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MARXISMO E GEOGRAFIA
(A Geograficidade e o
diálogo das Ontologias)*
RUYMOREIRA
Universidade Federal Fluminense
Por dois momentos deu-se o encontro entre o marxismo e a geografia na história
do pensamento geográfico. O primeiro foi a década dos anos cinqüenta, no imedia-
to pós-guerra, com o grupo dos geógrafos franceses da geografia ativa (em seu
contraponto com a geografia aplicada). O segundo, o recente dos anos setenta, que
junta desde os ativistas do periódico Antipode da "geografia radical" até os geógra-
fos brasileiros da chamada "geografia crítica"'. Num e noutro momento a relação
foi profícua, estimulando a multiplicação de horizontes de olhares tanto na geogra-
fia quanto no marxismo, numa interação que de resto há tempos é corrente nos
demais campos acadêmicos.
O primeiro momento centrou-se essencialmenteno terreno da teoria do conheci-
mento. O segundoincursionapara mais além,ensaiando entrar no terrenoda ontologia.
O propósito deste texto é analisar e pôr mais elementos nessa entrada onto-gno-
seológica do segundo momento, pensando-o no plano comparado das ontologias do
marxismo e da geografia. O leitor pode tomá-lo como um desdobramento de outro
texto publicado no número 1 desta GEOgraphia, centrado no problema da dialética
da diferença-identidade,tema onto-gnoseológicopor excelência (MOREIRA, 1999).
* Este texto foi inicialmente escrito para subsidiar a mesa-redonda de mesmo título, realizada no 6'.
Congresso dos Geógrafos Brasileiros ( 6 O . CBG, Goiânia, 2004), sendo aqui reescrito e ampliado para
o fim desta publicaçáo.
'Sobre a posição do autor acerca desse termo, ver Moreira (2000 e 2002).
GEOgnrl>hia-Ano. 6 - NQI I -2004 Moreira
O MARXISMO EA GEOGRAFIA
O marxismo
O marxismo pode ser definido como uma atitude crítico-superativa do capitalis-
mo. Seu destino está por isto mesmo colado ao destino do capitalismo na história,
no sentido de que enquanto houver capitalismo - e atitude anticapitalista -, haverá
marxismo. Motivo que levou Sartre a afirmar ser o marxismo "a filosofia indestru-
tível de nosso tempo". Sartre refere-se por "nosso tempo" ao tempo da vigência
histórica do capitalismo. 1
Um equívoco costumeiro selou a sorte do marxismo ao destino da União
Soviética - assim como o do capitalismo ao dos Estados Unidos. E, ainda, à forma
tático-estratégica de ação anti-capitalista formulada pelos revolucionários nas con-
dições de luta da Rússia pré-1917. Há o esquecimento de que o tema do marxismo
é o tema do socialismo-comunisino, mas como atitude e práxis negadoras do capi-
talismo como forma de sociedade na história.
Uma outra correlação equivocada, dada a forma simplificada com que foi colo-
cada, é a da ligação orgânica do marxismo com o movimento do operariado fabril,
um enfoque histórico-datado do período industrial - período por nós designado de
centralidade fabril - e, neste sentido redutor, do conceito de classe trabalhadora e
do trabalho de Marx. Vale lembrar que a instituição criada por Marx para unificar
o movimento anti-capitalista no contexto conjunto da Europa do século XIX desig-
nou-se Internacional dos Trabalhadores, termo mais genérico para proletariado que
o de operariado fabril, que Marx, a rigor, só conhece nos quadros do capitalismo
inglês, e tal como hoje o conhecemos somente surgirá na virada do século XIX
para o XX, Marx morto, trazido pela segunda Revolução Industrial, e só Engels o
conhecerá.
Correlacionado ao capitalismo no sentido dialético da sua negação na história -
donde estar correlacionado à forma da luta anti-capitalista e ao projeto de uma
sociedade a ele antípoda - o olhar do marxismo muda e se atualiza na história,
reestruturando-se no modo como o lê, na linguagem analítica que usa e no formato
das lutas com que o enfrenta a cada mudança do capitalismo na história.
Desse modo, atualiza-se e desatualiza-se, permanentemente, numa sucessão
cíclica de atualidade-desatualidade, fluxo-refluxo, em cuja medida joga com sua
presença e prestígio nos foros da sociedade, também por isso mesmo ciclicos.
A geografia
A geografia pode ser definida como a atitude de representação e reflexão analí-
ticas do homem-no-mundo, a partir do modo como este nele organiza sua relação
com a sociedade e a natureza - portanto consigo mesmo - no vir-a-ser do processo
Marxismo e Geografia
evolutivo da história. Refere-se, pois, à contextualidade e existencialidade - dire-
mos à geograficidade - espacial do homem no mundo, condição que difere aqui e
ali de acordo com as estruturas da história.
Também aqui há que fazer-se referências a equívocos. E o equívoco mais costu-
meiro é o que vincula a geografia ao ambientalismo elou ao regionalismo, fruto de
uma leitura que analisa o mundo numa relação que vai de fora para dentro, isto é,
da natureza para o homem e do espaço para o homem, seja no tocante à determina-
ção global da natureza e seja com respeito à determinação pontual dos distintos
recortamentos espaciais da superfície terrestre.
De modo que a geografia raramente é vista por seus próprios teóricos como uma
praxis governada pela consciência do ser-estar do homem-no-mundo e, assim, tal
como o marxismo, como uma teoria da ação (não confundamos com militantismo).
OS CRUZAMENTOS
Três categorias gerais têm em comum o marxismo e a geografia numa perspec-
tiva ontológica: a natureza, o trabalho e o homem. Três categorias ontológicas fun-
damentais. E têm os marxistas e os geógrafos, como o tiveram nos anos cinqiienta
e agora nos anos setenta, visões ora coincidentes e ora dissonantes-quanto a cada
uma delas, denotando proximidades e distanciamentos.
Não é coincidente a visão que têm da natureza: a natureza na geografia é um
substrato e arsenal de recursos naturais úteis para fins de subsistência e sobrevi-
vência dos homens em sociedade; no marxismo, é uma categoria antes de mais
ontológica, que adquire sentido econômico na vida prática enquanto valor-de-uso e
valor-de-troca. Há no plano prático do cotidiano das sociedades uma identificação
de olhares que talvez seja fruto da identidade comum de Marx e geógrafos com a
concepção de geografia vinda de Carl Ritter, Hegel por detrás, já analisada por
Santos (1978). O marxismo abre-se, portanto, para uma concepção mais lata de
natureza que a da geografia, pondo-a para além da dimensão gnoseológica, ao
situa-la no interior do metabolisi~iodo trabalho, e, então, como antropologia e fun-
damento da constituição ontológica do ser do homem.
Mas são dissonantes, sobretudo, quanto à concepção de trabalho e de homem. O
trabalho é concebido pelos geógrafos como a pletora das atividades por intermédio
das quais os homens transformam a natureza-arsenal em meios de vida e sobrevi-
vência, pondo nesse plano prático a relação homem-meio. Nesta forma de entendi-
mento, homem e meio se relacionam pela mediação do trabalho, concebendo-se o
trabalho como uma categoria da mediação. Já os marxistas vêem o trabalho como
a relação metabólica homem-meio mediante o qual se dá o processo da horniniza-
ção do homem via a ação trabalho pelo próprio homem. Homem e meio interacio-
nam numa relação de troca metabólica, sendo o trabalho este metabolismo, uma
categoria de sentido antropo-ontológico, como mencionado. Trata-se de uma cen-
GEOgruphia -Ano. 6 - NQ1 1-2004 Moreira
tralidade ontológica do trabalho por muito tempo obscurecida pela simplificação
econômica, que aproximou o conceito do trabalho no marxismo do sentido de
mediação econômica, tão cara à geografia.
Já no conceito do homem, se para os marxistas há nítida clareza conceptiva já a
partir da sua condição de sujeito e objeto da sua própria história, num processo
auto-poiético, para os geógrafos o homem é uma categoria de concepção plural e
vaga - indo desde o homem-habitante ao homem-população (MOREIRA, 2004:
capitulo 2) -, sendo a mais vaga talvez dentre o universo dos conceitos-chave com
que seu pensamento opera em sua busca da compreensão do mundo.
OSTERMOS DE UMA RELAÇÃOPOSS~VEL
Analisemos mais pormenorizadamente estes encontros-dissonâncias no sentido
respectivo das ontologias.
A natureza é vista como fonte de riqueza seja na geografia e seja no marxismo
corrente. A geografia se limita a este horizonte. O marxismo, entretanto, transbor-
da o sentido econômico para o ontológico, e não só do homem.
A riqueza pode ser concebida como tudo quanto satisfaça às necessidades e
desejos de constituição da vida dos homens em sociedade. Tem ui sentido de
mundanidade, de um ser-estar-da-natureza-no-mundo enquanto uma infinitude de
valores-de-uso que substancializa o metabolismo do trabalho personificado na pre-
sença do homem. Vista no plano restrito da vida prática do "oikos", a natureza é
assim o pressuposto da conversão dos valores-de-uso em valores-de-troca na eco-
nomia de mercado. É essa fronteira da natureza e da riqueza com o valor-de-uso
com que o homem prático a vê, a origem da transliteração da natureza para o senti-
do econômico mais puro de um arsenal-de-recursos-naturais, que a geografia vai
retirar da economia vulgar. E uma certa vulgarização econômica do marxismo a
acompanha. Já a leitura pura e simples da riqueza e da natureza como valor de sen-
tido mercantil é de extração recente na história, fruto do nascimento da economia
política que acompanha o nascimento da economia de mercado moderna, como
analisada por Foucault (FOUCAULT, 1985e 1986). Vê-se, num e noutro caso, que
riqueza é um conceito histórico, sendo uma coisa nas sociedades centradas na eco-
nomia do mercado e outra nas sociedades que incluem as trocas em seus movimen-
tos, mas sem centração de suas estruturas e movimentos nela (CORDEIRO, 1995).
No que a acompanha o conceito de natureza. É este sentido comum o que segue a
geografia e compartilha o marxismo economicizado de extração recente.
No marxismo a natureza converte-se em valor no momento do metabolismo do
trabalho. De modo que diante do trabalho, encontram-se as duas fontes do valor-
de-uso: a natural e a social. Marx é explícito na igual importância que atribui a
ambas as fontes. E esclarece este ponto em duas ocasiões conhecidas. A primeira,
numa das passagens da Crítica ao Programa de Ghota, de 1883, em que explicita
Marxismo e Geografia
suas discordâncias teóricas com o programa político com que se unificam as duas
frações em que o movimento operário então se dividia na Alemanha. Aí, afirma:
"O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é, tanto quanto o trabalho,
fonte dos valores de uso (e é precisamente nisso que consiste a riqueza material)"
(MARX, 1975: 15). A segunda, está no O Capital, onde diz: "O trabalho não é,
por conseguinte, a única fonte dos valores de uso que produz, da riqueza material.
Conforme William Petty, o trabalho é o pai, mas a mãe é a terra" (MARX, 1985).
Em ambas oportunidades, fica explícito o vínculo do conceito de natureza e do tra-
balho com o de riqueza como de valor-de-uso para Marx: o valor-de-uso como
"boni patres familias" e o valor-de-uso como criação do homem. Tal é a forma real
das sociedades do pré-capitalismo. E o fundo geral de uma economia de mercado
moderna centrada na transfiguração de tudo no valor-de-troca e no dinheiro. Isto
designa duas ontologias.
Na geografia riqueza e valor-de-uso são conceitos presentes, mas vagos e vela-
dos na reciprocidade das relações, no emprego e no entendimento. São conceitos
implícitos e pouco formulados, particularmente quanto a suas contextualidades
históricas. A riqueza é tanto o que está posto ao homem como oferta de bens e
meios no quadro da natureza quanto o séquito dos bens que o homem acumula e
oferece i troca na sociedade. Aqui, valor-de-uso não se distingue de valor-de-
troca, e tudo se confunde com o dinheiro e preço no mercado, o dinheiro sendo ao
mesmo tempo o símbolo da acumulação de riqueza e a chave do acesso a ela.
Confunde assim as duas ontologias.
Assim, o valor de uso e o valor de troca são conceitos fortes no marxismo e, por
hipótese, subjacentes ao conceito da atividade econômica na geografia. Creio resi-
dir no emprego dessas categorias a diferença e possibilidade de diálogo da geogra-
fia e do marxismo quanto às categorias da paisagem, da relação homem-natureza e
o espaço em sua interação recíproca.
NATUREZA E ESPAÇO: AS DUAS FORMAS DE METABOLISMO NA HIST~RIA
Substancializada na combinação das categorias da natureza e do homem no tra-
balho - ao mesmo tempo como amálgama e como âmbito de origem da sociedade
-, a idéia de riqueza como algo vinculado à satisfação das necessidades humanas
ou acumulação de poder é no fundo um tema e um conceito comum à geografia e
ao marxismo. Na geografia, é um tema de presença forte. No marxismo, todavia,
só o é quando da reflexão deste sobre o modo de existência do homem enquanto
homem hominizado nolpelo processo do trabalho.
Há, então, na organização geográfica das sociedades, duas formas de metabolis-
mo: o metabolismo do trabalho realizado no sentido do valor-de-uso e o metabolis-
mo do trabalho realizado no sentido do valor-de-troca. A primeira tem o caráter
geral das realidades abstratas. A segunda, do real-concreto. Na primeira o metabo-
GEOgrrcphin- Ano. 6 - NQ11 -20M Moreira
lismo explicita-se como uma relação de realização do homem como homem atra-
vés do trabalho. Na segunda, como de alienação do homem pelo homem através da
alienação do trabalho. Ambas se organizam em paisagem e espaço.
Os velhos geógrafos faziam a distinção da paisagem natural e paisagem huma-
nizada, numa situação aproximada do que Quaini chama de sociedades sem histó-
ria e sociedades com história (QUAINI, 1979).É uma linguagem que revela a dis-
tinção de uma sociedade em que o espaço expressa no visual de sua paisagem a
presença de um metabolismo do trabalho centrado no pr'ocesso da produção do
valor-de-uso e uma outra sociedade em que o espaço expressa a subversão desse
metabolismo pela conversão do uso do valor-de-uso em meio de produção de
valor-de-troca. No primeiro caso, a presença direta dos elementos do metabolismo
ambiental na paisagem revela a centração e realização nessas sociedades na desti-
nação do trabalho ao processo de hominização do homem pelo próprio homem
através do trabalho. No segundo, a ausência desta realização, a antropologização
do homem se fazendo através as mediações da economia do mercado, sendo os
objetos tecno-mercantis determinantes na constituição visível da paisagem.
Faço aqui uma leitura que dirime o efeito da presença da técnica na constitui-
ção do visual da paisagem, efeito muito mais de um discurso do progresso das
sociedades como produto do progresso da técnica que de uma realidade espacial
ela mesma técnica. Dito de outro modo, divirjo de um discurso que dispensa a lei-
tura crítica do desenvolvimento histórico seguido pela técnica, ocultado na ideo-
logia do progresso da técnica como sinônimo de progresso civilizatório do
homem, anulando a possibilidade da compreensão do processo que faz evoluir as
paisagens naturais em consonância com o desenho natural das paisagens, assim
diferenciadas segundo as condições ecossistêmicas de cada qual na superfície ter-
restre, contrariamente à que a substitui pela homogeneidade visual trazida pelos
produtos desenhados na uniformidade padrão da técnica. Vale lembrar que a téc-
nica faz parte da experiência ambiental do homem ao longo da evolução de sua
história, numa tradição civilizatória em algum momento quebrada em proveito de
um fazer técnico conforme com o discurso e as necessidades de padronização dos
produtos que só é típica de uma economia de mercado. Tema a ser desenvolvido
num próximo texto.
Pode-se, assim, também fazer uma distinção processual do metabolismo do tra-
balho em um metabolismo ambiental e um metabolismo espacial, numa concepção
em que podem mostrar-se uma só unidade ou uma dualidade dicotômica, a depen-
der do caráter social da sociedade. Numa sociedade técnica ambientalmente
ambientada, são elas duas faces de um s6 metabolismo do trabalho, que se expres-
sam então num mesmo visual da paisagem; mas nas sociedades técnicas ambien-
talmente desambientadas, viram dois movimentos que se mostram dicotômicos,
dando na duplicidade histórica das paisagens naturais e paisagens humanizadas
dos geógrafos de ontem, ou na paisagem da primeira natureza e paisagem da
segunda natureza, ou paisagens naturais e paisagens socialmente produzidas, dos
Marxismo e Geografia
ensaios da renovação dos anos setenta, de certo modo igualmente dicotômicas
quanto ao metabolismo dinâmico do trabalho.
UM BALANÇODOS DOIS ENCONTROS DO MARXISMO COM A GEOGRAFIA
Eis aí o plano que o marxismo abriu de possibilidade de convergência nestes
dois momentos de encontro histórico com a geografia. Foi entretanto o nível do
I metabolismo espacial que em ambos momentos acabou por vingar. Donde a
dimensão ontológica passar ao largo.
Ao centrarem o diálogo no entendimento restrito da categoria da natureza, do
trabalho e da riqueza enquanto formas de expressão das categorias do valor econô-
mico numa economia do mercado, o momento da geografia ativa e o momento da
"geografia radicallcrítica" deram como produto uma economia política do espaço
basicamente.
A crítica do trabalho e do homem numa sociedade centrada no conceito de
riqueza e do valor articulados ao processo da alienação humana e sua superação
numa sociedade socialista, caiu nesse terreno. O discurso plantou-se no âmbito
apenas gnoseológico. O plano ontológico do espaço do homem praticamente ficou
de lado. E o projeto de renovar e unificar numa totalidade discursiva a geografia
ficou no papel.
Na fase da geografia ativa não foram postos a dialogar a natureza e o homem no
âmbito de uma relação metabólica do trabalho. E assim não logrou-se obter uma
teoria totalizadora da organização do espaço terrestre. Uma tentativa de totalização
foi feita no âmbito da chamada geografia física por Jean Tricart, através da consti-
tuição da morfologia climática, designação que, junto a André Cailleux, Tricart dá
à fusão do clima, da geomorfologia, da hidrografia e dos movimentos diastróficos
e tectônicos internos ao planeta, numa teoria unificada. Vendo-as como forças con-
trárias atuando por dentro (as forças de soerguimento e desnivelamento da superfí-
cie terrestre vinculadas à ação dos diastrofismos e tectonismos) e por fora (as for-
ças de rebaixamento e nivelamento vinculadas aos fenômenos relacionados aos cli-
mas e à ação desgastadora das bacias fluviais) da superfície terrestre, numa espécie
de dialética da natureza aplicada às paisagens geográficas, esta teoria explica a
remodelagem permanente dessas paisagens, com foco de olhar privilegiado nas
transformações do modelado do relevo terrestre. Mas uma forte fragmentação foi
feita no âmbito da chamada geografia humana, que tornou impossível pensar-se
qualquer sociedade em termos globais de espaço e de homem.
Assim, ao contrário, produziu-se um afastamento radical da geografia então for-
mada daquela da tradição lablacheana e ritteriana, na qual, bem ou mal, todo geó-
grafo físico buscava fazer dialogar a natureza com o homem e todo geógrafo
humano fazer dialogar o homem com a natureza, abandonando-se a tradição do
estudo da relação homem-meio da geografia clássica, antes em troca gerando-se
GEOgrnphirx - Ano. 6 -NQ11-2004 Moreira
uma geografia física pura e uma geografia humana fragmentada e pura. O espaço é
eleito a categoria por excelência de unificação dos pedaços, mas depois de total-
mente despedaçado. É por onde entram a técnica e o trabalho, e a concepção des-
sas categorias de laços como categorias de mediação, elas mesmas fragmentos. A
obra de Pierre George é um exemplo emblemático (BITETI, 2003).
Na fase da "geografia radical/crítica" um esforço de unificação é feito através
dos conceitos de espaço pelo lado da ação do homem e do meio ambiente pelo
lado da ação da natureza, espaço e meio ambiente unificando-se no limiar do plano
concreto dos territórios. As categorias econômicas de viés territorial, a exemplo da
renda fundiária, são mobilizadas para este mister integralizante. Deu numa econo-
1
mia do espaço, de um lado e do oùtro, num viés teórico centrado no emprego das -categorias do valor, da propriedade e da ação genética do trabalho, estruturadoras
da totalidade vista como formação socioespacial. Há, todavia, o lado positivo da
teoria. Nesta perspectiva, a organização geográfica da sociedade é um processo de
valorização do espaço, isto é, de construção do espaço como movimento-produto
da ação do valor enquanto conteúdo-chave da reprodução ampliada do capital, à
qual é atribuída a condição de categoria central da constituição e articulação total
da sociedade. Uma trama econômica prende então espacialmente os homens a uma
sociedade centrada nas relações de classes e do capital. O resultado é a-alienação:
alienação espacial dos homens.
Embora não explícito, há uma transferência positiva de teoria da fase da geogra-
fia ativa para a da "geografia radical/críticaW.Em particular a geografia vista como
uma ciência espacial da sociedade e da história, do espaço geográfico como produ-
to do trabalho dos homens nos diferentes contextos históricos de sociedade e dos
arranjos do espaço geográfico como dado estruturador das ações, das contradições
e dos conflitos sociais de classes.
Mas passa-se também uma concepção de ciência e uma preocupação epistemo-
lógica que mexem permanentemente com o geógrafo, naquele primeiro (GEOR-
GE, 1973) e neste segundo momento (SOJA, 1992; SANTOS, 1978 e 1996) de
encontro do marxismo com a geografia, no sentido de uma acentuada intenção de
fazer gnoseologia.
UM PARALELO:A DEMARCHE COMUM DAS ONTOLOGIAS
Faltou a reflexão mais profunda do significado do espaço como ser-estar-do-
homem-no-mundo, da mundanidade como o sentido da própria ação geográfica do
homem em sociedade na história. Vale dizer, a dimensão ontológica.
E no entanto há um caráter ontológico histórico, aqui e ali velado, no tratamento
do eixo natureza-homem-espaço nos diferentes estudos da geografia, como por
exemplo: na afirmação de essência-existência na teleologia de Carl Ritter, na con-
tingência humana de Paul Vida1 La Blache, no espaço vital de Friedrich Ratzel, no
Marxismo e Geografia
humanismo societário de Pierre George, no conteúdo técnico do espaço de Milton
Santos, no impasse gnoseológico de Edward Soja, que percorre intensa e profunda-
mente a história do discurso geográfico. São ontologias, expressas explicitamente
em Soja (1993 [1988]), Harvey (1992 [1989]) e Santos (1996) nos tempos recen-
tes. Ontologias convergentes com o marxismo, enredado também ultimamente no
mesmo tema (LUKÁCS, 1979a e 1979b [1971]). Não por acaso os geógrafos cita-
dos são todos marxistas. No marxismo, o lócus da indagação ontológica é a socia-
bilidade, tema que conduz o significado da relação homem-meio como o ceme
mesmo do fenômeno geográfico nele e na geografia.
Sabemos que o impulso da relação homem-meio na geografia é a necessidade
de subsistência do homem, que vai resolvê-la pela transformação da natureza nos
meios de que precisa. No decurso dessa transformação, o homem cria seu espaço e
assim a sua própria sociedade. O fenômeno se expressa como uma solução econô-
mica para um problema que é histórico. O trabalho é essa atividade de transforma-
ção da natureza em meios de subsistência e de produção de novos meios sempre
repetidamente. E a paisagem humanizada é o resultado geográfico desse processo.
O impulso da relação no marxismo é a consecução da liberdade da necessidade
pelo homem, cujo primeiro momento é o da liberdade como consciência da neces-
sidade, sentido ontológico inicial marca o processo até o seu desfecho final do
homem hominizado. O trabalho é o ato dessa consciência, é move-se e é movido
embaixo dessa teleologia de realização da liberdade humana até o seu momento de
hominização final. E é o tema da existência que atravessa a relação homem-meio
do princípio ao fim. É o que Marx, junto com Engels, explicita numa passagem
conhecida de A Ideologia Alemã:
A primeira condição de toda a história humana é evidentemente a existência de seres
humanos vivos. O primeiro estado real que encontramos é então constituído desses
indivíduos e as relações a que ela obriga com o resto da natureza. Não poderemosfazer
aqui um estudo aprofundado da constituiçãofísica do homem ou das condições natu-
rais, geológicas, orográficas, hidrográficas, climáticas e outras, que se lhe depararam
já elaboradas. Toda a historiografia deve necessariamentepartir dessas bases naturais
e da sua modificaçãoprovocada pelos homens no decurso da história. Pode-se referir à
consciência, à religião e tudo o que se quiser como distinção entre os homens e os uni-
mais; porém, esta distinção só começa a existir quando os homens iniciam a reprodu-
ção dos seus meios de vida,passo emfrente que é consequente da sua organização cor-
poral. Ao produzir os seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a
sua própria vida material (MARX e ENGELS, s/d: 18-19).Vê-se que o escopo almeja-
do é assim a liberdade da necessidade.
Na geografia, a relação homem-meio é um movimento entendido como a busca
da satisfação das necessidades materiais de subsistência, e que é também o termo da -
sua realização. No marxismo, é ela um processo que inicia-se no plano da consciên-
GEOgral>hiu-Ano. G - Nn I 1 -2004 Moreirn
cia da condiçáo material da existência humana e culmina na realização do homem,
sua hominização, como um ser plenamente efetivado. E é aqui que se coloca o
debate do tema da alienação do homem na história (não somente na moderna socie-
dade capitalista). Um tema que se explicita e se resolve ontologicamente.
PROBLEMASDO CRUZAMENTO
A condição geográfica do homem-no-inundo centra a reflexão do marxismo e
da geografia, portanto. Todavia, há o problema das mediações. Vale dizer, das cate-
gorias particulares com que o marxismo e a geografia dão conta e respondem aos
temas dessa condição. Cabe perguntar se as categorias e conceitos do olhar de um
servem como categorias e conceitos de olhar do outro. Em que medida as media-
ções teóricas do marxismo e da geografia de correspondem e necessariamente de
distaiiciam. E se o olhar conceitual do marxismo é capaz de pensar e alcançar a
condição por si mesmo ou se demanda mobilizar as categorias que são próprias
apenas da geografia.
Estainos no tema metodológico das categorias de mediação, presente em qual-
quer plano de combinação e de cruzamento de discursos.
Geografia marxista ou teoria marxista da geografia?
O problema de ponto de coagulação precisa assim ser focado: cabe pensar fazer
uma geografia dissolvida no universo conceitual e linguístico do marxismo ou um
marxismo dissolvido no universo conceitual e linguístico da geografia? Ou signifi-
caria por o dilema: fazer uma geografia marxista ou uma teoria marxista da geogra-
fia? Um problema já arguido por Lukács, a propósito da constituição de uma teoria
marxista da estética. E que encontrou urna resposta e uma equação completamente
equivocados em ambos momentos do encontro da geografia e do marxismo. E foi o
motivo porque pouco se fez de geografia e nada efetivamente de marxismo.
A resposta parece clara. Em se tratando da condiçáo geográfica da existência
humana, o olhar marxista é que deve afeiçoar-se ao arsenal categorial, conceitual
e linguístico da geografia. Trata-se menos de fazer de Marx um geógrafo, ou
esperar ver-se uma geografia nos escritos de Marx, que fazer da geografia uma
forma de olhar pelos olhos de um referencial marxista, mas com as formas e cate-
gorias de olhar próprias. O olhar do marxismo emprestaria o foco.
O problema essencialdo conceito
O problema é reiterativo e muito comum na relação entre as ciências e da ciên-
cia com n filosofia (temos aqui o caso dos conceitos de natureza e sociedade da
Marxismo e Geografia
Sociologia, da Antropologia ou da Física trazidos mecanicamente para a Geo-
grafia). Assim, não cabe trazer o conceito de espaço dos filósofos para ocupar o
lugar do conceito de espaço geográfico do geógrafo. Ou o conceito de percepção
dos psicólogos ou da consciência da fenomenologia para substituir na geografia o
conceito geográfico. Ou ainda o conceito de território de tantos e diversos campos,
para substituir o conceito histórico e de valor concreto de território na geografia.
Não cabe pois ao marxismo dizer o que é a paisagem, o território e o espaço à
geografia, mas a esta defini-los e constitui-los a partir dos próprios parâmetros e
conteúdos do marxismo. E, com isso, analisar por meio dessas categorias a nature-
za, a sociedade e o homem segundo estes parâmetros.
Trata-se, antes, de, uma vez contextualizado o universo categoria1 e linguístico
historicamente próprio e estrutural do olhar da geografia, um pressuposto evidente
a qualquer cruzamento que se queira de qualquer campo com a geografia, fazer-se
este olhar movimentar-se pelo campo dos conteúdos que remetem ao mundo e ao
conceito de estar-no-mundo do marxismo.
Exemplo mais claro é a problemática da produção do conceito, e o papel do
marxismo na elucidação das possibilidades do conceito na geografia. Vejamos o
tema. Cada ponto da superfície da Terra, assim como cada fenômeno ou cada
coisa ou objeto, reúne singularidades e universalidades com outros pontos. A ques-
tão resume-se h evidencialidade da particularidade nos espaços geográficos. Como
procedê-Ia? O marxismo responde com a síntese triádica do singular-universal-par-
ticular que é próprio do enfoque dialético. Enfoque característico do marxismo,
aplica-se igualmente h geografia. Uma vez localizados e distribuídos, e assim defi-
nidos para o fim da focação das singularidades, os objetos da paisagem são compa-
rados, em benefício da universalidade. Isola-se em cada um deles o que têm em
comum, dispensando-se neste momento o que cada qual tem de específico. A reu-
nião dos traços comuns leva h universalidade. Produzida a universalidade, volta-se
aos aspectos específicos dos objetos individuais, de modo a isolar-se agora o que é
peculiar, produzindo-se assim a singularidade. A conjuminação da universalidade e
da singularidade no objeto leva h particularidade, entendida como a síntese dialéti-
ca do universal e do singular, e assim como unidade contraditória.
Tal é o modo possível de produzir-se um conceito dialético de região, lugar ou
territorialidade, substantivando o método da geografia referenciado num modo de
relação que vai do marxismo à geografia, não o contrário, mas sem que precisem
dissolver-se reciprocamente um e outro, e um no outro, o olhar de um e o olhar do
outro sendo assimilados e ao mesmo tempo mantidos.
O tema do pensamento crítico-superativo do marxismo e a geografia
O mesmo se dá com a perspectiva crítica, se o tema é a realização ontológica da -
liberdade histórica do homem. O ponto de partida necessária e exigível é aqui a
GEOgraphiri -Ano. 6 - NQ11 -2004 Moreira
tomada de empréstimo do olhar crítico-superativo do marxismo pela geografia.
Onde o ponto e o foco se concretizam? Se o ponto e o foco são realidades discerní-
veis, temos então formalmente produzidos o objeto e o tema, a possibilidade real e
efetiva.
É no lidar com a contradição que explicita-se o movimento crítico-superativo,
campo ontológico do homem por essência - o homem é um ser que pergunta, diz
Aristóteles; um ser que dá respostas, diz Lukács -, ponto portanto comum ao mar-
xismo e à geografia.
RUMO A UMA ONTOLOGIA MARXISTA DA GEOGRAFIA: A GEOGRAFICIDADE
O ponto de convergência das ontologias é o conceito de geograficidade. Cujo
foco privilegiado é a paisagem, sua relação com o conceito de espaço e a realidade
concreta do território.
Designamos geograficidade à condição espacial da existência do homem em
qualquer sociedade. O equivalente do que em filosofia Heidegger designa a mun-
danidade do homem. Ou em outro contexto Hegel designa o ser-estar do homem
no mundo.
O acento marxista é o enraizamento dessa mundanidade de Heidegger, desse
ser-estar-no-mundo de Hegel, no âmbito do metabolismo'do trabalho.
Metabolismo que, servindo ao marxismo como à geografia, assim em Marx se
expressa: "Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a
natureza, processo em que o ser humano impulsiona, regula e controla com sua
própria ação seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza
como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, bra-
ços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, impri-
mindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e
modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as
potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças
naturais" (MARX, 1985: 202). Conceito que passa pelo tema da liberdade e da
necessidade, e que a tradição marxista resume na "passagem do reino da liberdade
para o reino da necessidade". A existência realizando na mundanidade do espaço a
relação da essência metabólica.
Está nessa raiz a direção que a ontologia marxista abre para a ontologia da geo-
graficidade na geografia. Esquadrinhemos, numa decomposição da definição de
trabalho marxista, essa relação de possibilidade.
Clarifiquemos, em primeiro lugar, o caráter metabólico. "Antes de tudo", o tra-
balho é, diz Marx, uma relação de intercâmbio, um "intercâmbio material" que se
passa entre o homem e as formas-forças naturais situadas dentro da própria nature-
za. Uma relação e uma troca de forças intra-natureza, e então de formas e conteú-
dos entre entes naturais, numa explicitação de suas essências. Essências naturais de
Marxismo e Geografia
braços e pernas, cabeça e mãos que interagem numa reciprocidade interativo-inte-
grativa com corpos de conteúdos essencialmente naturais. A seguir, o caráter teleo-
lógico. O trabalho é uma interferência do homem orientado no sentido consciente
da reprodutibilidade da história natural agora como um processo de história social-
mente humanizada, a reprodutibilidade social do homem se fazendo na concomi-
tância da reprodutibilidade múltipla dos demais entes das coisas naturais. Realiza-
se assim a diferença. A teleologia da reprodução do homem, que inexiste no plano
das forças e corpos orgânicos e inorgânicos da natureza, socializa e dá novo rumo
ao próprio processo da evolução da natureza. O metabolismo que transforma o
homem, transforma a totalidade da natureza com que ele convive, o algo que se dá
com a natureza-homem assim também se dá com as formas de natureza-natureza
da natureza. Por fim, o caráter de salto ontológico. O homem socializa-se, sociali-
zando a natureza mesmo que diferenciadamente (diga-se, de passagem, que a
socialização é um processo inerentemente presente à natureza; não é só o homem
que metabolicamente muda e dá uma forma de face nova ao conteúdo natural das
coisas da natureza, não só ele introduz produz trabalho, mas somente ele dispõe da
capacidade de fazer a história natural mudar de qualidade e tornar-se uma história
social da natureza). E, então, de realizar o salto ontológico do ser natural no ser
social, mudando a relação de essência e existência sua e das próprias formas da
natureza.
Resulta que o metabolismo é assim um campo rico de significações. Um campo
sígnico, que a representação histórica qualifica como um mundo de riqueza que a
todos igualmente se oferece. Vimos que essa possibilidade vem do fato de a natu-
reza apresentar-se originalmente ao homem (no âmbito do metabolismo) como um
vasto campo de valores-de-uso, que ele por meio do trabalho reconverte em valo-
res-de-uso novos "imprimindo-lhes forma útil à vida humana". E sabemos que a
idéia de riqueza identificada à natureza e ao trabalho, e então à satisfação das
necessidades que liberta o homem das contingências da reprodução orgânica, é o
alimento do ideário "de cada um segundo suas possibilidades, a cada um segundo
suas necessidadas" do socialismo de inspiração utópica, e bem ainda do ideário
socialista de Marx em que a "autodeterminação dos reais produtores" será a forma
de existência de uma sociedade de uma outra essência social possível na história.
UMCONCEITO DE GEOGRAFICIDADE
A geograficidade é a existência em sua expressão espacial. O ponto Ôntico-onto-
lógico de tradução do metabolismo homem-meio no metabolismo homem-espaço.
Vejamos isto com mais clareza.
O metabolismo homem-meio é uma cooperação e uma divisão do trabalho, uma
estrutura de relação organizada que aparece na paisagem na forma de um arranjo
de espaço que "regula, impulsiona e controla" a coabitação entre os homens
GEOgrírphin- Ano. 6 -NQ11 -2004 Moreira
(MOREIRA, 2001a e 2002). O espaço entra e atúa assim como a mediação que ao
tempo que organiza o metabolismo homem-meio em seus movimentos intra-natu-
reza, coordena e orienta sua transfiguração no metabolismo social de uma socieda-
de organizada.
A geograficidade é o modo de expressão dessa essência metabólica - a homini-
zação do homem pelo homem através do trabalho - em formas espaciais concretas
de existência, algo que difere nos diferentes recortes de território da superfície ter-
restre. É o ser em sua totalidade geográfica concreta.
Cada ente desse espaço é uma particularidade, no sentido triádico da dialética
marxista. E a geograficidade é em si a síntese da relação entre a essência e a exis-
tência e assim a própria totalidade concreta do ser. Daí que a espacialidade diferen-
cial do existente é o próprio modo como se organiza a geograficidade (LACOSTE,
1988). Tema quejá analisamos em outro texto (MOREIRA, 2001b).
Cabem aqui algumas observações sobre os conceitos. Primeiramente sobre o
conceito de geograficidade. É um conceito de existencialidade, que contrapõe-se
ao conceito de contextualidade. Tirado numa analogia do conceito de historicidade
utilizada pelos historiadores, que é usualmente mais corrente na literatura geográfi-
ca contemporânea, a geograficidade extrapola o sentido puro do contexto, centran-
do seu conteúdo no sentido da existência ou do contexto (espacial) da existência.
Em segundo lugar, sobre o conceito de existência. É necessário realizar-se um
esforço de pensar a categoria existência no marxismo. Sabe-se que o par dialético
da essência no marxismo é o fenômeno por onde se desenrola toda a reflexão acer-
ca do ser e da ontologia. Daí também o contraponto habitual entre aparência e
essência, a aparência sendo o modo de aparecimento da essência, portanto ente e
existência. Por fim, em terceiro lugar, sobre a ontologia do espaço. Creio ser cor-
rente aqui uma confusão de entendimento que é necessário esclarecer. Se a geogra-
ficidade pressupõe a indagação ontológica do espaço, o espaço é em si mesmo
essencialmente a dimensão ontológica da geograficidade, só nesse sentido poden-
do-se falar da ontologia do espaço ou do espaço como ser (SILVA, 1982). A onto-
logia do ser geográfico é mais abrangente, rica e complexa que a ontologia do
espaço. A geograficidade vai ontologicamente além.
Esclarece-se, também assim, o problema do método ontológico - aqui definido
no campo do materialismo histórico - da geograficidade. A geograficidade parte
do ente, vai da existência à essência - caminho mediado pela forma e pelo conteú-
do -para retornar de volta ao ente e enfim explicitar o seu ser geográfico.
A geograficidade é, assim, o ser-estar espacial do ente. Éo estado ontológico do
ser no tempo-espaço. Um princípio válido e atribuível a qualquer ente -pode ser o
homem, um objeto natural ou o próprio espaço (quando este é posto diante da
indagação: "o espaço, o que é; qual a sua natureza) - seja qual for o caráter de sua
qualidade. Sua reflexão se apresenta na indagação do ser do ente. No caso do
homem, a geograficidade é a forma como a hominização enquanto essência do
metabolismo exprime-se sua existência na forma do espaço. A geograficidade do
Marxismo e Geografia
homem é então a forma como a liberdade da necessidade emerge e se realiza atra-
vés da forma concreta de existência espacial na sociedade.
Clarifica-se, por fim, o caráter histórico da realidade ontológica. Sabemos que a
liberdade da necessidade não se concretiza como realidade nas sociedades de clas-
ses, onde a propriedade privada do processo da produção e da distribuição da rique-
za, a partir da apropriação privada dos meios de produção, em que se inclui a natu-
reza, inviabiliza a hominização do homem de forma plena. E sabemos o papel de
classes conferido ao metabolismo espacial nesse bloqueamento: a impulsão, a regu-
lação e o controle que são próprios do metabolismo do trabalho, penetrado da estru-
tura social do capitalismo, através da propriedade privada e da metamorfose que
converte riqueza e valor-de-uso em valor e capital, direciona a organização e o
arranjo espacial da relação homem-meio no sentido da regulação da reprodutibilida-
de das relações de trabalho do capitalismo com fins da acumulação do capital.
Assim definindo-se uma ontologia do ser social clara e historicamente determinada.
MARXISMO E GEOGRAFIA (A GEOGRAFICIDADEE O DIÁLOGO
DAS ONTOLOGIAS)
Resumo: Os dois momentos em que marxismo e geografia se cruzaram numa reciproci-
dade de influências, o peso do diálogo foi dado à teoria do conhecimento. O atual momento
prioriza a reflexão das ontologias.
Palavras-chave: Marxismo, Geografia, Geograficidade, Ontologia. .
MARXISM AND GEOGRAPHY (GEOGRAPHICITY AND THE DIALOGUE
OF ONTOLOGIES)
Abstract: During two moments of intercrossing between Marxism and Geography, reci-
procally influenced, the stressing was to the knowledge theory. Nowadays we put emphasis
on the reflection about ontologies.
Keywords: Marxism, Geography, Geographicity, Ontology.
BIBLIOGRAFIA
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Revista Ciência Geográfica.Ano VII, Vol. 111.No. 20. Bauru: AGB-Bauru
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MARXISMO E GEOGRAFIA por RUY MOREIRA

  • 1. MARXISMO E GEOGRAFIA (A Geograficidade e o diálogo das Ontologias)* RUYMOREIRA Universidade Federal Fluminense Por dois momentos deu-se o encontro entre o marxismo e a geografia na história do pensamento geográfico. O primeiro foi a década dos anos cinqüenta, no imedia- to pós-guerra, com o grupo dos geógrafos franceses da geografia ativa (em seu contraponto com a geografia aplicada). O segundo, o recente dos anos setenta, que junta desde os ativistas do periódico Antipode da "geografia radical" até os geógra- fos brasileiros da chamada "geografia crítica"'. Num e noutro momento a relação foi profícua, estimulando a multiplicação de horizontes de olhares tanto na geogra- fia quanto no marxismo, numa interação que de resto há tempos é corrente nos demais campos acadêmicos. O primeiro momento centrou-se essencialmenteno terreno da teoria do conheci- mento. O segundoincursionapara mais além,ensaiando entrar no terrenoda ontologia. O propósito deste texto é analisar e pôr mais elementos nessa entrada onto-gno- seológica do segundo momento, pensando-o no plano comparado das ontologias do marxismo e da geografia. O leitor pode tomá-lo como um desdobramento de outro texto publicado no número 1 desta GEOgraphia, centrado no problema da dialética da diferença-identidade,tema onto-gnoseológicopor excelência (MOREIRA, 1999). * Este texto foi inicialmente escrito para subsidiar a mesa-redonda de mesmo título, realizada no 6'. Congresso dos Geógrafos Brasileiros ( 6 O . CBG, Goiânia, 2004), sendo aqui reescrito e ampliado para o fim desta publicaçáo. 'Sobre a posição do autor acerca desse termo, ver Moreira (2000 e 2002).
  • 2. GEOgnrl>hia-Ano. 6 - NQI I -2004 Moreira O MARXISMO EA GEOGRAFIA O marxismo O marxismo pode ser definido como uma atitude crítico-superativa do capitalis- mo. Seu destino está por isto mesmo colado ao destino do capitalismo na história, no sentido de que enquanto houver capitalismo - e atitude anticapitalista -, haverá marxismo. Motivo que levou Sartre a afirmar ser o marxismo "a filosofia indestru- tível de nosso tempo". Sartre refere-se por "nosso tempo" ao tempo da vigência histórica do capitalismo. 1 Um equívoco costumeiro selou a sorte do marxismo ao destino da União Soviética - assim como o do capitalismo ao dos Estados Unidos. E, ainda, à forma tático-estratégica de ação anti-capitalista formulada pelos revolucionários nas con- dições de luta da Rússia pré-1917. Há o esquecimento de que o tema do marxismo é o tema do socialismo-comunisino, mas como atitude e práxis negadoras do capi- talismo como forma de sociedade na história. Uma outra correlação equivocada, dada a forma simplificada com que foi colo- cada, é a da ligação orgânica do marxismo com o movimento do operariado fabril, um enfoque histórico-datado do período industrial - período por nós designado de centralidade fabril - e, neste sentido redutor, do conceito de classe trabalhadora e do trabalho de Marx. Vale lembrar que a instituição criada por Marx para unificar o movimento anti-capitalista no contexto conjunto da Europa do século XIX desig- nou-se Internacional dos Trabalhadores, termo mais genérico para proletariado que o de operariado fabril, que Marx, a rigor, só conhece nos quadros do capitalismo inglês, e tal como hoje o conhecemos somente surgirá na virada do século XIX para o XX, Marx morto, trazido pela segunda Revolução Industrial, e só Engels o conhecerá. Correlacionado ao capitalismo no sentido dialético da sua negação na história - donde estar correlacionado à forma da luta anti-capitalista e ao projeto de uma sociedade a ele antípoda - o olhar do marxismo muda e se atualiza na história, reestruturando-se no modo como o lê, na linguagem analítica que usa e no formato das lutas com que o enfrenta a cada mudança do capitalismo na história. Desse modo, atualiza-se e desatualiza-se, permanentemente, numa sucessão cíclica de atualidade-desatualidade, fluxo-refluxo, em cuja medida joga com sua presença e prestígio nos foros da sociedade, também por isso mesmo ciclicos. A geografia A geografia pode ser definida como a atitude de representação e reflexão analí- ticas do homem-no-mundo, a partir do modo como este nele organiza sua relação com a sociedade e a natureza - portanto consigo mesmo - no vir-a-ser do processo
  • 3. Marxismo e Geografia evolutivo da história. Refere-se, pois, à contextualidade e existencialidade - dire- mos à geograficidade - espacial do homem no mundo, condição que difere aqui e ali de acordo com as estruturas da história. Também aqui há que fazer-se referências a equívocos. E o equívoco mais costu- meiro é o que vincula a geografia ao ambientalismo elou ao regionalismo, fruto de uma leitura que analisa o mundo numa relação que vai de fora para dentro, isto é, da natureza para o homem e do espaço para o homem, seja no tocante à determina- ção global da natureza e seja com respeito à determinação pontual dos distintos recortamentos espaciais da superfície terrestre. De modo que a geografia raramente é vista por seus próprios teóricos como uma praxis governada pela consciência do ser-estar do homem-no-mundo e, assim, tal como o marxismo, como uma teoria da ação (não confundamos com militantismo). OS CRUZAMENTOS Três categorias gerais têm em comum o marxismo e a geografia numa perspec- tiva ontológica: a natureza, o trabalho e o homem. Três categorias ontológicas fun- damentais. E têm os marxistas e os geógrafos, como o tiveram nos anos cinqiienta e agora nos anos setenta, visões ora coincidentes e ora dissonantes-quanto a cada uma delas, denotando proximidades e distanciamentos. Não é coincidente a visão que têm da natureza: a natureza na geografia é um substrato e arsenal de recursos naturais úteis para fins de subsistência e sobrevi- vência dos homens em sociedade; no marxismo, é uma categoria antes de mais ontológica, que adquire sentido econômico na vida prática enquanto valor-de-uso e valor-de-troca. Há no plano prático do cotidiano das sociedades uma identificação de olhares que talvez seja fruto da identidade comum de Marx e geógrafos com a concepção de geografia vinda de Carl Ritter, Hegel por detrás, já analisada por Santos (1978). O marxismo abre-se, portanto, para uma concepção mais lata de natureza que a da geografia, pondo-a para além da dimensão gnoseológica, ao situa-la no interior do metabolisi~iodo trabalho, e, então, como antropologia e fun- damento da constituição ontológica do ser do homem. Mas são dissonantes, sobretudo, quanto à concepção de trabalho e de homem. O trabalho é concebido pelos geógrafos como a pletora das atividades por intermédio das quais os homens transformam a natureza-arsenal em meios de vida e sobrevi- vência, pondo nesse plano prático a relação homem-meio. Nesta forma de entendi- mento, homem e meio se relacionam pela mediação do trabalho, concebendo-se o trabalho como uma categoria da mediação. Já os marxistas vêem o trabalho como a relação metabólica homem-meio mediante o qual se dá o processo da horniniza- ção do homem via a ação trabalho pelo próprio homem. Homem e meio interacio- nam numa relação de troca metabólica, sendo o trabalho este metabolismo, uma categoria de sentido antropo-ontológico, como mencionado. Trata-se de uma cen-
  • 4. GEOgruphia -Ano. 6 - NQ1 1-2004 Moreira tralidade ontológica do trabalho por muito tempo obscurecida pela simplificação econômica, que aproximou o conceito do trabalho no marxismo do sentido de mediação econômica, tão cara à geografia. Já no conceito do homem, se para os marxistas há nítida clareza conceptiva já a partir da sua condição de sujeito e objeto da sua própria história, num processo auto-poiético, para os geógrafos o homem é uma categoria de concepção plural e vaga - indo desde o homem-habitante ao homem-população (MOREIRA, 2004: capitulo 2) -, sendo a mais vaga talvez dentre o universo dos conceitos-chave com que seu pensamento opera em sua busca da compreensão do mundo. OSTERMOS DE UMA RELAÇÃOPOSS~VEL Analisemos mais pormenorizadamente estes encontros-dissonâncias no sentido respectivo das ontologias. A natureza é vista como fonte de riqueza seja na geografia e seja no marxismo corrente. A geografia se limita a este horizonte. O marxismo, entretanto, transbor- da o sentido econômico para o ontológico, e não só do homem. A riqueza pode ser concebida como tudo quanto satisfaça às necessidades e desejos de constituição da vida dos homens em sociedade. Tem ui sentido de mundanidade, de um ser-estar-da-natureza-no-mundo enquanto uma infinitude de valores-de-uso que substancializa o metabolismo do trabalho personificado na pre- sença do homem. Vista no plano restrito da vida prática do "oikos", a natureza é assim o pressuposto da conversão dos valores-de-uso em valores-de-troca na eco- nomia de mercado. É essa fronteira da natureza e da riqueza com o valor-de-uso com que o homem prático a vê, a origem da transliteração da natureza para o senti- do econômico mais puro de um arsenal-de-recursos-naturais, que a geografia vai retirar da economia vulgar. E uma certa vulgarização econômica do marxismo a acompanha. Já a leitura pura e simples da riqueza e da natureza como valor de sen- tido mercantil é de extração recente na história, fruto do nascimento da economia política que acompanha o nascimento da economia de mercado moderna, como analisada por Foucault (FOUCAULT, 1985e 1986). Vê-se, num e noutro caso, que riqueza é um conceito histórico, sendo uma coisa nas sociedades centradas na eco- nomia do mercado e outra nas sociedades que incluem as trocas em seus movimen- tos, mas sem centração de suas estruturas e movimentos nela (CORDEIRO, 1995). No que a acompanha o conceito de natureza. É este sentido comum o que segue a geografia e compartilha o marxismo economicizado de extração recente. No marxismo a natureza converte-se em valor no momento do metabolismo do trabalho. De modo que diante do trabalho, encontram-se as duas fontes do valor- de-uso: a natural e a social. Marx é explícito na igual importância que atribui a ambas as fontes. E esclarece este ponto em duas ocasiões conhecidas. A primeira, numa das passagens da Crítica ao Programa de Ghota, de 1883, em que explicita
  • 5. Marxismo e Geografia suas discordâncias teóricas com o programa político com que se unificam as duas frações em que o movimento operário então se dividia na Alemanha. Aí, afirma: "O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é, tanto quanto o trabalho, fonte dos valores de uso (e é precisamente nisso que consiste a riqueza material)" (MARX, 1975: 15). A segunda, está no O Capital, onde diz: "O trabalho não é, por conseguinte, a única fonte dos valores de uso que produz, da riqueza material. Conforme William Petty, o trabalho é o pai, mas a mãe é a terra" (MARX, 1985). Em ambas oportunidades, fica explícito o vínculo do conceito de natureza e do tra- balho com o de riqueza como de valor-de-uso para Marx: o valor-de-uso como "boni patres familias" e o valor-de-uso como criação do homem. Tal é a forma real das sociedades do pré-capitalismo. E o fundo geral de uma economia de mercado moderna centrada na transfiguração de tudo no valor-de-troca e no dinheiro. Isto designa duas ontologias. Na geografia riqueza e valor-de-uso são conceitos presentes, mas vagos e vela- dos na reciprocidade das relações, no emprego e no entendimento. São conceitos implícitos e pouco formulados, particularmente quanto a suas contextualidades históricas. A riqueza é tanto o que está posto ao homem como oferta de bens e meios no quadro da natureza quanto o séquito dos bens que o homem acumula e oferece i troca na sociedade. Aqui, valor-de-uso não se distingue de valor-de- troca, e tudo se confunde com o dinheiro e preço no mercado, o dinheiro sendo ao mesmo tempo o símbolo da acumulação de riqueza e a chave do acesso a ela. Confunde assim as duas ontologias. Assim, o valor de uso e o valor de troca são conceitos fortes no marxismo e, por hipótese, subjacentes ao conceito da atividade econômica na geografia. Creio resi- dir no emprego dessas categorias a diferença e possibilidade de diálogo da geogra- fia e do marxismo quanto às categorias da paisagem, da relação homem-natureza e o espaço em sua interação recíproca. NATUREZA E ESPAÇO: AS DUAS FORMAS DE METABOLISMO NA HIST~RIA Substancializada na combinação das categorias da natureza e do homem no tra- balho - ao mesmo tempo como amálgama e como âmbito de origem da sociedade -, a idéia de riqueza como algo vinculado à satisfação das necessidades humanas ou acumulação de poder é no fundo um tema e um conceito comum à geografia e ao marxismo. Na geografia, é um tema de presença forte. No marxismo, todavia, só o é quando da reflexão deste sobre o modo de existência do homem enquanto homem hominizado nolpelo processo do trabalho. Há, então, na organização geográfica das sociedades, duas formas de metabolis- mo: o metabolismo do trabalho realizado no sentido do valor-de-uso e o metabolis- mo do trabalho realizado no sentido do valor-de-troca. A primeira tem o caráter geral das realidades abstratas. A segunda, do real-concreto. Na primeira o metabo-
  • 6. GEOgrrcphin- Ano. 6 - NQ11 -20M Moreira lismo explicita-se como uma relação de realização do homem como homem atra- vés do trabalho. Na segunda, como de alienação do homem pelo homem através da alienação do trabalho. Ambas se organizam em paisagem e espaço. Os velhos geógrafos faziam a distinção da paisagem natural e paisagem huma- nizada, numa situação aproximada do que Quaini chama de sociedades sem histó- ria e sociedades com história (QUAINI, 1979).É uma linguagem que revela a dis- tinção de uma sociedade em que o espaço expressa no visual de sua paisagem a presença de um metabolismo do trabalho centrado no pr'ocesso da produção do valor-de-uso e uma outra sociedade em que o espaço expressa a subversão desse metabolismo pela conversão do uso do valor-de-uso em meio de produção de valor-de-troca. No primeiro caso, a presença direta dos elementos do metabolismo ambiental na paisagem revela a centração e realização nessas sociedades na desti- nação do trabalho ao processo de hominização do homem pelo próprio homem através do trabalho. No segundo, a ausência desta realização, a antropologização do homem se fazendo através as mediações da economia do mercado, sendo os objetos tecno-mercantis determinantes na constituição visível da paisagem. Faço aqui uma leitura que dirime o efeito da presença da técnica na constitui- ção do visual da paisagem, efeito muito mais de um discurso do progresso das sociedades como produto do progresso da técnica que de uma realidade espacial ela mesma técnica. Dito de outro modo, divirjo de um discurso que dispensa a lei- tura crítica do desenvolvimento histórico seguido pela técnica, ocultado na ideo- logia do progresso da técnica como sinônimo de progresso civilizatório do homem, anulando a possibilidade da compreensão do processo que faz evoluir as paisagens naturais em consonância com o desenho natural das paisagens, assim diferenciadas segundo as condições ecossistêmicas de cada qual na superfície ter- restre, contrariamente à que a substitui pela homogeneidade visual trazida pelos produtos desenhados na uniformidade padrão da técnica. Vale lembrar que a téc- nica faz parte da experiência ambiental do homem ao longo da evolução de sua história, numa tradição civilizatória em algum momento quebrada em proveito de um fazer técnico conforme com o discurso e as necessidades de padronização dos produtos que só é típica de uma economia de mercado. Tema a ser desenvolvido num próximo texto. Pode-se, assim, também fazer uma distinção processual do metabolismo do tra- balho em um metabolismo ambiental e um metabolismo espacial, numa concepção em que podem mostrar-se uma só unidade ou uma dualidade dicotômica, a depen- der do caráter social da sociedade. Numa sociedade técnica ambientalmente ambientada, são elas duas faces de um s6 metabolismo do trabalho, que se expres- sam então num mesmo visual da paisagem; mas nas sociedades técnicas ambien- talmente desambientadas, viram dois movimentos que se mostram dicotômicos, dando na duplicidade histórica das paisagens naturais e paisagens humanizadas dos geógrafos de ontem, ou na paisagem da primeira natureza e paisagem da segunda natureza, ou paisagens naturais e paisagens socialmente produzidas, dos
  • 7. Marxismo e Geografia ensaios da renovação dos anos setenta, de certo modo igualmente dicotômicas quanto ao metabolismo dinâmico do trabalho. UM BALANÇODOS DOIS ENCONTROS DO MARXISMO COM A GEOGRAFIA Eis aí o plano que o marxismo abriu de possibilidade de convergência nestes dois momentos de encontro histórico com a geografia. Foi entretanto o nível do I metabolismo espacial que em ambos momentos acabou por vingar. Donde a dimensão ontológica passar ao largo. Ao centrarem o diálogo no entendimento restrito da categoria da natureza, do trabalho e da riqueza enquanto formas de expressão das categorias do valor econô- mico numa economia do mercado, o momento da geografia ativa e o momento da "geografia radicallcrítica" deram como produto uma economia política do espaço basicamente. A crítica do trabalho e do homem numa sociedade centrada no conceito de riqueza e do valor articulados ao processo da alienação humana e sua superação numa sociedade socialista, caiu nesse terreno. O discurso plantou-se no âmbito apenas gnoseológico. O plano ontológico do espaço do homem praticamente ficou de lado. E o projeto de renovar e unificar numa totalidade discursiva a geografia ficou no papel. Na fase da geografia ativa não foram postos a dialogar a natureza e o homem no âmbito de uma relação metabólica do trabalho. E assim não logrou-se obter uma teoria totalizadora da organização do espaço terrestre. Uma tentativa de totalização foi feita no âmbito da chamada geografia física por Jean Tricart, através da consti- tuição da morfologia climática, designação que, junto a André Cailleux, Tricart dá à fusão do clima, da geomorfologia, da hidrografia e dos movimentos diastróficos e tectônicos internos ao planeta, numa teoria unificada. Vendo-as como forças con- trárias atuando por dentro (as forças de soerguimento e desnivelamento da superfí- cie terrestre vinculadas à ação dos diastrofismos e tectonismos) e por fora (as for- ças de rebaixamento e nivelamento vinculadas aos fenômenos relacionados aos cli- mas e à ação desgastadora das bacias fluviais) da superfície terrestre, numa espécie de dialética da natureza aplicada às paisagens geográficas, esta teoria explica a remodelagem permanente dessas paisagens, com foco de olhar privilegiado nas transformações do modelado do relevo terrestre. Mas uma forte fragmentação foi feita no âmbito da chamada geografia humana, que tornou impossível pensar-se qualquer sociedade em termos globais de espaço e de homem. Assim, ao contrário, produziu-se um afastamento radical da geografia então for- mada daquela da tradição lablacheana e ritteriana, na qual, bem ou mal, todo geó- grafo físico buscava fazer dialogar a natureza com o homem e todo geógrafo humano fazer dialogar o homem com a natureza, abandonando-se a tradição do estudo da relação homem-meio da geografia clássica, antes em troca gerando-se
  • 8. GEOgrnphirx - Ano. 6 -NQ11-2004 Moreira uma geografia física pura e uma geografia humana fragmentada e pura. O espaço é eleito a categoria por excelência de unificação dos pedaços, mas depois de total- mente despedaçado. É por onde entram a técnica e o trabalho, e a concepção des- sas categorias de laços como categorias de mediação, elas mesmas fragmentos. A obra de Pierre George é um exemplo emblemático (BITETI, 2003). Na fase da "geografia radical/crítica" um esforço de unificação é feito através dos conceitos de espaço pelo lado da ação do homem e do meio ambiente pelo lado da ação da natureza, espaço e meio ambiente unificando-se no limiar do plano concreto dos territórios. As categorias econômicas de viés territorial, a exemplo da renda fundiária, são mobilizadas para este mister integralizante. Deu numa econo- 1 mia do espaço, de um lado e do oùtro, num viés teórico centrado no emprego das -categorias do valor, da propriedade e da ação genética do trabalho, estruturadoras da totalidade vista como formação socioespacial. Há, todavia, o lado positivo da teoria. Nesta perspectiva, a organização geográfica da sociedade é um processo de valorização do espaço, isto é, de construção do espaço como movimento-produto da ação do valor enquanto conteúdo-chave da reprodução ampliada do capital, à qual é atribuída a condição de categoria central da constituição e articulação total da sociedade. Uma trama econômica prende então espacialmente os homens a uma sociedade centrada nas relações de classes e do capital. O resultado é a-alienação: alienação espacial dos homens. Embora não explícito, há uma transferência positiva de teoria da fase da geogra- fia ativa para a da "geografia radical/críticaW.Em particular a geografia vista como uma ciência espacial da sociedade e da história, do espaço geográfico como produ- to do trabalho dos homens nos diferentes contextos históricos de sociedade e dos arranjos do espaço geográfico como dado estruturador das ações, das contradições e dos conflitos sociais de classes. Mas passa-se também uma concepção de ciência e uma preocupação epistemo- lógica que mexem permanentemente com o geógrafo, naquele primeiro (GEOR- GE, 1973) e neste segundo momento (SOJA, 1992; SANTOS, 1978 e 1996) de encontro do marxismo com a geografia, no sentido de uma acentuada intenção de fazer gnoseologia. UM PARALELO:A DEMARCHE COMUM DAS ONTOLOGIAS Faltou a reflexão mais profunda do significado do espaço como ser-estar-do- homem-no-mundo, da mundanidade como o sentido da própria ação geográfica do homem em sociedade na história. Vale dizer, a dimensão ontológica. E no entanto há um caráter ontológico histórico, aqui e ali velado, no tratamento do eixo natureza-homem-espaço nos diferentes estudos da geografia, como por exemplo: na afirmação de essência-existência na teleologia de Carl Ritter, na con- tingência humana de Paul Vida1 La Blache, no espaço vital de Friedrich Ratzel, no
  • 9. Marxismo e Geografia humanismo societário de Pierre George, no conteúdo técnico do espaço de Milton Santos, no impasse gnoseológico de Edward Soja, que percorre intensa e profunda- mente a história do discurso geográfico. São ontologias, expressas explicitamente em Soja (1993 [1988]), Harvey (1992 [1989]) e Santos (1996) nos tempos recen- tes. Ontologias convergentes com o marxismo, enredado também ultimamente no mesmo tema (LUKÁCS, 1979a e 1979b [1971]). Não por acaso os geógrafos cita- dos são todos marxistas. No marxismo, o lócus da indagação ontológica é a socia- bilidade, tema que conduz o significado da relação homem-meio como o ceme mesmo do fenômeno geográfico nele e na geografia. Sabemos que o impulso da relação homem-meio na geografia é a necessidade de subsistência do homem, que vai resolvê-la pela transformação da natureza nos meios de que precisa. No decurso dessa transformação, o homem cria seu espaço e assim a sua própria sociedade. O fenômeno se expressa como uma solução econô- mica para um problema que é histórico. O trabalho é essa atividade de transforma- ção da natureza em meios de subsistência e de produção de novos meios sempre repetidamente. E a paisagem humanizada é o resultado geográfico desse processo. O impulso da relação no marxismo é a consecução da liberdade da necessidade pelo homem, cujo primeiro momento é o da liberdade como consciência da neces- sidade, sentido ontológico inicial marca o processo até o seu desfecho final do homem hominizado. O trabalho é o ato dessa consciência, é move-se e é movido embaixo dessa teleologia de realização da liberdade humana até o seu momento de hominização final. E é o tema da existência que atravessa a relação homem-meio do princípio ao fim. É o que Marx, junto com Engels, explicita numa passagem conhecida de A Ideologia Alemã: A primeira condição de toda a história humana é evidentemente a existência de seres humanos vivos. O primeiro estado real que encontramos é então constituído desses indivíduos e as relações a que ela obriga com o resto da natureza. Não poderemosfazer aqui um estudo aprofundado da constituiçãofísica do homem ou das condições natu- rais, geológicas, orográficas, hidrográficas, climáticas e outras, que se lhe depararam já elaboradas. Toda a historiografia deve necessariamentepartir dessas bases naturais e da sua modificaçãoprovocada pelos homens no decurso da história. Pode-se referir à consciência, à religião e tudo o que se quiser como distinção entre os homens e os uni- mais; porém, esta distinção só começa a existir quando os homens iniciam a reprodu- ção dos seus meios de vida,passo emfrente que é consequente da sua organização cor- poral. Ao produzir os seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material (MARX e ENGELS, s/d: 18-19).Vê-se que o escopo almeja- do é assim a liberdade da necessidade. Na geografia, a relação homem-meio é um movimento entendido como a busca da satisfação das necessidades materiais de subsistência, e que é também o termo da - sua realização. No marxismo, é ela um processo que inicia-se no plano da consciên-
  • 10. GEOgral>hiu-Ano. G - Nn I 1 -2004 Moreirn cia da condiçáo material da existência humana e culmina na realização do homem, sua hominização, como um ser plenamente efetivado. E é aqui que se coloca o debate do tema da alienação do homem na história (não somente na moderna socie- dade capitalista). Um tema que se explicita e se resolve ontologicamente. PROBLEMASDO CRUZAMENTO A condição geográfica do homem-no-inundo centra a reflexão do marxismo e da geografia, portanto. Todavia, há o problema das mediações. Vale dizer, das cate- gorias particulares com que o marxismo e a geografia dão conta e respondem aos temas dessa condição. Cabe perguntar se as categorias e conceitos do olhar de um servem como categorias e conceitos de olhar do outro. Em que medida as media- ções teóricas do marxismo e da geografia de correspondem e necessariamente de distaiiciam. E se o olhar conceitual do marxismo é capaz de pensar e alcançar a condição por si mesmo ou se demanda mobilizar as categorias que são próprias apenas da geografia. Estainos no tema metodológico das categorias de mediação, presente em qual- quer plano de combinação e de cruzamento de discursos. Geografia marxista ou teoria marxista da geografia? O problema de ponto de coagulação precisa assim ser focado: cabe pensar fazer uma geografia dissolvida no universo conceitual e linguístico do marxismo ou um marxismo dissolvido no universo conceitual e linguístico da geografia? Ou signifi- caria por o dilema: fazer uma geografia marxista ou uma teoria marxista da geogra- fia? Um problema já arguido por Lukács, a propósito da constituição de uma teoria marxista da estética. E que encontrou urna resposta e uma equação completamente equivocados em ambos momentos do encontro da geografia e do marxismo. E foi o motivo porque pouco se fez de geografia e nada efetivamente de marxismo. A resposta parece clara. Em se tratando da condiçáo geográfica da existência humana, o olhar marxista é que deve afeiçoar-se ao arsenal categorial, conceitual e linguístico da geografia. Trata-se menos de fazer de Marx um geógrafo, ou esperar ver-se uma geografia nos escritos de Marx, que fazer da geografia uma forma de olhar pelos olhos de um referencial marxista, mas com as formas e cate- gorias de olhar próprias. O olhar do marxismo emprestaria o foco. O problema essencialdo conceito O problema é reiterativo e muito comum na relação entre as ciências e da ciên- cia com n filosofia (temos aqui o caso dos conceitos de natureza e sociedade da
  • 11. Marxismo e Geografia Sociologia, da Antropologia ou da Física trazidos mecanicamente para a Geo- grafia). Assim, não cabe trazer o conceito de espaço dos filósofos para ocupar o lugar do conceito de espaço geográfico do geógrafo. Ou o conceito de percepção dos psicólogos ou da consciência da fenomenologia para substituir na geografia o conceito geográfico. Ou ainda o conceito de território de tantos e diversos campos, para substituir o conceito histórico e de valor concreto de território na geografia. Não cabe pois ao marxismo dizer o que é a paisagem, o território e o espaço à geografia, mas a esta defini-los e constitui-los a partir dos próprios parâmetros e conteúdos do marxismo. E, com isso, analisar por meio dessas categorias a nature- za, a sociedade e o homem segundo estes parâmetros. Trata-se, antes, de, uma vez contextualizado o universo categoria1 e linguístico historicamente próprio e estrutural do olhar da geografia, um pressuposto evidente a qualquer cruzamento que se queira de qualquer campo com a geografia, fazer-se este olhar movimentar-se pelo campo dos conteúdos que remetem ao mundo e ao conceito de estar-no-mundo do marxismo. Exemplo mais claro é a problemática da produção do conceito, e o papel do marxismo na elucidação das possibilidades do conceito na geografia. Vejamos o tema. Cada ponto da superfície da Terra, assim como cada fenômeno ou cada coisa ou objeto, reúne singularidades e universalidades com outros pontos. A ques- tão resume-se h evidencialidade da particularidade nos espaços geográficos. Como procedê-Ia? O marxismo responde com a síntese triádica do singular-universal-par- ticular que é próprio do enfoque dialético. Enfoque característico do marxismo, aplica-se igualmente h geografia. Uma vez localizados e distribuídos, e assim defi- nidos para o fim da focação das singularidades, os objetos da paisagem são compa- rados, em benefício da universalidade. Isola-se em cada um deles o que têm em comum, dispensando-se neste momento o que cada qual tem de específico. A reu- nião dos traços comuns leva h universalidade. Produzida a universalidade, volta-se aos aspectos específicos dos objetos individuais, de modo a isolar-se agora o que é peculiar, produzindo-se assim a singularidade. A conjuminação da universalidade e da singularidade no objeto leva h particularidade, entendida como a síntese dialéti- ca do universal e do singular, e assim como unidade contraditória. Tal é o modo possível de produzir-se um conceito dialético de região, lugar ou territorialidade, substantivando o método da geografia referenciado num modo de relação que vai do marxismo à geografia, não o contrário, mas sem que precisem dissolver-se reciprocamente um e outro, e um no outro, o olhar de um e o olhar do outro sendo assimilados e ao mesmo tempo mantidos. O tema do pensamento crítico-superativo do marxismo e a geografia O mesmo se dá com a perspectiva crítica, se o tema é a realização ontológica da - liberdade histórica do homem. O ponto de partida necessária e exigível é aqui a
  • 12. GEOgraphiri -Ano. 6 - NQ11 -2004 Moreira tomada de empréstimo do olhar crítico-superativo do marxismo pela geografia. Onde o ponto e o foco se concretizam? Se o ponto e o foco são realidades discerní- veis, temos então formalmente produzidos o objeto e o tema, a possibilidade real e efetiva. É no lidar com a contradição que explicita-se o movimento crítico-superativo, campo ontológico do homem por essência - o homem é um ser que pergunta, diz Aristóteles; um ser que dá respostas, diz Lukács -, ponto portanto comum ao mar- xismo e à geografia. RUMO A UMA ONTOLOGIA MARXISTA DA GEOGRAFIA: A GEOGRAFICIDADE O ponto de convergência das ontologias é o conceito de geograficidade. Cujo foco privilegiado é a paisagem, sua relação com o conceito de espaço e a realidade concreta do território. Designamos geograficidade à condição espacial da existência do homem em qualquer sociedade. O equivalente do que em filosofia Heidegger designa a mun- danidade do homem. Ou em outro contexto Hegel designa o ser-estar do homem no mundo. O acento marxista é o enraizamento dessa mundanidade de Heidegger, desse ser-estar-no-mundo de Hegel, no âmbito do metabolismo'do trabalho. Metabolismo que, servindo ao marxismo como à geografia, assim em Marx se expressa: "Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano impulsiona, regula e controla com sua própria ação seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, bra- ços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, impri- mindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais" (MARX, 1985: 202). Conceito que passa pelo tema da liberdade e da necessidade, e que a tradição marxista resume na "passagem do reino da liberdade para o reino da necessidade". A existência realizando na mundanidade do espaço a relação da essência metabólica. Está nessa raiz a direção que a ontologia marxista abre para a ontologia da geo- graficidade na geografia. Esquadrinhemos, numa decomposição da definição de trabalho marxista, essa relação de possibilidade. Clarifiquemos, em primeiro lugar, o caráter metabólico. "Antes de tudo", o tra- balho é, diz Marx, uma relação de intercâmbio, um "intercâmbio material" que se passa entre o homem e as formas-forças naturais situadas dentro da própria nature- za. Uma relação e uma troca de forças intra-natureza, e então de formas e conteú- dos entre entes naturais, numa explicitação de suas essências. Essências naturais de
  • 13. Marxismo e Geografia braços e pernas, cabeça e mãos que interagem numa reciprocidade interativo-inte- grativa com corpos de conteúdos essencialmente naturais. A seguir, o caráter teleo- lógico. O trabalho é uma interferência do homem orientado no sentido consciente da reprodutibilidade da história natural agora como um processo de história social- mente humanizada, a reprodutibilidade social do homem se fazendo na concomi- tância da reprodutibilidade múltipla dos demais entes das coisas naturais. Realiza- se assim a diferença. A teleologia da reprodução do homem, que inexiste no plano das forças e corpos orgânicos e inorgânicos da natureza, socializa e dá novo rumo ao próprio processo da evolução da natureza. O metabolismo que transforma o homem, transforma a totalidade da natureza com que ele convive, o algo que se dá com a natureza-homem assim também se dá com as formas de natureza-natureza da natureza. Por fim, o caráter de salto ontológico. O homem socializa-se, sociali- zando a natureza mesmo que diferenciadamente (diga-se, de passagem, que a socialização é um processo inerentemente presente à natureza; não é só o homem que metabolicamente muda e dá uma forma de face nova ao conteúdo natural das coisas da natureza, não só ele introduz produz trabalho, mas somente ele dispõe da capacidade de fazer a história natural mudar de qualidade e tornar-se uma história social da natureza). E, então, de realizar o salto ontológico do ser natural no ser social, mudando a relação de essência e existência sua e das próprias formas da natureza. Resulta que o metabolismo é assim um campo rico de significações. Um campo sígnico, que a representação histórica qualifica como um mundo de riqueza que a todos igualmente se oferece. Vimos que essa possibilidade vem do fato de a natu- reza apresentar-se originalmente ao homem (no âmbito do metabolismo) como um vasto campo de valores-de-uso, que ele por meio do trabalho reconverte em valo- res-de-uso novos "imprimindo-lhes forma útil à vida humana". E sabemos que a idéia de riqueza identificada à natureza e ao trabalho, e então à satisfação das necessidades que liberta o homem das contingências da reprodução orgânica, é o alimento do ideário "de cada um segundo suas possibilidades, a cada um segundo suas necessidadas" do socialismo de inspiração utópica, e bem ainda do ideário socialista de Marx em que a "autodeterminação dos reais produtores" será a forma de existência de uma sociedade de uma outra essência social possível na história. UMCONCEITO DE GEOGRAFICIDADE A geograficidade é a existência em sua expressão espacial. O ponto Ôntico-onto- lógico de tradução do metabolismo homem-meio no metabolismo homem-espaço. Vejamos isto com mais clareza. O metabolismo homem-meio é uma cooperação e uma divisão do trabalho, uma estrutura de relação organizada que aparece na paisagem na forma de um arranjo de espaço que "regula, impulsiona e controla" a coabitação entre os homens
  • 14. GEOgrírphin- Ano. 6 -NQ11 -2004 Moreira (MOREIRA, 2001a e 2002). O espaço entra e atúa assim como a mediação que ao tempo que organiza o metabolismo homem-meio em seus movimentos intra-natu- reza, coordena e orienta sua transfiguração no metabolismo social de uma socieda- de organizada. A geograficidade é o modo de expressão dessa essência metabólica - a homini- zação do homem pelo homem através do trabalho - em formas espaciais concretas de existência, algo que difere nos diferentes recortes de território da superfície ter- restre. É o ser em sua totalidade geográfica concreta. Cada ente desse espaço é uma particularidade, no sentido triádico da dialética marxista. E a geograficidade é em si a síntese da relação entre a essência e a exis- tência e assim a própria totalidade concreta do ser. Daí que a espacialidade diferen- cial do existente é o próprio modo como se organiza a geograficidade (LACOSTE, 1988). Tema quejá analisamos em outro texto (MOREIRA, 2001b). Cabem aqui algumas observações sobre os conceitos. Primeiramente sobre o conceito de geograficidade. É um conceito de existencialidade, que contrapõe-se ao conceito de contextualidade. Tirado numa analogia do conceito de historicidade utilizada pelos historiadores, que é usualmente mais corrente na literatura geográfi- ca contemporânea, a geograficidade extrapola o sentido puro do contexto, centran- do seu conteúdo no sentido da existência ou do contexto (espacial) da existência. Em segundo lugar, sobre o conceito de existência. É necessário realizar-se um esforço de pensar a categoria existência no marxismo. Sabe-se que o par dialético da essência no marxismo é o fenômeno por onde se desenrola toda a reflexão acer- ca do ser e da ontologia. Daí também o contraponto habitual entre aparência e essência, a aparência sendo o modo de aparecimento da essência, portanto ente e existência. Por fim, em terceiro lugar, sobre a ontologia do espaço. Creio ser cor- rente aqui uma confusão de entendimento que é necessário esclarecer. Se a geogra- ficidade pressupõe a indagação ontológica do espaço, o espaço é em si mesmo essencialmente a dimensão ontológica da geograficidade, só nesse sentido poden- do-se falar da ontologia do espaço ou do espaço como ser (SILVA, 1982). A onto- logia do ser geográfico é mais abrangente, rica e complexa que a ontologia do espaço. A geograficidade vai ontologicamente além. Esclarece-se, também assim, o problema do método ontológico - aqui definido no campo do materialismo histórico - da geograficidade. A geograficidade parte do ente, vai da existência à essência - caminho mediado pela forma e pelo conteú- do -para retornar de volta ao ente e enfim explicitar o seu ser geográfico. A geograficidade é, assim, o ser-estar espacial do ente. Éo estado ontológico do ser no tempo-espaço. Um princípio válido e atribuível a qualquer ente -pode ser o homem, um objeto natural ou o próprio espaço (quando este é posto diante da indagação: "o espaço, o que é; qual a sua natureza) - seja qual for o caráter de sua qualidade. Sua reflexão se apresenta na indagação do ser do ente. No caso do homem, a geograficidade é a forma como a hominização enquanto essência do metabolismo exprime-se sua existência na forma do espaço. A geograficidade do
  • 15. Marxismo e Geografia homem é então a forma como a liberdade da necessidade emerge e se realiza atra- vés da forma concreta de existência espacial na sociedade. Clarifica-se, por fim, o caráter histórico da realidade ontológica. Sabemos que a liberdade da necessidade não se concretiza como realidade nas sociedades de clas- ses, onde a propriedade privada do processo da produção e da distribuição da rique- za, a partir da apropriação privada dos meios de produção, em que se inclui a natu- reza, inviabiliza a hominização do homem de forma plena. E sabemos o papel de classes conferido ao metabolismo espacial nesse bloqueamento: a impulsão, a regu- lação e o controle que são próprios do metabolismo do trabalho, penetrado da estru- tura social do capitalismo, através da propriedade privada e da metamorfose que converte riqueza e valor-de-uso em valor e capital, direciona a organização e o arranjo espacial da relação homem-meio no sentido da regulação da reprodutibilida- de das relações de trabalho do capitalismo com fins da acumulação do capital. Assim definindo-se uma ontologia do ser social clara e historicamente determinada. MARXISMO E GEOGRAFIA (A GEOGRAFICIDADEE O DIÁLOGO DAS ONTOLOGIAS) Resumo: Os dois momentos em que marxismo e geografia se cruzaram numa reciproci- dade de influências, o peso do diálogo foi dado à teoria do conhecimento. O atual momento prioriza a reflexão das ontologias. Palavras-chave: Marxismo, Geografia, Geograficidade, Ontologia. . MARXISM AND GEOGRAPHY (GEOGRAPHICITY AND THE DIALOGUE OF ONTOLOGIES) Abstract: During two moments of intercrossing between Marxism and Geography, reci- procally influenced, the stressing was to the knowledge theory. Nowadays we put emphasis on the reflection about ontologies. Keywords: Marxism, Geography, Geographicity, Ontology. BIBLIOGRAFIA BITETI, M.. (2003). A Geografia do Trabalho em Pierre George. Revista Ciência Geogrbífica,Ano IX, Vol. IX, no. 3. AGB-Bauru CHASIN, J. (1995). Marx - Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. In: Teixeira, F. (org.) Pensando com Marx. São Paulo: Editora Ensaio. CORDEIRO, R.C. (1995). Da Riqueza das Nações à Ciência das Riquezas. Col. Filosofia. S. Paulo: Edições Loyola FOUCAULT, M. (1986). A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária. . (1985). As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências huma- nas. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora.
  • 16. GEOgruphiu -Ano. 6 -NQ11-2004 Moreira GEORGE, P. (1969). Sociologia e Geografia. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense . (1973). Problemas, Doutrina e Método. In: A Geografia Ativa. São Paulo: Difel. HARVEY, D. (1992). CondiçãoPós-Modema. Umapesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola LACOSTE, Y. (1988). A Geografia -Isso Serve, em Primeiro Lugac para Fazer a Guerra. S.Paulo: Papirus Editora. LESSA, S. (2001). Mundo dos Homens - trabalho e ser social. São Paulo: Boitempo Editorial .(1997). A Ontologia de Lukács. 2". edição. Maceió: Edufal LUKÁCS, G. (1979a). A Ontologia do Ser Social. A Falsa e a Verdadeira Ontologiade Hegel. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas. -------- . (1979b). Ontologia do Ser Social. Os Princípios Ontológicos Funclamentais de Marx. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas. MARX, K. (1985). O Capital. Crítica da Economia Política livro 1, volume 1. São Paulo: Difel .(1975). Crítica ao Programa de Gotha. In: Críticas dos Programas de Gotha e de Egurt. Lisboa: Editorial Estampa MARX, K. e ENGELS, F. (sld). Feuerbach. In: A Ideologia Alemã. Lisboa/São Paulo: Editorial Presençamartins Fontes. MORAIS, A.C. (1982). Em Busca da Ontologia do Espaço. In: Moreira, R. (org.) Geografia: Teoria e Crítica.Rio de Janeiro: Editora Vozes MOREIRA, R. (2002a). Velhos Temas, Novas Formas. In: Elementos de Epistemologia da Geografia Contemporânea.Curitiba: Editora UPPR ------ . (2002b). Teses Para Uma Geografia do Trabalho. Revista Ciência Geográfica.Ano VIII, Vol. 11,N. 22. Bauru: AGB-Bauru. . (2001a). As Categorias Espaciais da Construção Geográfica das Sociedades. GEOgraplzia ano 111,no. 5. Niterói: PPGEO-UFF ----. (2001b). As Novas Noções do Mundo (GeogrAfico) do Trabalho. Revista Ciência Geográfica.Ano VII, Vol. 111.No. 20. Bauru: AGB-Bauru .(2000). Assim se Passaram Dez Anos. A renovação da geografia brasi- leira no período 1978-1988. GEOgraphia ano 11, no. 3. Niterói: PPGEO-UFF . (1999). A Diferença e a Geografia. O ardil da identidade e a representa- ção da diferença na Geografia. GEOgraphia ano I, no. 1. Niterói: PPGEO- UFF OLDRINI, G. (2002). Em Busca das Raízes da Ontologia (Marxista) de Lukács. In: Lukács e a Atualidade do Marxismo. São Paulo: Boitempo Editorial. QUAINI, M. (1979). Marxismo e Geografia.Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra SANTOS, M. (1978). Por Uma Geografia Nova. Da crítica da geografia à geo- grafia crítica. São Paulo: EDUSPIEditora Hucitec
  • 17. Marxismo e Geografia .(1993). Uma Ontologia do Espaço: noções fundadoras. In: A Nat~~reza do Espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. la. parte. São Paulo: Hucitec SILVA, A.C. (1982). O Espaço como Ser: uma auto-avaliação crítica. In: Geografia: Teoria e Crítica.Moreira, R. (org). Rio de Janeiro: Editora Vozes SOJA, E. W. (1993). Reafirmações: rumo a uma ontologia espacializada. In: Geografias Pós-Modemas. A reafirmaçãodo espaço na teoria social crítica. Cap. V. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores.