1. A equipa do Ministério da Educação cometeu erros ao criar duas novas categorias de professores de forma abrupta, sem preparar adequadamente o sistema educacional português para essa mudança.
2. Os critérios usados para selecionar os professores titulares foram falhos e arbitrários, deixando de fora muitos bons professores e incluindo alguns ruins.
3. O sistema de avaliação de desempenho de professores também foi mal concebido e acabou por criar uma cultura de vigilância mútua prejud
1. EDUCAÇÃO: OS CRITÉRIOS DA EXCELÊNCIA
Lídia Jorge
Público, Sexta-feira, 9 de Janeiro 2009
1. Ficarão por muito tempo célebres os portuguesa tinha o defeito de não diferenciar,
braços-de-ferro que Margaret Thatcher mas tinha a virtude de cooperar. O prestígio do
manteve com os sindicatos do Reino professor junto dos alunos e dos colegas não era
Unido, como conseguiu vencê-los, e como à contabilizado, mas era a medida da sua
medida que os humilhava, mais ia ganhando o avaliação. Pode dizer-se que era uma escola
eleitorado do seu país. Na altura a primeira- artesanal que necessitava de uma outra
ministra britânica era a voz da modernidade sofisticação. Mas, para se proceder a essa
liberal, criou discípulos por toda parte, e ainda modificação com êxito, era preciso compreender
hoje, apesar do negrume da sua era, há quem se os mecanismos que a sustentavam há décadas, e
refira à sua coragem como protótipo da tomar cuidado em não humilhar uma classe
determinação governativa. Mas neste diferendo deprimida, a sofrer dia a dia o efeito de uma
que opõe professores e Governo, está enganado erosão educacional que se faz sentir à escala
quem associa o seu perfil ao de Maria de Lurdes global. Só que em vez da aplicação cuidadosa e
Rodrigues. Se alguma associação deve ser feita e gradual de um processo de mudança, a equipa
só no plano da determinação, é bom que o faça do Ministério da Educação resolveu criar um
directamente com a pessoa do primeiro- quadro de professores titulares, a esmo, à força e
ministro. à pressa. No afã de encontrar a excelência, em
vez de se aplicar critérios de escolha pedagógica
De facto, a equipa deste Ministério da Educação e científica, aplicaram-se critérios
tem-se mantido coesa, iniciou reformas administrativos, de tal modo aleatórios que
aguardadas há décadas, soube transferir para o deixaram de fora grande percentagem de
plano da realidade as mudanças que em António professores excelentes, muitas vezes os
Guterres foram enunciadas como paixão, responsáveis directos pelo êxito pedagógico das
conseguiu que o país discutisse a instrução como escolas.
assunto de primeira grandeza, fez habitar as
escolas a tempo inteiro, fez ver aos professores O alvoroço que essa busca de um quadro de
que o magistério não era mais uma profissão de excelência criou está longe de ser descrito
part-time, arrancou crianças de espaços devidamente. Basta visitar algumas escolas para
pedagógicos inóspitos, e muitos de nós se perceber como a titularidade está distribuída a
pensámos que a escola portuguesa ia partir na professores bons, excelentes, mas também a
direcção certa. Quando José Sócrates saía com maus e muito maus, e foi negada a professores
todos os ministros para a rua, nos inícios dos competentes. Isto é, criou-se um esquema que
anos lectivos, via-se nesse gesto uma não premiou nada, porque baralhou tudo. Os
determinação reformista que augurava um erros foram detectados por muita gente de boa
caminho de rigor. Não admira que o primeiro- fé, em devido tempo, mas o processo avançou, a
ministro várias vezes tenha falado do óbvio que justiça não foi reposta, nem sequer a nível da
era necessário determinar quem eram, na escola retórica política. Pelo contrário, aquilo que a
portuguesa, os professores de excelência. Era razão mostrava à evidência foi sendo
preciso identificá-los, promovê-los, desmentido, adiado, ridicularizado, ou desviado
responsabilizá-los, outorgar-lhes credenciais de para o campo da luta sindical dita de inspiração
liderança. Era fundamental que se procedesse à comunista.
sua escolha. Mas a sua equipa legislou sobre o
3.
assunto e infelizmente errou. O segundo instrumento ao serviço da
excelência não teve melhor sorte. Era
2. Errou ao criar, de um momento para o preciso inaugurar nas escolas uma
outro; duas categorias distintas, quando cultura de responsabilidade que até agora fora
a escola portuguesa não se encontrava relegada para determinismos de vária ordem,
preparada para uma diferenciação dual. A escola menos os estritamente pedagógicos, o que era
2. um vício da escola portuguesa, pelo menos até à E, no entanto, numa política de rosto humano,
publicação dos rankings. Mas aí, de novo, a seria justo voltar atrás, reparar os estragos,
equipa do Ministério da Educação funcionou admitir o erro sem perder a face. Ou
mal. Se os campos de avaliação do desempenho simplesmente passar o mandato a outros que
dos professores estão mais ou menos fixados, e possam reiniciar um novo processo.
começam a ser universais, os parâmetros em
questão foram pensados por mentes De facto, em Portugal existem vários vícios na
burocráticas sem sentido da realidade, na pior ascensão ao poder. Um deles consiste em não se
deturpação que se pode imaginar em discípulos saber entrar no poder. Pessoas sem perfil
de Benjamin Bloom, porque um sistema que técnico, ou humano, aceitam desempenhar
transforma cada profissional num polícia de cargos para os quais não foram talhados. Parece
todos os seus gestos, e dos gestos de todos os que toda a gente gosta de um dia dizer ao
outros, instaura dentro de cada pessoa um huis telefone, no telejornal, quot;Papá, sou ministro!quot;,
clos infernal de olhares paralisantes. Ninguém com o resultado que se conhece. Outro é não se
melhor do que os professores sabe como a saber sair do poder. Houve um tempo em que
avaliação é um logro sempre que a Mário Soares ensinou ao país como os políticos
subjectividade se transforma em numerologia. saem no tempo certo, para retomarem, quando
Claro que não está em causa a tentativa de voltam a ser úteis. Os grandes políticos
quantificação, está em causa um método conhecem a lei do pousio. E o objecto da
totalitário que se transforma num processo disputa deve ser sempre mais alto do que a
autofágico da actividade escolar. Aliás, só a própria disputa. É por isso estranho e
partir da divulgação das célebres grelhas é que desmedido o que está a acontecer.
toda a gente passou a entender a razão da pressa
5.
na criação dos professores titulares – eles José Sócrates deverá estar a pensar que
estavam destinados a ser os pilares dessa pode ter pela frente um golpe de sorte -
estrutura burocrática de que seriam os pivots. Margaret Thatcher teve a guerra das
Isto é, quando menos se esperava, e menos falta Falklands - e até pode vir a ter uma maioria
fazia, estavam lançadas as bases para uma nova absoluta outra vez . Aliás, pelo que se ouve e vê,
desordem na escola portuguesa. Como a frase da ministra da Educação quot;Perco os
ultrapassá-la? professores mas ganho o paísquot;, cria efeitos de
grande admiração junto duma população ansiosa
4. Não restam muitos caminhos. por ver braços-de-ferro no ar, sobretudo se eles
Ultimamente, almas de boa fé falam de vierem do corpo de uma mulher. Não falta
cedência de parte a parte. Negociação, quem faça declarações de admiração à sua
bondade, comissões de sábios. A questão é que coragem, como se a coragem prescindisse da
não há, neste campo, nenhuma justiça razoabilidade. E até é bem possível que a
salomónica a aplicar. O objecto em causa não é Plataforma Sindical um dia destes saia sorridente
negociável. Tendo em conta uma erosão à vista, da 5 de Outubro com um acordo qualquer
só a Maria de Lurdes Rodrigues, que sabe que debaixo do braço, como já aconteceu.
foi longe de mais, competiria dizer quot;Não matem
a criança, prefiro que a dêem inteira à outraquot;, Mas a verdade é que, a insistir-se neste plano,
mas já se percebeu que não o vai fazer. despropositado, está-se a fomentar uma cadeia
Obcecada pela sua missão, que começou tão de injustiças e inoperâncias que só a alternância
bem e está terminando mal, quererá ir até ao democrática poderá apagar. Se José Sócrates
fim, mesmo que do papel dos mil quesitos que pediu boas soluções e lhe ofereceram estas, foi
alguém engendrou para si só reste um farrapo. É enganado, e deveria repensar nos seus contratos.
pena. Depois de ter tido a capacidade de pôr em Mas se ele mesmo acredita neste processo
marcha uma mudança estrutural indispensável kafkiano, é uma desilusão, sobretudo para os
para a modernização do ensino, acabou por não que confiaram na sua capacidade de ajudar o
ser capaz de ultrapassar o desprezo que desde o país a mudar. Neste momento, entre nós, a
início mostrava ter em relação aos professores. educação tornou-se uma fábula.
Escritora