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Faz a introdução e conclusão

Alunos: Rhony Cristian, Fernanda Klemm



                                      Literatura Catarinense



A literatura em Santa Catarina tem como tema recorrente a imigração. Se comparado ao resto
do país, o território catarinense foi alvo de um projeto de colonização bastante tardio e plural, e
muitos foram os povos incentivados a ocupar este território desde o século XVIII, provindos
principalmente do continente europeu. Ou seja, a miséria na Europa e a proliferação dos sem-
terras era o estímulo que empurrava alemães, italianos, poloneses, ucranianos, portugueses,
libaneses dentre outros, para o meio da selva lavrar o solo e afrontar os nativos, buscando
melhores condições de vida, a posse da terra e a segurança material. Afronta esta que
derramou muito sangue e quase exterminou povos e culturas como a Kaingang e a Xokleng, e
que agora procuram resgatar seus valores, a língua e toda sua cosmologia.

Neste contexto a literatura catarinense, como manifestação social do seu tempo, reflete este
processo de ocupação do território a partir de determinados olhares. Ou seja, é uma literatura
comprometida com uma concepção de civilização própria, com um olhar próprio que nasce no
bojo de identidades culturais específicas, ou ainda, que reflete a interpretação de cada corrente
migratória sobre a sua história. Escritores nascidos no interior de núcleos culturais germânicos
escreveram sobre a imigração germânica, o mesmo acontecendo com os escritores nascidos
ou criados dentro de outros núcleos. É, na maioria dos casos, uma literatura epopéica e
ufanista.

Recentemente alguns autores catarinenses vêm se destacando no cenário nacional. É o caso,
por exemplo, de Salim Miguel, com o livro “Nur na Escuridão”, onde aborda a imigração
libanesa, do qual descende; e da escritora Urda Alice Klueger, cujos romances enfocam o
cotidiano dos colonos de ascendência germânica. Sobre esta autora, no entanto, há de se fazer
uma ressalva. Ela mesma fruto da miscigenação, trabalha nos seus romances a mistura étnica,
destoando assim do coro de escritores que criam personagens e enredos etnicamente “puros”,
ou seja, sem a mistura com outros povos e identidades culturais. Em seu romance “Cruzeiros
do Sul”, por exemplo, Urda Klueger aborda a formação do “povo catarinense” como resultado
do encontro de muitos povos, de muitas culturas, e apresenta o estado de Santa Catarina como
um grande caldeirão cultural, indicando aí uma influência dos estudos de Gilberto Freyre na
sua ficção. Mas não queremos falar destes autores, pelo menos não por agora, mas de uma
pequena novela intitulada “Rocamaranha” e escrita por Almiro Caldeira. Sei que a editora da
Universidade Federal de Santa Catarina lançou a segunda edição do livro em 2003, e já não
era sem tempo, mas o volume que me caiu às mãos data de 1961 e leva o selo da antiga
Editora Globo de Porto Alegre. Carrega consigo o cheiro e a cor do que é antigo e que há muito
esperava fechado em alguma estante. Ao abri-lo, recebi um presente, um valioso presente.

“Rocamaranha” aborda a imigração dos açorianos para Santa Catarina, uma novela histórica,
como preferem alguns. Mais propriamente, a novela procura retratar as reações do povo
açoriano frente ao tratado do rei português D. João V que regulamentou e promoveu o
processo de transferência de milhares de açorianos para as terras do Sul do Brasil durante o
século XVIII, e as dificuldades e desmandos experimentados pelos imigrantes no interior dos
navios que os transladaram pelo Atlântico. O eixo que norteia o enredo é o romance de Duda e
Nanda. Porém, talvez o que mais importa nesta obra é justamente o trabalho de humanização
dos personagens anônimos da migração açoriana e os detalhes de cotidiano e mentalidades
destas pessoas.

Já nas primeiras páginas percebemos um conflito de gênero que nos dá uma idéia do papel da
esposa açoriana. Ao saber do tratado de D. João V, Ricardo, um dos personagens, desejoso
de tentar melhor sorte no Brasil, tenta convencer a esposa a aceitar a viagem, mas cabe a ela
a última palavra, a de não migrar, a de não abandonar o solo onde nasceu, ainda que com
todas as dificuldades que neste havia. Não dissemos, mas quando Portugal decide por
incentivar a emigração dos açorianos, o arquipélago dos Açores vivia a realidade do
superpovoamento e da carência de alimentos. Mas coube à esposa uma decisão que afetaria
todo o futuro da sua família, e não uma posição de submissão à vontade do marido. Também é
interessante observar o efeito do determinismo religioso sobre a ação das personagens. Ao ser
questionado pelo filho dos motivos pelos quais também eles não migrariam, Ricardo responde:
“Deus Nosso Senhor quando nos colocou aqui foi sem mais aquela? Não faz ele tudo bem
medido e pesado? Então é de ver que tinha lá um propósito, pondo a gente a viver neste canto
do mundo. Se ele nos queria açorianos, vamos nós passar a brasileiros? É isto de boa razão?”
Este mesmo determinismo aparece em outros momentos do livro, principalmente quando o
autor retrata as condições a que eram submetidos os emigrantes no interior dos navios,
sujeitos às doenças, aos ambientes insalubres e às inúmeras proibições de relações sociais.
Aliás, há um momento do livro onde uma das personagens compara as condições a que
estavam submetidos os passageiros às dos escravos em um navio negreiro.

Importante ainda uma observação que a personagem Maria Amália, esposa de Ricardo, faz a
respeito daquilo que entende por pátria. Ao se referir ao Brasil, diz: “seja como for, não é terra
açoriana, não é nossa pátria... e ainda que seja, vá lá, pode bem ser, que o valor de Portugal
anda rodeando o mundo, mas assim como assim nosso natural não é!” Ou seja, a noção de
pátria enquanto solo de origem, de nascença, e não de unidade jurídica.

O livro é rico também pela grande quantidade de expressões populares e por apresentar uma
série de valores morais, próprios das comunidades açorianas que emigraram para Santa
Catarina.

Apesar de se apresentar como uma epopéia, “Rocamaranha” não esconde conflitos sociais e
mazelas históricas. Não procura construir uma “idade do ouro”, pelo contrário, mostra
claramente as carências dos açorianos e a desorganização administrativa portuguesa, que em
muitos casos não cumpriu com suas promessas de apoiar integralmente todas as famílias
açorianas em território brasileiro, dando-lhes a posse de sesmarias, ferramentas para o
trabalho agrícola e ajuda de custo. E são estes detalhes, além da qualidade literária do texto,
que tornam esta pequena novela um importante referencial na nossa literatura e um documento
para as reflexões da historiografia catarinense.

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  • 1. Faz a introdução e conclusão Alunos: Rhony Cristian, Fernanda Klemm Literatura Catarinense A literatura em Santa Catarina tem como tema recorrente a imigração. Se comparado ao resto do país, o território catarinense foi alvo de um projeto de colonização bastante tardio e plural, e muitos foram os povos incentivados a ocupar este território desde o século XVIII, provindos principalmente do continente europeu. Ou seja, a miséria na Europa e a proliferação dos sem- terras era o estímulo que empurrava alemães, italianos, poloneses, ucranianos, portugueses, libaneses dentre outros, para o meio da selva lavrar o solo e afrontar os nativos, buscando melhores condições de vida, a posse da terra e a segurança material. Afronta esta que derramou muito sangue e quase exterminou povos e culturas como a Kaingang e a Xokleng, e que agora procuram resgatar seus valores, a língua e toda sua cosmologia. Neste contexto a literatura catarinense, como manifestação social do seu tempo, reflete este processo de ocupação do território a partir de determinados olhares. Ou seja, é uma literatura comprometida com uma concepção de civilização própria, com um olhar próprio que nasce no bojo de identidades culturais específicas, ou ainda, que reflete a interpretação de cada corrente migratória sobre a sua história. Escritores nascidos no interior de núcleos culturais germânicos escreveram sobre a imigração germânica, o mesmo acontecendo com os escritores nascidos ou criados dentro de outros núcleos. É, na maioria dos casos, uma literatura epopéica e ufanista. Recentemente alguns autores catarinenses vêm se destacando no cenário nacional. É o caso, por exemplo, de Salim Miguel, com o livro “Nur na Escuridão”, onde aborda a imigração libanesa, do qual descende; e da escritora Urda Alice Klueger, cujos romances enfocam o cotidiano dos colonos de ascendência germânica. Sobre esta autora, no entanto, há de se fazer uma ressalva. Ela mesma fruto da miscigenação, trabalha nos seus romances a mistura étnica, destoando assim do coro de escritores que criam personagens e enredos etnicamente “puros”, ou seja, sem a mistura com outros povos e identidades culturais. Em seu romance “Cruzeiros do Sul”, por exemplo, Urda Klueger aborda a formação do “povo catarinense” como resultado do encontro de muitos povos, de muitas culturas, e apresenta o estado de Santa Catarina como um grande caldeirão cultural, indicando aí uma influência dos estudos de Gilberto Freyre na sua ficção. Mas não queremos falar destes autores, pelo menos não por agora, mas de uma pequena novela intitulada “Rocamaranha” e escrita por Almiro Caldeira. Sei que a editora da Universidade Federal de Santa Catarina lançou a segunda edição do livro em 2003, e já não era sem tempo, mas o volume que me caiu às mãos data de 1961 e leva o selo da antiga Editora Globo de Porto Alegre. Carrega consigo o cheiro e a cor do que é antigo e que há muito esperava fechado em alguma estante. Ao abri-lo, recebi um presente, um valioso presente. “Rocamaranha” aborda a imigração dos açorianos para Santa Catarina, uma novela histórica, como preferem alguns. Mais propriamente, a novela procura retratar as reações do povo açoriano frente ao tratado do rei português D. João V que regulamentou e promoveu o
  • 2. processo de transferência de milhares de açorianos para as terras do Sul do Brasil durante o século XVIII, e as dificuldades e desmandos experimentados pelos imigrantes no interior dos navios que os transladaram pelo Atlântico. O eixo que norteia o enredo é o romance de Duda e Nanda. Porém, talvez o que mais importa nesta obra é justamente o trabalho de humanização dos personagens anônimos da migração açoriana e os detalhes de cotidiano e mentalidades destas pessoas. Já nas primeiras páginas percebemos um conflito de gênero que nos dá uma idéia do papel da esposa açoriana. Ao saber do tratado de D. João V, Ricardo, um dos personagens, desejoso de tentar melhor sorte no Brasil, tenta convencer a esposa a aceitar a viagem, mas cabe a ela a última palavra, a de não migrar, a de não abandonar o solo onde nasceu, ainda que com todas as dificuldades que neste havia. Não dissemos, mas quando Portugal decide por incentivar a emigração dos açorianos, o arquipélago dos Açores vivia a realidade do superpovoamento e da carência de alimentos. Mas coube à esposa uma decisão que afetaria todo o futuro da sua família, e não uma posição de submissão à vontade do marido. Também é interessante observar o efeito do determinismo religioso sobre a ação das personagens. Ao ser questionado pelo filho dos motivos pelos quais também eles não migrariam, Ricardo responde: “Deus Nosso Senhor quando nos colocou aqui foi sem mais aquela? Não faz ele tudo bem medido e pesado? Então é de ver que tinha lá um propósito, pondo a gente a viver neste canto do mundo. Se ele nos queria açorianos, vamos nós passar a brasileiros? É isto de boa razão?” Este mesmo determinismo aparece em outros momentos do livro, principalmente quando o autor retrata as condições a que eram submetidos os emigrantes no interior dos navios, sujeitos às doenças, aos ambientes insalubres e às inúmeras proibições de relações sociais. Aliás, há um momento do livro onde uma das personagens compara as condições a que estavam submetidos os passageiros às dos escravos em um navio negreiro. Importante ainda uma observação que a personagem Maria Amália, esposa de Ricardo, faz a respeito daquilo que entende por pátria. Ao se referir ao Brasil, diz: “seja como for, não é terra açoriana, não é nossa pátria... e ainda que seja, vá lá, pode bem ser, que o valor de Portugal anda rodeando o mundo, mas assim como assim nosso natural não é!” Ou seja, a noção de pátria enquanto solo de origem, de nascença, e não de unidade jurídica. O livro é rico também pela grande quantidade de expressões populares e por apresentar uma série de valores morais, próprios das comunidades açorianas que emigraram para Santa Catarina. Apesar de se apresentar como uma epopéia, “Rocamaranha” não esconde conflitos sociais e mazelas históricas. Não procura construir uma “idade do ouro”, pelo contrário, mostra claramente as carências dos açorianos e a desorganização administrativa portuguesa, que em muitos casos não cumpriu com suas promessas de apoiar integralmente todas as famílias açorianas em território brasileiro, dando-lhes a posse de sesmarias, ferramentas para o trabalho agrícola e ajuda de custo. E são estes detalhes, além da qualidade literária do texto, que tornam esta pequena novela um importante referencial na nossa literatura e um documento para as reflexões da historiografia catarinense.