Este documento apresenta um estudo sobre os impactos socioambientais da construção da PCH Paranatinga II para as terras indígenas Parabubure, Ubawawe e Parque Indígena do Xingu. O resumo inclui:
1. Uma caracterização física, biológica e cultural das terras indígenas, com ênfase no modo de vida dos povos Xavante e dos grupos do Parque Indígena do Xingu.
2. Uma análise dos possíveis impactos da hidrelétrica nestas ter
Apresentação - Dissertação de Mestrado em Antropologia e Arqueologia
Relatorio final paranatinga 12 05-06
1.
2. ESTUDOS DE COMPLEMENTAÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS
DA PCH PARANATINGA II PARA AS TERRAS INDÍGENAS
PARABUBURE, UBAWAWE E PARQUE INDÍGENA DO XINGU
EMPREENDEDOR
PARANATINGA ENERGIA S/A
Av. Historiador Rubens de Mendonça n. 2000, Sala 1209
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EXECUÇÃO
DOCUMENTO Antropologia e Arqueologia SS Ltda
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Responsável: L.D. Dra. Erika Marion Robrahn-González
2
3. INDICE
1. ANTROPOLOGIA E PATRIMÔNIO CULTURAL COM ENFOQUE
TRANSDISCIPLINAR 6
1.1 CONCEPÇÃO TEÓRICA DO PROGRAMA: DAS ABORDAGENS
TRANSDISCIPLINARES EM ANTROPOLOGIA 6
1.2 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO E O USO DO ENFOQUE DA
ANTROPOLOGIA DA PAISAGEM 10
1.3 TERRAS INDÍGENAS E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL 14
2. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS 16
2.1 CONCEITUAÇÃO GERAL 16
2.2 PRODEDIMENTOS DE CAMPO NA PESQUISA DIAGNÓSTICA 24
3. OBJETIVOS DO PROGRAMA 26
4. LEGISLAÇÃO INTERVENIENTE 28
5. A ÁREA DE PESQUISA E COMUNIDADES ENVOLVIDAS 32
6. ESTUDOS JUNTO À COMUNIDADE XAVANTE (TI PARABUBURE E
UBAWAWE) 37
6.1 APRESENTAÇÃO 37
6.2 CARACTERIZAÇÃO LINGÜÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS
POVOS XAVANTE 43
6.3 AS TERRAS INDÍGENAS PARABUBURE E UBAWAWE 45
6.3.1 Localização e situação fundiária da TI Parabubure 45
6.3.2 Localização e situação fundiária da TI Ubawawe 49
6.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DAS TERRAS INDÍGENAS 51
6.4.1 Aspectos regionais 53
6.4.2 Caracterização das TIs Parabubure e Ubawawe 78
6.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DO GRUPO INDÍGENA
XAVANTE, COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS
HÍDRICOS E VEGETAÇÃO/FAUNA RELACIONADOS 95
3
4. 6.5.1 A territorialidade Xavante 95
6.5.2 Caracterização do uso dos recursos naturais 100
6.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DO
GRUPO INDÍGENA COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE 112
6.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE 115
6.8 ANÁLISE DE IMPACTOS 117
6.9 PROPOSIÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/COMPENSATÓRIAS 122
6.9.1 Medidas mitigadoras 122
6.9.2 Medidas Compensatórias 123
7. ESTUDOS JUNTO AOS POVOS DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU 128
7.1 APRESENTAÇÃO 128
7.2 CARACTERIZAÇÃO LINGÜÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS
GRUPOS INDÍGENAS 140
7.2.1 Caracterização lingüística 140
7.2.2 Caracterização histórica e cultural 144
7.3 O PARQUE INDÍGENA DO XINGU 214
7.3.1 Histórico do Parque 214
7.3.2 Legislação Fundiária 216
7.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DO PIX 221
7.5 CARACTERIZAÇÃO DO MODO DE VIDA DOS GRUPOS INDÍGENAS
DO PIX, COM ÊNFASE NA IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS
HÍDRICOS E VEGETAÇÃO / FAUNA RELACIONADOS 226
7.5.1 Coleta e manejo da vegetação nativa 229
7.5.2 Agricultura 238
7.5.3 A pesca e a caça 250
7.5.4 Calendário econômico-ecológico 274
7.5.5 O manejo informal dos recursos faunísticos 279
7.6 RELAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA, ECONÔMICA E CULTURAL DOS
GRUPOS INDÍGENAS COM A SOCIEDADE ENVOLVENTE 288
7.6.1 Organizações Indígenas 288
7.6.2 Educação 290
7.6.3 Turismo Étnico 293
4
5. 7.6.4 Relações com a sociedade envolvente: o problema da
degradação nas cabeceiras dos formadores do Xingu 298
7.7 LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE 304
7.8 ANÁLISE DE IMPACTOS 308
7.9 INDICAÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS/ COMPENSATÓRIAS 325
7.9.1 Considerações iniciais 325
7.9.2 Medidas Preventivas / Mitigadoras 327
7.9.3 Medidas Compensatórias 330
8. BIBLIOGRAFIA 337
9. EQUIPE TÉCNICA 346
ANEXOS: 349
ANEXO 1 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI PARABUBURE 350
ANEXO 2 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DA TI UBAWAWE 352
ANEXO 3 – MAPA ETNO-ECOLÓGICO DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU 354
ANEXO 4 – ANIMAIS SILVESTRES MENCIONADOS PELOS ÍNDIOS DO PIX,
COM BREVE DESCRIÇÃO DE SUA UTILIDADE 356
ANEXO 5 – PLANTAS NATIVAS ÚTEIS MENCIONADAS PELOS ÍNDIOS DO
PIX, COM BREVE DESCRIÇÃO DE SUA UTILIDADE 360
ANEXO 6 – COORDENADAS GEOGRÁFICAS COLETADAS EM ALDEIAS,
ROÇAS, CAPOEIRAS, ÁREAS DE CAÇA E PESCA, SÍTIOS
ARQUEOLÓGICOS E OUTRAS LOCALIDADES NO PIX. 361
ANEXO 7– ATA DAS REUNIÃO REALIZADAS JUNTO ÀS COMUNIDADES
INDÍGENAS DO PIX 369
ANEXO 8 – SIGLAS UTILIZADAS NO PRESENTE ESTUDO 396
5
6. 1. ANTROPOLOGIA E PATRIMÔNIO CULTURAL COM
ENFOQUE TRANSDISCIPLINAR
1.1 CONCEPÇÃO TEÓRICA DO PROGRAMA: DAS ABORDAGENS
TRANSDISCIPLINARES EM ANTROPOLOGIA
Atualmente os antropólogos têm questionado a plausibilidade e a utilidade de
uma antropologia dos mundos contemporâneos (Augé, 1998; García Canclini,
2000). Não se trata só de uma preocupação da Antropologia, mas, também, de
uma conjunção de fatos apontando para a construção de um objeto de estudo
cada vez mais complexo, ora pelos processos de imbricação entre as distintas
ciências sociais (que permite romper as fronteiras analíticas da especificação
disciplinar), ora pela influência política direta que os estudos em ciências
sociais vão adquirindo em nossas sociedades. Vale dizer que vamos exigindo
uma renovação e uma nova ponderação do espaço teórico-metodológico que
tem cruzado com a antropologia clássica (dos mundos exóticos constituídos
num exercício de alteridade profunda e por uma localização territorial fixa e
isolada), à luz do que devemos esclarecer sobre os nós que temos percorrido
no presente.
Como estímulo inicial à existência de uma renovação disciplinar surge o
problema a dimensionar, a saber, o de como a antropologia - com seus novos
projetos de analisar e perceber a realidade - pode assumir-se na prática de um
encontro de enfoques transdisciplinares (Friedman, 2001; King, 1991; Cardoso
de Oliveira, 1998; Boccara, 1999A; Viveros de Castro, 2002). Neste sentido,
para a prática antropológica já não cabe conceber uma abordagem etnográfica
com a única pretensão de abarcar um problema de pesquisa, num grupo
específico fixo, sem relacionar os esquemas locais, regionais e mundiais que
6
7. confluem “no campo” (Ortiz, 2004b). Para alcançar este objetivo é necessário,
também, um novo tipo de profissional, capaz de compreender dinâmicas
integrais dos processos que estuda, e capaz, ademais, de integrar o trabalho
transdisciplinar como parte de seus fundamentos centrais para o planejamento
e execução de projetos específicos de pesquisa.
Neste ponto, o grande problema teórico surge quando são aplicadas visões
descontextualizantes, localizantes e essencializantes sobre os fenômenos de
estudo, o que tem gerado a partir de uma longa série de trabalhos, que vão
desde o particularismo histórico boasiano até os atuais enfoques pós-
estruturalistas e pós-modernos em Antropologia1.
Não obstante, os processos de mudança e transformação cultural, junto
com os espectros diversos desde os quais esses processos são gestados,
obriga a pensar uma relação estrutural, ao mesmo tempo em que conjuntural,
na qual se possam gerar descrições consistentes sobre processos particulares,
que do mesmo modo contribuam com visões interpretativas dispostas para a
construção de teorias regionais. Esta “estrutura da conjuntura”, ou a síntese
situacional entre a estrutura e o acontecimento, é uma realização prática das
categorias culturais num contexto histórico específico, tal como se expressa na
ação interessada dos agentes históricos, desenvolvendo-se em cada uma das
particularidades (Sahlins, 1997; Le Goff, 1991). Ao ocorrer isto, as sociedades
vão criando processos de construção de identidade cultural, o qual
desemboca ao mesmo tempo numa cristalização daqueles processos na
1
Muitas destas críticas estão expostas nos trabalhos de Boccara, 1999a; Friedman, 2001;
Larraín, 2001; King, 1991; Saavedra, 2002, 2004. A respeito do grande problema teórico
insurgente da aplicação dos modelos do particularismo histórico boasiano, pós-estruturalistas e
pós-modernistas em antropologia, Boccara nos diz: ... quiçá seja importante insistir na idéia de
que a “pureza original” apenas exista na imaginação de quem assim a concebeu, como por
exemplo, nas utopias de certos nostálgicos do exotismo... [e que] o cientista social não deveria
deixar-se obstruir pelas concepções “naturalizantes” ou “arcaizantes” da sociedade e da
cultura. (Boccara, 1999b:32, traduçao livre do espanhol).Conseqüentemente, já que grande
parte destas concepções foram e são consignadas pelas etnografias sul-americanas para a
construção do panorama geral das relações inter-étnicas, a partir de registros sucintos e
objetos de estudo isolados (Viveros de Casto, 2002), temos uma tarefa adicional, qual seja,
corrigir e completar os quadros e visões gerais de análises etnográficas mais complexas a
partir de trabalhos integradores tanto teórica como metodologicamente. Isto comprometerá os
pesquisadores em adquirir ferramentas inéditas, capazes de abordar a mobilidade e as
transformações das sociedades e culturas a partir de relações inter-étnicas e inter-sociais
(Cashmore, 1996).
7
8. história. Sem entender que as estruturas são componentes determinantes das
sociedades ao mesmo nível que os acontecimentos, poderíamos perguntar:
como se elaboram, na práxis, as categorias culturais? Neste ponto o aporte de
Sahlins é significativo. A “estrutura da conjuntura” permite indagar sobre os
processos sociais de uma forma muito mais elaborada e complexa, com os
procedentes desafios metodológicos e técnicos que esta questão requer
(Sahlins, 1997: 14-16)2. Com objetos de estudo mais dinâmicos é possível
planejar pesquisas mais integradoras e visões teóricas mais complexas.
A relevância dos estudos onde ficam envolvidos processos de conflitos
interétnicos, e que implicam compreender complexas intervenções sociais,
deve levar à definição de corpos teóricos que possam oferecer pontos de
sinergia para a posterior elaboração de uma metodologia transdisciplinar. Os
grupos humanos manejam uma ambigüidade estrutural para construir suas
identidades, suas economias e seus processos de transformação política,
porque nela descansam grande parte das expectativas por assegurar sua
sobrevivência e transcendência. A concepção e uso dos espaços materiais, em
relação às dinâmicas ou práticas culturais que dão forma e conteúdo ao dito
2
Anteriormente a este ponto de vista, reinava a concepção estruturalista dos processos
históricos. Os aportes metodológicos são inegáveis. Não obstante, a etnologia concentrava-se
imponderavelmente nas revelações sincrônicas da realidade, fazendo perdurar certas
premissas que até hoje são imperativos inconscientes dos estudos antropológicos. O mesmo
Levi-Strauss, no Pensamento Selvagem, referia: “O etnólogo respeita a história, mas não lhe
concede um valor privilegiado. A concebe como uma busca complementar à sua: a uma lança
o leque das sociedades humanas no tempo, à outra no espaço... esta relação simétrica entre
etnologia e história parece ser rechaçada por filósofos que não crêem, implícita e
explicitamente, que o destacamento no espaço e a sucessão no tempo ofereçam perspectivas
equivalentes... a diversidade das formas sociais que a etnologia capta destacadas no espaço
oferece o aspecto de um sistema descontínuo; dessa forma imaginamos que, graças à
dimensão temporal, a história nos restitui não estados separados, mas, sim, de um estado ao
outro em uma forma contínua” (371). E prossegue: “A característica do pensamento selvagem
é ser atemporal; quer capte o mundo como totalidade diacrônica e sincrônica, e o
conhecimento que se toma pareça àquele que oferece, de uma habitação, espelhos fixados em
muros opostos que se refletem um ao outro... assim, o pensamento selvagem constrói edifícios
mentais que lhe facilitam a compreensão do mundo, por quanto se parecem, neste sentido,
definir como pensamento analógico... mas nesse sentido, também, distingue-se do
pensamento domesticado, do que o conhecimento histórico constitui um aspecto... (381) mas,
para que a práxis possa ser vivida como pensamento, é necessário primeiro (num sentido
lógico e não histórico) que o pensamento exista: vale dizer, que suas condições iniciais
estejam dadas na forma de uma estrutura objetiva do psiquismo e do cérebro que, na falta
desse último, não haveria práxis nem pensamento” (382).
8
9. território, são as manifestações básicas da construção de qualquer identidade
(ver Hernández; 2003: 45).
Por identidade cultural – dentro desta perspectiva – compreendemos aquele
processo configurativo de práticas e manifestações culturais, presentes nos
grupos humanos que procuram uma cristalização de transcendência ligada à
sua permanência e reprodução. Não obstante, acreditamos que nunca se
alcança um grau real de cristalização e in-mobilidade histórica, e que também
não existe um início fundador (ou mito de origem real e objetivo das culturas).
As etnogêneses, nesse sentido, são sempre procedimentos construtivos,
apesar de que nas mentes dos indivíduos a representação daqueles processos
seja sempre mais estática e microscópica. Em conseqüência, o sistema de
identidades sociais, ao trabalhar indistintamente nas estruturas sociais e no
individuo, vai forjando um novo questionamento. Ao assumir que as identidades
são um processo constante de construção, presentes em um sistema, devemos
também admitir que são um fenômeno subjetivo, inter-subjetvo e, às vezes,
objetivo (Saavedra, 2002; Ortiz, 2004b). Dessa forma, poderemos afirmar uma
negativa teórico-metodológica de reduzir o trabalho antropológico a uma mera
tarefa de testificar e traduzir as realidades sócio-culturais estudadas.
9
10. 1.2 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO E O USO DO ENFOQUE DA
ANTROPOLOGIA DA PAISAGEM
Faz parte do objeto de estudo do presente trabalho conhecer os processos de
interação, apropriação e significação dos habitantes das TIs Parabubure,
Ubawawe e Parque Indígena do Xingu dentro de sua diversidade cultural,
assim como de seu entorno biótico, paisagístico e simbólico. Para que ele seja
bem definido, cabe-nos compreender a interpretação que esses grupos têm do
meio, assim como definir as estratégias diferenciadas e compartilhadas de
apropriação ambiental e, finalmente, relacionar tais aspectos com processos
etnopolíticos, territoriais e econômicos contingentes na área.
Aproximando-nos do nosso “objeto de estudo” surge a necessidade de definir
alguns marcos de apoio, úteis para o inicio do diálogo teórico. Enfrentando este
desafio e observando os atuais enfoques transdisciplinares para estudos de
contingência, surge-nos um conceito possível de abarcar nossas necessidades
específicas referentes à área de estudo. Tal conceito desenvolve-se a partir do
uso de uma Antropologia da Paisagem, plausível de integrar tópicos de estudos
ligados à ecologia (ou à etnoecologia), à interação das sociedades com os
espaços territoriais (etnopolítica e territorialidade), às configurações simbólicas
dos atores sobre seu entorno material e imaterial e, sobretudo, aos processos
de apropriação da paisagem num sentido holístico e histórico, integrando tanto
as estruturas sociais como culturais dos atores envolvidos.
Estudos de cunho antropológico na Amazônia têm contado com a ecologia
como ferramenta desde as décadas de 1960 e 70, com discussões
relacionadas tanto à densidade da ocupação na região, assim como ao grau de
influência que pode manter sobre os atuais grupos indígenas regionais.
10
11. Um tema corrente no pensamento ecológico sul-americano é o da relação entre
nível de complexidade sócio-cultural e oferta de alimentos, em determinado
ambiente natural. Steward & Faron (1959) levam essa discussão ao extremo ao
abordarem "a integração sócio-cultural no nível familiar". Os principais
ingredientes dessa fórmula de subsistência são: população reduzida,
tecnologia de caça e de coleta, ambiente natural com uma oferta de alimentos
relativamente baixa. Carneiro (1968) chama a atenção para a importância do
crescimento da população em uma área geograficamente ilimitada a qual,
independentemente da fertilidade do solo, gera níveis cada vez mais elevados
de complexidade sócio-cultural. (De Cerqueira, 19793).
Embora os palcos sejam atualmente mais complexos, ora pelas transições
econômicas dos países de América Latina, ora pela crescente crise ambiental
sofrida pelos mesmos, não deixam se ser interessantes as propostas para
acercar-nos à compreensão dos atuais processos da sociedade xinguana,
tanto para se adaptar, como para se desenvolver, num palco cada vez mais
agressivo quanto às relações interétnicas presentes na área4.
Consequentemente, a compreensão deste fenômeno por parte dos
pesquisadores sul-americanos promove a formação de consistentes
conhecimentos sobre as formas de vida e apropriação da paisagem, em
condições que necessariamente levam – tal como propõe Alvarado (2003) – ao
tema da identidade. Esta busca supõe um retorno (analítico e metodológico)
para a relação entre homem e natureza, já que os povos chamados “primitivos”
sofrem uma acelerada transformação (Alvarado, 2003). Os princípios de
organização social e sua relação com o meio ambiente serão discutidos, tendo
em vista a formulação de uma nova base de comparação das povoações
indígenas sul-americanas.
3
Este artigo, publicado em Current Anthropology em Setembro de 1979, passou a representar
uma importante referência aos estudos sobre ecologia e índios sul-americanos. Posteriormente
foi publicado em português por Darcy Ribeiro, com tradução de Berta Ribeiro. Esta versão
digital consta na internet em http://www.jstor.org/view/00113204/dm991424/99p0380p/0 (versão
em Inglês) e http://www.georgezarur.com.br/pagina.php/97 (versão em português), obtida em
janeiro de 2006.
4
Referimo-nos basicamente à agressividade das “agências”, formais e informais, da sociedade
brasileira e suas intervenções (científicas, econômicas, culturais, religiosas, políticas, etc.) que
atuam crescentemente no interior do PIX.
11
12. É aqui onde os dualismos epistemológicos ficam fora de ação. Em mãos com
a cultura, os espaços territoriais se expressam tanto em significados
(representação do espaço) como em usos de espaços reais (condutas), onde,
do mesmo modo, configuram-se as transformações e cristalizações históricas.
Com respeito às sociedades tribais e de chefaturas simples, envolvidas em
torno de um âmbito de congregação direta, o espaço não só significa um
pertence restringido, senão, também, o uso de outros espaços territoriais de
alianças, ou bem, projeções de espaços míticos.
Neste espaço territorial se forjam sistemas de identidades sociais, referindo-
nos a que cada ator (individual ou coletivo) porta uma grande quantidade de
identidades simultâneas referidas a diferentes tipos de fenômenos. É dessa
forma que as culturas, as etnias, os gêneros, as nacionalidades, o status
familiar, a situação socioeconômica, etc. podem confluir num só ator, que
assume suas respectivas identidades ao mesmo tempo, e neste caso, no
marco de seu próprio território5.
Ante esse contexto, a noção de etnia, ou grupo étnico, deve re-conceitualizar-
se (Barth, 1976; Abramoff, 2001; Bonfil, 1992), já que, a partir da proliferação
dos conflitos de considerações étnicas, e partindo do pressuposto de que uma
etnia se reinventa e se redefine como um recurso dos atores sociais para lograr
estrategicamente certos interesses, os processos territoriais adquirem um
formato de luta política pelo território frente à opressão da sociedade
dominante. Nesse sentido, a etnicidade é parte integral da organização social,
e os fatores que distinguem os grupos étnicos de outros grupos geralmente se
conformam a partir de estratégias de contingência; por exemplo, a identidade
étnica aparece só quando os grupos sentem-se ameaçados pela perda de
alguns dos benefícios já adquiridos ou por aspirar a outros privilégios. É
5
Para Todorov é impossível conceber um “eu” relegado de um “outro”. Isso é o que converte à
concepção unívoca do individuo em uma contradição interessante de considerar nos estudos
aplicados ao contato; diz-nos “yo es otro... pero los otros también son yos: sujetos como yo,
que sólo mi punto de vista, para el cual todos están allí y sólo yo estoy aquí, separa y distingue
verdaderamente de mí” (p. 13); isso se justapõe também ao plano do nós/outros que tão
complexamente vaticina a Antropologia. Para a questão das múltiplas identidades na era pós-
moderna e suas possibilidades interpretativas, ver as análises de Zygmund Bauman (2005), em
Identidades.
12
13. conseqüente, e até esperado, então, compreender uma inter-relação direta
entre as expressões étnicas da identidade junto às expressões de classe (6) (7),
e não só especular sobre as intenções de busca de autonomia e
autodeterminação que teriam as populações indígenas (Ortiz, 2004a).
Enfim, o interesse por interagir teoricamente com propostas inovadoras deve
levar necessariamente a contribuir para uma teoria regional sobre os processos
territoriais e culturais fornecidos a partir de conflitos de considerações étnicas.
Para isso, precisaremos de maiores recursos integradores desde a etnografia,
a etnohistória, a etnoecologia, e obviamente a etnologia, para assim desafiar
nossas próprias limitações à hora de construir nossos objetos de estudo e
intervir cientificamente nas realidades que estudamos.
6
Para uma excelente revisão entre a relação entre etnia e classe, ver Sánchez; 1987
7
Muitos autores propõem que a “questão étnica” não pode separar-se de sua relação com os
Estados nacionais (Díaz-Polanco, 1991; Sánchez, 1987; Esteva Fabregat, 1984, entre outros).
13
14. 1.3 TERRAS INDÍGENAS E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL
Compreender sistemas de manejo de recursos naturais envolve
necessariamente uma abordagem transdisciplinar. Elementos ecológicos, como
a capacidade de suporte do ambiente, sazonalidade e distribuição dos recursos
sobre uso são tão fundamentais quanto aspectos de ordem sociocultural, como
regimes de propriedade e regras locais de manejo (Berkes 1989, Ostrom 1993,
McCay 1993). A perda do conhecimento tradicional, que segundo essa lógica
ameaça a sustentabilidade dos sistemas sócioecológicos, é por Berkes et al.
(1993) atribuída às inovações tecnológicas, a pressões devido ao crescimento
populacional, à quebra dos sistemas tradicionais sociais, à perda do controle
das populações locais sobre áreas e recursos e a mudanças de visão
resultantes da urbanização.
Barragens têm causado impactos graves sobre povos indígenas em todo o
mundo, interferindo na vida, subsistência, cultura e existência espiritual. Fortes
desigualdades e dissonâncias culturais, racismo institucional, discriminação
social e marginalização política. Além disso, via de regra, as comunidades
indígenas são excluídas dos benefícios (Colchester 2000).
Na Amazônia, onde as terras indígenas superam em muito as Unidades de
Conservação em termos de área de abrangência, os povos indígenas
exerceram um papel histórico primordial na proteção da floresta. Vários
estudos neste bioma mostram, através de análises de imagens de satélite em
séries temporais e por sensoriamento remoto, que as Terras Indígenas agem
como barreiras contra o desmatamento, que avança ao redor das mesmas
(vide Nepstad et al 2005, entre outros).
As Terras Indígenas brasileiras são elementos-chave para a conservação dos
distintos biomas encontrados no Brasil, e de ecossistemas íntegros,
desempenhando serviços ambientais essenciais, principalmente pela
dificuldade de implantação, na prática, de uma estrutura eficiente de
14
15. fiscalização num país de dimensões continentais, como o Brasil. Como
resultado, hoje cerca de 85% das Unidades de Conservação brasileiras não
estão implantadas efetivamente.
Diversos autores concordam que, de fato, as terras indígenas na região
neotropical funcionam como importantes unidades de conservação (Redford
and Stearman 1993, Peres 1994, Peres e Terborgh 1995, Diegues 2000,
Zimmerman 2001). Silvius (2004) argumenta que reservas tradicionais podem
funcionar tão bem ou melhor que reservas estabelecidas simplesmente por
motivos ecológicos, pois as comunidades envolvidas de fato respeitam seus
limites. Por exemplo, o manejo de queixadas envolve necessariamente a
manutenção de grandes extensões de áreas conservadas, florestais ou não,
que garantam abrigo e alimento para bandos grandes em constante
deslocamento. No caso dos Xavante da Reserva Rio das Mortes, também o
papel tradicional do Xamã vai fortalecer a importância dada ao conhecimento
etnoecológico e aos sistemas tradicionais de manejo.
A importância das terras indígenas é ainda maior pela pequena
representatividade, tanto qualitativa quanto quantitativa, do nosso atual Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, Lei número 9.985, de 18 em julho
de 2002). Vale salientar que justamente o norte do Mato Grosso é região de
transição entre a floresta da terra firme e o planalto central, conhecida no meio
científico e na mídia como “arco do desmatamento”, e que tem sido um dos
principais focos de remoção da cobertura vegetal original nas últimas décadas.
As terras indígenas brasileiras já legalizadas totalizam mais de 110 milhões de
hectares de áreas de valor potencial para a conservação da biodiversidade. No
caso da bacia do Xingu, especificamente, diversas espécies consideradas
ameaçadas, como a onça pintada, a ariranha, o queixada, o tatu canastra, além
de inúmeras outras espécies, ocorrem na área, e estão, no caso do Parque
Indígena do Xingu, livres de pressão de caça por conta de tabus culturais,
como será detalhado mais adiante.
15
16. 2. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS
2.1 CONCEITUAÇÃO GERAL
Em atendimento, por um lado, às solicitações feitas pelas comunidades
indígenas envolvidas, pelo Termo de Referência emitido pela FUNAI8 e pelos
órgãos públicos; e, por outro lado, considerando as especificidades científicas
apresentadas, este Programa está baseado em 3 frentes de atuação, a saber:
estudos antropológicos (caracterização das terras indígenas em seus
aspectos históricos, legais, ambientais, etnológicos, etnopolíticos e
socioeconômicos);
estudos ecológicos referentes aos recursos ambientais existentes
nas Terras Indígenas abordadas, com especial atenção para os
recursos hídricos. Estes estudos envolvem não apenas uma
caracterização física do ambiente de recursos disponíveis, mas,
também, os aspectos culturais de uso e classificação destes recursos
(estudos etnoictiológicos e etnotaxonômicos).
Embora cada uma dessas frentes de atuação possua procedimentos e
metodologias específicas, são tratadas de forma integrada e interdisciplinar,
uma vez que têm o mesmo objetivo comum9.
Neste sentido, a base metodológica do projeto se sustenta na pesquisa
diagnóstica, a saber, uma estratégia de pesquisa apta e adequada para a
abordagem de problemáticas onde ficam envolvidas intervenções sociais,
8
Uma listagem das siglas utilizadas no presente relatório e seus significados pode ser
encontrada no Anexo 9.
9
Confrontar: Robrahn-González, E.M. 2005, “Projeto executivo do Programa Diagnóstico
Antropológico e Patrimônio Cultural, Paranatinga II, Estado de Mato Grosso”.
16
17. expostas como “ações para o desenvolvimento”, as quais, ao mesmo tempo,
são parte de um fenômeno de intervenção sócio-política tendente a lograr
certos fins, sustentados na configuração de um, ou vários, atores sociais
determinados. A utilização da pesquisa diagnóstica deve oferecer uma
estratégia metodológica integrada para construir as bases da coleta, análise e
interpretação dos dados primários e secundários, tendo como referência
algumas questões teórico-metodológicas abaixo detalhadas.
Quando falamos de pesquisa diagnóstica nos referimos a uma “Estratégia
Metodológica” e não a uma “Metodologia”. A diferença é crucial. A estratégia
contém a possibilidade epistemológica, como técnica, de fornecer uma
variabilidade de visões teóricas, padrões de enfoque, delimitações de objeto de
estudo, etc., a partir de um trabalho interdisciplinar. A pesquisa diagnóstica,
como estratégia metodológica, também fornece diferentes planos de indagação
quanto aos alcances das investigações planejadas. É dizer, permite aproximar-
se à construção de um objeto de estudo mais complexo, na medida em que os
pesquisadores são capazes de identificar, nas diferentes intervenções sociais
que estão configurando, a problemática determinada. Dentro desta estratégia
de pesquisa há que se considerar questões que têm relação com os processos
diacrônicos de transformação, as relações de poder imbricadas nas distintas
intervenções sociais, bem como as conseqüentes repercussões sócio-culturais
daqueles processos (Wolf, 1987).
Então, o que estamos entendendo por intervenção social? A resposta a esta
pergunta é fundamental, porque é aquela que demanda a especificidade da
proposta metodológica deste Programa. Uma intervenção social é uma
interação de transformação material e imaterial que realizam certos atores
sociais, que procuram certos fins gerais e específicos através de certos
meios, em determinadas condições ou contextos. Esta é uma proposta da
sociologia funcionalista mertoniana (Merton 1957, 2003) que é de muita
utilidade nos estudos que requerem uma análise mais detalhada sobre
processos conflitivos contingentes, surgidos de uma luta de interesses.
17
18. Os atores sociais sempre são complexos de determinar. Regularmente, têm
processos de configuração sócio-cultural que implicam desenvolvimentos de
identidade, território, economias, tradições, etc. Muitas vezes, os propósitos
dos pesquisadores fazem parte destes sujeitos sociais, o qual deve ficar muito
claro, e, além disso, deve ser exposto para manter a integridade científica do
projeto quanto à busca pelo conhecimento o mais válido, confiável e exato
possível. Os atores sociais também têm interesses diversos. Em outras
palavras, são conjuntos complexos de indivíduos que se desenvolvem
conjuntamente em diferentes graus de compromisso para o logro de certos fins.
Dentro dos atores sociais também há relações assimétricas de poder,
processos de negociação e estandardizações de certas imagens de identidade.
Em nossa contingência de análise, os atores envolvidos são principalmente
grupos indígenas (das TIs Parabubure e Ubawawe e do PIX), empreendedores
do projeto da PCH Paranatinga II e organismos oficiais (estatais) de
fiscalização e autorização. De fato, os atores sociais identificados neste
esquema são os mesmos que em tantos processos sociais na América Latina
se apresentam. Todavia, não é suficiente admitir somente esta relação
tautológica, senão, também identificar a complexidade interna destes atores
intervenientes no processo estudado.
Os fins que procuram os atores sociais são tão complexos como a
configuração dos mesmos atores. Existem fins explícitos e de curto alcance,
assim como fins implícitos e de longo alcance. Os primeiros, fins explícitos,
geralmente são simples de identificar, e ficam expressos nas declarações dos
atores a respeito do conflito particular. Mas os segundos, fins implícitos, muitas
vezes respondem a questões mais emaranhadas relacionadas com ideologias,
cosmologias, e cosmogonias dos atores envolvidos. Neste sentido, o
pesquisador que realiza uma indagação diagnóstica deve identificar aqueles
fins primários, práticos e estratégicos (que ao mesmo tempo são “fins de médio
alcance”), e reconhecer aqueles fins plasmados nas expectativas e esperanças
últimas, aquelas relacionadas com os fundamentos ideológicos do sujeito
social. Os “fins” também têm características sobre as bases de poder que
18
19. sustentam o sujeito envolvido. Neste sentido, os fins podem ser “reformistas”,
“revolucionários”, “empreendedores”, “alienadores”, “secularizadores”, etc.
Os meios utilizados pelos atores sociais para lograr seus fins sempre serão
conseqüentes aos seus requerimentos. O dito “o fim justifica os meios” se faz
fundamental neste esquema. Se os fins são secularizadores, os meios estarão
ligados à utilização da doxa política do contexto social onde se planeja a
intervenção social. Se o fim, por outro lado, é revolucionário, os meios serão
também revolucionários, provavelmente vanguardistas e desestruturadores.
Talvez o esquema mertoniano fique diminuído enquanto se considerar as
“condições” ou “contextos” onde as intervenções sociais são desenvolvidas.
Este é um processo fundamental. Tanto a qualidade como as repercussões da
intervenção estarão restritas aos contextos de ação. Neste sentido, requer-se
um panorama etnográfico profundo, conjuntamente com uma exaustiva revisão
de fontes. Nos contextos devem identificar-se as condições políticas,
econômicas, ideológicas e culturais que definem os atores, os fins e os meios
utilizados.
Neste estado das coisas, converge o mais difícil de identificar, a saber: que os
processos sociais conformam-se a partir de uma série indefinida de
intervenções sociais, muitas vezes contrapostas, e sempre multi-direcionais, o
que vai definindo a particularidade da construção histórica. Podemos dizer,
assim, que a historia é um processo intrincado de transformação e cristalização
de acontecimentos (“estruturas da conjuntura”, como diria Sahlins10) e de
intervenções sociais diversas, competindo por estabelecer transformação e
perduração dos atores sociais (conforme demonstra o esquema abaixo).
10
Salhins, 1997. Esta não é uma historia das particularidades. Sahlins não se refere a uma
história moldada na ortodoxia da sucessão de feitos não-repetíveis. O autor diz: “as questões
históricas não são tão exóticas”. As mudanças culturais já tipificadas são repetidas no tempo. Já
Wolf fala que as “sociedades primitivas” não estiveram tão isoladas quanto pensa a
antropologia do princípio do século XX. Daí que a abordagem de Sahlins na história é
pensando-a como uma só forma geral: “tanto no seio da sociedade dada, como na inter-relação
de distintas sociedades” (pág. 9-11)..
19
20. Intervenções sociais
Processos
Construção
Ocorrência sociais.
plurilinear dos plurilinear da
Estrutura da historia
processos
sociais
conjuntura
Intervenções sociais
Também fundamentamos que as intervenções sociais estão teoricamente
definidas como “ações para o desenvolvimento”, o que necessita de outras
justificativas teóricas que não aquelas apresentadas explicitamente. Podemos
analisar com acuidade as bases teóricas do “desenvolvimento” através das
propostas críticas das atuais teorias sobre esse tema, vigentes e hegemônicas
na América Latina, carregadas de conteúdos pós-modernos, muitas vezes
desadaptados à nossa realidade regional (Teoria da Dependência11, Teorias de
Desenvolvimento Sustentável12, etc.). Nossa proposta é mais coerente com a
indagação de uma pesquisa diagnóstica, e diz respeito à capacidade dos
sujeitos sociais de transformar e utilizar a natureza. Compreendemos natureza
desde uma perspectiva monista, ou seja, desde uma perspectiva que não
denota um dualismo metodológico nem ontológico entre cultura e natureza,
mas, sim, que vê o processo cultural como parte de um desenvolvimento da
11
Prebisch, R. 1981, Cardoso, F. H & E Faletto, E. 1970; Furtado, C. 1974
12
Becker, E. & Jahn, T. 1999. Para conferir quadros teóricos extensos sobre a relação entre
sustentabilidade e Ciências Sociais ver especificamente Cap. I Exploring Uncommon Ground:
Sustentability and the Social Sciences, Cap, II: Sustentability: Its Cognitive Power for Emerging Fields
of Knowledge. E finalmente o Cap. III, intitulado: Sustentability and Territory: Meaningful
Practices and Material Transformations. Tambem confrontar García, R. et al. 2003.
20
21. mesma natureza em diversas manifestações de tipificação (Morin 1996, 2005).
Para os antropólogos, serão ações para o desenvolvimento tanto as distintas
intervenções dos grupos indígenas no que se refere à PCH Paranatinga II,
como a ação dos empreendedores que buscam sua construção.
O problema é mais complexo ainda, porque certamente esta perspectiva nos
obriga a identificar relações assimétricas de poder que certamente intervêm
nesse panorama. O conceito de desenvolvimento que estamos utilizando não
significa “controle”, ou seja, a maior ou menor capacidade de utilizar e
transformar a natureza pode ser um indicativo de maior ou menor
desenvolvimento, mas em nenhum caso de controle. Os exemplos estão à
vista: muitas das intervenções exercidas pelo ser humano no sistema biótico
geral, mesmo das sociedades mais desenvolvidas (com maior capacidade de
transformar e utilizar a natureza), são nefastas e incontroladas em termos das
conseqüências que elas provocam. Outras sociedades, seja por sua
organização social, seja por sua visão sobre o meio que habita, planejam
outras estratégias de intervenção que resultam menos influentes sobre o
esquema da biosfera, mas que igualmente geram desenvolvimento. Esta
perspectiva obriga a deixar de fora qualquer abordagem que abarque
estereótipos essencializantes ao nosso objeto de estudo. Dessa forma, o
pesquisador deve contextualizar e relacionar as “ações para o
desenvolvimento” (tal qual e como é entendido pelos agentes de
desenvolvimento descritos) com o fim de cristalizar o quadro descritivo
adequado para nossa estratégia metodológica.
Dessa forma, a resposta de como os trabalhos possam contribuir na solução de
conflitos em situações de contingência está na metodologia. Estamos na frente
de uma intervenção social complexa, e qualquer estudo no marco de um
programa diagnóstico deverá ser planejado numa clareza diagnóstica. Mas
como executá-lo?13
13
Para a apreciação de uma aplicação de um marco metodológico destas características, ver
Ortiz, 2004. As principais fontes de sistematização teórico-metodológica a respeito estão em
Saavedra, 2005; este último é professor da cátedra “Diagnóstico e Ação para o
Desenvolvimento”, Instituto de Ciências Sociais, Universidade Austral de Chile.
21
22. Geralmente o diagnóstico é confundido, em ciências sociais, metodologicamente
falando, com a pesquisa avaliativa de impacto. Em nossa perspectiva este é um
erro fundamental. Nossa proposta é mais parecida ao funcionamento da medicina
alopática no momento de enfrentar um paciente. Neste sentido, os componentes
lógicos de uma pesquisa diagnóstica devem ser:
1.- descrever pertinentemente a situação problemática em termos de quais
são os atores, meios, fins e condições envolvidas nesta intervenção social ou
intervenções. Esta descrição deve ser a mais ampla possível, tratando de
juntar os dados primários com os secundários, avaliando problemáticas de
pesquisa, espaços de pouca indagação científica e processos chaves para
analisar.
2.- avaliar a situação problemática em termos da relação existente entre a
visão de desenvolvimento dos atores envolvidos (Agentes de desenvolvimento
e comunidades indígenas representados tanto pelas suas organizações como
por suas perspectivais). O mais difícil, neste caso, é a construção de um
modelo avaliativo competente. Geralmente os modelos avaliativos são
construídos com base em três perspectivas:
a) pelos mesmos pesquisadores que determinam quais serão os
modelos ideais que serão comparados com a descrição anterior;
b) pela “comunidade do objetivo”, ou seja, considerando que o modelo
deve ser totalmente êmico, e que esta informação deve ser comparada
posteriormente com a descrição inicial;
c) construído em uma relação dialética entre o que o pesquisador
identifica e a visão êmica envolvida no processo. Neste caso será
fundamental a comparação com situações ocorridas em contextos
similares.
22
23. Certamente, em nosso parecer, a terceira opção é a mais correta, não
obstante, a mais complexa. A distância entre a descrição contundente do
problema e o modelo avaliativo configurado será a magnitude do problema de
pesquisa, o qual dá fundamentos para, posteriormente:
3.- explicar - através de causas e associações - as razões que convertem as
estratégias dos agentes de desenvolvimento em conflitos no interior das
comunidades. Uma pesquisa diagnóstica não pode deixar de lado esta etapa
de investigação. A explicação deve ir mais além que a mera explicação
testemunhal do fenômeno, senão, também, dever-se-ia construir
metodologicamente aspetos relacionados com a prática experimental e as
análises integradas das associações concomitantes ao fenômeno.
4.- por último, embora não menos importante, é necessário oferecer
recomendações que tenham por fim dar solução à problemática apresentada,
entendendo que o problema seja comprovado empiricamente. Neste caso deve
existir uma racionalidade da ação, a qual é a relação lógica e equilibrada que
deve existir entre a descrição do modelo avaliativo (a identificação do
problema) e as recomendações. As recomendações devem ter coerência
interna e a possibilidade de aplicação lógica no contexto descrito. Este é o
processo mais cuidadoso e delicado, que será mais adequado na medida em
que as demais etapas da pesquisa diagnóstica sejam realizadas com a maior
consistência possível.
23
24. 2.2 PROCEDIMENTOS DE CAMPO NA PESQUISA DIAGNÓSTICA
A pesquisa diagnóstica em Antropologia requer a realização de certos
procedimentos de campo, além de certas especificações quanto à estratégia de
coleta de dados e às análises posteriores. A vantagem da Antropologia está
radicada em suas técnicas de campo, ligadas à etnografia, a qual permite
fornecer uma perspectiva enriquecedora dos processos através de suas
técnicas específicas. Neste caso, confluíram: a observação direta, a
observação participante, os encontros (social survey), as entrevistas com
informantes fixos, as entrevistas semi-estruturadas, as entrevistas grupais, os
focus group, entre muitas outras técnicas de campo, as quais forneceram as
bases de dados primárias, dispostas para análises posteriores.
Dentro da lógica da pesquisa diagnóstica, tanto a etapa descritiva como a
avaliativa, explicativa e recomendativa, requerem a utilização das técnicas
nomeadas acima, onde a estratégia etnográfica será a modeladora desses
processos. Nesse sentido, os instrumentos de coleta de dados devem ser
construídos neste marco geral, tratando de identificar as problemáticas
hipotéticas e, também, registrando as problemáticas surgidas in situ.
Não obstante, o “estar aí“, o compartilhar as experiências vitais de nossa
“comunidade objetivo”, não é indicador do sucesso do “trabalho de campo”. Em
geral, muitos antropólogos confundem esta etapa da pesquisa, porque para
eles é suficiente considerar suas próprias percepções como aceitável para
definir e validar os dados que posteriormente serão analisados. O feito de
testemunhar a realidade pode ser muito enriquecedor, mas é fundamental
identificar quais são aspectos surgidos das observações “objetivas” e quais são
as observações surgidas das interpretações e pré-conceitos dos
pesquisadores. A despeito do que nossa proposta indica, é uma estratégia
trans-disciplinária, o que significa grupos de pesquisadores de diversas áreas
de formação (da ecologia, da etnologia, da antropologia, da etnohistória, etc.),
24
25. trabalhando em conjunto sobre a confiabilidade dos dados e criando
instrumentos e técnicas transversais capazes de aproveitar os distintos
contextos de intervenção “no campo”.
Finalmente, os procedimentos de campo deverão sempre estar regidos por
uma ética profissional, ligada à sinceridade dos pesquisadores na hora de se
deparar com situações conflituosas, possíveis de acontecer no trabalho de
campo.
25
26. 3. OBJETIVOS DO PROGRAMA
Os objetivos do presente Programa podem ser sintetizados em três grandes
itens:
Complementar os estudos referentes ao Licenciamento Ambiental da PCH
Paranatinga II no que se refere ao componente indígena, abrangendo as
Terras Indígenas Parabubure e Ubawawe (ocupadas por grupos Xavante e
localizadas às margens do rio Culuene, a montante da PCH), bem como o
Parque Indígena do Xingu (ocupado por 14 etnias e localizado a jusante da
PCH, já em terras banhadas pelo rio Xingu);
Desenvolver, assim, os estudos complementares solicitados pela FUNAI
através do Termo de Referência emitido, abrangendo: diagnóstico das
Terras Indígenas acima citadas, identificação dos impactos sócio-
ambientais provenientes da implantação do empreendimento e proposição
de medidas mitigadoras e/ou compensatórias cabíveis, em conformidade
com os pleitos existentes.
Atender a legislação brasileira e instrumentos normativos existentes no que
se refere aos estudos antropológicos do empreendimento.
Produzir conhecimento científico e análise de situação dos grupos
indígenas tratados, que permitam contribuir na sustentabilidade social,
cultural e econômica dos grupos.
26
27. O atendimento a esses objetivos se apóia na necessidade de regularização dos
estudos de Diagnóstico Antropológico da obra, na deferência às solicitações da
comunidade indígena envolvida e na análise dos seguintes documentos:
• Solicitações do Ministério Público Federal à Procuradoria Geral da
República (Ofício n. 221), IBAMA (Ofício n. 141) e FEMA (Ofício n. 143).
• Laudo Antropológico solicitado pelo Ministério Público.
• Laudo Etno-Histórico e Avaliação Jurídica, solicitado pela Paranatinga
Energia S/A.
• Acordo firmado com a comunidade indígena (Termo de Compromisso).
Como resultado geral, a utilização de todas as fontes informativas disponíveis –
escritas, orais, ecológicas, antropológicas, etnohistóricas e suas interfaces –
trabalhadas de forma independente e com resultados convergentes, deverá
subsidiar a compreensão dos grupos sociais indígenas que dela participaram,
tendo como finalidade última a análise de possíveis impactos gerados pela
implantação da PCH Paranatinga II e a indicação de soluções de contorno.
27
28. 4. LEGISLAÇÃO INTERVENIENTE
O presente trabalho visa atender a legislação brasileira e os instrumentos
normativos vigentes no que se refere ao campo dos estudos antropológicos
(componente indígena), a saber:
• Convenção OIT n° 169, de 07/06/1989, Convenção sobre Povos
Indígenas e Tribais em Países Independentes;
• Lei 6001, de 19/12/1973 - Dispõe sobre o Estatuto do Índio;
• Decreto nº 88.985 de 10/11/1983 - Regulamenta os artigos 44 e
45 da Lei n° 6.001 e dá outras providências;
• Decreto nº 58.821 de 4/07/1966 - Promulga a Convenção nº 104
concernente à abolição das sanções penais;
• Convenção OIT nº 104 de 01/06/1955 - concernente à abolição
das sanções penais por inadimplemento do contrato de trabalho
por parte dos trabalhadores indígenas;
• Lei nº 5.371 de 05/12/1967 - Autoriza a instituição da “Fundação
Nacional do Índio” e dá outras providências;
• Portaria MJ nº 542 de 21/12/1993 - Aprova o anexo Regimento
Interno da Fundação Nacional do Índio- FUNAI;
• Decreto nº 1.775 de 08/01/1996 - Dispõe sobre o procedimento
administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras
providências;
28
29. • Portaria MJ nº 14 de 09/01/1996 - Estabelece regras sobre a
elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e
delimitação de Terras Indígenas a que se refere o parágrafo 6º do
artigo 2º, do Decreto nº 1.775/96;
• Decreto-Lei nº 9.760 de 05 /09/1946 - Dispõe sobre os bens
imóveis da União e dá outras providências;
• Decreto 1.141, de 19 de maio de 1994 - Dispõe sobre as ações
de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas
para as comunidades indígenas;
• Decreto nº 3.799 de 19/04/2001 - Altera dispositivos do decreto nº
1.141, de 19/05/1994, que dispõe sobre as ações de proteção
ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as
comunidades indígenas;
• Lei nº 6.634 de 02/05/1979 - Dispõe sobre a Faixa de Fronteira;
• Decreto nº 4.412 de 07/12/2002 - Dispõe sobre a atuação das
Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas e dá
outras providências;
• Portaria MS nº 254 de 31/01/2002 - Aprova a Política Nacional de
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas;
• Resolução MS/CNS nº 304 de 09/08/2000- Aprova as Normas
para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos- áreas de Povos
Indígenas;
• Decreto nº 98.830 de 15/01/1990- Dispõe sobre a coleta, por
estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil, e dá
outras providências;
• Portaria MCT nº 55 de 15/03/1990 - Regulamenta coleta, por
estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil;
29
30. • Lei nº 10.172 de 09/01/2001 - Aprova o Plano Nacional de
Educação e dá outras providências;
• Lei nº 9.610 de 19/02/1998 - Altera, atualiza e consolida a
legislação sobre direitos autorais e dá outras providências;
• Decreto-Lei nº 25 de 30/11/1937 - Organiza a proteção do
patrimônio histórico e artístico nacional;
• Lei nº 3.924 de 26/07/1961 - Dispõe sobre os monumentos
arqueológicos e pré-históricos;
• Lei nº 9.051 de 18/05/1995 - Dispõe sobre a expedição de
certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de
situações;
• Lei Complementar nº 75 de 20/05/1993- Dispõe sobre a
organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da
União;
• Lei nº 6.938 de 31/08/1981- Dispõe sobre a Política Nacional de
Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e
aplicação, e dá outras providências;
• Lei nº 5. 197 de 03/01/1967 - Dispõe sobre a proteção à fauna e
dá outras providências;
• Lei nº 7.754 de 14/04/1989 - Estabelece medidas para Proteção
das Florestas Existentes nas nascentes dos rios e dá outras
providências;
• Lei nº 9.605 de 12/02/1998 - Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente, e dá outras providências;
30
31. • Resolução CONAMA nº 001 de 23/01/1986 - Relatório de impacto
ao meio ambiente;
• Resolução CONAMA nº 237 de 27/12/1997 - Licenciamento
ambiental;
• Decreto nº 24.643 de 10/07/1934 - Decreta o Código de Águas;
• Lei nº 9.433 de 08/01/1997 - Institui a Política Nacional de
Recursos Hídricos;
• Arts. 231 e 232 da Constituição Federal promulgada em 1988 -
Reconhecem aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários.
Por outro lado, os trabalhos de campo nas Terras Indígenas foram
devidamente oficializados e autorizados pela FUNAI, com aprovação da equipe
de trabalho pelas comunidades indígenas envolvidas (comunidades do Parque
Indígena do Xingu, e comunidades Xavante das Terras Indígenas Parabubure
e Ubawawe).
31
32. 5. A ÁREA DE PESQUISA E COMUNIDADES ENVOLVIDAS
Os grupos indígenas estudados habitam a região superior da bacia hidrográfica
do rio Xingu, um dos maiores tributários do Amazonas (Figura 1). Estes, e seus
afluentes menores, drenam uma região extremamente heterogênea e
composta por um mosaico de zonas ecológicas distintas.
No que se refere à área abrangida pela PCH Paranatinga II, localiza-se na
bacia do rio Culuene que, juntamente com o rio Sete de Setembro, Tanguro e
Suiá-Missu, irão formar o rio Xingu pouco antes do início do Parque Indígena
do Xingu (IBGE, citado em Projeto Radambrasil 1981) (Figura 2).
Na bacia do rio Culuene encontram-se, a montante da PCH Paranatinga II, as
Terras Indígenas Parabubure e Ubawawe, pela sua margem direita. Já o
Parque Indígena do Xingu (PIX) se localiza na bacia do Xingu propriamente
dita. Por esta razão a área de pesquisa do presente Estudo abrange não
apenas a bacia do rio Culuene, mas se estende para o alto curso do rio Xingu,
no trecho abrangido pelo PIX. Desta forma, as comunidades indígenas
envolvidas são:
T.I. Parabubure e T.I. Ubawawe, etnia: Xavante.
Localização: a montante da PCH Paranatinga II, abrangendo terras na
margem direita do rio Culuene. O início das TIs se encontra a 28,61 km
lineares do final do reservatório da PCH Paranatinga II, ou ainda, a quase
50km seguindo o traçado meândrico desse mesmo rio (Figura 3).
32
33. Parque Indígena do Xingu (formado por 14 etnias que integram o chamado
“Complexo Cultural Xinguano”14. Compreendem grupos que habitavam a
área anteriormente à criação do Parque e, também, grupos que para ali
foram levados pela FUNAI, visado centralizar sua assistência). As etnias
são: Waurá, Mehinaku, Yawalapiti, Kuikuro, Kalapalo, Nahukwa, Matipu,
Kamayurá, Awetí, Trumai, Suyá, Ikpeng, Kayabi e Yudjá.
Localização: a jusante da PCH Paranatinga II. O limite sul do PIX se
encontra a 93,71km lineares do eixo da PCH, ou ainda, a 238 km seguindo
o traçado meândrico do rio Culuene, assim como os quilômetros iniciais do
rio Xingu.
14
www.socioambiental.org.br
33
34. 34
Figura 1 - Localização dos rios Xingu e Culuene na Bacia Amazônica.
35. Formadores
do Xingu
Figura 2 - Mapa de vegetação regional na bacia do Culuene.
35
36. Figura 3 - Localização das Terras Indígenas pesquisadas.
36
37. 6. ESTUDOS JUNTO À COMUNIDADE XAVANTE (TI PARABUBURE
E UBAWAWE)
6.1 APRESENTAÇÃO
Este estudo foi realizado seguindo os modelos metodológicos fundados na
Antropologia Social, com levantamento de campo para coleta de dados
quantitativos e qualitativos. Os procedimentos realizados para a elaboração
dos estudos e desenvolvimento dos trabalhos foram os seguintes: reuniões
técnicas, levantamento e análise dos dados disponíveis, definição e
identificação das áreas de estudo, contatos com instituições, vistorias e
levantamentos de campo, diagnóstico ambiental, identificação e avaliação dos
impactos ambientais e proposição das medidas mitigadoras/compensatórias.
Foram realizados levantamentos dos dados disponíveis que subsidiaram a
execução dos trabalhos, tais como: material cartográfico, dados secundários
sobre a região do empreendimento (bibliografia disponível e estudos
relacionados ao Licenciamento Ambiental da obra) e processos existentes na
FUNAI. Neste contexto foi consultada a documentação existente, como
decretos, portarias, legislação, relatórios de fontes oficiais, teses de mestrado e
doutorado e boletins científicos.
Por outro lado, foram mantidos contatos com as seguintes instituições: FUNAI
em Brasília, em Campinápolis e Nova Xavantina no Mato Grosso; IBAMA;
Agência de Água e Saneamento e Meio Ambiente de Mato Grosso; e com a
comunidade indígena Xavante, que auxiliaram no entendimento do problema e
no desenvolvimento dos estudos.
37
38. Foi efetuado o reconhecimento da área nas terras indígenas através de
expedições terrestres, durante os meses de outubro e novembro/2005. As
pesquisas foram desenvolvidas, durante todo o período, com a presença de
índios Xavante juntamente com a equipe.
A primeira atividade desenvolvida quando da chegada da equipe nas aldeias foi
realizar reuniões informativas, esclarecendo sobre o escopo e objetivo do
trabalho e buscando incorporar aos estudos solicitações e recomendações
feitas pela comunidade indígena. As reuniões foram agendadas na AER e/ou
NAL que as aldeias estavam subordinadas.
Foram realizadas quatro reuniões com as lideranças das Terras Indígenas
Parabubure e Ubawawê. A primeira reunião foi realizada no Núcleo de Apoio
Nõrota, em 27/10/05, com as lideranças das aldeias subordinadas a esse
Núcleo (Prancha 1). A Tabela 1 traz a lista dos participantes.
As outras três reuniões com as lideranças Xavante jurisdicionadas à
Administração Executiva Regional de Campinápolis/AER, foram realizadas nos
dias 28, 29 e 30 de outubro de 2005, respectivamente no Posto Estrela, Aldeia
Buritizal e Aldeona/Culuene. Em todas as visitas os técnicos foram
acompanhados pelos índios Xavante Adriano, Henrique, Cláudio e Adalberto,
funcionários e representantes oficiais da AER de Campinápolis indicados pelo
administrador Isaac.
As lideranças que participaram da reunião realizada no dia 28/10/2005, no
Posto Estrela foram:
Liderança Aldeia
1. Ailton Aldeia Estrela
2. Armando Aldeia Barreiro
3. Rodrigo Aldeia Piranhão
4. Coreolano Aldeia Nova Canaã
38
40. Tabela 1 – Participantes da reunião geral, Núcleo de Apoio Nõrota
Nome da liderança Cargo e Aldeia
1. Germano Cacique da aldeia Onça Preta
2. Domingos Cacique da aldeia Matrixã
3. Alfredo Cacique da aldeia Boa Vida
4. Francisco Cacique da aldeia 2° Campinas
5. Orlando Cacique da aldeia Podzenho’u
6. Francisco Vice Cacique aldeia S. Felipe
7. Lázaro Cacique da aldeia Chão Preto
8. Joãozinho Cacique da aldeia S. D. Sávio
9. Terezinho Vice Cacique aldeia S. D. Sávio
10. Lino Vice Cacique aldeia Boa Vida
11. Marinho Chefe aldeia 2° Campinas
12. Amauri Cacique da aldeia Etepore
13. Samuel Vice Cacique aldeia Aparecida
14. Satornino Cacique da aldeia S. Felipe
15. Anselmo Cacique da aldeia Santa Clara
16. Cleto Chefe aldeia Etepore
17. Rita Vice Cacique aldeia Santa Cruz
18. Ademar Representante aldeia Etepore
19. Irineu Cacique da aldeia Couto Magalhães
20. João Cacique da aldeia Santa Rosa
21. Irineu Representante aldeia Boa Vida
22. Isaias Cacique da aldeia São Pedro
23. Cipriano Cacique da aldeia Bom Jesus da Lapa
24. João Fidelis Representante aldeia S. D. Sávio
25. João Gilberto Representante aldeia S. D. Sávio
26. Aniceto Chefe aldeia S. D. Sávio
27. Gustavo Chefe aldeia Etepore
28. pedro Vice Cacique aldeia Tseredzatsé
29. Norberto Secretário aldeia S. Felipe
30. Miguel Representante aldeia Santa Clara
31. Moisés Representante aldeia Parinai’a
32. Silvério Representante aldeia Santa Rosa
33. Zeferino Representante aldeia Santa Rosa
34. Tarcísio Representante aldeia S. Felipe
35. Jocelino Representante aldeia S.Felipe
36. Domingos Representante aldeia Tseredzatsé
37. Inácio Representante aldeia Santa Clara
38. Zacaria Representante aldeia Santa Clara
39. Felizberto Representante aldeia S. Felipe
40. Anita Representante aldeia Boa Vida
41. Casimiro Motorista aldeia S. Felipe
42. Antônio Motorista aldeia S. D. Sávio
43. Amadeu Motorista aldeia S. D. Sávio
44. Vitalina Motorista aldeia Boa Vida
45. Izete Motorista aldeia Chão Preto
46. Tobias Motorista aldeia S. Felipe
47. Cesário Motorista aldeia S. Felipe
48. Paulo Motorista aldeia S. Felipe
49. Vitoriano Motorista aldeia S. Felipe
50. Albino Motorista aldeia S. Felipe
40
41. Já as lideranças que participaram da reunião realizada no dia 29/10/2005, na
Aldeia Buritizal foram:
Liderança Aldeia
1. Cacique Joaquim Aldeia Biritiz
2. Cacique Quirino Aldeia Brasil
3. Cacique Davi Aldeia Itaquera
4. Cacique Luciano Aldeia Santa Helena
5. Cacique Guilherme Aldeia Serrinha
6. Cacique Ermínio Aldeia Mato Grosso
7. Cacique Enoch Aldeia Egito
Finalmente, as lideranças que participaram da reunião realizada no dia
30/10/2005, na Aldeia Aldeona/Culuene foram:
Liderança Aldeia
1. Cacique Eduardo Aldeia Aldeona
2. Cacique Simão Aldeia Novo Paraíso
3. Cacique Joel Aldeia Alvorada
4. Cacique Ubiratan Aldeia Sete Rios
5. Cacique Rodinei Aldeia Dzeiwahu
6. Cacique Manoelito Aldeia Aldeinha
7. Cacique Arlindo Aldeia Colina
8. Vice Cacique Márcio Aldeia Alto da Vitória
9. Cacique Osvaldo Aldeia Jacú
10. Cacique Tomás Aldeia Betel
11. Cacique Jovêncio Aldeia Tiriwawepa
12. Cacique Bernardino Aldeia Baixão
13. Cacique Roberto Aldeia Sobradinho
14. Cacique Valério Aldeia Sucuri
15. Cacique Marcidez Aldeia Cohab
16. Cacique Abrão Aldeia Lagoinha
41
42. O objetivo dessas reuniões foi o esclarecimento das comunidades indígenas
Xavante sobre os estudos socioambientais da PCH Paranatinga II exigidos pelo
CGPIMA/FUNAI, visando o levantamento dos possíveis impactos decorrentes
do empreendimento e o registro do conhecimento indígena sobre o meio
ambiente e as práticas relacionadas às Terras Indígenas Parabubure e
Ubawawê.
Com isto buscou-se, através da análise combinada dos resultados das
pesquisas e a perspectiva dos atores sociais sobre o tema em questão,
subsídios para um diagnóstico equilibrado, que respeitasse os processos
culturais e circunstanciais do grupo indígena Xavante.
Após o levantamento e análise dos dados e do trabalho de campo foi elaborado
o diagnóstico ambiental envolvendo aspectos do meio físico, biótico e
socioeconômico, sendo possível caracterizar a situação pretérita e atual das
áreas indígenas frente ao empreendimento. A equipe técnica elaborou o
diagnóstico de cada área de estudo, e os reuniu para a análise integrada dos
aspectos estudados.
Assim, a partir da adequada caracterização das áreas de estudo e do
diagnóstico sobre a qualidade ambiental, foi possível identificar e avaliar
aqueles impactos advindos da PCH Paranatinga II com relação ao rio Culuene
e às Terras Indígenas estudadas, comparando-os com as condições
preexistentes, tanto os de natureza negativa quanto positiva. Após a
identificação e avaliação dos impactos mais relevantes foram recomendadas as
medidas de controle ambiental e ações destinadas a minimizá-los ou
compensá-los, conforme o caso e de acordo com o que estará sendo discutido
ao longo do presente Capítulo.
42
43. 6.2 CARACTERIZAÇÃO LINGUÍSTICA, HISTÓRICA E CULTURAL DOS
POVOS XAVANTE
Os Xavante constituem povo da família lingüística Jê. Autodenominam-se
Akuên e formam com os Xerente do estado do Tocantins o ramo central das
sociedades de língua Jê (Lopes da Silva e Farias 1992).
Os Akuên habitavam originalmente a bacia do Tocantins, desde o sul de Goiás
até o Maranhão, estendendo-se da bacia do rio São Francisco à bacia do
Araguaia. Após os contatos com o colonizador europeu na aldeia do Carretão,
há cerca de 250 anos atrás, os Akuên retornaram ao seu antigo habitat
passando a haver uma polarização de opiniões sobre o contato e, asssim,
gerando duas facções: uma de simpatia pela manutenção do contato com os
brancos; e outra de aversão ao convívio com o homem branco. O grupo que
manifestava simpatia continuou a viver no território tradicional, passando a ser
conhecido como Xerente; a facção que denotava aversão iniciou um
deslocamento em direção ao Araguaia hostilizando os colonizadores, e passou
a ser chamada de Xavante (LOMBARDI, 1985).
Até meados do século XIX os sertões matogrossenses compreendidos nas
regiões do Xingu, rio das Mortes e Araguaia, eram considerados
desconhecidos pelas autoridades da Província. O relato documental mais
antigo da presença dos Xavante em Mato Grosso, na região que viria a ser seu
habitat até a pacificação ocorrida em meados do século XX, consta do relatório
do presidente da província de Goiás, Pereira da Cunha, de 1856, no qual
noticia a expedição sob a direção de Frei Segismundo de Taggia, que procurou
estabelecer contato com um grupo Xavante hostil, na região do rio das Mortes
(LOMBARDI, 1985).
A travessia do rio Araguaia pelos Xavante ocorreu por volta de 1860-1870, mas
assinala-se que antes dessa grande travessia um outro grupo a havia
43
44. realizado, mas que deles não se teve notícias. Os Xavante começaram a
deslocar-se para a margem esquerda do Tocantins em 1824, depois para o
Araguaia, em 1859, indo então se estabelecer nos campos do rio das Mortes,
em data não precisa (LOMBARDI, 1985).
É necessário considerar que a ocupação Xavante da região compreendida
entre os rios Araguaia e das Mortes era o habitat de outros grupos indígenas,
com os quais tiveram que entrar em guerra a fim de delimitarem novas
fronteiras espaciais e se apossarem das terras (LOMBARDI, 1985).
Durante a primeira metade do século XX, quando há uma nova frente de
expansão econômica no centro-oeste movida pela exploração pecuária, que
impunha o controle, posse e ocupação das terras habitadas pelos Xavante, a
região se transformou em um campo de hostilidades e massacres promovidos
contra os índios, malgrado a política indigenista protecionista e a existência de
um aparato institucional do Estado destinado a fazer cumprir o protecionismo.
À medida que os interesses econômicos da frente pecuária passam a
capitalizar os ânimos do Estado e das Missões, todos os esforços se
concentraram na pacificação dos Xavante, objetivo alcançado pela equipe
coordenada pelo sertanista Francisco Meireles. Ele passou a atuar a partir de
1944, conseguindo o primeiro contato em 1946. Em 1949 o principal grupo
Xavante já estava dentro do Posto Indígena Pimentel Barbosa (LOMBARDI,
1985).
Ainda em 1946 ocorreram os primeiros contatos com o grupo que vivia nas
imediações do rio Culuene, sendo atraídos para os Postos Indígenas Marechal
Rondon e Paraíso. No ano de 1969 foi reservada uma área aos índios Xavante
no rio Couto Magalhães, na margem esquerda do Rio das Mortes.
Conforme apresentado no item que se segue, as Terras Indígenas Parabubure
e Ubawawe foram criadas, respectivamente, na década de 1980 e 1990,
reunindo índios Xavante provenientes da área do Rio das Mortes e Araguaia.
44
45. 6.3 AS TERRAS INDÍGENAS PARABUBURE E UBAWAWE
6.3.1 Localização e situação fundiária da T.I. Parabubure
A Terra Indígena Parabubure localiza-se nos Municípios de Campinópolis e
Água Boa, Estado de Mato Grosso. A sociedade indígena é a Xavante, da
família lingüística Jê. A superfície da terra indígena é de 224.447 ha. A
população é de 2.624 índios (FUNAI, 1998).
As aldeias da TI Parabubure são: Santa Cruz, Bom Jesus da Lapa, São
Domingos Sávio, São Pedro, São Felipe, Santa Clara, Onça Preta, Parinai’a,
Santa Rosa, São Salvador, Nossa Senhora Aparecida, Tsredzatsé, Campinas,
Chão Preto, Boa Vida, Matrinxã, Eteipore, Tela Vive, Podznho’u, Upawapa e
Canguaçu, Aldeinha, Aldeona, Alto da Vitória, Alvorada, Auwê Ubtsibimedzé,
Baixão, Betel, Cohab, Colina, Córrego da Mata, Lagoinha, Novo Paraíso, Pedra
Branca, Santa Fé, Sucuri, Barreiro, Estrela, Jacu, Piranhão, Serrinha,
Campinas, Jerusalém, Mato Grosso, Santa Helena, Brasil, Buritizal, Egito,
Itaquere, São José, Santa Clara, Sete Rios, São Benedito, Panorama,
Dzeiwahu, Bela Vista, Nova Canaã, Sobradinho, Tiriwawepa, Santa Maria, São
Paulo, Cristalina, Santo Amaro, Deus é Amor, Nõrõtsu’rã, ti’irérepa, Monte
Pascoal, Espírito Santo, Três Marias, Ró’óredza’ódzé e Santana (vide Figura 4
e Mapa Etno-Ecológico, Anexo 1).
Como a cisão entre o Xavante faz parte de sua cultura, essas aldeias foram as
encontradas no período de outubro/novembro de 2005. O número de aldeias
em outra visita pode ser diferente.
45
46. Figura 4 - Localização das Aldeias percorridas pela equipe nas TIs Ubawawe e Parabubure.
46
47. Situação Fundiária
No ano de 1922 os Xavante ocupavam a margem esquerda do rio das Mortes,
tendo sido registrados vários ataques a seringueiros, sitiantes e missionários.
Em 1965 o líder Xavante Benedito, “atraído” para a Missão Salesiana,
transferiu-se para a sua antiga aldeia no Rio Couto Magalhães, área em que já
se havia instalado a fazenda Xavantina.
Em 1967 o Governo do Estado do Mato Grosso reservou uma área de 10.000
ha para a aldeia do Benedito, conforme Reg. nº 19.250, Lv. nº 34,fl.88 a 89 V,
Cartório do 4º Oficio Cuiabá – MT.
Em 1968, a FUNAI apresentou uma proposta de área que, embora não
abrangesse as cabeceiras do Rio Couto Magalhães nem a sua margem
esquerda onde estavam situadas suas principais aldeias, foi considerada
visionária.
O Decreto nº 65.212, de 23/09/1969, criou a Reserva Rio Couto Magalhães,
que foi alterada pelo Decreto nº 65.405, de 13/10/69. Este, por sua vez, foi
também alterado pelo Decreto nº 75.426, de 27/11/1975.
A Portaria n° 250/N/FUNAI, de 20.05.1975, criou o Posto Indígena Culuene na
margem direita do córrego Grotão, junto à sua confluência com o rio Culuene,
com superfície aproximada de 51.000 ha. Tal medida visava a proteção de uma
antiga área do grupo que, na época, estava sendo reocupada pela
comunidade. Com o Decreto n° 84.337, de 21.12.1979, foi criada a Reserva
Indígena Parabubure com superfície de 226.555 ha, abrangendo a área Couto
Magalhães e o Posto Indígena Culuene.
47
48. Em 1981 foi demarcada com superfície de 224.447 hectares, registrada na D-
SPU/MT em 1987 e no CRI da Comarca de Nova Xavantina em 1988. Foi
homologada pelo Decreto nº 306, de 29.10.1991, com superfície de 224.447 ha
e perímetro de 294 km.
Mesmo com a regularização de parte da área o grupo continuou a reiterar seus
pedidos de alteração dos limites da terra. Em 1996 foram realizados estudos
das terras indígenas Chão Preto e Paraíso (atual Terra Indígena Ubawawê),
localizadas no limite sul. No mesmo ano a Portaria n° 343, de 21.05.1996,
determinou que os estudos de identificação e complementação de dados da
Terra Indígena Parabubure fossem realizados por etapas. A primeira etapa de
trabalho de campo agraciou as terras indígenas Chão Preto e Paraíso
(Ubawawê), que foram declaradas em 1998. A segunda etapa de identificação
e trabalho de campo realizaria os estudos da área Wai’re/Isou’pá; na terceira
etapa seriam realizados os estudos da área Norõtsurã; a quarta etapa
estudaria uma área denominada Hu’uhi, localizada na margem esquerda do rio
Culuene, no município de Paranatinga. A Portaria n° 891, de 31.08.1998,
instituiu um grupo técnico visando a identificação das etapas 2 (Wai’re/Isou’pá)
e 3 (Norõtsurã).
Administrativamente não existem as áreas 2 (Wai’re/Isou’pá) e 3 (Norõtsurã),
pois os relatórios de identificação e delimitação ainda estão em análise pela
FUNAI.
48
49. 6.3.2 Localização e situação fundiária da T.I. Ubawawê
A Terra Indígena Ubawawê localiza-se no Município de Novo São Joaquim no
Estado de Mato Grosso. A sociedade indígena é a Xavante, da família
lingüística Jê. A superfície da terra indígena é de 52.234 ha e superfície de 119
km. A população da TI é de 29 indíos (FUNAI, 1998).
UBAWAWE (Ponte Grande). Este nome faz referencia à existência, em tempos
remotos, de uma grande árvore derrubada sobre o Rio Paraíso, que era
utilizada na sua travessia durante os freqüentes deslocamentos que faziam
pela região. Este nome passou a identificar os próprios moradores dali,
especialmente uma facção dissidente da antiga Aldeia Oniudu, os quais hoje
habitam as Aldeias de Novo Paraíso, Aldeinha e Água Limpa (vide Mapa Etno-
Ecológico da TI Ubawawe, Anexo 2).
Situação Fundiária
Com o Decreto n° 84.337, de 21.12.1979, foi criada a Reserva Indígena
Parabubure com superfície de 226.555 ha, abrangendo a área Couto
Magalhães e o Posto Indígena Culuene.
Em 1981 foi demarcada a TI Parabubure com superfície de 224.447 ha. Mesmo
com a regularização de parte da área o grupo Xavante continuou a reiterar
seus pedidos de alteração dos limites sul da terra e, pela portaria n°
107/P/FUNAI, de 26.03.1996, foi designado um grupo de trabalho para efetuar
a identificação da área reivindicada, com superfície proposta de 51.900 ha e
perímetro de 120 Km. Pelo Despacho n° 49, de 29.08.1997, foi aprovado o
resumo do relatório circunstanciado de identificação e delimitação da TI
Ubawawê. A Portaria n° 456/MJ, de 25.06.1998, declarou a área de posse
permanente do grupo indígena Xavante com superfície aproximada de 51.900
49
50. ha e determinando que a FUNAI promovesse a demarcação administrativa da
área.
Os trabalhos de demarcação da TI Ubawawê foram realizados em 1999, pela
FUNAI, resultando na superfície de 52.234 ha e perímetro de 119 km. Com a
demarcação física pode haver reajuste na área declarada, podendo haver
pequenas alterações (como é o caso da TI Ubawawê, que foi declarada com
51.900 ha e demarcada com 52.234 ha).
O levantamento fundiário procedido na TI Ubawawê pela FUNAI e pelo Instituto
de Terras de Mato Grosso, cadastrou dezenove ocupantes não-índios, dos
quais quatorze possuíam benfeitorias implantadas e passíveis de indenização,
por força do disposto no § 6º do art.231 da Constituição Federal.
As contestações opostas à identificação e delimitação da TI Ubawawê foram
julgadas improcedentes pelo Memo nº 157/DEID/DAF/FUNAI, de 5 de junho de
1998, conforme o art. 9º e o § 9º, do art. 2°, do Decreto 1.775, de 1996.
Em 2000, o Decreto s/n, de 30.08 homologa a demarcação administrativa da TI
Ubawawê, localizada no município de Novo São Joaquim/MT, com superfície
de 52.234 ha e perímetro de 119 km.
50
51. 6.4 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-BIÓTICA DAS TERRAS INDÍGENAS
O rio Culuene segue um traçado predominante de sudoeste para nordeste,
sendo que os principais contribuintes afluem na porção central da bacia. Pela
margem direita destacam-se o ribeirão Quinze de Agosto e os córregos São
José, Ouro Fino e Sem Nome; pela margem esquerda sobressaem os ribeirões
Azul, do Peixe e do Boi. De um modo geral o relevo é ondulado a suavemente
ondulado, e a cobertura vegetal é do tipo Cerrado, com grandes áreas
ocupadas pela pecuária extensiva (Prancha 2).
De suas cabeceiras, em altitudes da ordem dos 800 m, até o sítio da barragem,
já na cota 360 m, o curso do rio Culuene tem um desenvolvimento de 254 km,
o que lhe confere uma declividade média de cerca de 1,73 m/km. Essa
declividade moderada e a forma alongada da bacia (índice de compacidade de
2,1) são fatores fisiográficos que favorecem o amortecimento das ondas de
cheias afluentes ao aproveitamento.
Considerando que as TIs Parabubure e Ubawawe se localizam na bacia do rio
Culuene (ao contrário do Parque Indígena do Xingu, que já se encontra na
bacia do rio Xingu propriamente dito), serão apresentados abaixo dados de
meio físico-biótico obtidos nos estudos realizados pelo licenciamento ambiental
da PCH Paranatinga II, notadamente no que se refere a aspectos ambientais
regionais (clima, rede hídrica, entre outros). Apresenta-se, a seguir, dados
específicos obtidos através dos estudos de campo nas TIs, visando fornecer
uma visão tanto macro quanto micro ambiental da área.
51
52. Prancha 2 – Instrumentos de pesca Xavante
Área de pesca no rio
Kuluene, próxima á aldeia
Uawé,
Rio Culuene dentro do
perímetro das terras
indígenas Xavante de
Parabubure e Ubawawe.
Rio Couto Magalhães,
área de pesca xavante,
interior da Terra Indígena
Parabubure
52
53. 6.4.1 Aspectos regionais
Clima
Segundo os critérios de classificação de Köeppen, o clima predominante na
bacia do rio Culuene é o Aw, tropical úmido com estação seca. Este tipo
climático é associado às regiões onde o total de chuva no período seco é
inferior a 30 mm, a temperatura média no mês mais quente é superior a 22 ºC,
e no mês mais frio é superior a 18 ºC.
Nesse sentido, observa-se que as temperaturas médias anuais oscilam entre
23ºC e 26ºC, aproximadamente. As temperaturas máximas podem ser
elevadas, chegando aos 40ºC, assim como podem ocorrer temperaturas
mínimas abaixo dos 10ºC, em função da entrada de massas de ar polar.
Apesar destes declínios, temperaturas de 30ºC são freqüentes no inverno.
A precipitação anual média sobre a bacia é de cerca de 1.825 mm, com o
padrão de distribuição espacial apresentando ligeira tendência de crescimento
de sul-sudeste (1750mm/ano) para norte-noroeste (1900 mm/ano). A exemplo
do que ocorre em grande parte da região Centro-Oeste, o período chuvoso vai
de novembro a março e concentra cerca de 80% das chuvas, com maiores
incidências no trimestre de dezembro a fevereiro. O período de estiagem vai de
maio a setembro, com o trimestre mais seco de junho a agosto.
O escoamento do rio Culuene acompanha o regime sazonal das chuvas, com
cerca de um mês de defasagem. A predominância de solos arenoquartzosos
profundos no trecho superior da bacia confere boas condições de regularização
natural de vazões, que perduram ainda depois, quando a bacia passa a
assentar em solos podzólicos e latossolos. Próximo à PCH Paranatinga II o rio
Culuene ainda sustenta vazões relativamente elevadas no trimestre crítico de
estiagem, da ordem dos 35 a 40% das vazões médias anuais. As Terra
Indígenas Parabubure (1) e Ubawawê (2) estão localizadas na região tropical,
na região quente semi-úmido (4 a 5 meses secos) (Figura 5).
53
54. Figura 5 – Caracterização climática regional, com localização das TI’s Ubawawe, Parabubure e PIX.
54
55. Rede Hídrica
O rio Culuene, juntamente com o rio Sete de Setembro, é um dos principais
formadores do rio Xingu, integrando a sub-bacia 18 do Xingu que, por sua vez,
forma uma das sub-bacias da Bacia Amazônica.
Seus principais afluentes pela margem direita são os rios Suia-Missu (médio
curso) e Comandante Fontoura (baixo curso). Pela margem esquerda o Xingu
recebe os rios Curisevo, Tamitatoala e Ronuro (alto curso), Arraias e
Manissuiá-Missu (médio curso). A Bacia do rio Culuene apresenta altas taxas
de escoamento superficial, em média da ordem de 20 l/s/km2, onde a média do
período menos chuvoso nunca foi inferior a 11,0 l/s/km2 (Figura 6).
As cabeceiras do rio Culuene, situadas entre os municípios de Planalto da
Serra, Nova Brasilândia e Primavera do Leste, ultrapassam os limites da
Depressão Interplanáltica de Paranatinga, atingindo a parte mais elevada do
Planalto dos Guimarães (600-700m de altitude). Este rio comporta-se como o
maior coletor de águas da região da Depressão, tendo em seu alto curso
ocorrência de corredeiras e quedas d´água, com leito predominantemente
rochoso, na área onde faz limite com a Província Serrana e o Planalto do
Guimarães. Cerca de 30 km antes de chegar à escarpa limítrofe que separa a
Depressão Interplanaltica de Paranatinga do Planalto Dissecado dos Parecis,
este rio começa a emeandrar-se, formando planícies e terraços fluviais com
grande quantidade de meandros abandonados (PRODEAGRO, 1996).
Durante os estudos de diagnóstico realizados por conta do licenciamento
ambiental da PCH (portanto, em momento anterior ao início das obras), foram
obtidos dados referentes à qualidade da água do rio Culuene, abaixo
transcritos. Os estudos serviram para estimar possíveis cenários do ambiente
aquático no futuro reservatório nas fases de enchimento e estabilização; avaliar
a qualidade da água com relação aos limites da Resolução CONAMA nº
20/1989 para rios de Classe II, como é o caso, e suas adequações aos usos da
água atuais e futuros.
55
56. Figura 6 – Caracterização hidrográfica regional, com localização das TI’s Ubawawe,
Parabubure e PIX.
56
57. As coletas de água foram realizadas em outubro de 2002, que corresponde ao
final do período de estiagem na região. Foram amostradas duas estações de
coleta, uma à montante e outra à jusante do futuro barramento, codificadas
como sendo CULU1 e CULU2, respectivamente, localizadas próximas ao
empreendimento (portanto, não compreendendo as TIs aqui analisadas ou
mesmo suas proximidades).
Foram medidos 21 parâmetros físico-químicos e 6 parâmetros biológicos da
água, incluindo a comunidade de macroinvertebrados bentônicos que
colonizam o sedimento de fundo. Em campo foi medido a transparência de
Secchi, bem como feitas anotações sobre as condições do ambiente aquático e
seu entorno.
As amostragens qualitativas da comunidade fitoplanctônica foram realizadas
com rede de plâncton, malha 25µm, através de 20 arrastes contra a corrente. O
material concentrado foi preservado em solução de Transeau. Para as análises
quantitativas dessa comunidade, as coletas de água foram feitas através de
passagem de frasco de 300 mL na sub-superfície, onde foi adiconado 5 mL de
solução de lugol-acético a 1%.
Já as coletas de zooplâncton para as análises qualitativas foram realizadas
com rede cônica de malha 61 µm, através de arraste contra a corrente por
cerca de 5 minutos. Para as análises quantitativas dessa comunidade foram
filtrados 150 litros de água nesta mesma rede. Ambas as amostras foram
preservadas com 10mL de solução de formol à 40%.
As coletas de sedimento das margens do rio Culuene para análise da
comunidade de macroinvertebrados bentônicos foram realizadas manualmente,
devido à dificuldade em manusear a draga no leito rochoso. As amostras de
sedimento para análise quali-quantitativa desta comunidade foram
armazenadas em sacos plásticos e preservadas em formol a 8%.
57
58. Todas as amostras coletadas nas quatro campanhas foram transportadas até o
laboratório AQUANÁLISE em Cuiabá e as análises foram realizadas seguindo
metodologias estabelecidas pelo APHA/AWWA (1990).
As análises da clorofila foram realizada pelo método espectrofotométrico em
µg/L. Cada resultado foi obtido a partir da média de tréplicas, ou seja, foram
analisadas três sub-amostras para cada frasco de coleta.
As determinações dos índices de coliformes seguiram o método Colilert, com
confiabilidade 95% e unidade em NMP/100mL.
As densidades das populações fitoplanctônicas (nº ind/mL) foram estimadas
pelo método de sedimentação, conforme Utermöhl (1958) em microscópio
invertido. Foram enumerados os indivíduos (células, colônias, cenóbios e
filamentos) em tantos campos aleatórios (Uhelinger, 1964) quanto os
necessários para alcançar 100 indivíduos da espécie mais freqüente, de modo
que o erro de contagem seja inferior a 20% (p< 0.05; Lund et all, 1958). Nas
amostras em que este critério não pôde ser atingido em função das baixas
concentrações de algas e/ou elevado teor de sedimento em suspensão,
contou-se tantos campos quantos os necessários para estabilizar o número de
espécies adicionadas a cada campo contado (método da área mínima). As
riquezas de espécies (nºtaxa/amostra) foram avaliadas considerando-se o
número total de espécies em cada amostra. A identificação das taxas foram
realizadas utilizando-se Bourrelly (1970), Bicudo & Bicudo (1970), De-
Lamonica-Freire (1985), Krammer & Lange-Bertalot (1991), Garcia de Emiliani
(1993), Bicudo et all (1995), Huszar & Silva (1999).
As análises da comunidade zooplanctônica foram feitas com microscópio
esteroscópico e óptico. A identificação foi realizada utilizando-se os trabalhos
de Koste (1978), Reid (1985), Paggi (1995), Elmoor-Loureiro (1997). Foram
feitas contagens dos organismos da amostra total, devido a pouca quantidade
58
59. em número de indivíduos por m3. As contagens processaram-se em lâmina do
tipo “Sedgewich-rafter”.
As amostras de sedimento coletadas para a análise dos macroinvertebrados
bentônicos foram inicialmente lavadas em peneira de malha de 200µm de
abertura, em água corrente. Posteriormente, o material retido foi triado em
microscópio estereoscópico e em seguida os organismos foram preservados
em álcool 70%, devidamente identificados e contados a nível de classe, ordem
e família e, no caso da família Chironomidae, a nível de tribo. As identificações
taxonômicas foram feitas com auxílio de literatura especializada (McCafferty,
1981; Rosernberg & Resh, 1993; Trivinho Strixino & Strixino, 1995; Merritt &
Cummins, 1996).
Descrição das metodologias de análise da água
PARÂMETRO UNIDADE MÉTODO
pH pH-mêtro WTW
Condutividade elétrica µS/cm Condutivímetro WTW
Alcalinidade mg/L CaCO3 Potenciométrico
Dureza Total mg/L CaCO3 Titulométrico do EDTA
Turbidez UNT Turbidímetro
Série de Sólidos Mg/L Gravimétrico
Oxigênio dissolvido Mg/L Winkler modificado
Nitrogênio Kjeldhal Mg/L Colorimétrico do Fenato
Amônia Mg/L Colorimétrico do Fenato
Nitrato Mg/L Colorimétrico do Fenoldissulfônico
Fósforo total Mg/L Colorimétrico do Molibdato
Cálcio Mg/L Espectrofotometria de absorção atômica
Ferro total Mg/L Espectrofotométrico
Sílica Mg/L Colorimétrico do Molibdato
Sulfato Mg/L Espectrofotométrico
DBO Mg/L Diluição e incubação
DQO Mg/L Titulométrico com Sulfato Amoniacal
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60. Com os resultados de densidade e riqueza específica do fitoplâncton,
zooplâncton e bentos foi calculado o Índice de Diversidade de Shannon-
Weaver, descrito na fórmula abaixo, segundo Odum (1988):
Onde:
n Pi = n/N, sendo
- Σ Pi log Pi
1 n= valor de importância de cada espécie
N= total dos valores de importância
Descrição das estações de coleta
Coleta CULU1: Margens com vegetação natural, com mata ciliar preservada.
Não ocorrência de macrófitas aquáticas. Fluxo intenso com
leito do tipo arenoso-predregoso. Coleta realizada às 11:15
horas na ponte sobre a MT-020, local do futuro corpo do
reservatório.
Coleta CULU2: Margens com vegetação natural, com mata ciliar preservada.
Não ocorrência de macrófitas aquáticas. Fluxo intenso com
leito do tipo arenoso-predregoso. Coleta realizada às 12:20
horas na margem direita do rio, à jusante da futura barragem.
Os resultados dos 21 parâmetros físico-químicos obtidos nas coletas
encontram-se no Quadro a seguir.
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61. Parâmetro Unidade CULU1 CULU2
Condutividade elétrica µS/cm 31,0 30,9
PH - 7,6 7,7
Transparência de Secchi M 0,80 0,80
Turbidez UNT 13 12
Alcalinidade total mgCaCO3/L 15 15
DBO mg/L <1 <1
DQO mg/L <6 <6
Oxigênio dissolvido mg/L 7,7 4,0
Nitrogênio Kjeldhal mg/L 0,027 < 0,020
Amônia mg/L 0,006 < 0,001
Nitrato mg/L 0,041 0,059
Fosfato Total mg/L 0,026 0,085
Sílica mg/L 2,528 2,428
Ferro total mg/L 0,37 0,392
Cálcio mg/L 3,8 3,8
Sulfato mg/L < 0,1 0,6
Sólidos totais mg/L 10 54
Sólidos totais dissolvidos mg/L 4 4
Sólidos totais suspensos mg/L 6 50
Sólidos sedimentáveis mg/L < 0,1 < 0,1
Os resultados encontrados nas duas estações de coleta foram semelhantes,
exceto quanto ao oxigênio dissolvido, fosfato total e sólidos suspensos. Essa
diferença deve estar relacionada à queda d´água que existe entre um local e
outro de coleta, o que favorece a resuspensão do sedimento, ocasionando leve
aumento dos sólidos suspensos que, por sua vez, resuspende também
compostos fosfatados retidos no sedimento. Quanto ao oxigênio dissolvido, era
de se esperar uma maior concentração abaixo da corredeira, o que não
ocorreu devido ao fato da coleta ter sido realizada na margem do rio na
estação CULU2, local onde há menor aeração pelo fluxo.
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62. Quanto aos valores de alcalinidade total e cálcio, observou-se a ocorrência de
carbonatos e formas de cálcio na água, aspecto certamente relacionado à
ocorrência de formações calcáreas na região das cabeceiras do rio Culuene,
aspecto que influenciou nos resultados levemente básicos do pH. Essa
característica será favorável no enchimento do reservatório, pois a alcalinidade
servirá de tampão às substâncias ácidas que serão liberadas com a
decomposição da biomassa inundável, controlando assim a diminuição do pH
da água.
A concentração dos nutrientes (NKT, NH3, NO2 e Pt) foi baixa, característica
também relacionada aos baixos resultados de DBO e DQO, indicando que o
aporte de matéria orgânica e inorgânica para o rio é pequeno. Provavelmente
com as chuvas esses resultados devem aumentar, mas não muito, uma vez
que as matas ciliares são preservadas, aspecto que não favorece o arraste de
detritos para o leito do rio, ou seja, as alterações da qualidade da água com as
chuvas deverão ser discretas. Barrela et allii (2001) frisam que o papel das
matas ciliares e dos ecótonos água-terra são muito importantes nos processos
de oxi-redução e ciclagem de nutrientes. Naturalmente os ecótonos água-terra
recebem uma grande quantidade de matéria orgânica e inorgânica dos
sistemas adjacentes, inclusive da própria mata ciliar, cuja deposição ocorre de
maneira discreta no tempo e no espaço. Em vista disto, essas zonas de
transição funcionam como filtros que retém e transformam a matéria,
amortecendo os impactos das áreas adjacentes e favorecendo, assim, a
manutenção da biota aquática. Essa função dos ecótonos água-terra também é
importante em lagos e reservatórios, sejam naturais ou de origem antrópica.
A concentração de sílica foi relativamente alta, aspecto relacionado à natureza
arenosa do leito do rio Culuene. Isto favoreceu a ocorrência de espécies de
diatomáceas (Bacillariophyceae), que precisam deste elemento para formar a
carapaça de sílica que envolve suas células.
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