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JOÃO CALVINO
AS INSTITUTAS
Volume 4
Edição especial para estudo e pesquisa
Institution de la Religion Chrestienne – As Institutas ou Instituição da Religião Cristã
Da edição original francesa de 1541 – Conforme publicação feita pela Société les Belles Letres,
Paris, 1936, com a colaboração da Société du Musée historique de la Réformation.
1ª edição em português 2002 – 3.000 exemplares
TRADUÇÃO e LEITURA DE PROVAS
Odayr Olivetti
REVISÃO e NOTAS DE ESTUDO E PESQUISA
Hermisten Maia Pereira da Costa
NOTAS TEOLÓGICAS e FILOSÓFICAS
As notas teológicas e filosóficas do presente volume,
assinaladas com a seqüência de letras (a, b, c...),
foram preparadas por M. Max Dominicé.
FORMATAÇÃO
Rissato
CAPA
Publicação autorizada pelo Conselho Editorial:
Cláudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, Aproniano Wilson de Macedo, Fernando
Hamilton Costa, Mauro Meister, Ricardo Agreste e Sebastião Bueno Olinto
Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas
Editor: Cláudio A. Batista Marra
AS INSTITUTAS
CAPÍTULO XII
SOBRE A CEIA DO SENHORa
1. Propósito da instituição da Ceia
[1536] O outro sacramento instituído pelo Senhor e por Ele dado à igreja cristã é
o pão santificado pelo corpo do Senhor Jesus Cristo e o vinho santificado pelo
Seu sangue, como os antigos costumavam falar. E nós lhe chamamos Ceia do
Senhor, ou Eucaristia, porque por ele somos alimentados e fortalecidos espiritu-
almente pela benignidade do Senhor, e, de nossa parte, Lhe rendemos graças por
Sua bênção.
a. Em vista da importância dos debates sobre este assunto desde as origens da Reforma, uma introdução mais
extensa é necessária aqui.
Lutero, em 1519, publicou um discurso (traduzido para o latim em 1524) sobre o santíssimo sacramento
do corpo de Cristo: o sacramento não é mais a missa, a doutrina da transubstanciação; é a comunhão das almas
com Jesus Cristo em Seus sofrimentos e em Sua glória, um dom de Deus que reclama essencialmente a fé por
parte do comungante (idéia central que encontramos no presente capítulo). Em 1521, o papa promulgou a bula
De cæna Domini, e Lutero escreveu Sobre o Abuso da Missa; em 1529, ele tratou da Santa Ceia em seus dois
catecismos. Em 1530, a Confissão de Augsburgo dizia sobre a Ceia: “O corpo e o sangue do Cristo estão
verdadeiramente presentes nela e são realmente ministrados sob as espécies do pão e do vinho”.
O pensamento dos teólogos franceses se expressa diferentemente. Assim, Farel, em 1525, em sua
Declaração Sumária, capítulo XIX, Sobre a Missa, dizia: “Claro está que ela foi introduzida em lugar da
santa mesa do Senhor... A santa mesa deve ser entendida no sentido de que somos um e que, portanto, não se
deve impedir uns aos outros... Eles tomam e comem de um mesmo pão e bebem de um mesmo cálice,
esperando a triunfal e maravilhosa vinda de Jesus Cristo tal como Ele subiu ao céu”.
Em 1529, a Suma Cristã, de Fr. Lambert d’Avignon, dedicando o capítulo XLVIII à Mesa do Senhor,
dizia: “Na santa mesa do Senhor celebram-se a memória e as ações de graças por Sua preciosa morte e por
todas as bênçãos que por ela recebemos. E também a renovação do necessário testamento da graça divina e
da remissão dos nossos pecados, testamento confirmado por Sua morte.
“E cremos que nessa santa mesa recebemos Seu verdadeiro corpo e Seu verdadeiro sangue, se bem
que não entendemos a Sua presença supersticiosamente e que não queremos ir mais longe na discussão
disso, crendo simplesmente na veracidade da Sua digna Palavra.
4 As Institutas – Edição Especial
“Confessamos também que esta celebração seja, do sacrifício salvífico oferecido uma vez na cruz por
nós, o santo e digno memorial ordenado por nosso Salvador.
“Todavia, de maneira nenhuma nos dispomos a confessar que nesta bendita Ceia haja um novo sacri-
fício, porque isso não está de acordo com a Escritura Sagrada.
“E visto que o Senhor ordenou que os crentes comunguem desta mesa sob o pão e o vinho, queremos
obedecer a essa ordenança, reconhecendo que é necessário fazê-lo.
“E não queremos conservar no armário este sacramento, nem levá-lo pelas ruas, pois vemos que o
Senhor não mandou fazer isso.
“Além do que acima foi dito, quando recebemos este santo sacramento, com esta participação
testificamos que estamos em harmonia com os outros fiéis membros de Jesus Cristo, participando de um
espírito e por ele vivendo num corpo místico. E que aquele que nessa fé o recebe e o faz dignamente tem a
sua salvação; do contrário, recebe juízo e condenação, como se vê em 1 Coríntios 10 e 11, Mateus 26,
Marcos 14 e Lucas 22.”
O reformador Zwínglio apresentava a Santa Ceia como um simples repasto comemorativo. O coló-
quio129
de Marburgo, em 1529, foi da maior importância sobre essa questão; Lutero, Melanchton, Bucer e
Zwínglio participaram dele. Um dos artigos finalmente redigidos dizia: “Se bem que não chegamos a um
acordo sobre a questão se o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue do Cristo estão corporalmente presentes
no pão e no vinho, devemos, contudo, pôr em prática uns para com os outros o amor cristão, quanto permita
a consciência de cada um” (outubro de 1529).
Calvino, quando ainda estudava em Bourges, ficou sabendo do referido colóquio pelo Pr. Wolmar,130
que acabava de chegar; o eco das discussões lá travadas o inquietou. Foi depois dessa data que ele começou
a escrever sobre temas teológicos (Contra as calúnias de Westfália, em seus Opúsculos, 1566, p. 1503).
Antoine Marcourt, em sua Declaração131
da Missa e em seu Livro dos Mercadores (1534) dedica
muitas páginas a críticas à missa. Atualmente se diz que ele foi o autor dos letreiros afixados em Paris, até na
porta da câmara do rei, em outubro de 1534. Seguiram-se a eles muitos suplícios que confirmaram em
Calvino seu desejo de compor as Institutas e, mais tarde, de dedicá-las ao rei Francisco I.
Em dezembro de 1534, Farel publicou uma nova edição da Sumária e Breve Declaração, cujo capítu-
lo XIX foi dedicado à missa (é mais criticada a cerimônia externa do que exposto o sentido dogmático do
sacramento nela presente).
Para justificar as novas formas do culto público instituídas em Estrasburgo, Bucer tinha publicado em
1524 Grund und Ursach aus götlicher Schrifft der neüwerungen an dem Nachtmal,132
etc. Calvino não
tinha podido ler essa obra por não saber alemão, mas Wolmar o tinha informado sobre aqueles fatos. Em
1525, traduzindo a Postille133
de Lutero, Bucer tinha exposto sua própria conceituação da Santa Ceia. A
missa foi abolida em Estrasburgo em 20 de fevereiro de 1529. Em 1530, em Augsburgo, Bucer redigiu a
confissão de fé que viria a chamar-se Tetrapolitana: “Cristo verdadeiramente dá seu verdadeiro corpo e
sangue a comer e a beber para nutrição da alma”, concepção adotada por Calvino, (contra o simbolismo
zwingliano e a consubstanciação luterana).
Conforme as prescrições publicadas em Estrasburgo em 1534, após o primeiro sínodo, de junho de
1533, a Santa Ceia deveria ser celebrada ao menos uma vez por mês em cada igreja, com um rodízio para
assegurar a celebração todo domingo ao menos numa igreja.
Em Estrasburgo Calvino teve conhecimento, pelo próprio Bucer, das idéias desenvolvidas por ele em
sua Exposição do Evangelho Segundo Mateus, publicado em alemão em 1536, em francês em 1540. Após
a discussão dos novos “erros”, ele diz (p. 570): “Sendo o pão somente sinal sacramental pelo qual o Senhor
comunica o dom invisível, é recebido pela fé”. Retocando o que dissera em 1536, em 1540 Bucer se expres-
sa nestes termos: “O pão e o vinho são os santos sinais. O corpo e o sangue do Senhor, com a nova aliança,
são as substâncias134
do sacramento e os verdadeiros dons”. Na mesma ocasião, após as conversas de ambos,
Calvino deu ao capítulo Sobre a Ceia a forma que tem no presente volume.
129
Conferência, convenção. NT
130
O professor Melchior Wolmar († 1561) era um luterano declarado. Ele, que foi também professor de Théodore
de Beza (1519-1605) foi de fundamental importância no ensino de grego a Calvino. Mais tarde, Calvino lhe
dedicaria o seu comentário de Segundo Coríntios (01/08/1546), onde diz que Wolmar, era “o mais distingui-
do dos mestres [de grego]”. (J. Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo, Paracletos, 1995, Dedicató-
ria, p. 8). NE
131
Deve-se entender “declaração” aí mais no sentido de desmascaramento. NT
132
“Base e razões bíblicas dos novos conceitos aplicados à Ceia.” NT
133
“Réplicas”. NT
134
Sua subsistência real, seu fundamento vital. NT
5
Ele escreveu em 1535 ao rei que tinha empreendido a produção de uma defesa dos evangélicos acusa-
dos de blasfêmias, particularmente blasfêmias contra a missa; ele expôs nas Institutas de 1536, e depois na
Instrução de 1537, a doutrina reformada da Santa Ceia. Completou-a nas Institutas de 1539.
Esse capítulo corresponde à última parte do capítulo IV das Institutas de 1536 e ao artigo Sobre a Ceia
do Senhor, da Instrução de 1537.
Em 1536, pouco depois da publicação das Institutas, Calvino compôs na Itália um tratado que apare-
ceu em 1537 e que foi reimpresso em seus Opúsculos: “Como se deve evitar as superstições papais e delas
fugir; e sobre a pura observância cristã”. Ele reafirma sua posição contra a missa com uma página mais
veemente que as das Institutas.
No dia 5 de outubro de 1536, Calvino participou do “debate geral” organizado em Lausanne pelas
autoridades de Berna; num longo discurso no qual cita fartamente as Escrituras Sagradas e os pais da igreja,
ele define a Santa Ceia como “uma comunicação espiritual pela qual, com poder e eficácia, somos feitos
participantes de tudo o que pela graça podemos receber do Seu corpo e do Seu sangue... tudo espiritualmen-
te, quer dizer, pelo vínculo do Seu Espírito” (Opera, [Obras] IX, 877-886).
Em 1540, em Estrasburgo, talvez mesmo desde 1537, em Genebra (conforme o testemunho de Beza,
Op. Calv., XXI, 62), Calvino compôs diretamente em francês um Pequeno tratado sobre a Santa Ceia do
Senhor Jesus Cristo, no qual são demonstrados a sua verdadeira instituição, o seu proveito e a sua utilida-
de. Demonstra-se igualmente a razão pela qual muitos modernos parecem ter escrito diferentemente. Esse
opúsculo foi impresso em Genebra em 1541, no mesmo ano em que foi publicada a nossa Institution france-
sa. (Uma nova edição apareceu em Paris, nas edições Je Sers, em 1935).
b. Esse parágrafo é, quase textualmente, o primeiro do capítulo Sobre a Ceia, na Instrução de 1537.
c. Os anabatistas.
a. quo se conseoletur, quo se confirmet...
A promessab
que aí nos é feita mostra claramente com que fim foi institu-
ído e a que visa, o que se pode expor nestes termos: O sacramento da Ceia nos
assegura e confirma que o corpo do Senhor Jesus Cristo foi entregue uma vez
por nós de tal maneira que agora é nosso, e o será perpetuamente;e, igualmente,
que o Seu sangue foi derramado uma vez por nós de tal maneira que será nosso
para sempre.
2. Necessidade de contestar os que negam que o
sacramento é exercício da fé
É por isso que novamente se refuta até à persuasão o erro daquelesc
que se atre-
vem a negar que os sacramentos são uma forma de exercício da fé, dados para
mantê-la, elevá-la, fortalecê-la e aumentá-la. Porquanto estas são as palavras do
Senhor a esse respeito: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue”;1
quer
dizer, é um sinal e um testemunho de uma promessa. E onde há promessa, ali a fé
tem sobre o que se apoiar e com que se consolar e se fortalecer.a2
1
Lc 22.20; 1Co 11.25.
2
Estudando o Salmo 42, quando o salmista em meio às aflições, demonstra a sua fé no livramento de Deus,
Calvino comenta que esta certeza não é “uma expectativa imaginária produzida por uma mente fantasiosa;
mas, confiando nas promessas de Deus, ele não só se anima a nutrir sólida esperança, mas também se
assegura de que receberia infalível livramento. Não podemos ser competentes testemunhas da graça de Deus
perante nossos irmãos quando, antes de tudo, não testificamos dela a nossos próprios corações.” [João
Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 42.5), p. 264]. NE
6 As Institutas – Edição Especial
3. Frutos da Ceia
Nossa alma pode auferir deste sacramento frutos de grande dulçor e consolação,
porque nos apercebemos de que Jesus Cristo está de tal modo incorporado em
nós, e nós nele,b
que tudo o que é dele podemos dizer que é nosso, e tudo o que é
nosso, podemos declarar que é dele.3
Por isso ousamos afirmar com segurança
que a vida eterna é nossa e que o reino dos céus não nos pode ser retiradoc
, nos
mesmos termos em que o próprio Senhor Jesus Cristo não pode ser privado dele.
Por outro lado, podemos asseverar que não podemos ser condenados por nossos
pecados, não mais que Cristo, porque não são mais nossos, mas dele. Não que
seja possível atribuir-lhe alguma culpa, mas sim que Ele se constituiu devedor
em nosso lugar, e é bom pagador. Esta é a permuta que, em Sua bondade infinita,
Ele quis fazer conosco: Recebeu nossa pobreza, e nos transferiu Suas riquezas;
levou sobre Si a nossa fraqueza, e nos fortaleceu com o Seu poder; assumiu a
nossa mortalidade, e fez nossa a Sua imortalidade; desceu à terra, e abriu o cami-
nho para o céu; fez-se Filho do homem, e nos fez filhos de Deus.d
Essas coisas nos são prometidas tão completamente por Deus neste sacra-
mento que devemos estar certos e seguros de que nele são demonstradas tão ver-
dadeiramente que é como se Jesus Cristo mesmo estivesse ali presente pessoal-
mente, visivelmente, e que o víssemos com os nossos próprios olhos, e tão
palpavelmente que é como se O tocássemos com as nossas próprias mãosa
. Por-
que esta Sua palavra não pode falhar nem mentir: “Tomai, comei; isto é o meu
corpo... Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança,
derramado em favor de muitos, para remissão de pecados”.4
Ordenando que o
tomemos, Ele quer dizer que é nosso. Ordenando que o comamos e o bebamos,
demonstra que Ele é feito uma substância5
conosco. Quando Ele diz, “Isto é o
meu corpo oferecido por vós; este é o meu sangue derramado por vós”, declara e
ensina que são mais nossos que dele, porque Ele os assumiu e os deixou, não para
Se favorecer, mas por amor de nós e para nosso proveito.
3
“Grande fruto, porém, de confiança e satisfação podem deste sacramento coligir as almas pias, porque têm
nele o testemunho de havermo-nos unido com Cristo em um só corpo, de tal sorte que tudo quanto é dEle
nosso seja lícito chamar.” (J. Calvino, As Institutas, IV.17.2). “Por meio da fé, Cristo nos é comunicado,
através de quem chegamos a Deus, e através de quem usufruímos os benefícios da adoção.” [João Calvino,
Efésios, (Ef 1.8), p. 30]. “Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados
em Cristo, fora de quem nada é encontrado senão morte.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co
4.15), p. 143]. NE
4
Mt 26.26-28; Mc 14.22-24; Lc 22.19,20; 1Co 11.23-25.
5
Termo empregado por Calvino várias vezes neste capítulo. Não, porém, no sentido filosófico ou teológico,
mas como sinônimo de presença vivificante. NT.
b. sic Christum nobis, sic nos illi vicissim insertos.
c. excidere.
d. Filius hominis nobiscum factus, nos secum Dei filios fecerit.
a. Instrução de 1537: “Cristo, com todas as suas riquezas, nos é apresentado nela não menos como se se
pusesse na presença dos nossos olhos e fosse tocado por nossas mãos”.
7
4. Expressões decisivas, quanto ao proveito
que temos da Ceia
Devemos observar diligentemente que a força e excelência principal e quase úni-
ca do sacramento está nestas palavras: “Oferecido por vós, derramado por vós”.
Porque, de outro modo, pouco nos serviria que o corpo e o sangue de Jesus Cristo
nos fossem distribuídos agora, se outrora não tivessem sido entregues para nossa
redenção e salvação. Assim, eles são representados para nós sob o pão e o vinho
para nos mostrar e ensinar que eles não somente são nossos, mas também que são
vida e alimento. Isso corresponde ao que acima dissemos,b
que pelas coisas cor-
porais a nós propostas nos sacramentos devemos ser conduzidos, em certa pro-
porção e semelhança, às realidades espirituais. Porque quando vemos o pão que
nos é apresentado como sinal do sacramento do corpo de Jesus Cristo, devemos
imediatamente tomar essa figura ou semelhançac
no sentido de que, assim como
o pão nutre, sustenta e mantém a vida do nosso corpo, assim também o corpo de
Jesus Cristo é o alimento, a nutrição e a preservaçãod
da nossa vida espiritual. E
quando vemos o vinho que nos é oferecido como sinal do sangue de Jesus Cristo,
somos levados a pensara
no efeito e no proveitoso benefício do vinho para o
corpo humano, fazendo-nos apreciar o que o sangue de Jesus Cristo efetua em
nós e o proveito que nos dá espiritualmente. Ele nos fortalece, nos consola, nos
dá refrigério e nos alegra. Porque, se avaliarmos bem a bênção que é para nós o
fato de que o corpo sacratíssimo de Jesus foi entregue e Seu sangue foi derrama-
do por nós, veremos claramente que é muito próprio o que se atribui ao pão e ao
vinho, nos termos desta analogia e símile.6
5. Finalidade principal da Ceia do Senhor
Portanto, a finalidade principal do sacramento não é simplesmente apresentarb
o
corpo de Jesus Cristo, mas, sim, simbolizar, significar e confirmar a promessa na
qual Jesus Cristo nos diz que Sua carne é “verdadeira comida” e Seu sangue é
“verdadeira bebida”, pelos quais somos sustentados para a vida eterna. E Ele nos
certifica que Ele é o pão da vida e garante que “quem comer este pão viverá
eternamente”.7
Para realizar esse feito, isto é, para simbolizar e selar a promessa
b. Capítulo X.
c. 1541, por engano, coloca aqui um ponto; a Instrução de 1537 diz: “Deve-se logo em seguida conceber esta
comparação, como o pão nutre, sustenta e mantém”, etc.
d. 1537: proteção.
a. 1537: considerar que tais frutos, etc.
b. exhibere.
6
Calvino faz uma analogia entre o alimento físico e o espiritual, mostrando que aquele que é fundamental para
a manutenção de nosso corpo, Deus, como Pai providente, nos tem dado como “testemunho de Sua bondade
paternal”; “Porém – continua –, assim como é espiritual a vida em que nos há regenerado, é preciso que
também o seja o alimento que deve nutrir-nos e confirmar-nos nela.” NE
[J. Calvino, BreveTratado Sobre La Santa Cena:In: Tratados Breves, p. 8]. Cf. As Institutas, IV.17.1,3.
7
Jo 6. 55,58.
8 As Institutas – Edição Especial
acima referida, o sacramento nos envia à cruz de Jesus Cristo, onde essa promes-
sa foi concretizada plenamente e cumprida inteiramente. Porque o fato de Jesus
Cristo ser chamado pão da vida não é em função do sacramento (como muitos o
têm interpretado erroneamente), mas sim porque como tal Ele nos foi dado pelo
Pai. Isso foi demonstrado: Quando, tendo Ele sido feito participante da nossa
mortalidade humana, fez-nos participantes da Sua imortalidade divina; quando,
oferecendo-se em sacrifício, levou sobre Si a maldição que pesava sobre nós,
para nos encher de Sua bênção; quando em Sua morte Ele devorou e tragou a
morte; quando em Sua ressurreição Ele ressuscitou em glória e incorrupção a
nossa carne corruptível, da qual se havia revestido.
6. Pelo Evangelho e pela Ceia recebemos Cristo,
o pão da vida
[1539] O que acima foi declarado recebe clara comprovação das seguintes pala-
vras ditas por Ele e que lemos no Evangelho Segundo João: “O pão que eu darei
pela vida do mundo é a minha carne”.8
Não há dúvida nenhuma de que com essas
palavras Ele demonstrou que o Seu corpo seria pãoa
para a vida espiritual da
nossa alma, razão pela qual Ele o haveria de expor à morte, para a nossa salvação.
Porque Ele fez dele pão, uma vez, quando o entregou para ser crucificado para a
redenção do mundo. E o faz diariamente, quando pela Palavra do Seu Evangelho
Ele o oferece, a fim de que dele participemos, considerando que Ele foi crucifica-
do em nosso favor.
[1536] Portanto, não é o sacramento que faz de Jesus Cristo o pão da vida,
pelo qual vivemos e somos constantemente refeitos; mas ele nos dá um certo
gosto e sabor desse pão. Em suma, temos nele a promessa e a garantia de que tudo
o que Jesus Cristo fez e sofreu, Ele fez e sofreu para a nossa vivificação. E que
essa vivificação é eterna, pela qual sempre e para sempre somos alimentados,
sustentados substancialmente e mantidos com vida. Porque, se Jesus Cristo não
tivesse sido o pão da vida, não tivesse nascido e morrido por nós, e não tivesse
ressuscitado por nós, também agora Ele não o seria, e o fruto e eficácia do Seu
nascimento, da Sua morte e da Sua ressurreição não seria eterno e imortal.
7. O estudo e o conhecimento da eficácia do sacramento
teriam evitado muitos erros
Se essa virtude e poder do sacramento fosse bem estudado e considerado, como
devia, teríamos nele grande satisfação, e não teriam sido suscitadas as horríveis
contendasb
que têm atormentado a igreja, tanto no passadoc
como também ainda
8
Jo 6.51
a. pro pane.
b. dissensiones.
c. O primeiro cânone do Concílio de Latrão (1215) foi concebido assim: “Corpus et sanguis in sacramento altaris, sub
especibus panis et vini veraciter continentur, transubstantiatis pane in corpus et vino in sanguinem potestate divina”.
9
agora, como se vê em nosso tratado,d
quando homens curiosos querem definir
como o corpo de Jesus Cristo está presente no pão.a
Como se valesse a pena
debater isso com tão grande contenda de palavras e de espírito! Certamente é
assim que a questão é considerada comumente. Mas os que o fazem não se aper-
cebem de que primeiro é necessário procurar saber que o corpo de Jesus Cristo
foi feito nosso, uma vez que foi entregue em nosso favor; e que Seu sangue foi
feito nosso, uma vez que foi derramado em nosso favor. Porque, saber e reconhe-
cer que o Seu corpo e o Seu sangue foram feitos nossos dessa maneira é possuir
plenamente Jesus Cristo crucificado e participar de todas as Suas riquezas. Ago-
ra, deixar de lado estas coisas, ou negligenciá-las, menosprezá-las, e pouco me-
nos que deixá-las soterradas, sendo elas como são de grande peso e levando a
graves conseqüências – em face disso, esta, sim, é a única questão espinhosab
que
se deve debater: como o corpo é devorado e tragado por nós.c
Todavia, a fim de que numa tão grande diversidade de opiniões a única e
segura verdade de Deus permaneça conosco, pensemos primeiramente que é de
uma realidade espiritual que trata o sacramento, pelo qual o Senhor não pretende
saciar nosso ventre, mas sim nossa alma. E nele buscamos Jesus Cristo, não para o
nosso corpo, nem também para que seja captado e compreendido pelos nossos
sentidos corporais, mas de tal maneira que a alma sinta que verdadeiramente Ele
lhe é oferecido e doado. Em suma, sintamo-nos satisfeitos em tê-lo espiritualmente.
Assim O teremos para vida, o que é receber todo o fruto que se pode receber do
sacramento. Qualquer pessoa que pensar nisto e considerá-lo bem em sua mente
entenderá facilmente que o corpo de Jesus Cristo nos é oferecido no sacramento.
[1539] Mas, para que nos desprendamos de todos os escrúpulos, com os quais
as mentes simples facilmente se vêem envolvidas e confusas em tanta diversidade
de opiniões, vamos explicar primeiro em que sentido o pão é chamado corpo de
Cristo, e o vinho, Seu sangue. Depois daremos informações sobre que comunhão
do Seu corpo e do Seu sangue o Senhor dá, na Ceiaa
, àqueles que nele crêem.
8. O descomunal erro chamado transubstanciação
Antes de tudo mais, temos que rejeitar a opinião que resultou dos sonhos dos
sofistas no tocante à transubstanciação (assim chamada por eles)b
como uma
d. Ver a introdução deste capítulo, nota a, primeira página destas notas.
a. Os católicos [romanos] e Lutero. 1536 acrescentou aqui: “Alii, quo se argutos probarent, addiderunt ad
scripturæ simplicitatem, adesse realiter ac substantialiter; alii ultra etiam progressi sunt; iisdem esse
dimensionibus, quibus in cruce pendebat; alii prodigiosam transubstantiationem excogitarunt; alii panem
ipsum esse corpus (Cf. Lutero, De captivitate babylonica (1520); concio de sacramento135
(1524), etc.); alii
sub pane esse (Erasmo); alii signum tantum et figuram corporis proponi (Zwínglio)”. Em 1539 Calvino
suprimiu essas linhas polêmicas.
b. spinosa.
c. a nobis voretur.
a. communionem nobis Christus exhibeat.
b. Acréscimo feito em 1541.
135
Lutero, Sobre o Cativeiro Babilônico [dos papas] (1520); discurso Sobre o Sacramento. NT
10 As Institutas – Edição Especial
coisa prodigiosa.c
Qualquer pessoa que tiver alguma reverência pelas palavras de
Cristo, se fixar a atenção no que é dito, que o pão que é dado na mão é o corpo que
foi entregue por nós, a fantasiad
daqueles tais longe está da propriedade das cita-
das palavras, porque eles as explicam dizendo que houve transubstanciação, acres-
centando que não significa que houve conversão de uma substância em outra,
mas que o corpo toma o lugar do pão, o qual eles imaginam que se desvanece.
Certamente o Senhor testifica que é o Seu corpo que Ele parte e dá na mão
dos Seus apóstolos. Quem não entende que com isso Ele dá uma explicação do
pão? Por isso eles não podem alegar que, pelo respeito que têm pelas palavras de
Jesus Cristo, são constrangidos a explicar o termo fazendo uso de uma glosa
estranha e contrária à letra,e
ao ponto de lhe fazer violência. Porque jamais se
ouviu em nenhuma língua do mundo que este verbo, chamado substancial ou
essencial, qual seja, o verbo ser, tenha sido tomado nesse sentido.
Além desse, há muitos outros argumentos, fáceis de refutar. Porque o con-
ceito que estamos combatendo elimina o mistério que visa representar o Senhor
em Sua Ceia. Pois, que é a Ceia, senão um atestado visível e manifesto da pro-
messa que consta no capítulo seis de João? Ali Jesus Cristo declara que Ele é o
pão da vida que desceu do céu. Logo, é necessário que o pão visível seja um sinal
ou símbolo no qual nos seja retratado o pão espiritual, se é que não queremos
destruir totalmente o fruto do sacramento e a consolação que, para suprir a nossa
fraqueza, o Senhor nos dá nessa passagem. Porque, como a purificação interior
da alma é certificada mais fortemente no coração dos crentes quando é assinalada
no Batismo pelo lavamento exterior da água, assim o pão não é de pequena im-
portância na Ceia, visando atestar o alimento espiritual que temos na carne de
Cristo. E, de fato, com que propósito o apóstolo Paulo9
inferiu que somos um
mesmo pão e um mesmo corpo, porque participamos de um mesmo pão, se ele
tivesse tido ali apenas uma falsa visãob
do pão, sendo eliminada a realidade natu-
ral? Deixo de citar muitas passagens que há na Escritura, nas quais o pão e o
vinho são apresentados como sinais do corpo e do sangue, e, não obstante, é
mantido o nome deles.
9. Astúcia viperina na defesa da transubstanciação
Fazem uso de uma cavilação frívola quando dizem que a vara de Moisés é chama-
da pelo nome de vara10
depois de convertida em serpente. Porque ainda que eu
finjac
e diga que havia bom motivo para que fosse chamada assim, pois logo ia
c. portentosa.
d. istorum commentum.
e. violenter contortam.
b. spectrum.
c. taceam.
9
1Co 11a
a. 1539 tinha, por erro: 10. 1541 corrigiu: 11.
10
Êx 7.12 e contexto.
11
voltar ao seu natural,d
há porém um motivo mais perceptível. É que o texto diz
que as varas dos magos foram devoradas pelas de Moisés. Para falar com propri-
edade era necessário empregar um mesmo nome nos dois casos.e
Agora, chamar
de serpentes as varas dos magos seria faltar com a verdade proféticaf
, porque
daria a impressão de que elas se haviam transformado verdadeiramente em ser-
pentes, quando não passavam de ilusões.g11
[1541] Portanto, foi necessário dizer que a vara de Moisés devorou todas as
outrasa
. Há semelhança nisso com as locuções que se seguem: “O pão que parti-
mos... Todas as vezes que comerdes... E perseveravam... na comunhão, no partir do
pão”.12
Além disso, a antigüidade, que eles costumam contrapor à Palavra de Deus
evidente, não os ajuda em nada a provar esse artigob
. Porque essa doutrina falsa foi
inventada há pouco tempo; ao menos antigamente era desconhecida, no tempoc
em
que a doutrina do Evangelho ainda tinha alguma pureza. O certo é que não há um só
dos antigos pais que não confesse explicitamente que os sinais da Ceia são verda-
deiro pão e verdadeiro vinho, embora às vezes lhes acrescentem diversos epítetos
ou qualificativos com o objetivo de honrar a excelênciad
do mistério.
10. O cego literalismo cega os transubstancialistas
para argumentos de peso
Aopinião daqueles que teimam em ater-se às palavras [ipsis litteris], até à última
sílaba, sem se disporem a admitir nenhuma figura,e
não tem possibilidade de
comprovação. Qualquer absurdo que citemos das suas afirmações, eles não li-
gam. E querem dar por resolvida a sua afirmação de que o pão é verdadeiramente
o corpo, contentando-se com este único argumento: que Cristo mostrou o pão
quando disse: “Isto é o meu corpo”. Ora, por mais que declarem que o respeito
que eles têm pelas palavras de Cristo os impede de aceitar toda e qualquer
interpretaçãof
de uma sentença tão clara, isso não serve de pretextog
para rejeita-
rem todos os argumentos contrários que lhes são apresentados. Se bem que eu
não acho que seja necessário ter grande quantidade de argumentos para combatê-
11
Ilusões, produto do ilusionismo dos magos (mágicos). NT.
12
1Co 10.16; 11.26; At 2.42. Nesta última citação o texto francês diz: “Eles comunicavam no partir do pão”.
Note-se de passo que “comunicar” é mais expressivo que “comungar”. NT.
d. pristinam formam.
e. Em lugar dessa frase, 1539 diz: potius quam colubro.
f. dicere noluit propheta.
g. 1539: ne videretur veram indicare conversionem, cum præstigiatores illi nihil aliud quam tenebras spectantium
oculis, falsis artibus, offudissent.
a. Frase acrescentada em 1541.
b. confirmando isto dogmate.
c. melioribus illis seculis.
d. 1539 diz: convertendam, erro, por: commendandam.
e. tropum.
f. figurate intelligere.
g. prætextus.
12 As Institutas – Edição Especial
los, visto que eles não saberiam abrir a boca sem manifestar o absurdo existente
em sua doutrina.h
O que eles dizem, que o corpo está de tal modo mesclado com o pão que
ambos se tornam substancialmente uma só coisa, não somente causa repulsa ao
juízo comum dos homens em geral, mas também é contrário à fé. Não é lícito,
porém, dizem eles, glosar ou explicar dúbia e temerariamente as coisas que estão
claramente expressas na Escritura. Quem é que nega isso? Mas, depois que tiver-
mos dado a explicação fiela
mais adiante, ver-se-á claramente que o argumento
que eles têm sempre na boca é impertinente e inoportuno, sendo impropriamente
aplicado à presente matéria.
Portanto, não é de mau alvitre que alguns, vendo a afinidade e proximidade
das realidades representadas com os seus símbolos,b
tenham concluído que o
nome da realidade propriamente dita é aqui atribuído aos seus sinais. É verdade
que é uma locução imprópria, mas não deixa de ser uma boa analogia.c
Certo é
que o sinal, quanto à essência, difere da realidade figurada, visto que esta é espi-
ritual e celeste, e aquela é corporal e visível. Entretanto, uma vez que o sinal não
simboliza apenas como uma imagem vãd
a realidade que ele representa, mas a
manifestae
verdadeiramente, por que negar-lhe a denominação? Porque, se os
símbolos humanos, que são mais figuras de coisas ausentes do que sinais e mar-
cas das presentes, e com mais freqüência nos enganam com aquilo que indicam –
se, apesar disso, eles tomam o nome destas, com maior razão os símbolos e sinais
que Deus instituiu podem tomar emprestado o título das realidades que eles re-
presentam, cuja significação eles contêm seguramente e sem falsidade, e cuja
verdade eles têm sempre junto a si.
11. Aplicação ao crente
Portanto, toda vez que você encontrar essas maneiras de falar, que o pão é o
corpo, que o partir do pão é a comunicação ou a comunhão do corpo, e outras
semelhantes, lembre-se de que é necessário reconhecer que o nome da realidade
superior e mais excelente é transferida para a realidade inferior, conforme o uso
comum da Escritura.
Deixo de lado as alegorias e as parábolas, para que ninguém diga que estou
saindo fora dos limites, buscando evasivas, sendo que esta figura é principalmen-
te utilizada no que diz respeito aos sacramentos. Porque, do contrário, não se
poderia aceitar o fato de que a Circuncisão é chamada aliança; o Cordeiro, passa-
gem; os sacrifícios mosaicos, purificações dos pecados; e de que a pedra da qual
h. dogmatis.
a. germanus sensus.
b. symbolis.
c. figurat id quidem et xataxrhsiw=j; sed non sine aptissima analogia.
d. nuda et inanis tessera.
e. exhibet.
13
jorrou água no deserto é chamada Cristo – a não ser que entendamos essa forma
de falar como um tipo de transferência. Tal é a semelhança e proximidade exis-
tente entre o sinal e a realidade significada que a dedução ou passagem de um ao
outro deles é fácil. E, como os sacramentos têm ambos grande semelhança, prin-
cipalmente a eles convém esta transferência do nome. Claro está, pois, que, assim
como o apóstolo ensina que a pedra que para os israelitas foi uma fonte espiritual
da qual beberam é Cristo,13
no sentido de que é um símbolo sob o qual a bebida
espiritual foi recebida (não visível aos olhos, mas real), assim também o pão é
hoje chamado corpo de Cristo, no sentido de que é um símbolo sob o qual o
Senhor nos oferece a verdadeira manducação14
do Seu corpo.
12. Logomaquia! A cegueira literalista quanto à presença
de Cristo na Ceia produz briga de palavras
[1536] Se algum indivíduo amolante e importunoa
se agarrar obstinadamente às
palavras da expressão, “Isto é o meu corpo”, fechando os olhos para todas as
outras razões, temos até nessa palavra de Cristo matéria para vencer tal obstina-
ção. Porque o Senhor não diz noutro sentido que o pão é Seu corpo como quando
declara que o vinho é Seu sangue. Ora, onde Mateus e Marcos narram que o
Senhor descreveu o cálice como o Seu sangue, o sangue da nova aliançab
, Paulo
e Lucas dizem que ele é a nova aliança em Seu sanguea
.15
Já eu, por outro lado,
sustento que é a aliança no corpo e no sangue. Quem quiser insistir em seu ponto
obstinadamente, grite quanto quiser que o pão é corpo e o vinho é sangue! Eu
sustentarei, ao contrário, que se trata da aliança no corpo e no sangue.
[1539] E então? Que dirá ele? Pretenderá ser mais correto ou fiel expositor
que Paulo ou Lucas, que entendem pelo sangue que a nova aliança é confirmada
no sangue?
Pois bem, agora é necessário esclarecer em que consiste essa aliança no
corpo e no sangue de Jesus Cristo. Porque, quando negamos que o pão, que se
come na Ceia, é o corpo de Cristo, não o fazemos no sentido de diminuir em nada
a comunicação do corpo nela oferecida aos crentes. Unicamente queremos ensi-
nar que é preciso distinguir a realidade representada do seu sinal, o que sabemos
muito bem que é da maior conseqüênciab
, nada desejável, e para nosso grande
prejuízo. Porque há tão grande inclinação no coração dos homens para cair na
superstição que, num instante, abandonando a verdade, eles se distraem total-
mente com o sinal, a não ser que sejam repelidos alto e bom som. Pelo que se vê
13
1Co 10.4
14
Ato de comer. Francês: manducation. NT.
15
Mt 26.28; Mc 14.24; Lc 22.20; 1Co 11.25. NT
a. si quis morosulus.
b. vocare poculum suum sanguinem novi testamenti.
a. Instrução de 1537: “O Senhor nos propicia a verdadeira comunicação do Seu corpo”.
b. plurimi referre.
14 As Institutas – Edição Especial
quanto cuidado devemos ter com dois erros. Um é que, extraindo coisas demais
dos sinais, separemo-los dos mistérios aos quais de alguma forma estão unidos, e,
em conseqüência, se rebaixa a sua eficácia. O outro é que, engrandecendo-os
exageradamente, obscureçamos o seu poder interior.16
13. Entenda-se bem o sentido da relação entre os sinais
e a presença de Cristo na Ceia
Não há ninguém, a não ser alguém que viva totalmente sem religião, que não
confesse que Cristo é o pão da vida, com o qual os crentes são alimentados para
salvação eterna. Mas uma coisa não está resolvida entre todos: Como se deve
participar. Há quem defina com uma palavra que comer a carne de Cristo e beber
Seu sangue não é outra coisa senão crer nele. Mas me parece que Cristo mesmo
quis expressar algo mais altoa
nessa notável pregação,17
na qual nos recomenda a
manducação do Seu corpo. É que somos vivificados pela verdadeira participação
que Ele nos dá em Si, o que nos é dado a entender pelas palavras beber e comer,
para que ninguém pensasse que o que Ele disse consiste tão-somente em simples
conhecimento. Assim como alimentar-se do pão, não apenas olhar para ele, dá
nutrição ao corpo, assim também é necessário que a alma seja feita verdadeira-
mente participante de Cristo, para ter sustento para a vida eterna. Entretanto,
confessamos que essa manducação se faz unicamente pela fé, não se podendo
imaginar nenhumb
outro meio.
Mas a nossa divergência com os que fazem a exposição que eu impugno é
que comer é crer, e nada mais; eu digo que crendo comemos a carne de Cristo, e
que esta manducação é fruto da fé. Ou, se se quer maior clareza, para os que
crêem a manducação é a própria fé; digo melhor, ela provém da fé. A diferença
nas palavras é pequena, mas a verdade é grande. Pois, embora o apóstolo ensine
que Jesus Cristo habita em nosso coração pela fé, ninguém vai interpretar que
essa habitação é a própria fé. Todos sabemos que ele quis exprimir e nos comuni-
car um singular benefício da fé, visto que por ela os crentes recebem a certeza de
que Cristo habita neles.
Dessa maneira, o Senhor, descrevendo-se como o pão da vida, não somente
quis mostrar que a nossa salvação se firma na confiança em Sua morte e ressur-
reição, mas também que, pela verdadeira comunicação ou comunhão que temos
com Ele, Sua vida se transfere para nós e é feita nossa; do mesmo modo que o
pão, quando comido para alimentar-nos, dá vigor ao corpo.
16
“O poder e o uso dos sacramentos são corretamente subentendidos quando conectamos o sinal com aquilo
que está implícito nele, de tal forma que o sinal não é algo vazio e ineficaz, e quando, querendo enaltecer o
sinal, não despojamos o Espírito Santo do que lhe pertence. (...) Se porventura não fizermos nem quisermos
fazer do santo batismo um ato nulo e vazio, devemos provar sua eficácia através da novidade de vida.”
[J. Calvino, As Pastorais, São Paulo, Paracletos, 1998, (Tt 3.5), p. 350]. NE
17
Jo 6, versículos 22 em diante. NT
a. expressius ac sublimius.
b. 1541 tem, por erro: nul. 1539: nulla.
15
14. Sobre a relação entre comer o pão e a fé, de advogado
Agostinho vira promotor
Agostinho, que os nossos oponentes trazem como seu advogado, não escreveu
noutro sentido que comemos o corpo de Cristo crendo nele senão para demons-
trar que esta manducação vem da fé. Coisa que não nego, mas acrescento que
recebemos Cristo, não como se mostrando de longe, mas se doando e se comuni-
cando a nós.
Também não é satisfatório o que dizem aqueles que, depois de confessarem
que temos alguma comunicação com o corpo de Cristo, quando a querem de-
monstrar fazem-nos participantes somente do Seu Espírito, deixando para trás
toda a lembrança da carne e do sangue. Como se fossem nulas estas coisas ditas
na Escritura: que a carne de Cristo é comida e Seu sangue é bebida; que “se não
comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tendes
vida em vós mesmos”;18
e outras sentenças semelhantes.
15. Calvino exprime embevecida exaltação do mistério subjacente à
comunhão na Ceia, antes da apresentação do resumo
do seu ensino respeito
Portanto, sendo notório que a comunicação, que constitui o ponto em questão,
vai além do que eles dizem, tratemos de resolver isso com poucas palavras, até
onde vá o alcance destas. Se é que, todavia, é lícito abranger com palavras um tão
grande mistério, mistério que eu percebo muito bem que não consigo compreen-
der com o meu espírito. Isso confesso de boa vontade, a fim de que ninguém
meça a grandeza do mistério por minhas palavras, as quais são tão fracas que
sucumbem, totalmente vencidas. Mas, por outro lado, admoesto os leitores a que
não se mantenham entre marcos e limites tão estreitos, mas que subama
a pontos
mais altos, além daqueles aos quais eu os possa conduzir. Porque eu mesmo,
sempre que trato dessa matéria, depois de esforçar-me para dizer tudo que posso,
vejo quanto me falta para alcançar a excelência. E por maior que seja o entendi-
mento, por mais capacidade que se tenha de pensar e de avaliar, e por melhor que
a língua se exprima, não obstante, tudo isso é sobrepujado e humilhado por tal
grandiosidade. Assim, não me resta outra coisa se não prostrar-me em admiração
ante esse mistério; mistério tal que, para pensar nele adequadamente o entendi-
mento não é suficiente, como também a língua é incapaz de o explicar.19
Todavia,
18
Jo 6.53. NT
19
“... mistério que, na verdade, não vejo possa eu suficientemente compreender com a mente, e de bom grado
por isso o confesso, para que não lhe meça alguém a sublimidade pela medidazinha de minha pobreza de
expressão. (...) Portanto, nada resta, afinal, senão que prorrompa eu em admiração desse mistério ao qual
nem pode estar em condições de pensá-lo claramente o intelecto, nem de explicá-lo a língua.” (J. Calvino,
As Institutas, IV.17.7). NE
a. 1541 tem, por erro: montrer. 1539: assurgere.
16 As Institutas – Edição Especial
vou apresentar um resumo da minha doutrina, a qual não tenho dúvida de que é
verdadeira, e também espero que seja aprovada por todos os corações sinceros e
tementes a Deus.
16. Resumo do ensino de Calvino sobre a comunhão
do corpo e do sangue na Ceia
Em primeiro lugar,a
a Escritura nos ensina que Cristo é, desde o princípio, a
Palavra vivificante de Deus, a fonte e origem da vida, de quem todas as coisas
recebem poder para subsistir. Por isso o apóstolo João às vezes Lhe chama “Pala-
vra da vida” e às vezes declara que “a vida sempre esteve nele”,20
querendo dizer
que Ele constantemente derrama Sua energia sobre todas as criaturas para comu-
nicar-lhes vida e vigor. Contudo, ele acrescenta, logo após a primeira passagem
acima citada, que a vida se manifestou quando o Filho, tendo assumido a nossa
carne, deixou-se ver e ser tocado. Porque, apesar de anteriormente haver derra-
mado seus poderes sobre as criaturas, visto que o homem, alienado de Deus pelo
pecado, perdeu o contato e a comunicação da vida e por todos os lados se vê
assediado pela morte, tem ele necessidade de ser novamente recebido à comu-
nhão desta Palavra, para recuperar alguma esperança da imortalidade. Pois, como
haverá algo que esperar, se não entendermos que a Palavra de Deus contém em si
a plenitude da vida e ficarmos distanciados dela, não vendo ao nosso redor nada
mais que a morte? Mas, desde que esta “fonte de vida”21
começou a habitar em
nossa carne, já não se mantém oculta e longe de nós, mas jorra à nossa presença,
e dela podemos alegres desfrutar.
Eis como Jesus Cristo aproximou de nós a bênção da vida, da qual Ele é a
fonte. Além disso, a carne que Ele por nós vestiu e assumiu, tornou-a vivificante,
a fim de que, pela participação dela, sejamos alimentados para a imortalidade.a
Disse Ele: “Eu sou o pão vivo22
que desceu do céu”.23
E logo a seguir: “O pão que
eu darei pela vida do mundo é a minha carne”. Nessas palavras Ele demonstra
que Ele é a vida, no sentido de que Ele é a Palavra de Deus eterna, que desceu do
céu até nós. Mas também que, descendo, Ele derramou Seu poder na carne de que
se revestiu, a fim de que a comunicação chegasse a nós. Seguem-se daí estas
declarações: Que a Sua carne é verdadeira comida e o Seu sangue é verdadeira
20
1Jo 1.1 [NVI]; Jo 1.4 [tradução direta].
21
Pv 13.14; Ap 21.6
22
No original francês: “pão da vida”. NT
23
Jo 6.51
a. Calvino vai desenvolver uma fórmula de 1536 cuja tradução não se encontra em nenhum texto de 1541:
“Dicimus vere et efficaciter [corpus] exhiberi, non autem naturaliter. Quo scilicet significamus non substantiam
ipsam corporis, seu verum et naturale corpus illic dari, sed omnia quæ in suo corpore nobis beneficia Christus
præstitit”.136
136
“Dizemos que [o corpo] é oferecido verdadeira e eficazmente, não porém naturalmente. É evidente que com
isso não queremos dizer que é dada a substância do corpo propriamente dita, o seu verdadeiro corpo natural,
mas sim todos os benefícios que em Seu corpo Cristo nos fez.” NT
a. Instrução de 1537: “Nos torna seguros da imortalidade da nossa carne”.
17
bebida, e que ambos constituem a substância necessária para nutrir os crentes
com a vida eterna. Temos, pois, nessa verdade a singular consolação de encontrar
a vida em nossa própria carne. Porque dessa maneira não somente nós chegamos
a ela, mas ela mesma se adianta e vem apresentar-se a nós. Basta que abramos o
nosso coração para recebê-la, e a obteremos.
Agora, conquanto a carne de Cristo não tenha tanto poder de si mesma que
nos possa vivificar, visto que em sua primeira condição ela foi sujeita à
mortalidadeb
e, sendo feitac
imortal, recebe força de outrem, todavia, com razão
se declara que ela é vivificante, porque está cheia de perfeição de vida para trans-
ferir para nós a comunhão. E nesse sentido se deve entender o que diz o Senhor,
que, assim como “o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter
vida em si mesmo”24
. Porque nessa passagem Ele não fala das propriedades que
Ele possui eternamente em Sua divindade, mas das que Lhe foram dadas na car-
ne, na qual se nos manifestou. Pelo que Ele demonstra que de fato a plenitude da
vida habita em Sua humanidade, de tal modo que aquele que participar da Sua
carne e do Seu sangue desfrutará da Sua vida.
Podemos explicar melhor este ponto fazendo uso de um exemplo familiar.
É como a água de um bom reservatório, que fornece água suficiente para beber,
para irrigar e para outros fins, e, contudo, tal abundância não se deve ao reserva-
tório mas à fonte da qual jorra permanentemente a água que o enche e não o deixa
secar-se. Assim também a carne de Cristo é como um reservatório, no sentido de
que ela recebe a vida que jorra da natureza divina de Cristo e no-la transfere.
Quem não vê, então, que a comunhão do corpo e do sangue de Cristo é
necessária a todos os que aspiram à vida celestial?Aisso visam todas estas decla-
rações do apóstolo: Que a igreja “é o seu corpo [de Cristo], a [sua] plenitude”;
que Ele é a cabeça,25
“de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo
auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu
próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor”26
, coisas que só se
realizam graças à Sua união conosco, como Seu corpo, e pelo Espírito. O apósto-
lo, mediante grandioso testemunho, esclarece ainda mais em que consiste esta
associação, pela qual somos unidos à Sua carne. Diz ele que “somos membros do
seu corpo”,27
parte dos Seus ossos e da Sua carne.28
E, finalmente, para assinalar
b. 1541 tem, por erro: IMortalité. 1539: mortalitati.
c. nunc immortalitate prædita.
24
Jo 5.26
25
Quando “cabeça” se refere à chefia, que Cristo exerce sobre todas as coisas, a igreja inclusive, diga-se “o
Cabeça”; quando se refere à união orgânica e vital com a igreja, diga-se “a Cabeça”. Em 1991, durante os
trabalhos de tradução da NVI, propus à Comissão de Tradução que fosse seguido esse critério, o que foi
feito. Um exemplo é Efésios 4.15, que em várias tiragens da primeira edição da ARA vinha “o Cabeça”,
corrigindo-se a partir de 1993. NT
26
Ef 1.22,23 e 4.15,16
27
Ef 5.30
28
A Versão Autorizada inglesa traduz assim o citado versículo 30: “Pois nós somos membros do seu corpo, da
sua carne e dos seus ossos”. NT
18 As Institutas – Edição Especial
que essa realidade sobrepuja todas as palavras, logo a seguir ele conclui a expo-
sição deste seu propósito exclamando: “Grande é este mistério”! Seria, pois, ex-
trema loucura não reconhecer nenhuma comunhão na carne e no sangue do Se-
nhor, fato que o apóstolo Paulo declara que é tão grandioso que ele prefere admi-
rar a explicar com palavras.
17. Presença real, sim; corpórea e palpável, não. Nada de imitar
os mestres sobornistas e outros!
Todavia, não devemos imaginar essa realidade nos termos sonhados pelos sofistas,a
como se o corpo de Cristo baixasse à Mesa e ali se expusesse em presença local,29
para ser tocado com as mãos, mastigado com os dentes e engolido pela goela.
Porque, assim como não duvidamos que Ele não é limitado pelas medidas própri-
as da natureza humana e que o céu, que O recebeu, O retém até quando Ele voltar
para o Juízo, assim também consideramos coisa ilícita fazê-lo baixar para estar
entre as coisas corruptíveis, ou imaginar que Ele está plenamente presenteb
[car-
ne e ossos inclusive]. E de fato isso já não é necessário para que tenhamos a
participação, visto que o Senhor Jesus nos estende esta bênção por Seu Espírito,
fazendo-nos um com Ele em corpo, Espírito e alma. Portanto, o laço desta junção
é o Espírito Santo, pelo qual somos rejuntados e unidos; é como um canal ou
conduto pelo qual tudo o que Cristo é e possui desce até nós.30
Ora, se vemos com
os nossos próprios olhos que o Sol, brilhando sobre a Terra, de alguma forma
envia por seus raios a sua substância para gerar, nutrir e produzir os frutos dela,
por que o fulgor e a irradiação do Espírito de Jesus Cristo seriam menos capazes
de nos fazer chegar a comunicação da Sua carne e do Seu sangue? Por isso a
Escritura, falando da participação que temos de Cristo, reduz toda a virtude e
poder dessa participação ao Seu Espírito. E só basta citar uma passagem, que
representa bem todas as demais. Em Romanos, capítulo 8, versículos 10 e 11, o
apóstolo Paulo declara que Cristo habita em nós por Seu Espírito, e de nenhum
outro modo. Todavia, ao dizer isso ele não destrói esta comunhão do Seu corpo e
do Seu sangue, que constitui o ponto em questão agora, mas demonstra que o
Espírito é o único meio pelo qual temos Cristo e O temos habitando em nós. Tal
comunhão do Seu corpo e do Seu sangue testifica o Senhor na Ceia. E deveras O
oferece e dá a todos os que recebem esta refeição espiritual.a
Entretanto, tenha-se
em conta que só os que nele crêem é que realmente participam, sendo que por
29
Isto é, ocupando lugar, preenchendo espaço. NT
30
Crysost. Sermon De spiritu sancto.
a. in scholis crassiores sophistæ (os sorbonistass e outros).
b. Cf. Occam, Centilogium theol., 25, 28: “Corpus Christi potest137
esse ubique, sicut Deus est ubique”, Lutero
falava assim da ubiqüidade do corpo de Cristo. Calvino já em 1536 escrevia: “Hæc est perpetua corporis
veritas, ut loco contineatur, ut suis dimensionibus constet”.
a. spirituale epulum.
137
Não “postest”, como está no texto original das notas. NT
19
uma fé verdadeira eles se tornam dignos de ter o gozo de tal bênção. Por essa
razão diz o apóstolo: “O pão que partimos é a comunhão do corpo de Cristo”, e o
cálice que santificamos pelas palavras do Evangelho e pelas orações é “a comu-
nhão do seu sangue”.31
18. Objeção de que se trata de metonímia, e resposta
Não há necessidade de que alguém objete que a declaração apostólica citada é
locução figurada, na qual o nome da coisa representada é atribuído ao símbolo.
Digo isso porque, se alegarem que é coisa notória que a porção do pão não passa
de um sinal exterior da substância espiritual, embora lhes concedamos que expli-
quem dessa forma as palavras de Paulo, todavia, do fato de que o sinal nos é dado
poderemos inferir que a substância significada também nos é entregue real e
verdadeiramente. Porquanto, quem não quiser chamar Deus de mentiroso não se
atreverá a dizer que Ele nos oferece um sinal vão e vazio da Sua verdade. Assim,
o Senhor nos apresenta a real participação do Seu corpo representada pelo partir
do pão; e não há nenhuma dúvida de que ele no-lo dá ao mesmo tempo. E de fato
os crentes devem ater-se inteiramente a esta norma: Toda vez que vejam os sinais
ordenados por Deus, concebam igualmente como certo e veraz que a realidade
representada ali está junto deles, e tenham disso plena convicção. Porquanto,
com que propósito o Senhor daria na mãoa
o sinal ou o símbolo do Seu corpo,
senão para tornar certa e segura a real convicção dessa verdade? Ora, se é certo
que o sinal visível nos é dado para selar em nós a dádiva da realidade invisível,
devemos confiar sem nenhuma dúvida que, tomando o sinal do corpo, recebemos
igualmente o corpo.
Como, porém, muitos são os que, não se restringindo a admitir alguma par-
ticipação do corpo e do sangue de Jesus Cristo, antes insistem que essa participa-
ção consiste na presença local do corpo e do sangue no sentido físico e concreto
e inventam tolos devaneios em defesa dessa idéia, devemos desmascarar esse
erro, sem necessidade de estender-nos muito.
19. Argumentos adicionais sobre a presença do corpo
e do sangue de Cristo na Eucaristia
19.1 – O corpo ressurreto continua sendo corpo real
[1536] Assim como Jesus Cristo se revestiu de nossa verdadeira carne e a assu-
miu quando nasceu da virgem Maria,32
e assim como Ele sofreu em nossa verda-
deira carne, assim também, quando ressuscitou, recebeu e reassumiu a verdadei-
ra carne e, em Sua ascensão, transportou-a para o céu. Porque esta é a nossa
esperança, que ressuscitaremos e iremos para o céu, visto que Jesus Cristo res-
31
1Co 10.16 [tradução direta].
32
1Co 15
a. in manum tibi.
20 As Institutas – Edição Especial
suscitou e para lá subiu. Pois, veja-se bem, quão insegura e frágil seria esta espe-
rança, se a nossa verdadeira carne não tivesse de fato ressuscitado em Jesus Cris-
to e não tivesse entrado no reino dos céus! E esta é a perfeita verdade sobre um
corpo: Limita-se a um lugar, ficando dentro de certo espaço; tem determinadas
medidas; e tem forma visível.
Bem sei o que cavilam alguns cabeçudos,b
querendo defender obstinada-
mente o erro no qual uma vez caíram. Dizem eles que a medida do corpo de
Cristo nunca foi outra que não a medida da extensão ampla e total do céu e da
terra. E acrescentam que o fato de que Ele nasceu como bebê, cresceu,a
foi pen-
durado numa cruz, foi encerrado num sepulcro, tudo isso se fez por uma certa
dispensação, para que Ele pudesse nascer, morrer e desincumbir-se de todas as
demais obras humanas. E quanto aos seguintes fatos: que, após a Sua ressurrei-
ção, Ele apareceu em Sua costumeira forma corpórea; foi recebido no céu visi-
velmente; e, finalmente, após a Sua ascensão, foi visto por Estêvão e pelo apósto-
lo Paulo33
– tudo isso também se fez pela mesma dispensação, a fim de que ficas-
se claro para todos os homens que Ele foi constituído Rei e como Rei foi estabe-
lecido no céu.
19.2 – Os oponentes trazem Marcion de volta
Que é isso, senão trazer Marcionb
de volta do inferno? Quem iria duvidar que o
corpo de Cristo era fantasmagórico, se fosse dessa condição? Eles alegam que
isso foi dito pelo próprio Senhor Jesus Cristo, quando declarou:34
“Ninguém su-
biu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do homem, que está no
céu”. Mas, será que eles são tão rudes e tapados de entendimento que não perce-
bem que tais palavras foram ditas para expressar uma comunicação de
propriedades?!c
É como o que vemos dito pelo apóstolo Paulo35
– que o Senhor
da glória foi crucificado, não que tenha padecido segundo a Sua divindade, mas
que, sendo humilhado e desprezado, sofreu na cruz, e, não obstante, também é
Deus, o Senhor da glória. De igual modo, o Filho do homem está no céu porque
Ele, sendo o mesmo Cristo que segundo a carne é filho do homem na terra, é
também Deus no céu. Por essa razão, na mesma passagem se afirma que Ele
desceu do céu segundo a Sua divindade, não no sentido de que a divindade dei-
xasse o céu para vir ocultar-se na prisão do corpo, mas no sentido de que, apesar
33
At 7.55,56; 9.3-5; 1Co 15.8
34
Jo 3.13
35
1Co 2.8
b. cervicosi.
a. creverit.
b. Marcion. Heresiarca do século II, gnóstico.
Provavelmente Calvino conheceu sua doutrina por meio dos cinco livros que contra ele escreveu
Tertuliano. (Uma edição dessas obras tinha sido publicada em Basiléia em 1521.)
c. idiomatum.
21
de encher todas as coisas, ela habita na humanidade de Cristo corporalmente, isto
é, natural e verdadeiramente,a36
e de maneira incompreensível.37
Outros fazem uso de uma evasiva um pouco mais sutil e dizem que o corpo
que está presente no sacramento é glorioso e imortal. E, portanto, não é impró-
prio que esteja em muitos lugares e que esteja contido no sacramento sem ocupar
lugar ou espaço e sem ter nenhuma forma.b
Mas eu lhes pergunto: Que foi que o Senhor deu aos Seus discípulos no dia
anterior ao da Sua paixão e morte? Suas palavras não significam que foi o corpo
mortal que logo depois seria entregue? Mas eles dizem: Antes disso Ele já havia
manifestado a Sua glória aos três discípulos no Monte Tabor.38
É verdade. Contu-
do, por aquela claridade luminosa Cristo lhes concedeu por breves momentos
que gozassem um pouco da Sua imortalidade. Mas, quando, em Sua última Ceia,
Ele lhes repartiu Seu corpo, bem próxima estava a hora na qual Ele seria ferido de
Deus,39
humilhado, abatido e desfigurado como se fosse um ladrão;c
bom seria
que Ele se dispusesse a mostrar a Sua glória! E que enorme janela se abriria aqui
para Marcion, se o corpo de Jesus num lugar fosse visto como mortal e despreza-
36
Cl 2.9.
37
No Catecismo de Heidelberg (1563), temos as questões:
35. Que Significa “Foi concebido por obra do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria?”
“Que o eterno Filho de Deus, que é e permanece verdadeiro e eterno Deus, tomou sobre si a nossa
verdadeira humanidade, da carne e do sangue da virgem Maria, pela operação do Espírito santo, de modo
que fosse também a verdadeira semente de Davi, em tudo igual a seus semelhantes, exceto no pecado.”
48. Não ficam assim, as duas naturezas de Cristo separadas uma da outra, se a humanidade não se
encontra onde está a divindade?.
“De modo nenhum; pois, se a divindade é incompreensível e está presente em toda parte. Segue-se
que ela está, na verdade, além dos limites da humanidade que ela assumiu, e, contudo, sempre se encontra
também naquela humanidade, e permanece pessoalmente unida a ela.”
Aqui também, podemos ver a questão do “extra calvinisticum”; expressão criada pelos teólogos
luteranos no século XVII, para se referirem à insistência dos Reformados em afirmar que a Segunda Pessoa
da Trindade não esteve limitada à natureza humana do Cristo encarnado. Sobre este ponto – mesmo sem
desenvolver o assunto –, Calvino havia dito: “.... Se bem que a infinita essência do Verbo se uniu com a
natureza de um homem em uma pessoa única, no entanto, nenhum confinamento imaginamos. Ora, de
modo maravilhoso, do céu desceu o Filho de Deus, assim que, entretanto, não deixasse o céu; de modo
maravilhoso, quis sofrer a gestação no útero da Virgem, andar pela terra e pender na cruz, para que, sempre
enchesse o mundo, assim como de início.” (As Institutas, II.13.4). Os luteranos que divergiam deste pensa-
mento, expresso no Catecismo de Heidelberg, criaram as expressões: “totum intra carnem” e “numquam
extra carnem” (“Totalmente na carne e nunca fora da carne”). Todavia, nem entre os luteranos houve
unidade de pensamento. NE
38
Mt 17.1-8
39
Is 53.4
a. 1539 tem somente: naturaliter, et ineffabili quodam modo.
b. Opinião professada notadamente por Gasp. Schwenckfeld, cujo primeiro escrito sobre a Santa Ceia data de
1525; em luta com Lutero; banido da Silésia em 1528; refugiado em Estrasburgo. Capito o acolheu, mas
Bucer se opôs a ele. Depois do sínodo de 1533, Schwenckfeld deixou Estrasburgo, voltou para lá, e partiu
definitivamente em 1535. A lembrança dele era ainda recente, quando da chegada de Calvino. Em 1534 ele
tinha publicado (mas em alemão) uma nova edição do seu livro sobre o sacramento. Calvino, em 1556, na
Secunda defensio fidei de sacramentis contra Westphalum,138
trata da doutrina de Schwenckfeld chaman-
do-a de “insânia”, e acrescenta: “Sedulo incubuimus ad oppugnandos Suinckfeldii errores”.
138
Segunda Defesa da Fé quanto ao Sacramento, contra [o encontro de] Westfália. NT
c. 1541 tem, por erro: lardre. 1536: leprosus sine decore jaceret.
22 As Institutas – Edição Especial
do, e noutro posasse como imortal e glorioso! Mas eu passo por altod
esse tremen-
do absurdo.
Com relação ao corpo glorioso, que só me respondam: Será que todavia é
um corpo? “Sim”, dizem eles; e acrescentam: “mas sem lugar restrito, estando
em muitos lugares, sem forma e sem medida”.e
Ora, isso é chamá-lo de espírito,
não por palavra mas por um circunlóquio.f
Ou negamos totalmente a ressurreição
da carne, ou confessamos que, quando ela tiver ressuscitado, continuará sendo
carne. E esta difere do espírito nisto: que é limitada pelo espaço; que é visível; e
que se pode tocar.
19.3 – Nosso corpo ressurreto será como o corpo glorioso do Senhor
[1539] Porque, a quem eles irão persuadir, rogo aos leitores que me digam, de
que o nosso corpo haverá de ser infinito, depois de recebido na glória e na imor-
talidade celestial? Ora, o apóstolo testifica que o nosso corpo será transformado
e será semelhante ao corpo glorioso do Senhor.40
E os tais opositores não atribu-
em ao corpo glorioso de Cristo qualidades segundo as quais ele está em muitos
lugares e não é limitado por nenhum espaço, visto que não querem atribuir essas
qualidades ao nosso corpo glorioso – o que seria um erro que, penso eu, ninguém
aceitaria. [1536] E de nada lhes serve a objeção que às vezes fazem citando o fato
de que Jesus Cristo entrou onde estavam os Seus discípulos, estando trancadas as
portas.41
A verdade é que Ele o fez milagrosamente, porque não arrombou as
portas, nem esperou que alguém as abrisse, mas, por Seu poder, contra todo e
qualquer obstáculo, Ele se fez presente no recinto. Para completar, tendo entrado,
provou para os Seus discípulos a realidade física do Seu corpo, mostrando que
podia ser visto e tocado. Cortem isso dele, e não será mais corpo.
19.4 – Não negamos o poder de Deus; exaltamos Sua vontade soberana
Aqui, para fazer com que sejamos odiosos, eles nos censuram dizendo que fala-
mos pobremente do poder de Deus, o Todo-poderoso. Mas, ou eles forçam tola-
mente as coisas, ou mentem por má fé. Porque, neste caso, não é questão do que
Deus pode, mas do que Ele quer. E cremos e declaramos tudo o que Lhe aprouve
fazer. Ora, a Ele aprouve que Jesus Cristo fosse feito semelhante a Seus irmãos
em todas as coisas, menos no pecado. E o nosso corpo, que é? Não é de tal sorte
que tem suas medidas certas, ocupa um lugar e por este é limitado, é palpável e
pode ser visto? “E por que”, replicam eles, “Deus não faria que um mesmo corpo
40
Fp 3.21. “Assim como Ele ressuscitou no mesmo corpo no qual tinha padecido e o qual, todavia, teve depois
outra glória, diferente da de antes, assim também nós ressuscitaremos com o mesmo corpo que agora temos,
e, contudo, seremos diferentes depois da ressurreição”. [João Calvino, As Institutas, (1541), II.4]. NE
41
Jo 20.19,20.
d. conniveo.
e. 1536 e 1539: a;topon, polu,topon, a,schmaa,tiston, a;metron.
f. periphrasi.
23
ocupasse vários lugares diferentes, não fosse limitado por nenhum lugar ou espa-
ço definido, e que fosse sem forma alguma e sem medida alguma?”Ah insensato!
Vê42
o que estás querendo do poder de Deus: que faça com que um corpo seja ao
mesmo tempo corpo e não corpo! Como se pedisses que faça com que a luz seja
ao mesmo tempo luz e trevas. Mas, Deus, em Seu poder, quer que a luz seja luz;
as trevas, trevas; um corpo, corpo. Mas quando pedes que a luz e as trevas não
sejam diferentes, que queres tu, senão perverter a ordem estabelecida pela sabe-
doria de Deus? É, pois, necessário que o corpo seja corpo e o espírito, espírito,
cada qual segundo a lei e a condição criadas por Deus. E a condição do corpo é
que ele subsiste num determinado lugar, com suas próprias e determinadas medi-
das, e em sua forma.
19.5 – Sobre a ascensão
Nessa condição Jesus Cristo assumiu corpo, no qual certamente infundiu
incorrupção e glória, sem contudo eliminar a sua natureza e a sua realidade pró-
pria de corpo. Porque o testemunho da Escritura é claro e evidente, como quando
declara: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o
vistes subir”.43
Pois não é que aqueles oponentes obstinados recuam, mas para
dizer que, embora Ele venha em forma visível, entretanto permanece conosco
invisivelmente. Mas o Senhor testificou que possuía carne e ossos que podiam
ser tocados e vistos. E quanto a mover-se e subir, não é mera figura, mas significa
a realização verdadeira daquilo que as palavras dizem.a
[1539] Mas alguém perguntará se devemos atribuir a Cristo alguma região
do céu. A isso respondo com Agostinho,44
dizendo que essa pergunta é muito
supérflua e reflete pura curiosidade. Se cremos que Ele está no céu, é o bastante.
19.6 – Há distinção entre o corpo e o sangue e a respectiva comunicação
de bênção
Agora, se alguém quiser ligar ao pão e ao vinho o corpo e o sangue do Senhor,
digo que é necessário separar um do outro. Porque, assim como o pão é distribu-
ído separadamente do cálice, assim também é necessário que o corpo, estando
unido ao pão, seja separado do sangue, que estará encerrado no cálice. Como,
pois, eles afirmam que o corpo está no pão e que o sangue está no cálice, e sendo
que o pão e o vinho são separados um do outro, os tais, por mais que queiram
enganar-nos com suas tergiversações, não poderão escapar do fato de que o san-
gue, na separação determinada pelas palavras do Senhor, é distintob
do corpo. O
que eles costumam afirmar, que o sangue está no corpo e que, igualmente, o
42
Para ênfase, mantenho aqui o tratamento da segunda pessoa do singular, como no original francês. NT
43
At 1.11
44
Lib. De fide et symbolo, cap. VI.
a. sonant.
b. secernendum.
24 As Institutas – Edição Especial
corpo está dentro do sangue, é alegação frívola e vã, visto que os sinais que os
encerram foram distinguidos pelo Senhor. De resto, se dirigirmos nossos olhos e
nossa reflexão ao céu e nos deixarmos levar para, no sacramento, buscar Cristo
na glória do Seu reino,45
seremos separadamente refeitos e renovados pela carne,
sob o sinal do pão, e nutridos e fortalecidos por Seu sangue, sob o sinal do vinho,
para termos pleno gozo dele.
[1536] Porque, conquanto Ele tenha levado de nós Sua carne e Seu sangue,
subindo ao céu, todavia Ele está assentado à destra do Pai. Quer dizer que Ele
reina com o poder, a majestade e a glória do Pai.46
Este reino não é limitado por
nenhum espaço ou lugar, e não é determinado por quaisquer medidas; que Jesus
Cristo mostra o Seu poder onde quer que Lhe agrade fazê-lo, no céu e na terra;
que Ele se manifesta presente por Seu poder; e que Ele dá constante assistência
aos Seus, vive neles, sustenta-os, confirma-os, dá-lhes vigor, e não os atende
menos do que se estivesse corporalmente presente. Em sumaa
, Ele nos nutre com
Seu próprio corpo, cuja participação Ele propicia aos Seus mediante o poder do
Seu Espírito.
[1536] Essab
é a presença requerida pelo sacramento, presença que dize-
mos que existe e que se manifesta com tão grande poder e eficácia que, não
somente inspira à nossa alma uma indubitável confiança na vida eterna,47
mas
também nos torna seguros da imortalidade da nossa carne, a qual já vem a ser
vivificada pela carne de Jesus Cristo imortal, e de algum modo compartilha Sua
imortalidade.d
Os que vão além disto não fazem outra coisa senão obscurecer a
verdade plena e simples.
[1539] Se alguém ainda estiver descontente, venha considerar um pouco jun-
to comigo o que aqui estamos sustentando a propósito do sacramento, do qual tudo
deve ser reportado à fé.e
Ora, com esta participação do corpo, a que aludimos, não
alimentamos a fé menos que aqueles que pensam em tirar Jesus Cristo do céu.
45
Cl 3.1-3.
46
“Por sua ascensão ao céu, Cristo tomou posse do domínio que lhe fora dado pelo Pai, para que ordenasse e
governasse todas as coisas pelo exercício de seu poder.” [João Calvino, Efésios, São Paulo, Paracletos,
1988, (Ef 4.10), p. 118]. “Por sua ascensão ao céu, a glória de sua divindade foi ainda mais ilustrativamente
exibida, e ainda que não mais esteja presente conosco na carne, nossas almas recebem nutrição espiritual de
seu corpo e sangue, e descobrimos, não obstante a distância de lugar, que sua carne é real comida, e seu
sangue, verdadeira bebida.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol. II, (Sl
68.18), p. 661-662]. NE
47
Irenæus, lib. IV, c. XXXIVc
.
c. Essa citação de 1539 não se encontra em 1536, e não mais se acha na margem de 1541.
a. Essa frase substitui um desenvolvimento de 1536 (secundum hanc rationem etc.), que precede outros pará-
grafos, os quais, em 1539, são transferidos mais para cima.
b. 1536: Ea est etc. 1539: Ea, inquam, est.
d. Essas últimas linhas encontram-se quase textualmente na Instrução de 1537.
e. Uma frase que segue em 1536 o texto acima traduzido (si quis morosulus etc.), acima já se acha traduzida
um pouco diferentemente (p. , n. a).
25
19.7 – Aplicação da norma da fé
[1536] Notem também que a norma da fé, pela qual o apóstolo48
manda pautar
toda interpretação da Escritura,f
nos beneficia extraordinariamente neste ponto,
sem nenhuma dúvida. Ao contrário, os que contradizem uma verdade tão mani-
festa, vejam bem a que regra ou prumoa
pretendem ater-se. Porquanto “quem não
confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus”.49
E esse tipo de gente,
embora o disfarce, despoja Cristo da realidade da Sua carne.c
19.8 – O correto entendimento deste assunto afasta-nos da adoração carnal
dos elementos
A maneira de entender o assunto por nós proposta também facilmente nos afasta-
rá da adoração carnal que alguns, com perversa temeridade, impuseram ao
sacramento.d
Fizeram-no por sua própria conta, e dizem: “Se o corpo está ali,
também, por conseguinte, a alma e a divindade ali estão com o corpo; porque não
podem ser separados nem divididos. Portanto, Jesus Cristo deve ser adorado ali”.
Eis aí os belos frutos que o nosso entendimento produz quando tomamos a liber-
dade de abstrair-nos e desviar-nos da Palavra de Deus, seguindo os sonhos e
devaneios do nosso cérebro! Mas se os forjadores desses argumentos tivessem
humildemente mantido subordinadas à Palavra de Deus todas as reflexões da sua
mente e do seu sentir, certamente teriam dado ouvidos ao que ela diz: “Tomai,
comei, bebei”, e teriam obedecido ao mandamento pelo qual Deus ordena que o
sacramento seja tomado, não adorado. Por isso, aqueles que o tomam sem adorá-
lo, como foi ordenado pelo Senhor, são certificados de que não se desviam do
mandamento de Deus. Tal certeza é a melhor consolação que nos poderia advir ao
empreendermos ou começarmos qualquer coisa. Eles contam com o exemplo dos
apóstolos, sobre os quais não lemos que tenham adorado genuflexos o sacramen-
to; o que lemos é que tomaram e comeram estando assentados.e
Eles contam
também com o uso e costume da igreja apostólica, a cujo respeito a narrativa do
evangelista Lucas informa que a participação dela na comunhão não era em ado-
ração, mas no partir do pão.50
Eles contam igualmente com a doutrina apostólica
com a qual o apóstolo Paulo instruiu a igreja dos coríntios, após haver declarado
que tinha recebido do Senhor o que lhes ensinou.51
48
Rm 12.3.
49
1Jo 4.2,3b
[tradução direta].
f. 1536: scripturæ interpretationem ad fidei analogiam exigere jubet Paulus. 1539: analogiam ad quam omnem
scripturæ interpretationem exigere jubet Paulus.
a. amussim.
c. 1536: Tu, licet dissimules, eum carnis suæ veritate spolias. 1539: Isti, licet dissimulent, eum, etc., spoliant.
d. A bula do papa Urbano IV (1264): Transiturus de hoc, prescreve a adoração da hóstia.
Farel, no capítulo XIX da sua Declaração Sumária, não insiste; e só constata: “O pão é elevado e
adorado como Deus”.
e. discumbentes.
b. 1536: I Joan. 4. 1539: Nenhuma citação. 1541 (por erro): I Jean 3.
26 As Institutas – Edição Especial
19.9 – Adoração fundada em conjeturas, não na Palavra de Deus
Mas os que adoram o sacramento fundam-se sobre suas próprias conjeturas e
sabe-se lá quais argumentos inventados por eles mesmos, e não podem citar a seu
favor nem uma só sílaba da Palavra de Deus. Porque, quem que tenha mente
sóbria e sadia irá persuadir-se do que eles querem nos impingir com as palavras
corpo e sangue, a saber, que o corpo de Cristo é Cristo? Por certo lhes parece que
o que apregoam são deduções dos seus silogismos, que julgam válidos. Mas, se
suceder que a consciência deles for agitada por forte tentação ou prova, num
instante os seus silogismos os deixarão espantados, perdidos e confusos, ao se
verem destituídos da Palavra de Deus, firme e segura, unicamente pela qual a
nossa alma subsiste quando chamada a prestar contas à razão, e sem a qual a todo
momento a alma tropeça e cai arruinada. Isso tudo sucederá com esses mestres,
quando virem que a doutrina e os exemplos dos apóstolos os contradizem, e quando
se derem conta de que são eles próprios os autores das suas fantasias.a
Junto com
esses ataques movidos contra eles, sobrevirão muitos outros aguilhões e remor-
sos de consciência.
E então? Será coisa sem nenhuma conseqüência adorar a Deus dessa forma,
sendo que não é ordenada por Deus? Havemos de apressar-nos a fazer algo a
favor do que não pode citar nenhuma palavra, quando se trata do serviço e da
glória que se deve prestar a Deus? Ademais, note-se que a Escritura nos explica
diligentemente a ascensão de Jesus Cristo, pela qual Ele retirou da nossa vista a
presença do Seu corpo, para nos vetar todo pensamento carnal sobre Ele.52
Note-
se mais que toda vez que a Escritura faz menção de Jesus Cristo, ela nos admoes-
ta a que elevemos o nosso espírito e O busquemos no céu, onde Ele está assenta-
do à destra do Pai.53
Por tudo isso devemos adorá-lo espiritualmente na glória dos
céus, em vez de inventar essa perigosa forma de adoração que nos enche de idéias
torpes e carnais a respeito de Deus e de Jesus Cristo. Por essa razão, os que
inventaram a adoração do sacramento imaginaram isso fora e acima da Escritura,
na qual não se pode mostrar nem uma só palavra a seu favor, a qual, caso existis-
se, não haveria como esquecer, se isso fosse agradável a Deus.
Portanto, eles menosprezaram a Palavra de Deus, que tanto proíbe acres-
centar algo à Sua Escritura como eliminar alguma coisa dela;54
e, fabricando um
deus a seu bel-prazer e segundo a sua vontade, abandonaram o Deus vivo, porque
adoram os dons, e não ao Doador. Nisso erraram duplamente, pois arrebataram
50
At 2.42
51
1Co 11.23
52
“Ao termos em mente a ascensão, não devemos confinar nossa visão ao corpo de Cristo, mas nossa atenção
é direcionada para o resultado e fruto dela, ao sujeitar ele céu e terra ao seu governo.” [João Calvino, O
Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol. II, (Sl 68.18), p. 660-661]. NE
53
Cl 3.1-4.
54
Dt 12.32.
a. solos sibi autores.
27
de Deus a honra para transferi-la à criatura. E Deus foi desonrado também no
sentido de que corromperam e profanaram o Seu dom com o seu benefício quan-
do do Seu santo sacramento fizeram um ídolo execrável. Nós, ao contrário, para
não cairmos na mesma cova, fixamosa
inteiramente o ouvido, os olhos, o coração,
o pensamento e a língua na sacratíssima doutrina de Deus, porque ela é a escola
do Espírito Santo, ótimo Mestre. A tal ponto se tem proveito em Sua escola que
não há necessidade de acrescentar nada que venha de outros, e se deve ignorar
tudo o que não é ensinado nela.55
19.10 – Em memória da morte do Senhor, até que Ele venha
Até aqui vimos como o sacramento que estamos analisando serve à nossa fé pe-
rante Deus. Ora, visto que o Senhor no sacramento nos traz à memória grande
amplitude da Sua bondade, como acima declaramos, e nos exorta a reconhecê-la,
igualmente nos admoesta a que não sejamos ingratos a tão ampla e franca benig-
nidade, mas sim que a engrandeçamos com louvores que Lhe sejam aceitáveis e a
rememoremos e a celebremos com ação de graças.a
Por isso, quando o Senhor
comunicou aos Seus apóstolos a instituição deste sacramento, ordenou-lhes que
fosse celebrado em Sua memória. Isso o apóstolo interpreta em termos de “anun-
ciar a morte do Senhor”.56
Noutras palavras, é confessarmos todos juntos e a uma
só voz que toda a nossa confiança para a vida e a salvação está na morte do
Senhor, a fim de que, com a nossa confissão, O glorifiquemos, e, com o nosso
exemplo, exortemos os demais a Lhe darem a mesma glória. Aqui vemos mais
uma vez qual é o objetivo do sacramento, qual seja, celebrá-lo em memória da
morte de Jesus Cristo. Porque, o fato de que nos é ordenado que anunciemos a
morte do Senhor até que Ele venha para juízo não é outra coisa senão que decla-
a. figamus.
a. Cf. Instrução de 1537: Não sejamos ingratos a uma tão manifesta benignidade, mas, antes, exaltemo-la com
louvores próprios e com ações de graças.
55
“A função peculiar do Espírito Santo consiste em gravar a Lei de Deus em nossos corações.” [João Calvino,
O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 40.8), p. 228.] É o Espírito Quem nos ensina através das Escrituras
[J. Calvino, As Institutas, I.9.3]; esta é “a escola do Espírito Santo” [J. Calvino, As Institutas, III.21.3], que
é a “escola de Cristo” [João Calvino, Efésios, (Ef 4.17), p. 133], “escola do Senhor” [João Calvino, Expo-
sição de 1 Coríntios, (1Co 1.17), p. 55; (1Co 3.3), p. 100]; e, o Espírito é o “Mestre” [João Calvino,
Exposição de Romanos, (Rm 1.16), p. 58]; “o melhor mestre” [João Calvino, As Institutas, IV.17.36.]; é o
“Mestre interior” [João Calvino, As Institutas, III.1.4; III.2.34; IV.14.9]. “O Espírito de Deus, de quem
emana o ensino do evangelho, é o único genuíno intérprete para no-lo tornar acessível.” [João Calvino,
Exposição de 1 Coríntios, (1Co 2.14), p. 93]. “.... é Ele que nos ilumina com a Sua luz para nos fazer
entender as grandezas da bondade de Deus, que em Jesus Cristo possuímos. Tão importante é o Seu minis-
tério que com justiça podemos dizer que Ele é a chave com a qual são abertos para nós os tesouros do reino
celestial, e que a Sua iluminação são os olhos do nosso entendimento, que nos habilitam a contemplar os
mencionados tesouros. Por essa causa Ele é agora chamado Penhor e Selo, visto que sela em nosso coração
a certeza das promessas. Como também agora Ele é chamado mestre da verdade, autor da luz, fonte de
sabedoria, conhecimento e discernimento”. [João Calvino, As Institutas, (1541), II.4] Portanto, “Se porventura
desejamos lograr algum progresso na escola do Senhor, devemos antes renunciar nosso próprio entendimen-
to e nossa própria vontade.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.3), p. 100]. NE
56
1Co 11.26. Tradução direta.
28 As Institutas – Edição Especial
remos, mediante confissão feita por nossos lábios, o que a nossa fé reconhece no
sacramento: que a morte de Jesus Cristo é a nossa vida. Temos aí o segundo uso
deste sacramento no que se refere à confissão exterior.
19.11 – A Ceia nos exorta ao amor, à paz e à união
Em terceiro lugar, é da vontade do Senhor que o sacramento da Ceia nos sirva de
exortação em tal medida que supere tudo mais no sentido de incitar-nos e infla-
mar-nos com maior veemência ao amor, à paz e à união.b
Porque por ele o Senhor
nos comunica o Seu corpo, e, assim, Ele se faz inteiramente um conosco, e nos
faz um com Ele. Pois bem, visto como só se trata de um corpo e não mais, do qual
Ele a todos nos faz participantes, deve suceder necessariamente que, por essa
participação sejamos feitos, todos nós juntos, um só corpo, sendo que essa unida-
de nos é representada pelo pão que nos é oferecido como sacramento. Pois, assim
como o pão é feito de muitos grãos de trigoa
e estes são de tal maneira misturados
e fundidos que não se pode distinguir grão de grãob
nem separar uns dos outros,
de igual modo devemos também estar juntos e unidos de bom grado e de tal
maneira que não haja entre nós nenhuma disputac
e nenhuma divisão. Essa verda-
de prefiro explicar com estas palavras do apóstolo Paulo: “O cálice da bênção
que abençoamos é a comunhão do sangue de Cristo. E o pão que partimos é a
comunhão do corpo de Cristo”.57
Somos, então, um mesmo corpo, todos nós que
participamos de um mesmo pão.
19.12 – Haverá proveito real da Ceia, se houverunião e comunhão com Cristo,
de coração e na prática
Teremos muito bom proveito deste sacramento, se o seguinte conhecimento for
gravado e impresso em nosso coração: que nenhum dos nossos irmãos pode ser
difamado, escarnecido ou ofendido de algum modo, para que não ocorra que,
com o nosso irmão, firamos, difamemos, tratemos com escárnio, menosprezemos
ou ofendamos Jesus Cristo; que não podemos ter discórdia nem separação entre
nossos irmãos sem discordar e ser separados de Jesus Cristo; que não podemos
amar Jesus Cristo se não amamos os nossos irmãos; que a mesma solicitude e o
mesmo desvelo que temos no trato do nosso corpo tenhamos com os nossos ir-
mãos, que são membros do nosso corpo; que, assim como nenhuma parte do
nosso corpo pode sofrer alguma dor sem que essa dor seja sentida em todas as
outras partes, assim também não devemos permitir que o nosso irmão seja afligi-
57
1Co 10.16. Tradução direta.
b. Já no início do capítulo XIX da sua Declaração Sumária, Farel escrevia: “A santa mesa visa levar-nos a
entender que somos um”; a Instrução de 1537 diz: “Que nos enlacemos mutuamente por uma unidade tal
que seja como a que faz que os membros do corpo, ligados entre si, formem um todo estreitamente unido”.
a. b. Essa imagem encontra-se na Didaquê dos doze apóstolos, IX, 4.
c. dissidii.
29
do por algum mal de que não participemos igualmente pela compaixão58
. Não é,
pois, sem razão que muitas vezes Agostinho chamou este sacramento de laço de
amor.59
Porquanto, que aguilhão poderia ser mais áspero e mais provocante para
nos incitar a termos mútuo amor entre nós do que o fato de que Jesus Cristo, dando-
se a nós, não somente nos convida a praticá-lo e nos mostra por Seu exemplo que
nos demos e nos sujeitemosa
uns aos outros, mas também que, uma vez que Ele se
fez comum a todos, também faz que realmente sejamos todos um nele?b
Mas, assim como vemos que este sacro pão da Ceia do Senhor é uma vianda
espiritual suave e saborosa para aqueles aos quais ele dá reconhecerem que Jesus
Cristo é sua vida e para os quais ele é uma exortação ao amor mútuo entre os
irmãos, assim também, por outro lado, é veneno mortal para aqueles dos quais na
participação do sacramento não é demonstrada fé e os quais não são incitados ao
louvor e ao amor.
[1539] Porque, como acontece com uma vianda física ou material quando
esta encontra o estômago ocupado por humores ou líquidos nocivos, que ela se
corrompe e faz mais mal que bem, da mesma forma esta vianda espiritual, se
acaso cair numa alma poluída pela malícia e pela maldade, irá precipitar-se a
maior ruína. Não por defeito do alimento espiritual, mas porque não há pureza
naqueles que estão maculados pela infidelidade, não sendo santificadosc
pela
bênção de Deus.
[1536] Assim é porque, como diz o apóstolo Paulo, “aquele que comer o
pão ou beber o cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do
Senhor... pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para
si”.60
Observe-se que nessa passagem não discernir o corpo e o sangue do Senhor
e tomá-losa
indignamente é a mesma coisa. Pois esse tipo de gente, na qual não há
nenhuma centelha de fé, gente vazia de qualquer sentimento de amor, e que se
intrometeb
grosseiramente61
para participar da Ceia do Senhor, não discernec
o
corpo do Senhor. Porquanto, uma vez que tais pessoas não crêem que o corpo é
sua vida, desonram-no, e, quanto lhes é possível, despojam-no totalmente da sua
dignidade. Assim, tomando-o nessas condições, o profanam e o maculam. E, vis-
58
Ter compaixão, etimologicamente, “sofrer com”, “sentir com”. Refere-se à empatia que deve ser real entre os
irmãos em Cristo. NT
59
In Joh. Tractat. 26, 13 (Migne 35, 1615), etc.
60
1Co 11.27,29
61
Literalmente: “como porcos”. NT
a. devoreamus ac tradamus.
b. Instrução de 1537: “Nenhum aguilhão poderia ser mais áspero nem mais ferino para nos comover e para incitar
entre nós o amor mútuo, do que quando Cristo, dando-se a nós, não nos convida só por Seu exemplo a que nos
demos e nos sujeitemos uns aos outros, mas muito mais pelo fato de que, assim como Ele se fez comum a nós
[um só conosco], assim também nos faz todos um nele” (texto mais próximo do latim de 1536).
c. 1539: sanctificatum. 1541 tem, por erro, sanctifiez.
a. accipere.
b. proripiunt.
c. discernit. 1541 tem, por erro: discernans.
30 As Institutas – Edição Especial
to que discordam dos seus irmãos e a eles não se unemd
, atrevem-se a misturar o
sagrado símbolo e sinal do corpo de Jesus Cristo com as suas divergências e
discórdias, e pouco lhes importa que o corpo de Jesus Cristo seja dividido e
despedaçado membro a membro. Portanto, não é sem razão que eles são réus do
corpo e do sangue do Senhor, que com horrível impiedade eles corrompem de
maneira tão vil. Assim, por essa manducação indigna, eles recebem a merecida
condenação. Porque, visto que eles não têm fé eme
Jesus Cristo, todavia, pelo
recebimento da Ceia declaramf
que não têm salvação em nenhum outro senão em
Jesus Cristo, e que renunciam a toda e qualquer confiança que não seja nele. Com
isso eles se acusam a si mesmos, dão testemunho contra si mesmos e assinam a
sua própria sentença de condenação. Acrescente-se a tudo isso o fato de que,
estando por ódio ou malevolência separados e distanciados dos seus irmãos, quer
dizer, dos membros de Jesus Cristo, contudo testificam que a única salvação está
em ter comunicação ou comunhão com Jesus Cristo e estar unido a Ele.62
Note-se de passo que a passagem em apreço muitas vezes é inutilmente
citada como contrária, alegando-se que ela prova a presença local ou física do
corpo no sacramento. Reconheço e declaro que nela o apóstolo Paulo fala do
corpo real e verdadeiro de Jesus Cristo; mas bem se pode ver em que sentido o
diz. Daí, não há necessidade de distrair-nos respondendo a essa objeção.
Pela razão dita acima, o apóstolo Paulo ordena que o homem se examine a
si mesmo antes de comer do pão e beber do cálice. Porque, como eu o interpreto,
ele quer que cada um pense em si e consigo mesmo para verificar: se, com confi-
ança de coração ele aceita Jesus Cristo como o seu Salvador e a viva voz declara
que O reconhece como tal; se, a exemplo de Jesus Cristo, está pronto a dar-se a
seus irmãos e a viver em comum com aqueles com os quais ele vê que Jesus tem
comunhão; se, assim como reconhece Jesus Cristo, tem igualmente todos os seus
irmãos como membros do Seu corpo; e se deseja e está disposto a consolá-los,
cuidar deles e ajudá-los como seus próprios membros.
Não significa que pretendemos que estes deveres de fé e amor podem ser
perfeitos em nós no tempo presente; significa, porém, que devemos esforçar-nos,
e demonstrar empenhadamente nosso desejo e nossos votos, no sentido de que a
62
“Portanto ‘comer indignamente’ é desonrar o uso puro e legítimo pelo nosso próprio abuso. Esta é a razão por
que há vários graus de indignidade, por assim dizer; e alguns pecam muito mais gravemente, enquanto que
outros o fazem só levemente. Nenhum fornicador, perjuro, ébrio ou impostor, sem indício de penitência,
pode forçar o caminho. Visto que indiferença deste nível produz a caracterização de um cruel insulto a
Cristo, não há dúvida de que alguém que recebe a Ceia assim, recebe sua própria destruição. Outros se
chegam, e não se acham sob o domínio de algum erro óbvio e perceptível, no entanto não estão preparados
em seu coração como o deveriam. Visto que esta displicência ou indiferença é sinal de irreverência, também
merece a punição de Deus. Por isso, visto que há vários graus de ‘comer indignamente’, o Senhor inflige
punições mais leves em alguns, e mais severas em outros.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co
11.27), p. 361]. NE
d. alienati ac dissidentes.
e. repositam.
f. profitentur.
31
nossa fé incipiente seja cada vez mais aumentada e fortalecida cada dia, e de que
o nosso débil amor e a nosso fraco sentimento de caridade ganhem força e vigor.
19.13 – Não há por que atormentar os crentes sobre a questão da participação
digna ou indigna
Alguns, querendo preparar os homens para a digna participação do sacramento,
têm afligido e atormentado cruelmente as pobres consciências, sem todavia lhes
ensinarem nada do que é necessário ensinar. Dizem eles que para comer digna-
mente a Ceia é preciso estar em estado de graça. E interpretam que estar em
estado de graça é estar purificado de todo pecado.
Por esse ensino, todos os homens que estiveram e estão na terra seriam
excluídos do uso deste sacramento. Porque, se é questão de considerarmos a nos-
sa dignidade em nós, significa que esta é feita por nós! Isso só nos pode causar
ruína e confusão. Ainda que nos empenhemos com todas as nossas forças, nada
conseguiremos, senão que acabaremos sendo mais indignos ainda, isso quando a
duras penas lograrmos encontrar alguma dignidade em nós.
Para tentar curar esse mal, inventaram um meio de adquirir dignidade. É o
seguinte: Havendo nós examinado devidamente a nossa consciência, expurga-
mos a nossa indignidade pela contrição, pela confissão e pela satisfação.a63
Disse-
mos acima,b
no lugar mais apropriado para tratamento deste assunto, de que ma-
neira se dá esse expurgo ou purificação. No que se refere ao presente propósito,
digo que esses remédios e consolos são por demais pobres e frívolos para as
consciências perturbadas, abatidas, aflitas e aterradas pelo horror do seu pecado.
Porque,seoSenhor,paraSuadefesa,nãoadmiteàparticipaçãodaSuaCeianinguémc
que não seja justo e inocente, é necessária não pequena segurança para tornar al-
guém certo de que possui a justiça que ouviu dizer que Deus exige. E como se
poderá confirmar a segurança de que aqueles que se julgam em dia com Deus
fizeram o que está em seu poder fazer? E ainda quando isso fosse possível, quando
será que alguém se atreverá a garantir que fez tudo o que pôde? Dessa maneira,
sendo que não nos é oferecida nenhuma segurança certa e clara da nossa dignidade,
continuará para sempre fechada e trancada a porta de entrada para o recebimento
do sacramento por aquela proibição horrível que importa em que comem e bebem
juízo para si aqueles que comem e bebem indignamente do sacramento.64
63
Ação pela qual se repara uma ofensa ou um pecado. “Satisfação sacramental”, preces ou práticas impostas
pelo confessor ao penitente. NT
64
“Chegamos, porém, à seguinte pergunta: Quando Paulo nos intima a um auto-exame, qual seria a natureza
disto? A conclusão dos papistas é que isto consiste em confissão auricular. Ordenam a todos os que estão
para receber a Ceia a examinarem suas vidas cuidadosa e minuciosamente, a fim de que aliviem-se de todos
os seus pecados aos ouvidos de um sacerdote. Eis o seu método de preparação! Mas, quanto a mim, defendo
a. Em sua Declaração Sumária reeditada em 1534, Farel também fala em confissão, contrição (cap. XXIX) e
satisfação (XXXI).
b. Cap. V (t. II, p. 171 da presente edição.139
1536 tinha, porém: posthac.
139
Na presente tradução brasileira, Vol. II, Capítulo V, logo na primeira página. NT
c. neminem.
32 As Institutas – Edição Especial
19.14 – Demonstração dessa doutrina infeliz e indicação do seu autor
Agora fica fácil julgard
que doutrina é essa, e qual é o seu autor – essa doutrina
que despoja os pobres pecadores de toda a consolação deste sacramento, no qual
nos são oferecidos todos os dulçores do Evangelho. Certamente o Diabo, para ser
o mais breve possível, não conhece melhor meio de pôr a perder os homens do
que enganá-los e bestificá-losa
dessa forma, para que não sintam o gosto e o sabor
do alimento com o qual o bondoso Pai celestial os quer saciar. Portanto, para não
tropeçarmos nessa confusão e não cairmos nesse abismo, saibamos que estas
santas viandas são remédio para as nossas moléstias, consolo e fortaleza para os
pecadores e digna esmola para os pobres; e que de nada serviriam para os sãos,b
para os justos e para os ricos, se é que se pode encontrar alguns destes. Porque,
visto que nelas Jesus Cristo nos é dado como alimento, entendemos muito bem
que sem Ele desfaleceremos e seremos reduzidos a nada.
Ademais, uma vez que Ele nos é dado para termos vida, entendemos muito
bem que sem Ele estamos mortos em nós mesmos – totalmente sem vida. Porque
nisto consiste a única dignidade, verdadeiramente excelente, que podemos apre-
sentar a Deus – que Lhe ofereçamos a nossa vileza e indignidade, a fim de que,
por Sua misericórdia, Ele nos torne dignos de Si; que estejamos confusos e des-
concertados em nós e conosco, a fim de encontrarmos consolo nele; que nos
humilhemos, a fim de que nele sejamos exaltados; que nos acusemos a nós mes-
mos, a fim de que nele sejamos justificados; que estejamos e nos reconheçamos
mortos, a fim de que nele sejamos vivificados.Além disso, é necessário que dese-
jemos e busquemos a unidade que em Sua Ceia o Senhor nos recomenda. E como
Ele faz com que todos nós sejamos um nele, que aspiremos a que haja em todos
nós um mesmo querer, um mesmo coração e um mesmo linguajar.
a tese de que o santo exame de que Paulo está falando está muito longe de ser tortura. Tais pessoas acreditam
que ficam limpas depois de torturar suas consciências por algumas poucas horas e então permitem que o
sacerdote entre em seus recessos secretos e descubra suas infâmias. O que Paulo requer aqui é outro gênero
de exame, aquele exame que corresponde ao uso apropriado da Santa Ceia.
“Eu tenho um método de preparação mais eficaz ou mais fácil a apresentar-lhe, a saber: se o leitor
deseja extrair os benefícios próprios deste dom de Cristo, então cultive em seu coração fé e arrependimento.
Daí, para que o leito se apresente bem preparado, o exame precisa estar baseado nestes dois elementos. No
arrependimento incluo o amor, pois é indubitável que a pessoa que aprendeu a negar-se a fim de dovotar-se
a Cristo e ao seu serviço, também se entregará de corpo e alma à promoção da unidade que Cristo nos
recomendou. Aliás, o que se exige não é fé perfeita ou arrependimento perfeito. Isto é enfatizado por causa
de algumas pessoas, pois ao insistirem demais por uma perfeição que não pode ser encontrada em parte
alguma, outra coisa não fazem senão pôr barreira entre cada homem e cada mulher e a Ceia para sempre.
Mas se o leitor é sério em sua intenção em aspirar a justiça de Deus, e se, humilhando-se ante a consciência
de sua própria miséria, você recorre à graça de Cristo, e descansa nela, esteja certo de que é um convidado
digno de aproximar-se desta Mesa. Ao afirmar que você é digno, estou dizendo que o Senhor não o deixa
fora, ainda que em outros aspectos você não esteja como deveria. Porque a fé, ainda que imperfeita, transfor-
ma o indigno em digno.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 11.28), p. 363-364]. NE
d. 1536: iudicare. 1539 (por erro): indicare.
a. 1536 tem somente: infatuando.
b. 1536, 1539 e 1560: sanis. 1541 tem, por erro: Sainctz.
33
Se tivéssemos pensado e considerado essas coisas, jamais seríamos pertur-
bados por estas cogitações: Como pode ser que, estando nós desprovidos e des-
nudos de todo bem, estando maculados e contaminados por manchas e pecados,
estando semimortos, podemos alimentar-nos dignamente do corpo do Senhor?
Muito melhor será pensar que vimos pobres a um bondoso doador de esmolas;
doentes, ao médico; pecadores, ao Salvador, e que a dignidade exigida por Deus
consiste primária e principalmente na fé, a qual atribui tudo a Deus e em Deus
tudo coloca, e nada em nós. Em segundo lugar, no amor, que é suficiente apresen-
tar mesmo imperfeito a Deus, para que Ele o aumente e o melhore, visto que não
podemos oferecê-lo perfeito.a
Alguns outros,b
concordando conosco em que a dignidade consiste na fé e
no amor, todavia erram muito quanto à medida dessa dignidade, e requerem uma
perfeição de fé à qual ninguém pode se ajustar inteiramente, e um amor igual ao
que o Senhor Jesus Cristo tem por nós. Mas, justamente com isso eles, não menos
que os acima citados, impedem todos os homens de participarem desta santa
Ceia. Porque, se a opinião deles tivesse lugar, ninguém participaria da Ceia senão
indignamente, pois que absolutamente todos seriam tidosc
como culpados e como
réus convictos da sua imperfeição. E por certo é uma grande ignorância, para não
dizer asnice, exigir essa perfeição para participação no sacramento – pois a perfei-
ção do homem tornaria o sacramento vão e supérfluo. Porque ele não foi instituído
para os perfeitos, mas para os insegurosd
e fracos, a fim de despertar, estimular,
incitar e exercitar para melhor as suas deficiências, tanto na fé como no amor.
20. Freqüência da ministração da Ceia
O que vimos até aqui sobre este sacramento mostra amplamente que não foi ins-
tituído para que fosse ministrado uma vez por ano, e isso na forma de uma pres-
tação de contas ou de satisfação, como atualmente é costume público e notório.
Mas foi instituído para estar em uso freqüente, devendo ser ministrado com mui-
ta freqüência a todos os cristãos, para trazer muitas vezes à sua lembrança a
paixão de Jesus Cristo; para que, por essa recordação e rememoração, sua fé seja
mantida e fortalecida e eles sejam incitados e exortados a proclamar louvores ao
Senhor e a magnificar e publicar a Sua bondade; para que, finalmente, se nutra e
se mantenha caridoso amor entre eles; e ainda para que testifiquem sua fé e seu
amor uns aos outros, demonstrando a sua coesão na unidade do corpo de Jesus
Cristo. Porque toda vez que comungamos recebendo o sinal do corpo do Senhor,
obrigamo-nos reciprocamente uns aos outros, como que tendo firmado documen-
to legala
, a todos os serviços e ofícios do amor, de modo que nenhum de nós
a. 1536, em lugar dessa última frase, tinha somente: quam præstamus.
b. Os anabatistas.
c. tenerentur.
d. infirmis.
a. velut data et accepta tessera.
Calvino sobre a Ceia do Senhor
Calvino sobre a Ceia do Senhor
Calvino sobre a Ceia do Senhor
Calvino sobre a Ceia do Senhor
Calvino sobre a Ceia do Senhor
Calvino sobre a Ceia do Senhor
Calvino sobre a Ceia do Senhor
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  • 1. JOÃO CALVINO AS INSTITUTAS Volume 4 Edição especial para estudo e pesquisa
  • 2. Institution de la Religion Chrestienne – As Institutas ou Instituição da Religião Cristã Da edição original francesa de 1541 – Conforme publicação feita pela Société les Belles Letres, Paris, 1936, com a colaboração da Société du Musée historique de la Réformation. 1ª edição em português 2002 – 3.000 exemplares TRADUÇÃO e LEITURA DE PROVAS Odayr Olivetti REVISÃO e NOTAS DE ESTUDO E PESQUISA Hermisten Maia Pereira da Costa NOTAS TEOLÓGICAS e FILOSÓFICAS As notas teológicas e filosóficas do presente volume, assinaladas com a seqüência de letras (a, b, c...), foram preparadas por M. Max Dominicé. FORMATAÇÃO Rissato CAPA Publicação autorizada pelo Conselho Editorial: Cláudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, Aproniano Wilson de Macedo, Fernando Hamilton Costa, Mauro Meister, Ricardo Agreste e Sebastião Bueno Olinto Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio A. Batista Marra
  • 3. AS INSTITUTAS CAPÍTULO XII SOBRE A CEIA DO SENHORa 1. Propósito da instituição da Ceia [1536] O outro sacramento instituído pelo Senhor e por Ele dado à igreja cristã é o pão santificado pelo corpo do Senhor Jesus Cristo e o vinho santificado pelo Seu sangue, como os antigos costumavam falar. E nós lhe chamamos Ceia do Senhor, ou Eucaristia, porque por ele somos alimentados e fortalecidos espiritu- almente pela benignidade do Senhor, e, de nossa parte, Lhe rendemos graças por Sua bênção. a. Em vista da importância dos debates sobre este assunto desde as origens da Reforma, uma introdução mais extensa é necessária aqui. Lutero, em 1519, publicou um discurso (traduzido para o latim em 1524) sobre o santíssimo sacramento do corpo de Cristo: o sacramento não é mais a missa, a doutrina da transubstanciação; é a comunhão das almas com Jesus Cristo em Seus sofrimentos e em Sua glória, um dom de Deus que reclama essencialmente a fé por parte do comungante (idéia central que encontramos no presente capítulo). Em 1521, o papa promulgou a bula De cæna Domini, e Lutero escreveu Sobre o Abuso da Missa; em 1529, ele tratou da Santa Ceia em seus dois catecismos. Em 1530, a Confissão de Augsburgo dizia sobre a Ceia: “O corpo e o sangue do Cristo estão verdadeiramente presentes nela e são realmente ministrados sob as espécies do pão e do vinho”. O pensamento dos teólogos franceses se expressa diferentemente. Assim, Farel, em 1525, em sua Declaração Sumária, capítulo XIX, Sobre a Missa, dizia: “Claro está que ela foi introduzida em lugar da santa mesa do Senhor... A santa mesa deve ser entendida no sentido de que somos um e que, portanto, não se deve impedir uns aos outros... Eles tomam e comem de um mesmo pão e bebem de um mesmo cálice, esperando a triunfal e maravilhosa vinda de Jesus Cristo tal como Ele subiu ao céu”. Em 1529, a Suma Cristã, de Fr. Lambert d’Avignon, dedicando o capítulo XLVIII à Mesa do Senhor, dizia: “Na santa mesa do Senhor celebram-se a memória e as ações de graças por Sua preciosa morte e por todas as bênçãos que por ela recebemos. E também a renovação do necessário testamento da graça divina e da remissão dos nossos pecados, testamento confirmado por Sua morte. “E cremos que nessa santa mesa recebemos Seu verdadeiro corpo e Seu verdadeiro sangue, se bem que não entendemos a Sua presença supersticiosamente e que não queremos ir mais longe na discussão disso, crendo simplesmente na veracidade da Sua digna Palavra.
  • 4. 4 As Institutas – Edição Especial “Confessamos também que esta celebração seja, do sacrifício salvífico oferecido uma vez na cruz por nós, o santo e digno memorial ordenado por nosso Salvador. “Todavia, de maneira nenhuma nos dispomos a confessar que nesta bendita Ceia haja um novo sacri- fício, porque isso não está de acordo com a Escritura Sagrada. “E visto que o Senhor ordenou que os crentes comunguem desta mesa sob o pão e o vinho, queremos obedecer a essa ordenança, reconhecendo que é necessário fazê-lo. “E não queremos conservar no armário este sacramento, nem levá-lo pelas ruas, pois vemos que o Senhor não mandou fazer isso. “Além do que acima foi dito, quando recebemos este santo sacramento, com esta participação testificamos que estamos em harmonia com os outros fiéis membros de Jesus Cristo, participando de um espírito e por ele vivendo num corpo místico. E que aquele que nessa fé o recebe e o faz dignamente tem a sua salvação; do contrário, recebe juízo e condenação, como se vê em 1 Coríntios 10 e 11, Mateus 26, Marcos 14 e Lucas 22.” O reformador Zwínglio apresentava a Santa Ceia como um simples repasto comemorativo. O coló- quio129 de Marburgo, em 1529, foi da maior importância sobre essa questão; Lutero, Melanchton, Bucer e Zwínglio participaram dele. Um dos artigos finalmente redigidos dizia: “Se bem que não chegamos a um acordo sobre a questão se o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue do Cristo estão corporalmente presentes no pão e no vinho, devemos, contudo, pôr em prática uns para com os outros o amor cristão, quanto permita a consciência de cada um” (outubro de 1529). Calvino, quando ainda estudava em Bourges, ficou sabendo do referido colóquio pelo Pr. Wolmar,130 que acabava de chegar; o eco das discussões lá travadas o inquietou. Foi depois dessa data que ele começou a escrever sobre temas teológicos (Contra as calúnias de Westfália, em seus Opúsculos, 1566, p. 1503). Antoine Marcourt, em sua Declaração131 da Missa e em seu Livro dos Mercadores (1534) dedica muitas páginas a críticas à missa. Atualmente se diz que ele foi o autor dos letreiros afixados em Paris, até na porta da câmara do rei, em outubro de 1534. Seguiram-se a eles muitos suplícios que confirmaram em Calvino seu desejo de compor as Institutas e, mais tarde, de dedicá-las ao rei Francisco I. Em dezembro de 1534, Farel publicou uma nova edição da Sumária e Breve Declaração, cujo capítu- lo XIX foi dedicado à missa (é mais criticada a cerimônia externa do que exposto o sentido dogmático do sacramento nela presente). Para justificar as novas formas do culto público instituídas em Estrasburgo, Bucer tinha publicado em 1524 Grund und Ursach aus götlicher Schrifft der neüwerungen an dem Nachtmal,132 etc. Calvino não tinha podido ler essa obra por não saber alemão, mas Wolmar o tinha informado sobre aqueles fatos. Em 1525, traduzindo a Postille133 de Lutero, Bucer tinha exposto sua própria conceituação da Santa Ceia. A missa foi abolida em Estrasburgo em 20 de fevereiro de 1529. Em 1530, em Augsburgo, Bucer redigiu a confissão de fé que viria a chamar-se Tetrapolitana: “Cristo verdadeiramente dá seu verdadeiro corpo e sangue a comer e a beber para nutrição da alma”, concepção adotada por Calvino, (contra o simbolismo zwingliano e a consubstanciação luterana). Conforme as prescrições publicadas em Estrasburgo em 1534, após o primeiro sínodo, de junho de 1533, a Santa Ceia deveria ser celebrada ao menos uma vez por mês em cada igreja, com um rodízio para assegurar a celebração todo domingo ao menos numa igreja. Em Estrasburgo Calvino teve conhecimento, pelo próprio Bucer, das idéias desenvolvidas por ele em sua Exposição do Evangelho Segundo Mateus, publicado em alemão em 1536, em francês em 1540. Após a discussão dos novos “erros”, ele diz (p. 570): “Sendo o pão somente sinal sacramental pelo qual o Senhor comunica o dom invisível, é recebido pela fé”. Retocando o que dissera em 1536, em 1540 Bucer se expres- sa nestes termos: “O pão e o vinho são os santos sinais. O corpo e o sangue do Senhor, com a nova aliança, são as substâncias134 do sacramento e os verdadeiros dons”. Na mesma ocasião, após as conversas de ambos, Calvino deu ao capítulo Sobre a Ceia a forma que tem no presente volume. 129 Conferência, convenção. NT 130 O professor Melchior Wolmar († 1561) era um luterano declarado. Ele, que foi também professor de Théodore de Beza (1519-1605) foi de fundamental importância no ensino de grego a Calvino. Mais tarde, Calvino lhe dedicaria o seu comentário de Segundo Coríntios (01/08/1546), onde diz que Wolmar, era “o mais distingui- do dos mestres [de grego]”. (J. Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo, Paracletos, 1995, Dedicató- ria, p. 8). NE 131 Deve-se entender “declaração” aí mais no sentido de desmascaramento. NT 132 “Base e razões bíblicas dos novos conceitos aplicados à Ceia.” NT 133 “Réplicas”. NT 134 Sua subsistência real, seu fundamento vital. NT
  • 5. 5 Ele escreveu em 1535 ao rei que tinha empreendido a produção de uma defesa dos evangélicos acusa- dos de blasfêmias, particularmente blasfêmias contra a missa; ele expôs nas Institutas de 1536, e depois na Instrução de 1537, a doutrina reformada da Santa Ceia. Completou-a nas Institutas de 1539. Esse capítulo corresponde à última parte do capítulo IV das Institutas de 1536 e ao artigo Sobre a Ceia do Senhor, da Instrução de 1537. Em 1536, pouco depois da publicação das Institutas, Calvino compôs na Itália um tratado que apare- ceu em 1537 e que foi reimpresso em seus Opúsculos: “Como se deve evitar as superstições papais e delas fugir; e sobre a pura observância cristã”. Ele reafirma sua posição contra a missa com uma página mais veemente que as das Institutas. No dia 5 de outubro de 1536, Calvino participou do “debate geral” organizado em Lausanne pelas autoridades de Berna; num longo discurso no qual cita fartamente as Escrituras Sagradas e os pais da igreja, ele define a Santa Ceia como “uma comunicação espiritual pela qual, com poder e eficácia, somos feitos participantes de tudo o que pela graça podemos receber do Seu corpo e do Seu sangue... tudo espiritualmen- te, quer dizer, pelo vínculo do Seu Espírito” (Opera, [Obras] IX, 877-886). Em 1540, em Estrasburgo, talvez mesmo desde 1537, em Genebra (conforme o testemunho de Beza, Op. Calv., XXI, 62), Calvino compôs diretamente em francês um Pequeno tratado sobre a Santa Ceia do Senhor Jesus Cristo, no qual são demonstrados a sua verdadeira instituição, o seu proveito e a sua utilida- de. Demonstra-se igualmente a razão pela qual muitos modernos parecem ter escrito diferentemente. Esse opúsculo foi impresso em Genebra em 1541, no mesmo ano em que foi publicada a nossa Institution france- sa. (Uma nova edição apareceu em Paris, nas edições Je Sers, em 1935). b. Esse parágrafo é, quase textualmente, o primeiro do capítulo Sobre a Ceia, na Instrução de 1537. c. Os anabatistas. a. quo se conseoletur, quo se confirmet... A promessab que aí nos é feita mostra claramente com que fim foi institu- ído e a que visa, o que se pode expor nestes termos: O sacramento da Ceia nos assegura e confirma que o corpo do Senhor Jesus Cristo foi entregue uma vez por nós de tal maneira que agora é nosso, e o será perpetuamente;e, igualmente, que o Seu sangue foi derramado uma vez por nós de tal maneira que será nosso para sempre. 2. Necessidade de contestar os que negam que o sacramento é exercício da fé É por isso que novamente se refuta até à persuasão o erro daquelesc que se atre- vem a negar que os sacramentos são uma forma de exercício da fé, dados para mantê-la, elevá-la, fortalecê-la e aumentá-la. Porquanto estas são as palavras do Senhor a esse respeito: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue”;1 quer dizer, é um sinal e um testemunho de uma promessa. E onde há promessa, ali a fé tem sobre o que se apoiar e com que se consolar e se fortalecer.a2 1 Lc 22.20; 1Co 11.25. 2 Estudando o Salmo 42, quando o salmista em meio às aflições, demonstra a sua fé no livramento de Deus, Calvino comenta que esta certeza não é “uma expectativa imaginária produzida por uma mente fantasiosa; mas, confiando nas promessas de Deus, ele não só se anima a nutrir sólida esperança, mas também se assegura de que receberia infalível livramento. Não podemos ser competentes testemunhas da graça de Deus perante nossos irmãos quando, antes de tudo, não testificamos dela a nossos próprios corações.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 42.5), p. 264]. NE
  • 6. 6 As Institutas – Edição Especial 3. Frutos da Ceia Nossa alma pode auferir deste sacramento frutos de grande dulçor e consolação, porque nos apercebemos de que Jesus Cristo está de tal modo incorporado em nós, e nós nele,b que tudo o que é dele podemos dizer que é nosso, e tudo o que é nosso, podemos declarar que é dele.3 Por isso ousamos afirmar com segurança que a vida eterna é nossa e que o reino dos céus não nos pode ser retiradoc , nos mesmos termos em que o próprio Senhor Jesus Cristo não pode ser privado dele. Por outro lado, podemos asseverar que não podemos ser condenados por nossos pecados, não mais que Cristo, porque não são mais nossos, mas dele. Não que seja possível atribuir-lhe alguma culpa, mas sim que Ele se constituiu devedor em nosso lugar, e é bom pagador. Esta é a permuta que, em Sua bondade infinita, Ele quis fazer conosco: Recebeu nossa pobreza, e nos transferiu Suas riquezas; levou sobre Si a nossa fraqueza, e nos fortaleceu com o Seu poder; assumiu a nossa mortalidade, e fez nossa a Sua imortalidade; desceu à terra, e abriu o cami- nho para o céu; fez-se Filho do homem, e nos fez filhos de Deus.d Essas coisas nos são prometidas tão completamente por Deus neste sacra- mento que devemos estar certos e seguros de que nele são demonstradas tão ver- dadeiramente que é como se Jesus Cristo mesmo estivesse ali presente pessoal- mente, visivelmente, e que o víssemos com os nossos próprios olhos, e tão palpavelmente que é como se O tocássemos com as nossas próprias mãosa . Por- que esta Sua palavra não pode falhar nem mentir: “Tomai, comei; isto é o meu corpo... Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados”.4 Ordenando que o tomemos, Ele quer dizer que é nosso. Ordenando que o comamos e o bebamos, demonstra que Ele é feito uma substância5 conosco. Quando Ele diz, “Isto é o meu corpo oferecido por vós; este é o meu sangue derramado por vós”, declara e ensina que são mais nossos que dele, porque Ele os assumiu e os deixou, não para Se favorecer, mas por amor de nós e para nosso proveito. 3 “Grande fruto, porém, de confiança e satisfação podem deste sacramento coligir as almas pias, porque têm nele o testemunho de havermo-nos unido com Cristo em um só corpo, de tal sorte que tudo quanto é dEle nosso seja lícito chamar.” (J. Calvino, As Institutas, IV.17.2). “Por meio da fé, Cristo nos é comunicado, através de quem chegamos a Deus, e através de quem usufruímos os benefícios da adoção.” [João Calvino, Efésios, (Ef 1.8), p. 30]. “Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados em Cristo, fora de quem nada é encontrado senão morte.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.15), p. 143]. NE 4 Mt 26.26-28; Mc 14.22-24; Lc 22.19,20; 1Co 11.23-25. 5 Termo empregado por Calvino várias vezes neste capítulo. Não, porém, no sentido filosófico ou teológico, mas como sinônimo de presença vivificante. NT. b. sic Christum nobis, sic nos illi vicissim insertos. c. excidere. d. Filius hominis nobiscum factus, nos secum Dei filios fecerit. a. Instrução de 1537: “Cristo, com todas as suas riquezas, nos é apresentado nela não menos como se se pusesse na presença dos nossos olhos e fosse tocado por nossas mãos”.
  • 7. 7 4. Expressões decisivas, quanto ao proveito que temos da Ceia Devemos observar diligentemente que a força e excelência principal e quase úni- ca do sacramento está nestas palavras: “Oferecido por vós, derramado por vós”. Porque, de outro modo, pouco nos serviria que o corpo e o sangue de Jesus Cristo nos fossem distribuídos agora, se outrora não tivessem sido entregues para nossa redenção e salvação. Assim, eles são representados para nós sob o pão e o vinho para nos mostrar e ensinar que eles não somente são nossos, mas também que são vida e alimento. Isso corresponde ao que acima dissemos,b que pelas coisas cor- porais a nós propostas nos sacramentos devemos ser conduzidos, em certa pro- porção e semelhança, às realidades espirituais. Porque quando vemos o pão que nos é apresentado como sinal do sacramento do corpo de Jesus Cristo, devemos imediatamente tomar essa figura ou semelhançac no sentido de que, assim como o pão nutre, sustenta e mantém a vida do nosso corpo, assim também o corpo de Jesus Cristo é o alimento, a nutrição e a preservaçãod da nossa vida espiritual. E quando vemos o vinho que nos é oferecido como sinal do sangue de Jesus Cristo, somos levados a pensara no efeito e no proveitoso benefício do vinho para o corpo humano, fazendo-nos apreciar o que o sangue de Jesus Cristo efetua em nós e o proveito que nos dá espiritualmente. Ele nos fortalece, nos consola, nos dá refrigério e nos alegra. Porque, se avaliarmos bem a bênção que é para nós o fato de que o corpo sacratíssimo de Jesus foi entregue e Seu sangue foi derrama- do por nós, veremos claramente que é muito próprio o que se atribui ao pão e ao vinho, nos termos desta analogia e símile.6 5. Finalidade principal da Ceia do Senhor Portanto, a finalidade principal do sacramento não é simplesmente apresentarb o corpo de Jesus Cristo, mas, sim, simbolizar, significar e confirmar a promessa na qual Jesus Cristo nos diz que Sua carne é “verdadeira comida” e Seu sangue é “verdadeira bebida”, pelos quais somos sustentados para a vida eterna. E Ele nos certifica que Ele é o pão da vida e garante que “quem comer este pão viverá eternamente”.7 Para realizar esse feito, isto é, para simbolizar e selar a promessa b. Capítulo X. c. 1541, por engano, coloca aqui um ponto; a Instrução de 1537 diz: “Deve-se logo em seguida conceber esta comparação, como o pão nutre, sustenta e mantém”, etc. d. 1537: proteção. a. 1537: considerar que tais frutos, etc. b. exhibere. 6 Calvino faz uma analogia entre o alimento físico e o espiritual, mostrando que aquele que é fundamental para a manutenção de nosso corpo, Deus, como Pai providente, nos tem dado como “testemunho de Sua bondade paternal”; “Porém – continua –, assim como é espiritual a vida em que nos há regenerado, é preciso que também o seja o alimento que deve nutrir-nos e confirmar-nos nela.” NE [J. Calvino, BreveTratado Sobre La Santa Cena:In: Tratados Breves, p. 8]. Cf. As Institutas, IV.17.1,3. 7 Jo 6. 55,58.
  • 8. 8 As Institutas – Edição Especial acima referida, o sacramento nos envia à cruz de Jesus Cristo, onde essa promes- sa foi concretizada plenamente e cumprida inteiramente. Porque o fato de Jesus Cristo ser chamado pão da vida não é em função do sacramento (como muitos o têm interpretado erroneamente), mas sim porque como tal Ele nos foi dado pelo Pai. Isso foi demonstrado: Quando, tendo Ele sido feito participante da nossa mortalidade humana, fez-nos participantes da Sua imortalidade divina; quando, oferecendo-se em sacrifício, levou sobre Si a maldição que pesava sobre nós, para nos encher de Sua bênção; quando em Sua morte Ele devorou e tragou a morte; quando em Sua ressurreição Ele ressuscitou em glória e incorrupção a nossa carne corruptível, da qual se havia revestido. 6. Pelo Evangelho e pela Ceia recebemos Cristo, o pão da vida [1539] O que acima foi declarado recebe clara comprovação das seguintes pala- vras ditas por Ele e que lemos no Evangelho Segundo João: “O pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne”.8 Não há dúvida nenhuma de que com essas palavras Ele demonstrou que o Seu corpo seria pãoa para a vida espiritual da nossa alma, razão pela qual Ele o haveria de expor à morte, para a nossa salvação. Porque Ele fez dele pão, uma vez, quando o entregou para ser crucificado para a redenção do mundo. E o faz diariamente, quando pela Palavra do Seu Evangelho Ele o oferece, a fim de que dele participemos, considerando que Ele foi crucifica- do em nosso favor. [1536] Portanto, não é o sacramento que faz de Jesus Cristo o pão da vida, pelo qual vivemos e somos constantemente refeitos; mas ele nos dá um certo gosto e sabor desse pão. Em suma, temos nele a promessa e a garantia de que tudo o que Jesus Cristo fez e sofreu, Ele fez e sofreu para a nossa vivificação. E que essa vivificação é eterna, pela qual sempre e para sempre somos alimentados, sustentados substancialmente e mantidos com vida. Porque, se Jesus Cristo não tivesse sido o pão da vida, não tivesse nascido e morrido por nós, e não tivesse ressuscitado por nós, também agora Ele não o seria, e o fruto e eficácia do Seu nascimento, da Sua morte e da Sua ressurreição não seria eterno e imortal. 7. O estudo e o conhecimento da eficácia do sacramento teriam evitado muitos erros Se essa virtude e poder do sacramento fosse bem estudado e considerado, como devia, teríamos nele grande satisfação, e não teriam sido suscitadas as horríveis contendasb que têm atormentado a igreja, tanto no passadoc como também ainda 8 Jo 6.51 a. pro pane. b. dissensiones. c. O primeiro cânone do Concílio de Latrão (1215) foi concebido assim: “Corpus et sanguis in sacramento altaris, sub especibus panis et vini veraciter continentur, transubstantiatis pane in corpus et vino in sanguinem potestate divina”.
  • 9. 9 agora, como se vê em nosso tratado,d quando homens curiosos querem definir como o corpo de Jesus Cristo está presente no pão.a Como se valesse a pena debater isso com tão grande contenda de palavras e de espírito! Certamente é assim que a questão é considerada comumente. Mas os que o fazem não se aper- cebem de que primeiro é necessário procurar saber que o corpo de Jesus Cristo foi feito nosso, uma vez que foi entregue em nosso favor; e que Seu sangue foi feito nosso, uma vez que foi derramado em nosso favor. Porque, saber e reconhe- cer que o Seu corpo e o Seu sangue foram feitos nossos dessa maneira é possuir plenamente Jesus Cristo crucificado e participar de todas as Suas riquezas. Ago- ra, deixar de lado estas coisas, ou negligenciá-las, menosprezá-las, e pouco me- nos que deixá-las soterradas, sendo elas como são de grande peso e levando a graves conseqüências – em face disso, esta, sim, é a única questão espinhosab que se deve debater: como o corpo é devorado e tragado por nós.c Todavia, a fim de que numa tão grande diversidade de opiniões a única e segura verdade de Deus permaneça conosco, pensemos primeiramente que é de uma realidade espiritual que trata o sacramento, pelo qual o Senhor não pretende saciar nosso ventre, mas sim nossa alma. E nele buscamos Jesus Cristo, não para o nosso corpo, nem também para que seja captado e compreendido pelos nossos sentidos corporais, mas de tal maneira que a alma sinta que verdadeiramente Ele lhe é oferecido e doado. Em suma, sintamo-nos satisfeitos em tê-lo espiritualmente. Assim O teremos para vida, o que é receber todo o fruto que se pode receber do sacramento. Qualquer pessoa que pensar nisto e considerá-lo bem em sua mente entenderá facilmente que o corpo de Jesus Cristo nos é oferecido no sacramento. [1539] Mas, para que nos desprendamos de todos os escrúpulos, com os quais as mentes simples facilmente se vêem envolvidas e confusas em tanta diversidade de opiniões, vamos explicar primeiro em que sentido o pão é chamado corpo de Cristo, e o vinho, Seu sangue. Depois daremos informações sobre que comunhão do Seu corpo e do Seu sangue o Senhor dá, na Ceiaa , àqueles que nele crêem. 8. O descomunal erro chamado transubstanciação Antes de tudo mais, temos que rejeitar a opinião que resultou dos sonhos dos sofistas no tocante à transubstanciação (assim chamada por eles)b como uma d. Ver a introdução deste capítulo, nota a, primeira página destas notas. a. Os católicos [romanos] e Lutero. 1536 acrescentou aqui: “Alii, quo se argutos probarent, addiderunt ad scripturæ simplicitatem, adesse realiter ac substantialiter; alii ultra etiam progressi sunt; iisdem esse dimensionibus, quibus in cruce pendebat; alii prodigiosam transubstantiationem excogitarunt; alii panem ipsum esse corpus (Cf. Lutero, De captivitate babylonica (1520); concio de sacramento135 (1524), etc.); alii sub pane esse (Erasmo); alii signum tantum et figuram corporis proponi (Zwínglio)”. Em 1539 Calvino suprimiu essas linhas polêmicas. b. spinosa. c. a nobis voretur. a. communionem nobis Christus exhibeat. b. Acréscimo feito em 1541. 135 Lutero, Sobre o Cativeiro Babilônico [dos papas] (1520); discurso Sobre o Sacramento. NT
  • 10. 10 As Institutas – Edição Especial coisa prodigiosa.c Qualquer pessoa que tiver alguma reverência pelas palavras de Cristo, se fixar a atenção no que é dito, que o pão que é dado na mão é o corpo que foi entregue por nós, a fantasiad daqueles tais longe está da propriedade das cita- das palavras, porque eles as explicam dizendo que houve transubstanciação, acres- centando que não significa que houve conversão de uma substância em outra, mas que o corpo toma o lugar do pão, o qual eles imaginam que se desvanece. Certamente o Senhor testifica que é o Seu corpo que Ele parte e dá na mão dos Seus apóstolos. Quem não entende que com isso Ele dá uma explicação do pão? Por isso eles não podem alegar que, pelo respeito que têm pelas palavras de Jesus Cristo, são constrangidos a explicar o termo fazendo uso de uma glosa estranha e contrária à letra,e ao ponto de lhe fazer violência. Porque jamais se ouviu em nenhuma língua do mundo que este verbo, chamado substancial ou essencial, qual seja, o verbo ser, tenha sido tomado nesse sentido. Além desse, há muitos outros argumentos, fáceis de refutar. Porque o con- ceito que estamos combatendo elimina o mistério que visa representar o Senhor em Sua Ceia. Pois, que é a Ceia, senão um atestado visível e manifesto da pro- messa que consta no capítulo seis de João? Ali Jesus Cristo declara que Ele é o pão da vida que desceu do céu. Logo, é necessário que o pão visível seja um sinal ou símbolo no qual nos seja retratado o pão espiritual, se é que não queremos destruir totalmente o fruto do sacramento e a consolação que, para suprir a nossa fraqueza, o Senhor nos dá nessa passagem. Porque, como a purificação interior da alma é certificada mais fortemente no coração dos crentes quando é assinalada no Batismo pelo lavamento exterior da água, assim o pão não é de pequena im- portância na Ceia, visando atestar o alimento espiritual que temos na carne de Cristo. E, de fato, com que propósito o apóstolo Paulo9 inferiu que somos um mesmo pão e um mesmo corpo, porque participamos de um mesmo pão, se ele tivesse tido ali apenas uma falsa visãob do pão, sendo eliminada a realidade natu- ral? Deixo de citar muitas passagens que há na Escritura, nas quais o pão e o vinho são apresentados como sinais do corpo e do sangue, e, não obstante, é mantido o nome deles. 9. Astúcia viperina na defesa da transubstanciação Fazem uso de uma cavilação frívola quando dizem que a vara de Moisés é chama- da pelo nome de vara10 depois de convertida em serpente. Porque ainda que eu finjac e diga que havia bom motivo para que fosse chamada assim, pois logo ia c. portentosa. d. istorum commentum. e. violenter contortam. b. spectrum. c. taceam. 9 1Co 11a a. 1539 tinha, por erro: 10. 1541 corrigiu: 11. 10 Êx 7.12 e contexto.
  • 11. 11 voltar ao seu natural,d há porém um motivo mais perceptível. É que o texto diz que as varas dos magos foram devoradas pelas de Moisés. Para falar com propri- edade era necessário empregar um mesmo nome nos dois casos.e Agora, chamar de serpentes as varas dos magos seria faltar com a verdade proféticaf , porque daria a impressão de que elas se haviam transformado verdadeiramente em ser- pentes, quando não passavam de ilusões.g11 [1541] Portanto, foi necessário dizer que a vara de Moisés devorou todas as outrasa . Há semelhança nisso com as locuções que se seguem: “O pão que parti- mos... Todas as vezes que comerdes... E perseveravam... na comunhão, no partir do pão”.12 Além disso, a antigüidade, que eles costumam contrapor à Palavra de Deus evidente, não os ajuda em nada a provar esse artigob . Porque essa doutrina falsa foi inventada há pouco tempo; ao menos antigamente era desconhecida, no tempoc em que a doutrina do Evangelho ainda tinha alguma pureza. O certo é que não há um só dos antigos pais que não confesse explicitamente que os sinais da Ceia são verda- deiro pão e verdadeiro vinho, embora às vezes lhes acrescentem diversos epítetos ou qualificativos com o objetivo de honrar a excelênciad do mistério. 10. O cego literalismo cega os transubstancialistas para argumentos de peso Aopinião daqueles que teimam em ater-se às palavras [ipsis litteris], até à última sílaba, sem se disporem a admitir nenhuma figura,e não tem possibilidade de comprovação. Qualquer absurdo que citemos das suas afirmações, eles não li- gam. E querem dar por resolvida a sua afirmação de que o pão é verdadeiramente o corpo, contentando-se com este único argumento: que Cristo mostrou o pão quando disse: “Isto é o meu corpo”. Ora, por mais que declarem que o respeito que eles têm pelas palavras de Cristo os impede de aceitar toda e qualquer interpretaçãof de uma sentença tão clara, isso não serve de pretextog para rejeita- rem todos os argumentos contrários que lhes são apresentados. Se bem que eu não acho que seja necessário ter grande quantidade de argumentos para combatê- 11 Ilusões, produto do ilusionismo dos magos (mágicos). NT. 12 1Co 10.16; 11.26; At 2.42. Nesta última citação o texto francês diz: “Eles comunicavam no partir do pão”. Note-se de passo que “comunicar” é mais expressivo que “comungar”. NT. d. pristinam formam. e. Em lugar dessa frase, 1539 diz: potius quam colubro. f. dicere noluit propheta. g. 1539: ne videretur veram indicare conversionem, cum præstigiatores illi nihil aliud quam tenebras spectantium oculis, falsis artibus, offudissent. a. Frase acrescentada em 1541. b. confirmando isto dogmate. c. melioribus illis seculis. d. 1539 diz: convertendam, erro, por: commendandam. e. tropum. f. figurate intelligere. g. prætextus.
  • 12. 12 As Institutas – Edição Especial los, visto que eles não saberiam abrir a boca sem manifestar o absurdo existente em sua doutrina.h O que eles dizem, que o corpo está de tal modo mesclado com o pão que ambos se tornam substancialmente uma só coisa, não somente causa repulsa ao juízo comum dos homens em geral, mas também é contrário à fé. Não é lícito, porém, dizem eles, glosar ou explicar dúbia e temerariamente as coisas que estão claramente expressas na Escritura. Quem é que nega isso? Mas, depois que tiver- mos dado a explicação fiela mais adiante, ver-se-á claramente que o argumento que eles têm sempre na boca é impertinente e inoportuno, sendo impropriamente aplicado à presente matéria. Portanto, não é de mau alvitre que alguns, vendo a afinidade e proximidade das realidades representadas com os seus símbolos,b tenham concluído que o nome da realidade propriamente dita é aqui atribuído aos seus sinais. É verdade que é uma locução imprópria, mas não deixa de ser uma boa analogia.c Certo é que o sinal, quanto à essência, difere da realidade figurada, visto que esta é espi- ritual e celeste, e aquela é corporal e visível. Entretanto, uma vez que o sinal não simboliza apenas como uma imagem vãd a realidade que ele representa, mas a manifestae verdadeiramente, por que negar-lhe a denominação? Porque, se os símbolos humanos, que são mais figuras de coisas ausentes do que sinais e mar- cas das presentes, e com mais freqüência nos enganam com aquilo que indicam – se, apesar disso, eles tomam o nome destas, com maior razão os símbolos e sinais que Deus instituiu podem tomar emprestado o título das realidades que eles re- presentam, cuja significação eles contêm seguramente e sem falsidade, e cuja verdade eles têm sempre junto a si. 11. Aplicação ao crente Portanto, toda vez que você encontrar essas maneiras de falar, que o pão é o corpo, que o partir do pão é a comunicação ou a comunhão do corpo, e outras semelhantes, lembre-se de que é necessário reconhecer que o nome da realidade superior e mais excelente é transferida para a realidade inferior, conforme o uso comum da Escritura. Deixo de lado as alegorias e as parábolas, para que ninguém diga que estou saindo fora dos limites, buscando evasivas, sendo que esta figura é principalmen- te utilizada no que diz respeito aos sacramentos. Porque, do contrário, não se poderia aceitar o fato de que a Circuncisão é chamada aliança; o Cordeiro, passa- gem; os sacrifícios mosaicos, purificações dos pecados; e de que a pedra da qual h. dogmatis. a. germanus sensus. b. symbolis. c. figurat id quidem et xataxrhsiw=j; sed non sine aptissima analogia. d. nuda et inanis tessera. e. exhibet.
  • 13. 13 jorrou água no deserto é chamada Cristo – a não ser que entendamos essa forma de falar como um tipo de transferência. Tal é a semelhança e proximidade exis- tente entre o sinal e a realidade significada que a dedução ou passagem de um ao outro deles é fácil. E, como os sacramentos têm ambos grande semelhança, prin- cipalmente a eles convém esta transferência do nome. Claro está, pois, que, assim como o apóstolo ensina que a pedra que para os israelitas foi uma fonte espiritual da qual beberam é Cristo,13 no sentido de que é um símbolo sob o qual a bebida espiritual foi recebida (não visível aos olhos, mas real), assim também o pão é hoje chamado corpo de Cristo, no sentido de que é um símbolo sob o qual o Senhor nos oferece a verdadeira manducação14 do Seu corpo. 12. Logomaquia! A cegueira literalista quanto à presença de Cristo na Ceia produz briga de palavras [1536] Se algum indivíduo amolante e importunoa se agarrar obstinadamente às palavras da expressão, “Isto é o meu corpo”, fechando os olhos para todas as outras razões, temos até nessa palavra de Cristo matéria para vencer tal obstina- ção. Porque o Senhor não diz noutro sentido que o pão é Seu corpo como quando declara que o vinho é Seu sangue. Ora, onde Mateus e Marcos narram que o Senhor descreveu o cálice como o Seu sangue, o sangue da nova aliançab , Paulo e Lucas dizem que ele é a nova aliança em Seu sanguea .15 Já eu, por outro lado, sustento que é a aliança no corpo e no sangue. Quem quiser insistir em seu ponto obstinadamente, grite quanto quiser que o pão é corpo e o vinho é sangue! Eu sustentarei, ao contrário, que se trata da aliança no corpo e no sangue. [1539] E então? Que dirá ele? Pretenderá ser mais correto ou fiel expositor que Paulo ou Lucas, que entendem pelo sangue que a nova aliança é confirmada no sangue? Pois bem, agora é necessário esclarecer em que consiste essa aliança no corpo e no sangue de Jesus Cristo. Porque, quando negamos que o pão, que se come na Ceia, é o corpo de Cristo, não o fazemos no sentido de diminuir em nada a comunicação do corpo nela oferecida aos crentes. Unicamente queremos ensi- nar que é preciso distinguir a realidade representada do seu sinal, o que sabemos muito bem que é da maior conseqüênciab , nada desejável, e para nosso grande prejuízo. Porque há tão grande inclinação no coração dos homens para cair na superstição que, num instante, abandonando a verdade, eles se distraem total- mente com o sinal, a não ser que sejam repelidos alto e bom som. Pelo que se vê 13 1Co 10.4 14 Ato de comer. Francês: manducation. NT. 15 Mt 26.28; Mc 14.24; Lc 22.20; 1Co 11.25. NT a. si quis morosulus. b. vocare poculum suum sanguinem novi testamenti. a. Instrução de 1537: “O Senhor nos propicia a verdadeira comunicação do Seu corpo”. b. plurimi referre.
  • 14. 14 As Institutas – Edição Especial quanto cuidado devemos ter com dois erros. Um é que, extraindo coisas demais dos sinais, separemo-los dos mistérios aos quais de alguma forma estão unidos, e, em conseqüência, se rebaixa a sua eficácia. O outro é que, engrandecendo-os exageradamente, obscureçamos o seu poder interior.16 13. Entenda-se bem o sentido da relação entre os sinais e a presença de Cristo na Ceia Não há ninguém, a não ser alguém que viva totalmente sem religião, que não confesse que Cristo é o pão da vida, com o qual os crentes são alimentados para salvação eterna. Mas uma coisa não está resolvida entre todos: Como se deve participar. Há quem defina com uma palavra que comer a carne de Cristo e beber Seu sangue não é outra coisa senão crer nele. Mas me parece que Cristo mesmo quis expressar algo mais altoa nessa notável pregação,17 na qual nos recomenda a manducação do Seu corpo. É que somos vivificados pela verdadeira participação que Ele nos dá em Si, o que nos é dado a entender pelas palavras beber e comer, para que ninguém pensasse que o que Ele disse consiste tão-somente em simples conhecimento. Assim como alimentar-se do pão, não apenas olhar para ele, dá nutrição ao corpo, assim também é necessário que a alma seja feita verdadeira- mente participante de Cristo, para ter sustento para a vida eterna. Entretanto, confessamos que essa manducação se faz unicamente pela fé, não se podendo imaginar nenhumb outro meio. Mas a nossa divergência com os que fazem a exposição que eu impugno é que comer é crer, e nada mais; eu digo que crendo comemos a carne de Cristo, e que esta manducação é fruto da fé. Ou, se se quer maior clareza, para os que crêem a manducação é a própria fé; digo melhor, ela provém da fé. A diferença nas palavras é pequena, mas a verdade é grande. Pois, embora o apóstolo ensine que Jesus Cristo habita em nosso coração pela fé, ninguém vai interpretar que essa habitação é a própria fé. Todos sabemos que ele quis exprimir e nos comuni- car um singular benefício da fé, visto que por ela os crentes recebem a certeza de que Cristo habita neles. Dessa maneira, o Senhor, descrevendo-se como o pão da vida, não somente quis mostrar que a nossa salvação se firma na confiança em Sua morte e ressur- reição, mas também que, pela verdadeira comunicação ou comunhão que temos com Ele, Sua vida se transfere para nós e é feita nossa; do mesmo modo que o pão, quando comido para alimentar-nos, dá vigor ao corpo. 16 “O poder e o uso dos sacramentos são corretamente subentendidos quando conectamos o sinal com aquilo que está implícito nele, de tal forma que o sinal não é algo vazio e ineficaz, e quando, querendo enaltecer o sinal, não despojamos o Espírito Santo do que lhe pertence. (...) Se porventura não fizermos nem quisermos fazer do santo batismo um ato nulo e vazio, devemos provar sua eficácia através da novidade de vida.” [J. Calvino, As Pastorais, São Paulo, Paracletos, 1998, (Tt 3.5), p. 350]. NE 17 Jo 6, versículos 22 em diante. NT a. expressius ac sublimius. b. 1541 tem, por erro: nul. 1539: nulla.
  • 15. 15 14. Sobre a relação entre comer o pão e a fé, de advogado Agostinho vira promotor Agostinho, que os nossos oponentes trazem como seu advogado, não escreveu noutro sentido que comemos o corpo de Cristo crendo nele senão para demons- trar que esta manducação vem da fé. Coisa que não nego, mas acrescento que recebemos Cristo, não como se mostrando de longe, mas se doando e se comuni- cando a nós. Também não é satisfatório o que dizem aqueles que, depois de confessarem que temos alguma comunicação com o corpo de Cristo, quando a querem de- monstrar fazem-nos participantes somente do Seu Espírito, deixando para trás toda a lembrança da carne e do sangue. Como se fossem nulas estas coisas ditas na Escritura: que a carne de Cristo é comida e Seu sangue é bebida; que “se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos”;18 e outras sentenças semelhantes. 15. Calvino exprime embevecida exaltação do mistério subjacente à comunhão na Ceia, antes da apresentação do resumo do seu ensino respeito Portanto, sendo notório que a comunicação, que constitui o ponto em questão, vai além do que eles dizem, tratemos de resolver isso com poucas palavras, até onde vá o alcance destas. Se é que, todavia, é lícito abranger com palavras um tão grande mistério, mistério que eu percebo muito bem que não consigo compreen- der com o meu espírito. Isso confesso de boa vontade, a fim de que ninguém meça a grandeza do mistério por minhas palavras, as quais são tão fracas que sucumbem, totalmente vencidas. Mas, por outro lado, admoesto os leitores a que não se mantenham entre marcos e limites tão estreitos, mas que subama a pontos mais altos, além daqueles aos quais eu os possa conduzir. Porque eu mesmo, sempre que trato dessa matéria, depois de esforçar-me para dizer tudo que posso, vejo quanto me falta para alcançar a excelência. E por maior que seja o entendi- mento, por mais capacidade que se tenha de pensar e de avaliar, e por melhor que a língua se exprima, não obstante, tudo isso é sobrepujado e humilhado por tal grandiosidade. Assim, não me resta outra coisa se não prostrar-me em admiração ante esse mistério; mistério tal que, para pensar nele adequadamente o entendi- mento não é suficiente, como também a língua é incapaz de o explicar.19 Todavia, 18 Jo 6.53. NT 19 “... mistério que, na verdade, não vejo possa eu suficientemente compreender com a mente, e de bom grado por isso o confesso, para que não lhe meça alguém a sublimidade pela medidazinha de minha pobreza de expressão. (...) Portanto, nada resta, afinal, senão que prorrompa eu em admiração desse mistério ao qual nem pode estar em condições de pensá-lo claramente o intelecto, nem de explicá-lo a língua.” (J. Calvino, As Institutas, IV.17.7). NE a. 1541 tem, por erro: montrer. 1539: assurgere.
  • 16. 16 As Institutas – Edição Especial vou apresentar um resumo da minha doutrina, a qual não tenho dúvida de que é verdadeira, e também espero que seja aprovada por todos os corações sinceros e tementes a Deus. 16. Resumo do ensino de Calvino sobre a comunhão do corpo e do sangue na Ceia Em primeiro lugar,a a Escritura nos ensina que Cristo é, desde o princípio, a Palavra vivificante de Deus, a fonte e origem da vida, de quem todas as coisas recebem poder para subsistir. Por isso o apóstolo João às vezes Lhe chama “Pala- vra da vida” e às vezes declara que “a vida sempre esteve nele”,20 querendo dizer que Ele constantemente derrama Sua energia sobre todas as criaturas para comu- nicar-lhes vida e vigor. Contudo, ele acrescenta, logo após a primeira passagem acima citada, que a vida se manifestou quando o Filho, tendo assumido a nossa carne, deixou-se ver e ser tocado. Porque, apesar de anteriormente haver derra- mado seus poderes sobre as criaturas, visto que o homem, alienado de Deus pelo pecado, perdeu o contato e a comunicação da vida e por todos os lados se vê assediado pela morte, tem ele necessidade de ser novamente recebido à comu- nhão desta Palavra, para recuperar alguma esperança da imortalidade. Pois, como haverá algo que esperar, se não entendermos que a Palavra de Deus contém em si a plenitude da vida e ficarmos distanciados dela, não vendo ao nosso redor nada mais que a morte? Mas, desde que esta “fonte de vida”21 começou a habitar em nossa carne, já não se mantém oculta e longe de nós, mas jorra à nossa presença, e dela podemos alegres desfrutar. Eis como Jesus Cristo aproximou de nós a bênção da vida, da qual Ele é a fonte. Além disso, a carne que Ele por nós vestiu e assumiu, tornou-a vivificante, a fim de que, pela participação dela, sejamos alimentados para a imortalidade.a Disse Ele: “Eu sou o pão vivo22 que desceu do céu”.23 E logo a seguir: “O pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne”. Nessas palavras Ele demonstra que Ele é a vida, no sentido de que Ele é a Palavra de Deus eterna, que desceu do céu até nós. Mas também que, descendo, Ele derramou Seu poder na carne de que se revestiu, a fim de que a comunicação chegasse a nós. Seguem-se daí estas declarações: Que a Sua carne é verdadeira comida e o Seu sangue é verdadeira 20 1Jo 1.1 [NVI]; Jo 1.4 [tradução direta]. 21 Pv 13.14; Ap 21.6 22 No original francês: “pão da vida”. NT 23 Jo 6.51 a. Calvino vai desenvolver uma fórmula de 1536 cuja tradução não se encontra em nenhum texto de 1541: “Dicimus vere et efficaciter [corpus] exhiberi, non autem naturaliter. Quo scilicet significamus non substantiam ipsam corporis, seu verum et naturale corpus illic dari, sed omnia quæ in suo corpore nobis beneficia Christus præstitit”.136 136 “Dizemos que [o corpo] é oferecido verdadeira e eficazmente, não porém naturalmente. É evidente que com isso não queremos dizer que é dada a substância do corpo propriamente dita, o seu verdadeiro corpo natural, mas sim todos os benefícios que em Seu corpo Cristo nos fez.” NT a. Instrução de 1537: “Nos torna seguros da imortalidade da nossa carne”.
  • 17. 17 bebida, e que ambos constituem a substância necessária para nutrir os crentes com a vida eterna. Temos, pois, nessa verdade a singular consolação de encontrar a vida em nossa própria carne. Porque dessa maneira não somente nós chegamos a ela, mas ela mesma se adianta e vem apresentar-se a nós. Basta que abramos o nosso coração para recebê-la, e a obteremos. Agora, conquanto a carne de Cristo não tenha tanto poder de si mesma que nos possa vivificar, visto que em sua primeira condição ela foi sujeita à mortalidadeb e, sendo feitac imortal, recebe força de outrem, todavia, com razão se declara que ela é vivificante, porque está cheia de perfeição de vida para trans- ferir para nós a comunhão. E nesse sentido se deve entender o que diz o Senhor, que, assim como “o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo”24 . Porque nessa passagem Ele não fala das propriedades que Ele possui eternamente em Sua divindade, mas das que Lhe foram dadas na car- ne, na qual se nos manifestou. Pelo que Ele demonstra que de fato a plenitude da vida habita em Sua humanidade, de tal modo que aquele que participar da Sua carne e do Seu sangue desfrutará da Sua vida. Podemos explicar melhor este ponto fazendo uso de um exemplo familiar. É como a água de um bom reservatório, que fornece água suficiente para beber, para irrigar e para outros fins, e, contudo, tal abundância não se deve ao reserva- tório mas à fonte da qual jorra permanentemente a água que o enche e não o deixa secar-se. Assim também a carne de Cristo é como um reservatório, no sentido de que ela recebe a vida que jorra da natureza divina de Cristo e no-la transfere. Quem não vê, então, que a comunhão do corpo e do sangue de Cristo é necessária a todos os que aspiram à vida celestial?Aisso visam todas estas decla- rações do apóstolo: Que a igreja “é o seu corpo [de Cristo], a [sua] plenitude”; que Ele é a cabeça,25 “de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor”26 , coisas que só se realizam graças à Sua união conosco, como Seu corpo, e pelo Espírito. O apósto- lo, mediante grandioso testemunho, esclarece ainda mais em que consiste esta associação, pela qual somos unidos à Sua carne. Diz ele que “somos membros do seu corpo”,27 parte dos Seus ossos e da Sua carne.28 E, finalmente, para assinalar b. 1541 tem, por erro: IMortalité. 1539: mortalitati. c. nunc immortalitate prædita. 24 Jo 5.26 25 Quando “cabeça” se refere à chefia, que Cristo exerce sobre todas as coisas, a igreja inclusive, diga-se “o Cabeça”; quando se refere à união orgânica e vital com a igreja, diga-se “a Cabeça”. Em 1991, durante os trabalhos de tradução da NVI, propus à Comissão de Tradução que fosse seguido esse critério, o que foi feito. Um exemplo é Efésios 4.15, que em várias tiragens da primeira edição da ARA vinha “o Cabeça”, corrigindo-se a partir de 1993. NT 26 Ef 1.22,23 e 4.15,16 27 Ef 5.30 28 A Versão Autorizada inglesa traduz assim o citado versículo 30: “Pois nós somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos”. NT
  • 18. 18 As Institutas – Edição Especial que essa realidade sobrepuja todas as palavras, logo a seguir ele conclui a expo- sição deste seu propósito exclamando: “Grande é este mistério”! Seria, pois, ex- trema loucura não reconhecer nenhuma comunhão na carne e no sangue do Se- nhor, fato que o apóstolo Paulo declara que é tão grandioso que ele prefere admi- rar a explicar com palavras. 17. Presença real, sim; corpórea e palpável, não. Nada de imitar os mestres sobornistas e outros! Todavia, não devemos imaginar essa realidade nos termos sonhados pelos sofistas,a como se o corpo de Cristo baixasse à Mesa e ali se expusesse em presença local,29 para ser tocado com as mãos, mastigado com os dentes e engolido pela goela. Porque, assim como não duvidamos que Ele não é limitado pelas medidas própri- as da natureza humana e que o céu, que O recebeu, O retém até quando Ele voltar para o Juízo, assim também consideramos coisa ilícita fazê-lo baixar para estar entre as coisas corruptíveis, ou imaginar que Ele está plenamente presenteb [car- ne e ossos inclusive]. E de fato isso já não é necessário para que tenhamos a participação, visto que o Senhor Jesus nos estende esta bênção por Seu Espírito, fazendo-nos um com Ele em corpo, Espírito e alma. Portanto, o laço desta junção é o Espírito Santo, pelo qual somos rejuntados e unidos; é como um canal ou conduto pelo qual tudo o que Cristo é e possui desce até nós.30 Ora, se vemos com os nossos próprios olhos que o Sol, brilhando sobre a Terra, de alguma forma envia por seus raios a sua substância para gerar, nutrir e produzir os frutos dela, por que o fulgor e a irradiação do Espírito de Jesus Cristo seriam menos capazes de nos fazer chegar a comunicação da Sua carne e do Seu sangue? Por isso a Escritura, falando da participação que temos de Cristo, reduz toda a virtude e poder dessa participação ao Seu Espírito. E só basta citar uma passagem, que representa bem todas as demais. Em Romanos, capítulo 8, versículos 10 e 11, o apóstolo Paulo declara que Cristo habita em nós por Seu Espírito, e de nenhum outro modo. Todavia, ao dizer isso ele não destrói esta comunhão do Seu corpo e do Seu sangue, que constitui o ponto em questão agora, mas demonstra que o Espírito é o único meio pelo qual temos Cristo e O temos habitando em nós. Tal comunhão do Seu corpo e do Seu sangue testifica o Senhor na Ceia. E deveras O oferece e dá a todos os que recebem esta refeição espiritual.a Entretanto, tenha-se em conta que só os que nele crêem é que realmente participam, sendo que por 29 Isto é, ocupando lugar, preenchendo espaço. NT 30 Crysost. Sermon De spiritu sancto. a. in scholis crassiores sophistæ (os sorbonistass e outros). b. Cf. Occam, Centilogium theol., 25, 28: “Corpus Christi potest137 esse ubique, sicut Deus est ubique”, Lutero falava assim da ubiqüidade do corpo de Cristo. Calvino já em 1536 escrevia: “Hæc est perpetua corporis veritas, ut loco contineatur, ut suis dimensionibus constet”. a. spirituale epulum. 137 Não “postest”, como está no texto original das notas. NT
  • 19. 19 uma fé verdadeira eles se tornam dignos de ter o gozo de tal bênção. Por essa razão diz o apóstolo: “O pão que partimos é a comunhão do corpo de Cristo”, e o cálice que santificamos pelas palavras do Evangelho e pelas orações é “a comu- nhão do seu sangue”.31 18. Objeção de que se trata de metonímia, e resposta Não há necessidade de que alguém objete que a declaração apostólica citada é locução figurada, na qual o nome da coisa representada é atribuído ao símbolo. Digo isso porque, se alegarem que é coisa notória que a porção do pão não passa de um sinal exterior da substância espiritual, embora lhes concedamos que expli- quem dessa forma as palavras de Paulo, todavia, do fato de que o sinal nos é dado poderemos inferir que a substância significada também nos é entregue real e verdadeiramente. Porquanto, quem não quiser chamar Deus de mentiroso não se atreverá a dizer que Ele nos oferece um sinal vão e vazio da Sua verdade. Assim, o Senhor nos apresenta a real participação do Seu corpo representada pelo partir do pão; e não há nenhuma dúvida de que ele no-lo dá ao mesmo tempo. E de fato os crentes devem ater-se inteiramente a esta norma: Toda vez que vejam os sinais ordenados por Deus, concebam igualmente como certo e veraz que a realidade representada ali está junto deles, e tenham disso plena convicção. Porquanto, com que propósito o Senhor daria na mãoa o sinal ou o símbolo do Seu corpo, senão para tornar certa e segura a real convicção dessa verdade? Ora, se é certo que o sinal visível nos é dado para selar em nós a dádiva da realidade invisível, devemos confiar sem nenhuma dúvida que, tomando o sinal do corpo, recebemos igualmente o corpo. Como, porém, muitos são os que, não se restringindo a admitir alguma par- ticipação do corpo e do sangue de Jesus Cristo, antes insistem que essa participa- ção consiste na presença local do corpo e do sangue no sentido físico e concreto e inventam tolos devaneios em defesa dessa idéia, devemos desmascarar esse erro, sem necessidade de estender-nos muito. 19. Argumentos adicionais sobre a presença do corpo e do sangue de Cristo na Eucaristia 19.1 – O corpo ressurreto continua sendo corpo real [1536] Assim como Jesus Cristo se revestiu de nossa verdadeira carne e a assu- miu quando nasceu da virgem Maria,32 e assim como Ele sofreu em nossa verda- deira carne, assim também, quando ressuscitou, recebeu e reassumiu a verdadei- ra carne e, em Sua ascensão, transportou-a para o céu. Porque esta é a nossa esperança, que ressuscitaremos e iremos para o céu, visto que Jesus Cristo res- 31 1Co 10.16 [tradução direta]. 32 1Co 15 a. in manum tibi.
  • 20. 20 As Institutas – Edição Especial suscitou e para lá subiu. Pois, veja-se bem, quão insegura e frágil seria esta espe- rança, se a nossa verdadeira carne não tivesse de fato ressuscitado em Jesus Cris- to e não tivesse entrado no reino dos céus! E esta é a perfeita verdade sobre um corpo: Limita-se a um lugar, ficando dentro de certo espaço; tem determinadas medidas; e tem forma visível. Bem sei o que cavilam alguns cabeçudos,b querendo defender obstinada- mente o erro no qual uma vez caíram. Dizem eles que a medida do corpo de Cristo nunca foi outra que não a medida da extensão ampla e total do céu e da terra. E acrescentam que o fato de que Ele nasceu como bebê, cresceu,a foi pen- durado numa cruz, foi encerrado num sepulcro, tudo isso se fez por uma certa dispensação, para que Ele pudesse nascer, morrer e desincumbir-se de todas as demais obras humanas. E quanto aos seguintes fatos: que, após a Sua ressurrei- ção, Ele apareceu em Sua costumeira forma corpórea; foi recebido no céu visi- velmente; e, finalmente, após a Sua ascensão, foi visto por Estêvão e pelo apósto- lo Paulo33 – tudo isso também se fez pela mesma dispensação, a fim de que ficas- se claro para todos os homens que Ele foi constituído Rei e como Rei foi estabe- lecido no céu. 19.2 – Os oponentes trazem Marcion de volta Que é isso, senão trazer Marcionb de volta do inferno? Quem iria duvidar que o corpo de Cristo era fantasmagórico, se fosse dessa condição? Eles alegam que isso foi dito pelo próprio Senhor Jesus Cristo, quando declarou:34 “Ninguém su- biu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do homem, que está no céu”. Mas, será que eles são tão rudes e tapados de entendimento que não perce- bem que tais palavras foram ditas para expressar uma comunicação de propriedades?!c É como o que vemos dito pelo apóstolo Paulo35 – que o Senhor da glória foi crucificado, não que tenha padecido segundo a Sua divindade, mas que, sendo humilhado e desprezado, sofreu na cruz, e, não obstante, também é Deus, o Senhor da glória. De igual modo, o Filho do homem está no céu porque Ele, sendo o mesmo Cristo que segundo a carne é filho do homem na terra, é também Deus no céu. Por essa razão, na mesma passagem se afirma que Ele desceu do céu segundo a Sua divindade, não no sentido de que a divindade dei- xasse o céu para vir ocultar-se na prisão do corpo, mas no sentido de que, apesar 33 At 7.55,56; 9.3-5; 1Co 15.8 34 Jo 3.13 35 1Co 2.8 b. cervicosi. a. creverit. b. Marcion. Heresiarca do século II, gnóstico. Provavelmente Calvino conheceu sua doutrina por meio dos cinco livros que contra ele escreveu Tertuliano. (Uma edição dessas obras tinha sido publicada em Basiléia em 1521.) c. idiomatum.
  • 21. 21 de encher todas as coisas, ela habita na humanidade de Cristo corporalmente, isto é, natural e verdadeiramente,a36 e de maneira incompreensível.37 Outros fazem uso de uma evasiva um pouco mais sutil e dizem que o corpo que está presente no sacramento é glorioso e imortal. E, portanto, não é impró- prio que esteja em muitos lugares e que esteja contido no sacramento sem ocupar lugar ou espaço e sem ter nenhuma forma.b Mas eu lhes pergunto: Que foi que o Senhor deu aos Seus discípulos no dia anterior ao da Sua paixão e morte? Suas palavras não significam que foi o corpo mortal que logo depois seria entregue? Mas eles dizem: Antes disso Ele já havia manifestado a Sua glória aos três discípulos no Monte Tabor.38 É verdade. Contu- do, por aquela claridade luminosa Cristo lhes concedeu por breves momentos que gozassem um pouco da Sua imortalidade. Mas, quando, em Sua última Ceia, Ele lhes repartiu Seu corpo, bem próxima estava a hora na qual Ele seria ferido de Deus,39 humilhado, abatido e desfigurado como se fosse um ladrão;c bom seria que Ele se dispusesse a mostrar a Sua glória! E que enorme janela se abriria aqui para Marcion, se o corpo de Jesus num lugar fosse visto como mortal e despreza- 36 Cl 2.9. 37 No Catecismo de Heidelberg (1563), temos as questões: 35. Que Significa “Foi concebido por obra do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria?” “Que o eterno Filho de Deus, que é e permanece verdadeiro e eterno Deus, tomou sobre si a nossa verdadeira humanidade, da carne e do sangue da virgem Maria, pela operação do Espírito santo, de modo que fosse também a verdadeira semente de Davi, em tudo igual a seus semelhantes, exceto no pecado.” 48. Não ficam assim, as duas naturezas de Cristo separadas uma da outra, se a humanidade não se encontra onde está a divindade?. “De modo nenhum; pois, se a divindade é incompreensível e está presente em toda parte. Segue-se que ela está, na verdade, além dos limites da humanidade que ela assumiu, e, contudo, sempre se encontra também naquela humanidade, e permanece pessoalmente unida a ela.” Aqui também, podemos ver a questão do “extra calvinisticum”; expressão criada pelos teólogos luteranos no século XVII, para se referirem à insistência dos Reformados em afirmar que a Segunda Pessoa da Trindade não esteve limitada à natureza humana do Cristo encarnado. Sobre este ponto – mesmo sem desenvolver o assunto –, Calvino havia dito: “.... Se bem que a infinita essência do Verbo se uniu com a natureza de um homem em uma pessoa única, no entanto, nenhum confinamento imaginamos. Ora, de modo maravilhoso, do céu desceu o Filho de Deus, assim que, entretanto, não deixasse o céu; de modo maravilhoso, quis sofrer a gestação no útero da Virgem, andar pela terra e pender na cruz, para que, sempre enchesse o mundo, assim como de início.” (As Institutas, II.13.4). Os luteranos que divergiam deste pensa- mento, expresso no Catecismo de Heidelberg, criaram as expressões: “totum intra carnem” e “numquam extra carnem” (“Totalmente na carne e nunca fora da carne”). Todavia, nem entre os luteranos houve unidade de pensamento. NE 38 Mt 17.1-8 39 Is 53.4 a. 1539 tem somente: naturaliter, et ineffabili quodam modo. b. Opinião professada notadamente por Gasp. Schwenckfeld, cujo primeiro escrito sobre a Santa Ceia data de 1525; em luta com Lutero; banido da Silésia em 1528; refugiado em Estrasburgo. Capito o acolheu, mas Bucer se opôs a ele. Depois do sínodo de 1533, Schwenckfeld deixou Estrasburgo, voltou para lá, e partiu definitivamente em 1535. A lembrança dele era ainda recente, quando da chegada de Calvino. Em 1534 ele tinha publicado (mas em alemão) uma nova edição do seu livro sobre o sacramento. Calvino, em 1556, na Secunda defensio fidei de sacramentis contra Westphalum,138 trata da doutrina de Schwenckfeld chaman- do-a de “insânia”, e acrescenta: “Sedulo incubuimus ad oppugnandos Suinckfeldii errores”. 138 Segunda Defesa da Fé quanto ao Sacramento, contra [o encontro de] Westfália. NT c. 1541 tem, por erro: lardre. 1536: leprosus sine decore jaceret.
  • 22. 22 As Institutas – Edição Especial do, e noutro posasse como imortal e glorioso! Mas eu passo por altod esse tremen- do absurdo. Com relação ao corpo glorioso, que só me respondam: Será que todavia é um corpo? “Sim”, dizem eles; e acrescentam: “mas sem lugar restrito, estando em muitos lugares, sem forma e sem medida”.e Ora, isso é chamá-lo de espírito, não por palavra mas por um circunlóquio.f Ou negamos totalmente a ressurreição da carne, ou confessamos que, quando ela tiver ressuscitado, continuará sendo carne. E esta difere do espírito nisto: que é limitada pelo espaço; que é visível; e que se pode tocar. 19.3 – Nosso corpo ressurreto será como o corpo glorioso do Senhor [1539] Porque, a quem eles irão persuadir, rogo aos leitores que me digam, de que o nosso corpo haverá de ser infinito, depois de recebido na glória e na imor- talidade celestial? Ora, o apóstolo testifica que o nosso corpo será transformado e será semelhante ao corpo glorioso do Senhor.40 E os tais opositores não atribu- em ao corpo glorioso de Cristo qualidades segundo as quais ele está em muitos lugares e não é limitado por nenhum espaço, visto que não querem atribuir essas qualidades ao nosso corpo glorioso – o que seria um erro que, penso eu, ninguém aceitaria. [1536] E de nada lhes serve a objeção que às vezes fazem citando o fato de que Jesus Cristo entrou onde estavam os Seus discípulos, estando trancadas as portas.41 A verdade é que Ele o fez milagrosamente, porque não arrombou as portas, nem esperou que alguém as abrisse, mas, por Seu poder, contra todo e qualquer obstáculo, Ele se fez presente no recinto. Para completar, tendo entrado, provou para os Seus discípulos a realidade física do Seu corpo, mostrando que podia ser visto e tocado. Cortem isso dele, e não será mais corpo. 19.4 – Não negamos o poder de Deus; exaltamos Sua vontade soberana Aqui, para fazer com que sejamos odiosos, eles nos censuram dizendo que fala- mos pobremente do poder de Deus, o Todo-poderoso. Mas, ou eles forçam tola- mente as coisas, ou mentem por má fé. Porque, neste caso, não é questão do que Deus pode, mas do que Ele quer. E cremos e declaramos tudo o que Lhe aprouve fazer. Ora, a Ele aprouve que Jesus Cristo fosse feito semelhante a Seus irmãos em todas as coisas, menos no pecado. E o nosso corpo, que é? Não é de tal sorte que tem suas medidas certas, ocupa um lugar e por este é limitado, é palpável e pode ser visto? “E por que”, replicam eles, “Deus não faria que um mesmo corpo 40 Fp 3.21. “Assim como Ele ressuscitou no mesmo corpo no qual tinha padecido e o qual, todavia, teve depois outra glória, diferente da de antes, assim também nós ressuscitaremos com o mesmo corpo que agora temos, e, contudo, seremos diferentes depois da ressurreição”. [João Calvino, As Institutas, (1541), II.4]. NE 41 Jo 20.19,20. d. conniveo. e. 1536 e 1539: a;topon, polu,topon, a,schmaa,tiston, a;metron. f. periphrasi.
  • 23. 23 ocupasse vários lugares diferentes, não fosse limitado por nenhum lugar ou espa- ço definido, e que fosse sem forma alguma e sem medida alguma?”Ah insensato! Vê42 o que estás querendo do poder de Deus: que faça com que um corpo seja ao mesmo tempo corpo e não corpo! Como se pedisses que faça com que a luz seja ao mesmo tempo luz e trevas. Mas, Deus, em Seu poder, quer que a luz seja luz; as trevas, trevas; um corpo, corpo. Mas quando pedes que a luz e as trevas não sejam diferentes, que queres tu, senão perverter a ordem estabelecida pela sabe- doria de Deus? É, pois, necessário que o corpo seja corpo e o espírito, espírito, cada qual segundo a lei e a condição criadas por Deus. E a condição do corpo é que ele subsiste num determinado lugar, com suas próprias e determinadas medi- das, e em sua forma. 19.5 – Sobre a ascensão Nessa condição Jesus Cristo assumiu corpo, no qual certamente infundiu incorrupção e glória, sem contudo eliminar a sua natureza e a sua realidade pró- pria de corpo. Porque o testemunho da Escritura é claro e evidente, como quando declara: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir”.43 Pois não é que aqueles oponentes obstinados recuam, mas para dizer que, embora Ele venha em forma visível, entretanto permanece conosco invisivelmente. Mas o Senhor testificou que possuía carne e ossos que podiam ser tocados e vistos. E quanto a mover-se e subir, não é mera figura, mas significa a realização verdadeira daquilo que as palavras dizem.a [1539] Mas alguém perguntará se devemos atribuir a Cristo alguma região do céu. A isso respondo com Agostinho,44 dizendo que essa pergunta é muito supérflua e reflete pura curiosidade. Se cremos que Ele está no céu, é o bastante. 19.6 – Há distinção entre o corpo e o sangue e a respectiva comunicação de bênção Agora, se alguém quiser ligar ao pão e ao vinho o corpo e o sangue do Senhor, digo que é necessário separar um do outro. Porque, assim como o pão é distribu- ído separadamente do cálice, assim também é necessário que o corpo, estando unido ao pão, seja separado do sangue, que estará encerrado no cálice. Como, pois, eles afirmam que o corpo está no pão e que o sangue está no cálice, e sendo que o pão e o vinho são separados um do outro, os tais, por mais que queiram enganar-nos com suas tergiversações, não poderão escapar do fato de que o san- gue, na separação determinada pelas palavras do Senhor, é distintob do corpo. O que eles costumam afirmar, que o sangue está no corpo e que, igualmente, o 42 Para ênfase, mantenho aqui o tratamento da segunda pessoa do singular, como no original francês. NT 43 At 1.11 44 Lib. De fide et symbolo, cap. VI. a. sonant. b. secernendum.
  • 24. 24 As Institutas – Edição Especial corpo está dentro do sangue, é alegação frívola e vã, visto que os sinais que os encerram foram distinguidos pelo Senhor. De resto, se dirigirmos nossos olhos e nossa reflexão ao céu e nos deixarmos levar para, no sacramento, buscar Cristo na glória do Seu reino,45 seremos separadamente refeitos e renovados pela carne, sob o sinal do pão, e nutridos e fortalecidos por Seu sangue, sob o sinal do vinho, para termos pleno gozo dele. [1536] Porque, conquanto Ele tenha levado de nós Sua carne e Seu sangue, subindo ao céu, todavia Ele está assentado à destra do Pai. Quer dizer que Ele reina com o poder, a majestade e a glória do Pai.46 Este reino não é limitado por nenhum espaço ou lugar, e não é determinado por quaisquer medidas; que Jesus Cristo mostra o Seu poder onde quer que Lhe agrade fazê-lo, no céu e na terra; que Ele se manifesta presente por Seu poder; e que Ele dá constante assistência aos Seus, vive neles, sustenta-os, confirma-os, dá-lhes vigor, e não os atende menos do que se estivesse corporalmente presente. Em sumaa , Ele nos nutre com Seu próprio corpo, cuja participação Ele propicia aos Seus mediante o poder do Seu Espírito. [1536] Essab é a presença requerida pelo sacramento, presença que dize- mos que existe e que se manifesta com tão grande poder e eficácia que, não somente inspira à nossa alma uma indubitável confiança na vida eterna,47 mas também nos torna seguros da imortalidade da nossa carne, a qual já vem a ser vivificada pela carne de Jesus Cristo imortal, e de algum modo compartilha Sua imortalidade.d Os que vão além disto não fazem outra coisa senão obscurecer a verdade plena e simples. [1539] Se alguém ainda estiver descontente, venha considerar um pouco jun- to comigo o que aqui estamos sustentando a propósito do sacramento, do qual tudo deve ser reportado à fé.e Ora, com esta participação do corpo, a que aludimos, não alimentamos a fé menos que aqueles que pensam em tirar Jesus Cristo do céu. 45 Cl 3.1-3. 46 “Por sua ascensão ao céu, Cristo tomou posse do domínio que lhe fora dado pelo Pai, para que ordenasse e governasse todas as coisas pelo exercício de seu poder.” [João Calvino, Efésios, São Paulo, Paracletos, 1988, (Ef 4.10), p. 118]. “Por sua ascensão ao céu, a glória de sua divindade foi ainda mais ilustrativamente exibida, e ainda que não mais esteja presente conosco na carne, nossas almas recebem nutrição espiritual de seu corpo e sangue, e descobrimos, não obstante a distância de lugar, que sua carne é real comida, e seu sangue, verdadeira bebida.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol. II, (Sl 68.18), p. 661-662]. NE 47 Irenæus, lib. IV, c. XXXIVc . c. Essa citação de 1539 não se encontra em 1536, e não mais se acha na margem de 1541. a. Essa frase substitui um desenvolvimento de 1536 (secundum hanc rationem etc.), que precede outros pará- grafos, os quais, em 1539, são transferidos mais para cima. b. 1536: Ea est etc. 1539: Ea, inquam, est. d. Essas últimas linhas encontram-se quase textualmente na Instrução de 1537. e. Uma frase que segue em 1536 o texto acima traduzido (si quis morosulus etc.), acima já se acha traduzida um pouco diferentemente (p. , n. a).
  • 25. 25 19.7 – Aplicação da norma da fé [1536] Notem também que a norma da fé, pela qual o apóstolo48 manda pautar toda interpretação da Escritura,f nos beneficia extraordinariamente neste ponto, sem nenhuma dúvida. Ao contrário, os que contradizem uma verdade tão mani- festa, vejam bem a que regra ou prumoa pretendem ater-se. Porquanto “quem não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus”.49 E esse tipo de gente, embora o disfarce, despoja Cristo da realidade da Sua carne.c 19.8 – O correto entendimento deste assunto afasta-nos da adoração carnal dos elementos A maneira de entender o assunto por nós proposta também facilmente nos afasta- rá da adoração carnal que alguns, com perversa temeridade, impuseram ao sacramento.d Fizeram-no por sua própria conta, e dizem: “Se o corpo está ali, também, por conseguinte, a alma e a divindade ali estão com o corpo; porque não podem ser separados nem divididos. Portanto, Jesus Cristo deve ser adorado ali”. Eis aí os belos frutos que o nosso entendimento produz quando tomamos a liber- dade de abstrair-nos e desviar-nos da Palavra de Deus, seguindo os sonhos e devaneios do nosso cérebro! Mas se os forjadores desses argumentos tivessem humildemente mantido subordinadas à Palavra de Deus todas as reflexões da sua mente e do seu sentir, certamente teriam dado ouvidos ao que ela diz: “Tomai, comei, bebei”, e teriam obedecido ao mandamento pelo qual Deus ordena que o sacramento seja tomado, não adorado. Por isso, aqueles que o tomam sem adorá- lo, como foi ordenado pelo Senhor, são certificados de que não se desviam do mandamento de Deus. Tal certeza é a melhor consolação que nos poderia advir ao empreendermos ou começarmos qualquer coisa. Eles contam com o exemplo dos apóstolos, sobre os quais não lemos que tenham adorado genuflexos o sacramen- to; o que lemos é que tomaram e comeram estando assentados.e Eles contam também com o uso e costume da igreja apostólica, a cujo respeito a narrativa do evangelista Lucas informa que a participação dela na comunhão não era em ado- ração, mas no partir do pão.50 Eles contam igualmente com a doutrina apostólica com a qual o apóstolo Paulo instruiu a igreja dos coríntios, após haver declarado que tinha recebido do Senhor o que lhes ensinou.51 48 Rm 12.3. 49 1Jo 4.2,3b [tradução direta]. f. 1536: scripturæ interpretationem ad fidei analogiam exigere jubet Paulus. 1539: analogiam ad quam omnem scripturæ interpretationem exigere jubet Paulus. a. amussim. c. 1536: Tu, licet dissimules, eum carnis suæ veritate spolias. 1539: Isti, licet dissimulent, eum, etc., spoliant. d. A bula do papa Urbano IV (1264): Transiturus de hoc, prescreve a adoração da hóstia. Farel, no capítulo XIX da sua Declaração Sumária, não insiste; e só constata: “O pão é elevado e adorado como Deus”. e. discumbentes. b. 1536: I Joan. 4. 1539: Nenhuma citação. 1541 (por erro): I Jean 3.
  • 26. 26 As Institutas – Edição Especial 19.9 – Adoração fundada em conjeturas, não na Palavra de Deus Mas os que adoram o sacramento fundam-se sobre suas próprias conjeturas e sabe-se lá quais argumentos inventados por eles mesmos, e não podem citar a seu favor nem uma só sílaba da Palavra de Deus. Porque, quem que tenha mente sóbria e sadia irá persuadir-se do que eles querem nos impingir com as palavras corpo e sangue, a saber, que o corpo de Cristo é Cristo? Por certo lhes parece que o que apregoam são deduções dos seus silogismos, que julgam válidos. Mas, se suceder que a consciência deles for agitada por forte tentação ou prova, num instante os seus silogismos os deixarão espantados, perdidos e confusos, ao se verem destituídos da Palavra de Deus, firme e segura, unicamente pela qual a nossa alma subsiste quando chamada a prestar contas à razão, e sem a qual a todo momento a alma tropeça e cai arruinada. Isso tudo sucederá com esses mestres, quando virem que a doutrina e os exemplos dos apóstolos os contradizem, e quando se derem conta de que são eles próprios os autores das suas fantasias.a Junto com esses ataques movidos contra eles, sobrevirão muitos outros aguilhões e remor- sos de consciência. E então? Será coisa sem nenhuma conseqüência adorar a Deus dessa forma, sendo que não é ordenada por Deus? Havemos de apressar-nos a fazer algo a favor do que não pode citar nenhuma palavra, quando se trata do serviço e da glória que se deve prestar a Deus? Ademais, note-se que a Escritura nos explica diligentemente a ascensão de Jesus Cristo, pela qual Ele retirou da nossa vista a presença do Seu corpo, para nos vetar todo pensamento carnal sobre Ele.52 Note- se mais que toda vez que a Escritura faz menção de Jesus Cristo, ela nos admoes- ta a que elevemos o nosso espírito e O busquemos no céu, onde Ele está assenta- do à destra do Pai.53 Por tudo isso devemos adorá-lo espiritualmente na glória dos céus, em vez de inventar essa perigosa forma de adoração que nos enche de idéias torpes e carnais a respeito de Deus e de Jesus Cristo. Por essa razão, os que inventaram a adoração do sacramento imaginaram isso fora e acima da Escritura, na qual não se pode mostrar nem uma só palavra a seu favor, a qual, caso existis- se, não haveria como esquecer, se isso fosse agradável a Deus. Portanto, eles menosprezaram a Palavra de Deus, que tanto proíbe acres- centar algo à Sua Escritura como eliminar alguma coisa dela;54 e, fabricando um deus a seu bel-prazer e segundo a sua vontade, abandonaram o Deus vivo, porque adoram os dons, e não ao Doador. Nisso erraram duplamente, pois arrebataram 50 At 2.42 51 1Co 11.23 52 “Ao termos em mente a ascensão, não devemos confinar nossa visão ao corpo de Cristo, mas nossa atenção é direcionada para o resultado e fruto dela, ao sujeitar ele céu e terra ao seu governo.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol. II, (Sl 68.18), p. 660-661]. NE 53 Cl 3.1-4. 54 Dt 12.32. a. solos sibi autores.
  • 27. 27 de Deus a honra para transferi-la à criatura. E Deus foi desonrado também no sentido de que corromperam e profanaram o Seu dom com o seu benefício quan- do do Seu santo sacramento fizeram um ídolo execrável. Nós, ao contrário, para não cairmos na mesma cova, fixamosa inteiramente o ouvido, os olhos, o coração, o pensamento e a língua na sacratíssima doutrina de Deus, porque ela é a escola do Espírito Santo, ótimo Mestre. A tal ponto se tem proveito em Sua escola que não há necessidade de acrescentar nada que venha de outros, e se deve ignorar tudo o que não é ensinado nela.55 19.10 – Em memória da morte do Senhor, até que Ele venha Até aqui vimos como o sacramento que estamos analisando serve à nossa fé pe- rante Deus. Ora, visto que o Senhor no sacramento nos traz à memória grande amplitude da Sua bondade, como acima declaramos, e nos exorta a reconhecê-la, igualmente nos admoesta a que não sejamos ingratos a tão ampla e franca benig- nidade, mas sim que a engrandeçamos com louvores que Lhe sejam aceitáveis e a rememoremos e a celebremos com ação de graças.a Por isso, quando o Senhor comunicou aos Seus apóstolos a instituição deste sacramento, ordenou-lhes que fosse celebrado em Sua memória. Isso o apóstolo interpreta em termos de “anun- ciar a morte do Senhor”.56 Noutras palavras, é confessarmos todos juntos e a uma só voz que toda a nossa confiança para a vida e a salvação está na morte do Senhor, a fim de que, com a nossa confissão, O glorifiquemos, e, com o nosso exemplo, exortemos os demais a Lhe darem a mesma glória. Aqui vemos mais uma vez qual é o objetivo do sacramento, qual seja, celebrá-lo em memória da morte de Jesus Cristo. Porque, o fato de que nos é ordenado que anunciemos a morte do Senhor até que Ele venha para juízo não é outra coisa senão que decla- a. figamus. a. Cf. Instrução de 1537: Não sejamos ingratos a uma tão manifesta benignidade, mas, antes, exaltemo-la com louvores próprios e com ações de graças. 55 “A função peculiar do Espírito Santo consiste em gravar a Lei de Deus em nossos corações.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 40.8), p. 228.] É o Espírito Quem nos ensina através das Escrituras [J. Calvino, As Institutas, I.9.3]; esta é “a escola do Espírito Santo” [J. Calvino, As Institutas, III.21.3], que é a “escola de Cristo” [João Calvino, Efésios, (Ef 4.17), p. 133], “escola do Senhor” [João Calvino, Expo- sição de 1 Coríntios, (1Co 1.17), p. 55; (1Co 3.3), p. 100]; e, o Espírito é o “Mestre” [João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 1.16), p. 58]; “o melhor mestre” [João Calvino, As Institutas, IV.17.36.]; é o “Mestre interior” [João Calvino, As Institutas, III.1.4; III.2.34; IV.14.9]. “O Espírito de Deus, de quem emana o ensino do evangelho, é o único genuíno intérprete para no-lo tornar acessível.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 2.14), p. 93]. “.... é Ele que nos ilumina com a Sua luz para nos fazer entender as grandezas da bondade de Deus, que em Jesus Cristo possuímos. Tão importante é o Seu minis- tério que com justiça podemos dizer que Ele é a chave com a qual são abertos para nós os tesouros do reino celestial, e que a Sua iluminação são os olhos do nosso entendimento, que nos habilitam a contemplar os mencionados tesouros. Por essa causa Ele é agora chamado Penhor e Selo, visto que sela em nosso coração a certeza das promessas. Como também agora Ele é chamado mestre da verdade, autor da luz, fonte de sabedoria, conhecimento e discernimento”. [João Calvino, As Institutas, (1541), II.4] Portanto, “Se porventura desejamos lograr algum progresso na escola do Senhor, devemos antes renunciar nosso próprio entendimen- to e nossa própria vontade.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.3), p. 100]. NE 56 1Co 11.26. Tradução direta.
  • 28. 28 As Institutas – Edição Especial remos, mediante confissão feita por nossos lábios, o que a nossa fé reconhece no sacramento: que a morte de Jesus Cristo é a nossa vida. Temos aí o segundo uso deste sacramento no que se refere à confissão exterior. 19.11 – A Ceia nos exorta ao amor, à paz e à união Em terceiro lugar, é da vontade do Senhor que o sacramento da Ceia nos sirva de exortação em tal medida que supere tudo mais no sentido de incitar-nos e infla- mar-nos com maior veemência ao amor, à paz e à união.b Porque por ele o Senhor nos comunica o Seu corpo, e, assim, Ele se faz inteiramente um conosco, e nos faz um com Ele. Pois bem, visto como só se trata de um corpo e não mais, do qual Ele a todos nos faz participantes, deve suceder necessariamente que, por essa participação sejamos feitos, todos nós juntos, um só corpo, sendo que essa unida- de nos é representada pelo pão que nos é oferecido como sacramento. Pois, assim como o pão é feito de muitos grãos de trigoa e estes são de tal maneira misturados e fundidos que não se pode distinguir grão de grãob nem separar uns dos outros, de igual modo devemos também estar juntos e unidos de bom grado e de tal maneira que não haja entre nós nenhuma disputac e nenhuma divisão. Essa verda- de prefiro explicar com estas palavras do apóstolo Paulo: “O cálice da bênção que abençoamos é a comunhão do sangue de Cristo. E o pão que partimos é a comunhão do corpo de Cristo”.57 Somos, então, um mesmo corpo, todos nós que participamos de um mesmo pão. 19.12 – Haverá proveito real da Ceia, se houverunião e comunhão com Cristo, de coração e na prática Teremos muito bom proveito deste sacramento, se o seguinte conhecimento for gravado e impresso em nosso coração: que nenhum dos nossos irmãos pode ser difamado, escarnecido ou ofendido de algum modo, para que não ocorra que, com o nosso irmão, firamos, difamemos, tratemos com escárnio, menosprezemos ou ofendamos Jesus Cristo; que não podemos ter discórdia nem separação entre nossos irmãos sem discordar e ser separados de Jesus Cristo; que não podemos amar Jesus Cristo se não amamos os nossos irmãos; que a mesma solicitude e o mesmo desvelo que temos no trato do nosso corpo tenhamos com os nossos ir- mãos, que são membros do nosso corpo; que, assim como nenhuma parte do nosso corpo pode sofrer alguma dor sem que essa dor seja sentida em todas as outras partes, assim também não devemos permitir que o nosso irmão seja afligi- 57 1Co 10.16. Tradução direta. b. Já no início do capítulo XIX da sua Declaração Sumária, Farel escrevia: “A santa mesa visa levar-nos a entender que somos um”; a Instrução de 1537 diz: “Que nos enlacemos mutuamente por uma unidade tal que seja como a que faz que os membros do corpo, ligados entre si, formem um todo estreitamente unido”. a. b. Essa imagem encontra-se na Didaquê dos doze apóstolos, IX, 4. c. dissidii.
  • 29. 29 do por algum mal de que não participemos igualmente pela compaixão58 . Não é, pois, sem razão que muitas vezes Agostinho chamou este sacramento de laço de amor.59 Porquanto, que aguilhão poderia ser mais áspero e mais provocante para nos incitar a termos mútuo amor entre nós do que o fato de que Jesus Cristo, dando- se a nós, não somente nos convida a praticá-lo e nos mostra por Seu exemplo que nos demos e nos sujeitemosa uns aos outros, mas também que, uma vez que Ele se fez comum a todos, também faz que realmente sejamos todos um nele?b Mas, assim como vemos que este sacro pão da Ceia do Senhor é uma vianda espiritual suave e saborosa para aqueles aos quais ele dá reconhecerem que Jesus Cristo é sua vida e para os quais ele é uma exortação ao amor mútuo entre os irmãos, assim também, por outro lado, é veneno mortal para aqueles dos quais na participação do sacramento não é demonstrada fé e os quais não são incitados ao louvor e ao amor. [1539] Porque, como acontece com uma vianda física ou material quando esta encontra o estômago ocupado por humores ou líquidos nocivos, que ela se corrompe e faz mais mal que bem, da mesma forma esta vianda espiritual, se acaso cair numa alma poluída pela malícia e pela maldade, irá precipitar-se a maior ruína. Não por defeito do alimento espiritual, mas porque não há pureza naqueles que estão maculados pela infidelidade, não sendo santificadosc pela bênção de Deus. [1536] Assim é porque, como diz o apóstolo Paulo, “aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor... pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si”.60 Observe-se que nessa passagem não discernir o corpo e o sangue do Senhor e tomá-losa indignamente é a mesma coisa. Pois esse tipo de gente, na qual não há nenhuma centelha de fé, gente vazia de qualquer sentimento de amor, e que se intrometeb grosseiramente61 para participar da Ceia do Senhor, não discernec o corpo do Senhor. Porquanto, uma vez que tais pessoas não crêem que o corpo é sua vida, desonram-no, e, quanto lhes é possível, despojam-no totalmente da sua dignidade. Assim, tomando-o nessas condições, o profanam e o maculam. E, vis- 58 Ter compaixão, etimologicamente, “sofrer com”, “sentir com”. Refere-se à empatia que deve ser real entre os irmãos em Cristo. NT 59 In Joh. Tractat. 26, 13 (Migne 35, 1615), etc. 60 1Co 11.27,29 61 Literalmente: “como porcos”. NT a. devoreamus ac tradamus. b. Instrução de 1537: “Nenhum aguilhão poderia ser mais áspero nem mais ferino para nos comover e para incitar entre nós o amor mútuo, do que quando Cristo, dando-se a nós, não nos convida só por Seu exemplo a que nos demos e nos sujeitemos uns aos outros, mas muito mais pelo fato de que, assim como Ele se fez comum a nós [um só conosco], assim também nos faz todos um nele” (texto mais próximo do latim de 1536). c. 1539: sanctificatum. 1541 tem, por erro, sanctifiez. a. accipere. b. proripiunt. c. discernit. 1541 tem, por erro: discernans.
  • 30. 30 As Institutas – Edição Especial to que discordam dos seus irmãos e a eles não se unemd , atrevem-se a misturar o sagrado símbolo e sinal do corpo de Jesus Cristo com as suas divergências e discórdias, e pouco lhes importa que o corpo de Jesus Cristo seja dividido e despedaçado membro a membro. Portanto, não é sem razão que eles são réus do corpo e do sangue do Senhor, que com horrível impiedade eles corrompem de maneira tão vil. Assim, por essa manducação indigna, eles recebem a merecida condenação. Porque, visto que eles não têm fé eme Jesus Cristo, todavia, pelo recebimento da Ceia declaramf que não têm salvação em nenhum outro senão em Jesus Cristo, e que renunciam a toda e qualquer confiança que não seja nele. Com isso eles se acusam a si mesmos, dão testemunho contra si mesmos e assinam a sua própria sentença de condenação. Acrescente-se a tudo isso o fato de que, estando por ódio ou malevolência separados e distanciados dos seus irmãos, quer dizer, dos membros de Jesus Cristo, contudo testificam que a única salvação está em ter comunicação ou comunhão com Jesus Cristo e estar unido a Ele.62 Note-se de passo que a passagem em apreço muitas vezes é inutilmente citada como contrária, alegando-se que ela prova a presença local ou física do corpo no sacramento. Reconheço e declaro que nela o apóstolo Paulo fala do corpo real e verdadeiro de Jesus Cristo; mas bem se pode ver em que sentido o diz. Daí, não há necessidade de distrair-nos respondendo a essa objeção. Pela razão dita acima, o apóstolo Paulo ordena que o homem se examine a si mesmo antes de comer do pão e beber do cálice. Porque, como eu o interpreto, ele quer que cada um pense em si e consigo mesmo para verificar: se, com confi- ança de coração ele aceita Jesus Cristo como o seu Salvador e a viva voz declara que O reconhece como tal; se, a exemplo de Jesus Cristo, está pronto a dar-se a seus irmãos e a viver em comum com aqueles com os quais ele vê que Jesus tem comunhão; se, assim como reconhece Jesus Cristo, tem igualmente todos os seus irmãos como membros do Seu corpo; e se deseja e está disposto a consolá-los, cuidar deles e ajudá-los como seus próprios membros. Não significa que pretendemos que estes deveres de fé e amor podem ser perfeitos em nós no tempo presente; significa, porém, que devemos esforçar-nos, e demonstrar empenhadamente nosso desejo e nossos votos, no sentido de que a 62 “Portanto ‘comer indignamente’ é desonrar o uso puro e legítimo pelo nosso próprio abuso. Esta é a razão por que há vários graus de indignidade, por assim dizer; e alguns pecam muito mais gravemente, enquanto que outros o fazem só levemente. Nenhum fornicador, perjuro, ébrio ou impostor, sem indício de penitência, pode forçar o caminho. Visto que indiferença deste nível produz a caracterização de um cruel insulto a Cristo, não há dúvida de que alguém que recebe a Ceia assim, recebe sua própria destruição. Outros se chegam, e não se acham sob o domínio de algum erro óbvio e perceptível, no entanto não estão preparados em seu coração como o deveriam. Visto que esta displicência ou indiferença é sinal de irreverência, também merece a punição de Deus. Por isso, visto que há vários graus de ‘comer indignamente’, o Senhor inflige punições mais leves em alguns, e mais severas em outros.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 11.27), p. 361]. NE d. alienati ac dissidentes. e. repositam. f. profitentur.
  • 31. 31 nossa fé incipiente seja cada vez mais aumentada e fortalecida cada dia, e de que o nosso débil amor e a nosso fraco sentimento de caridade ganhem força e vigor. 19.13 – Não há por que atormentar os crentes sobre a questão da participação digna ou indigna Alguns, querendo preparar os homens para a digna participação do sacramento, têm afligido e atormentado cruelmente as pobres consciências, sem todavia lhes ensinarem nada do que é necessário ensinar. Dizem eles que para comer digna- mente a Ceia é preciso estar em estado de graça. E interpretam que estar em estado de graça é estar purificado de todo pecado. Por esse ensino, todos os homens que estiveram e estão na terra seriam excluídos do uso deste sacramento. Porque, se é questão de considerarmos a nos- sa dignidade em nós, significa que esta é feita por nós! Isso só nos pode causar ruína e confusão. Ainda que nos empenhemos com todas as nossas forças, nada conseguiremos, senão que acabaremos sendo mais indignos ainda, isso quando a duras penas lograrmos encontrar alguma dignidade em nós. Para tentar curar esse mal, inventaram um meio de adquirir dignidade. É o seguinte: Havendo nós examinado devidamente a nossa consciência, expurga- mos a nossa indignidade pela contrição, pela confissão e pela satisfação.a63 Disse- mos acima,b no lugar mais apropriado para tratamento deste assunto, de que ma- neira se dá esse expurgo ou purificação. No que se refere ao presente propósito, digo que esses remédios e consolos são por demais pobres e frívolos para as consciências perturbadas, abatidas, aflitas e aterradas pelo horror do seu pecado. Porque,seoSenhor,paraSuadefesa,nãoadmiteàparticipaçãodaSuaCeianinguémc que não seja justo e inocente, é necessária não pequena segurança para tornar al- guém certo de que possui a justiça que ouviu dizer que Deus exige. E como se poderá confirmar a segurança de que aqueles que se julgam em dia com Deus fizeram o que está em seu poder fazer? E ainda quando isso fosse possível, quando será que alguém se atreverá a garantir que fez tudo o que pôde? Dessa maneira, sendo que não nos é oferecida nenhuma segurança certa e clara da nossa dignidade, continuará para sempre fechada e trancada a porta de entrada para o recebimento do sacramento por aquela proibição horrível que importa em que comem e bebem juízo para si aqueles que comem e bebem indignamente do sacramento.64 63 Ação pela qual se repara uma ofensa ou um pecado. “Satisfação sacramental”, preces ou práticas impostas pelo confessor ao penitente. NT 64 “Chegamos, porém, à seguinte pergunta: Quando Paulo nos intima a um auto-exame, qual seria a natureza disto? A conclusão dos papistas é que isto consiste em confissão auricular. Ordenam a todos os que estão para receber a Ceia a examinarem suas vidas cuidadosa e minuciosamente, a fim de que aliviem-se de todos os seus pecados aos ouvidos de um sacerdote. Eis o seu método de preparação! Mas, quanto a mim, defendo a. Em sua Declaração Sumária reeditada em 1534, Farel também fala em confissão, contrição (cap. XXIX) e satisfação (XXXI). b. Cap. V (t. II, p. 171 da presente edição.139 1536 tinha, porém: posthac. 139 Na presente tradução brasileira, Vol. II, Capítulo V, logo na primeira página. NT c. neminem.
  • 32. 32 As Institutas – Edição Especial 19.14 – Demonstração dessa doutrina infeliz e indicação do seu autor Agora fica fácil julgard que doutrina é essa, e qual é o seu autor – essa doutrina que despoja os pobres pecadores de toda a consolação deste sacramento, no qual nos são oferecidos todos os dulçores do Evangelho. Certamente o Diabo, para ser o mais breve possível, não conhece melhor meio de pôr a perder os homens do que enganá-los e bestificá-losa dessa forma, para que não sintam o gosto e o sabor do alimento com o qual o bondoso Pai celestial os quer saciar. Portanto, para não tropeçarmos nessa confusão e não cairmos nesse abismo, saibamos que estas santas viandas são remédio para as nossas moléstias, consolo e fortaleza para os pecadores e digna esmola para os pobres; e que de nada serviriam para os sãos,b para os justos e para os ricos, se é que se pode encontrar alguns destes. Porque, visto que nelas Jesus Cristo nos é dado como alimento, entendemos muito bem que sem Ele desfaleceremos e seremos reduzidos a nada. Ademais, uma vez que Ele nos é dado para termos vida, entendemos muito bem que sem Ele estamos mortos em nós mesmos – totalmente sem vida. Porque nisto consiste a única dignidade, verdadeiramente excelente, que podemos apre- sentar a Deus – que Lhe ofereçamos a nossa vileza e indignidade, a fim de que, por Sua misericórdia, Ele nos torne dignos de Si; que estejamos confusos e des- concertados em nós e conosco, a fim de encontrarmos consolo nele; que nos humilhemos, a fim de que nele sejamos exaltados; que nos acusemos a nós mes- mos, a fim de que nele sejamos justificados; que estejamos e nos reconheçamos mortos, a fim de que nele sejamos vivificados.Além disso, é necessário que dese- jemos e busquemos a unidade que em Sua Ceia o Senhor nos recomenda. E como Ele faz com que todos nós sejamos um nele, que aspiremos a que haja em todos nós um mesmo querer, um mesmo coração e um mesmo linguajar. a tese de que o santo exame de que Paulo está falando está muito longe de ser tortura. Tais pessoas acreditam que ficam limpas depois de torturar suas consciências por algumas poucas horas e então permitem que o sacerdote entre em seus recessos secretos e descubra suas infâmias. O que Paulo requer aqui é outro gênero de exame, aquele exame que corresponde ao uso apropriado da Santa Ceia. “Eu tenho um método de preparação mais eficaz ou mais fácil a apresentar-lhe, a saber: se o leitor deseja extrair os benefícios próprios deste dom de Cristo, então cultive em seu coração fé e arrependimento. Daí, para que o leito se apresente bem preparado, o exame precisa estar baseado nestes dois elementos. No arrependimento incluo o amor, pois é indubitável que a pessoa que aprendeu a negar-se a fim de dovotar-se a Cristo e ao seu serviço, também se entregará de corpo e alma à promoção da unidade que Cristo nos recomendou. Aliás, o que se exige não é fé perfeita ou arrependimento perfeito. Isto é enfatizado por causa de algumas pessoas, pois ao insistirem demais por uma perfeição que não pode ser encontrada em parte alguma, outra coisa não fazem senão pôr barreira entre cada homem e cada mulher e a Ceia para sempre. Mas se o leitor é sério em sua intenção em aspirar a justiça de Deus, e se, humilhando-se ante a consciência de sua própria miséria, você recorre à graça de Cristo, e descansa nela, esteja certo de que é um convidado digno de aproximar-se desta Mesa. Ao afirmar que você é digno, estou dizendo que o Senhor não o deixa fora, ainda que em outros aspectos você não esteja como deveria. Porque a fé, ainda que imperfeita, transfor- ma o indigno em digno.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 11.28), p. 363-364]. NE d. 1536: iudicare. 1539 (por erro): indicare. a. 1536 tem somente: infatuando. b. 1536, 1539 e 1560: sanis. 1541 tem, por erro: Sainctz.
  • 33. 33 Se tivéssemos pensado e considerado essas coisas, jamais seríamos pertur- bados por estas cogitações: Como pode ser que, estando nós desprovidos e des- nudos de todo bem, estando maculados e contaminados por manchas e pecados, estando semimortos, podemos alimentar-nos dignamente do corpo do Senhor? Muito melhor será pensar que vimos pobres a um bondoso doador de esmolas; doentes, ao médico; pecadores, ao Salvador, e que a dignidade exigida por Deus consiste primária e principalmente na fé, a qual atribui tudo a Deus e em Deus tudo coloca, e nada em nós. Em segundo lugar, no amor, que é suficiente apresen- tar mesmo imperfeito a Deus, para que Ele o aumente e o melhore, visto que não podemos oferecê-lo perfeito.a Alguns outros,b concordando conosco em que a dignidade consiste na fé e no amor, todavia erram muito quanto à medida dessa dignidade, e requerem uma perfeição de fé à qual ninguém pode se ajustar inteiramente, e um amor igual ao que o Senhor Jesus Cristo tem por nós. Mas, justamente com isso eles, não menos que os acima citados, impedem todos os homens de participarem desta santa Ceia. Porque, se a opinião deles tivesse lugar, ninguém participaria da Ceia senão indignamente, pois que absolutamente todos seriam tidosc como culpados e como réus convictos da sua imperfeição. E por certo é uma grande ignorância, para não dizer asnice, exigir essa perfeição para participação no sacramento – pois a perfei- ção do homem tornaria o sacramento vão e supérfluo. Porque ele não foi instituído para os perfeitos, mas para os insegurosd e fracos, a fim de despertar, estimular, incitar e exercitar para melhor as suas deficiências, tanto na fé como no amor. 20. Freqüência da ministração da Ceia O que vimos até aqui sobre este sacramento mostra amplamente que não foi ins- tituído para que fosse ministrado uma vez por ano, e isso na forma de uma pres- tação de contas ou de satisfação, como atualmente é costume público e notório. Mas foi instituído para estar em uso freqüente, devendo ser ministrado com mui- ta freqüência a todos os cristãos, para trazer muitas vezes à sua lembrança a paixão de Jesus Cristo; para que, por essa recordação e rememoração, sua fé seja mantida e fortalecida e eles sejam incitados e exortados a proclamar louvores ao Senhor e a magnificar e publicar a Sua bondade; para que, finalmente, se nutra e se mantenha caridoso amor entre eles; e ainda para que testifiquem sua fé e seu amor uns aos outros, demonstrando a sua coesão na unidade do corpo de Jesus Cristo. Porque toda vez que comungamos recebendo o sinal do corpo do Senhor, obrigamo-nos reciprocamente uns aos outros, como que tendo firmado documen- to legala , a todos os serviços e ofícios do amor, de modo que nenhum de nós a. 1536, em lugar dessa última frase, tinha somente: quam præstamus. b. Os anabatistas. c. tenerentur. d. infirmis. a. velut data et accepta tessera.