sua cultura, e cada cultura tem a sua forma de interpretacao dos fenomenos, no caso, psicologicos. A questão que surge de momento é: será que a Psicologia Ocidental consegue tratar todos os problemas psicológicos perturbam o homem africano? A análise desta questão torna-se muito pertinente, pois, a psicologia que estudamos e que os especialistas do nosso país têm conhecimento nao engloba nenhum elemento da cultura moçambicana. Assim, o presente estudo de caso, realizado no âmbito da cadeira de Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicológicos, tem por objectivo analisar a componenente africana patente num dada situacao psicopatológica. Mais especificamente, o estudo feito pretende mostrar como uma situacao, no caso, de Psicose, é vista pelo doente e sua família e qual o tratamento que estes recorrem ao constatar que se tratava de um problema mental. O presente relato é um caso verídico ocorrido na Enfermaria da Psiquiatria do Hospital Central de Maputo e todos os dados relativos a este nos foram facultados pelo psicólogo Dr. Juvêncio Sarmento. Referir que não conseguimos obter todos os dados necessários para a interpretação do mesmo pois tornou-se um caso de óbito e também por nao ser recente. Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 1
  • 2. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso Apesar disso, escolheu-se o caso para se fazer o estudo, pois, acreditamos que é muito interessante e uma mais valia para nós estudantes de Psicologia podermos entender o quanto é importante englobar a cultura do indivíduo quando o estudamos. As pesquisas feitas para a realizacao do estudo foram tanto bibliográficas como de campo. Na pesquisa bibliográfica consultou-se vários livros e estudos feitos na área de Psicologia Transcultural, Psicologia Clínica e Antropologia. A pesquisa de campo serviu para a recolha de dados por meio da técnica de entrevista. Assim, o estudo a seguir apresentado, é resultado do que foi consumido dos dados obtidos atraves da entrevista com o psicólogo e da leitura e reflexão feita por nós quanto ao mesmo. II. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE CASO Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 2
  • 3. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso 1. Descriçao do Caso S, de 39 anos, sexo feminino, divorciada, 3º ano de Escola Comercial, veio acompanhada pela família aos Servicos de Psiquiatria do Hospital Central de Maputo com a queixa de alteracoes de comportamento, alucinaçoes auditivas e visuais e agressividade. Tendo em vista as manifestacoes apresentadas pela paciente e depois de se fazerem todos os testes e exames com o consentimento da sua familia, concluiu-se que esta sofria de uma psicose. Em termos de tratamento, em primeiro lugar, fez-se uma intervencao psiquiatrica por meio de fármacos, nao tendo obtido melhorias na condicao da paciente. À seguir, decidiu- se fazer uma abordagem familiar com a ajuda dos psicologos da instituicao. Esta visava desvendar aspectos que poderiam ter sido ocultados pela familia aquando das primeiras entrevistas. Durante a abordagem, a familia revelou que a paciente ja tinha estado num curandeiro (médico tradicional). Esta foi conduzida ao curandeiro pela familia por ouvir vozes e ter visoes. Segundo o curandeiro, esta tinha sido escolhida pelos espíritos para ser uma curandeira. Foram seguidos todos os rituais necessarios para que a paciente se tornasse uma curandeira, mas no dia da realizacao da consagracao (chamado de Thwasa, na cultura moçambicana) esta teve um desentendimento com a curandeira mestra e abandonou a cerimonia. Depois de alguns dias, a paciente comecou a manifestar uma alteracao de comportamento – insultando e partindo as coisas. Analisando o que foi dito pela familia, os psicologos juntamente com a Direccao da Enfermaria da Psiquiatria decidiram encaminhar o caso para um curandeiro por estes conhecido. Assim, foi feita a orientacao à familia e esta concordou em levá-la. Segundo o que a familia disse ao médico, à 100 metros da casa da nova curandeira, a paciente entrou em “transe” e vozes e visoes que esta tinha desapareceram. Depois esta Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 3
  • 4. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso dirigiu-se sozinha à casa que até entao desconhecia. Durante um/dois meses foram feitos todos os rituais mais uma vez até a consagracao. Após à consagracao, a paciente integrou-se na AMETRAMO (Associacao dos Médicos Tradicionais de Moçambique). Viveu durante dois/três meses sem precisar de nenhum tratamento psiquiátrico ou psicológico vindo a falecer de Tuberculose Óssea que segundo o psicologo dr. Juvêncio Sarmento, nao tinha nenhuma relacao com os problemas que esta apresentara anteriormente. 2. Diagnóstico e Tratamento Clínico Como acima referimos, o presente caso foi diagnosticado como sendo uma psicose - distúrbio psiquiátrico grave onde o paciente perde contato com a realidade, emite juízos falsos (delírios), podendo também apresentar alucinações (percepções visuais, auditivas e tácteis irreais), distúrbios de conduta que tornam impossível o convívio social e outros comportamentos bizarros (Ballone, 2005: 1). A perda de contacto com a realidade é o aspecto essencial da psicose, entretanto, este depende da intensidade da perturbação. A psicose propriamente dita começa a partir do ponto em que o paciente relaciona-se com objectos e coisas que não existem no nosso mundo. O psicótico vive num mundo onde a realidade é outra, inatingível por nós ou mesmo por outros psicóticos, mas vive simultaneamente neste mundo real (Marot, 2004: 1). O delírio é o principal sintoma nestes pacientes. Pode ser proveniente de uma recordação para a qual o paciente dá uma nova interpretação, vir de um simples gesto realizado por qualquer pessoa como coçar a cabeça, pode vir de uma idéia criada pelo próprio paciente, pode ser uma fantasia como acreditar que seres espirituais estão a envia mensagens do além através da televisão, entre outros (Marot, 2004: 1). As psicoses podem ter várias origens: por lesões cerebrais, tumores cerebrais, esquizofrenia, tóxicos, álcool, infecções, traumas emocionais etc. Algumas psicoses são incuráveis, outras apresentam cura completa. Quase sempre requer tratamento à base de psicotrópicos e nem sempre é necessária a internação do paciente. Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 4
  • 5. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso Com base na descricao da psicose que acabou-se de fazer, podemos dizer que grande parte dos sintomas que a paciente apresentava iam de acordo com os da psicose. Apesar disso, o tratamento clínico feito com esta nao apresentou melhorias na mesma. Isto pode- nos levar a pensar que talvez o problema da paciente nao fosse efectivamente uma psicose mas sim uma outra perturbacao ou problema. O capitulo a seguir irá tentar fazer a interpretacao deste caso segundo uma outra perspectiva, a da cultura moçambicana e mostrar como este fenómeno é encarado e percebido de acordo com os seus conhecimentos tradicionais. INTERPRETAÇÃO SEGUNDO A CULTURA MOÇAMBICANA III. 1. Diagnóstico Tradicional Segundo a cultura mocambicana, mais concretamente, do Sul de Moçambique, o caso acima retratado refere-se a uma possessao pelos espiritos, em que a paciente fora escolhida para ser um nyamusoro, ou seja, uma curandeira. A possessao pelos espiritos, também conhecida pela “doença” ou “loucura dos deuses” (vuvayi bza svikwembu, no dialeto changana do sul de Moçambique), tem também um caracter religioso, pois, os espiritos figurados como causa da doença são svikwembu, ou seja, espiritos dos falecidos (Junod, 1996: 411). Kardek (1968) citado por Milani (s/d) refere que a possessao é a accao que um espirito exerce sobre um individuo encarnado, substituindo-o temporariamente em seu próprio corpo material. O espirito toma o corpo possesso para domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. Esta ação não é permanente considerando que a união molecular do perispírito ao corpo opera-se somente no momento da concepção. Os fenómenos de possessão existem na maior parte das raças não-civilizadas (EX:) e até em povos mais avançados (ex: a França). Algo estranho é que os deuses ou espiritos a que se atribui o poder de tomar possessão de seres humanos não são os antepassados dos Tsongas (povos do sul do país), mas sim, os espiritos dos Zulus (povos da África do Sul) Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 5
  • 6. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso e os da tribos dos Ndrawus – povos que habitam o país além do Save até aos arredores da Beira, (Junod, 1996: 413). 2. Manifestacoes ou Sintomatologia Antes de falar de como se manifesta a “doenca”, é importante clarificar o conceito de nyamusoro, pois a razao pela qual esta se apresenta no individuo é exactamente porque este foi escolhido para ser um novo nyamusoro. Segundo o Dicionario Tsonga-Portugues citado por Ribeiro (1998: 163), este refere-se a um individuo que trata das doencas dos espiritos, exorcista, medium. Portanto, é um medico que trata por meio de espiritos, com ritos e remédios espaciais, diferentemente de um nyanga-rhume que trata somente por habilidade natural - por meio de plantas cujas propriedades foram-lhe reveladas pelos espiritos através dos sonhos (Ribeiro, 1998: 125). Quando o invidiuo é escolhido para ser um nyamusoro, este padece de uma doença grave, sintomática do “chamamento” ancestral e que só pode ser curada atraves de uma serie de rituais de iniciacao (Honwana, 2002: 87). O individuo pode apresentar sintomas fisicos ou mentais. Quanto aos primeiros, podemos observar mau apetite e perda de peso sem causa aparente, falta de vontade de trabalhar, dores no peito, ausencia de forca nos membros superiores e inferiores (Morelli, 2002: 49). Nos sintomas mentais, podemos ter a angustia, a agressividade, moléstias, sonhos premonitórios, visões, distúrbios mentais (Cabús, s/d). No caso da paciente, como vimos, esta apresentou alteracoes de comportamento, visoes, audicao de vozes e agressividade, o que levou a familia a procurar um especialista de medicina tradicional – o nyamusoro. Este, por sua vez, conlcuiu que se tratava de uma “doenca de chamamento” devido aos sintomas que a paciente apresentava e também por meio dos ossiculos que devem ser sempre consultados antes de chegar a uma conclusao. Estes, sao ossos que devem ser lançados e servem de um meio para perguntar aos espiritos sobre o que se passa com o paciente. 3. Causas da Doença Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 6
  • 7. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso Segundo Polanah (1967) citado por Jurg et al. (1991), as causas da possessao podem ser analisadas de acordo com duas perspectivas: a Cristo-judáica e a Medicina Tradicional. Para a igreja Católica, o individuo possesso sofre de uma presenca satánica e só poderá ser salvo com o banimento do espirito maligno do corpo enfermo, enfrentando em nome de Deus. Já do ponto de vista da Medicina Tradicional, esta produz-se por laços que unem descendentes e antepassados. Deprende-se do parágrafo anterior que as causas da possessao para as duas perspectivas sao sobrenaturais e nao fisicas ou ambientais como acontece para a Psicologia Ocidental. De acordo com o caso acima descrito, podemos dizer que a causa da sua doenca está mais ligada ao ponto de vista da medicina tradicional, pois, fala-se de possessão por espiritos que a escolheram para ser uma nyamusoro. 4. Formas de Aquisicao da “Doenca” Segundo a tradicao mocambicana, existem tres formas de se tornar um nyamusoro. A primeira, é a existencia de um nyamusoro-antepassado na familia. Os espiritos deste escolhem um membro para prosseguir com a tradicao, podendo ficar algumas geracoes sem se manifestar. Na segunda forma, o individuo pode ser apanhado por espiritos no meio ambiente ou por pisar o local onde o corpo de um um morto esteja enterrado, mas o enterro nao fora realizado segundo a tradicao da pessoa. A ultima forma é atraves da compra de poderes e do conhecimento de um nyamusoro (Honwana, 2002: 82). Embora no caso apresentado, nao tenhamos informacoes suficientes para dizer de que forma os espiritos escolheram a paciente, desde já nos é possivel descartar a ultima hipotese, pois, caso tivesse sido por iniciativa propria dificilmente teria abandonado o ritual e procurado um tratamento cientifico. Portanto, as hipóteses que nos restam, levam a concluir que a paciente, ou fora escolhida por um antepassado ou entao, poderá ter sido apanhada por um espirito no ambiente. 5. Tratamento Tradicional Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 7
  • 8. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso A única forma de tratamento para quem foi escolhido pelos espiritos é abandonar tudo e seguir o “chamamento”, pois caso não, este ficara doente para o resto da vida (Honwana, 2002: 88). Segundo o relato do psicologo, como vimos, a paciente abandonou a iniciacao no ultimo ritual por desentendimento com o nyamusoro e isto fez com que os sintomas da mesma se agravassem, passando esta a apresentar comportamentos destructivos de objectos, insultos e agresssao fisica à outrem. Como referimos na descricao do caso, após isto a familia decidiu procurar um tratamento cientifico, levando-a a Enfermaria da Psiquiatria do HCM. O tratamento aqui feito não teve o efeito desejado, tendo a paciente voltado a fazer um tratamento tradicional. Segundo o nyamusoro, este é feito com base em uma serie de rituais que vao iniciar o twasana (iniciado) no processo de transformacao em um nyamusoro. Existem tres tipo de rituais de iniciacao a que os iniciados sao sujeitos: kufundrukisa (ritual intermedio que é realizado nos primeiros seis meses de iniciacao), kuthwasa (destinado aos espiritos vanguni) e o kuparura (dirigido aos espiritos vandau). Há ainda um quarto ritual chamado kuheleketa, que permite aos praticipantes regressarem às suas familias, marcando o fim do processo de iniciacao. O kuthwasa, para alem de ser um dos rituais de iniciacao, pode dizer respeito a todo o processo de iniciacao Geralmente, o processo de iniciacao todo tem a duracao de 1 a 3 anos dependendo do tipo de espiritos. (Honwana, 2002: 104-108). Esta associacao foi criada tendo como um dos objectivos o de verificar a capacidade cientifica dos seus futuros membros, pois, era necessario encontrar criterios que tornassem possivel o reconhecimento dos verdadeiros curandeiros dentre os inumeros “charlatães” (Meneses, 2000: 23). IV. ANÁLISE E DISCUSSAO Tendo analisado o caso acima descrito por meio das duas perspectivas (psicologia ocidental e Africana), podemos dizer que há psicoses que tenham um conteudo religioso ou espiritual, como o caso presente. Embora os sintomas da paciente fossem de aparencia organica nao tinham nenhuma causa biológica. Tratava-se sim, de uma causa espiritual. Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 8
  • 9. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso Segundo um estudo feito por Koenig (2007) sobre a relacao entre a religiao, espiritualidade e transtornos psicóticos nos EUA, Brasil e outras areas do mundo, revelou que enquanto cerca de um terço das psicoses têm conteúdo religioso, nem todas as experiências religiosas são psicóticas. Na realidade, elas podem ter efeitos positivos no curso de doenças mentais graves, como aconteceu no caso da paciente que foi possessa pelos espiritos. Isto leva-nos a reflectir se devemos ou nao tratar e desencorajar as experiências religiosas ou se devemos apoiá-las. Acreditamos que os clínicos da area de Psicologia e Psiquiatria devem compreender os papéis positivos e negativos que a religião desempenha nos pacientes com transtornos psicóticos pois por vezes esta tem efeitos sobre os mesmos. No caso que apresentamos, vimos que a causa da “psicose” tinha uma causa cultural e por isso só o tratamento tradicional conseguiu curar a paciente, pois quando a causa é espiritual/cultural não há tratamento cientifico que possa elimina-la. Por causa disto, torna-se necessário entender as crenças do individuo que estivermos a avaliar, e isto obriga-nos a incluir o elemento “cultura” na psicologia que usamos, ou seja, ocidental. Portanto, é preciso adoptar uma perspectiva psicologica relativista V. COMO DEVE SER ENCARADA A PSICOLOGIA EM MOÇAMBIQUE? Tendo em vista o caso acima descrito, acreditamos que a psicologia em Moçambique deverá ser vista não só do ponto de vista do Ocidente, mas também do ponto de vista cultural, pois, quando analisamos um caso de psicopatologia estamos a falar de uma personalidade perturbada que sofre influência de variáveis tais como a cultura, a família e o ambiente. Assim, torna-se necessário ver o individuo como um todo e não em Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 9
  • 10. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso compartimentos, pois só deste modo ser-nos-á possível fazer uma intervencao apropriada ao caso que se nos apresentar. A nossa sugestão não é ignorar a Psicologia Ocidental, mas não tomá-la como a única perspectiva possível de interpretacao e avaliacao dos fenomenos psicologicos. É recomendável e também imprescindivel que se olhe para a cultura do individuo, pois, é com base nos seus conhecimentos, na sua tradicao e religiao que este interpreta e gere as doencas que encontra ao longo da vida. Sendo o método da psicologia curar o individuo atraves da mente não obteremos os nossos resultados se não compreendermos como esta funcina pois cada mente é única. Será que conseguiremos curar alguém se este não tiver crença na interpretacao e tratamento que estamos fazendo do seu problema? Sinceramente, acreditamos que não adianta tratar um individuo que tem uma forma diferente de visualizar e interpretar o seu problema, pois, só quando o indivíduo acredita em algo é que consegue-se curar por meio desse algo. Assim, podemos considerar que a saúde é o bem-estar biopsicossocial e também espiritual do indivíduo, pois o Homem é antes de mais um ser espiritual e é com base na noção que ele tem da sua espiritualidade que compreende a si, a vida e a morte. Portanto, não se pode fazer uma psicologia fora do contexto real do individuo. Segundo o Dr. Juvêncio, os pacientes procuram os services de psiquiatria depois de já terem feito um tratamento tradicional e não tiverem obtido o resultado desejado, isto é, a cura para o mal que os levou a procurá-los, e só revelam que já fizeram algum tratamento tradicional quando estao em crise ou por lapsos de lingua. Acreditamos que os pacientes tentam esconder que antes fizeram um tratamento tradicional, pois, a medicina tradicional, por não ter a legitimidade cientifica, é vista como uma forma de feitiçaria e magia negra, e por isso receiam informar ao psiquiatra ou ao psicólogo. VII. CONLCUSAO Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 10
  • 11. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso Feita a apresentaçao do estudo de caso sobre a possessao pelos espiritos, analisada pela psicologia occidental como sendo uma “psicose”, podemos concluir que é importante termos em conta a cultura do individuo quando estivermos a fazer uma interpretacao e intervencao do fenomeno psicologico. “O papel da posse dos espiritos no processo de cura contemporaneo, nao deve ser visto como uma pratica tradicional remota, fechada no passado, mas como uma resposta dos nossos dias que ajuda as pessoas a enfrentar os desafios lancados pelo mundo moderno.” (Honwana, 2002: 47). Embora nao tenhamos dados suficientes para afirmar, por meio das informacoes obtidas podemos dizer que também a familia da paciente em primeiro lugar preferiu consultar um curandeiro ao em vez de leva-la a um psiquiatra ou psicologo. Só mais tarde, por nao ter conseguido ajuda-la decidiu conduzi-la aos servicos de saude cientificos. É de salientar a atiude do psicólogo Dr. Juvencio Sarmento quanto ao caso abordado, pois, caso este não tivesse tentado compreender a cultura e a tradicao da paciente não se teria obtido sucesso na cura da mesma, mesmo que por medicina tradicional. Recomenda- se que esta attitude deve ser imitada por todos nós no decurso da nossa carreira professional. Por fim, agradecemos ao Prof. Doutor Balegamire Bazilache, a dra. Joana Munembe por nos ter facultado a oportunidade de poder pesquisar e compreender melhor a cultura mocambicana bem como as interpretacoes feitas em casos de dencas mentais. Agradecemos ainda o dr. Juvêncio Sarmento e dra. Sandra pelo tempo disponibilizado para nos falar da psicologia Africana e relatar-nos um caso verídico. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 11
  • 12. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso • Ballone, G. J. Psicoses. Disponível em: http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=289 Acesso em: 27 de Abril, 2009. • CABÚS, L. Quimbandas: Os Sacerdotes da Cura e dos Espíritos da Noite. Disponivel em: http://mortesubita.org/jack/cultos-afros/teoria/quimbandas-os- sacerdotes-da-cura-e-dos-espiritos-da-noite/ Acesso em: 27 de Abril, 2009. • HONWANA, A. (2002). Espíritos Vivos, Tradições Modernas: possessão de Espíritos e Reintegração social Pós-guerra no sul de Moçambique. Edições Promédia. • JUNG. A. Et al (1991) Fornecedores e utentes de unidade de saúde moderna ou tradicionais em Maputo. Resultados de um inquérito realizado entre Novembro de 1990 e Fevereiro de 1991 na Cidade de Maputo. MISAU, Gabinete de estudos de Medicina tradicional. Maputo. Pp 21-22 • JUNOD, H.(1996). Usos e Costumes Bantu (Tomo II: Vida Mental). Arquivo Histórico de Moçambique, Documentos 3. pp. 406-432 • MILANI, M. (s/d). Possessao. Disponivel em: www.guia.heu.nom.br/possessao.htm. Acesso em 27 de Abril, 2009. • Marot, A. (2004). Psicoses. Disponviel em: www.psicosite.com.br/psicoses Acesso em: 27 de Abril, 2009. • MENESES, M. (2000). Medicina Tradicional, Biodiversidade e Conhecimentos rivais em Moçambique. Oficina do Centro de Estudos Sociais Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 12
  • 13. Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicologicos – Estudo de Caso • Milani, M. Possessao. Disponivel em: www.guia.heu.nom.br/possessao.htm Acesso em: 27 de Abril, 2009. • MORELLI. G.(2002). Antropologia della Salute in Mozambico. Editrice Democrática Sarda. Pp 45-55 Amisha Chandra & Teresa Rodrigues/4º Ano/Licenciatura em Psicologia/FACED-UEM 13