Este documento fornece um resumo da região turística do Estoril, destacando três de seus principais atrativos: suas águas termais, reconhecidas desde o século 18 e usadas para tratamento de saúde; sua paisagem única com praias, serra e vista para Lisboa; e seu microclima excepcional, que o tornou um destino turístico de renome.
6. Em memória de
João Aníbal Veiga Henriques
pela mão de quem conheci
as ruas, as estórias e a
Alma dos Estoris
7.
8. Índice
Prefácio por António de Sousa Lara ………………………... 009
Introdução ………………………………………..……………. 011
A Região de Turismo do Estoril ………………………..……. 015
O Estoril Antes do Seu Tempo ………………………………. 025
O Pinhal da Andreza e o Monte Estoril …………………..… 033
Estoril Glamour ………………………………………...……… 045
O Sonho dos Estoris ……………………………………..…… 053
Um Estoril de Sangue ……………………………………..…. 087
Monte Estoril Romântico ……………………….……………. 101
O Estoril Franciscano ………………………………………... 129
O Estoril Moderno ……………………………………………. 135
Conclusão …………………………………………………….. 197
Hotéis no Estoril …………………………...…………………. 201
Centros de Congressos …………………………...………… 203
Golfe do Estoril ……………………………………….………. 204
Academias e Instituições ……………………………………. 204
Notas e Referências …………………………………………. 207
ACADEMIA DE LETRAS E ARTES
9.
10. Prefácio
O Estoril foi uma criação de um visionário seguido de
outros e corrompido pelas infindáveis especulações
subsequentes autorizadas por quem podia mas não devia, na
sucessão de várias administrações quer do tempo do
“despotismo” quer do tempo das amplas liberdades, venha o
diabo e escolha.
Foi um projecto de sonho, que nasceu elitista, na
cauda da Corte, do dinheiro exuberante, do jogo, da diversão,
do desporto caro, da excelência hoteleira até na desgraça. Não
fora o sonho e estaríamos num simples prolongamento do
dormitório de Lisboa, que a corrupção instalada sempre prezou
como viés de lucro imediato, sem preocupação pela morte da
qualidade e pela desgraça subsequente. Jovem autarca sempre
alertei para os riscos de se matar a galinha dos ovos de ouro.
Pareceu-me, então e até agora, ser óbvio que ninguém no seu
inteiro juízo, gasta bom dinheiro e o seu tempo de lazer para se
enfiar num dormitório suburbano, igual a outras tantas misérias
que circundam as grandes cidades povoadas de multidões
informes, que nas crises, dão cenas como as de Paris e de
Londres. Mas com a política do “já agora…” e de “ é só mais
esta excepção” tem sido destruído o exótico singular que faz a
diferença. A corrupção vê isto mesmo. Não é estúpida. É
apenas corrupta.
O Dr. João Aníbal Henriques tem sido um cruzado
na defesa deste património que não devia morrer assim. Este
livro serve tal propósito: de memorial e de alerta. Divulgá-lo é
um acto político; calá-lo também é. Está nas nossas mãos.
Depois não se diga que ninguém fez nada.
António de Sousa Lara
Presidente da Academia de Letras e Artes
11.
12. Introdução
A região turística do Estoril, marcada pelas
características de um espaço onde o clima, a paisagem, a
situação geográfica e as tradições culturais se conjugam em
torno de uma comunidade humana na qual a Identidade e o
sentido de Cidadania estão muito presentes, é hoje uma das
grandes referências da vivência sócio-urbana de Portugal.
A sua fama, no entanto, baseada nos pressupostos
atrás mencionados, mas complementada com vários outros
aspectos que este pequeno guia apresentará demoradamente,
ultrapassa largamente a racionalidade da coisa feita, perdendo-se
claramente num universo onírico que desde há muitos anos
envolve a região numa espécie de misticismo que cruza o País e
o estrangeiro. Para além dos muitos atractivos que apresenta, e
que são sobejamente conhecidos e reconhecidos por todos os
Portugueses, existe um outro conjunto de ideias, pensamentos e
sensações que o Estoril desperta e que, quase sem explicação
plausível, o dotam de uma aura de fascínio que não deixa
ninguém indiferente.
De Norte a Sul e em vários pontos do Mundo, o
topónimo Estoril é sinónimo de deslumbramento. Embora nem
sempre se saiba porquê, e muitas vezes exista por parte de quem
evoca o Estoril o mais profundo desconhecimento sobre a
realidade local, o certo é que falar nesta terra é sempre sinónimo
do despertar de mil sensações que ultrapassando os sentidos se
inserem naquela categoria que deixa marcado para sempre quem
a ela se dedica de forma constante.
O Turismo do Estoril é, pois, a actividade e o sector
que melhor compreende esta lógica transcendente, sendo capaz
de aplicar às suas estratégias promocionais, às soluções de
trabalho que apresenta e àqueles que recebe nestas paragens,
todo um conjunto de ofertas que, fomentando as experiências,
transformam uma estadia no Estoril no cadinho de um conjunto
de memórias que quem por elas passa tem muitas dificuldades
em esconder.
13. E se hoje é assim, depois de mais de seis mil anos de
uma História forte e significante que transformou cada ínfimo
detalhe no mote para mais uma estória que dá cor e ensejo a
quem por aqui procura a verdadeira sensação de viver, de igual
modo tem sido o Estoril o porto de abrigo para todos aqueles
que têm fome e sede de fomentar o diálogo, a imaginação e dos
que são capazes de ver mais além, transformando o devir diário
num exercício de estilo no qual a coisa concreta é desde logo
ultrapassada pela importância de a transcender.
Das antigas arribas estéreis que deram mote ao
topónimo actual, até ao verdejante e viçoso interior das actuais
terras Estorilenses, muitos são os caminhos, as linhas de rumo,
as opções de viagem, e as possibilidades que temos para o
explorar e compreender. O Estoril, composto por uma miríade
de povoações de traços díspares e por vezes antagónicos nas
suas origens e na formulação eclética que dá forma ao seu ser,
espraia-se assim pelas gentes que se vão revezando nas suas ruas,
recantos e casas. É certo que o que traz estas populações ao
Estoril é o carácter único e quase transcendente do espaço que
o compõe, mas não será despiciente perceber que são também
os olhares, a tez e as muitas tonalidades de pele e cabelo
daqueles que circulam nesta terra, que lhe compõem a aura de
mistério e de sonho que fomenta ainda mais a vontade de a
conhecer.
Visitar o Estoril é assim uma aventura no verdadeiro
sentido da palavra, contendo a segurança de todas as premissas
que compõem o cartaz turístico da região, mas também o
mistério que deriva da incerteza, do incompreendido e de uma
vastidão de aspectos que será necessário explorar, desvendar e
compreender. A experiência de uma estadia no Estoril é sempre
marcada pelo cunho da personalidade, pois o Sol, a serra e o
mar são elementos indissociáveis da viagem, servindo de cenário
de fundo à estadia de todos aqueles que por aqui passam,
existem elementos transcendentes e pessoais que determinam a
forma como vemos, sentimos e vivemos este local
extraordinário.
14. O guia que agora trazemos a público não é, por isso,
um tradicional conjunto de sugestões de visita que definem
percurso e caminhos que o turista deverá seguir para nada
perder. Pelo contrário… é um conjunto de pistas, de sinais e de
orientações que apelam à construção de caminhos
personalizados e impactantes para todos aqueles que tiverem a
coragem de os fazer.
Queremos gerar memórias e essas, feitas sobre as
rochas fortes das recordações, não vivem sem que sejam
tocadas pela imaginação e pela forma como os aromas, as cores
e as texturas as condicionaram durante o período que passaram
cá dentro. As memórias construídas dessa forma, conjugando o
que realmente existe com as sensações produzidas pelas
experiências que cá se viveram, serão estórias (mais do que
História) que quem agora nos visita irá contar, vezes sem conta,
ao longo de várias gerações, durante todo o tempo em que viver.
É isto um destino de excelência. É este o caminho
que permitirá ao Estoril singrar e afirmar-se como o local de
excepção numa Europa marcada pelo alinhamento, pela
estreiteza de visão, e pelo facto de ser tudo muito semelhante e
parecido. O Estoril alimenta os espíritos com a sua diferença e
conjuga visões com a sua capacidade de surpreender. O Estoril
é um caminho mais do que um destino, um rumo certo em
direcção à vida verdadeira e às memórias perenes que são
essenciais para a criação da identidade humana e para o sentido
humanista que só quem experimenta pode verdadeiramente
compreender.
João Aníbal Henriques
Verão de 2011
15.
16. A Região de Turismo do Estoril
Situada no Concelho de Cascais, a pouco menos de
vinte e sete quilómetros de Lisboa, o Estoril é uma das mais
extraordinárias estâncias turísticas do Mundo. Tem, por um lado,
todos os benefícios de estar junto à capital, com uma excelente
acessibilidade a todos os meios e equipamentos que a grande
cidade oferece e, por outro lado, a pacatez que resulta da sua
situação única, vincada por um perfil muito próprio no qual as
características marcantes se tornam mais evidentes.
O nascimento e crescimento do Estoril, pouco lógico
se nos ativermos às principais linhas que permitem
compreender a sua situação geográfica, centrou-se basicamente
em três factores que ainda hoje condicionam a sua importância
numa Europa ávida de qualidade: o seu posicionamento junto à
Costa, assumindo-se como complemento a Cascais e como se
fosse uma espécie de guarda avançada na defesa de Lisboa; as
suas águas medicinais que para aqui trouxeram gente à procura
de cura durante muitos séculos; e o seu microclima excepcional.
Relativamente à primeira característica, ainda hoje
visível através dos muitos fortes, revelins e fortificações diversas
que lhe enchem as costas e areais, é evidente que o facto de se
assumir como estrategicamente importante para a defesa da
capital acabou por ser responsável pelo seu primeiro incremento
populacional. Muitos das estruturas defensivas que marcam a
sua linha de costa foram transformadas, aliás, nos mais
emblemáticos e expressivos da arquitectura residencial que
marcam a paisagem Estorilense.
O Forte da Cruz, situado em plena Praia do Tamariz
ou o Palacete Schröeter, que acabou por dar nome à praia em
questão, são apenas dois exemplos da forma como a
arquitectura defensiva que marcava a paisagem Estorilense se
adaptou a novos usos e ajudou a compor a paisagem
excepcional que aqui se pode admirar.
17. A paisagem é, aliás, a grande potencialidade do Estoril.
Marcada a Norte pela linha de horizonte no qual sobressai a
Serra de Sintra., que simultaneamente protege a localidade dos
ventos dominantes que dali chegam ao mar, o Estoril vislumbra
ao longe a linha costeira de Cascais, com a sua marina e cidadela
e, a Nascente, os contornos da costa que acompanham o Rio
Tejo até à Cidade de Lisboa. Do lado do mar, e para além do
grande areal do Tamariz, o Estoril possui ainda a Praia das
Moitas, o que resta do outrora cosmopolita areal do Monte
Estoril, a Praia da Poça e a conceituada Praia da Azarujinha,
situada junto à localidade de São João. A seguir, depois de duas
ou três enseadas de contornos românticos e difícil acesso ao
cidadão comum, a maravilhosa Praia de São Pedro com a sua
Ponta do Sal onde um observatório astronómico equipado com
equipamento óptico de primeira qualidade, permite ao visitante
admirar de forma pormenorizada todos os aspectos que
compõem esta paisagem sem igual.
Um dos principais atractivos do Estoril, que o
transformou num local de visita pelo menos desde o Século
XVIII, quando o Rei Dom José para aqui veio a banhos tentar
curar as maleitas de pele e ossos que o afectavam, reside nas
suas águas termais.
Segundo Francisco da Fonseca Henriques, que nessa
altura publicou um pequeno texto sobre as águas especiais do
Estoril, as nascentes sulfurosas apresentam três olhos de água
que garantem uma temperatura sempre agradável da mesma:
“Junto ao convento dos Religiosos de Santo António, em uma
Quinta chamada do Estoril, está um tanque, em cujo fundo
nascem três olhos de água, que ao romper da manhã está quase
morna, e pelo dia adiante se põem menos fria, que qualquer
outra água comum. Corre por minerais de algum enxofre, que
sempre se supõem em todas a água, que nasce quente…”. O
médico Francisco Tavares, em 1810, volta a mencionar as águas
do Estoril, desta vez sublinhando o seu carácter já antigo e a sua
importância para o tratamento de várias maleitas. Neste texto,
que serve também para explicar um pouco da História longa do
18. lugar, o autor sublinha a existência de pelo menos dois
estabelecimentos para banhos rentabilizando o potencial das
águas: um de maior qualidade e com condições de higiene
adequadas àqueles que tinham dinheiro para as pagar, e um
segundo, situado junto à Praia da Poça, em São João do Estoril,
basicamente destinado aos pobres que também procuravam
aquele lugar: “junto à falda de um monte nasce grande
quantidade de água, que antigamente formara um lago, diáfana,
muito salobra, e brota das suas origens, que são do lastro por
cima, em 84º de calor na escala F. ou 23 na de R.[…] Pelos anos
1787 ou 1788, se construíram, e ainda existem doze banhos com
divisões de lajes postas a prumo, que tem por cima pequenas
casas de madeira para comodidades dos banhistas. Afora estes
doze banhos há um mais bem reparado e com casa mais ampla e
decente, aonde tomam banho pessoas de maior distinção e
alguma vez ali tomou o Senhor Rei D. José, de saudosa
Memória. Na altura correspondente à superfície do tanque cheio
há um cano, que recebe a água que, continuamente nascendo,
sobrepuja e sai por ele para outro tanque a que chamam o
Banho dos Pobres, aonde a água é já fria, e nenhum reparo
há….”
Já depois de restauradas por José Viana da Silva
Carvalho, que mais tarde deu origem ao primeiro topónimo que
deu fama ao Estoril – A Quinta do Viana – as termas
conheceram um novo período de apogeu, tendo-se construído
um edifício apalaçado que, em estilo neo-Árabe, evoca os
antigos hábitos de ir-a-banhos pouco conhecidos até aí em
Portugal. Tenreiro Sarzedas, que em 1902 faz a inspecção
médica ao novo estabelecimento de águas, descreve desta forma
as Termas do Estoril: “pela beleza da sua arquitectura e
cuidados esmerados na instalação bem deve considerar-se um
dos mais aprimorados de entre os que possuímos. A sala de
atmosfera húmida, onde também há quatro pulverizadores, uma
sala de duches de agulheta e em forma de chuva, para senhoras;
uma sala com iguais instalações, para homens, tendo mais um
aparelho para duches circulares; uma sala para duches rectais,
19. vaginais, perineais e lombares, com uma banheira de mármore
para imersão; uma sala com quatro inaladores e pulverizadores e
dois aparelhos para duches nasais e auriculares. A parte central
do edifício e ocupada por um espaçosíssima sala em estilo
oriental, que constitui a sua edificação mais luxuosa e esmerada,
podendo mesmo dizer-se de aparência sumptuosa. Ao centro
desta sala está uma enorme piscina de forma circular, contendo
água do mar, e destinada a exercício de natação. Em dezoito
gabinetes construídos com todo o esmero e mobilados
correctamente, estão outras tantas banheiras de mármore, em
que se ministram os banhos de água termal, de água do mar e de
água comum, conforme a prescrição clínica.”
Quando foi constituída a Sociedade Estoril Plage,
pelas mãos de Fausto Cardoso de Figueiredo e com o firme
propósito de transformar o Estoril na mais conceituada das
estâncias turísticas Europeias, nova intervenção ocorreu no
edifício termal e as águas, já conhecidas e de reconhecido mérito
terapêutico um pouco por todo o lado, transformaram-se em
mais uma das potencialidades que o Estoril se empenha em
aproveitar. Numa das publicações científicas da época, que a
propaganda da Estoril Plage transforma numa espécie de
panfleto promocional das águas termais, a nascente do Estoril
aparece com uma descrição completa e detalhada, demons-
trando a enorme qualidade e as muitas potencialidades que urgia
aproveitar: “L’établissement thermal actuel, luxueux et
confortable, est installé dans un édifice spécialement construit
dans le but auquel il est destine. Il se compose d’un sous-sol et
de deux étages. Dans sous-sol e tau rez-de-chaussée sont les 40
cabines de bain construites en porcelaine écossaise, les sales de
repos, une piscine, la sale de gymnastique et de mécanothérapie,
etc. Au premier étage, dans l’aile sud du bâtiment est installe
L’Hôtel du Parc. On administre dans cet establishment thermal
des bains d’immersions vulgaires, des bains d’eau minérale e
salée, des bains carbo-gazeux e de bulles d’air, des bains avec
douche sous aquatique et avec irrigation vaginale, des douches
écossaises, refroidies, chaudes, froides, circulaires et en pluie,
20. des inhalations, des pulvérisations et des douches nasales. On y
fait aussi des applications de diathermie, de rayons ultraviolets et
des courants électriques, les bains de lumière généraux et locaux,
les massages, les douches d’air chaud et diverses formes de
mácanothérapie ».
Para além das Termas do Estoril, existiam ainda, um
pouco mais abaixo junto à região de São João do Estoril, os
Banhos da Poça, um estabelecimento que utiliza a mesma
nascente de água que alimenta as piscinas principais, mas que
teve sempre uma utilização mais humilde.
Pouco tempo depois da realeza e da alta aristocracia
se instalarem nas zonas nobres de Cascais e do Monte Estoril, a
burguesia procurou um local para os seus tempos de veraneio.
Entre a Poça e a Cadaveira, junto a um grupo de modestas
habitações, nasceu com pompa e circunstância a povoação de
São João do Estoril O edifício dos Banhos da Poça, ainda hoje
existente, é o ex-libris principal daquele que foi o primeiro passo
para a construção da Costa do Sol.
Quando Luís Filipe da Matta e Carlos Tavares, em
1890, constituíram uma sociedade para explorar os recursos
hídricos da zona da Poça, onde era possível encontrar águas
com propriedades medicinais notáveis, que curavam as doenças
de pele e o reumatismo, mal imaginavam o contributo que
estavam a dar para a constituição daquilo que hoje é
comummente designada como a Vocação Turística do
Concelho de Cascais.
De facto, e apesar desta iniciativa ter surgido como
uma espécie de resposta burguesa à aristocrática pois a
Companhia Monte Estoril, que algum tempo antes dera início à
urbanização do antigo Pinhal da Andreza (hoje a localidade do
Monte Estoril), o núcleo habitacional que envolvia os Banhos
da Poça já existia há algum tempo. No entanto, pela condição
social e política dos seus habitantes, e também pelo carácter
pouco ostensivo das suas casas, era considerado espaço de
importância inferior no contexto da vivência social portuguesa
do final do Século XIX.
21. Muito embora as águas da Poça fossem conhecidas
desde há muito, existindo notícia do seu aproveitamento formal
desde meados do Século XVIII, quando ali se construiu um
modesto balneário, somente com Luís Filipe da Matta e o seu
sócio se procedeu ao seu correcto aproveitamento. No início da
última década do Século, edificou-se no local do antigo
balneário um moderno edifício torreado e com ameias, ao jeito
do carácter romântico que caracterizava a arquitectura de então.
Interiormente, possuía grande qualidade terapêutica e condições
logísticas que o colocavam entre os melhores do Mundo inteiro.
Os quartos de banho com tinas de mármore, onde os doentes
desenvolviam a terapêutica prescrita pelo Dr. Carlos Tavares –
discípulo do famoso médico Sousa Martins – levavam longe a
fama da qualidade daquele espaço, que possuía ainda um
majestoso salão com 200 m2, um amplo estrado com um piano
e uma mesa de bilhar e dois terraços com magnífica vista sobre
a Baía de Cascais. De acordo com notícias da época, são
milhares os visitantes que anualmente procuram a localidade de
São João do Estoril.
Foi precisamente com a criação dos Banhos da Poça,
empreendimento digno de uma nota especial pelo cuidado que
os seus promotores colocaram na sua idealização, na sua
concepção e na sua promoção, chegando a editar opúsculos de
grande qualidade onde se publicitavam as virtudes das águas que
utilizavam, que a povoação envolvente começou a crescer.
No dia 22 de Junho de 1890, como relatam Branca
Colaço e Maria Archer nas suas “Memórias da Linha de
Cascais”, o Presidente da Câmara Municipal de Cascais – Jaime
Artur da Costa Pinto – inaugura formalmente a povoação. Para
celebrar o acontecimento, realizou-se no Chalet Brito uma
grandiosa festa, que reuniu a grande maioria dos habitantes da
recém criada São João do Estoril. De acordo com Raquel
Henriques da Silva, que teve acesso a fotografias do evento, o
acto decorreu com carácter solene, tendo mesmo pavilhão real
para acolher o Rei Dom Carlos e a sua esposa a Rainha Dona
Amélia.
22. Pouco tempo depois, a viúva de António Marques
Leal dá início à construção “por sua conta”, da estrada de
ligação do apeadeiro de São João à zona da Cadaveira, dando
ensejo à criação daquele que depressa se tornará o mais
importante núcleo construído da moderna localidade.
Para a já mencionada investigadora Raquel Henriques
da Silva, São João fica a dever o seu crescimento à abnegada
intervenção de um grupo de endinheirados beneméritos que ali
se instalou. A suas expensas, e procurando ultrapassar as
dificuldades logísticas e financeiras do município cascalense,
homens como Luís Gonzaga Reis Torgal, Manuel José Martins
Contreiras, Watts Garland e Alfredo Júlio Brito, foram
urbanizando e embelezando a localidade, a eles se ficando a
dever grande parte dos modernos arruamentos de São João,
bem como a colocação do mobiliário urbano que transformou a
face da povoação.
Sem controle oficial das entidades competentes, e
crescendo ao ritmo dos gostos pessoais dos seus ilustres
proprietários, São João do Estoril vai conhecer assim uma
enorme diversidade de estilos e uma originalidade construtiva
que dificilmente encontra paralelo no território português,
transformando aquele espaço num centro urbano interessante e
completo.
Apesar de os Banhos da Poça terem sido
abandonados pouco tempo depois, passando mais tarde à posse
da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, a quem continuam a
pertencer, foram eles que despertaram a atenção dos munícipes
daquela época, transformando-se numa espécie de cadinho que
contribuiu para o florescimento do turismo português.
Muito embora sejam hoje pouco conhecidos dos
Cascalenses, e quase totalmente desconhecidos dos muitos
turistas que permanentemente nos visitam, os Banhos da Poça
são indubitavelmente uma das mais valiosas peças do
património arquitectónico Cascalense.
O uso terapêutico das águas, e mais tarde a sua
promoção turística, não teriam sido possíveis sem que se
23. concretizasse o projecto global que Fausto Cardoso de
Figueiredo traçou para o local. As suas características e
abrangência, bem como a escala a que foram projectadas as
inúmeras intervenções que consubstanciaram a sua
concretização, fazem deste Estoril um local que transcende
largamente as suas características naturais e se assume como
destino de excepção num Mundo ávido de qualidade.
Para além da paisagem e das suas águas,
complementadas com a situação geográfica atrás descrita, o
Estoril possui ainda uma espécie de microclima excepcional. A
fama desta sua característica, que já no Século XIX se dizia que
impedia os sapatos de ganharem bolor e os pregos de
enferrujarem, acabou por subverter por completo todo o
projecto, dando forma a um aumento quase exponencial da sua
aura mítica de local irrepetível em Portugal.
Dados oficiais da actualidade apontam para cerca de
300 dias de Sol por ano no Estoril, contrastando largamento
com os cerca de 230 que, em média, caracterizam o resto do
País, e com os pouco mais de 150 que se assumem como a
média noutras partes da Europa. O Sol, numa primeira fase
conjugado com a praia, foi o primeiro atractivo de fulgor
turístico Estorilense, principalmente durante a fase em que tais
características, que hoje se encontram amiúde com preços
muitos mais atractivos em localizações exóticas por este Mundo
fora e que nessa altura estavam ainda fora do alcance dos
Europeus, se assumiam como principal mote do viajante.
Conjugadas depois com a paisagem irrepetível, com um
património cultural riquíssimo, com a proximidade a Lisboa e
com as suas águas especiais, depressa o Estoril consegui singrar
nesta área nova que deu origem a um Portugal moderno e
alternativo.
Para além do número elevado de dias de Sol, outra
das características especiais do Estoril prende-se com a sua
temperatura ambiente. Fresca no Verão e amena no Inverno,
com temperaturas que raramente ultrapassam os 30º
Centígrados durante o Estio e os 12-13º Centígrados no pico da
24. invernia, o Estoril usufrui ainda da brisa fresca que lhe chega do
Oceano Atlântico conjugada com o sopro mais frio que vem do
Norte a partir da Serra de Sintra.
Com estas temperaturas, que comparativamente com
as da generalidade dos países Europeus quase se podem
considerar tropicais, o Estoril possui as condições de excelência
para a prática de um vasto conjunto de desportos de ar livre que,
conjugados com o lazer puro e simples, complementam a sua
oferta e o transformam num atractivo adicional para visitar o
local. O Golfe, a vela e outros desportos náuticos, associados ao
ciclismo e a vários desportos radicais, são ainda
complementados com a proximidade à Serra de Sintra, hoje
transformada num parque natural que, para além de atractivo
reservatório de equilíbrios ambientais, é também palco
privilegiado para desportos e actividades de natureza que hoje
são um dos principais atractivos para viagens de curto alcance
dentro de uma Europa cada vez menos distante.
Se a tudo isto juntarmos estrategicamente a
proximidade a Lisboa, com o seu aeroporto internacional de
cidade que se situa a cerca de meia-hora dos hotéis Estorilenses,
e bem assim os cinco minutos que o separam da Vila de Cascais,
vemos depressa que o Estoril está dotado de todo o tipo de
ofertas que permitem ombrear com os destinos turísticos
principais.
Como muito bem pensou Fausto de Figueiredo
quando para aqui veio morar, o Estoril precisa somente de ser
pensado no seu conjunto para que possa ser promovido com a
excelência que sempre mereceu.
Nos dias que correm, em que o Centro de Congressos
está construído e tem sido gerido de forma pujante; em que o
Casino Estoril se assumiu já como grande referência não só em
termos Nacionais como também internacionais; em que as
novas termas oferecem um produto de luxo conjugando as suas
virtudes terapêuticas com as mais modernas práticas de SPA e
welness; em que a oferta hoteleira e de golfe tem na região um
dos maiores índices de qualidade; e que num raio de poucos
25. quilómetros temos museus, um hipódromo, uma marina, um
centro de ténis, um centro cultural, vários centros históricos
excepcionais, e uma grande capital, então facilmente
percebemos que temos em mãos uma das maiores preciosidades
deste nosso Portugal…
26. O Estoril Antes do Seu Tempo
Antes de ser Estoril o Estoril era estéril… dizem
alguns livros e repetem vezes sem conta os antigos guias
turísticos que promovem a região. Mas não é verdade. O Estoril
antes do tempo histórico, quando os primeiros homens pisaram
a terra, é um espaço pleno de actividade e de motivos de
interesse, cujos vestígios subsistiram e são hoje pontos-chave
numa visita à região.
Das Grutas Artificiais de Alapraia até às Villae
Romanas, são muitos e variados os pontos de interesse que
fazem parte do repertório de visita ao Estoril e que, mercê do
trabalho de investigação de historiadores e arqueólogos é hoje
bem conhecido e está acessível a qualquer visitante.
A maior contrariedade relativamente ao passado mais
longínquo do Estoril prende-se com o facto de a grande maioria
das intervenções arqueológicas que permitiram conhecer os seus
vestígios ter acontecido num período já muito recuado do
tempo. De facto, por exemplo no que aos actuais jardins do
Casino diz respeito, são conhecidas as histórias de vários
investigadores que, a troco de cigarros ou garrafas de cerveja,
recebiam os artefactos que se iam encontrando à medida em que
as obras iam decorrendo. Os vestígios arqueológicos que nos
mostram como era o actual Estoril antes do período mais
recente da sua História, para além de estarem espalhados por
vários museus em muitas zonas do nosso País, foram recolhidos
de forma indevida, muito descontextualizados e num momento
em que a actividade arqueológica Portuguesa se pautava por
algum amadorismo e por pouco conhecimento.
Apesar disso, e pese embora alguma inexactidão que
resulta das dificuldades atrás mencionadas, o certo é que é
possível perceber que as primeiras comunidades humanas
devidamente sedentarizadas e organizadas se instalaram no
Estoril no final do quarto ou logo no início do terceiro milénio
27. Antes de Cristo. É dessa época longínqua, quando os primeiros
grupos de homens encontraram nesta região o conjunto de
características climáticas e estratégicas que a tornaram atractiva
para a fixação das suas famílias, que datam as principais
necrópoles Estorilenses e, sobretudo, os vestígios mais
interessantes e com maior potencial turístico que existem na
região. A importância dessas peças, bem demonstrativa da
forma como o estabelecimento dos grupos humanos obedeceu a
critérios de qualidade que, na prática, foram os mesmos que o
Estoril moderno procura estabelecer, transcende largamente o
âmbito local, uma vez que, para além de nos permitirem
compreender a forma como se consolidou a Pré-História
Cascalense, são também demonstrativos de uma determinada
capacidade inveterada dos que aqui habitam para atingirem
patamares de desenvolvimento cultural que ombreiam com o
que de mais avançado existe no Mundo desse tempo.
Muito embora existam poucas noções sobre a
localização dos espaços de habitação nesses tempos, o certo é
que os vestígios fúnebres, nomeadamente as grutas artificiais
que hoje já se conhecem na Alapraia e em São Pedro do Estoril,
demonstram uma arreigada proximidade entre os espaços e as
pessoas, só possível se pensarmos que o dispêndio de energia e
de tempo necessário à construção desse tipo de monumentos,
para além de demonstrar o grau de desenvolvimento das
estruturas simbólicas associadas ao culto dos mortos e, por isso,
de desenvolvimento social das comunidades, mostra também
que existiria uma capacidade de entendimento e de
conhecimento do território que torna possível o
estabelecimento no local ao longo de várias gerações e lapsos de
tempo longos e profícuos. Como é evidente, qualquer forma de
ocupação efectiva do território exige capacidade para exploração
das potencialidades do local e, naquilo que é hoje o espaço
Estorilense, os locais localizados no actual centro da povoação,
junto às Avenidas Aida e Clotilde, no espaço onde está
construído o Casino Estoril e onde estão os jardins, seria aquele
que melhor se adequaria a esse efeito. Seria certamente aí que se
28. localizariam as zonas de assentamento populacional,
pressuposto que é corroborado pelas notícias dos achamentos
que aí aconteceram durante as obras de construção das
estruturas turísticas que hoje conhecemos.
Um dos principais motivos de interesse desta época
longínqua na compreensão do Estoril do presente relaciona-se
directamente com a forma como evoluiu estruturalmente o
pensamento dos que há tanto tempo habitaram este espaço. Se
numa primeira fase foram exclusivamente as condições naturais
oferecidas pelo território que condicionaram as escolhas feitas
pelas gentes, procurando sempre os espaços em que o equilíbrio
entre o dispêndio de energia consumido na angariação de
alimentos e os consumos calóricos fossem mais eficientes, o
certo é que rapidamente a morfologia e o enquadramento dessa
ocupação começou a alterar-se. A funcionalidade dos objectos e
a dinâmica dos espaços, dependentes de acções práticas que se
prendem com o quotidiano e com a vida, deu lugar a processos
de paulatina ritualização que, retirando o cunho prático àquilo
que se fazia, subvertiam a lógica da ocupação para a dotar de
aspectos que favoreciam a vida mental. É este o caso, por
exemplo, das famosas sandálias votivas de calcário, encontradas
na necrópole artificial de Alapraia que, exigindo uma técnica
cuidada e uma atenção aos detalhes de longe muito superior
àquela que seria necessária para criar igual artefacto mas em pele
e com possibilidades reais de uso o dia-a-dia, demonstram bem
a forma como estava desenvolvida essa componente cultural
por parte daqueles que habitavam o Estoril de então. A
possibilidade de terem sido manufacturadas ao longo de várias
gerações, ou seja, de vidas que se seguiram a outras vidas até
estar completo o objecto, mostra bem quão arreigado seria o
sentimento de pertença ao grupo e, da parte deste, relativamente
ao espaço, para que fosse possível dedicar este tempo a uma
actividade teoricamente supérflua. Por outro lado, o tempo
dedicado à criação do artefacto, necessariamente subtraído ao
cumprimento das obrigações práticas do quotidiano, como
caçar, plantar ou pescar, obrigava à existência de uma estrutura
29. social de apoio consciente e organizada, facto que denota a
necessidade de uma organização bem estruturada e, sobretudo,
de uma capacidade dinâmica de entendimento da importância
do tempo votado à simbologia.
A ancestralidade sagrada de determinadas zonas do
actual Estoril., nomeadamente associadas aos espaços de
enterramento e culto, é assim transversal à História da
localidade, determinando um percurso pleno de motivação que
pode sustentar, depois de devidamente preparado, um pólo
acrescido de interesse para promover o destino Estoril.
As sandálias votivas de calcário, pela sua forma e
expressão muito mais adequadas a viagens astrais do que
propriamente a viagens físicas, são demonstrativas da
capacidade de perceber o Mundo que rodeava este proto-
Estorilenses. E esse interesse, sustentado no conhecimento do
Mundo e das coisas, é transversal a toda a humanidade ao longo
de todos os tempos, sendo, por isso mesmo, um dos produtos
turísticos que mais crescimento tem registado ao longo dos
últimos anos.
Na Alapraia, as grutas artificiais inserem-se na
tipologia a que os arqueólogos chamam de ‘tipo coelheira’,
associando a sua forma física ao espaço de habitação do coelho.
Na prática, o espaço escavado na rocha, com um corredor de
acesso baixo e estreito e com uma câmara de deposição em
forma arredondada, associa-se à forma física da fêmea humana,
definindo um tipo de ritualística em que o mote se coloca no
útero materno e no culto matrístico, ou seja, na conjugação da
componente lunar da humanidade com a necessária definição da
componente pós-vida que tanta importância tem para a psique
humana. Esta formulação ritualística, pela complexidade que
apresenta e pela forma como determina a evolução de
pensamento do grupo que a concretiza, é em si própria
suficiente para demonstrar a forma como estas comunidades já
possuíam uma organização social determinada pela noção
transcendente de divino, e dessa forma, já teriam também a
complexidade cultural que abrange a espiritualidade e a religião.
30. Nas grutas de Alapraia, pela forma e pelo rito a elas associado, é
possível encontrar o cadinho da vivência cultural da
comunidade Estorilense actual, com a modernidade de
pensamento que a caracteriza e, simultaneamente, os valores e
princípios que determinam os sistemas mentais da generalidade
dos povos que compõem o Mundo Ocidental. São, por todos
estes motivos, espaço de potencial extraordinário que exigem
um tratamento diferenciado e uma promoção assente no
carácter único e irrepetível que lhes dá forma.
Um outro aspecto importante, quando abordamos
este Estoril tão antigo, tem a haver com o enquadramento das
grutas de Alapraia e de São Pedro com outras análogas que
existem um pouco por toda a Europa mediterrânica. E o certo,
apesar do seu carácter ancestral e da natural ausência de
comunicações que caracterizava essa época, é que eles partilham
a totalidade dos princípios que norteavam essas construções e
isso, abarcando o plano internacional no qual o Estoril sempre
foi importante, denota a existência de contactos efectivos e de
trocas culturais permanentes entre esses diversos espaços. Ou
seja, o Estoril cosmopolita que hoje conhecemos, no qual as
pessoas de todos os credos, cores e origens sócio-culturais se
cruzam normalmente nas ruas, restaurantes e hotéis locais,
existe já há praticamente cinco mil anos, sendo desses contactos,
estabelecidos em rede desde o princípio dos tempos, que se
criam os hábitos que hoje ajudam a caracterizar a região.
Na abordagem turística a este Estoril Pré-Histórico
importa, por isso, ser capaz de definir com exactidão o conjunto
de potencialidades que, resultando do devir histórico que deu
forma ao lugar, acabam por ser hoje os vestígios palpáveis das
existências de outros tempos. E que esses, por seu turno, são
precisamente os factores mais importantes num plano
promocional assente não tanto nos produtos que outros
destinos conseguem oferecer em melhores condições (e
possivelmente mais baratos), mas sim através de um plano de
comunicação mais alargado onde se insiram estes elementos
31. únicos que são, por si próprios, motivo suficiente para
determinado tipo de visitantes viajarem até ao Estoril.
As Grutas de Alapraia, por exemplo, são uma
excepcional forma de o fazer. As estruturas físicas existentes,
com as câmaras praticamente intactas e ainda para mais sendo
actualmente propriedade municipal, e um vasto conjunto de
artefactos que as complementam e que se encontram
literalmente encaixotados nas catacumbas do Museu dos
Condes de Castro Guimarães, em Cascais, são suficientemente
atractivos para servirem de mote a viagens científicas e culturais
de qualidade excepcional. Não podem, como é evidente,
continuar no estado de abandono em que hoje se encontram. E,
perante o conjunto de operadores que trabalha e “vende” lá fora
a região, será fundamental transmitir-lhes com determinação o
valor e a significação de um sítio deste género. Se a isso
conjugarmos a existência no Concelho de Cascais em geral e no
Estoril em particular de diversas instituições directamente
relacionadas com a academia internacional e a vida universitária,
depressa perceberemos que existem os laços, os canais de
comunicação, os especialistas locais que conhecem e percebem
os monumentos, e as estruturas empresariais que as podem
rentabilizar, que são mais do que suficientes para transformar
aquele recanto abandonado da Freguesia do Estoril num dos
mais extraordinários pólos de atracção turístico-cultural de
Portugal.
Em tempos mais recentes, depois de as sociedades se
terem complexificado e as estruturas humanas que as compõem
se terem moldado a forma novas de organização social,
diferenciáveis principalmente através do surgimento de
estruturas proto-estatais que condensam numa chefia as
principais determinações que promovem a evolução e o
progresso, existem poucas notícias daquilo em que se
transformou o Estoril.
Sabe-se, no entanto, que em termos rituais e
sobretudo nos espaços de enterramento, se mantêm incólumes
as estruturas de pensamento anteriores, isto porque nas grutas
32. artificiais, onde a deposição dos mortos obedece a regras estritas
e a princípios de iniciação dos quais depende a própria
organização social do mundo dos vivos, o enterramento dos
mortos vai acontecendo de forma ininterrupta ao longo de
diversas épocas e culturas. À medida em que os milénios vão
passando e os grupos humanos evoluem nas suas formas de
pensar, os espaços sagrados são sempre os mesmos, alterando-
se o ritual e o conjunto de artefactos que o compõem, mas
mantendo-se a mesma especialidade, facto que denota alguma
transversalidade na forma como se determinam os caminhos
dos grupos.
33.
34. O Pinhal da Andreza e o Monte Estoril
Situada estrategicamente junto ao litoral Cascalense, a
povoação do Monte Estoril é certamente um dos locais que
merece um maior cuidado de observação e análise. A sua
importância, mais do que pelo enorme e valioso espólio
arquitectónico e cultural que possui, vem-lhe da sua situação
actual, composta por partes de um cenário simultaneamente
abandonado e requintado, cruzando laivos de uma existência
pouco linear da qual está muitas vezes afastada a lógica mais
pura.
A situação actual do Monte Estoril, agravada por um
desconhecimento paulatino relativamente às suas origens, é
assim de perfeito desentendimento histórico, sociológico,
cultural ou mesmo comercial, uma vez que, neste outrora rico e
característico interstício da nossa linha de costa, é possível
encontrar uma incompreensível mistura de novas edificações,
inseridas numa arquitectura moderna e incaracterística, com
velhos e esplendorosos edifícios de finais do século passado,
excelentemente bem conservados e mantidos e que, por seu
turno, possuem nas vizinhanças restos semi-destruídos do
Monte Estoril de outrora, com a pujança e o glamour do
passado transfigurado numa existência incongruente e
enigmática. Os interesses de todos aqueles que por ali habitam
ou simplesmente passam, estão assim em confronto permanente,
tornando também este espaço, outrora conhecido pela sua
vivência comunitária, num sítio sem memória, sem passado, sem
presente e sem perspectivas de futuro.
Para abordar de forma sentida o Monte Estoril de
hoje, após vários períodos mais ou menos prolongados de
incúria e destruição exacerbada, interessa fundamentar as
observações que pretendemos em três perspectivas diferentes,
afinal de contas as únicas que o tornaram naquilo que hoje
representa: o local, a história e as suas gentes.
35. Em primeiro lugar, este sítio é o resultado de um
processo recíproco de interacção entre o Homem, o meio e a
história que, em conjunto, fundaram uma povoação em que o
caos aparente se transforma em harmonia, e em que o sentido
inerente à sua disposição, embora deixando transparecer o êxito
das acções que ali foram levadas a efeito, depressa se transforma
em acaso e insucesso, factores onde assenta, com raízes
profundas o sucesso de outrora. O Monte Estoril é, acima de
tudo, uma mistura quase incompreensível de um
cosmopolitismo lusitano com um aparente portuguesismo
estrangeirado, conjugados com uma acção de reciprocidade
aparentemente caótica, mas que mais não é do que o cume da
montanha do paradoxo. Contradição, paradoxo e acaso são
assim as principais formas que orientaram a criação deste
outrora considerado “paraíso terrestre”, incompreensível à
mente humana da actualidade sempre muito sujeita às pressões
quotidianas da vida moderna, mas plena de sentido quando
observada pelos eternos românticos do fim do século XIX. O
sentido do Monte Estoril, bem presente em todos aqueles que
daqui se consideram, muito embora possam ter nascido no
ponto mais nórdico da Europa ou no extremo sul da Oceânia,
está assim patente e escondido; patente para quem o não
procurar, perdendo-se no seio das ruelas ladeadas de jardins; e
escondido, de todos os olhares atentos que por ali procurem
observar algo de mais vigoroso e rico.
Torna-se assim difícil, perante esta pequena
introdução, mencionar aquilo que foi, que é e que poderia vir a
ser o Monte Estoril, uma vez que não existe um só, mas muitos,
de acordo com a perspectiva de quem o observa. Tal como
Cascais e as pequenas aldeias saloias que compõem o seu
concelho, este pequeno aglomerado populacional vale por
aquilo que representa, um símbolo da Portugalidade e uma ideia
de algo que consegue existir para além de tudo aquilo que o
Homem possa imaginar.
Dizia em tempos que já lá vão há muitos anos o sábio
Santo Agostinho (1), que o tempo já não existe. O passado,
36. segundo o próprio, não o podemos observar pois já passou,
tendo deixado de existir; o futuro, ainda não veio, pelo que não
existe também; e o presente pela fugacidade que o caracteriza,
ainda não é presente quando nele pensamos porque ainda não
veio, e já é passado quando esse momento passa, não podendo
assim existir também. O mesmo se passa com o Monte Estoril,
patente na mente de quem o imaginou, mas diferente daqueles
que o programaram. O Monte Estoril é assim algo que não
existe, existindo eternamente, fruto do pensamento dos
Homens, da vontade dos Deuses e adaptado àquilo que cada um
dele espera.
A recuperação do Monte Estoril, mais do que um
exercício de reordenamento urbanístico que deverá estender-se
a outras localidades do concelho de Cascais, passa sobretudo
pela requalificação conjugando aqueles três factores que já
mencionámos. A programada substituição da população Monte
Estorilense por escritórios e serviços, tal como foi definido num
Plano Director Municipal de Cascais de má memória, é retirar
deste espaço grande parte da sua marginalidade, mas é também
matar definitivamente uma vivência característica, irrepetível e
sã, que sempre norteou a existência das populações que aqui
habitaram.
Se tal assunto, numa primeira análise, parece não
interessar muito para o desenvolvimento harmonioso da Área
Metropolitana de Lisboa e do próprio País, imaginemos a
actuação análoga de muitas outras câmaras municipais, sem
qualquer espécie de representatividade efectiva, transformando
Portugal num espaço turístico sem qualquer espécie de atractivo,
e de onde estão ausentes todas as características da
Portugalidade… A pérola que o Monte Estoril ainda é exige
uma abordagem dinâmica e globalizada, que conheça e faça
reconhecer as inúmeras potencialidades excepcionais deste local
tão especial.
O Monte Estoril de outros tempos oferecia o sol e o
mar, conjugando tais factores com a beleza da sua paisagem e
com o resplandecente movimento social que apresentava. O
37. Monte Estoril de hoje não podendo apelar aos mesmos
atractivos que se encontram amiúde noutros locais e quase
sempre com custos mais reduzidos, tem obrigatoriamente de ser
capaz de se reconstruir a partir do carácter irrepetível das suas
características intrínsecas. Isto significa, numa altura em que o
movimento turístico flui muito mais em torno das emoções e
das memórias afectivas do que propriamente a partir dos velhos
arquétipos que deram origem a este sector de actividade, que
espaços como este, que a Companhia Monte Estoril sonhou há
praticamente 130 anos, são uma espécie de cadinho no qual é
possível desenvolver relações empáticas que gerem novos focos
de interesse.
O apelo, tendo em conta esta orientação, é para que
sejamos capazes de recriar um Monte Estoril completamente
novo mas com a capacidade de sentir velho ao mesmo tempo,
no sentido de avançar contribuindo também para a recriação de
Cascais e da imagem externa de Portugal!
O contributo dos Estoris para o cumprimento deste
desiderato, centrado numa abordagem completamente
alternativa às potencialidades atrás mencionadas, exige que o
sector do turismo, sempre ávido de formas novas de pensar o
futuro, seja capaz de se reinventar, fomentando a identidade
local e uma forma plena de cidadania.
As abordagens que têm sido levadas a efeito sobre o
Monte Estoril, sejam elas de cariz turístico, cultural ou mesmo
social, possuem até hoje um elemento comum: o facto de
assentarem, em exclusivo, sobre a dicotomia entre o património
edificado e as pessoas que ali desenvolveram as suas actividades.
De facto, se atendermos ao Monte Estoril de hoje,
depressa nos aperceberemos de que essa relação recíproca entre
as edificações e as pessoas que as utilizaram são a peça-chave
para a compreensão daquilo que foi esta pequena povoação,
outrora conhecida como a Côte d' Azur Portuguesa. No entanto,
e porque de uma perspectiva geral pretendemos tratar, difícil
seria deixar de abordar a temática directamente relacionada com
38. o meio envolvente que, como se usa hoje dizer, diz respeito a
todos, cabendo a todos um papel único na sua salvaguarda.
O meio ambiente do Monte Estoril, pelo menos
aquele que hoje encontramos, nada tem a ver com o outro que
foi encontrado por José Jorge de Andrade Torrezão, o primeiro
dos grandes construtores dos chalés de veraneio do Monte.
Segundo Branca Gontha Colaço e Maria Archer (2), numa das
mais sentidas obras escritas sobre os concelhos de Cascais e
Oeiras, e que, à laia de permeio aconselhamos vivamente a
leitura e a reflexão sobre os assuntos focados, revelam ter sido o
território actualmente ocupado pela povoação em questão,
completamente deserto, apenas ornado de vastas manchas
verdes de pinheiros que, inclusivamente, acabaram por
influenciar a própria toponímia antiga do sítio, que se chamou,
durante muitos anos, simplesmente Pinhal da Andreza: «Solidão
absoluta. Nem casa nem choupana, Pã vagueava no seu domínio
como um verdadeiro deus. Não se ouvia balido de ovelha nem
flauta de pastor. O mar inundava, com seu canto majestoso, a
solidão magnífica. Os pinheirais gemiam em uníssono as
saudades dos temporais».
Estudar o Monte Estoril de hoje, pensando
demoradamente sobre a razão de ser dos diversos chalés de
diferentes características inexplicavelmente salpicando as antigas
matas de pinheirais e ocupando progressivamente as apetecíveis
colinas, é sobretudo um esforço de reconstituição daquilo que
foi este mesmo território antes de possuir as actuais edificações.
Como tal, qualquer estudo que se faça sobre a arquitectura e o
urbanismo do Monte Estoril terá de possuir, a suportá-lo, uma
abordagem mais alargada que permita perceber, em termos de
colocação e divisão do espaço, qual a lógica subjacente ao
desenvolvimento que se efectivou durante a última década do
século XIX. Como é óbvio, aqueles que primeiro chegaram a
este sítio, encontraram uma disponibilidade total de ocupação
do espaço, disponibilidade essa patente devido ao total
alheamento dos construtores face ao enquadramento do
conjunto edificado, uma vez que o mesmo não existia;
39. alheamento ainda face a possíveis sujeições legais, pois não
existiam parâmetros rígidos nem definidos que orientassem os
projectos (quando existiam os projectos); e alheamento, afinal
de contas pois o facto de o terreno não estar ainda muito
utilizado, permitia a escolha precisa do local para criar a nova
habitação, bem como a forma através da qual se desenvolveriam
os arruamentos e os jardins que a iriam circundar. Actualmente,
quando alguém escolhe um terreno para edificar uma habitação,
tem obrigatoriamente de ter em conta as casas construídas em
redor, tal como os acessos e o seu estado, e a forma como o
quintal se poderá articular com a edificação e com a rua, de
modo a promover as necessidades da família ocupante e de
melhor cumprir os objectivos para que foi criada. Tal facto, ao
contrário do que sucedeu no Monte Estoril, ajudou a criar na
actualidade uma certa monotonia de valores estéticos, facto que
podemos observar nos novos bairros recentemente construídos,
bem como nas vedações em tapume metálico que abundam em
quase todos os quintais Cascalenses. A rua assume aqui uma
função de mera passagem deixando de marcar
significativamente o carácter do local, facto que é acentuado
pela cada vez maior necessidade de privacidade, que vai alterar
toda a estratégia das relações de vizinhanças e, assim,
reestruturar a concretização histórica do povoado.
No Monte Estoril, a ausência de construções foi
motivo sobejamente suficiente para afastar dos primeiros
edificadores todos e quaisquer receios de falta de privacidade,
facto facilmente contemplável através dos muretes de baixa
altura que circundavam as habitações. Por outro lado, a própria
vivência social da época, fruto do enriquecimento abrasileirado
de muitos burgueses lisboetas, criava a necessidade de promover
a sociabilidade, facto que condicionou de modo perene as
próprias características das ruas que tinham como principal
função a de facilitar o acesso às novas edificações, mostrando,
ao mesmo tempo, o esplendor de todas aquelas que ficavam na
vizinhança.
40. As características das casas, bem como os
pormenores que rodeiam a sua arquitectura, assumem assim um
papel de verdadeiros documentos no que diz respeito à
compreensão daquilo que foi a estrutura mental e social que
esteve na origem do Monte Estoril. Os pequenos espanta-
fantasmas, de ferro forjado e de formas arrojadas, muitas vezes
aliados a janelas de águas-furtadas conjugadas com telhados de
duas águas muito inclinados acentuando o seu carácter nórdico,
mais não são do que características para serem admiradas do
exterior, tanto mais que representavam a possibilidade de estas
grandes famílias burguesas lisboetas usufruírem dos lucros que
obtinham com as suas práticas comerciais e, assim,
demonstrarem à aristocracia Cascalense, que continuava a
veranear em Cascais sem qualquer espécie de condições, que o
seu poderio económico lhes permitia usufruir de excelentes
condições de férias, muito embora não fossem bem recebidos
nas praias da moda frequentadas pela Família Real e pela
generalidade dos membros da corte.
Cascais mantinha nessa altura, praticamente todas as
velhas estruturas que possuía muito antes de ser o local
escolhido para o fim da época estival da corte. As casas,
deterioradas por muitos anos de uso, e pelo completo
desajustamento face às novas necessidades, só muito
dificilmente se adaptavam aos usos modernos, sendo por isso
bastante complicado, à grande aristocracia portuguesa, poder
desenvolver umas férias na praia mantendo o estilo de vida que
possuíam na capital. Pelo contrário, no Monte Estoril, a nova
burguesia enriquecida, dada a facilidade que possuía na
construção dos seus chalés, podia facilmente impor-se pela
moda, aproximando-se assim daqueles que até aí tinham
conseguido manter a supremacia do relacionamento da alta-
sociedade portuguesa. Ramalho Ortigão, numa das suas mais
conhecidas obras dedicadas ao acto de veranear, não deixa de
acentuar que embora Cascais fosse a mais importante praia da
Estremadura, possuindo até o palácio real, não deixava de sofrer
com a falta de desenvolvimento urbano que a caracterizava (3):
41. «Como povoação, Cascais é a mais importante das praias da
Estremadura. É cabeça de concelho. O número dos seus fogos
é de cerca de 1.700 - exactamente o mesmo número que existia
há cem anos, o que prova que Cascais, se não tem prosperado,
também não tem decaído durante o curso do último século». Tal
facto é ainda acentuado pela estagnação que caracterizava os
preços pedidos pelas habitações na vila de Cascais: «[...] A renda
das casas, que se alugam com mobília e louça durante os meses
de temporada de banhos, com quanto não seja absolutamente
elevada, é ainda pouco menos do que o preço porque as
mesmas casas se venderiam, se alguém as comprasse, há quinze
anos».
O contraste entre a velha aristocracia portuguesa,
desde sempre acompanhando a corte e possuidora de genes que
se ligavam directamente a vários episódios importantes da
História de Portugal, estava patente em muitas ocasiões ao
longo do Verão, sendo de salientar o peso que tal diferença teve
na forma como foi edificada a nova estância balnear do Monte
Estoril, e esta, em época subsequente, na mais jovem Estoril. É
ainda Ramalho Ortigão que, nas suas “Praias Portuguesas”,
muito ao estilo da literatura Nacional da época, melhor descreve
esta disfuncionalidade social, responsável por episódios
caricatos, divinamente relatados por Ferreira de Andrade na sua
“Vila da Corte” e que, pela sua importância na compreensão da
ambiência e do enquadramento paisagístico do Monte Estoril,
não hesitamos em transcrever: «As senhoras da burguesia
destoam neste meio e não fazem bem em sujeitar-se ao
contraste desse confronto, a não ser que não tenham levado as
suas jóias, que não ponham senão vestidos velhos, que usem o
mais simples dos penteados e que sejam despretenciosas e boas,
- no qual caso todas as mulheres, qualquer que seja o seu
nascimento e a sua categoria, são igualmente elegantes e
distintas».
Esta necessidade de mostrar aquilo que possuíam,
valorizando assim a posição recentemente assumida em
desprimor daquilo que eram as bases sólidas da aristocracia de
42. então, demonstra de sobremaneira as tentativas sucessivas que
esta classe social desenvolveu com o intuito de se aproximar da
elite social do País. Esses esforços, verificáveis quotidianamente
através dos ornamentos e das jóias que procuravam ostentar,
jóias essas que, na grande maioria dos casos não eram acessíveis
à maior parte dos membros da aristocracia depauperada,
causavam assim reacções cada vez maiores de encerramento
dentro dos diversos grupos, que se protegiam desta forma das
investidas cada vez mais audaciosas que eram promovidas pela
burguesia.
Em termos mais simbólicos, era nas casas que se
podiam encontrar os maiores vestígios da transformação social
verificada em Portugal naquela época, sendo que, de entre todas
as povoações deste País, o Monte Estoril é, com toda a certeza,
aquela que maiores potencialidades de demonstração possui. As
suas edificações, ornamentadas excessiva e excentricamente,
promoviam o aparecimento de uma ambiência nova, facto que
causou grandes transtornos à elite social vigente. As casas do
Monte Estoril, principalmente aquelas que foram construídas
com intuitos puramente de veraneio, são assim a face visível de
uma terrível luta fratricida, que mais tarde culminou em Cascais
na tomada de poder por parte das forças revolucionárias
republicanas, fruto de um exacerbado ódio criado no seio de
uma dicotomia que separava o Monte de Cascais, e depois do
Estoril e das restantes povoações da costa litoral deste concelho.
Em relação a esta luta, é ainda Ramalho Ortigão quem na obra
citada, melhor descreve a forma como se procurava a todo o
custo, furar as apertadas teias da modernidade social, servindo-
se de um saber instituído, mas também utilizando os
estratagemas que derivavam na recente ascensão financeira do
grupo: «Os homens novos que quiserem fazer o que se chama a
entrada no mundo, a investidura social, devem procurar esta
praia para abrir a brecha, para penetrar na praça. Aconselhar-
lhes-emos nesse caso que não emitem os homens que
acompanham essas senhoras e são seus pares. Não, caro leitor
inexperiente e amigo! Se quiseres ser recebido nesta sociedade
43. portuguesa - em que se pegam os touros, em que se toca a
guitarra, em que se dança o fado - não toques o fado, não
pegues os touros, não bebas, não fumes, não deites para trás o
chapéu dando-lhe um piparote na aba. Tudo isso fazem os
fidalgos, mas tu, burguês, nunca parecerás um fidalgo se o
fizeres. Parecerás apenas um moço de cavalariça e nenhuma
dessas senhoras consentirá em que lhe apertes a mão. Não
tenhas também muito espírito, nem maneiras muito acentuadas,
nem opiniões muito expressivas. Sê o mais que possas fácil,
complacente, obscuro, nulo. Vai à missa, lê o teu ripanço, está
de joelhos na igreja, confessa-te uma ou duas vezes, veste-te
como um padre ou como um saloio, dá-te um ligeiro ar idiota,
inofensivo, pascácio. Terás um sucesso infalível. As senhoras
receber-te-ão com agrado, como um auxiliar que não que não
compromete, como um passivo, como um neutro. Apresentar-
te-ão, rindo, às suas amigas. Pedir-te-ão os pequenos serviços
suaves que se encarregam aos procuradores e aos capelães: que
chegues uma cadeira, que vás buscar as luvas, o lenço ou o
chapéu de sol que esqueceu, que acompanhes esta, que vás
chamar aquela, que deites no correio uma carta para aqueloutra,
etc.; terás uma incumbência de responsabilidade nos pic-nics,
nos passeios em burro, nas soirées de subscrição; serás o ponto
ou o contra-regra, o comparou o criado que traz a carta nas
representações de salão. Converter-te-ás finalmente num
personagem que será lembrado, requerido, utilizado. No ano
seguinte àquele em que por estes meios te houveres introduzido
na sociedade, poderás então tocar guitarra, enrolar nos dedos,
em pleno clube, diante das senhoras, um pestilento cigarro de
papel, arrojar o chapéu da testa para a nuca com o piparote
fadista, e falar o calão - porque terás tomado posse, e
principiarás a exercer o teu lugar de janota nacional, encartado e
inamovível».
A constante luta travada entre os membros da
burguesia endinheirada portuguesa e a velha e empobrecida
aristocracia de cepa, tiveram o seu ponto mais fulgurante na
velhíssima vila de Cascais, que assistiu, em poucos anos, a uma
44. radical transformação urbanística. Para responder à chegada da
corte, muitos houveram que resolveram escolher Cascais para
estância de veraneio, e esses, quando possuíam as posses
necessárias para tal efeito, não hesitavam em construir as casas
ao estilo mais arrojado de então, servindo-se dessa construção e
do seu esplendor para alicerçar a sua posição no espectro social
nacional. É esse o caso, por exemplo do Palácio dos Duques de
Palmela, construído de acordo com elevados parâmetros de
qualidade e subordinado à experiência de arquitecto requintado
e muito escolhido, com o intuito de fazer frente a uma
ostentação que a coroa e a rainha dificilmente conseguiram
suportar no seu mal-acabado palácio real adaptado da velha
fortaleza de Cascais.
O Monte Estoril, em momento subsequente vai servir
de resposta desta nova classe burguesa ao atrevimento social da
aristocracia, utilizando para tal os recursos que possuía em
maior quantidade: dinheiro, ideias inovadoras e espaço livre.
Foi sobretudo a conjugação deste capital imediato
com a liberdade espacial que caracterizava o velho Pinhal da
Andreza, que condicionou o aparecimento de uma povoação
baseada em novos parâmetros urbanísticos, onde as dificuldades
geográficas naturais, de acordo com o projecto de Carlos Anjos,
se tornariam um incentivo essencial para a criação de uma
ambiência que não existia em mais nenhuma parte do mundo. A
construção do lago, e do aqueduto que traria a água da sua
quinta de Vale de Cavalos, serve assim de exemplo para
demonstrar quão importante era, para a época em questão, a
ostentação da superioridade burguesa nacional, dispondo de
verbas de valor e de força empreendedora, conseguindo tornar
um desinteressante pedaço de terra, em mais um quase celestial
povoado Cascalense. O cuidado posto neste empreendimento
foi de tal ordem, que o próprio Carlos Anjos previu com todo o
cuidado o enquadramento necessário à criação de um ambiente
novo, preservando as espécies vegetais de maior valor e
misturando-lhes os vestígios de outras espécies exóticas trazidas
de diversas partes do mundo O ponto a que chegou esse
45. projecto foi tão profundo que o seu mentor previu ainda a
cobertura das ruas com areia, como forma de promover a beleza
e limpeza do sítio, bem como as aves que vagueariam por entre
as ramagens viçosas e fulgurantes das espécies para aqui
transportadas. O constante chilrear de pássaros mais ou menos
conhecidos, misturado com o esplendor vegetal, completaria
assim o conjunto fornecido pelas diversas edificações que
possuíam também elas características que as tornavam únicas
em todo o País.
A complementar estes aspectos urbanísticos a
Companhia Monte Estoril, no mesmo projecto, proibiu a
construção de muros de grandes dimensões, complementando
tais directivas com a obrigatoriedade da recolha de pedras das
praias Monte Estorilenses para a sua construção. As copas das
árvores, tocando-se sob o azul do céu, em conjunto com os
muros rústicos de pedra natural, promoveriam assim a tal
envolvência espacial que a burguesia necessitava para
transformar a sua estância de veraneio num local onde a
qualidade de vida fosse, de facto, altamente apetecível.
Se no Monte Estoril foi possível criar uma povoação
com estas bases, e que de facto se tornou única no mundo, tal
se ficou a dever, em primeira análise ao envolvimento natural
que lhe esteve na origem, sendo que a completa liberdade
espacial, mesclada com as dificuldades geográficas que existiam
em grande quantidade, promoveria neste sítio o nascimento de
uma simbologia dinâmica e definitiva, transformando o Monte
em algo de único que o devir histórico Cascalense não tem
conseguido preservar.
46. Estoril Glamour
O impacto da paisagem dos Estoris, seja no meio do
denso matagal do Monte, das falésias extraordinárias da Poça os
nos estonteantes jardins do Casino Estoril, raramente consegue
salvaguardar o discernimento necessário para olharem
atentamente ao nosso redor.
Mas a grande questão, aquela que transforma por
completo um passeio casual pelas terras maravilhosas dos
Estoris, é que tudo faz mais sentido quando antes de iniciar o
seu périplo, o viajante se detém durante alguns minutos a fitar a
linha do horizonte e a observar a Vila de Cascais. De facto, foi
em Cascais que tudo começou e foi em resposta aos problemas
que a vila piscatória apresentava em termos do desenvolvimento
que lhe trouxe a chegada da Família Real e da Corte em 1870,
que se assistiu às primeiras intervenções no antigo Pinhal da
Andreza.
O carácter vincado do Estoril, baseado numa espécie
de cenário prodigioso que se foi construindo a partir da
estrutura mental romântica que acompanhou o final do Século
XIX Português, prende as suas raízes mais profundas na
perplexidade que representou para o País a chegada da Corte a
Cascais. Ao contrário do que vinha sucedendo desde há muitos
séculos, a Família Real optou por deixar Sintra no final do
Verão para vir para Cascais onde o Rei Dom Luís se deleitava
com os salpicos salgados da água do mar.
A decisão de se instalar na até aí quase desconhecida
vila situada no extremo mais Ocidental da Europa, surge
envolvida em polémica e nalguma galhofa junto dos círculos
socialmente mais favorecidos da moderna sociedade Lisboeta. É
que enquanto que em Sintra, em Évora, em Mafra ou em Vila
Viçosa a Corte se deslocava de palácio em palácio, instalando-se
em edifícios deslumbrantes que davam forma à grandeza que se
imagina que acompanha sempre a figura do Rei, em Cascais a
Família Real ficava instalada no Palácio do Governador da
47. Cidadela que é, na sua diminuta expressão, o reaproveitamento
das antigas instalações militares da velha guarnição…
Mas a situação ainda se complica um pouco mais
quando falamos do resto da Corte. As grandes famílias
Portuguesas, habituadas ao fausto e à grandiosidade dos salões
da capital, sentem-se obrigadas a vir para Cascais com os Reis e
a Família Real, mas aqui chegadas, contrariamente ao que
acontece noutros locais, não têm outro remédio senão instalar-
se nas minúsculas e velhas casinhas dos pescadores, trazendo
consigo os serviços de refeições, toda a loiça, roupa de cama, etc.
Nos primeiros dias depois da chegada a Cascais chegava a ser
cómica a cena, com dezenas de criados trajados a rigor a
esforçarem-se o mais que podiam para limpar e aconchegar os
casebres Cascalenses que os pescadores locais lhes alugavam
para a estadia de veraneio.
Nas revistas da moda e até junto dos mais
conceituados escritores da época como Ramalho Ortigão, são às
dezenas as crónicas e as descrições deste inusitado momento.
Cascais, povoação conhecida por ser “feia” e pelo ditado que
corria de boca em boca e dizia “a Cascais uma vez e nunca
mais”, sentava-se ao espelho e pinta-se como se fosse uma
primeira bailarina de uma qualquer sala de ópera Europeia.
Depois de tratada, e principalmente durante os meses em que
por cá permaneciam os visitantes ilustres da capital, tornava-se o
espaço da moda onde convinha ser-se visto pois disso dependia
o êxito social do Inverno seguinte.
A partir dessa altura, como se tivesse sido
transformada num enorme palco de teatro, Cascais tornou-se a
terra do fingimento. Fingia-se não sentir o desconforto dos
casebres precários onde sangues ilustres eram consumidos pelos
percevejos; fingia-se ter dinheiro que não se tinha ou, tendo-o,
fingia-se ter um sangue azulíssimo… Era em Cascais que,
depois de muito penar nos empregos e trabalhos árduos da
capital, se gastavam as economias guardadas com esforço; e era
também aí, em episódios caricatos e repetidos vezes sem conta
ao longo dos anos, que se traçavam as alianças entre as famílias,
48. as estratégias empresariais e muitas vezes até os casamentos que
deram forma a uma nova geração de Portugueses.
No dia 30 de Setembro de 1899, poucos dias antes da
morte do Rei Dom Luís e da subida ao trono do seu filho Dom
Carlos, um acontecimento alterou por completo a situação da
vila traçando, quase simultaneamente, o destino daquele que virá
a ser o mais conceituado rincão turístico de Portugal. A
inauguração do caminho-de-ferro entre Cascais e Pedrouços,
atravessado diariamente por dezasseis comboios diários que
circulavam a uma velocidade completamente inusitada para
aquela época e ligavam a vilória piscatória directamente à capital,
anulou a distância real existente entre esses dois pontos e
aproximou definitivamente Cascais da cidade de Lisboa. Para
além das alterações significativas que esse momento teve na
redefinição da estrutura social da vila, o comboio trouxe
também consigo todo um enorme conjunto de potencialidades
que os grandes empreendedores da época imediatamente
começaram a aproveitar.
A primeira grande alteração visível na recém-
cosmopolita Vila de Cascais acontece na sua vertente urbana.
Para facilitar e tornar digno o trajecto que a família Real
percorria entre a estação de comboios e o Palácio Real, abriu-se
uma nova avenida com largura e desenho suficientemente
modernos para poderem estar à altura de tão importante
acontecimento. A inauguração da Avenida Valbom, que
imediatamente se encheu de novas casas, alterou radicalmente a
fácies de Cascais, introduzindo-lhe um requinte urbano que foi
essencial para a consolidação da sua vertente cosmopolita que
tão importante virá a ser na definição do paradigma turístico dos
futuros Estoris.
O glamour do Estoril não tem, por isso, a haver
directamente com as casas, os monumentos, os museus, ou
sequer com as pessoas que lá moraram. Prende-se sobretudo
com as estórias, que se assumem com ‘E’ porque não são
História, mas compõem as emoções e as memórias que lhe dão
forma.
49. Este Estoril nasce no plural. Não é um mas são vários.
O Monte, onde Santo António não chegou mas onde as ruas e
as casas transbordam de uma História muitas vezes sentida mas
nunca contada; o Santo António Franciscano no qual os frades,
acudindo pela pobreza, deram espaço a uma das mais
requintadas terras de Portugal; São João onde a burguesia gastou
o dinheiro novo que a vida facilitada da revolução industrial
veio criar; São Pedro que assumiu a paternidade de um local
onde a esterilidade era marcante e onde o antigo Cae-Água
parecia mal; e São José, que acabou por não vingar na Parede…
Enquanto Cascais se criava a partir da Vila piscatória
que então era, e os casebres humildes se enchiam de apelidos
sonantes que para ali transportavam às costas o peso das suas
histórias, os Estoris permaneciam incólumes, esperando de
forma sublime os sonhadores que os tornaram em coisa real.
Tudo é ilusão nesta terra única em Portugal. Em
Cascais iludiam-se os pergaminhos através de apelos nem
sempre bem conseguidos ao bom gosto e à vida requintada.
Lutava-se, muitas vezes corpo a corpo, por impor as regras e os
costumes que de muito longe se importavam. O resultado,
quase sempre inglório, traduzia-se numa feroz incapacidade para
tornar verdadeiro o dia-a-dia que aqui grassava. As senhoras,
oriundas da mais ilustre aristocracia, deambulavam com os seus
trajes de gala por entre as redes de pesca sujas e com os pés
enterrados no profundo areal. Fingiam-se confortáveis e bem.
Fingiam-se preparadas para enfrentar a dura realidade de um
Portugal muito atrasado onde as discrepâncias entre a vida
quotidiana das pessoas e o dia-a-dia na capital era gritante,
preocupante e abissal. Fingiam sorrisos quando se cruzavam
umas com as outras ou quando, mercê do acaso e da sorte,
encontravam em pleno passeio algumas das figuras mais
relevantes da corte de então. Até o Rei ou a rainha, com muita
sorte, se podiam encontrar nas ruas de Cascais. E elas fingiam.
Fingiam sempre para a eventualidade de terem um encontro
igual e de, nesse momento, poderem curvar-se perante tão
excelsas figuras que eram o modelo da sociedade de então.
50. Mas nessa altura os pescadores também fingiam.
Dedicavam-se a servir os senhores e tentavam portar-se à altura
dos costumes que eles traziam consigo da capital.
Abandonavam as suas casas e moravam em barracas precárias
para ganharem algum dinheiro durante o período estival. E
fingiam que era sempre assim, que as casas não eram as suas, e
que aqueles senhores que vinham com o Rei eram iguais ao
cliente habitual. As mulheres, cientes do seu papel na economia
do casal, lavavam a roupa, vendiam o peixe e comentavam os
vestidos, as maneiras e os modos desta gente tão especial. E
também fingiam. Fingiam-se importantes perante os fingidores
que lhes ocupavam as casas onde elas passavam o seu Natal.
Fingiam todos, afinal.
E o contra-senso imperava. Quem fingia menos era
precisamente o Rei e a Família Real. Instalavam-se na Cidadela
de Cascais, precariamente adaptada a residência real mas não o
faziam para fingir nada de especial. Dom Luís, primeiro, e D.
Carlos, depois, gostavam mesmo de Cascais. Gostavam do mar,
das ondas, do clima, do peixe, dos barcos e da praia. Dom Luís
refugiava-se nos seus estudos e nas prospecções. Estava em
Cascais para poder estar próximo do mar. Morreu assim, a
contemplá-lo. Dom Carlos gostava de tudo o resto. Gostava do
mar também, mas não perdia uma ocasião para andar livremente
por Cascais, sem escoltas, seguranças ou quaisquer outros
cuidados. Fingia um pouco também. Fingia que não era
ninguém importante e fingia que era seguro perder-se assim
conversando aqui e ali com os pescadores de Cascais.
Nessa altura não se fingia. Perante o Rei todos eram
como eram… pois se ele era assim também.
Mais um contra-senso para a Estória da região.
Porque motivo não fingia ninguém perante o Rei e fingia-se
sempre que ele virava costas e se dedicava ao mar?
Possivelmente porque só assim se compreende a vida da corte e
o mundanismo que atrai a atenção e transporta consigo o brilho
do glamour que todos desejam.
51. Entretanto os Estoris iam nascendo lá naqueles
pinhais bravios que se perdiam no horizonte ainda vazio. Antes
de serem coisa concreta e de as ruas e as casas começarem a ser
construídas, tornaram-se estância importante na imaginação e
nos sonhos de uns quantos. José Jorge de Andrade Torrezão
sonhou com um Monte Estoril marcado de chalets românticos
que Carlos Anjos e o Conde Henrique de Moser tentaram
tornar em algo marcante. Falharam todos nos seus devaneios.
Depois veio João de Deus Ramos com a sua Sociedade Escolar
do Monte Estoril que também falhou… no fim aconteceu o
improvável. Foram os pupilos, gente de pouca idade que tinha
acorrido aos Estoris para partilhar o sonho do seu mestre, que
conseguiram erguer o sonho e torná-lo coisa concreta. Nasce o
Colégio João de Deus, pelas mãos de José Dias Valente, Aníbal
Ferreira Henriques, Álvaro Themudo e de outros tantos. Mas
fingia-se na mesma neste Monte Estoril especial. Fingia-se que
tudo tinha corrido bem e que os sonhos que os precederam
eram sucessos alcançados que sublevaram a Alma humana.
Mas não tinha sido assim. Falharam quase todos. Ou
melhor, evoluíram, adaptaram-se e transformaram-se noutras
coisas. Recriaram-se em torno daquilo que não eram e que
nunca tinha sido sonhado para darem forma a um espaço
indescritível onde todos os pormenores são irrepetíveis,
inesquecíveis e relevantes.
Não se chega ao glamour do Estoril sem passar por
Fausto de Figueiredo. Foi ele, mais do que qualquer outro,
quem teve a capacidade para concretizar os sonhos dos
restantes. A Sociedade Estoril Plage, imbuída das ideias que pela
Europa fora deram origem a estâncias balneares que ainda hoje
são importantes, criou na Quinta do Viana o palco ideal para se
fingir… como se estivéssemos num teatro e fosse suposto ser
assim… uma peça onde o papel de cada um se desenrola em
torno de um enredo que ninguém conhece bem. Fausto de
Figueiredo sonhou mas não fingiu. Sonhou que era possível
criar um local onde se podia fingir à vontade acreditando que a
52. realidade era aquela. Sonhou que valia a pena sonhar. E valia
mesmo!
Num dia tenebroso em plena Segunda Guerra
Mundial, quando pela Europa se morria aos milhares, no Estoril
mantinha-se a calidez de outros tempos. Dias de sol e mar, onde
a Praia do Tamariz se transformava em passarelle para os
melhores e mais ousados fatos-de-banho daqueles tempos…
fingia-se que a guerra não existia e que toda aquela gente que
por ali deambulava não era espiões e contra-espiões; que não
tinham sido enviados pelos nazis e pelos aliados para tentarem
perceber o que é que por ali se passava. E não se percebia nada.
Não se sabia quem pertencia a cada lado e ali, lado a lado no
casino, partilhando as moedas que iam enchendo as máquinas
da sorte e as bebidas que tal como se tudo fosse uma festa iam
rodando, todos fingiam não perceber o que se passava. Nem
quando no Hotel Atlântico surgiu hasteada a bandeira Alemã.
Todos fingiram não ver esse acto ultrajante e as coisas
continuaram como dantes.
O escritor Inglês Ian Fleming esteve hospedado no
Hotel Palácio. Diz-se que também ele era espião ao serviço dos
aliados, mas na prática ninguém sabe se ele o era de facto e,
sendo, que lado da guerra é que servia. O certo é que ele
encontrou no Estoril um cenário improvável de continuado e
completo fingimento. Nada era aquilo que parecia ser a folia
imperava nos sorrisos permanentes, nos courts de ténis, nas
piscinas, no casino, nos átrios dos hotéis e no golfe… como se
não fosse nada e não morressem lá fora, logo ali do outro lado
da fronteira, milhares de pessoas quotidianamente. E nasceu
James Bond. O espião improvável, campeão do glamour e
envolto nos enredos que Hollywood se habituou a explorar.
Mas esse cenário era o dia-a-dia do Estoril. De um Estoril onde
tudo era possível e no qual a lógica de outros locais não
imperava.
Mas o primeiro acto de sonho verdadeiro não
aconteceu no Estoril. Passou-se na fronteira que define a marca
da diferença entre os Estoris e Cascais. Nasceu precisamente
53. sobre essa marca, na capacidade de fingir que se é qualquer
coisa que nunca se foi, e que não se está a fingir ser algo que
verdadeiramente não se desejava.
O Estoril nasce nos terrenos da Família Palmela
precisamente na fronteira entre o Monte e Cascais. Nasce
porque se situa também na fronteira entre a capacidade
financeira dos Duques e no poder que eles efectivamente
possuem e no deslumbramento de uma Família Real
empobrecida mas titular que veraneiam em Cascais. Os
primeiros, os Duques, estão em cascais em palacete
marcadamente romântico de cariz sumptuoso como se fosse
palácio real. Mas não era e eles fingiam que não queriam que
fosse. Do outro lado da baía, no antigo barracão do cordame da
Cidadela de Cascais, num tosco palácio adaptado da residência
do governador, está a Família Real. Também fingiam neste
aspecto. Fingiam que não desejavam palácio igual… e se a
Rainha tentava deslumbrar com um chá servido no terraço do
seu minúsculo palácio (que vivia da vista deslumbrante sobre o
mar), a Duquesa oferecia um jantar sumptuoso no seu palácio
verdadeiramente real. Mas ambas fingiam que não competiam
nestes actos, como se tudo fosse igual.
É este o Estoril glamour, um espaço onde tudo é
possível e no qual a imaginação impera. A realidade pouco
importa nesta terra, é muito mais importante aquilo que
acreditamos ser do que aquilo que efectivamente vamos
conseguindo ser. Uma lógica irracional; um fluxo social
marcante pela incerteza que emana; mas uma tracção sem igual.
Glamour. Puro e simples. Apelando às emoções, ao
sonho e a um deslumbramento sem igual!
54. O Sonho dos Estoris
Contrariamente aquilo que muitas vezes se pensa, os
caminhos do Estoril traçam-se muito mais pelas linhas que
marcaram os fracassos, aqui entendidos como projectos que não
se concretizaram da mesma forma como tinham sido planeados,
do que pelos enormes e estrondosos sucessos que deram forma
ao mito local.
Os Estoris, do primordial Monte ao longínquo São
José, são hoje o repositório de um vastíssimo conjunto de ideias
extraordinárias que, estando quase sempre muito para além das
reais potencialidades do seu tempo, se viram relegadas para os
planos oníricos dos sonhos incontretizáveis e demasiadamente
altaneiros.
O primeiro desses vultos, possivelmente aquele que
pelo seu carácter pioneiro acabou por se tornar no cerne de
todo o desenvolvimento do actual Estoril, chamava-se José
Jorge de Andrade Torrezão e surge na História como uma
figura de grande visão mas pouco engenho que, depois de ter
adquirido algumas parcelas do antiquíssimo Pinhal da Andreza,
nelas constrói os primeiros chalets de veraneio que pretendia
que fossem a resposta cabal e imediata às necessidades efectivas
de conforto e anseio que sentiam as grandes famílias que
acompanhavam a Corte instalada na Cidadela de Cascais.
Estávamos no terceiro quartel do Século XIX quando este
empreendedor sonhou com a criação da primeira estância
turística Portuguesa. Desejava-a, tal como acontecia em
localidades congéneres espalhadas pela Europa mais chique
dessa épocas, um espaço singelo onde o carácter precário das
habitações marcava a paisagem e o dia-a-dia ocasional dos
veraneantes.
Este local, que Andrade Torrezão nunca viu
construído, não era, no entanto, o mais adequado à existência
estritamente conservadora das grandes famílias aristocráticas
55. Portuguesas, e os poucos chalets que ele construiu, pouco
exuberantes na sua formulação arquitectónica e pouco
marcantes em termos do papel que desempenhavam na
definição do estatuto social de quem os ocupava, depressa
foram demolidos para darem espaço às novas casas apalaçadas
de formulação romântica que o fim daquele século para ali
acabou por trazer. O erro do empreendedor, no caso específico
dos Estoris, não teve a haver com cálculos errados ou um
excesso especulativo que inviabilizasse o seu sucesso comercial.
A principal razão que presidiu ao desaire (que certamente não
teria ocorrido se a opção dele tivesse sido o de o concretizar
noutra qualquer localidade marítima situada algures em Portugal)
foi a impossibilidade de prever o carácter vincadamente
simbólico que acabaria por dar forma ao Estoril moderno.
As casas de Torrezão, com localização privilegiada no
local onde hoje se situa a zona nobre do Monte Estoril,
ofereciam as condições ideias para umas férias passadas junto ao
mar, conjugando a proximidade relativa a Lisboa (que permitia
aos chefes de família rumarem à capital para tratar dos seus
negócios deixando a família praticamente no areal), mas não
ofereciam aos seus ocupantes a grandiosidade que lhes augurava
o tão almejado estatuto social que era, na prática, um dos
principais motivos que os levava a investir em férias de praia
junto à Família Real. A aristocracia endinheirada lisboeta, neste
final de um século em que tantas mudanças haviam acontecido
no País, era basicamente composta por títulos com poucas ou
mesmo nenhumas gerações, não assentando tanto no sangue e
na História a ele associada, mas sim nas capacidades financeiras
e nas estórias que em torno dele giravam.
A moda dos banhos de mar e as virtudes terapêuticas
do veraneio, que de facto transformaram por completo os
fluxos sociais Portugueses, trouxeram ao Estoril um movimento
praticamente constante desde que Dom José, em meados do
Século XVIII, veio para as termas do Estoril, na ancestral
Quinta do Viana, para curar os males de pele que o afligiam. E
esses, que continuaram a vir para estas paragens durante muitos
56. anos daí para a frente, continuaram a fazê-lo utilizando as
instalações precárias entretanto construídas junto às nascentes
de água termal ou as mais precárias ainda instalações que os
frades franciscanos (e mais tarde a família Santos Jorge)
ofereciam nos terrenos anexos à Igreja de Santo António.
Esta espécie de veraneio primitivo e embrionário,
constrangido obviamente pela capacidade financeira daqueles
que dele usufruíam, não teve nada a haver com a criação do
glamour Estorilense que anos mais tarde se concretizará no
mesmo espaço. Era um movimento com motivações de saúde,
concretizado basicamente pelos que efectivamente necessitavam
de frequentar as águas termais para resolver as suas maleitas
físicas e que não se importavam minimamente com as
condições físicas do local e menos ainda com o estatuto que
essas instalações lhes poderiam dar. Estes visitantes ocasionais,
que afluíam ao Estoril para se curar, desejavam livrar-se
depressa das suas doenças e, assim que estavam despachados
das suas terapêuticas, partiam imediatamente para Lisboa, não
frequentando as recepções, bailes e demais eventos que a partir
de 1870 a presença da Corte trouxera para Cascais.
Como é evidente, não existia por parte desta gente
nenhuma apetência pela beleza da paisagem, pela ampla oferta
cultural do final do Verão, nem tão pouco pela existência social
que a nova estância lhe poderia granjear. As casas construídas
por Andrade Torrezão, ainda para mais erguidas fora da Vila da
Corte e longe das nascentes termais, eram motivo de pouco ou
nenhum interesse por parte destes primeiros visitantes.
Os outros, ou sejam, a amálgama de gente que
constantemente rodeava o Rei e a sua família e que girava em
seu torno durante grande parte do ano, fazia-o com dois
objectivos específicos: estar próximo das mais influentes figuras
do reino e, dessa forma, perto de quem de facto detinha o poder,
podendo assim usufruir de melhores condições na definição das
suas próprias actividades profissionais; e ver e ser visto no local
onde isso era fundamental para sedimentar relações e estatuto e,
dessa maneira, ascender socialmente ou consolidar a ascensão
57. que, muitas vezes por força da capacidade financeira, os tinha
feito escalar a sempre precária e muito interessante pirâmide
social Portuguesa.
E mesmo estes, com características sócio-político-
culturais muito específicas, dividem-se em dois sub-grupos
distintos que pouco ou nada se identificam com o projecto
Monte Estorilense de Andrade Torrezão. O primeiro,
endinheirado e recém enobrecido, aspirava a instalar-se o mais
próximo possível do Rei, usufruindo do contacto directo com a
Família Real e possivelmente usufruindo da conhecida apetência
dos Braganças pelo contacto informal com o povo. Dom Luís e
Dom Carlos, marcados pela paixão pelo mar e pelas falésias
abruptas da costa de Cascais, transformaram por completo os
hábitos das suas cortes. Em Cascais especificamente eram
reconhecidas as suas virtudes de homens-bons e simples, ao
ponto de se ter tornado usual caracterizar a terra pelo facto de
ser o local onde o povo era mais nobre e onde a nobreza era
mais popular… Estas pessoas, com as suas posses e pretensões,
optaram por instalar-se na própria Vila da Corte, que dessa
forma começa progressivamente a ganhar uma nova face urbana
construída a partir das suas edificações. O outro grupo,
composto basicamente por gente de sangue azul marcado por
muitas gerações, opta por veranear em casas que geralmente
constrói de forma a definir a grandiosidade da sua própria
existência. Surgem assim os primeiros grandes palacetes e, a
partir do final do Século XIX, as excêntricas construções
apalaçadas que fomentam o movimento romântico Português e
aquilo que mais tarde acabará por designar-se como a
arquitectura de cenário dos Estoris. O exemplo mais
paradigmático desta situação, e que mais tarde terá, pela acção
directa da sua principal proprietária, um papel determinante na
criação do Monte Estoril, é precisamente a do Palacete
Neogótico dos Duques de Palmela.
José Jorge de Andrade Torrezão, que chegou a
desempenhar funções de Presidente da Câmara Municipal de
58. Cascais, foi assim o primeiro dos muitos visionários que
construíram a ideia subjacente à existência do Estoril.
As suas construções, devido ao fluxo social
determinado pela História às contingências conjunturais do
Portugal de então, acabaram por determinar o insucesso do
projecto e, como escreveram Branca de Gontha Colaço e Maria
Archer nas suas “Memórias da Linha de Cascais” (2) o
cenógrafo da paisagem maravilhosa morreu pobre e sem
conhecer o fruto da sua mente visionária: “As suas casas eram
demasiado modestas para as ambições do elegante rincão
turístico”.
Mas como é de sonhos que se compõem os primeiros
passos dos Estoris, logo eles são repescados, repensados,
reestruturados e repetidos por muitos outros seguidores dos
ideais de grandeza que deram forma a esta terra. Depois de
demolidas as casas de Torrezão, criam-se novos espaços para
serem ocupados pelo fulgor construtivo de novos visionários.
Fazendo a avaliação da obra de Torrezão, as mesmas autoras não
temem considerá-lo como o cenógrafo da paisagem, apesar de
nada ter restado da sua obra extraordinária: “Nada resta da obra
de José Jorge de Andrade Torrezão. O panorama que criou no
Monte Estoril desapareceu. Despendeu com ele muito dinheiro e
desse gasto não teve um lucro compensador. Arruinou-se a
tentar valorizar o “Pinhal da Andreza” e a “Costa de Santo
António”. O primeiro cenógrafo da paisagem maravilhosa, que é
hoje o prazer dos nossos olhos morreu pobre, desgostoso dos
seus entusiasmos de esteta, da paixão que o levara a amar o
recorte verde duns montes encastoados num céu tão azul como
o mar”.
Depois de Torrezão, quando o Monte Estoril é já uma
referência embrionária na nova linha de horizonte Cascalense,
surge no mesmo local a grande referência do moderno turismo
de Portugal: Carlos Anjos. Este ilustre capitalista lisboeta,
chegado aos Estoris atraído pela fama que a região alcançara
depois da chegada da Corte a Cascais, trás consigo não só as
condições que são essenciais para que o Monte Estoril possa
59. prosperar, como também o prestígio necessário para alargar o
âmbito de personalidades com vontade, ensejo e meios para
investirem neste novo lugar. Mas o novo empreendedor não
quer unicamente construir moradias e prosperar. Trás também
consigo sonhos grandiosos que vão dar forma a uma nova Alma
que renova por completo a região e a fáceis de tudo aquilo que
por lá se vai concretizar.
A primeira grande mudança introduzida por Carlos
Anjos no Monte Estoril, depois de uma primeira fase em que
promove a construção de vários chalets avulso que
imediatamente vende para angariar os fundos necessários ao
alargamento do lugar, é o projecto de urbanizar não só a faixa
litoral do Monte, a que se situa junto ao mar e à praia, mas
também a zona situada a Norte, no cimo da colina ou monte que
baptizou este espaço. O Monte Estoril, cenograficamente
imposto sobre o fundo azul do mar, possui as condições físicas
necessárias para ser transformado numa espécie de palco
gigantesco no qual se projectam enormes trechos de cenário.
Faltava-lhe tudo, é certo. Não tinha água, acessos ou quaisquer
outras infra-estruturas necessárias para dar forma àquela ideia
sem par. Mas pela nudez da sua existência, e pelas
potencialidades cénicas que Carlos Anjos há tanto tempo
procurava, é detentor do potencial que lhe permitirá impor-se no
cenário romântico de um País que precisa avidamente de se
modernizar.
Carlos Pecquet Ferreira dos Anjos, sonha então com
um Monte Estoril grandioso e moderno, capaz de ombrear com
as melhores estâncias turísticas da Europa de então. Adquire
todos os terrenos que a sua capacidade financeira lhe permite e
sonha com a criação de um espaço diferente no qual se possam
acolher as mais ilustres figuras que, com a sua presença, passarão
a fazer parte da história do lugar. Para complementar as suas
capacidades, e de forma a criar condições melhoradas para
intervir no espaço e fazer do seu sonho uma realidade, chama
para o Monte Estoril o então Presidente da Companhia dos
Caminhos-de-Ferro Portugueses, Henrique Jorge de Moser,
60. Conde de Moser, que com ele cria a Companhia Monte Estoril
algures em finais da década de oitenta do Século XIX.
A chegava do novo sócio e empreendedor, altera
novamente e por completo o paradigma onírico a que Torrezão
havia dado forma. Em primeiro lugar porque a conjugação de
capitais de Carlos Anjos e do Conde de Moser permitiu, de facto,
alargar substancialmente a área de intervenção que fazia parte do
projecto e, desta forma, integrar também todo o monte que dá
nome ao lugar. Depois, porque com a sua posição privilegiada na
Companhia dos Caminhos-de-Ferro, o Conde de Moser tem a
possibilidade de concretizar o já antigo sonho de estender até
Cascais o ramal de comboio que terminava em Pedrouços e,
desta forma, criar condições de acessibilidade que transformam
radicalmente a matriz urbana do Monte Estoril.
E se, por um lado, a inovação do comboio facilita a
promoção do novo empreendimento, facilitando também a
chegada de novos moradores à moderna estância turística
Portuguesa, por outro gera também um sonho renovado, pois as
casas que se pretendiam de veraneio, de ocupação sazonal e
temporária, depressa se tornam em habitações definitivas dada a
proximidade efectiva a que a estância se encontrava de Lisboa. O
glamour dos Estoris conhece o seu primeiro ensejo precisamente
em 1889, quando se inaugurou a via-férrea. E se até esse
momento a aquisição de uma propriedade no Monte Estoril
representava um investimento que poucos ousavam ou podiam
fazer, a partir dessa altura torna-se um sonho concretizável para
muitos que, alienando a sua casa lisboeta, podem aspirar a vir
viver para este rincão de terra tão especial. Tendo sido o grande
contributo para a criação da terra, o comboio foi também a
primeira machadada dada no sonho grandioso de Carlos Anjos e
do Conde de Moser.
Mas foram pujantes os primeiros anos de
funcionamento da Companhia Monte Estoril e da actividade
desta dupla empreendedora em terras Estorilenses. Para além de
integrarem o Monte no seu plano urbanizador, a Companhia
Monte Estoril projectou ainda várias obras grandiosas que,
61. apesar de não se terem concretizado tal como os seus mentores
as haviam sonhado, acabaram por ser sinónimo de muita
publicidade junto da comunicação social Portuguesa e
internacional, redobrando o prestígio do espaço e rentabilizando
o projecto. O primeiro grande sonho, depois de integrado o
morro que dá nome ao Monte e, mais tarde, o próprio Monte
Palmela, foi o de construir um pequeno comboio romântico que
levasse os habitantes e visitantes desde o ponto mais alto da
estância até junto ao mar e à praia. Apesar de nunca ter passado
de um sonho, o comboio ainda começou a ser construído, com a
colocação de carris junto à zona central onde hoje se encontra o
Jardim Carlos Anjos, até à Avenida do Faial, onde estava já
construído o velhíssimo Chalet Celeste. Do outro lado, no topo
do monte mais alto, onde hoje se encontra a zona do Lago, que
dá nome ao Clube a aos arruamentos circundantes, Carlos
Pecquet dos Anjos e Henrique de Moser planearam construir um
enorme lago artificial que, como se de um grande lago natural
Suíço se tratasse, permitisse aos habitantes umas remadas
românticas nos finais de tarde serenos do final do Estio em
Setembro… A água, que obviamente não existia naturalmente
nessa zona e que era essencial para a concretização desse
projecto, teria de ser trazia de outro sítio qualquer, e os
empreendedores, sonhando sempre, não tiveram pejo em
imaginar que seria possível traze-la da quinta que o primeiro
possuía, em Vale de Cavalos, junto a Janes e na Estrada da
Malveira da Serra. Seria necessário construir um aqueduto que a
transportasse até ali mas… porque motivo não haveria de se
fazer tal coisa se o resultado seria a criação da mais moderna e
extraordinária estância turística Europeia?!...
De sonho em sonho e de projecto em projecto, o
Monte Estoril vai tomando forma em torno das pessoas que
foram apoiando a causa e adquirindo as suas habitações na
localidade. Na transição do Século, quando muitas das ideias da
Companhia Monte Estoril já estavam ultrapassadas, a região
ocupava já uma grande parte das páginas das principais revistas
da especialidade e, principalmente, das publicações de índole