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Caritas in veritate

                      Uma bússola para o século XXI




B. Sorge (adaptado)
Caritas in veritate: uma bússola
   Até agora, as intervenções mais importantes da Igreja em
    matéria social tinham sido publicadas por ocasião do
    aniversário da Rerum novarum de Leão XIII (1891):
       Pio XI , Quadragesimo anno (1931)
       Pio XII, Discurso de Pentecostes (1941)
       João XXIII, Mater et magistra (1961)
       Paulo VI, Carta apostólica Octogesima adveniens (1971)
       João Paulo II, Laborem exercens (1981)
                      Centesimus annus (1991)
Caritas in veritate: uma bússola
   Mas também algumas excepções:
       João XXIII, Pacem in terris (1963)
       Paulo VI, Populorum progressio (1967)
       João Paulo II, Sollicitudo rei socialis (1987) escrita para
        comemorar o 20º aniversário da Populorum progressio.

   Seguindo o exemplo do seu predecessor, Bento XVI
    publica a Caritas in veritate para comemorar o 40º
    aniversário da Populorum progressio (n. 8).
   Mas não se limita a comemorar: imprime um novo curso
    ao pensamento social da Igreja.
Caritas in veritate: uma bússola
   Sem negar a importância da Rerum novarum, Bento XVI
    considera que os ensinamentos da Populorum progressio
    estão mais próximos dos problemas de hoje (n. 8).
   Esta Encíclica é complexa e articulada.
   O texto desenvolve-se segundo o método ‘dedutivo’,
    típico das primeiras encíclicas sociais: parte dos princípios
    para, daí, extrair progressivamente, as conclusões.
Caritas in veritate: uma bússola
   Todavia, para podermos apreciá-la melhor, convém lê-la
    seguindo o método ‘indutivo’ (ver, julgar e agir)
    apresentado por João XXIII na Mater et magistra.
   Este método foi seguido pelo Concílio Vaticano II na
    Gaudium et spes e apresenta-se como que codificado por
    Paulo VI no n. 4 da Octogesima adveniens.
Caritas in veritate: uma bússola
Caritas in veritate: uma bússola
   1) A nova “questão social” (capítulo VI)
   A “questão social”, nascida no séc. XIX como “questão
    operária”, transformou-se nas primeiras décadas do
    séc. XX, depois da Revolução de Outubro, no confronto
    ideológico entre diversos modelos de Estado:
       Democracia liberal
       Socialismo real
   Na segunda metade do séc. XX assume as dimensões
    planetárias do equilíbrio entre o Norte e o Sul, entre o
    mundo rico e o mundo dos pobres.
Caritas in veritate: uma bússola
   Hoje, depois do desaparecimento histórico das
    ideologias, da queda do Muro de Berlim e da revolução
    tecnológica, a “questão social” transformou-se em
    “questão antropológica”.
   O desafio é o de uma nova maneira de conceber a vida
    humana que – através do uso da biotecnologia – pode ser
    manipulada de mil modos: fecundação in vitro,
    investigação em embriões, clonagem, hibridação humana,
    …
Caritas in veritate: uma bússola
   Assim, o lugar das ideologias políticas dos sécs. XIX e
    XX foi ocupado pela nova ideologia tecnocrática.
   O homem tecnológico está inebriado com ela (cf. n. 43).
   Volta a tentação de sempre: que necessidade temos de
    Deus, se o homem se basta a si próprio e pode libertar-
    se com as suas próprias mãos?
Caritas in veritate: uma bússola
   Não é assim, responde a Encíclica: «o verdadeiro
    desenvolvimento não consiste primariamente no fazer.
    A chave do desenvolvimento é uma inteligência capaz de
    pensar a técnica e de compreender o sentido plenamente
    humano do agir do homem, no horizonte de sentido
    da pessoa tomada na globalidade do seu ser»
    (n. 70).
   E Bento XVI conclui: «Sem Deus, o homem não sabe
    onde ir e não consegue sequer compreender quem seja»
    (n. 78).
Caritas in veritate: uma bússola
   Há mais de quarenta anos, Paulo VI tinha já lançado o
    mesmo aviso com a Populorum progressio.
   Claro que, desde então, o mundo mudou…
   Nos dias de Paulo VI, o processo de globalização estava
    apenas no início; hoje, depois da queda dos sistemas
    económicos e políticos dos países comunistas do leste e
    depois do fim dos ‘blocos’, a aceleração do fenómeno da
    globalização impõe uma outra perspectiva para o
    caminho do desenvolvimento mundial.
Caritas in veritate: uma bússola
   Bento XVI, convencido da validade dos ensinamentos da
    Populorum progressio, pretende relê-los à luz dos novos
    desafios da questão antropológica.
Caritas in veritate: uma bússola
   2) A actualização da Populorum progressio
    (capítulos I e II)
   A Populorum progressio falava de «desenvolvimento dos
    povos». Hoje, Bento XVI prefere falar de
    «desenvolvimento humano integral» e propõe-se
    actualizar as perspectivas de Paulo VI.
Caritas in veritate: uma bússola
   a) A primeira perspectiva é a dos nn. 41-42 da Populorum
    progressio: «Não existe um verdadeiro humanismo se
    não estiver aberto ao Absoluto, no reconhecimento de
    uma vocação que oferece a ideia verdadeira de vida
    humana».
   Bento XVI faz sua esta afirmação e comenta: «Paulo VI
    quis dizer-nos, antes de mais nada, que o progresso é, na
    sua origem e na sua essência, uma vocação: “Nos
    desígnios de Deus, cada homem é chamado a
    desenvolver-se, porque toda a vida é vocação”» (n.16).
   É sobre este pressuposto que o Papa constrói a Caritas in
    veritate.
Caritas in veritate: uma bússola
   Exactamente porque o desenvolvimento é a
    resposta do homem à sua vocação transcendente
    – explica –, é necessário que o progresso seja
    conforme à dignidade do homem: «A vocação é um
    apelo que espera uma resposta livre e responsável. O
    desenvolvimento humano integral supõe a liberdade
    responsável da pessoa e dos povos: nenhuma estrutura
    pode garantir esse desenvolvimento prescindindo e
    sobrepondo-se à responsabilidade humana» (n.17)
   Não existe desenvolvimento integral sem
    reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da sua
    liberdade e da sua responsabilidade.
Caritas in veritate: uma bússola
   «Só se for livre é que o desenvolvimento pode ser
    integralmente humano; só num regime de liberdade
    responsável pode crescer de maneira adequada» (n.17).
Caritas in veritate: uma bússola
   b) O segundo princípio fundamental de Paulo VI é que o
    desenvolvimento, para ser verdadeiramente
    humano, tem necessidade de ser fraterno.
    «O mundo está doente – lê-se no n.66 da Populorum
    progressio –. O seu mal reside menos na delapidação dos
    recursos ou na sua apropriação por parte de alguns do
    que na falta de fraternidade entre os homens e entre os
    povos».
   Bento XVI faz sua também esta perspectiva e actualiza-a.
   As graves situações denunciadas por Paulo VI persistem
    ainda, se é que não se agravaram até no mundo
    globalizado.
Caritas in veritate: uma bússola
   Pense-se, por exemplo (cf. n.21)
       na actividade financeira mal utilizada, de modo
        prevalentemente especulativo;
       nos fluxos migratórios dramaticamente abandonados a si
        mesmos;
       na exploração desregulada dos recursos naturais;
       na corrupção;
       na ilegalidade…
Caritas in veritate: uma bússola
   Esta é a prova – afirma – que sem «caridade na verdade»
    não há fraternidade, nem verdadeiro desenvolvimento,
    humano e integral.
   É a demonstração de que as estruturas económicas e as
    instituições (cuja importância ninguém nega) por si só
    não bastam, se falta a atenção às componentes humanas e
    humanizantes do desenvolvimento.
   Aqui está, exactamente, o limite da ideologia tecnocrática
    dos dias de hoje (cf. n.19).
Caritas in veritate: uma bússola
   c) Por fim, a Populorum progressio (veja-se, por exemplo, o
    n.85) insiste que as reformas devem ser realizadas numa
    perspectiva interdisciplinar, harmonizando os vários
    aspectos do desenvolvimento numa visão de conjunto.
    É o que propõe a Caritas in veritate: «As avaliações morais
    e a investigação científica devem procurar em conjunto
    […] e a caridade deve animá-las num todo
    interdisciplinar harmónico, feito de unidade e de
    distinções. A doutrina social da Igreja, que tem “uma
    importante dimensão interdisciplinar”, pode
    protagonizar, nesta perspectiva, uma função de
    extraordinária eficácia» (n.31).
Caritas in veritate: uma bússola
   Muitas dimensões relacionadas com a “questão
    antropológica” estão inter-relacionadas:
       Os direitos individuais não podem separar-se de um visão de
        conjunto de direitos e deveres, se não a reivindicação de
        direitos torna-se possibilidade de manter os privilégios de
        poucos: «os direitos pressupõem deveres sem os quais se
        transformam em arbítrio» (n.43).
       O crescimento demográfico: «Trata-se de um aspecto muito
        importante do verdadeiro desenvolvimento, porque diz
        respeito a valores irrenunciáveis da vida e da família.
        Considerar o aumento da população como a primeira causa do
        subdesenvolvimento é incorrecto, até do ponto de vista
        económico» (n.44).
Caritas in veritate: uma bússola
   3) A chave de leitura da Encíclica (Introdução e
    Conclusão)
   A este propósito é necessário interpretar ‘os sinais dos
    tempos’ à luz da revelação cristã e do Magistério da
    Igreja.
   Que leitura faz a Encíclica?
   O Papa parte da convicção de que a vida é um dom.
    Ninguém a pode dar a si mesmo. Cada pessoa é
    essencialmente uma ‘vocação’; ‘chamada à vida’ (um
    projecto de Deus) há-de saber acolher esse chamamento
    e responder-lhe na liberdade, realizando-o na sua vida.
Caritas in veritate: uma bússola
   «Cada um encontra o bem próprio, aderindo ao projecto
    que Deus tem para ele, a fim de o realizar plenamente:
    com efeito, é em tal projecto que encontra a verdade
    sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (cf. Jo
    8,22)» (n.1).
   Deus não pode ser expulso da consciência humana.
   O homem é feito para a verdade e para o amor; e Deus
    permanece a única resposta possível não só ao que a
    inteligência exige (verdade), mas também ao que coração
    experimenta (amor).
Caritas in veritate: uma bússola
   Portanto, a «caridade na verdade» não é só a essência do
    anúncio cristão, mas também o ‘cimento’ necessário para
    realizar um desenvolvimento humano integral.
   Se se quer que as realizações humanas sejam sólidas –
    não só as pessoais “privadas” (família, amigos,…), mas
    também as “públicas” (políticas, económicas, sociais,…)
    –, devemos fundá-las sobre a rocha firme de uma
    «caridade verdadeira», de um amor verdadeiro.
Caritas in veritate: uma bússola
   De facto, «sem verdade, a caridade cai no
    sentimentalismo» e o amor «é prisioneiro das emoções e
    opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra
    abusada e distorcida, chegando a significar o contrário»
    (n.3).
   Mas «a verdade, fazendo sair os homens das opiniões e
    sensações subjectivas, permite-lhes ultrapassar
    determinações culturais e históricas para se encontrarem
    na avaliação do valor e da substância das coisas» (n.4).
   Só a caridade na verdade torna possível o diálogo,
    a comunicação, a comunhão.
Caritas in veritate: uma bússola
   Viver a caridade na verdade é o único fundamento sobre
    o qual pode construir-se uma ‘sociedade boa’ e realizar o
    desenvolvimento integral da humanidade.

   Bento XVI insiste muito sobre a necessidade da religião
    para o progresso da humanidade.

   Mas, na situação actual do mundo em que vivemos, como
    fazer?
Caritas in veritate: uma bússola
   A resposta está, uma vez mais, na «caridade na verdade»:
    no diálogo fecundo e na colaboração profícua entre a
    razão e a fé religiosa.
   «A razão tem sempre de ser purificada pela fé; isto vale
    também para a razão política, que não deve crer-se
    omnipotente. A religião, por sua vez, precisa de ser
    purificada pela razão, para mostrar o seu rosto humano
    autêntico. A ruptura deste diálogo implica um custo
    muito gravoso para o desenvolvimento da humanidade»
    (n.56).
Caritas in veritate: uma bússola
   Na experiência de vida dos discípulos de Jesus na cidade,
    no diálogo entre a fé e a vida quotidiana, nasce o
    pensamento social cristão, a doutrina social da Igreja.
   « Tal doutrina […] é serviço da caridade mas na verdade.
    […] É ao mesmo tempo verdade da fé e da razão, na
    distinção e, conjuntamente, na sinergia destes dois
    âmbitos cognitivos» (n.5).
   O Papa formula, assim, uma nova definição de
    Doutrina Social da Igreja: «é “caritas in veritate in re
    sociali”, ou seja, proclamação da verdade do amor de
    Cristo na sociedade» (n.5).
Caritas in veritate: uma bússola
   A Doutrina Social da Igreja não nasce do exterior, da
    “questão social”, mas do interior, da resposta de verdade
    e de amor que o cristianismo oferece às expectativas da
    sociedade humana.
   Claro que «a Igreja não tem soluções técnicas para
    oferecer e não pretende “de modo algum imiscuir-se na
    política dos Estados”; mas tem uma missão de verdade a
    cumprir, em todo o tempo e contingência, por uma
    sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua
    vocação» (n.9).
Caritas in veritate: uma bússola
   4) A Igreja diante dos maiores problemas de hoje
    (capítulos III, IV e V)
   À luz destas premissas, compreendem-se as tomadas de
    posição da Igreja face aos desafios da “questão
    antropológica”.
   Claro – especifica a Encíclica – «as grandes novidades que
    o quadro actual do desenvolvimento dos povos apresenta
    exigem, em muitos casos, novas soluções» (n.32).
Caritas in veritate: uma bússola
   «Estas hão-de ser procuradas conjuntamente no respeito
    das leis próprias a cada realidade e à luz de uma visão
    integral do homem, que espelhe os vários aspectos da
    pessoa humana, contemplada com o olhar purificado pela
    caridade» (n.32).
Caritas in veritate: uma bússola
   Neste ponto, a Encíclica introduz a ideia-força que
    atravessa todo o texto:
   «A caridade na verdade coloca o homem perante a
    admirável experiência do dom. A gratuidade está
    presente na sua vida sob múltiplas formas, que
    frequentemente lhe passam despercebidas por causa de
    uma visão meramente produtiva e utilitarista da
    existência. O ser humano é feito para o dom que
    exprime e realiza a sua dimensão de transcendência»
    (n.34).
Caritas in veritate: uma bússola
   A verdade é um dom maior do que nós; precede-nos
    como o dom da caridade (S. Agostinho).
   «A verdade não é produzida por nós, mas é sempre
    encontrada ou, melhor, recebida» (n.34).
   Conclui o Papa: «Enquanto dom recebido por todos, a
    caridade na verdade é uma força que constitui a
    comunidade e unifica os homens sem barreiras nem
    limites» (n.34).
Caritas in veritate: uma bússola
   O que implica aprofundar a categoria ‘relação’ que
    nos leva a descobrir que a criatura humana, de natureza
    espiritual, se realiza «nas relações interpessoais: quanto
    mais as vive de forma autêntica, tanto mais amadurece a
    própria identidade pessoal. Não é isolando-se que o
    homem se valoriza a si mesmo, mas relacionando-se com
    os outros e com Deus […]. Isto vale também para os
    povos» (n.53)
Caritas in veritate: uma bússola
   Está nestas considerações a razão das orientações da
    Encíclica no âmbito
       das “finanças éticas” (n.45);
       do cuidado com o ambiente (n.48);
       do uso responsável dos recursos energéticos (n.49);
       da liberdade religiosa (n.55);
       da colaboração fraterna entre crentes e não crentes (n.56);
       do papel da cooperação internacional (n.58);
       do turismo internacional como factor de crescimento (n.61);
       do fenómeno das migrações (n.62);
       das novas competências das organizações sindicais (n.64);
       da necessidade de uma verdadeira autoridade mundial (n.67).
Caritas in veritate: uma bússola
   A amplitude dos horizontes e dos problemas que o Papa
    Bento XVI aborda na sua Encíclica fazem da Caritas in
    veritate uma verdadeira ‘bússola’ para o séc. XXI.

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Para ler a caritas in veritate

  • 1. Caritas in veritate Uma bússola para o século XXI B. Sorge (adaptado)
  • 2. Caritas in veritate: uma bússola  Até agora, as intervenções mais importantes da Igreja em matéria social tinham sido publicadas por ocasião do aniversário da Rerum novarum de Leão XIII (1891):  Pio XI , Quadragesimo anno (1931)  Pio XII, Discurso de Pentecostes (1941)  João XXIII, Mater et magistra (1961)  Paulo VI, Carta apostólica Octogesima adveniens (1971)  João Paulo II, Laborem exercens (1981)  Centesimus annus (1991)
  • 3. Caritas in veritate: uma bússola  Mas também algumas excepções:  João XXIII, Pacem in terris (1963)  Paulo VI, Populorum progressio (1967)  João Paulo II, Sollicitudo rei socialis (1987) escrita para comemorar o 20º aniversário da Populorum progressio.  Seguindo o exemplo do seu predecessor, Bento XVI publica a Caritas in veritate para comemorar o 40º aniversário da Populorum progressio (n. 8).  Mas não se limita a comemorar: imprime um novo curso ao pensamento social da Igreja.
  • 4. Caritas in veritate: uma bússola  Sem negar a importância da Rerum novarum, Bento XVI considera que os ensinamentos da Populorum progressio estão mais próximos dos problemas de hoje (n. 8).  Esta Encíclica é complexa e articulada.  O texto desenvolve-se segundo o método ‘dedutivo’, típico das primeiras encíclicas sociais: parte dos princípios para, daí, extrair progressivamente, as conclusões.
  • 5. Caritas in veritate: uma bússola  Todavia, para podermos apreciá-la melhor, convém lê-la seguindo o método ‘indutivo’ (ver, julgar e agir) apresentado por João XXIII na Mater et magistra.  Este método foi seguido pelo Concílio Vaticano II na Gaudium et spes e apresenta-se como que codificado por Paulo VI no n. 4 da Octogesima adveniens.
  • 6. Caritas in veritate: uma bússola
  • 7. Caritas in veritate: uma bússola  1) A nova “questão social” (capítulo VI)  A “questão social”, nascida no séc. XIX como “questão operária”, transformou-se nas primeiras décadas do séc. XX, depois da Revolução de Outubro, no confronto ideológico entre diversos modelos de Estado:  Democracia liberal  Socialismo real  Na segunda metade do séc. XX assume as dimensões planetárias do equilíbrio entre o Norte e o Sul, entre o mundo rico e o mundo dos pobres.
  • 8. Caritas in veritate: uma bússola  Hoje, depois do desaparecimento histórico das ideologias, da queda do Muro de Berlim e da revolução tecnológica, a “questão social” transformou-se em “questão antropológica”.  O desafio é o de uma nova maneira de conceber a vida humana que – através do uso da biotecnologia – pode ser manipulada de mil modos: fecundação in vitro, investigação em embriões, clonagem, hibridação humana, …
  • 9. Caritas in veritate: uma bússola  Assim, o lugar das ideologias políticas dos sécs. XIX e XX foi ocupado pela nova ideologia tecnocrática.  O homem tecnológico está inebriado com ela (cf. n. 43).  Volta a tentação de sempre: que necessidade temos de Deus, se o homem se basta a si próprio e pode libertar- se com as suas próprias mãos?
  • 10. Caritas in veritate: uma bússola  Não é assim, responde a Encíclica: «o verdadeiro desenvolvimento não consiste primariamente no fazer. A chave do desenvolvimento é uma inteligência capaz de pensar a técnica e de compreender o sentido plenamente humano do agir do homem, no horizonte de sentido da pessoa tomada na globalidade do seu ser» (n. 70).  E Bento XVI conclui: «Sem Deus, o homem não sabe onde ir e não consegue sequer compreender quem seja» (n. 78).
  • 11. Caritas in veritate: uma bússola  Há mais de quarenta anos, Paulo VI tinha já lançado o mesmo aviso com a Populorum progressio.  Claro que, desde então, o mundo mudou…  Nos dias de Paulo VI, o processo de globalização estava apenas no início; hoje, depois da queda dos sistemas económicos e políticos dos países comunistas do leste e depois do fim dos ‘blocos’, a aceleração do fenómeno da globalização impõe uma outra perspectiva para o caminho do desenvolvimento mundial.
  • 12. Caritas in veritate: uma bússola  Bento XVI, convencido da validade dos ensinamentos da Populorum progressio, pretende relê-los à luz dos novos desafios da questão antropológica.
  • 13. Caritas in veritate: uma bússola  2) A actualização da Populorum progressio (capítulos I e II)  A Populorum progressio falava de «desenvolvimento dos povos». Hoje, Bento XVI prefere falar de «desenvolvimento humano integral» e propõe-se actualizar as perspectivas de Paulo VI.
  • 14. Caritas in veritate: uma bússola  a) A primeira perspectiva é a dos nn. 41-42 da Populorum progressio: «Não existe um verdadeiro humanismo se não estiver aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação que oferece a ideia verdadeira de vida humana».  Bento XVI faz sua esta afirmação e comenta: «Paulo VI quis dizer-nos, antes de mais nada, que o progresso é, na sua origem e na sua essência, uma vocação: “Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação”» (n.16).  É sobre este pressuposto que o Papa constrói a Caritas in veritate.
  • 15. Caritas in veritate: uma bússola  Exactamente porque o desenvolvimento é a resposta do homem à sua vocação transcendente – explica –, é necessário que o progresso seja conforme à dignidade do homem: «A vocação é um apelo que espera uma resposta livre e responsável. O desenvolvimento humano integral supõe a liberdade responsável da pessoa e dos povos: nenhuma estrutura pode garantir esse desenvolvimento prescindindo e sobrepondo-se à responsabilidade humana» (n.17)  Não existe desenvolvimento integral sem reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da sua liberdade e da sua responsabilidade.
  • 16. Caritas in veritate: uma bússola  «Só se for livre é que o desenvolvimento pode ser integralmente humano; só num regime de liberdade responsável pode crescer de maneira adequada» (n.17).
  • 17. Caritas in veritate: uma bússola  b) O segundo princípio fundamental de Paulo VI é que o desenvolvimento, para ser verdadeiramente humano, tem necessidade de ser fraterno. «O mundo está doente – lê-se no n.66 da Populorum progressio –. O seu mal reside menos na delapidação dos recursos ou na sua apropriação por parte de alguns do que na falta de fraternidade entre os homens e entre os povos».  Bento XVI faz sua também esta perspectiva e actualiza-a.  As graves situações denunciadas por Paulo VI persistem ainda, se é que não se agravaram até no mundo globalizado.
  • 18. Caritas in veritate: uma bússola  Pense-se, por exemplo (cf. n.21)  na actividade financeira mal utilizada, de modo prevalentemente especulativo;  nos fluxos migratórios dramaticamente abandonados a si mesmos;  na exploração desregulada dos recursos naturais;  na corrupção;  na ilegalidade…
  • 19. Caritas in veritate: uma bússola  Esta é a prova – afirma – que sem «caridade na verdade» não há fraternidade, nem verdadeiro desenvolvimento, humano e integral.  É a demonstração de que as estruturas económicas e as instituições (cuja importância ninguém nega) por si só não bastam, se falta a atenção às componentes humanas e humanizantes do desenvolvimento.  Aqui está, exactamente, o limite da ideologia tecnocrática dos dias de hoje (cf. n.19).
  • 20. Caritas in veritate: uma bússola  c) Por fim, a Populorum progressio (veja-se, por exemplo, o n.85) insiste que as reformas devem ser realizadas numa perspectiva interdisciplinar, harmonizando os vários aspectos do desenvolvimento numa visão de conjunto. É o que propõe a Caritas in veritate: «As avaliações morais e a investigação científica devem procurar em conjunto […] e a caridade deve animá-las num todo interdisciplinar harmónico, feito de unidade e de distinções. A doutrina social da Igreja, que tem “uma importante dimensão interdisciplinar”, pode protagonizar, nesta perspectiva, uma função de extraordinária eficácia» (n.31).
  • 21. Caritas in veritate: uma bússola  Muitas dimensões relacionadas com a “questão antropológica” estão inter-relacionadas:  Os direitos individuais não podem separar-se de um visão de conjunto de direitos e deveres, se não a reivindicação de direitos torna-se possibilidade de manter os privilégios de poucos: «os direitos pressupõem deveres sem os quais se transformam em arbítrio» (n.43).  O crescimento demográfico: «Trata-se de um aspecto muito importante do verdadeiro desenvolvimento, porque diz respeito a valores irrenunciáveis da vida e da família. Considerar o aumento da população como a primeira causa do subdesenvolvimento é incorrecto, até do ponto de vista económico» (n.44).
  • 22. Caritas in veritate: uma bússola  3) A chave de leitura da Encíclica (Introdução e Conclusão)  A este propósito é necessário interpretar ‘os sinais dos tempos’ à luz da revelação cristã e do Magistério da Igreja.  Que leitura faz a Encíclica?  O Papa parte da convicção de que a vida é um dom. Ninguém a pode dar a si mesmo. Cada pessoa é essencialmente uma ‘vocação’; ‘chamada à vida’ (um projecto de Deus) há-de saber acolher esse chamamento e responder-lhe na liberdade, realizando-o na sua vida.
  • 23. Caritas in veritate: uma bússola  «Cada um encontra o bem próprio, aderindo ao projecto que Deus tem para ele, a fim de o realizar plenamente: com efeito, é em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (cf. Jo 8,22)» (n.1).  Deus não pode ser expulso da consciência humana.  O homem é feito para a verdade e para o amor; e Deus permanece a única resposta possível não só ao que a inteligência exige (verdade), mas também ao que coração experimenta (amor).
  • 24. Caritas in veritate: uma bússola  Portanto, a «caridade na verdade» não é só a essência do anúncio cristão, mas também o ‘cimento’ necessário para realizar um desenvolvimento humano integral.  Se se quer que as realizações humanas sejam sólidas – não só as pessoais “privadas” (família, amigos,…), mas também as “públicas” (políticas, económicas, sociais,…) –, devemos fundá-las sobre a rocha firme de uma «caridade verdadeira», de um amor verdadeiro.
  • 25. Caritas in veritate: uma bússola  De facto, «sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo» e o amor «é prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e distorcida, chegando a significar o contrário» (n.3).  Mas «a verdade, fazendo sair os homens das opiniões e sensações subjectivas, permite-lhes ultrapassar determinações culturais e históricas para se encontrarem na avaliação do valor e da substância das coisas» (n.4).  Só a caridade na verdade torna possível o diálogo, a comunicação, a comunhão.
  • 26. Caritas in veritate: uma bússola  Viver a caridade na verdade é o único fundamento sobre o qual pode construir-se uma ‘sociedade boa’ e realizar o desenvolvimento integral da humanidade.  Bento XVI insiste muito sobre a necessidade da religião para o progresso da humanidade.  Mas, na situação actual do mundo em que vivemos, como fazer?
  • 27. Caritas in veritate: uma bússola  A resposta está, uma vez mais, na «caridade na verdade»: no diálogo fecundo e na colaboração profícua entre a razão e a fé religiosa.  «A razão tem sempre de ser purificada pela fé; isto vale também para a razão política, que não deve crer-se omnipotente. A religião, por sua vez, precisa de ser purificada pela razão, para mostrar o seu rosto humano autêntico. A ruptura deste diálogo implica um custo muito gravoso para o desenvolvimento da humanidade» (n.56).
  • 28. Caritas in veritate: uma bússola  Na experiência de vida dos discípulos de Jesus na cidade, no diálogo entre a fé e a vida quotidiana, nasce o pensamento social cristão, a doutrina social da Igreja.  « Tal doutrina […] é serviço da caridade mas na verdade. […] É ao mesmo tempo verdade da fé e da razão, na distinção e, conjuntamente, na sinergia destes dois âmbitos cognitivos» (n.5).  O Papa formula, assim, uma nova definição de Doutrina Social da Igreja: «é “caritas in veritate in re sociali”, ou seja, proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade» (n.5).
  • 29. Caritas in veritate: uma bússola  A Doutrina Social da Igreja não nasce do exterior, da “questão social”, mas do interior, da resposta de verdade e de amor que o cristianismo oferece às expectativas da sociedade humana.  Claro que «a Igreja não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende “de modo algum imiscuir-se na política dos Estados”; mas tem uma missão de verdade a cumprir, em todo o tempo e contingência, por uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação» (n.9).
  • 30. Caritas in veritate: uma bússola  4) A Igreja diante dos maiores problemas de hoje (capítulos III, IV e V)  À luz destas premissas, compreendem-se as tomadas de posição da Igreja face aos desafios da “questão antropológica”.  Claro – especifica a Encíclica – «as grandes novidades que o quadro actual do desenvolvimento dos povos apresenta exigem, em muitos casos, novas soluções» (n.32).
  • 31. Caritas in veritate: uma bússola  «Estas hão-de ser procuradas conjuntamente no respeito das leis próprias a cada realidade e à luz de uma visão integral do homem, que espelhe os vários aspectos da pessoa humana, contemplada com o olhar purificado pela caridade» (n.32).
  • 32. Caritas in veritate: uma bússola  Neste ponto, a Encíclica introduz a ideia-força que atravessa todo o texto:  «A caridade na verdade coloca o homem perante a admirável experiência do dom. A gratuidade está presente na sua vida sob múltiplas formas, que frequentemente lhe passam despercebidas por causa de uma visão meramente produtiva e utilitarista da existência. O ser humano é feito para o dom que exprime e realiza a sua dimensão de transcendência» (n.34).
  • 33. Caritas in veritate: uma bússola  A verdade é um dom maior do que nós; precede-nos como o dom da caridade (S. Agostinho).  «A verdade não é produzida por nós, mas é sempre encontrada ou, melhor, recebida» (n.34).  Conclui o Papa: «Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade é uma força que constitui a comunidade e unifica os homens sem barreiras nem limites» (n.34).
  • 34. Caritas in veritate: uma bússola  O que implica aprofundar a categoria ‘relação’ que nos leva a descobrir que a criatura humana, de natureza espiritual, se realiza «nas relações interpessoais: quanto mais as vive de forma autêntica, tanto mais amadurece a própria identidade pessoal. Não é isolando-se que o homem se valoriza a si mesmo, mas relacionando-se com os outros e com Deus […]. Isto vale também para os povos» (n.53)
  • 35. Caritas in veritate: uma bússola  Está nestas considerações a razão das orientações da Encíclica no âmbito  das “finanças éticas” (n.45);  do cuidado com o ambiente (n.48);  do uso responsável dos recursos energéticos (n.49);  da liberdade religiosa (n.55);  da colaboração fraterna entre crentes e não crentes (n.56);  do papel da cooperação internacional (n.58);  do turismo internacional como factor de crescimento (n.61);  do fenómeno das migrações (n.62);  das novas competências das organizações sindicais (n.64);  da necessidade de uma verdadeira autoridade mundial (n.67).
  • 36. Caritas in veritate: uma bússola  A amplitude dos horizontes e dos problemas que o Papa Bento XVI aborda na sua Encíclica fazem da Caritas in veritate uma verdadeira ‘bússola’ para o séc. XXI.