Este documento apresenta a edição número 1 do volume 5 da revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Contém uma entrevista com o professor Ladislau Dowbor sobre desenvolvimento sustentável, um relato sobre um projeto de queijo serrano no Rio Grande do Sul, e artigos sobre financiamento rural, conservação do solo, arbóreas forrageiras, agrobiodiversidade e fatores da transição agroecológica. A publicação também inclui colunas regulares sobre agroecologia.
Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável aborda diversidade e conservação
1.
2.
3. 5
Estamos apresentando o número 1 do
volume 5 da revista Agroecologia e De-
senvolvimento Rural Sustentável. Nesta
edição, a entrevista é com o professor La-
dislau Dowbor, economista cujas palavras
revelam sua sensibilidade social e a coe-
rência na manutenção de uma trajetória
e currículo que o afirmam como uma re-
ferência na pesquisa dedicada ao desen-
volvimento local que prevê a articulação
entre o econômico, o social e o ambiental.
Nesta mesma perspectiva está o rela-
to da experiência de resgate e sistemati-
zação da produção de queijo serrano, um
exemplo do reconhecimento da cultura
local como um fator de desenvolvimento
endógeno.
Os sistemas de financiamento à produ-
ção rural são analisados no artigo “Meca-
nismos de financiamento à produção ru-
ral no Noroeste Colonial do Estado do Rio
Grande do Sul: uma análise na perspecti-
va dos produtores rurais”, de autoria dos
pesquisadores João Arami Martins Perei-
ra e Alessandro Porporatti Arbage. Neste
ensaio, os autores identificam a ampliação
desses mecanismos e, ao mesmo tempo,
analisam a permanência do grau de en-
dividamento por parte do produtor rural.
Em artigo de opinião, o assistente téc-
nico estadual em Solos da Emater/RS-
-Ascar, Edemar Valdir Streck, faz uma
análise crítica do que chama de “mitos e
verdades” sobre a conservação dos solos
no Rio Grande do Sul, apontando os limi-
tes e avanços de programas anteriores e a
situação atual no Estado.
A utilização de espécies arbóreas for-
rageiras como estratégia na alimentação
animal em um assentamento da reforma
agrária na caatinga sergipana é o objeto
do ensaio assinado por Fábio São Mateus,
Alfredo Fantini e Anabel de Mello.
Estratégias para o resgate e conser-
vação da agrobiodiversidade, a partir da
participação ativa dos atores sociais lo-
cais (agricultores familiares e indígenas),
com foco em variedades de milho crioulo,
são objetos do artigo dos pesquisadores
Silmara Patrícia Cassol Vogt, Marcos Cé-
sar Pandolfo, José Manuel Ballivián Pala-
zuelos e José Cleber Dias de Souza.
Terminando o conjunto de ensaios des-
ta edição está o artigo de Livio Sergio Dias
Claudino, Walkymário de Paulo Lemos e
Laura Angélia Darnet-Ferreira, que trata
dos fatores capazes de interferir no pro-
cesso de transição para uma produção ba-
seada nos princípios da Agroecologia.
Além disso, as tradicionais colunas de
ecodicas, ecolinks e resenhas reafirmam
a opção editorial desta publicação em se
associar aos temas da Agroecologia, do
desenvolvimento rural sustentável, com
foco na agricultura de base familiar, pú-
blico prioritário nas ações de extensão ru-
ral desenvolvidas pela Emater/RS-Ascar.
Ao expor o conjunto de temas tratados
nesta edição, desejamos uma boa leitura a
todos e que os assuntos aqui apresentados
sirvam de reflexão, apontamentos e con-
tribuição para debates futuros.
Gervásio Paulus
Diretor técnico da Emater/RS-Ascar
Diversidade e conservação sob
o prisma da Agroecologia
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, jan./abr. 2012
5. 7
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 2012
Por Patrícia Strelow
A postura humilde e o linguajar acessível
podem levar Ladislau Dowbor a ser classifi-
cado como um pacato professor universitário.
Mas o currículo de peso desse franco-brasilei-
ro que fala sete idiomas e é autor e coautor
de cerca de 40 livros, somado a sua história
de vida, que em muito lembra um romance
policial, logo convence o interlocutor de que a
ausência de soberba advém exatamente dessa
riqueza de conhecimentos e vivências experi-
mentados ao longo de seus 71 anos.
Filho de pais poloneses, Dowbor nasceu na
França, quando a família fugia da primeira
guerra mundial. Migrou para o Brasil ainda
criança, escreveu para jornais e viveu um
amor proibido com uma moça de origem ju-
daica, Pauline Reichstul, relacionamento que
os levou a percorrerem Israel e Europa em
busca de abrigo. Acabaram na Suíça, onde Do-
wbor graduou-se em Economia Política pela
Universidade de Lausanne.
De volta ao Brasil, foi pre-
so, acusado de terrorista e
comunista. Refugiou-se na
Argélia, para onde Pauli-
ne partiu em seu encontro.
Após um breve período jun-
tos, uma nova separação,
dessa vez, definitiva: Pauli-
ne retornou ao Brasil a fim
de tentar ajudar compa-
nheiros ameaçados pela di-
tadura militar, e foi morta
junto com eles.
Em busca de suas raízes,
Dowbor partiu novamente
para a Polônia, onde re-
encontrou sua mãe e co-
nheceu a segunda esposa,
Fátima, filha do também refugiado Paulo
Freire. Naquele país, fez curso superior de
Planificação Nacional e tornou-se doutor em
Ciências Econômicas pela Escola Central de
Planejamento e Estatística de Varsóvia. Foi
convidado então para lecionar na Universida-
de de Coimbra, nas cátedras de Economia do
Desenvolvimento e Finanças Públicas — sen-
do que nesta o último titular havia sido Fran-
cisco Salazar. Em 1977, trocou a Europa pela
África, onde se tornou coordenador técnico do
Ministério do Planejamento da Guiné-Bissau.
Retornou ao Brasil na década de 80, quando
foi secretário de Negócios Extraordinários da
Prefeitura de São Paulo. Atuou como consul-
tor do Secretário Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), na área de Assuntos
Políticos Especiais, e assessor técnico princi-
pal de projetos, cargo que o levou a organi-
zar sistemas de gestão econômica na Guiné
Equatorial e na Nicarágua.
Hoje Dowbor trabalha como professor ti-
Ladislau Dowbor: “A melhor maneira de
aumentar a felicidade média do planeta é
aumentar os recursos para baixo”
6. 8
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 2012
tular no departamento de pós-graduação da
Pontifícia Universidade Católica de São Pau-
lo, nas áreas de Economia e Administração. É
consultor para agências da ONU e de vários
governos como Costa Rica, Equador e África
do Sul, além de atuar como conselheiro em
instituições como a Fundação Abrinq e o Ins-
tituto Pólis. Dowbor estuda há mais de três
décadas o desenvolvimento sustentável, tema
que norteou a entrevista concedida a seguir
pelo pesquisador.
Revista Agroecologia - A necessidade
de mudança para um sistema produtivo
mais sustentável, mais que uma questão
de consciência ambiental, é também um
imperativo econômico?
Ladislau Dowbor - O interessante é que
é um imperativo ao mesmo tempo econômico,
social, ambiental e político. Nós somos sete
bilhões de habitantes, todos querendo consu-
mir mais, e isso simplesmente não é viável.
Temos que pensar então em um novo mode-
lo de consumo, já que o atual é destrutivo à
natureza e idiota em termos de resultados.
Temos inúmeras pesquisas que mostram, por
exemplo, que nas últimas décadas o Produto
Interno Bruto americano aumentou muito,
mas a satisfação das
pessoas com a vida não
melhorou. A partir de
um certo nível, o au-
mento do consumo de
bens materiais deixa
de melhorar sua vida.
E é um nível relativa-
mente modesto, que
está fundamentado em
conceitos básicos: você
tem que poder alimen-
tar os seus filhos decen-
temente, ter o mínimo
de espaço de convívio
domiciliar, acesso à
água limpa, a um con-
junto de serviços públi-
cos — educação, saúde,
cultura, lazer, informação, segurança. Uma
vez que o básico está preenchido, você não vai
melhorar sua qualidade de vida. Mas se você
não tem o básico, sua qualidade de vida po-
derá ser muito ampliada na medida em que
esses pontos forem atendidos.
Então, a melhor maneira de aumentar a
felicidade média do planeta é aumentar os
recursos para baixo. A melhoria em termos
sociais é grande e, como o pessoal do andar
de baixo da economia consome produtos sim-
ples, como mais educação, mais saúde, mais
saneamento básico, o impacto gera uma de-
manda local de produtos que permite res-
posta muito forte por pequenos agricultores,
pequena e média empresa urbana, dinamiza
o emprego através da expansão da educação,
da saúde preventiva. Então, no conjunto, você
terá, a partir do impacto social, uma dinami-
zação econômica das regiões. Isso é hoje mui-
to evidente quando fazemos um balanço dos
oito anos do Governo Lula. O investimento
na base da sociedade gerou mais bem-estar,
sentimento de inclusão, gerou muito mais fe-
licidade, e ao mesmo tempo nos protegeu das
dinâmicas cíclicas da crise mundial.
Agroecologia - É com base nessas prerro-
gativas que o senhor sustenta sua afirmação
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 2012
de que há uma contra-
dição muito grande na
forma como é calcula-
do o PIB mundial?
Dowbor - O social e
o econômico são articu-
lados. O meio ambiente
está diretamente vin-
culado a isso porque a
redistribuição de renda
desloca o consumo para
a base da sociedade, e
esse não é um consu-
mo que gera impactos
negativos, em geral, a
não ser que seja uma
imitação do perfil de
consumo dos ricos. Por
exemplo, nas cidades nós precisamos de mais
transporte coletivo. Isso é muito bom para as
pessoas ganharem mais tempo, o que vem se
tornando muito escasso na vida familiar, e ao
mesmo tempo, você reduz o uso de automó-
veis, o que tem um impacto climático também.
Outra coisa central na melhoria das con-
dições sociais e econômicas é o saneamen-
to básico. Ele tem altos impactos imediatos
pela redução da poluição sobre o meio am-
biente. Ao melhorar, ou dinamizar, todo o
processo educativo, a tendência é ter um
comportamento mais inteligente no uso dos
recursos. Então o econômico, o social e o am-
biental se casam.
E o quarto eixo, que acho muito importante,
é o impacto político disso. Nós temos muitas
cidades no mundo que passaram a ter políti-
cas inteligentes, integradas. Desenvolvimen-
to local que faz sentido. Melhora a qualidade
de vida das pessoas, reduz a desigualdade,
portanto, gera mais segurança. Para chegar
a esses resultados, em geral, ocorrem articu-
lações entre os diversos atores da sociedade.
Não é necessário medir qual “ismo” funciona,
capitalismo ou socialismo, e sim, o quanto as
pessoas se organizam em torno dos seus in-
teresses e constroem o seu entorno. Uma ci-
dade como São Paulo, com 18 mil dólares de
renda per capita, ter esgoto a céu aberto e ter
as periferias que têm, pelo amor de Deus, e
as dondocas não querem pagar mais imposto.
Compram apartamento de R$ 14 milhões na
beira do Rio Pinheiros, e depois têm que viver
com ar-condicionado porque não podem abrir
as janelas, já que o Rio Pinheiros é um esgoto
a céu aberto.
Então há uma dinâmica econômica, social,
ambiental e política. Pega uma cidade como
Pintadas, no interior da Bahia, que não é
nenhuma metrópole nem tem muito dinhei-
ro, mas que ao invés de eleger um político
tradicional, elegeu a Neusa, uma mulher
que vem dos movimentos sociais. De Pinta-
das, no semiárido baiano, a 68 quilômetros
do asfalto, todo ano vinha gente cortar cana
em São Paulo, porque lá não tinha emprego,
porque era muito pobre, o que em si é uma
besteira, porque se é muito pobre é porque
ainda há muito o que fazer. Quando elege-
ram a Neusa, o governador mandou fechar a
única agência bancária, para mostrar quem
manda. Eles fizeram então uma cooperativa
de crédito. A Universidade Federal da Bahia
fez a eles um plano de recuperação das terras
do semiárido, que são férteis, mas que preci-
sam ser utilizadas de uma maneira diferen-
te. As pessoas que iam a São Paulo cortar
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 2012
cana, em vez disso, passaram a trabalhar na
recuperação das terras, e a partir daí passou
a ter uma base produtiva local. Isso teve im-
pacto também na educação: acrescentou ao
currículo o ensino da economia do semiárido,
que inclui física, química, economia, etc.
Então, quando você observa Pintadas —
por isso que eu digo que é um impacto po-
lítico — é uma cidade que parou de esperar
que a resposta viesse de outro lugar. A ideia
é que o desenvolvimento não se espera, se
faz. O básico é o que chamamos de desenvol-
vimento endógeno: você pegar os potenciais
de cada lugar. Então aos tradicionais fatores
econômico, social e ambiental, eu acrescento
um quarto pilar, o político, que passa pela
democratização.
Por que isso funciona? Porque a população
se apropria. O Brasil tem inúmeros exem-
plos. Publicamos pelo Instituto Pólis um livro
intitulado “135 exemplos de Desenvolvimen-
to Local Integrado”. Na Fundação Getúlio
Vargas, em São Paulo, analisamos oito mil
experiências inovadoras durante dez anos.
Selecionamos umas 400 mais significativas
como, por exemplo, o município de Piraí, no
Rio, que generalizou o acesso de banda larga
à Internet. Olha, o pessoal está se mexendo.
Agroecologia - En-
tão já temos inúme-
ros exemplos no Bra-
sil?
Dowbor - E como
temos! Não sai no Fan-
tástico, isso é óbvio.
Muitas vezes ficamos
no desespero em função
da ignorância, por não
sabermos das coisas
que estão acontecen-
do. Como sou obrigado
profissionalmente a me
meter em tudo quanto
é canto, como eu estou
em uma rede de pesqui-
sadores, eu acabo vendo
muita coisa. Por exem-
plo, o projeto Minha escola meu lugar, em Santa
Catarina. Um sistema de ensinar o próprio local
nas escolas, que gera cidadania, as pessoas se
apropriam da realidade.
Agroecologia - Em termos de agricul-
tura familiar, o senhor acredita que se
deve investir em circuitos curtos de pro-
dução e comercialização?
Dowbor - A unidade agrícola familiar é
mais produtiva do que a monocultura exten-
siva. Ela é menos violenta em termos de agro-
tóxicos e de uso de energia. É um sistema em
que um produto serve para outro. Os resíduos
de uma cultura vão servir para alimentar os
porcos, o esterco das galinhas servirá para a
horta etc. O emprego da pequena agricultura
é diferente da grande, na qual você contrata
as pessoas por períodos temporários, o que
desarticula. Para o pequeno agricultor, quan-
do termina uma safra, ele começa a plantar
outra coisa, entre os dois ele está arrumando
a cerca etc. Você tem um equilíbrio energético
no ciclo reprodutivo da pequena propriedade.
O importante para fazer funcionar as coi-
sas é não pensar apenas na unidade produti-
va, mas em todo o ciclo de reprodução, o que
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 2012
significa acesso às sementes adequadas, siste-
mas de informações meteorológicas, apoio de
sistemas de análise de solo e complementos
para esse solo, apoio técnico científico para
potencializar o uso das máquinas para produ-
ção. A produção agrícola se deteriora muito
rapidamente, por isso os sistemas regionais
de silagem, de apoio para estocagem, têm que
ser muito ágeis, além de coletivos.
Depois tem a questão de sair do atravessa-
dor, o processo de financiamento, de requali-
ficação permanente em função das mudanças
tecnológicas. Esses diversos subsistemas não
são de produção, mas são serviços de apoio.
Na agricultura europeia, o pequeno agricul-
tor utiliza a terra de maneira muito diversifi-
cada e intensiva, com uma produção apoiando
a outra, o que é bom. Mas como ele é pequeno,
não resolve sozinho o problema do suporte ne-
cessário, coisa que o grande faz, ao contratar
consultores, assessoria jurídica, comprar má-
quinas, fazer os acordos de longo prazo com os
grandes fornecedores de agrotóxicos etc.
O pequeno precisa romper uma de suas
maiores fragilidades, que é o isolamento. Com
esse tecido de suporte, acrescido da tendên-
cia observada nos últimos anos, de que qua-
se todos eles estão se colocando online, o pe-
queno agricultor se livra dos atravessadores.
No Quênia, por exemplo, o pequeno produtor
está com celular, consulta preços, possíveis
fornecedores.
Eu mesmo já enfrentei as dificuldades im-
postas pela falta de suporte. Eu criava fran-
gos em Paulínia, no interior de São Paulo.
Como pequeno produtor, tinha uma data fixa
para vender três mil frangos, porque era pre-
ciso liberar essa parte para receber os três mil
pintinhos do ciclo seguinte. Fecho, mas o cara
não aparece. Passa o final de semana, estou
isolado. Vou até a cidade, ligo para ele, que
diz que o caminhão quebrou e vem no outro
dia. No dia seguinte não vem, mais dois dias
e nada. Estou desesperado, porque tenho que
liberar tudo para desinfetar e esperar os ou-
tros pintinhos, e assim não quebrar o ciclo.
Quando ele chega, afirma que o preço no mer-
cado caiu, e o que tinha sido fixado já foi. Já
tive caras que chegaram e escolheram os me-
lhores, largaram o refugo comigo, e, apesar de
termos tratado um conjunto, disse que se eu
não quisesse assim, não levava mais.
Agroecologia - O senhor acredita que
um caminho para os pequenos produto-
res seria incentivar o cooperativismo e
as parcerias?
Dowbor - Sem dúvida, mas é preciso enten-
der antes de tudo o ciclo de reprodução, em que
a produção — transformar semente em mais
semente — é apenas um segmento dessa roda.
Apoio técnico, apoio à comercialização, sistema
de silagem e estocagem, sistema de comerciali-
zação primária, sistema de informação comer-
cial, em conjunto, num serviço de apoio. Você
não precisa transformar todos os serviços de
apoio em cooperativas de produtores. Você faz
uma cooperativa de serviços que servem ao
conjunto. Isso eu já vi muito funcionar.
Agroecologia - Inclusive aqui no Brasil?
Dowbor - Sim. Em Caxias, por exemplo,
pequenos produtores se juntaram e fizeram
uma associação de garantia de crédito. Jun-
taram sete municípios, cada um aportou um
milhão de reais. O BID se interessou e colocou
mais sete, então ficaram com R$ 14 milhões.
Assim, ao invés de dependerem do banquei-
ro, quando não estão conseguindo fechar o ci-
clo, a associação, em nome de um conjunto de
agricultores, pede um empréstimo ao banco e
negocia a taxa de juros. Isso é possível porque
o banco não terá riscos, já que a associação
tem recursos para dar de garantia a qualquer
um que quebrar — por isso se chama agência
de garantia de crédito. Como eles sabem que
não irão quebrar mais de 5% dos produtores,
com R$ 14 milhões, eles garantem R$ 280 mi-
lhões de crédito. É isso que eles precisam ter
em caixa, para aqueles que possam quebrar.
Textos técnicos de Ladislau Dowbor estão
disponíveis gratuitamente para download
no site http://dowbor.org.
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
Ries, Jaime Eduardo 1
, da Luz, João Carlos Santos 2
,
Wagner, Saionara Araújo 3
1 INTRODUÇÃO
O Queijo Artesanal Serrano, ou simplesmen-
te Queijo Serrano, é um produto típico e ex-
clusivo dos Campos de Altitude do Rio Grande
do Sul (Campos de Cima da Serra) e de Santa
Catarina (Planalto Sul-catarinense). É produ-
zido nessa região há cerca de 200 anos, através
da adaptação de receita de origem portuguesa,
passada de geração para geração.
Até hoje, é um dos principais produtos das
fazendas serranas, representando, não raras
vezes, mais da metade da renda agrícola bru-
ta desses estabelecimentos rurais e a princi-
pal atividade na rotina diária das famílias.
É produzido em pequena escala, com leite
cru, nas próprias fazendas, na sua maioria
por pecuaristas familiares 4
que desenvolvem
Projeto de qualificação e certificação do queijo
serrano produzido nos Campos de Cima da Serra do
Rio Grande do Sul - relato parcial da experiência
1
Zootecnista, mestre - Assistente técnico regional -
Escritório Regional de Caxias do Sul - Emater/RS.
2
Médico veterinário, especialista - Supervisor regional
- Escritório Regional de Caxias do Sul - Emater/RS.
3
Médica veterinária, doutora - Professora de Extensão
Rural - Faculdade de Veterinária - UFRGS.
sua atividade de forma extensiva, com peque-
no uso de insumos externos à propriedade. O
sistema de produção é baseado nos campos
nativos, preservando o ambiente, a beleza das
paisagens e a cultura do homem serrano.
Apenas no Rio Grande do Sul, estima-se em
1.500 o número de famílias produtoras desse
queijo. Apesar de sua importância, a produção
ocorre geralmente na informalidade, colocan-
do tanto os produtores quanto os consumido-
res em situação de insegurança: por um lado,
os consumidores por, não terem a garantia de
estar adquirindo o legítimo Queijo Serrano e
4
DeacordocomoDecretonº48.316,de31deagostode2011,
que regulamenta a Lei nº 13.515, de 13 de setembro de 2010,
sãoconsideradospecuaristasfamiliaresosprodutoresqueaten-
dem cumulativamente os seguintes critérios: tenham como ati-
vidadepredominanteacriaouarecriadebovinose/oucaprinos
e/oububalinose/ouovinoscomafinalidadedecorte;utilizemna
produção trabalho predominantemente familiar, podendo utili-
zar mão de obra contratada em até 120 dias ao ano; detenham
a posse, a qualquer título, de estabelecimento rural com área
total, contínua ou não, inferior a 300 hectares, tenham residên-
cia no próprio estabelecimento ou em local próximo a ele; obte-
nhamnomínimo70%dasuarendadaatividadepecuáriaenão
agropecuáriadoestabelecimento,excluídososbenefíciossociais
eosproventosprevidenciáriosdecorrentesdeatividadesrurais.
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
que o mesmo seja inócuo para a sua saúde e,
por outro lado, os produtores, por serem tra-
tados como transgressores ou criminosos por
vender um produto artesanal, tal como seus
antepassados sempre fizeram.
Em função do seu trabalho na região, a Asso-
ciação Riograndense de Empreendimentos de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Ema-
ter/RS) tem tido a demanda de contribuir na
busca de uma solução para esse impasse. As-
sim, a partir do ano de 2001, com a realização
de um seminário sobre agroindústria, na cida-
de de Bom Jesus/RS, identificou-se a necessi-
dade da formatação de um projeto baseado no
tripé: qualificação do produto, legalização do
processo artesanal e certificação do produto.
Em 2004, a partir de parceria estabelecida
com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri/
SC), através de pesquisadores da Estação Ex-
perimental de Lages, foram estabelecidas as
diretrizes norteadoras desse projeto:
• contribuir para a viabilização de uma par-
cela expressiva dos pecuaristas familiares da
região dos Campos de Altitude do Rio Gran-
de do Sul e Santa Catarina, dependentes da
produção artesanal do Queijo Serrano para a
manutenção de suas famílias e propriedades;
• resgatar, identificar e sistematizar os des-
critores de processos que qualifiquem um queijo
como tipicamente “Serrano”, preservando os pro-
cessos tradicionais e valorizando o saber local;
• fornecer aos produtores subsídios para a
certificação do Queijo Serrano, preservando
os direitos de sua produção à população rural
dos Campos de Altitude do Rio Grande do Sul
e Santa Catarina;
• desenvolver e padronizar tecnologias que
garantam a segurança alimentar, sem desca-
racterizar o produto;
• gerar informações que permitam a legali-
zação da produção artesanal do Queijo Serrano.
Em face da complexidade da tarefa e da ne-
cessidade de se agregarem recursos humanos
e financeiros para o seu desenvolvimento, a
partir de 2005, foram estabelecidas parcerias
também com a Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), com a Fundação Es-
tadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro),
prefeituras municipais da região e representa-
ções dos produtores rurais, além de convênios
com o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa) e Ministério do Desen-
volvimento Agrário (MDA).
Desde 2006, com a liberação dos primeiros
recursos financeiros, começaram a ser desen-
volvidas atividades com o objetivo de:
• resgatar a história do Queijo Serrano e
elaborar livreto sobre o assunto;
• identificar os sistemas de produção asso-
ciados à produção do Queijo Serrano;
• caracterizar os campos nativos da região;
• identificar os processos de fabricação;
• descrever as características físico-quími-
cas e sensoriais do queijo;
• avaliar a qualidade microbiológica dos
queijos;
• delimitar a região produtora;
• identificar os pontos críticos de contami-
nação;
• capacitar os produtores em higiene na or-
denha e boas práticas de fabricação;
• elaborar manual de boas práticas de fa-
bricação;
• implementar ou reorganizar os serviços
municipais de inspeção;
• construir e adequar as queijarias à legislação;
• elaborar fôlder para a divulgação do quei-
jo artesanal serrano;
• discutir a adequação da legislação esta-
dual à produção artesanal.
O artigo apresenta uma pequena parcela
desse trabalho, mais particularmente algu-
mas informações componentes do diagnós-
tico realizado a partir de entrevistas com os
produtores, das observações realizadas pelos
extensionistas em relação aos procedimentos
utilizados na fabricação do queijo e algumas
análises laboratoriais realizadas durante o
desenvolvimento desse projeto. Por fim, são
tecidas algumas breves considerações sobre
os avanços e desafios para a produção artesa-
nal de queijos no Brasil.
2 UM POUCO DA HISTÓRIA
A primeira atividade econômica desenvol-
12. 1414
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
vida nos Campos de Cima da Serra foi a pe-
cuária de corte, até hoje uma das mais impor-
tantes no território.
Nessa região, o gado foi introduzido antes
mesmo do processo de ocupação da região pe-
los europeus. Os animais foram levados para
esse lugar pelos índios das reduções jesuí-
tas dos Sete Povos das Missões, entre 1702
e 1707. Esse gado era proveniente da região
conhecida na época como Vacaria do Mar (re-
gião Sul do Estado) e esse novo local de cria-
ção, considerado seguro, em função de seu
isolamento natural e dificuldade de acesso,
ganhou o nome de Vacaria dos Pinhais (Ba-
quería de los Piñales).
A partir de 1733, com a abertura de um
novo caminho, por Cristóvão Pereira Abreu,
a região passou também a fazer parte da rota
dos tropeiros, através da qual se conduziam
as tropas de “mulas xucras” até a Feira de So-
rocaba, em São Paulo.
A existência de gado tido como sem dono
- ou “alçado”, associada ao conhecimento da
região por parte dos portugueses, a partir
da abertura da nova rota comercial, foi fator
preponderante para despertar o interesse so-
bre a região.
A região denominada Campos de Cima da Ser-
ra foi integrada ao país e mesmo ao restante do
RS, através dos tropeiros que, por aqui passan-
do, foram requerendo terras e, ganhando-as, ins-
talaram suas propriedades, as quais ao longo do
tempo ficaram conhecidas como as fazendas dos
Campos de Cima da Serra [...]. (SANTOS, 1995) 5
.
Os primeiros colonizadores a se estabele-
cerem nos Campos de Cima da Serra foram
tropeiros de origem portuguesa, vindos de La-
guna/SC e São Paulo. A ocupação formal da
terra deu-se através da concessão de sesma-
rias, em meados do século XVIII, como forma
de ocupação e defesa da terra, sendo muitas
vezes uma retribuição a favores militares
prestados à coroa portuguesa.
Com o passar do tempo, as sesmarias
transformaram-se nas primeiras fazendas
que foram divididas em função da partilha
das terras. Atualmente, predominam na re-
gião médias propriedades rurais dedicadas à
pecuária de corte, desenvolvida por pecuaris-
tas familiares.
É difícil precisar exatamente o início da
produção de queijo na região dos Campos de
Cima da Serra. No entanto, é bastante pro-
vável que tenha começado já nas primeiras
décadas após a ocupação da região.
Ofício datado de 1831, encaminhado ao
então Presidente da Província, já solicitava
melhorias dos caminhos em função da neces-
sidade de se transportar os produtos da “Fre-
guezia e Districto de Cima da Serra”, entre
eles, o queijo e a manteiga 6
. Esse documen-
to comprova que, quatro anos antes do início
da Revolução Farroupilha, os queijos já eram
produzidos em quantidade considerável nos
Campos de Cima da Serra e possuíam noto-
riedade.
Outro relato curioso 7
dá conta que Antonio
Machado de Souza, que veio a ser conhecido
como “Desbravador dos Campos dos Bugres”,
com a intenção de comprovar a abertura de
um novo caminho entre o Vale do Rio Caí e os
Campos de Cima da Serra, levou de volta um
Queijo Serrano como prova de seu sucesso.
Após 51 dias de viagem e diversas escaramu-
ças com os bugres - indígenas que habitavam
a região onde atualmente está situada a cida-
de de Caxias do Sul - ele retornou levando um
queijo adquirido em uma fazenda do então
município de São Francisco de Paula de Cima
da Serra. Esse fato teria ocorrido em 1864, 11
anos antes de os imigrantes italianos instala-
rem-se na região da Serra Gaúcha.
Esses relatos sugerem que o queijo serra-
no seja o mais antigo do Rio Grande do Sul
e, provavelmente, também um dos primeiros
do Brasil.
Entrevistas realizadas com produtores da
5
SANTOS, L. M. S.; VIANNA, M. L. C.; BARROSO, V. L.
M. (Org.) Bom Jesus e o tropeirismo no Brasil meri-
dional. Porto Alegre: Edições EST, 1995.
6
ALVES, L. A. Os Fundadores de São Francisco de
Paula. Caxias do Sul: Edição do autor, 2007.
7
DAROS, M. A Prova do Queijo Serrano. In: Bom Jesus e o
tropeirismo no Cone Sul. SANTOS, L. M. S.; BARROSO,
V. L. M. (Org.). p.369-373. Porto Alegre: Edições EST, 2004.
13. 1515
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
região demonstram que, desde então, a re-
ceita para a fabricação do queijo vem sendo
transmitida de geração para geração, sem al-
terações significativas.
3 A REGIÃO PRODUTORA
No Rio Grande do Sul, a produção do Queijo
Serrano ocorre em uma região homogênea, lo-
calizada no extremo Nordeste do Estado, com
altitudes que variam entre 800 e 1.400 me-
tros, sendo as mais elevadas do RS.
De acordo com a classificação de Köeppen,
o clima da região é do tipo Cfb. Os verões são
brandos e os invernos rigorosos, sendo muito
frequentes as geadas e, com menor frequên-
cia, a ocorrência de neve.
Os solos são ácidos, rasos e com afloramen-
to de rochas. O relevo varia entre o ondulado
e o fortemente ondulado, formando uma bela
paisagem de campos nativos, onde predomina
o capim-caninha (Andropogon lateralis) e o ca-
pim-mimoso (Schizachyrium tenerum), emol-
durados por capões de mato, onde se destacam
as araucárias (Araucaria angustifolia).
Embora a produção de Queijo Serrano te-
nha abrangido no passado uma área bem
maior, atualmente concentra-se principal-
mente nos municípios de Caxias do Sul, São
Francisco de Paula, Cambará do Sul, Jaqui-
rana, Bom Jesus e São José dos Ausentes, es-
tando sempre associada às áreas de campos
nativos e a exploração da pecuária de corte.
Com menor importância, ocorre também em
Muitos Capões, Ipê, Monte Alegre dos Cam-
pos, Campestre da Serra e Vacaria. Uma pri-
meira delimitação da região produtora pode
ser observada na Figura 1.
A região delimitada preliminarmente cor-
responde a uma área total de 10.686,38 km²,
mas ainda não engloba o município de Muitos
Capões, inserido mais tardiamente entre os
produtores de Queijo Serrano. Constitui-se de
uma área contínua de 10.548 km² (98,71% da
área total) e outra menor, localizada no extre-
mo Norte do município de Vacaria, com ape-
nas 138,28 km², de menor expressão atual,
em termos de produção de queijo.
Figura 1 - Delimitação geográfica preliminar da região
produtora de Queijo Serrano:
4 A RACIONALIDADE DO SISTEMA DE
PRODUÇÃO
O Queijo Serrano é proveniente de um sis-
tema de produção desenvolvido sobre cam-
pos nativos, predominantemente com ani-
mais de raças de corte, sem um padrão racial
preponderante.
Algumas raças aparecem, no entanto, com
maior frequência nos cruzamentos, tais como
as raças zebuínas Gir e Guzerá e a raça euro-
peia Devon. São utilizadas, ainda, em menor
proporção, as raças Angus, Hereford, Charo-
lês, Simental, Normando e Pardo Suíço, além
das raças leiteiras, Holandês e Jersey.
Observa-se que, quando algum produtor
introduz em seu rebanho algum cruzamento
com raças mais especializadas em leite, eles
sempre tomam o cuidado de não tornarem os
animais muito especializados e, por conse-
guinte, exigentes em um manejo mais espe-
cializado, o que não faz parte de sua cultura
e tradição de criação. Além disso, terneiros
cruzados de raças bovinas especializadas em
leite não têm bom valor de mercado.
Também existe a preocupação manifesta de
não se perder a rusticidade típica dos animais
de corte, em troca de uma maior produção de
leite, pois os animais mais rústicos adaptam-
-se melhor às condições rigorosas do inverno
serrano. Na maioria das vezes, a existência
na propriedade de algumas vacas cruzadas
14. 1616
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
com as raças leiteiras é apenas uma estraté-
gia para manter a produção de leite duran-
te o inverno, período de maior valorização do
queijo no comércio.
A fabricação de queijo nessa região do Esta-
do resultou em um sistema de produção pecu-
liar que diferencia esses pecuaristas dos de-
mais pecuaristas do Estado do Rio Grande do
Sul, pois não existem relatos de produção ex-
pressiva de queijos, nas demais áreas de pe-
cuária de corte. Por outro lado, nessa região,
a ovinocultura nunca possuiu o destaque que
teve em outras regiões do Estado.
A ocupação da área, nas propriedades pro-
dutoras de Queijo Serrano, pode ser observa-
da na Tabela 1.
Tabela 1 - Uso da área em propriedades produtoras de
Queijo Serrano, pesquisadas:
A soma das áreas de campos nativos, com
ou sem melhoramento, com as áreas de matas
nativas e capoeiras, utilizadas parcialmente
com os bovinos, representa aproximadamente
90% da área total.
Por outro lado, as áreas com culturas, entre
as quais se encontram as pastagens cultiva-
das, são praticamente inexpressivas. Esses
dados evidenciam a importância dos campos
nativos na alimentação dos animais.
A necessidade de se produzir queijo para
a geração de uma renda semanal ou mensal,
utilizada para o custeio das despesas das fa-
mílias, é associada ao interesse na comerciali-
zação de animais, que significa a possibilida-
de de algum investimento ou a poupança para
alguma eventualidade.
Assim, o sistema apresenta um duplo pro-
pósito. As vacas são ordenhadas apenas no
período da manhã, após serem separadas dos
terneiros no período da tarde do dia anterior,
pois não interessa uma maior produção de lei-
te se esta ocorrer em detrimento do bom de-
senvolvimento dos terneiros.
O fato de as vacas não serem especializa-
das para a produção de leite, possuírem sua
alimentação baseada nos campos nativos e
da importância de se “criar bem os terneiros”
resulta em pequenos volumes de leite orde-
nhados por vaca e, consequentemente, em re-
duzida produção de queijo, conforme pode ser
observado na Tabela 2.
Tabela 2 - Produção média de leite e Queijo Serrano
nas propriedades pesquisadas:
Embora em algumas propriedades as va-
cas ordenhadas possam receber alguma su-
plementação, ou ter acesso a pequenas áreas
de pastagem cultivada de inverno, o fato de,
na maioria das propriedades, a alimentação
ser baseada nos campos nativos resulta em
produção concentrada nos períodos de pri-
mavera e verão.
Apesar das pequenas quantidades produzi-
das diariamente, a comercialização do Queijo
Serrano apresenta uma importância signifi-
cativa na composição da renda das proprieda-
des produtoras, conforme pode ser observado
na Tabela 3.
Tabela 3 - Renda bruta média anual nas propriedades
pesquisadas:
5 O QUEIJO SERRANO
Baseado em uma receita secular de origem
portuguesa, o Queijo Serrano, fabricado de
modo artesanal, com a extração de leite de
15. 1717
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
animais de corte, alimentados à base de cam-
po nativo, é muito apreciado pelos consumido-
res, os quais o valorizam por lhe atribuírem
características sensoriais especiais que o di-
ferenciam de outros queijos.
O fluxograma básico de fabricação do Quei-
jo Serrano pode ser observado na Figura 2.
Figura 2 - Fluxograma predominante de fabricação do
Queijo Artesanal Serrano
1. Nos meses mais frios do ano, é necessário evitar o
esfriamento excessivo do leite até a adição do coalho.
Admite-se ainda o aquecimento do leite até a tempe-
ratura necessária para a sua coagulação.
2. Admite-se a adição de água quente à massa para
auxiliar na retirada do soro.
3. A salga pode ser realizada com a colocação de sal
diretamente na massa, ou através de salmoura e,
ainda, com a adição parcial do sal sobre o coador no
momento da filtragem do leite.
Fonte: dados da pesquisa
A forma de produzir o Queijo Serrano pouco
se alterou ao longo do tempo, pois continua a
ser produzido apenas com leite cru, coalho e sal.
A única mudança significativa com relação aos
ingredientes foi a utilização de coalho químico
industrial em substituição ao estômago de tatus
(buchinho ou coalheira) ou ao estômago químico
de ruminantes (abomaso) como bovinos e ovinos.
A substância coagulante era obtida do estô-
mago do tatu ou de ruminantes, através do se-
guinte processo: abatido o animal, era retirado
seu estômago. Depois de lavado, era cheio de sal
e pendurado por alguns dias para secar, muitas
vezes, sobre o fogão à lenha. Para utilização, um
pequeno pedaço era deixado de molho em uma
vasilha com água, usando-se como coalho um
determinado volume dessa água no leite.
Os queijos de formato redondo eram mais fre-
quentes antigamente, sendo predominantes, no
entanto, mais em algumas regiões do que em ou-
tras. As fôrmas (cinchos) para os queijos redondos
eram feitas de finas lâminas de madeira, retira-
das do tronco de árvores. Seu diâmetro era ajus-
tado conforme a quantidade de coalhada e fixado
amarrando-se tiras de couro no seu entorno e,
posteriormente, com arame ou pequenos ganchos.
Os queijos pesavam cinco quilos ou mais e
eram maturados nas propriedades por períodos
superiores a três meses, quando então eram
transportados no lombo de mulas, acomodados
em “bruacas”, até as regiões consumidoras. En-
tre elas, destacavam-se a região de colonização
italiana no entorno de Caxias do Sul, a região de
Santo Antônio da Patrulha e Três Forquilhas e
o Estado de Santa Catarina, região denominada
como “Serra Abaixo”, nos municípios de Araran-
guá, Criciúma, entre outros.
Nessas oportunidades, levavam queijo, cou-
ro, crina, pinhão e outros produtos e traziam
desses lugares tudo o que precisavam para
abastecer a propriedade como farinha de tri-
go, açúcar, polvilho, sal, tecidos e ferramentas.
Esse período que ficou conhecido pelos histo-
riadores como o “Ciclo do Tropeirismo Regio-
nal” foi um período de trocas no qual a moeda
principal era o queijo.
Atualmente, o formato predominante dos
queijos é o retangular e o peso varia entre
1 e 3 kg. As mudanças verificadas no peso e
no formato dos queijos são justificadas pela
preferência atual dos consumidores. Segun-
do os produtores, os consumidores preferem
comprar uma “peça” inteira de menor tama-
nho, e consequentemente de menor custo,
enquanto que o formato retangular facilita-
ria o corte, a utilização e a conservação do
queijo depois de cortado.
Diferentemente do que acontecia no passa-
16. 1818
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
do, em função das facilidades de transporte, o
queijo é comercializado atualmente entre 10 e
20 dias após a sua fabricação, sendo reduzido
o número de produtores que se dedicam a sua
maturação na propriedade.
As fôrmas, a queijeira (local onde se prensa
o queijo e se escorre o excesso de soro), as pra-
teleiras de cura, bem como as pás usadas para
quebrar a coalhada e outros utensílios, foram
e continuam sendo de madeira, na maioria
das propriedades visitadas, o que contraria a
legislação vigente, uma vez que apresentam
superfície porosa, de difícil higienização e ca-
paz de promover o desenvolvimento de comu-
nidades microbianas.
A troca por outros materiais, no entanto,
encontra grande resistência entre os produ-
tores que afirmam que materiais como inox
e plástico modificam as características senso-
riais dos queijos.
Essa posição dos produtores de queijo fica
perfeitamente caracterizada no depoimento
de uma produtora de Queijo Serrano, do mu-
nicípio de Bom Jesus 8
:
“ É, a fôrma é de madeira.
A mesa, a queijeira é de madeira.
Aí, é como eu comentei, é como o vinho.
A madeira, como o vinho que vai na pipa de
madeira, parece que amadurece,
que passa o gostinho, dá o gosto.
Eu tenho um cincho lá de inox e um outro de
fibra, que é plástico.
Ele muda, se nota, dá diferença.
Mesmo fazendo do mesmo jeitinho (...)
Quando furou o meu barril de madeira, eu tive
que por no de plástico.
Eu tive que por um abrigo, porque ele esfria.
E com o outro, de madeira, conserva (a tempera-
tura), ele não esfriava.”
Percebe-se, pelo depoimento anterior, que,
mais do que uma questão de uso pela tra-
dição, existe também todo um conhecimen-
to associado aos utensílios utilizados e que
compõe uma parte do saber-fazer tradicional.
Além do saber tradicional, pesquisas re-
centes 9
também demonstram que o biofilme
formado nos utensílios de madeira utiliza-
dos na fabricação de queijos, pelos micro-or-
ganismos que se desenvolvem durante a fa-
bricação desse produto, é importante para a
determinação das características peculiares
desses queijos e que podem mesmo atuar no
controle de certos micro-organismos indese-
jáveis através da competição pelo alimento.
Em relação a suas características sensoriais,
o Queijo Serrano caracteriza-se por possuir
sabor e aroma acentuados e característicos e
textura levemente amanteigada, característi-
cas as quais se acentuam com a maturação.
Na Tabela 4, pode-se observar o resultado
da análise química de amostras de queijos co-
letadas em 50 propriedades rurais, em três
períodos diferentes de maturação. De acordo
com os dados encontrados na pesquisa, foi
possível classificar 10
o Queijo Serrano como
um queijo semigordo, por conter um teor de
gordura entre 25 e 44,9% e de baixa umidade,
por conter teor de umidade abaixo de 35,9%.
8
KRONE, E. E. Práticas e saberes em movimento:
A história da produção artesanal do queijo serrano entre
pecuaristas familiares do município de Bom Jesus (RS).
2006. 55 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial). Univer-
sidade Estadual do Rio Grande do Sul, Encantado, 2006.
9
FERREIRA. E. G.; FERREIRA, C. L. L. Implicações da
Madeira na Identidade e Segurança de Queijos Artesa-
nais. Revista Inst. Latic. “Cândido Tostes”, Jul/Ago,
nº 381, 66: 13-20, 2011.
10
BRASIL. Portaria n. 146, de 7 de março de 1996. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 11 mar. 1996. Seção 1, p.3977. Disponível em: <http://
extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/consultarLe-
gislacao.do?operacao=visualizar&id=1218 >. Acesso em:
05 maio 2012.
17. 1919
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
Tabela 4 - Valores médios das análises químicas de amos-
tras de Queijo Serrano, em três períodos de maturação:
Apesar das condições de ambiente e de pro-
cesso não serem as mais adequadas, em mui-
tas das propriedades pesquisadas, o processo
de maturação aos quais os queijos foram sub-
metidos contribuiu significativamente para
adequar os queijos aos parâmetros microbio-
lógicos estabelecidos pelas normativas, para
esse tipo de queijo, conforme pode ser obser-
vado na Tabela 5.
Tabela 5 - Evolução da carga microbiana em amostras
de Queijo Serrano, de acordo com o período de maturação:
Destaca-se, a partir da avaliação dos dados
anteriores, a inexistência de contaminação por
salmonelas, independentemente do tempo de
maturação dos queijos, e o fato de que a matu-
ração por 65 dias resultou na redução da con-
taminação de todos os micro-organismos para
valores adequados ao que estabelece a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Esses resultados são importantes na medi-
da em que a legislação brasileira estabelece,
como norma geral, a possibilidade de substi-
tuição da pasteurização pela maturação por
período igual ou superior a 60 dias 12
.
6 AVANÇOS E DESAFIOS PARA A
PRODUÇÃO ARTESANAL DE QUEIJOS
São inúmeros os desafios para se traba-
lhar com a produção artesanal de alimentos
no Brasil, especificamente quando se trata de
produtos de origem animal, devido aos riscos
potenciais desses alimentos à saúde humana.
A inexistência de legislação específica para
esse tipo de processamento faz com que a pro-
dução artesanal seja submetida às mesmas
exigências da fabricação industrial de grande
porte, o que torna muito difícil a adequação de
pequenos estabelecimentos. Essas dificuldades
referem-se principalmente aos investimentos
necessários em instalações e equipamentos
nem sempre acessíveis aos pequenos produto-
res, em função da pequena escala de produção.
Muitas vezes, essas exigências parecem ser
superiores às exigências sobre a qualidade da
matéria-prima, a sanidade dos animais, as
boas práticas de fabricação e a qualidade fi-
nal do produto, as quais deveriam se sobrepor
a todas as demais.
O Brasil ainda não acordou para a impor-
tância da diversidade de seus produtos pro-
cessados artesanalmente, verdadeiras ex-
pressões da cultura do seu povo. Ao contrário,
entende-os como produtos que precisam ser
substituídos por produtos industriais, pa-
dronizados e “seguros”, mesmo que através
da adição de produtos químicos que, a médio
ou longo prazo, poderão ter a sua inocuidade
contestada.
Os produtos artesanais também não são
entendidos como ferramentas para um mo-
delo de desenvolvimento sustentável, basea-
do na vocação das populações locais, e como
instrumentos facilitadores para o desenvol-
vimento de outras atividades como o turismo
rural, por exemplo.
Felizmente, por outro lado, alguns avanços
têm sido observados nos últimos anos, entre
os quais se destacam alguns.
Primeiramente, em Minas Gerais, que,
pela importância de seus queijos artesanais,
desenvolve um projeto, capitaneado pelo Ins-
11
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vi-
gilância Sanitária. Regulamento Técnico Sobre Padrões
Microbiológicos Para Alimentos. RDC n. 12, de 2 de ja-
neiro de 2001. Diário Oficial [da] República Federa-
tiva do Brasil, Brasília, DF. Seção Seção 1. Disponível
em: <http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/12_01rdc.htm
>. Acesso em: 05 maio 2012.
12
BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abaste-
cimento. Portaria n. 146, de 7 de março de 1996. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasí-
lia, DF, 11 mar. 1996. Seção 1, p.3977. Disponível em:
<http://extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/
consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=1218
>. Acesso em: 05 maio 2012.
18. 2020
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
tituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e pela
Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural de Minas Gerais (Emater/MG), no sen-
tido de qualificar a sua produção artesanal,
trabalho devidamente amparado em legisla-
ção estadual, desde 2002.
Podemos destacar ainda a publicação de
portaria 13
pela Secretaria de Agricultura do
RS que aprova o Regulamento Técnico Para
Fixação de Identidade e Qualidade do Queijo
Artesanal Serrano e dispõe sobre o seu pro-
cesso de fabricação. Por esse instrumento,
pela primeira vez no Estado, admite-se de
forma clara a possibilidade da produção ar-
tesanal de queijo a partir de leite cru, além
de definir as características do Queijo Serra-
no e delimitar a sua região produtora, entre
outros avanços.
Mais recentemente, em novembro de 2011,
em Fortaleza/CE, foi realizado o 1º Simpósio
de Queijos Artesanais do Brasil, promovido
pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-
pecuária (Embrapa), através do Centro de
Agroindústria Tropical, e pela Emater/RS.
Durante o simpósio, foi possível verificar o
número crescente de universidades, institui-
ções de pesquisa e extensão rural, organismos
governamentais e ONG interessados no as-
sunto e as inúmeras ações realizadas em prol
da garantia da qualidade desses produtos e a
sua preservação. Durante esse simpósio, foi
elaborada a carta que pode ser observada em
anexo.
Por fim, cabe destacar ainda a publicação
de instrução normativa 14
, pelo Mapa, que
estabelece a possibilidade de os queijos arte-
sanais de leite cru, produzidos em territórios
delimitados, serem submetidos à maturação
por período inferior a 60 dias, desde que em-
basado por trabalhos técnico-científicos.
CARTA DO PRIMEIRO SIMPÓSIO DE
QUEIJOS ARTESANAIS DO BRASIL
Os mais de 300 participantes do 1° Simpósio
de Queijos Artesanais do Brasil, realizado em
Fortaleza - CE, em novembro de 2011, entre
eles representantes de entidades públicas e
privadas, profissionais de ensino, pesquisa e
extensão, membros da sociedade civil, ligados
ao setor, e produtores de queijos artesanais, de
várias regiões do país aprovam, de forma unâ-
nime, em plenária, o conteúdo desta carta.
Os queijos artesanais brasileiros são valio-
sas expressões da nossa cultura. Suas quali-
dades estão intimamente ligadas ao ambiente
onde são produzidos e o “modo de fazer” tradi-
cional, expressando a cultura local e a histó-
ria das famílias que há séculos os elaboram,
mantendo uma tradição de várias gerações. No
Brasil, segundo o último censo agropecuário,
cerca de 100 mil pequenos estabelecimentos
rurais têm na produção de queijos artesanais
sua renda principal. Esta atividade garante
renda e emprego no campo, sustentabilidade
social, econômica e ambiental.
Atualmente, a produção e comercialização
de queijos artesanais enfrenta um grave pro-
blema: a inexistência de uma legislação
adequada à produção artesanal e à co-
mercialização de queijos de leite cru. As
leis estaduais e federais não tratam das es-
pecificidades da produção artesanal, subme-
tendo-as aos mesmos padrões sanitários e de
instalações dos estabelecimentos industriais,
inviabilizando, assim, a produção artesa-
nal devido aos elevados custos de adaptação,
inacessíveis ao pequeno produtor. Ao mesmo
tempo, tal adaptação compromete a qualidade
sensorial e a identidade do produto e o “saber-
-fazer”, consolidado há séculos.
Assim, vivemos uma situação paradoxal: en-
quanto muitos países do mundo vêm resgatan-
do, preservando e protegendo seus patrimônios
culturais e gastronômicos, o Estado brasileiro,
age no sentido inverso, não disponibilizando
mecanismos que preservem a produção dos
muitos alimentos tradicionais, levando-os ao
desaparecimento, caso dos queijos artesanais.
13
Portaria Seappa nº 214, de 14 de dezembro de 2010.
14
BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abaste-
cimento. Instrução Normativa n. 57, de 15 de dezembro
de 2011. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 2011. Seção 1, p.23. Dis-
ponível em: <http://sertaobras.org.br/wp-content/uploa-
ds/2011/12/Instruc%CC%A7a%CC%83o-Normativa-n57.
pdf>. Acesso em: 05 maio 2012.
19. 2121
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 10-19, jan./abr. 2012
Neste simpósio observamos um público com-
prometido com a qualidade dos queijos, a se-
gurança dos alimentos e a manutenção da tra-
dição. Os relatos feitos confirmam que muitas
ações vêm sendo desenvolvidas para melhorar
a qualidade dos queijos artesanais, para res-
gatar e valorizar a história e cultura destes
produtores, que vêm trabalhando arduamen-
te, para viabilizar sua principal atividade eco-
nômica, desenvolvida com responsabilidade
social e ambiental.
O 1º Simpósio de Queijos Artesanais do Bra-
sil discutiu amplamente durante três dias o
contexto atual da produção, sua história, suas
especificidades, suas limitações e potencia-
lidades. Esta discussão resultou no encami-
nhamento deste documento, solicitando pro-
vidências imediatas de todas as autoridades
e entidades governamentais envolvidas com o
setor para a manutenção da atividade. Estas
providências são:
- Estabelecer legislação sanitária própria
para a produção artesanal de queijos de leite
cru;
- Estabelecer legislação ambiental própria
para a produção artesanal de queijos de leite
cru;
- Estabelecer legislação tributária própria
para a produção artesanal de queijos de leite
cru;
- Permitir a livre comercialização de queijos
artesanais e do queijo de leite cru, inspeciona-
do no município ou no estado, em todo o terri-
tório nacional;
- Garantir acesso às políticas públicas volta-
das para o produtor artesanal, tais como crédi-
to, ATER, capacitação e comercialização;
- Fomentar a pesquisa direcionada à produ-
ção de queijos artesanais;
- Fomentar ações de promoção e acesso a
mercado dos queijos artesanais do Brasil, in-
terna e externamente.
Fortaleza, 25 de novembro de 2011
ALVES, L. A. Os Fundadores de São Francisco de
Paula. Caxias do Sul: Edição do autor, 2007.
BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abasteci-
mento. Instrução Normativa n. 57, de 15 de dezembro
de 2011. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 2011. Seção 1, p.23.
Disponível em: <http://sertaobras.org.br/wp-content/
uploads/2011/12/Instruc%CC%A7a%CC%83o-Nor-
mativa-n57.pdf>. Acesso em: 05 maio 2012.
BRASIL. Ministério da Agricultura Pecuária e Abasteci-
mento. Portaria n. 146, de 7 de março de 1996. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasí-
lia, DF, 11 mar. 1996. Seção 1, p.3977. Disponível em:
<http://extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/
consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=1218
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Referências
20. 22
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 20-21, jan./abr. 2012
Claro, Soel Antonio *
Conceito
A cobertura morta com biomassa vegetal é uma prá-
tica antiga, mas de grande relevância nos processos de
produção agroecológica.
Essa prática consiste em cobrir o solo ou o canteiro
com uma camada de palha, que pode ser de diversas
espécies vegetais como a palha de aveia, milho, milheto,
feijão, arroz, ervilhaca, capim-teosinto, sorgo, crotalária,
capim-elefante, gramas, entre outras espécies vegetais,
incluindo as da vegetação espontânea como o rabo-de-
-burro, papuã e caruru.
A espessura da camada deve ser de 7 a 10 cm (prefe-
rencialmente de 10 cm) para o controle de inços.
Benefícios
A cobertura morta propicia uma série de benefícios
para o sistema solo-planta:
- protege o solo contra a erosão e impede o desen-
volvimento das espécies vegetais indesejáveis no
cultivo (inços);
- mantém as condições de temperatura, luz, umidade
e ar favoráveis para a planta, para a fauna e para a flora
do solo, com consequente melhoria das condições físi-
cas e químicas do último e melhor absorção de água e
nutrientes pela planta, resultando em melhor metaboli-
zação dos nutrientes e síntese proteica mais eficiente,
com indução das plantas a um melhor desenvolvimento
e a uma maior resistência às pragas e doenças;
- contribui com o suprimento de nutrientes a curto,
médio e longo prazo e com o aumento da matéria or-
gânica do solo;
- propicia diminuição da evaporação da água do solo,
maior conservação da umidade e economia de água nas
irrigações, com grandes benefícios nos meses escaldan-
tes de verão.
Resultados
As imagens a seguir mostram parte dos bons resul-
tados de uma pesquisa que realizamos em Sobradinho/
RS, na área de produção ecológica de Ivonil Rúbert, utili-
zando cobertura morta nas condições adversas de verão
(janeiro a março).
Utilizamos a palha picada de milheto e de capim-ele-
fante (cultivar cameron), que no período de dezembro a
maio propicia três cortes com as plantas exibindo altura
aproximada de dois metros.
Cobertura do solo com capim-elefante e milheto triturados
Objetivos: controle natural de inços e economia de água
Obs.: Em todas as imagens, fica claro o controle natural
de inços proporcionado pela camada de material picado.
* Engenheiro Agronômo da Emater/RS-Ascar
Plantas de milheto e capim-cameron em ponto de corte
Trituração do material
Distribuição da camada do material picado sobre o canteiro
21. 23
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 20-21, jan./abr. 2012
Pepino desenvolvendo-se em meio ao material picado (verão) Exuberante desempenho da cultura do pepino em fase de
colheita, sem irrigação (verão)
Beterraba e repolho em meio à palha picada (verão) Repolho e brócoli em meio à palha picada (verão)
Repolho Cultura de alho e cebola em meio à palha picada
Cultura do alho Cultura da cebola
22. 24
Mecanismos de financiamento à produção rural no
Noroeste Colonial do Estado do Rio Grande do Sul:
uma análise na perspectiva dos produtores rurais
PEREIRA, João Arami Martins 1
ARBAGE, Alessandro Porporatti 2
Resumo
O setor agropecuário conta com a Política de
Crédito Rural que está inserida nos “Mecanis-
mos de Financiamento à Produção Rural”. Tais
mecanismos de financiamento foram ampliados
a partir dos anos 60 com a criação do Sistema
Nacional de Crédito Rural – SNCR e com as
mudanças da política econômica dos últimos
20 anos. Particularmente, na região Noroeste
Colonial, ocorreram alterações importantes na
utilização dos mecanismos de financiamento à
produção rural. O crédito rural era pouco ado-
tado, em função da baixa oferta de crédito e da
baixa complexidade das atividades agropecuá-
1
Economista, Professor, Mestrando do Programa
de Pós-Graduação em Extensão Rural – PPGExR, da
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.
E-mail: ampeco1954@yahoo.com.br.
2
Doutor em Administração de Empresas, Professor
do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural
– PPGExR, da Universidade Federal de Santa Maria –
UFSM. E-mail: aparbage@smail.ufsm.br.
rias. Com as mudanças da política econômica,
ao longo dos anos, as atividades agropecuárias
evoluíram, tornando-se mais complexas, possi-
bilitando a atuação de agentes de outros setores
para aportar recursos financeiros. O objetivo
deste estudo é analisar o perfil dos mecanismos
de financiamento à produção rural da região
Noroeste Colonial, nos últimos 20 anos. Dessa
forma, conclui-se que os produtores rurais da
região Noroeste Colonial, nos últimos 20 anos,
ampliaram as suas fontes de recursos, mas con-
tinuam na dependência do capital de terceiros
para realizar investimentos e custear as ativi-
dades agropecuárias.
Palavras-chave: Mecanismos de Financia-
mento. Crédito Rural. Produtores Rurais.
Abstract
The agricultural sector has the rural credit
policy that is embedded in the “Financing Me-
chanisms for Rural Production.” These funding
mechanisms have been extended from 60 years
with the creation of the National Rural Cre-
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 22-30, jan./abr. 2012
23. 25
dit - SNCR and economic policy changes in the
last 20 years. Particularly, in the northwestern
Colonial important changes occurred in the use
of financing mechanisms for rural production.
Rural credit was little used, due to low supply
of credit and low complexity of agricultural acti-
vities. With the changes of economic policy over
the years, agricultural activities have evolved,
becoming more complex, allowing the perfor-
mance of officials from other sectors to contribu-
te financial resources. The goal of this study is
to analyze the mechanisms of financing for rural
Northwest Colonial in the past 20 years. Thus
we conclude that farmers in the northwest Colo-
nial, in the last 20 years increased their funding
sources, but still dependent on the debt capital
for investment and fund agricultural activities.
Keywords: Financing Mechanism. Rural
Credit. Farmers.
1 INTRODUÇÃO
Os mecanismos de financiamento à produção
agrícola e à pecuária tem sido um debate cons-
tante no meio rural brasileiro. É tão importante
para o desenvolvimento do setor agropecuário
como o é para os demais setores da economia, de
tal modo que desde os anos 60, já havia uma po-
larização em torno desse tema. As alternativas
eram se o governo deveria investir mais em in-
fra-estrutura, ou se deveria apoiar mais o grande
proprietário de terra ou o maior número de pe-
quenos produtores rurais. Por sua vez, em ter-
mos de política econômica debatia-se se a priori-
zação deveria recair no mercado externo, através
dos incentivos para os produtos de exportação ou
se o incentivo deveria ser feito no mercado do-
méstico, através de políticas públicas que forta-
lecessem a produção para consumo do País.
Por outro lado, fatores de diferenciação residem
no acentuado descompasso entre imobilizações de
ativos para produção agropecuária e os recursos
de custeio que representam aspectos específicos
do crédito às atividades rurais, além da sempre
presente discussão que se associa ao risco, ligadas
às atividades relacionadas ao setor primário.
O setor agropecuário brasileiro conta com
apoio das políticas agrícolas, constituídas de: Po-
lítica de Garantia de Preços Mínimos – PGPM,
Política de Seguro Agrícola, Política de Refor-
ma Agrária e Fundiária e, Política de Crédito
Rural que busca dar suporte a um importante
processo de modernização da atividade agrícola
que implicaria a crescente absorção, pelo setor,
de máquinas e insumos modernos e, sustentabi-
lidade às atividades rurais, através da política
de crédito que está inserida nos “Mecanismos de
Financiamento à Produção Rural”.
Particularmente, na região Noroeste Colonial
do Rio Grande do Sul deram-se mudanças impor-
tantes na utilização dos mecanismos de financia-
mento à produção rural, a partir dos anos 60. An-
tes do advento da “modernização da agricultura”,
as atividades agropecuárias eram bastante diver-
sificadas, destinadas para o mercado local, sendo
exportado para outras regiões somente o exceden-
te da produção. O crédito rural era pouco adota-
do, em função da baixa oferta de crédito e da baixa
complexidade das atividades agropecuárias. Tal
sistema de produção da região tinha menor custo,
com pouca utilização de insumos industriais, má-
quinas e implementos agrícolas.
Com o surgimento do binômio trigo e soja,
ocorreu a necessidade de maiores investimen-
tos em máquinas e implementos agrícolas, em
insumos modernos, aumentando os custos de
produção, levando o produtor rural a tomar cré-
dito rural para aplicação em bens e serviços de
produção, bem como para o custeio da atividade
operacional da agropecuária.
A partir da diminuição de recursos públicos
nos anos 80, outros agentes passaram a finan-
ciar a agropecuária da região Noroeste Colonial,
sendo que tanto pequenos como grandes produ-
tores rurais passam a valer-se de recursos públi-
cos e privados, possibilitando a diversificação dos
mecanismos de financiamento à produção rural.
Em relação aos fundos públicos, as taxas de juros
sempre foram menores, enquanto que os recur-
sos privados são remunerados a taxas de juros
maiores (atualmente, de 18% até 24% ao ano).
Segundo pesquisa da Associação Brasileira de
Marketing Rural (ABMR/2004), mais de 80% dos
produtores rurais empregam recursos próprios
na atividade, mesmo que parcialmente, e 37%
utilizam recursos do Crédito Rural. Já Castro
e Teixeira (2010, p. 15) confirmam a diminuição
da participação do crédito rural no financiamen-
to total da atividade agrícola que pode variar de
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 22-30, jan./abr. 2012
24. 26
20% a 40% do consumo intermediário da agro-
pecuária, dependendo da atividade considerada.
Assim sendo, a questão que se coloca é:
Qual o perfil de financiamento à produção
agropecuária dos produtores rurais, na
região Noroeste Colonial do Estado do Rio
Grande do Sul nos últimos 20 anos?
Visualiza-se a importância de analisar o perfil
de financiamento à produção agropecuária na re-
gião Noroeste Colonial, porque há um conjunto de
agricultores familiares de pequena e média escala,
tecnificados e em vias de tecnificação. Tais recur-
sos são significativos porque compõem os custos
de investimento, operacional e de comercialização
dos pequenos, médios e grandes estabelecimentos.
Além disso, a agricultura na região Noroeste
Colonial é uma atividade de destaque socioeco-
nômico, tendo em vista que significativa partici-
pação da produção primária no PIB – Produto In-
terno Bruto - da região, assim como interrelações
importantes com os demais setores produtivos.
Este trabalho tem como objetivo principal: ana-
lisar o perfil dos mecanismos de financiamento à
produção dos produtores rurais na região Noroeste
Colonial do Estado do Rio Grande do Sul nos últi-
mos 20 anos.
Inicialmente, desenvolveu-se uma revisão de
literatura sobre o perfil dos mecanismos de fi-
nanciamento à produção no Brasil no período
compreendido a partir da criação do SNCR. Ou-
tro procedimento adotado, para capturar infor-
mações, foram as entrevistas, em profundidade,
com informantes qualificados e produtores agro-
pecuários da região Noroeste Colonial, buscando
colher a sua visão e compreender o significado
atribuído aos eventos, situações, processos e
estratégias que fazem parte da estrutura e do
cotidiano dos negócios agrícolas, no tocante à
utilização dos mecanismos alternativos de fi-
nanciamento à produção rural na perspectiva
do produtor e as suas opções por crédito rural
público e/ou privado.
Diante do exposto, para responder ao proble-
ma de pesquisa, tem-se as seguintes questões: 1)
A crise fiscal do Estado dos últimos 20 anos con-
tribuiu para o surgimento de novos mecanismos
de financiamento à produção na região Noroeste
Colonial? 2) A inserção de novos mecanismos e,
consequentemente, de novos agentes está ligado
a busca de maior rentabilidade dos sistemas fi-
nanceiros e não-financeiros privados? 3) Duran-
te os últimos 20 anos aumentaram as interrela-
ções entre o setor primário e a agroindústria na
região Noroeste Colonial?
2 AGENTES FINANCEIROS, NÃO-
FINANCEIROS E PRODUTORES
RURAIS
De modo geral, a região Noroeste Colonial
segue os mesmos parâmetros das regiões mais
próximas em relação às políticas públicas e à
utilização dos mecanismos de financiamento à
produção para investimento, custeio e comer-
cialização. Mas, particularmente, adota certas
alternativas, em função, basicamente, da busca
de maior diversificação das atividades. Desta-
cam-se, neste quesito as atividades: leiteira, a
piscicultura, os hortifrutigranjeiros, as mudas
de árvores frutíferas e silvestres, etc. A região
foi bastante diversificada, antes da propalada
“modernização agrícola” que teve a sua base no
binômio trigo-soja a partir da década de 60.
O Banco do Brasil disponibiliza uma série de
programas de crédito rural para atender a agro-
pecuária nas suas mais complexas e variadas
atividades. Mas, em função de operar com re-
cursos públicos, necessita seguir um regramen-
to bastante complexo, que se torna limitador
de sua atuação, tais como: cadastro, garantias,
limites de valores, enquadramento do produtor
rural quanto à finalidade dos recursos, consulta
a agências de risco do tipo SERASA e CADIN,
dificuldades de informações no sentido do pro-
dutor comparar as alternativas disponíveis e
decidir qual é a melhor forma de contratar re-
cursos e/ou optar por não tomar fundos públicos,
tendo em vista que sempre representarão cus-
tos financeiros. Com as referidas informações,
comparam-se os custos com o capital de tercei-
ros e o ganho dos recursos próprios disponíveis.
Nos últimos anos, o BNDES tem dedicado
atenção aos pequenos produtores com progra-
mas de financiamento a longo prazo e o Progra-
ma Mais Alimento tem garantido recursos, com
prazos e taxas de juros compatíveis, mas as apli-
cações são desproporcionais às necessidades das
pequenas propriedades. Expresso de outra for-
ma, os tratores, as colheitadeiras e os implemen-
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 22-30, jan./abr. 2012
25. 27
tos agrícolas possuem capacidades muito além
das dimensões das pequenas atividades agrope-
cuárias (predominantes na região Noroeste Co-
lonial). Neste ponto, o representante dos sindi-
catos dos trabalhadores rurais é de opinião que
o governo e os bancos públicos estão “arrumando
dor de cabeça” para os pequenos ruralistas, pois
eles não conseguirão pagar os financiamentos
em função de suas dimensões e encargos.
Já os bancos privados, apesar de construírem
uma relação de reciprocidade, destacam a ne-
cessidade de garantias que o produtor deve pos-
suir acima de 150% em bens reais, ou o estabe-
lecimento possuir mais de 300 hectares de área
territorial, para disponibilizar apoio financeiro
tanto para investimento como de custeio. Po-
rém, as vantagens maiores são agilidades das
operações, os cadastros estão sempre atualiza-
dos e os próprios bancos são os responsáveis pelo
preenchimento, pela manutenção, pela guarda
dos documentos e pelo acompanhamento. Após
aprovado o cadastro, os bancos disponibilizam
um série de serviços financeiros que se tornam
automáticos e o produtor consegue sacar, na
medida das necessidades, recursos com base no
contrato pré-aprovado, inclusive, fazendo-o via
cartão nos caixas eletrônicos.
Pelo lado das organizações sindicais, é lem-
brado o alto endividamento de pequenos e gran-
des produtores da região, fruto das atuais difi-
culdades em pagar juros de recursos utilizados
no passado (renegociações), juntamente com os
atuais ativos para as atividades presentes, de
tal forma que vêm limitar a participação dos re-
cursos públicos, em função da inadimplência dos
produtores rurais e da baixa remuneração dos
produtos da agropecuária, diminuindo ainda
mais a renda agrícola dos produtores. Além dis-
so, alertam que o “Programa Mais Alimentos”
aumentará as dívidas dos estabelecimentos, em
função de que as máquinas e os implementos
agrícolas são mal dimensionados para as ativi-
dades, ou seja, o tamanho das propriedades e as
atividades não comportam ativos com as atuais
capacidades tecnológicas e de produção, perma-
necendo parte dessa nova força motriz ociosa,
mas que precisa ser paga juntamente com a
parte que trabalha.
A preocupação dos sindicatos em relação ao
tamanho das propriedades e o dimensionamen-
to de máquinas e implementos agrícolas é corro-
borada por Brum (2007, p.42) que afirma:
Pode-se dizer ainda que a tendência no mercado
mundial é para a fabricação de máquinas e im-
plementos cada vez mais sofisticados tecnologica-
mente. A agricultura de precisão pouco a pouco
se instala, inclusive na região Noroeste Colonial
do Rio Grande do Sul. Uma das causas principais
está na descapitalização dos produtores rurais e
a falta de programas de financiamento acessíveis
para a compra de novos equipamentos. Assim,
existe um mercado potencial a ser recuperado no
país, porém, o mesmo necessita de uma política
de crédito eficaz. (BRUM, 2007, p. 42).
Quanto ao crédito de custeio, o representante
sindical propõe que os juros sejam zero, prin-
cipalmente para a agricultura familiar através
dos recursos destinados ao PRONAF. Tal rei-
vindicação sustenta-se e/ou tem por base no que
o governo proporciona para o sistema financei-
ro, recursos a taxas de juros quase-zero, como é
o caso dos depósitos à vista do público em geral,
nas contas correntes.
Outro representante entrevistado, integran-
te da direção da Cooperativa Tritícola de Ijuí
– COTRIJUI, que foi instalada em 20 de julho
de 1957 e representa mais de 18.500 associados
na região Noroeste Colonial e em outras regiões
próximas (42 municípios no Rio Grande do Sul),
com sedes em Ijuí e Porto Alegre; frigorífico em
São Luiz Gonzaga, pólo arrozeiro em Dom Pe-
drito e participação acionária no terminal do
Porto de Rio Grande, atuando no fornecimento
de insumos, agroindústrias, supermercados e
na compra dos produtos de seus associados.
Do total de associados, aproximadamente
70% são pequenos produtores que buscam re-
cursos com os mesmos encargos no patamar das
empresas particulares, que apesar de represen-
tar maiores custos financeiros, passam a con-
tar com a agilidade e a diminuição dos encar-
gos de contratação (TEC – Tarifa de Emissão
de Contrato, seguros, cheque especial, etc...).
Além disso, no caso do produtor associado da
Cooperativa, ele dispõe de assistência técnica e
orientação de manuseio de acordo com as suas
necessidades.
Quanto à predominância de pequenos produ-
tores, informação corroborada por Brum (2007,
p. 41), o pequeno produtor (predominante na
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 22-30, jan./abr. 2012
26. 28
região) possui grande necessidade de renovação
das máquinas, porém, o custo/benefício relacio-
nado com a sua produção inviabiliza a compra
das mesmas.
Na opinião do dirigente da COTRIJUI, o cré-
dito rural oficial funciona bem na modalidade
custeio, por ser uma operação de curto prazo,
mas o crédito público representa aproximada-
mente 40% das necessidades dos produtores
da região Noroeste Colonial. Os restantes
60% dos recursos são fornecidos por coopera-
tivas, empresas fornecedoras, agroindústrias,
integradoras e o próprio produtor. Contudo, o
custo desse capital particular está entre 18%
a 24% ao ano, representando um custo mais
elevado, na comparação com o crédito oficial.
O dirigente argumenta que, devido aos débi-
tos passados, o produtor tem uma safra com-
prometida, ou seja, somando todos os passivos
da atividade, trabalha-se o exercício para pa-
gar os custos do ano anterior. Apesar de ta-
xas de juros elevadas, os pequenos e grandes
produtores rurais conseguem compensar com
aquisições de insumos por menores preços, já
que a COOTRIJUI trabalha com uma margem
bruta menor e repassa em parte aos produto-
res. Da mesma forma, a cooperativa consegue
melhores preços de comercialização e, de modo
análogo, repassa aos associados, compensan-
do em parte os custos financeiros mais eleva-
dos. O que vem confirmar a constatação da
Diretoria de Agronegócios do Banco do Brasil
(2004, p. 13) o perfil do financiamento da pro-
dução nacional se modificou. Em números re-
lativos, o Crédito Rural é responsável por 30%
da demanda de crédito anual. Outros 30% são
atendidos pelas vendas antecipadas – inclusi-
ve Cédula de Produto Rural (CPR), trocas de
produtos por insumos ou adiantamento de for-
necedores e os restantes 40% são provenientes
de recursos próprios dos produtores. Segundo
pesquisa da Associação Brasileira de Marke-
ting Rural (ABMR) (2004), mais de 80% dos
produtores rurais utilizam recursos próprios
na atividade, mesmo que parcialmente, e 37%
utilizam recursos do Crédito Rural.
Quanto à Cédula do Produtor Rural (CPR),
o membro da direção da Cooperativa opina que
o instrumento representa um avanço, em fun-
ção da maior agilidade na sua execução, ou seja,
com o título, o credor não necessita acionar a
justiça para ser reconhecido o seu crédito e, as-
sim, parte diretamente para execução do mes-
mo, ganhando tempo para reaver os recursos
emprestados. Dessa maneira, o credor consegue
diminuir o risco já que conta com dois garanti-
dores do crédito: produtor e cooperativa.
Assim, já que o título é de curto prazo e an-
tecipador de recursos, o produtor adota uma
estratégia diferente para a CPR, criando res-
trições à sua livre circulação entre os agentes
fornecedores de fundos, pois acredita que gera
maior risco e insegurança.
Para o dirigente, o maior problema enfrenta-
do pelo produtor, atualmente, é a quantidade e
os custos de recursos de safras passadas, fruto
de planos econômicos e quebras de safras, que
é também a alegação do dirigente de Sindicato
dos Trabalhares Rurais, que salienta a necessi-
dade de repensar a exigência sobre tais endivi-
damentos.
O membro da COTRIJUI propõe que seja
criado um tipo de “Crédito Rotativo”, possibi-
litando ao produtor rural uma forma de não
estar prestando contas ao credor em determi-
nada data, simplesmente alongando os prazos
de pagamentos (com os respectivos encargos),
evitando, assim, novas contratações. Acresce
também que o produtor teria a possibilidade de
vender a sua safra somente quando encontrar
preços compatíveis com os seus custos de produ-
ção. Com tal procedimento, poderia obter maior
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 22-30, jan./abr. 2012
27. 29
volume de recursos e, assim, os fundos públicos
teriam ampliadas as suas aplicações no setor
primário.
Igualmente, o representante da cooperativa,
sugere que o governo crie mecanismo que me-
lhore a capacidade de pagamento do produtor
rural, seja através da transferência de renda,
da redução dos custos de produção, da diminui-
ção dos impostos sobre insumos, bem como das
taxas de juros incidentes sobre os empréstimos
de curto prazo, proporcionando, desse modo, o
aumento da participação dos recursos públicos
no financiamento da produção rural, que se não
voltar a níveis anteriormente praticados, per-
mitem aos produtores maiores alternativas de
custeio e investimento.
Já o prestador de serviços, representante das
tradings, proporciona assistência técnica, com
equipe de engenheiros agrônomos, médicos ve-
terinários, zootecnistas, etc., além de ser garan-
tidor dos recursos aplicados. Os fundos dispo-
nibilizados são em forma de insumos e tratos
culturais: calcário, adubo, herbicidas, inseti-
cidas, etc, para serem pagos após a safra. Ele
também tem a opinião de que as taxas de juros
praticadas oscilam entre 18 e 24% ao ano e que
os custos financeiros são bastante significati-
vos, tendo em vista a lucratividade do produtor,
principalmente de soja, trigo e milho. Destaca
que a equipe técnica tem várias funções, ou seja,
de suporte e acompanhamento do processo de
cultivo, de diminuir os riscos inerentes a cada
cultura e, com isso, garantir produção adequa-
da para o produtor e o retorno dos recursos do
aplicador. Considera, ainda, que a perda de par-
ticipação dos recursos públicos destinados aos
grandes produtores está vinculada aos limites
e às restrições creditícias, ao endividamento do
produtor, à maior inserção do médio e do grande
produtor nos recursos disponíveis no sistema de
mercado financeiro.
Os produtores de pequeno porte da região
caracterizam-se, atualmente, num processo de
retorno à diversificação das atividades produti-
vas, plantando trigo, soja, aveia, girassol, além
da produção de leite, da piscicultura, dos horti-
frutigranjeiros, dos viveiros de mudas frutíferas
e silvestres, etc., na maioria dos estabelecimen-
tos de até 50 hectares de terras. Existindo, nes-
te sentido, unidades rurais com infra-estrutura
adequada, auto-sustentáveis e outras altamen-
te endividadas com dificuldades de gestão de re-
cursos próprios e de terceiros. Parte delas, por
estarem inadimplentes, não consegue acessar o
PRONAF nas suas diversas modalidades e fica
dependente das cooperativas e até de particu-
lares, agropecuárias, etc. Como já foi ressalta-
do, passam a pagar juros mais elevados, para
conseguirem crédito de custeio para as suas cul-
turas. Por conseguinte, os fundos públicos vão
competir no mercado financeiro com os demais
agentes privados fornecedores de crédito e que
não contam com baixas taxas de juros e prazo,
mas juros de mercado, garantias construídas
ao longo de determinado tempo, agilidade nas
operações, flexibilidade nos fatores analisados,
reciprocidade, confiança, etc.
O pequeno produtor rural da região Noroeste
Colonial tem utilizado os mecanismos de finan-
ciamentos do PRONAF e das cooperativas, prin-
cipalmente da COTRIJUÍ, nos últimos anos,
contando com maior volume de fundos públicos.
Porém, as cooperativas conseguem disponibili-
zar recursos que foram tomados junto ao Banco
do Brasil e/ou bancos particulares, fornecedores
de insumos e necessitam repassar os fundos a
taxas de juros entre 18 e 24% ao ano, represen-
tando um alto custo financeiro em relação à lu-
cratividade do produtor.
Para o professor, pesquisador e analista
de mercado agropecuário Brum (2007, p. 45),
evidencia-se que um dos gargalos mais impor-
tante para o desenvolvimento da região está
na falta de financiamentos a taxas adequadas
que venham a favorecer, principalmente, o pe-
queno produtor e o seu fornecedor industrial
de pequenas máquinas e equipamentos agríco-
las, bem como os impostos incidentes sobre tais
bens de capital:
Um dos gargalos mais importantes que o setor
aponta para o seu desenvolvimento está na falta de
recursos para financiamento a taxas fixas que ve-
nha a favorecer tanto ao produtor, especialmente o
pequeno, como à indústria, no acesso a novas tec-
nologias. O mercado deixa a entender que há um
menor interesse em investir nos produtores peque-
nos porque estes têm menos capital e estão sujei-
tos exclusivamente à renda oriunda das safras, as
quais dependem muito de fatores imponderáveis
como o clima. (BRUM, 2007, p. 45).
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Na questão da operacionalidade do sistema
de financiamento à produção, o pequeno produ-
tor necessita comparecer diversas vezes ao esta-
belecimento bancário para atualizar cadastro,
fazer proposta, receber resposta sobre aprova-
ção e/ou negação da mesma e, finalmente, com-
parecer para assinar contrato e ainda aguardar
liberação dos recursos. Tais procedimentos são
exigidos a cada início de plantio e, muitas vezes,
colaboram para que os recursos cheguem atra-
sados, pois o período de plantio de cada cultura
não espera os trâmites burocráticos das insti-
tuições financeiras públicas. Ora, tal processo
demanda tempo e custos de deslocamento, en-
quanto isso o pequeno produtor rural está dei-
xando de trabalhar no preparo da terra, perde-
-se, pois, tempo.
Já o médio e o grande estabelecimento carac-
terizam-se por uma agricultura mais intensiva
em produtos como soja, trigo e milho, com pro-
priedades acima de 50 hectares, com predomi-
nância entre 100 e 300 hectares. Ao ter uma tec-
nologia mais avançada e adequada ao tamanho
da propriedade, obtêm maior ganho de escala.
Igualmente ao pequeno produtor, existem uni-
dades auto-sustentáveis e outras altamente en-
dividadas, em função de dívidas passadas. Mas,
há maior acesso a recursos livres de bancos pri-
vados por possuírem garantias de acordo com as
exigências do sistema financeiro, porém subme-
tem-se à taxas de juros mais elevadas, compa-
rativamente com o PRONAF, como foi ressalta-
do anteriormente, entre 18 e 24% ao ano.
Como tomadores de fundos, possuem maio-
res oportunidades nos bancos e demais agentes
ligados ao setor, com variados mecanismos de
empréstimos e financiamentos, tanto em nível
de recursos como em prazos para pagamentos.
Agregue-se que têm maior capacidade de ges-
tão financeira, tanto de curto prazo, como de
longo prazo, buscando recursos mais apropria-
dos para custeio, bem como para investimen-
tos. Utilizam recursos de bancos públicos, nos
limites estabelecidos pelas normas, de bancos
privados, além de fornecedores de insumos e de
compradores da produção.
Também, conseguem diluir de forma mais
adequada as tarifas bancárias, já que os contra-
tos são em valores mais expressivos e as chama-
das reciprocidades são negociadas em melhores
condições e mais adequadas, tanto em seguros
como tarifas diversas.
Quanto aos prazos de pagamentos, são nego-
ciados entre as partes, já que os juros são em
função do período contratado e que podem ser
prorrogados com os custos financeiros da ope-
ração original. Parece pouco significativo tal
procedimento, mas quando o produtor dispõe de
prazo adequado para vender a sua produção, ele
tem condições de obter melhores preços para os
seus produtos, aguardando o momento propício
para realizar transações de vendas e, com isso,
criando a possibilidade de maiores ganhos com
a atividade primária.
Como foi visto anteriormente, Spolador e Sou-
za (2009) enfatizam que: “os bancos públicos de-
vem atuar nas demandas dos pequenos produto-
res rurais, enquanto os bancos privados devem
atender ao grande produtor, pois estão interessa-
dos em contratar grandes volumes de recursos”.
Mas o que se pode constatar junto aos informan-
tes qualificados e aos próprios produtores rurais,
é que tanto os pequenos como os grandes produ-
tores estão utilizando recursos de bancos priva-
dos e dos demais agentes a taxas de juros entre
18% e 24%a.a., principalmente, aqueles que não
conseguem acessar recursos públicos, em função
do alto endividamento, da inadimplência, dos li-
mites de enquadramento, etc.
Quanto à operacionalidade das transações fi-
nanceiras com os bancos, o produtor médio e/ou
grande já mantém cadastro atualizado. Os ban-
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cos privados providenciam contratos que propi-
ciam aos produtores utilizarem os recursos na
medida de suas necessidades, com limites pré-
-aprovados, sacando diretamente nos terminais
bancários e, muitas vezes, podendo contratar
recursos, via telefone, diretamente com o geren-
te do banco, que libera a operação na conta do
cliente. Tal procedimento parece simples, mas
o produtor ganha tempo e ainda não necessita
fazer uma “romaria” pelo sistema bancário e
não bancário para conseguir financiar a sua la-
voura. E, além disso, sabe, de antemão, que já
tem recursos disponíveis para o custeio e pode
conseguir melhores condições junto aos seus for-
necedores de insumos e prestadores de serviços.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve por objetivo analisar
o perfil de financiamento à produção agropecuá-
ria na região Noroeste Colonial do Estado do Rio
Grande do Sul, nos últimos 20 anos. Para isso,
utilizou-se referencial bibliográfico, entrevistas
semi-estruturadas com representantes de agen-
tes financeiros, sindicatos (patronal e de trabalha-
dores), associações de produtores, cooperativas,
tradings, grandes e pequenos produtores rurais.
Os pequenos produtores rurais da região têm
contratado, em maior volume, recursos públicos,
através das linhas de crédito rural do PRONAF,
tanto no Banco do Brasil, como na cooperativa
COTRIJUI e no SICREDI, optando por uma
combinação de recursos com taxas de juros mais
baixas, como por recursos da própria cooperati-
va, apesar das taxas de juros estarem entre 18%
e 24% ao ano, porque possuem uma relação de
fidelidade recíproca, ou seja, conhecem a coope-
rativa e vice-versa. A contratação também de-
pende das condições de adimplência do pequeno
produtor. Caso contrário, ele terá que buscar
recursos junto à iniciativa privada, que tem por
base e avalia outros aspectos da atividade rural.
Já os grandes produtores rurais têm contrata-
do, em menor volume, os recursos públicos, den-
tro dos limites estabelecidos pelos programas. No
entanto, eles têm acesso aos fundos de longo pra-
zo do BNDES/FINAME para investimentos em
máquinas e implementos agrícolas, infra-estru-
tura de armazenagem, com taxas de juros mais
adequadas. Para custeio agropecuário, constro-
em estratégias complexas, contratando recursos
de curto prazo, que vão das cooperativas, passan-
do pelos bancos privados, pelas tradings, forne-
cedores de insumos e compradores da produção.
Entre eles, os recursos próprios atingem maior
participação, já que trabalham com maior escala
de produção e, assim sendo, possuem um volume
de recursos próprios mais significativos.
A percepção é de que os recursos públicos
têm contribuído com a maior percentagem dos
fundos para custeio de pequenos e grandes pro-
dutores da região, quando na opinião de repre-
sentantes de bancos, da cooperativa, de sindica-
tos, associações de produtores, tradings e até de
pequenos e grandes produtores rurais é de que
os recursos públicos participam com aproxima-
damente 40% do total de fundos necessários ao
processo produtivo, e os demais 60% são prove-
nientes de recursos próprios, de bancos priva-
dos, tradings, fornecedores de insumos, clientes
compradores da produção, etc. No conjunto de
pequenos produtores rurais da região, os recur-
sos públicos têm maior participação, enquanto,
isso, os grandes produtores recebem proporcio-
nalmente menor aporte, em função das limita-
ções dos próprios mecanismos legais existentes,
bem como do maior ganho de escala que propi-
ciam as atividades produtivas primárias.
Dessa maneira, analisando o perfil dos me-
canismos de financiamento à produção rural na
região Noroeste Colonial, conclui-se que os re-
cursos privados ganharam espaço em função do
endividamento público a partir dos anos 80, da
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dos produtores, das limitações dos programas, das
inadimplências e dos endividamentos dos produ-
tores rurais, das taxas de juros e dos encargos fi-
nanceiros, das reciprocidades e das garantias.
Por outro lado, o setor primário da região No-
roeste Colonial, ao participar mais efetivamente
da economia de mercado, passou a contratar re-
cursos de agentes particulares, interessados no
processo produtivo, tanto como fornecedores de
bens de capital e de insumos, como os dependen-
tes de matérias-primas, as chamadas agroin-
dústrias e indústrias de transformação.
Dessa forma, o setor rural regional diversifi-
ca as fontes de recursos de agentes externos ao
processo de produção. Além disso, com maior
volume de recursos próprios para custeio e co-
mercialização, tem ampliado a sua capacidade
de decidir qual o mecanismo de financiamento é
mais apropriado às suas necessidades. E assim,
quando possível, pode simplesmente optar por
aplicar somente recursos próprios e diminuir
custos operacionais, tornando a atividade agro-
pecuária mais rentável.
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 22-30, jan./abr. 2012