SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 29
Baixar para ler offline
Mamulengo, teatro de bonecos popular brasileiro: história e elementos de linguagem Resumo: Este texto aborda aspectos relativos ao surgimento e fontes constituintes do Mamulengo e discute como os diversos elementos cênicos são combinados para que o evento teatral aconteça. 1 Introdução Walter Cedro, mamulengueiro de Brasília diz: Tem muita gente que pensa que é só enfiar a mão no corpo do boneco e começar a falar... as pessoas pensam que isso é uma coisa fácil, mas não é. (...) Você tem que ‘ralar’mesmo, tem que passar por muita coisa prá um dia você pegar e brincar legal mesmo! (Entrevista 2001) Na sua fala, Walter explicita o olhar simplista que, na maioria das vezes, é lançado sobre o ofício de se manipular um boneco e conseqüentemente, sobre o Mamulengo. Em geral, as tradições de teatro popular do nordeste têm sido referenciadas como “manifestações folclóricas”, muitas vezes vistas como “ingênuas”, “espontâneas”, manifestadas a partir da “inspiração” momentânea do mamulengueiro, como se prescindissem de elaboração prévia. 
Ao verticalizarmos o olhar, a partir de uma pesquisa mais profunda, veremos que, ao contrário do propagado, nele se articula um sistema complexo de signos que estão inseridos dentro do campo da tradição e que como tal, requerem inteligência1 
1 O termo é aqui utilizado na acepção de faculdade de aprender, apreender, compreender, transformar ou seja, processos que envolvem elaborações mentais complexas que, a princípio, são inerentes a todo e qualquer ser humano. Ao utilizar o termo, contraponho a idéia da arte como produto apenas do sentimento. ,
sensibilidade, tempo de elaboração e treino para que possam ser “manifestados” e que cumpram seu objetivo final: comunicar-se com o público. Esta visão reducionista do Mamulengo parece-me estar relacionada ao preconceito que os grupos dominantes ou a chamada “camadas cultas” da sociedade têm em relação à arte produzida pelas camadas populares, em geral, consideradas por esses grupos como ingênuas. 
Bakthin (1996:03), em seu livro “A Cultura Popular na Idade Média e Renascença”, aponta para essa discussão ao assinalar que a ausência de estudos sobre a literatura cômica popular é resultado da “concepção estreita” que se tem do “caráter popular”, uma vez que “o humor do povo na praça pública” não foi considerado como um objeto digno de estudo do ponto de vista “cultural, histórico, folclórico ou literário”, ou seja, a arte popular não merecia ser estudada. 
Encontro paralelo entre a observação de Bakthin e a ausência de estudos mais sistemáticos sobre o Mamulengo, uma vez que este teatro de bonecos, surgido há mais de dois séculos no Brasil, apenas muito recentemente tem sido considerado como um campo sério e fértil para os estudiosos do teatro. Este estudo busca outro caminho. Vamos começar esmiuçando um pouco a sua história. 
2) Histórico 
Pesquisas indicam que esta forma de teatro de bonecos remonta, provavelmente, ao século XVIII, embora não haja documentos que comprovem o fato. Em seu livro Travel in Brazil, publicado em 1816, Henry Koster, um inglês de pai português que morou em Pernambuco até o início do século XIX fala da assistência de um "puppet theatre" (teatro de bonecos) no norte de Olinda. Porém, não dá nenhum outro detalhe. 
De Pernambuco, estas formas teatrais realizadas com bonecos se expandem posteriormente para outros estados da região, apresentando especificidades e nomes diversos: em Pernambuco chama-se Mamulengo; na Paraíba, Babau; enquanto no Rio Grande do Norte e Ceará é respectivamente conhecida como João Redondo e Cassimiro Coco. 
Embora apresentem muitas similaridades, os diversos tipos de teatro de bonecos praticados na região Nordeste, mantêm certas especificidades que os distinguem, mas, principalmente, evidentes características que os une: estreita vinculação com as camadas populares, pois na sua formação tradicional, este teatro de bonecos é feito
pelos menos abastados da sociedade e a eles, preferencialmente, se destina; forte conexão com a cultura da região; grande interatividade com o público, apresentando como objetivo final, o riso. Em relação aos elementos de linguagem pode-se dizer que os personagens são, na sua maioria, personagens-tipo que expressam dilemas universais, ao mesmo tempo em que estão conectados com os valores e o imaginário local. Os bonecos são manipulados de baixo, com a visão do público sobre os manipuladores, bloqueada por um tecido, ou barraca, que também recebe o nome de empanada, ou tolda. (barraca) 
Com o processo imigratório das populações nordestinas para os estados do centro-sul a partir dos anos 70, o teatro de bonecos popular se expandiu para estas regiões, firmando-se principalmente no Distrito Federal, onde recebe o nome de Mamulengo.2 
Até meados da década de 70, o Mamulengo, juntamente com os circos mambembes e outros folguedos populares, era a diversão preferencial das populações de baixa renda do interior e das capitais nordestinas, alcançando um grande número de espectadores, sendo apresentado ao ar livre, em feiras, praças e pequenos sítios. Neste último contexto, as apresentações ocorriam geralmente no período noturno e poderiam durar até 08 horas. Embora cada vez mais raros, ainda hoje podemos encontrar este tipo de espetáculo principalmente nas pequenas cidades do interior de Pernambuco. Nestes novos contextos, assim como nas grandes cidades do Nordeste, o Mamulengo tem sofrido alterações tanto na sua estrutura dramática (inclusão de novos temas, cenas e personagens; tempo de duração do espetáculo), quanto no seu público preferencial, que além das camadas populares, passou também a incluir as classes médias e as platéias infanto-juvenis. Em conseqüência, observam-se espetáculos destinados mais diretamente a estes novos públicos. 
3 
Pesquisas realizadas em jornais de Recife apontam que até os anos 40, apresentações de Mamulengo eram bastante recorrentes nas festas religiosas organizadas pelas paróquias daquela capital. O primeiro registro efetivo que se 
2 Sobre este tema ver nesta publicação o artigo “Distrito Federal: o Mamulengo que mora nas cidades”. 3 Sobre este assunto ver nesta publicação o artigo “Mamulengo, tradição compartilhada - a participação do público no teatro de bonecos pernambucano”.
tem sobre uma apresentação de Mamulengo, data de 23 de dezembro de 1896 em matéria publicada no “Diário de Pernambuco”. O anúncio convida a população para os festejos natalinos, onde haverá apresentações de vários divertimentos populares (entre eles o Mamulengo), banda de música, fogos de artifício e missa da meia-noite. Informa ainda que os trens, o transporte público da época, circularão até as seis horas da manhã seguinte, o que indica o grande afluxo de pessoas a este tipo de festividade. A partir dos anos 30, celebrações natalinas passam também a ser organizadas por entidades não religiosas, como fábricas (refinarias de açúcar, companhias de tecelagem), sindicato de trabalhadores, entre outros. 
Primeira notícia sobre uma apresentação de Mamulengo. Diário de Pernambuco, 23 de dezembro de 1896 (Arquivo da Fundação Joaquim Nabuco).
Notícia sobre apresentação de mamulengo em Recife. Diário de Pernambuco, 24 de dezembro de 1902 (Arquivo da Fundação Joaquim Nabuco). 
Paralelo à presença do Mamulengo em Recife, vamos encontrá-lo também no interior do estado, principalmente na região da Zona da Mata. Até finais da década de 70, o Mamulengo juntamente com outros folguedos, era bastante popular, ocorrendo de forma constante durante todo ano, mas principalmente nas datas festivas. Zé Divina, mamulengueiro pernambucano, nascido em 1934, conta que antigamente os grupos de Mamulengo percorriam longas distâncias, apresentando-se em vários sítios da região. Os materiais do espetáculo (bonecos, barraca, instrumentos musicais) eram transportados por animais, em geral burros, e os artistas iam a pé. Hoje em dia, o transporte é feito em carro do próprio mamulengueiro ou alugado para a ocasião.4 
4 Entrevista em março de 2004.
Quanto aos brincantes, Hermilo Borba Filho afirma que “a memória dos velhos não guardou nomes dos mamulengueiros”. A partir de suas pesquisas realizadas em meados da década de 60, gravando espetáculos e entrevistas, é que se inicia um registro desses artistas populares. Na região metropolitana de Recife, o primeiro registrado por Borba Filho foi Severino Alves Dias, conhecido como Doutor Babau, um mamulengueiro famoso e que exerceu grande influência sobre os mamulengueiros de sua época.5 Anúncios de mamulengo apresentados por Babau em Casa Forte, Recife, publicado no Diário Pernambuco, 1931 (Arquivo da Fundação Joaquim Nabuco). 
5 Nas pesquisas realizadas em Jornais de Recife, Brochado (2005) indica significativa quantidade de anúncios de brincadeiras (espetáculos) apresentados por Babau, o que comprova a sua popularidade.
Outro importante mamulengueiro descrito por Borba Filho foi Cheiroso, de quem não se sabe o nome verdadeiro e cujo apelido provinha do fato de fabricar e vender perfumes baratos. Notabilizou-se como artista de grande talento dando espetáculos nos arrabaldes, festas e entidades e chegou a construir bonecos para uma montagem do Teatro do Estudante de Pernambuco que criou um Departamento de Bonecos por influência de Cheiroso. 
O sucessor de Cheiroso foi Januário de Oliveira, conhecido como Ginu, de quem Hermilo transcreveu peças (As bravatas do professor Tiridá na usina do coronel de Javunda, Viúva Alucinada, entre outras) até hoje encenadas por vários grupos de teatro de bonecos em Pernambuco e no Brasil. 
Fora da região metropolitana de Recife podemos identificar outra linhagem de mestres que tem início (até onde os historiadores conseguem registrar) nos fins do século XIX em Carpina, com Chico Presepeiro, dono do Mamulengo Invenção Brasileira. Em Vitória de Santo Antão surge Luís da Serra (1906) com o Mamulengo Nova Invenção Brasileira. Outros importantes mamulengueiros são: Solon, nascido em Pombos (1920) e radicado depois em Carpina; Zé da Banana (1932), Zé de Vina (1942) e Zé Lopes (1950) de Glória de Goitá; Antônio Biló, (1932); João Nazário (1935) e João Galego (1945), nascidos em Pombos, tendo este último se radicado em Carpina; Saúba (1948) e Miro (1964) o mais novo deles, de Carpina. Dessa linhagem de mamulengueiros famosos, estão vivos Zé de Vina, Zé Lopes, João Galego, Zé da Banana, Miro e Saúba. 
João Galego e Marlene Silva na sua rua, Carpina, PE, 2004. (Foto Izabela Brochado)
Zé Lopes no seu ateliê - Glória de Goitá, PE, 2003. (Foto Izabela Brochado) 
Saúba em frente à sua oficina – Carpina, PE, 2003. (Foto Izabela Brochado)
3. As Fontes do Mamulengo 
A influência das tradições européias de teatro de bonecos na constituição do Mamulengo foi ressaltada nos estudos de Hermilo Borba Filho (1966) e de Fernando Augusto dos Santos (1979). Estes autores indicam as tradições de teatro de bonecos oriundas dos ciclos da Natividade (presépios mecânicos e presépios de fala) e as tradições populares de teatro de bonecos originárias da Comedia dell’Arte (Pulcinella, Punch, Karagöz, entre outros) como fontes fundamentais do Mamulengo. Em relação à sua gênese, Borba Filho (1966) e Santos (1979) indicam que o Mamulengo teria nascido em Pernambuco a partir dos presépios de Natal trazidos ao Brasil pelos padres franciscanos em meados do século 17. Muitos destes presépios, que se tornaram bastantes populares no Nordeste a partir do século 18, representavam a cena do nascimento de Cristo por meio de figuras articuladas. Segundo estes autores, ao longo do tempo, esta forma religiosa de representação foi se secularizando a partir da mistura com as tradições populares de teatro de bonecos originárias da Comedia dell’Arte, e com outras expressões tradicionais da cultura nordestina, como a literatura de cordel, o Cavalo Marinho (dança dramática), o Pastoril (dança do ciclo natalino), gerando uma forma de teatro de bonecos destinada principalmente a um público adulto. Embora seja evidente a influência de todas estas fontes na constituição do Mamulengo, nos parece equivocado afirmar que o teatro de bonecos brasileiro tenha se constituído a partir de um processo de secularização. Embora as evidências documentais indiquem a presença de formas de teatro de bonecos profanas no Brasil somente a partir do século 19 (Edmundo, 1932), como indicado pelo próprio Borba Filho (1966), nos primeiros estágios de colonização do Brasil (séculos 16 a 18), as tradições profanas de teatro de bonecos abundavam na Europa e provavelmente, alguns aventureiros que aportaram no Brasil trouxeram consigo a sua mala de bonecos. Assim, preferimos pensar que o Mamulengo, desde a sua base, recebeu influências tanto de tradições religiosas, quanto das profanas. 
As possíveis influências das tradições de bonecos europeus oriundos da Commedia dell’Arte podem ser observadas em vários aspectos. As similaridades entre o Mamulengo e estas tradições européias são bastante evidentes tanto na presença de personagens6 
6 Como citado acima, o intermediário muitas vezes recebe o nome de Arrilinquim, uma clara referência ao personagem Arlequim (Arlecchino) da Commedia dell’Arte. Além, Maria Helena Góis (1957) fala da presença de bonequeiros ambulantes, particularmente no norte de Minas Gerais e sul da Bahia que , quanto no enredo e na estrutura de algumas cenas. Assim como nestas
tradições de bonecos européias, muitos enredos presentes nos espetáculos de Mamulengo consistem numa série de encontros e os conseqüentes conflitos entre os personagens protagonistas representantes do povo (Benedito, Cassimiro Coco, Simão, entre outros) e os representantes da elite (doutores, padres, policiais). Conflitos também são estabelecidos entre os primeiros e os personagens sobrenaturais (Morte, Diabo). Embora estas correspondências podem ser compreendidas como reflexo de certas tendências inerentes às tradições populares de bonecos de luva, uma vez que mecanismos similares podem operar sem uma conexão obvia, a similaridade entre algumas cenas são evidentes. Para citar algumas: a freqüência de cenas de luta, suas inevitáveis pancadarias; cenas em que personagens carregam um caixão e tentam encaixar um morto dentro deste; cena da cobra, que parece ser uma adaptação da figura do crocodilo presente nos espetáculos de Punch and Judy; entre outras. No entanto, considerando hipóteses levantadas por alguns mamulengueiros nordestinos a fonte primeira do Mamulengo encontra-se com os escravos africanos que foram trazidos para o Brasil entre os séculos 16 e 19. 
A primeira hipótese, de autoria de Mestre Ginu - Januário de Oliveira, mamulengueiro pernambucano falecido em 1975, indica que o mamulengo teria surgido em uma fazenda no interior de Pernambuco, como represália de um escravo (Tião) ao seu patrão, um rude fazendeiro possuidor de muitos escravos. Após uma surra dada pelo senhor, Tião se embrenha no mato e começa a esculpir um boneco com a cara do patrão. Ao voltar para a senzala, Tião o apresenta aos escravos. O patrão, sabendo do ocorrido, exige que Tião faça outros bonecos, incluindo ele mesmo e outros personagens da fazenda.7 
A segunda, do bonequeiro Manuel Francisco da Silva diz que o teatro de bonecos teria nascido em uma fazenda no interior da Bahia, criado por uma negra escrava que construiu “uma variedade de bonecos representando os homens e os bichos do ambiente”. A escrava, além de pedir autorização ao seu senhor para apresentar a brincadeira, chamou-a de Capitão João Redondo em homenagem a ele. 
8 
apresentavam um repertório de velhas comédias que abordavam o amor interrompido entre dois jovens pela autoridade paterna, e que eram protegidos pelo empregado denominado “Brigela” (Brighella). Como apontado acima, este é o nome dado ao teatro de bonecos popular no Rio Grande do Norte. 
7 Borba Filho, Fisionomia, 73/4. 8 Borba Filho, Fisionomia, 73.
Estas hipóteses podem ser compreendidas como representações simbólicas da importância dos africanos como agente formador do teatro de bonecos popular brasileiro, nota-se que os protagonistas são em geral representados por bonecos de raça negra. Elas podem ainda ser consideradas como uma “mitologia” do Mamulengo criada a partir da imaginação dos mamulengueiros. No entanto, considerando o grande número de africanos trazidos para o Brasil e a sua enorme contribuição ao desenvolvimento da sociedade e cultura brasileiras, podemos também conceber as tradições de teatro de bonecos africanas como uma fonte importante na constituição do Mamulengo. Temas relativos à sexualidade, expressos principalmente nas parodias de coito e nas inúmeras referências textuais constitui parte significativa do espetáculo de Mamulengo e de algumas tradições africanas de bonecos (Bonecos da Sociedade Ekon - Nigéria; Bonecos Gelede dos povos Yorubá - Nigéria e Benin). Em contraste com estas, sexualidade aparece de forma secundária nas tradições populares de teatro de bonecos na Europa. Além, representações das atividades de trabalho são recorrentes no teatro de bonecos Africanos (principalmente nos Gelede) e no Mamulengo. Muitas das figuras presentes nas duas tradições são bastante similares em seus aspectos técnicos de construção, pontos de controle e articulação, tais como piladores e peneiradores de grãos, tocadores de ganzá, entre outros. 
Finalmente, verifica-se a estreita vinculação do Mamulengo com os folguedos populares nordestinos. Muitas das passagens (cenas) 9 
9 O termo “cena” é designado pelos mamulengueiros como “passagens”, o que reforça a noção do espetáculo como várias cenas nas quais os personagens “passam”. que compõe o espetáculo são quase adaptações destes folguedos para o teatro de bonecos, como por exemplo, o Pastoril, O Maracatu e o Bumba-meu-Boi/ Cavalo Marinho.
O Capitão do Cavalo- Marinho “Alumiara Zumbi”, Olinda, PE, 2003. Foto Izabela 
Boneco de vara do Mestre Solon representando o Capitão do Cavalo- Marinho. Museu do Mamulengo, Olinda, PE. Foto Izabela Brochado. 
Conjunto de bonecas do pastoril, do Mestre Solon. Museu do Mamulengo, Olinda, PE. Foto (Izabela Brochado) 
Bonecas do Pastoril dos Mestres Luiz da Serra e Pedro Rosa. Museu do Mamulengo, Olinda, PE. Foto (Izabela Brochado)
4. O Espetáculo de Mamulengo: estrutura, enredos e temas 
Em relação à sua estrutura verificam-se basicamente dois tipos do espetáculo. O primeiro apresenta um único enredo com inicio, meio e fim. O mais comum narra a aventura do protagonista (um vaqueiro de cor negra conhecido como Benedito, Baltazar ou Cassimiro-Côco), empregado numa fazenda de um rico latifundiário e que encontra vários oponentes, lutando com estes e, quase sempre, os matando. O conflito em geral, gira em torno do fato do vaqueiro querer dançar na festa de seu patrão com, nada mais, nada menos, que a filha (ou mulher) deste. Neste contexto, vários oponentes aparecem para confrontar o vaqueiro, como o policial, o padre, o doutor (médico e/ou advogado), entre outros. A peça em geral termina com a vitória do vaqueiro, que domina a festa e namora a filha do patrão. 
Em algumas versões, as cenas de confronto são interconectadas com pequenas passagens, sem aparente conexão com o enredo. A mais comum, mostra o protagonista dançando com seu mais precioso animal, o Boi. 
O segundo tipo de espetáculo apresenta uma estrutura episódica, composta por uma sucessão de cenas (ou passagens como se referem os bonequeiros) com enredos diversos, que são selecionadas e ordenadas com o objetivo de se “montar” o espetáculo. Algumas destas cenas apresentam um enredo completo com início, meio e fim outras, entretanto, são compostas por apenas uma ação como uma cena de dança; a passagem de um, ou mais, personagens que tecem algum comentário; dois cantadores que realizam uma disputa de versos; entre outros. A grande maioria destas cenas faz parte do repertório tradicional do Mamulengo e tem sido repassada oralmente de uma geração de mamulengueiros à outra. Outras, entretanto, são criações individuais que abordam temas atuais. 
O processo de seleção e ordenamento das cenas realizado pelo mamulengueiro serve a diferentes funções. Primeiramente, é utilizado para diferenciar seus próprios espetáculos um do outro, e também para torná-los distintos dos espetáculos de outros mamulengueiros da mesma região e que possuem repertórios similares. Em segundo lugar, o mamulengueiro precisa adaptar o seu espetáculo de acordo com o contexto da apresentação (o lugar, o público, o tempo disponível para realização do mesmo). Finalmente, a combinação pode ser resultante da reação do público assim como, da
disposição do próprio mamulengueiro. Dessa forma, o número e os tipos de cenas que aparecem nos podem variar bastante, assim, um mesmo mamulengueiro pode realizar espetáculos que durem de 01 a 08 horas. Além dos fatores estruturais, variações ocorridas na estrutura do espetáculo e no texto são também resultantes do grande uso de improvisações advindas, principalmente, do jogo verbal entre os bonecos (bonequeiros), o intermediário (Mateus) e o público. 
O texto do Mamulengo, assim como outros elementos do espetáculo, tem passado por muitas alterações. Cenas derivadas dos folguedos populares (Maracatu de Simão, Pastoril) assim como aquelas originárias dos presépios (São José, O Rico Rei Avarento), entre outras, bastante populares outrora, praticamente não mais existem.10 
4.1 Tipos de Cenas No entanto, ainda hoje persistem cenas que podem ser consideradas como verdadeiras “relíquias”, mantendo até os dias atuais conexões com antigas formas de representação, como a cena dos “Caboclinhos” onde quatro caboclos dialogam em forma de versos remanescentes dos autos de Natal trazidos pelos Jesuítas. Esta estrutura episódica aparece principalmente no Mamulengo da Zona da Mata de Pernambuco e pode ser observada nos espetáculos de Zé Divina, Zé Lopes e João Galego, entre outros. 
Fernando Augusto dos Santos em seu livro Mamulengo: um povo em forma de bonecos (1979) agrupa os diversos tipos de passagens (cenas) em cinco categorias: pretexto, narrativas, briga, dança e peças ou tramas. 
Passagens pretexto, como o próprio nome diz, é uma desculpa para que o boneco suba ao palco sem uma justificativa lógica, apenas para dizer algum gracejo, saldar o público, dizer um verso: “a intenção visível não é narrar, nem interpretar um personagem qualquer em uma situação determinada”.11 
10 Segundo Zé de Vina, as cenas com temática religiosa eram bem mais freqüentes no passado (até meados da década de 70), sendo atualmente raramente encenadas, uma vez que não encontram a mesma ressonância no público atual. (Entrevista em Lagoa de Itaenga em 23/03/2004). Santos (1979:24) observa que o Mamulengo “na sua forma atual praticamente perdeu o caráter religioso, apesar de ligeiros remanescentes”. 11 Santos, Mamulengo, 142. Passagens narrativas são claramente influênciadas pelos repentistas, onde um ou dois bonecos narram/cantam estórias imaginárias, fatos e acontecimentos. Nestas cenas os bonecos sobem ao palco, narram/cantam e saem.
Passagens de briga são bastante comum e mostram bonecos que lutam entre si manejando porretes, facões e revólveres e apresentando variados tipos de movimentação. 
Passagens de dança são acompanhadas por música e servem principalmente para conectar as cenas. Nelas, os mamulengueiros mostram a sua destreza na manipulação dos vários tipos de figuras que se movimentam de forma cômica ou sensual. 
Passagens de peças ou tramas são como pequenas peças que podem ser remetidas a: comédia; sátira social; farsa; moralidades; ou autos. 
As categorias apontadas por Santos nos ajudam a compreender as diversas naturezas das cenas. No entanto, observa-se que, em algumas delas, estas classificações se mesclam e portanto, não devem ser consideradas como demarcações rígidas. Além, podemos ainda incluir outra categoria, ou seja, as cenas de quête criadas com o objetivo específico de arrecadar contribuições monetárias do público 
Cena dos Repentistas no Mamulengo do Mestre Zé Lopes. Glória de Goitá,
Goiaba dança forró com Carolina, a filha do Coronel. Mestre Zé Lopes, Glória de Goitá, 2002.
5. Elementos de Linguagem Como um teatro de bonecos, o Mamulengo articula vários códigos para que ocorra o espetáculo. Estes códigos podem ser divididos em dois grupos: visuais e auditivos. Como apontado anteriormente, o boneco representa um personagem-tipo e, portanto, possui uma caracterização visual específica: traços fisionômicos, figurinos, articulações em variadas partes do “corpo” que possibilitam movimentos diferenciados que comunicam situações e emoções. Estes bonecos/ personagens aparecem em um espaço cênico, num pequeno palco conhecido como tolda, empanada ou barraca que pode ser apenas um tecido esticado entre dois suportes, ou ainda apresentar uma estrutura complexa como uma mini cópia de um palco italiano, com cenários de fundo e também placas pintadas com figuras ou desenhos decorativos, e letreiros com informações sobre o grupo. Estes bonecos/ personagens possuem um discurso (fala) veiculado a partir de uma voz com timbre, ritmo, intensidade, altura que contam histórias, comunicam situações e emoções. 5.1 - Os Bonecos/Personagens 
No Mamulengo, assim como em todo teatro de boneco, o ator é o próprio boneco. Diferente do ator humano, que representa personagens diversos conforme a peça teatral, o boneco, já no momento da sua construção plástica, configura-se, se não como um personagem específico, pelo menos com características que o configuram como um 'personagem- tipo'12 
12 Podemos, no entanto, encontrar bonecos que funcionam como uma 'forma', ou seja, um protótipo básico que pode ser 'vestido' conforme as características da personagem que desempenhará numa produção específica. Exemplos deste tipo podem ser encontrados nas companhias européias que apresentavam (e apresentam) óperas ou melodramas com bonecos de fio, como exemplo, a Cia Eugenio Colla de Milão. No que se refere ao Mamulengo, podemos encontrar bonecos que representam sempre os mesmos personagens, mesmo que atuem em diferentes peças (como è o caso do vaqueiro e do latifundiário), e ainda, bonecos que embora mantenham suas características físicas, podem representar diferentes personagens. . Assim, o boneco apresenta-se como “síntese configurada de um determinado tipo ou ser”. (Santos:1979:178). Nisto, ele aproxima-
se bastante dos atores da Commedia dell’ Arte, que também se especializavam em um “personagem-tipo” atuando em diferentes enredos e tramas. 
No entanto, os atores humanos inexoravelmente partem do seu próprio corpo, com todas as possibilidades e limitações que este apresenta, para construir seus personagens, transfigurando-se (transformando-se em outra figura) durante o espetáculo. Diferente destes, o boneco - ator de madeira - é já, na sua configuração primeira e única, um símbolo13 
O mamulengueiro é quase sempre o escultor e o manipulador/animador do boneco. Portanto, suas ações/falas e suas configurações visuais são aspectos inseparáveis. Como disse Mestre Solon, mamulengueiro pernambucano, já falecido, "quando vou fazendo os bonecos, eu já vou fazendo a história.” específico. Essa invariabilidade apresentada pelo boneco leva-nos a relacioná-los com as máscaras. Etimologicamente a palavra ‘máscara’, do latim, significa persona. Daí se pode concluir que a máscara é uma representação simbólica de um papel social, uma personificação. Nesse sentido, os bonecos/personagens do Mamulengo podem ser considerados como representações simbólicas de papéis sociais, assim como são seus comparsas Karagós, Pulcinella, Jean Klassen, Petrushka, Robertos, entre outros. Estes papéis sociais transparecem tanto nas representações visuais dos bonecos, quanto nas ações e falas que se desenvolvem durante a brincadeira (apresentação teatral) aspectos que discutirei mais adiante. Do ponto de vista plástico, o boneco do Mamulengo não é representado de forma realista. Mesmo quando se trata da representação de seres-humanos, o escultor não busca uma “imitação” das formas anatômicas reais. Nisto diferem bastante das marionetes de fio tradicionais que tentam assemelhar-se à figura humana “com todas as falsidades que isto implica” (Borba Filho:1987:227). O distanciamento da representação naturalista propicia ao mamulengueiro uma liberdade de expressão, tanto na construção plástica, quanto nas falas e ações dos personagens, mesmo que ele, o artista, esteja em constante diálogo com uma determinada tradição. 
14 
13 Símbolo é aqui compreendido como aquilo que, por sua forma ou sua natureza evoca, representa ou substitui, num determinado contexto, algo abstrato ou ausente. 14 Revista Mamulengo, n.07, 1987, p.36.
5.2 Representação visual dos bonecos 
As figuras apresentam grande variedade em relação aos aspectos físicos: tamanho, peso, materiais, articulações, técnicas de construção e controle. A maioria é entalhada em mulungu e imburama, dois tipos de madeira leves encontradas no Nordeste. Bonecos feitos totalmente em tecido (principalmente na representação das personagens femininas), papelão, bucha vegetal, entre outros materiais, embora menos recorrentes, também são observados. 
Bonecos de madeira mulungu em processo de construção. Mestre João Galego, Glória de Goitá, 2003. Foto Izabela Brochado. 
Tipos de bonecos 
O elemento comum que liga todos os tipos de bonecos do Mamulengo é que eles são manipulados por baixo, podendo o manipulador estar em pé, ou sentado. Em uma primeira e ampla classificação podemos dividí-los em quatro tipos. luva; varas ou varetas; o corpo inteiro esculpido na madeira; e bonecos mecânicos. No entanto, observa-se figuras que misturam técnicas como veremos a seguir. Os diversos tipos de bonecos apresentam distintas funções no espetáculo. 
Luva: são os mais recorrentes, sendo usados quando o personagem requer movimentos precisos dos braços e mão, como por exemplo: agarrar objetos, acariciar outro boneco, etc. Estes movimentos expressam certas facetas do comportamento humano, em geral, apresentadas de forma exagerada. Quase sempre possuem a cabeça e as mãos esculpidas
em madeira e o corpo de tecido confeccionado como uma túnica, onde o manipulador coloca uma das mãos . Bonecos de luva com fio aparecem nas figuras que apresentam articulaçao na boca, língua e olhos, movimentados a partir de fios manipulados pela outra mão do bonequeiro. Diferentemente de alguns bonecos de luva europeus, os do mamulengo não possuem pernas. 
Varas e varetas: São configurados de corpo inteiro que, tanto pode ser inteiramente de tecido, inteiramente de madeira, ou uma mistura dos dois materiais. Quando o tecido é usado, ele é preenchido com retalhos ou espuma que dao materialidade ao corpo do boneco. Possuem uma vara central que dá sustenção à figura e muitas vezes possuem varetas nas pernas e braços, que permitem movimentos bastante àgeis aos membros. Aparecem principalmente nas cenas de dança, onde o foco está centrado nos movimentos (cômicos ou sensuais) das figuras. Assim como os de luva, alguns bonecos de vara ou varetas podem apresentar fios que são usados tanto para produzir movimentos faciais, como dos membros. 
Boneco de corpo inteiro de madeira: são rígidos e apresentam poucos movimentos (alguns apresentam articulações nos ombros) e são manipulados diretamente pelos pés. Quase sempre representam autoridades (policiais e fazendeiros) o que demonstra uma conexão entre a rigidez da forma visual e as características de personalidade desses personagens. 
Bonecos Mecânicos – são um grupo de figuras que apresentam movimentos repetitivos criados por algum mecanismo. O mais simples é o Pisa-Pilao, ou Pisa-Milho, representado por uma, ou duas figuras que “pilam” grãos. O mais complexo é a Casa- de-Farinha, que apresenta por um grande número de figuras e um complexo mecanismo de articulação e movimentação que mostram temas diversos, como a fabricação da farinha de mandioca, cenas de escravos em trabalhos forçados, entre outros. Bonecos mecânicos quase nunca aparecem como personagem, mas sim, como um elemento de cena, sendo principalmente utilizados para intercalar as cenas, ou no fim do espetáculo.
Bonecos de Vara. Mestre Zé Divina. Lagoa de Itaenga, 2003. 
Boneco de Vara, Acrobata. S.Id.
5.3 Personagens 
Falar dos diversos tipos de personagens presentes no Mamulengo demandaria muito mais espaço do que este breve estudo permite. Para se ter uma idéia da extensão do número de figuras, alguns mamulengueiros da Zona da Mata pernambucana possuem até 100 bonecos, que raramente são apresentados no mesmo show. Em geral, usam em média 30 figuras em uma apresentação. No entanto, mamulengueiros de outras regiões possuem um número bem mais reduzido, chegando a se apresentarem com cerca de 08 bonecos. 
Os personagens do Mamulengo são, majoritariamente, personagens-tipo e estão divididos em três grupos: os seres humanos, os animais, e os sobrenaturais. Como personagens-tipo, sintetizam os diversos tipos de personalidade e papéis sociais que expressam dilemas universais e, ao mesmo tempo, estão estreitamente conectados com história da região. E como tal são formados, ao mesmo tempo em que expressam o contexto histórico de suas produções. 
A grande maioria dos personagens tem sido repassada de uma geração à outra de mamulengueiros. Outros, são criações particulares de um determinado artista. Em relação aos personagens tradicionais, alguns têm mantido os mesmos nomes, outros, entretanto, apresentam variações, embora seus atributos (físicos e psicológicos) assim como, suas funções no espetáculo permanecem iguais. 
Muitas vezes estes personagens possuem canções específicas que informam sobre seus atributos e que são executadas antes mesmo das suas entradas em cena. Assim, indicam ao público qual o personagem, e conseqüentemente a cena, que será apresentada. 
Humanos 
Os personagens humanos são a grande maioria e em linhas gerais podemos dizer que nas suas configurações expressam: classe social, raças, idades e gêneros. A combinação destes quatro fatores cria uma gama de tipos que, embora possam aparecer com nomes variados dependendo da região, apresentam funções similares nos espetáculos 
Classe social: representantes das camadas populares (trabalhadores, artistas, vagabundos) e representantes do poder (fazendeiros, policiais, padres, médicos). São
sempre contrapostos em situações de conflico, e quase sempre, o primeiro grupo é o vencedor; 
Raças: brancos, negros, índios e mestiços. Quase sempre o herói é de raça negra e os poderosos, de raça branca. Uma exeção é Simão, um dos principais protagonistas do mamulengo da Zona da Mata de Pernambuco que, diferentemente de seus comparças negros (Benedito, Baltazar, Joaquim Bozó) é branco. Índios aparecem principalmente nas cenas dos “Caboclinhos”, uma representação do folguedo onônimo que mostra um grupo de indios dançando, cantando e dizendo loas (versos). 
Idades: em contraposição à quase existência de crianças, existe grande quantidade de velhos (viúvas assanhadas e velhos maliciosos) e adultos. Esta característica demonstra a ligação do Mamulengo com o universo adulto. 
Gênero: enquanto os personagens masculinos são representados de forma mais individualizada, apresentando características mais específicas (nome; função específica no espetáculo; profissão), as personagens femininas são construídas de forma mais genérica e quase nunca possuem uma profissão e poucas vezes um nome fixo. São na sua maioria classificadas como: solteiras, casadas ou viúvas. No entanto, um dos personagens mais recorrentes e de atributos bem marcados é Quitéria, a mulher do fazendeiro. Este último aparece com nomes diversos (Mané Pacaru, Mané de Almeida, Capitão João Redondo). 
Velho. Mestre Pedro Rosa. Museu do Homem do Nordeste, Recife. Foto Izabela Brochado
Coronel Mané Pacaru. Museu do Mamulengo, Olinda. Foto Izabela Brochado 
Doutores – Museu do Mamulengo, Olinda. Foto Izabela Brochado 
Policiais. Museu do Mamulengo, Olinda. Foto Izabela Brochado
Sobrenaturais 
Dentre os personagens sobrenaturais, os mais comuns são a Morte e o Diabo. Este último recebe nomes diversos (e.g., Capiroto, Coisa Ruim, Anjos dos Olhos de Fogo) e quase sempre aparece em cena para levar para o inferno as almas pecaminosas (viúvas assanhadas; filhos ingratos; avarentos). Enquanto o Diabo aparece como um personagem cômico, a Morte é solene, quase hierática, representada por uma figura branca de longos braços. Além destes dois, observa-se também a presença de vampiros, e outros ligados especificamente ao imaginário brasileiro como, o papa-figo, o curupira, personagens com três cabeças, entre outros. 
Diabo, de Luiz da Serra e Morte de Pedro Rosa. Museu do Homem do Nordeste, Recife. Foto de Izabela Brochado 
Animais 
Diferentemente das fábulas, no Mamulengo os animais nunca falam e os mais comuns são o boi e a cobra. A recorrência do Boi tanto pode ser uma evidência da importância do animal na região, como estar relacionada aos folguedos que encenam a morte e ressurreição de um boi (Bumba-meu-Boi, Cavalo Marinho, Boi de Reis), que são bastantes populares no Nordeste. Outros animais que aparecem com certa
freqüencia são pássaros, cavalos, porcos, entre outros, evidenciando a relação do Mamulengo com o contexto rural. 
Burro. S.id. Museu do Homem do Nordeste, Recife. Foto de Izabela Brochado 
5.4 Movimentos e Gestos dos bonecos 
São determinados pelos aspectos técnicos de construção relacionados aos materiais, às articulações, ao tamanho e ao peso das figuras. 
Além das qualidades físicas dos bonecos, os seus movimentos e gestos estão relacionados com aspectos expressivos que o manipulador deseja comunicar. Assim, podemos dividir os movimentos realizados pelos bonecos em quatro tipos: 
A) Movimentos funcionais: expressam uma ação corriqueira e comunicam exatamente o que mostram, por exemplo: 
• Movendo-se devagar: caminhando 
• Movendo-se rápido: correndo 
• Ficando de pé parado 
• Deitando na frente no palco 
• Levantando-se, etc.
B) Movimentos que acompanham e reforçam a fala: como a grande maioria dos bonecos não possui movimento facial é o seu movimento o indicador de sua fala, evidenciando qual dos bonecos em cena que está falando. Os movimentos mais comuns são: 
• Bater com a mão no palco 
• Bater uma mão na outra 
• Mover a cabeça de um lado a outro 
C) Movimentos que expressam emoções e sentimentos: estes movimentos expressam um estado emocional do boneco /personagem e como tal, possuem uma um aspecto sintático (o movimento em si) e um semântico (a sua significação). Vejamos alguns exemplos: 
Semântico 
Sintático 
Se exibindo 
Caminhando orgulhosamente de um lado a outro 
Pensativo 
Segurando a cabeça com a mão 
Satisfação 
Esgregando as mãos uma na outra 
Rindo 
Sacudindo-se 
Felicidade 
Pulando 
Medo 
Tremendo 
Chorando 
Abaixando a cabeça e sacudindo-a entre as mãos 
4) Movimentos intencionalmente compostos para expressarem uma mensagem dirigida a outro personagem: assim como o anterior, estes movimentos também possuem dois aspectos. Alguns exemplos são: 
Semântico 
Sintático 
Chamando a atenção de alguém 
Bater a mão na cabeça, nas costas ou no ombro de outro boneco 
Saudando 
Abaixando a cabeça
Expressão de amor 
Acariciando e abraçando o outro boneco 
Agressão 
Bater com a cabeça no outro 
Expressão de indiferença 
Virar de costas pro outro 
5.5 A Voz do Boneco 
Para expressar a variedade de vozes, o mestre mamulengueiro deve ser capaz de imitar o repertório sócio linguístico do grupo (comunidade/sociedade) que representa. Isto é conseguido com a composição de elementos que formam as diferentes qualidades da voz humana como: volume, tom, timbre, ritmo. Além destes, o mamulengueiro utiliza ainda sotaques, imitações de línguas estrangeiras (o padre que fala “latim”), erros gramaticais, entonações distorcidas (rouquidão, fala fanhosa, etc) para caracterizar a voz do personagem. Assim, um rico e vasto espectro de formas e maneiras de falar são trazidos à cena, enfatizando a importância da qualidade vocal do mestre mamulengueiro. A quantidade e qualidade das vozes produzidas, é um dos principais atributos para se julgar a qualidade de um mamulengueiro 
6. Conclusão 
Ao olharmos um pântano de cima, veremos uma água parada. Se afundarmos no pântano, munidos de óculos de mergulho, veremos uma grande quantidade de vidas que nele habitam. Se aprofundarmos ainda mais a nossa pesquisa, podemos chegar a conhecer as inter-relações entre estes organismos e entre eles, e o seu meio ambiente. Assim também acontece com as expressões da cultura. 
Ao verticalizarmos o nosso olhar sobre o teatro de bonecos popular do nordeste, poderemos compreender a sua complexidade, tecida ao longo do tempo e em diferentes espaços. Poderemos compreender como os bonequeiros articulam os códigos desta linguagem artística para se comunicarem com o seu público e como estes elementos se relacionam com outros aspectos da cultura. Esta postura investigativa põe abaixo visões pré-conceituosas e pré-concebidas acerca da produção dos artistas populares, levando- nos a compreender, de forma mais aprofundada, sobre o teatro de bonecos, e sobre aspectos da nossa identidade cultural.
A função do professor é estimular e guiar os seus alunos nas suas pesquisas. Para tal, o professor precisa ter, ele mesmo, percorrido alguns caminhos e continuar instigado a percorrer outros que ainda não conhece. 
Bibliografia 
BORBA FILHO, Hermilo. Fisionomia e Espírito do Mamulengo. Rio de Janeiro: INACEM, 1987. 
BROCHADO, Izabela C. ______. “Distrito Federal: o Mamulengo que mora nas cidades - 1990-2001.” Dissertação, Universidade de Brasília, Brasília, 2001. 
______. “Mamulengo Puppet Theatre in the Sócio Cultural Context of Twentieth Century Brazil.” Tese, Trinity College University of Dublin, 2006. 
PASQUALINO, Antonio. “Marionettes and Glove Puppets: Two Theatrical Systems 
of Southern Italy.” Semiotica, 47, No.4 (1983), 219-280. 
TILLIS, Steve. Toward an Aesthetic of the Puppet: Puppetry as a Theatrical Art. London, Greenwood, 1992

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

6ano 01 elementos da musica
6ano 01 elementos da musica6ano 01 elementos da musica
6ano 01 elementos da musicaPaulo Abelho
 
As formas geométricas na Arte
As formas geométricas na ArteAs formas geométricas na Arte
As formas geométricas na ArteMichele Wilbert
 
Plano de curso de arte E.M BNCC 2019
Plano de curso de arte E.M BNCC 2019Plano de curso de arte E.M BNCC 2019
Plano de curso de arte E.M BNCC 2019Vera Britto
 
ARTES - 3° ANO - ALINHADO A BNCC.docx
ARTES - 3° ANO - ALINHADO A BNCC.docxARTES - 3° ANO - ALINHADO A BNCC.docx
ARTES - 3° ANO - ALINHADO A BNCC.docxBRENDAMAYLASOARES
 
AVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA - OS RETIRANTES - PORTINARI - Prof. Noe Assunção
AVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA - OS RETIRANTES - PORTINARI - Prof. Noe AssunçãoAVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA - OS RETIRANTES - PORTINARI - Prof. Noe Assunção
AVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA - OS RETIRANTES - PORTINARI - Prof. Noe AssunçãoProf. Noe Assunção
 
Artes Dança/ Danças Regionais e Atividades
Artes Dança/ Danças Regionais e AtividadesArtes Dança/ Danças Regionais e Atividades
Artes Dança/ Danças Regionais e AtividadesGeo Honório
 
Avaliação 9º ano POP ART e DESIGN
Avaliação 9º ano POP ART e DESIGNAvaliação 9º ano POP ART e DESIGN
Avaliação 9º ano POP ART e DESIGNCasiris Crescencio
 
Ponto e Linha - na Arte e no cotidiano
Ponto e Linha - na Arte e no cotidianoPonto e Linha - na Arte e no cotidiano
Ponto e Linha - na Arte e no cotidianoRaphael Lanzillotte
 
Texto sobre dança classica
Texto sobre dança classicaTexto sobre dança classica
Texto sobre dança classicalululimavidal
 
Avaliação para o 7º ano
Avaliação para o 7º anoAvaliação para o 7º ano
Avaliação para o 7º anoAndreza Andrade
 
Aula História da Arte_As funções da arte
Aula História da Arte_As funções da arteAula História da Arte_As funções da arte
Aula História da Arte_As funções da arteLila Donato
 
As especificidades das linguagens artísticas
As especificidades das linguagens artísticasAs especificidades das linguagens artísticas
As especificidades das linguagens artísticasCatarina Argolo
 
A xilogravura no cordel
A xilogravura no cordelA xilogravura no cordel
A xilogravura no cordelAline Raposo
 

Mais procurados (20)

EJA: AVALIAÇÃO DE ARTES - 6º E 7º ANO - A HISTÓRIA DAS CORES E O TEATRO.
EJA: AVALIAÇÃO DE ARTES - 6º E 7º ANO - A HISTÓRIA DAS CORES E O TEATRO.EJA: AVALIAÇÃO DE ARTES - 6º E 7º ANO - A HISTÓRIA DAS CORES E O TEATRO.
EJA: AVALIAÇÃO DE ARTES - 6º E 7º ANO - A HISTÓRIA DAS CORES E O TEATRO.
 
Arte indígena
Arte indígenaArte indígena
Arte indígena
 
Atividade de arte Historia do cinema
Atividade de arte Historia do cinemaAtividade de arte Historia do cinema
Atividade de arte Historia do cinema
 
6ano 01 elementos da musica
6ano 01 elementos da musica6ano 01 elementos da musica
6ano 01 elementos da musica
 
As formas geométricas na Arte
As formas geométricas na ArteAs formas geométricas na Arte
As formas geométricas na Arte
 
Plano de curso de arte E.M BNCC 2019
Plano de curso de arte E.M BNCC 2019Plano de curso de arte E.M BNCC 2019
Plano de curso de arte E.M BNCC 2019
 
[Danca][26 05][2a]gabarito
[Danca][26 05][2a]gabarito[Danca][26 05][2a]gabarito
[Danca][26 05][2a]gabarito
 
Avaliação 9 ano grafite
Avaliação 9 ano grafiteAvaliação 9 ano grafite
Avaliação 9 ano grafite
 
ARTES - 3° ANO - ALINHADO A BNCC.docx
ARTES - 3° ANO - ALINHADO A BNCC.docxARTES - 3° ANO - ALINHADO A BNCC.docx
ARTES - 3° ANO - ALINHADO A BNCC.docx
 
XILOGRAVURA - Professora Laurizete Cação - Arte
XILOGRAVURA - Professora Laurizete Cação - ArteXILOGRAVURA - Professora Laurizete Cação - Arte
XILOGRAVURA - Professora Laurizete Cação - Arte
 
AVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA - OS RETIRANTES - PORTINARI - Prof. Noe Assunção
AVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA - OS RETIRANTES - PORTINARI - Prof. Noe AssunçãoAVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA - OS RETIRANTES - PORTINARI - Prof. Noe Assunção
AVALIAÇÃO DE SOCIOLOGIA - OS RETIRANTES - PORTINARI - Prof. Noe Assunção
 
Artes Dança/ Danças Regionais e Atividades
Artes Dança/ Danças Regionais e AtividadesArtes Dança/ Danças Regionais e Atividades
Artes Dança/ Danças Regionais e Atividades
 
Avaliação 9º ano POP ART e DESIGN
Avaliação 9º ano POP ART e DESIGNAvaliação 9º ano POP ART e DESIGN
Avaliação 9º ano POP ART e DESIGN
 
Ponto e Linha - na Arte e no cotidiano
Ponto e Linha - na Arte e no cotidianoPonto e Linha - na Arte e no cotidiano
Ponto e Linha - na Arte e no cotidiano
 
Texto sobre dança classica
Texto sobre dança classicaTexto sobre dança classica
Texto sobre dança classica
 
Avaliação para o 7º ano
Avaliação para o 7º anoAvaliação para o 7º ano
Avaliação para o 7º ano
 
Aula História da Arte_As funções da arte
Aula História da Arte_As funções da arteAula História da Arte_As funções da arte
Aula História da Arte_As funções da arte
 
As especificidades das linguagens artísticas
As especificidades das linguagens artísticasAs especificidades das linguagens artísticas
As especificidades das linguagens artísticas
 
A xilogravura no cordel
A xilogravura no cordelA xilogravura no cordel
A xilogravura no cordel
 
Planejamento ArtesVisuais
Planejamento  ArtesVisuaisPlanejamento  ArtesVisuais
Planejamento ArtesVisuais
 

Semelhante a História e elementos do Mamulengo brasileiro

Artigo tirida josue rita ufpe
Artigo tirida josue rita ufpeArtigo tirida josue rita ufpe
Artigo tirida josue rita ufpeJURUBEBA MELO
 
Artigo tirida josue rita ufpe
Artigo tirida josue rita ufpeArtigo tirida josue rita ufpe
Artigo tirida josue rita ufpeJURUBEBA MELO
 
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelhoPronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelhoatodeler
 
Coco de roda_-_mestrado_etnomusicologia_2007_-_parte_b
Coco de roda_-_mestrado_etnomusicologia_2007_-_parte_bCoco de roda_-_mestrado_etnomusicologia_2007_-_parte_b
Coco de roda_-_mestrado_etnomusicologia_2007_-_parte_bFernando Bateria Prof. Cpcmr
 
Projeto Bumba Meu Boi
Projeto Bumba Meu BoiProjeto Bumba Meu Boi
Projeto Bumba Meu Boidennysdollar
 
Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e im...
Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e im...Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e im...
Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e im...UNEB
 
A rte cidade e patrimonio cultural
A rte cidade e patrimonio culturalA rte cidade e patrimonio cultural
A rte cidade e patrimonio culturalAna Costa E Silva
 
Cultura, metamorfose, território e identidade uma análise d2
Cultura, metamorfose, território e identidade uma análise d2Cultura, metamorfose, território e identidade uma análise d2
Cultura, metamorfose, território e identidade uma análise d2ajr_tyler
 
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1andredejesus
 
Com quantas interrogações se faz um brincante | Por: Marina Abib
Com quantas interrogações se faz um brincante | Por: Marina AbibCom quantas interrogações se faz um brincante | Por: Marina Abib
Com quantas interrogações se faz um brincante | Por: Marina Abibinstitutobrincante
 
DIALOGANDO COM A LINGUAGEM VISUAL DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA...
DIALOGANDO COM A LINGUAGEM VISUAL DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA...DIALOGANDO COM A LINGUAGEM VISUAL DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA...
DIALOGANDO COM A LINGUAGEM VISUAL DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA...Gustavo Araújo
 
Dialogando com a linguagem visual das historias em quadrinhos em sala de aula...
Dialogando com a linguagem visual das historias em quadrinhos em sala de aula...Dialogando com a linguagem visual das historias em quadrinhos em sala de aula...
Dialogando com a linguagem visual das historias em quadrinhos em sala de aula...Gustavo Araújo
 
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1andredejesus
 
ARTIGO – RESSIGNIFICAÇÕES DO CANGAÇO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE PARÓDIAS MUSICA...
ARTIGO – RESSIGNIFICAÇÕES DO CANGAÇO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE PARÓDIAS MUSICA...ARTIGO – RESSIGNIFICAÇÕES DO CANGAÇO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE PARÓDIAS MUSICA...
ARTIGO – RESSIGNIFICAÇÕES DO CANGAÇO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE PARÓDIAS MUSICA...Tissiane Gomes
 
Monteiro lobado um grande poético do mundo
Monteiro lobado um grande poético do mundoMonteiro lobado um grande poético do mundo
Monteiro lobado um grande poético do mundoMarcioOnilson
 
Monteiro lobado um grande poeta,famoso de várias obras
Monteiro lobado um grande poeta,famoso de várias obrasMonteiro lobado um grande poeta,famoso de várias obras
Monteiro lobado um grande poeta,famoso de várias obrasMarcioOnilson
 
As manifestações da sabedoria popular nos contos trinta e dois e tangerinos d...
As manifestações da sabedoria popular nos contos trinta e dois e tangerinos d...As manifestações da sabedoria popular nos contos trinta e dois e tangerinos d...
As manifestações da sabedoria popular nos contos trinta e dois e tangerinos d...Almiranes Dos Santos Silva
 

Semelhante a História e elementos do Mamulengo brasileiro (20)

Artigo tirida josue rita ufpe
Artigo tirida josue rita ufpeArtigo tirida josue rita ufpe
Artigo tirida josue rita ufpe
 
Artigo tirida josue rita ufpe
Artigo tirida josue rita ufpeArtigo tirida josue rita ufpe
Artigo tirida josue rita ufpe
 
Tccpavulagemfinal
TccpavulagemfinalTccpavulagemfinal
Tccpavulagemfinal
 
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelhoPronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
 
Coco de roda_-_mestrado_etnomusicologia_2007_-_parte_b
Coco de roda_-_mestrado_etnomusicologia_2007_-_parte_bCoco de roda_-_mestrado_etnomusicologia_2007_-_parte_b
Coco de roda_-_mestrado_etnomusicologia_2007_-_parte_b
 
Projeto Bumba Meu Boi
Projeto Bumba Meu BoiProjeto Bumba Meu Boi
Projeto Bumba Meu Boi
 
Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e im...
Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e im...Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e im...
Mas o brasil não parou, continua batalhando, as construções de discursos e im...
 
Oliveira danniel madson_vieira_i
Oliveira danniel madson_vieira_iOliveira danniel madson_vieira_i
Oliveira danniel madson_vieira_i
 
A rte cidade e patrimonio cultural
A rte cidade e patrimonio culturalA rte cidade e patrimonio cultural
A rte cidade e patrimonio cultural
 
Cultura, metamorfose, território e identidade uma análise d2
Cultura, metamorfose, território e identidade uma análise d2Cultura, metamorfose, território e identidade uma análise d2
Cultura, metamorfose, território e identidade uma análise d2
 
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
 
Com quantas interrogações se faz um brincante | Por: Marina Abib
Com quantas interrogações se faz um brincante | Por: Marina AbibCom quantas interrogações se faz um brincante | Por: Marina Abib
Com quantas interrogações se faz um brincante | Por: Marina Abib
 
DIALOGANDO COM A LINGUAGEM VISUAL DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA...
DIALOGANDO COM A LINGUAGEM VISUAL DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA...DIALOGANDO COM A LINGUAGEM VISUAL DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA...
DIALOGANDO COM A LINGUAGEM VISUAL DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA...
 
Dialogando com a linguagem visual das historias em quadrinhos em sala de aula...
Dialogando com a linguagem visual das historias em quadrinhos em sala de aula...Dialogando com a linguagem visual das historias em quadrinhos em sala de aula...
Dialogando com a linguagem visual das historias em quadrinhos em sala de aula...
 
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1Historia do teatro de rua no brasil finalização1
Historia do teatro de rua no brasil finalização1
 
ARTIGO – RESSIGNIFICAÇÕES DO CANGAÇO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE PARÓDIAS MUSICA...
ARTIGO – RESSIGNIFICAÇÕES DO CANGAÇO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE PARÓDIAS MUSICA...ARTIGO – RESSIGNIFICAÇÕES DO CANGAÇO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE PARÓDIAS MUSICA...
ARTIGO – RESSIGNIFICAÇÕES DO CANGAÇO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE PARÓDIAS MUSICA...
 
Monteiro lobado um grande poético do mundo
Monteiro lobado um grande poético do mundoMonteiro lobado um grande poético do mundo
Monteiro lobado um grande poético do mundo
 
Monteiro lobado um grande poeta,famoso de várias obras
Monteiro lobado um grande poeta,famoso de várias obrasMonteiro lobado um grande poeta,famoso de várias obras
Monteiro lobado um grande poeta,famoso de várias obras
 
Literatura infantil
Literatura infantilLiteratura infantil
Literatura infantil
 
As manifestações da sabedoria popular nos contos trinta e dois e tangerinos d...
As manifestações da sabedoria popular nos contos trinta e dois e tangerinos d...As manifestações da sabedoria popular nos contos trinta e dois e tangerinos d...
As manifestações da sabedoria popular nos contos trinta e dois e tangerinos d...
 

Mais de PIBID_Teatro2014

Performance Artística como Pedagogia de Resistência - Charles R. Garoian
Performance Artística como Pedagogia de Resistência - Charles R. GaroianPerformance Artística como Pedagogia de Resistência - Charles R. Garoian
Performance Artística como Pedagogia de Resistência - Charles R. GaroianPIBID_Teatro2014
 
Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva - ...
Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva - ...Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva - ...
Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva - ...PIBID_Teatro2014
 
TEATRO E EDUCAÇÃO FORMAL - Maria Lúcia Pupo
TEATRO E EDUCAÇÃO FORMAL - Maria Lúcia PupoTEATRO E EDUCAÇÃO FORMAL - Maria Lúcia Pupo
TEATRO E EDUCAÇÃO FORMAL - Maria Lúcia PupoPIBID_Teatro2014
 
A montagem da Peça: “A maldição do vale negro” a partir dos Jogos teatrais - ...
A montagem da Peça: “A maldição do vale negro” a partir dos Jogos teatrais - ...A montagem da Peça: “A maldição do vale negro” a partir dos Jogos teatrais - ...
A montagem da Peça: “A maldição do vale negro” a partir dos Jogos teatrais - ...PIBID_Teatro2014
 
Jogar, Representar - Jean-Pierre Ryngaert.
Jogar, Representar - Jean-Pierre Ryngaert.Jogar, Representar - Jean-Pierre Ryngaert.
Jogar, Representar - Jean-Pierre Ryngaert.PIBID_Teatro2014
 
Improvisação para o teatro - Viola Spolin
Improvisação para o teatro - Viola SpolinImprovisação para o teatro - Viola Spolin
Improvisação para o teatro - Viola SpolinPIBID_Teatro2014
 
Principios tecnicos bonecos
Principios tecnicos bonecosPrincipios tecnicos bonecos
Principios tecnicos bonecosPIBID_Teatro2014
 
Para desembaraçar os fios
Para desembaraçar os fiosPara desembaraçar os fios
Para desembaraçar os fiosPIBID_Teatro2014
 
Alumbramentos de um corpo em sombras: O ator da Companhia Teatro Lumbra de An...
Alumbramentos de um corpo em sombras: O ator da Companhia Teatro Lumbra de An...Alumbramentos de um corpo em sombras: O ator da Companhia Teatro Lumbra de An...
Alumbramentos de um corpo em sombras: O ator da Companhia Teatro Lumbra de An...PIBID_Teatro2014
 
Teatro de bonecos no oriente
Teatro de bonecos no orienteTeatro de bonecos no oriente
Teatro de bonecos no orientePIBID_Teatro2014
 
Jogos Teatrais - O fichário de Viola Spolin
Jogos Teatrais - O fichário de Viola SpolinJogos Teatrais - O fichário de Viola Spolin
Jogos Teatrais - O fichário de Viola SpolinPIBID_Teatro2014
 
O diário de bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em Artes ...
O diário de bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em Artes ...O diário de bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em Artes ...
O diário de bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em Artes ...PIBID_Teatro2014
 
O Lúdico e a construção do Sentido - Maria Lúcia de Souza Barros Pupo
O Lúdico e a construção do Sentido - Maria Lúcia de Souza Barros PupoO Lúdico e a construção do Sentido - Maria Lúcia de Souza Barros Pupo
O Lúdico e a construção do Sentido - Maria Lúcia de Souza Barros PupoPIBID_Teatro2014
 
As tradições profanas de teatro de bonecos na Europa
As tradições profanas de teatro de bonecos na EuropaAs tradições profanas de teatro de bonecos na Europa
As tradições profanas de teatro de bonecos na EuropaPIBID_Teatro2014
 

Mais de PIBID_Teatro2014 (16)

Performance Artística como Pedagogia de Resistência - Charles R. Garoian
Performance Artística como Pedagogia de Resistência - Charles R. GaroianPerformance Artística como Pedagogia de Resistência - Charles R. Garoian
Performance Artística como Pedagogia de Resistência - Charles R. Garoian
 
Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva - ...
Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva - ...Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva - ...
Nos Cruzamentos Entre a Performance e a Pedagogia: uma revisão prospectiva - ...
 
TEATRO E EDUCAÇÃO FORMAL - Maria Lúcia Pupo
TEATRO E EDUCAÇÃO FORMAL - Maria Lúcia PupoTEATRO E EDUCAÇÃO FORMAL - Maria Lúcia Pupo
TEATRO E EDUCAÇÃO FORMAL - Maria Lúcia Pupo
 
Performance e educação
Performance e educaçãoPerformance e educação
Performance e educação
 
A montagem da Peça: “A maldição do vale negro” a partir dos Jogos teatrais - ...
A montagem da Peça: “A maldição do vale negro” a partir dos Jogos teatrais - ...A montagem da Peça: “A maldição do vale negro” a partir dos Jogos teatrais - ...
A montagem da Peça: “A maldição do vale negro” a partir dos Jogos teatrais - ...
 
Jogar, Representar - Jean-Pierre Ryngaert.
Jogar, Representar - Jean-Pierre Ryngaert.Jogar, Representar - Jean-Pierre Ryngaert.
Jogar, Representar - Jean-Pierre Ryngaert.
 
Improvisação para o teatro - Viola Spolin
Improvisação para o teatro - Viola SpolinImprovisação para o teatro - Viola Spolin
Improvisação para o teatro - Viola Spolin
 
Teatro de marionetes
Teatro de marionetesTeatro de marionetes
Teatro de marionetes
 
Principios tecnicos bonecos
Principios tecnicos bonecosPrincipios tecnicos bonecos
Principios tecnicos bonecos
 
Para desembaraçar os fios
Para desembaraçar os fiosPara desembaraçar os fios
Para desembaraçar os fios
 
Alumbramentos de um corpo em sombras: O ator da Companhia Teatro Lumbra de An...
Alumbramentos de um corpo em sombras: O ator da Companhia Teatro Lumbra de An...Alumbramentos de um corpo em sombras: O ator da Companhia Teatro Lumbra de An...
Alumbramentos de um corpo em sombras: O ator da Companhia Teatro Lumbra de An...
 
Teatro de bonecos no oriente
Teatro de bonecos no orienteTeatro de bonecos no oriente
Teatro de bonecos no oriente
 
Jogos Teatrais - O fichário de Viola Spolin
Jogos Teatrais - O fichário de Viola SpolinJogos Teatrais - O fichário de Viola Spolin
Jogos Teatrais - O fichário de Viola Spolin
 
O diário de bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em Artes ...
O diário de bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em Artes ...O diário de bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em Artes ...
O diário de bordo como ferramenta fenomenológica para o pesquisador em Artes ...
 
O Lúdico e a construção do Sentido - Maria Lúcia de Souza Barros Pupo
O Lúdico e a construção do Sentido - Maria Lúcia de Souza Barros PupoO Lúdico e a construção do Sentido - Maria Lúcia de Souza Barros Pupo
O Lúdico e a construção do Sentido - Maria Lúcia de Souza Barros Pupo
 
As tradições profanas de teatro de bonecos na Europa
As tradições profanas de teatro de bonecos na EuropaAs tradições profanas de teatro de bonecos na Europa
As tradições profanas de teatro de bonecos na Europa
 

História e elementos do Mamulengo brasileiro

  • 1. Mamulengo, teatro de bonecos popular brasileiro: história e elementos de linguagem Resumo: Este texto aborda aspectos relativos ao surgimento e fontes constituintes do Mamulengo e discute como os diversos elementos cênicos são combinados para que o evento teatral aconteça. 1 Introdução Walter Cedro, mamulengueiro de Brasília diz: Tem muita gente que pensa que é só enfiar a mão no corpo do boneco e começar a falar... as pessoas pensam que isso é uma coisa fácil, mas não é. (...) Você tem que ‘ralar’mesmo, tem que passar por muita coisa prá um dia você pegar e brincar legal mesmo! (Entrevista 2001) Na sua fala, Walter explicita o olhar simplista que, na maioria das vezes, é lançado sobre o ofício de se manipular um boneco e conseqüentemente, sobre o Mamulengo. Em geral, as tradições de teatro popular do nordeste têm sido referenciadas como “manifestações folclóricas”, muitas vezes vistas como “ingênuas”, “espontâneas”, manifestadas a partir da “inspiração” momentânea do mamulengueiro, como se prescindissem de elaboração prévia. Ao verticalizarmos o olhar, a partir de uma pesquisa mais profunda, veremos que, ao contrário do propagado, nele se articula um sistema complexo de signos que estão inseridos dentro do campo da tradição e que como tal, requerem inteligência1 1 O termo é aqui utilizado na acepção de faculdade de aprender, apreender, compreender, transformar ou seja, processos que envolvem elaborações mentais complexas que, a princípio, são inerentes a todo e qualquer ser humano. Ao utilizar o termo, contraponho a idéia da arte como produto apenas do sentimento. ,
  • 2. sensibilidade, tempo de elaboração e treino para que possam ser “manifestados” e que cumpram seu objetivo final: comunicar-se com o público. Esta visão reducionista do Mamulengo parece-me estar relacionada ao preconceito que os grupos dominantes ou a chamada “camadas cultas” da sociedade têm em relação à arte produzida pelas camadas populares, em geral, consideradas por esses grupos como ingênuas. Bakthin (1996:03), em seu livro “A Cultura Popular na Idade Média e Renascença”, aponta para essa discussão ao assinalar que a ausência de estudos sobre a literatura cômica popular é resultado da “concepção estreita” que se tem do “caráter popular”, uma vez que “o humor do povo na praça pública” não foi considerado como um objeto digno de estudo do ponto de vista “cultural, histórico, folclórico ou literário”, ou seja, a arte popular não merecia ser estudada. Encontro paralelo entre a observação de Bakthin e a ausência de estudos mais sistemáticos sobre o Mamulengo, uma vez que este teatro de bonecos, surgido há mais de dois séculos no Brasil, apenas muito recentemente tem sido considerado como um campo sério e fértil para os estudiosos do teatro. Este estudo busca outro caminho. Vamos começar esmiuçando um pouco a sua história. 2) Histórico Pesquisas indicam que esta forma de teatro de bonecos remonta, provavelmente, ao século XVIII, embora não haja documentos que comprovem o fato. Em seu livro Travel in Brazil, publicado em 1816, Henry Koster, um inglês de pai português que morou em Pernambuco até o início do século XIX fala da assistência de um "puppet theatre" (teatro de bonecos) no norte de Olinda. Porém, não dá nenhum outro detalhe. De Pernambuco, estas formas teatrais realizadas com bonecos se expandem posteriormente para outros estados da região, apresentando especificidades e nomes diversos: em Pernambuco chama-se Mamulengo; na Paraíba, Babau; enquanto no Rio Grande do Norte e Ceará é respectivamente conhecida como João Redondo e Cassimiro Coco. Embora apresentem muitas similaridades, os diversos tipos de teatro de bonecos praticados na região Nordeste, mantêm certas especificidades que os distinguem, mas, principalmente, evidentes características que os une: estreita vinculação com as camadas populares, pois na sua formação tradicional, este teatro de bonecos é feito
  • 3. pelos menos abastados da sociedade e a eles, preferencialmente, se destina; forte conexão com a cultura da região; grande interatividade com o público, apresentando como objetivo final, o riso. Em relação aos elementos de linguagem pode-se dizer que os personagens são, na sua maioria, personagens-tipo que expressam dilemas universais, ao mesmo tempo em que estão conectados com os valores e o imaginário local. Os bonecos são manipulados de baixo, com a visão do público sobre os manipuladores, bloqueada por um tecido, ou barraca, que também recebe o nome de empanada, ou tolda. (barraca) Com o processo imigratório das populações nordestinas para os estados do centro-sul a partir dos anos 70, o teatro de bonecos popular se expandiu para estas regiões, firmando-se principalmente no Distrito Federal, onde recebe o nome de Mamulengo.2 Até meados da década de 70, o Mamulengo, juntamente com os circos mambembes e outros folguedos populares, era a diversão preferencial das populações de baixa renda do interior e das capitais nordestinas, alcançando um grande número de espectadores, sendo apresentado ao ar livre, em feiras, praças e pequenos sítios. Neste último contexto, as apresentações ocorriam geralmente no período noturno e poderiam durar até 08 horas. Embora cada vez mais raros, ainda hoje podemos encontrar este tipo de espetáculo principalmente nas pequenas cidades do interior de Pernambuco. Nestes novos contextos, assim como nas grandes cidades do Nordeste, o Mamulengo tem sofrido alterações tanto na sua estrutura dramática (inclusão de novos temas, cenas e personagens; tempo de duração do espetáculo), quanto no seu público preferencial, que além das camadas populares, passou também a incluir as classes médias e as platéias infanto-juvenis. Em conseqüência, observam-se espetáculos destinados mais diretamente a estes novos públicos. 3 Pesquisas realizadas em jornais de Recife apontam que até os anos 40, apresentações de Mamulengo eram bastante recorrentes nas festas religiosas organizadas pelas paróquias daquela capital. O primeiro registro efetivo que se 2 Sobre este tema ver nesta publicação o artigo “Distrito Federal: o Mamulengo que mora nas cidades”. 3 Sobre este assunto ver nesta publicação o artigo “Mamulengo, tradição compartilhada - a participação do público no teatro de bonecos pernambucano”.
  • 4. tem sobre uma apresentação de Mamulengo, data de 23 de dezembro de 1896 em matéria publicada no “Diário de Pernambuco”. O anúncio convida a população para os festejos natalinos, onde haverá apresentações de vários divertimentos populares (entre eles o Mamulengo), banda de música, fogos de artifício e missa da meia-noite. Informa ainda que os trens, o transporte público da época, circularão até as seis horas da manhã seguinte, o que indica o grande afluxo de pessoas a este tipo de festividade. A partir dos anos 30, celebrações natalinas passam também a ser organizadas por entidades não religiosas, como fábricas (refinarias de açúcar, companhias de tecelagem), sindicato de trabalhadores, entre outros. Primeira notícia sobre uma apresentação de Mamulengo. Diário de Pernambuco, 23 de dezembro de 1896 (Arquivo da Fundação Joaquim Nabuco).
  • 5. Notícia sobre apresentação de mamulengo em Recife. Diário de Pernambuco, 24 de dezembro de 1902 (Arquivo da Fundação Joaquim Nabuco). Paralelo à presença do Mamulengo em Recife, vamos encontrá-lo também no interior do estado, principalmente na região da Zona da Mata. Até finais da década de 70, o Mamulengo juntamente com outros folguedos, era bastante popular, ocorrendo de forma constante durante todo ano, mas principalmente nas datas festivas. Zé Divina, mamulengueiro pernambucano, nascido em 1934, conta que antigamente os grupos de Mamulengo percorriam longas distâncias, apresentando-se em vários sítios da região. Os materiais do espetáculo (bonecos, barraca, instrumentos musicais) eram transportados por animais, em geral burros, e os artistas iam a pé. Hoje em dia, o transporte é feito em carro do próprio mamulengueiro ou alugado para a ocasião.4 4 Entrevista em março de 2004.
  • 6. Quanto aos brincantes, Hermilo Borba Filho afirma que “a memória dos velhos não guardou nomes dos mamulengueiros”. A partir de suas pesquisas realizadas em meados da década de 60, gravando espetáculos e entrevistas, é que se inicia um registro desses artistas populares. Na região metropolitana de Recife, o primeiro registrado por Borba Filho foi Severino Alves Dias, conhecido como Doutor Babau, um mamulengueiro famoso e que exerceu grande influência sobre os mamulengueiros de sua época.5 Anúncios de mamulengo apresentados por Babau em Casa Forte, Recife, publicado no Diário Pernambuco, 1931 (Arquivo da Fundação Joaquim Nabuco). 5 Nas pesquisas realizadas em Jornais de Recife, Brochado (2005) indica significativa quantidade de anúncios de brincadeiras (espetáculos) apresentados por Babau, o que comprova a sua popularidade.
  • 7. Outro importante mamulengueiro descrito por Borba Filho foi Cheiroso, de quem não se sabe o nome verdadeiro e cujo apelido provinha do fato de fabricar e vender perfumes baratos. Notabilizou-se como artista de grande talento dando espetáculos nos arrabaldes, festas e entidades e chegou a construir bonecos para uma montagem do Teatro do Estudante de Pernambuco que criou um Departamento de Bonecos por influência de Cheiroso. O sucessor de Cheiroso foi Januário de Oliveira, conhecido como Ginu, de quem Hermilo transcreveu peças (As bravatas do professor Tiridá na usina do coronel de Javunda, Viúva Alucinada, entre outras) até hoje encenadas por vários grupos de teatro de bonecos em Pernambuco e no Brasil. Fora da região metropolitana de Recife podemos identificar outra linhagem de mestres que tem início (até onde os historiadores conseguem registrar) nos fins do século XIX em Carpina, com Chico Presepeiro, dono do Mamulengo Invenção Brasileira. Em Vitória de Santo Antão surge Luís da Serra (1906) com o Mamulengo Nova Invenção Brasileira. Outros importantes mamulengueiros são: Solon, nascido em Pombos (1920) e radicado depois em Carpina; Zé da Banana (1932), Zé de Vina (1942) e Zé Lopes (1950) de Glória de Goitá; Antônio Biló, (1932); João Nazário (1935) e João Galego (1945), nascidos em Pombos, tendo este último se radicado em Carpina; Saúba (1948) e Miro (1964) o mais novo deles, de Carpina. Dessa linhagem de mamulengueiros famosos, estão vivos Zé de Vina, Zé Lopes, João Galego, Zé da Banana, Miro e Saúba. João Galego e Marlene Silva na sua rua, Carpina, PE, 2004. (Foto Izabela Brochado)
  • 8. Zé Lopes no seu ateliê - Glória de Goitá, PE, 2003. (Foto Izabela Brochado) Saúba em frente à sua oficina – Carpina, PE, 2003. (Foto Izabela Brochado)
  • 9. 3. As Fontes do Mamulengo A influência das tradições européias de teatro de bonecos na constituição do Mamulengo foi ressaltada nos estudos de Hermilo Borba Filho (1966) e de Fernando Augusto dos Santos (1979). Estes autores indicam as tradições de teatro de bonecos oriundas dos ciclos da Natividade (presépios mecânicos e presépios de fala) e as tradições populares de teatro de bonecos originárias da Comedia dell’Arte (Pulcinella, Punch, Karagöz, entre outros) como fontes fundamentais do Mamulengo. Em relação à sua gênese, Borba Filho (1966) e Santos (1979) indicam que o Mamulengo teria nascido em Pernambuco a partir dos presépios de Natal trazidos ao Brasil pelos padres franciscanos em meados do século 17. Muitos destes presépios, que se tornaram bastantes populares no Nordeste a partir do século 18, representavam a cena do nascimento de Cristo por meio de figuras articuladas. Segundo estes autores, ao longo do tempo, esta forma religiosa de representação foi se secularizando a partir da mistura com as tradições populares de teatro de bonecos originárias da Comedia dell’Arte, e com outras expressões tradicionais da cultura nordestina, como a literatura de cordel, o Cavalo Marinho (dança dramática), o Pastoril (dança do ciclo natalino), gerando uma forma de teatro de bonecos destinada principalmente a um público adulto. Embora seja evidente a influência de todas estas fontes na constituição do Mamulengo, nos parece equivocado afirmar que o teatro de bonecos brasileiro tenha se constituído a partir de um processo de secularização. Embora as evidências documentais indiquem a presença de formas de teatro de bonecos profanas no Brasil somente a partir do século 19 (Edmundo, 1932), como indicado pelo próprio Borba Filho (1966), nos primeiros estágios de colonização do Brasil (séculos 16 a 18), as tradições profanas de teatro de bonecos abundavam na Europa e provavelmente, alguns aventureiros que aportaram no Brasil trouxeram consigo a sua mala de bonecos. Assim, preferimos pensar que o Mamulengo, desde a sua base, recebeu influências tanto de tradições religiosas, quanto das profanas. As possíveis influências das tradições de bonecos europeus oriundos da Commedia dell’Arte podem ser observadas em vários aspectos. As similaridades entre o Mamulengo e estas tradições européias são bastante evidentes tanto na presença de personagens6 6 Como citado acima, o intermediário muitas vezes recebe o nome de Arrilinquim, uma clara referência ao personagem Arlequim (Arlecchino) da Commedia dell’Arte. Além, Maria Helena Góis (1957) fala da presença de bonequeiros ambulantes, particularmente no norte de Minas Gerais e sul da Bahia que , quanto no enredo e na estrutura de algumas cenas. Assim como nestas
  • 10. tradições de bonecos européias, muitos enredos presentes nos espetáculos de Mamulengo consistem numa série de encontros e os conseqüentes conflitos entre os personagens protagonistas representantes do povo (Benedito, Cassimiro Coco, Simão, entre outros) e os representantes da elite (doutores, padres, policiais). Conflitos também são estabelecidos entre os primeiros e os personagens sobrenaturais (Morte, Diabo). Embora estas correspondências podem ser compreendidas como reflexo de certas tendências inerentes às tradições populares de bonecos de luva, uma vez que mecanismos similares podem operar sem uma conexão obvia, a similaridade entre algumas cenas são evidentes. Para citar algumas: a freqüência de cenas de luta, suas inevitáveis pancadarias; cenas em que personagens carregam um caixão e tentam encaixar um morto dentro deste; cena da cobra, que parece ser uma adaptação da figura do crocodilo presente nos espetáculos de Punch and Judy; entre outras. No entanto, considerando hipóteses levantadas por alguns mamulengueiros nordestinos a fonte primeira do Mamulengo encontra-se com os escravos africanos que foram trazidos para o Brasil entre os séculos 16 e 19. A primeira hipótese, de autoria de Mestre Ginu - Januário de Oliveira, mamulengueiro pernambucano falecido em 1975, indica que o mamulengo teria surgido em uma fazenda no interior de Pernambuco, como represália de um escravo (Tião) ao seu patrão, um rude fazendeiro possuidor de muitos escravos. Após uma surra dada pelo senhor, Tião se embrenha no mato e começa a esculpir um boneco com a cara do patrão. Ao voltar para a senzala, Tião o apresenta aos escravos. O patrão, sabendo do ocorrido, exige que Tião faça outros bonecos, incluindo ele mesmo e outros personagens da fazenda.7 A segunda, do bonequeiro Manuel Francisco da Silva diz que o teatro de bonecos teria nascido em uma fazenda no interior da Bahia, criado por uma negra escrava que construiu “uma variedade de bonecos representando os homens e os bichos do ambiente”. A escrava, além de pedir autorização ao seu senhor para apresentar a brincadeira, chamou-a de Capitão João Redondo em homenagem a ele. 8 apresentavam um repertório de velhas comédias que abordavam o amor interrompido entre dois jovens pela autoridade paterna, e que eram protegidos pelo empregado denominado “Brigela” (Brighella). Como apontado acima, este é o nome dado ao teatro de bonecos popular no Rio Grande do Norte. 7 Borba Filho, Fisionomia, 73/4. 8 Borba Filho, Fisionomia, 73.
  • 11. Estas hipóteses podem ser compreendidas como representações simbólicas da importância dos africanos como agente formador do teatro de bonecos popular brasileiro, nota-se que os protagonistas são em geral representados por bonecos de raça negra. Elas podem ainda ser consideradas como uma “mitologia” do Mamulengo criada a partir da imaginação dos mamulengueiros. No entanto, considerando o grande número de africanos trazidos para o Brasil e a sua enorme contribuição ao desenvolvimento da sociedade e cultura brasileiras, podemos também conceber as tradições de teatro de bonecos africanas como uma fonte importante na constituição do Mamulengo. Temas relativos à sexualidade, expressos principalmente nas parodias de coito e nas inúmeras referências textuais constitui parte significativa do espetáculo de Mamulengo e de algumas tradições africanas de bonecos (Bonecos da Sociedade Ekon - Nigéria; Bonecos Gelede dos povos Yorubá - Nigéria e Benin). Em contraste com estas, sexualidade aparece de forma secundária nas tradições populares de teatro de bonecos na Europa. Além, representações das atividades de trabalho são recorrentes no teatro de bonecos Africanos (principalmente nos Gelede) e no Mamulengo. Muitas das figuras presentes nas duas tradições são bastante similares em seus aspectos técnicos de construção, pontos de controle e articulação, tais como piladores e peneiradores de grãos, tocadores de ganzá, entre outros. Finalmente, verifica-se a estreita vinculação do Mamulengo com os folguedos populares nordestinos. Muitas das passagens (cenas) 9 9 O termo “cena” é designado pelos mamulengueiros como “passagens”, o que reforça a noção do espetáculo como várias cenas nas quais os personagens “passam”. que compõe o espetáculo são quase adaptações destes folguedos para o teatro de bonecos, como por exemplo, o Pastoril, O Maracatu e o Bumba-meu-Boi/ Cavalo Marinho.
  • 12. O Capitão do Cavalo- Marinho “Alumiara Zumbi”, Olinda, PE, 2003. Foto Izabela Boneco de vara do Mestre Solon representando o Capitão do Cavalo- Marinho. Museu do Mamulengo, Olinda, PE. Foto Izabela Brochado. Conjunto de bonecas do pastoril, do Mestre Solon. Museu do Mamulengo, Olinda, PE. Foto (Izabela Brochado) Bonecas do Pastoril dos Mestres Luiz da Serra e Pedro Rosa. Museu do Mamulengo, Olinda, PE. Foto (Izabela Brochado)
  • 13. 4. O Espetáculo de Mamulengo: estrutura, enredos e temas Em relação à sua estrutura verificam-se basicamente dois tipos do espetáculo. O primeiro apresenta um único enredo com inicio, meio e fim. O mais comum narra a aventura do protagonista (um vaqueiro de cor negra conhecido como Benedito, Baltazar ou Cassimiro-Côco), empregado numa fazenda de um rico latifundiário e que encontra vários oponentes, lutando com estes e, quase sempre, os matando. O conflito em geral, gira em torno do fato do vaqueiro querer dançar na festa de seu patrão com, nada mais, nada menos, que a filha (ou mulher) deste. Neste contexto, vários oponentes aparecem para confrontar o vaqueiro, como o policial, o padre, o doutor (médico e/ou advogado), entre outros. A peça em geral termina com a vitória do vaqueiro, que domina a festa e namora a filha do patrão. Em algumas versões, as cenas de confronto são interconectadas com pequenas passagens, sem aparente conexão com o enredo. A mais comum, mostra o protagonista dançando com seu mais precioso animal, o Boi. O segundo tipo de espetáculo apresenta uma estrutura episódica, composta por uma sucessão de cenas (ou passagens como se referem os bonequeiros) com enredos diversos, que são selecionadas e ordenadas com o objetivo de se “montar” o espetáculo. Algumas destas cenas apresentam um enredo completo com início, meio e fim outras, entretanto, são compostas por apenas uma ação como uma cena de dança; a passagem de um, ou mais, personagens que tecem algum comentário; dois cantadores que realizam uma disputa de versos; entre outros. A grande maioria destas cenas faz parte do repertório tradicional do Mamulengo e tem sido repassada oralmente de uma geração de mamulengueiros à outra. Outras, entretanto, são criações individuais que abordam temas atuais. O processo de seleção e ordenamento das cenas realizado pelo mamulengueiro serve a diferentes funções. Primeiramente, é utilizado para diferenciar seus próprios espetáculos um do outro, e também para torná-los distintos dos espetáculos de outros mamulengueiros da mesma região e que possuem repertórios similares. Em segundo lugar, o mamulengueiro precisa adaptar o seu espetáculo de acordo com o contexto da apresentação (o lugar, o público, o tempo disponível para realização do mesmo). Finalmente, a combinação pode ser resultante da reação do público assim como, da
  • 14. disposição do próprio mamulengueiro. Dessa forma, o número e os tipos de cenas que aparecem nos podem variar bastante, assim, um mesmo mamulengueiro pode realizar espetáculos que durem de 01 a 08 horas. Além dos fatores estruturais, variações ocorridas na estrutura do espetáculo e no texto são também resultantes do grande uso de improvisações advindas, principalmente, do jogo verbal entre os bonecos (bonequeiros), o intermediário (Mateus) e o público. O texto do Mamulengo, assim como outros elementos do espetáculo, tem passado por muitas alterações. Cenas derivadas dos folguedos populares (Maracatu de Simão, Pastoril) assim como aquelas originárias dos presépios (São José, O Rico Rei Avarento), entre outras, bastante populares outrora, praticamente não mais existem.10 4.1 Tipos de Cenas No entanto, ainda hoje persistem cenas que podem ser consideradas como verdadeiras “relíquias”, mantendo até os dias atuais conexões com antigas formas de representação, como a cena dos “Caboclinhos” onde quatro caboclos dialogam em forma de versos remanescentes dos autos de Natal trazidos pelos Jesuítas. Esta estrutura episódica aparece principalmente no Mamulengo da Zona da Mata de Pernambuco e pode ser observada nos espetáculos de Zé Divina, Zé Lopes e João Galego, entre outros. Fernando Augusto dos Santos em seu livro Mamulengo: um povo em forma de bonecos (1979) agrupa os diversos tipos de passagens (cenas) em cinco categorias: pretexto, narrativas, briga, dança e peças ou tramas. Passagens pretexto, como o próprio nome diz, é uma desculpa para que o boneco suba ao palco sem uma justificativa lógica, apenas para dizer algum gracejo, saldar o público, dizer um verso: “a intenção visível não é narrar, nem interpretar um personagem qualquer em uma situação determinada”.11 10 Segundo Zé de Vina, as cenas com temática religiosa eram bem mais freqüentes no passado (até meados da década de 70), sendo atualmente raramente encenadas, uma vez que não encontram a mesma ressonância no público atual. (Entrevista em Lagoa de Itaenga em 23/03/2004). Santos (1979:24) observa que o Mamulengo “na sua forma atual praticamente perdeu o caráter religioso, apesar de ligeiros remanescentes”. 11 Santos, Mamulengo, 142. Passagens narrativas são claramente influênciadas pelos repentistas, onde um ou dois bonecos narram/cantam estórias imaginárias, fatos e acontecimentos. Nestas cenas os bonecos sobem ao palco, narram/cantam e saem.
  • 15. Passagens de briga são bastante comum e mostram bonecos que lutam entre si manejando porretes, facões e revólveres e apresentando variados tipos de movimentação. Passagens de dança são acompanhadas por música e servem principalmente para conectar as cenas. Nelas, os mamulengueiros mostram a sua destreza na manipulação dos vários tipos de figuras que se movimentam de forma cômica ou sensual. Passagens de peças ou tramas são como pequenas peças que podem ser remetidas a: comédia; sátira social; farsa; moralidades; ou autos. As categorias apontadas por Santos nos ajudam a compreender as diversas naturezas das cenas. No entanto, observa-se que, em algumas delas, estas classificações se mesclam e portanto, não devem ser consideradas como demarcações rígidas. Além, podemos ainda incluir outra categoria, ou seja, as cenas de quête criadas com o objetivo específico de arrecadar contribuições monetárias do público Cena dos Repentistas no Mamulengo do Mestre Zé Lopes. Glória de Goitá,
  • 16. Goiaba dança forró com Carolina, a filha do Coronel. Mestre Zé Lopes, Glória de Goitá, 2002.
  • 17. 5. Elementos de Linguagem Como um teatro de bonecos, o Mamulengo articula vários códigos para que ocorra o espetáculo. Estes códigos podem ser divididos em dois grupos: visuais e auditivos. Como apontado anteriormente, o boneco representa um personagem-tipo e, portanto, possui uma caracterização visual específica: traços fisionômicos, figurinos, articulações em variadas partes do “corpo” que possibilitam movimentos diferenciados que comunicam situações e emoções. Estes bonecos/ personagens aparecem em um espaço cênico, num pequeno palco conhecido como tolda, empanada ou barraca que pode ser apenas um tecido esticado entre dois suportes, ou ainda apresentar uma estrutura complexa como uma mini cópia de um palco italiano, com cenários de fundo e também placas pintadas com figuras ou desenhos decorativos, e letreiros com informações sobre o grupo. Estes bonecos/ personagens possuem um discurso (fala) veiculado a partir de uma voz com timbre, ritmo, intensidade, altura que contam histórias, comunicam situações e emoções. 5.1 - Os Bonecos/Personagens No Mamulengo, assim como em todo teatro de boneco, o ator é o próprio boneco. Diferente do ator humano, que representa personagens diversos conforme a peça teatral, o boneco, já no momento da sua construção plástica, configura-se, se não como um personagem específico, pelo menos com características que o configuram como um 'personagem- tipo'12 12 Podemos, no entanto, encontrar bonecos que funcionam como uma 'forma', ou seja, um protótipo básico que pode ser 'vestido' conforme as características da personagem que desempenhará numa produção específica. Exemplos deste tipo podem ser encontrados nas companhias européias que apresentavam (e apresentam) óperas ou melodramas com bonecos de fio, como exemplo, a Cia Eugenio Colla de Milão. No que se refere ao Mamulengo, podemos encontrar bonecos que representam sempre os mesmos personagens, mesmo que atuem em diferentes peças (como è o caso do vaqueiro e do latifundiário), e ainda, bonecos que embora mantenham suas características físicas, podem representar diferentes personagens. . Assim, o boneco apresenta-se como “síntese configurada de um determinado tipo ou ser”. (Santos:1979:178). Nisto, ele aproxima-
  • 18. se bastante dos atores da Commedia dell’ Arte, que também se especializavam em um “personagem-tipo” atuando em diferentes enredos e tramas. No entanto, os atores humanos inexoravelmente partem do seu próprio corpo, com todas as possibilidades e limitações que este apresenta, para construir seus personagens, transfigurando-se (transformando-se em outra figura) durante o espetáculo. Diferente destes, o boneco - ator de madeira - é já, na sua configuração primeira e única, um símbolo13 O mamulengueiro é quase sempre o escultor e o manipulador/animador do boneco. Portanto, suas ações/falas e suas configurações visuais são aspectos inseparáveis. Como disse Mestre Solon, mamulengueiro pernambucano, já falecido, "quando vou fazendo os bonecos, eu já vou fazendo a história.” específico. Essa invariabilidade apresentada pelo boneco leva-nos a relacioná-los com as máscaras. Etimologicamente a palavra ‘máscara’, do latim, significa persona. Daí se pode concluir que a máscara é uma representação simbólica de um papel social, uma personificação. Nesse sentido, os bonecos/personagens do Mamulengo podem ser considerados como representações simbólicas de papéis sociais, assim como são seus comparsas Karagós, Pulcinella, Jean Klassen, Petrushka, Robertos, entre outros. Estes papéis sociais transparecem tanto nas representações visuais dos bonecos, quanto nas ações e falas que se desenvolvem durante a brincadeira (apresentação teatral) aspectos que discutirei mais adiante. Do ponto de vista plástico, o boneco do Mamulengo não é representado de forma realista. Mesmo quando se trata da representação de seres-humanos, o escultor não busca uma “imitação” das formas anatômicas reais. Nisto diferem bastante das marionetes de fio tradicionais que tentam assemelhar-se à figura humana “com todas as falsidades que isto implica” (Borba Filho:1987:227). O distanciamento da representação naturalista propicia ao mamulengueiro uma liberdade de expressão, tanto na construção plástica, quanto nas falas e ações dos personagens, mesmo que ele, o artista, esteja em constante diálogo com uma determinada tradição. 14 13 Símbolo é aqui compreendido como aquilo que, por sua forma ou sua natureza evoca, representa ou substitui, num determinado contexto, algo abstrato ou ausente. 14 Revista Mamulengo, n.07, 1987, p.36.
  • 19. 5.2 Representação visual dos bonecos As figuras apresentam grande variedade em relação aos aspectos físicos: tamanho, peso, materiais, articulações, técnicas de construção e controle. A maioria é entalhada em mulungu e imburama, dois tipos de madeira leves encontradas no Nordeste. Bonecos feitos totalmente em tecido (principalmente na representação das personagens femininas), papelão, bucha vegetal, entre outros materiais, embora menos recorrentes, também são observados. Bonecos de madeira mulungu em processo de construção. Mestre João Galego, Glória de Goitá, 2003. Foto Izabela Brochado. Tipos de bonecos O elemento comum que liga todos os tipos de bonecos do Mamulengo é que eles são manipulados por baixo, podendo o manipulador estar em pé, ou sentado. Em uma primeira e ampla classificação podemos dividí-los em quatro tipos. luva; varas ou varetas; o corpo inteiro esculpido na madeira; e bonecos mecânicos. No entanto, observa-se figuras que misturam técnicas como veremos a seguir. Os diversos tipos de bonecos apresentam distintas funções no espetáculo. Luva: são os mais recorrentes, sendo usados quando o personagem requer movimentos precisos dos braços e mão, como por exemplo: agarrar objetos, acariciar outro boneco, etc. Estes movimentos expressam certas facetas do comportamento humano, em geral, apresentadas de forma exagerada. Quase sempre possuem a cabeça e as mãos esculpidas
  • 20. em madeira e o corpo de tecido confeccionado como uma túnica, onde o manipulador coloca uma das mãos . Bonecos de luva com fio aparecem nas figuras que apresentam articulaçao na boca, língua e olhos, movimentados a partir de fios manipulados pela outra mão do bonequeiro. Diferentemente de alguns bonecos de luva europeus, os do mamulengo não possuem pernas. Varas e varetas: São configurados de corpo inteiro que, tanto pode ser inteiramente de tecido, inteiramente de madeira, ou uma mistura dos dois materiais. Quando o tecido é usado, ele é preenchido com retalhos ou espuma que dao materialidade ao corpo do boneco. Possuem uma vara central que dá sustenção à figura e muitas vezes possuem varetas nas pernas e braços, que permitem movimentos bastante àgeis aos membros. Aparecem principalmente nas cenas de dança, onde o foco está centrado nos movimentos (cômicos ou sensuais) das figuras. Assim como os de luva, alguns bonecos de vara ou varetas podem apresentar fios que são usados tanto para produzir movimentos faciais, como dos membros. Boneco de corpo inteiro de madeira: são rígidos e apresentam poucos movimentos (alguns apresentam articulações nos ombros) e são manipulados diretamente pelos pés. Quase sempre representam autoridades (policiais e fazendeiros) o que demonstra uma conexão entre a rigidez da forma visual e as características de personalidade desses personagens. Bonecos Mecânicos – são um grupo de figuras que apresentam movimentos repetitivos criados por algum mecanismo. O mais simples é o Pisa-Pilao, ou Pisa-Milho, representado por uma, ou duas figuras que “pilam” grãos. O mais complexo é a Casa- de-Farinha, que apresenta por um grande número de figuras e um complexo mecanismo de articulação e movimentação que mostram temas diversos, como a fabricação da farinha de mandioca, cenas de escravos em trabalhos forçados, entre outros. Bonecos mecânicos quase nunca aparecem como personagem, mas sim, como um elemento de cena, sendo principalmente utilizados para intercalar as cenas, ou no fim do espetáculo.
  • 21. Bonecos de Vara. Mestre Zé Divina. Lagoa de Itaenga, 2003. Boneco de Vara, Acrobata. S.Id.
  • 22. 5.3 Personagens Falar dos diversos tipos de personagens presentes no Mamulengo demandaria muito mais espaço do que este breve estudo permite. Para se ter uma idéia da extensão do número de figuras, alguns mamulengueiros da Zona da Mata pernambucana possuem até 100 bonecos, que raramente são apresentados no mesmo show. Em geral, usam em média 30 figuras em uma apresentação. No entanto, mamulengueiros de outras regiões possuem um número bem mais reduzido, chegando a se apresentarem com cerca de 08 bonecos. Os personagens do Mamulengo são, majoritariamente, personagens-tipo e estão divididos em três grupos: os seres humanos, os animais, e os sobrenaturais. Como personagens-tipo, sintetizam os diversos tipos de personalidade e papéis sociais que expressam dilemas universais e, ao mesmo tempo, estão estreitamente conectados com história da região. E como tal são formados, ao mesmo tempo em que expressam o contexto histórico de suas produções. A grande maioria dos personagens tem sido repassada de uma geração à outra de mamulengueiros. Outros, são criações particulares de um determinado artista. Em relação aos personagens tradicionais, alguns têm mantido os mesmos nomes, outros, entretanto, apresentam variações, embora seus atributos (físicos e psicológicos) assim como, suas funções no espetáculo permanecem iguais. Muitas vezes estes personagens possuem canções específicas que informam sobre seus atributos e que são executadas antes mesmo das suas entradas em cena. Assim, indicam ao público qual o personagem, e conseqüentemente a cena, que será apresentada. Humanos Os personagens humanos são a grande maioria e em linhas gerais podemos dizer que nas suas configurações expressam: classe social, raças, idades e gêneros. A combinação destes quatro fatores cria uma gama de tipos que, embora possam aparecer com nomes variados dependendo da região, apresentam funções similares nos espetáculos Classe social: representantes das camadas populares (trabalhadores, artistas, vagabundos) e representantes do poder (fazendeiros, policiais, padres, médicos). São
  • 23. sempre contrapostos em situações de conflico, e quase sempre, o primeiro grupo é o vencedor; Raças: brancos, negros, índios e mestiços. Quase sempre o herói é de raça negra e os poderosos, de raça branca. Uma exeção é Simão, um dos principais protagonistas do mamulengo da Zona da Mata de Pernambuco que, diferentemente de seus comparças negros (Benedito, Baltazar, Joaquim Bozó) é branco. Índios aparecem principalmente nas cenas dos “Caboclinhos”, uma representação do folguedo onônimo que mostra um grupo de indios dançando, cantando e dizendo loas (versos). Idades: em contraposição à quase existência de crianças, existe grande quantidade de velhos (viúvas assanhadas e velhos maliciosos) e adultos. Esta característica demonstra a ligação do Mamulengo com o universo adulto. Gênero: enquanto os personagens masculinos são representados de forma mais individualizada, apresentando características mais específicas (nome; função específica no espetáculo; profissão), as personagens femininas são construídas de forma mais genérica e quase nunca possuem uma profissão e poucas vezes um nome fixo. São na sua maioria classificadas como: solteiras, casadas ou viúvas. No entanto, um dos personagens mais recorrentes e de atributos bem marcados é Quitéria, a mulher do fazendeiro. Este último aparece com nomes diversos (Mané Pacaru, Mané de Almeida, Capitão João Redondo). Velho. Mestre Pedro Rosa. Museu do Homem do Nordeste, Recife. Foto Izabela Brochado
  • 24. Coronel Mané Pacaru. Museu do Mamulengo, Olinda. Foto Izabela Brochado Doutores – Museu do Mamulengo, Olinda. Foto Izabela Brochado Policiais. Museu do Mamulengo, Olinda. Foto Izabela Brochado
  • 25. Sobrenaturais Dentre os personagens sobrenaturais, os mais comuns são a Morte e o Diabo. Este último recebe nomes diversos (e.g., Capiroto, Coisa Ruim, Anjos dos Olhos de Fogo) e quase sempre aparece em cena para levar para o inferno as almas pecaminosas (viúvas assanhadas; filhos ingratos; avarentos). Enquanto o Diabo aparece como um personagem cômico, a Morte é solene, quase hierática, representada por uma figura branca de longos braços. Além destes dois, observa-se também a presença de vampiros, e outros ligados especificamente ao imaginário brasileiro como, o papa-figo, o curupira, personagens com três cabeças, entre outros. Diabo, de Luiz da Serra e Morte de Pedro Rosa. Museu do Homem do Nordeste, Recife. Foto de Izabela Brochado Animais Diferentemente das fábulas, no Mamulengo os animais nunca falam e os mais comuns são o boi e a cobra. A recorrência do Boi tanto pode ser uma evidência da importância do animal na região, como estar relacionada aos folguedos que encenam a morte e ressurreição de um boi (Bumba-meu-Boi, Cavalo Marinho, Boi de Reis), que são bastantes populares no Nordeste. Outros animais que aparecem com certa
  • 26. freqüencia são pássaros, cavalos, porcos, entre outros, evidenciando a relação do Mamulengo com o contexto rural. Burro. S.id. Museu do Homem do Nordeste, Recife. Foto de Izabela Brochado 5.4 Movimentos e Gestos dos bonecos São determinados pelos aspectos técnicos de construção relacionados aos materiais, às articulações, ao tamanho e ao peso das figuras. Além das qualidades físicas dos bonecos, os seus movimentos e gestos estão relacionados com aspectos expressivos que o manipulador deseja comunicar. Assim, podemos dividir os movimentos realizados pelos bonecos em quatro tipos: A) Movimentos funcionais: expressam uma ação corriqueira e comunicam exatamente o que mostram, por exemplo: • Movendo-se devagar: caminhando • Movendo-se rápido: correndo • Ficando de pé parado • Deitando na frente no palco • Levantando-se, etc.
  • 27. B) Movimentos que acompanham e reforçam a fala: como a grande maioria dos bonecos não possui movimento facial é o seu movimento o indicador de sua fala, evidenciando qual dos bonecos em cena que está falando. Os movimentos mais comuns são: • Bater com a mão no palco • Bater uma mão na outra • Mover a cabeça de um lado a outro C) Movimentos que expressam emoções e sentimentos: estes movimentos expressam um estado emocional do boneco /personagem e como tal, possuem uma um aspecto sintático (o movimento em si) e um semântico (a sua significação). Vejamos alguns exemplos: Semântico Sintático Se exibindo Caminhando orgulhosamente de um lado a outro Pensativo Segurando a cabeça com a mão Satisfação Esgregando as mãos uma na outra Rindo Sacudindo-se Felicidade Pulando Medo Tremendo Chorando Abaixando a cabeça e sacudindo-a entre as mãos 4) Movimentos intencionalmente compostos para expressarem uma mensagem dirigida a outro personagem: assim como o anterior, estes movimentos também possuem dois aspectos. Alguns exemplos são: Semântico Sintático Chamando a atenção de alguém Bater a mão na cabeça, nas costas ou no ombro de outro boneco Saudando Abaixando a cabeça
  • 28. Expressão de amor Acariciando e abraçando o outro boneco Agressão Bater com a cabeça no outro Expressão de indiferença Virar de costas pro outro 5.5 A Voz do Boneco Para expressar a variedade de vozes, o mestre mamulengueiro deve ser capaz de imitar o repertório sócio linguístico do grupo (comunidade/sociedade) que representa. Isto é conseguido com a composição de elementos que formam as diferentes qualidades da voz humana como: volume, tom, timbre, ritmo. Além destes, o mamulengueiro utiliza ainda sotaques, imitações de línguas estrangeiras (o padre que fala “latim”), erros gramaticais, entonações distorcidas (rouquidão, fala fanhosa, etc) para caracterizar a voz do personagem. Assim, um rico e vasto espectro de formas e maneiras de falar são trazidos à cena, enfatizando a importância da qualidade vocal do mestre mamulengueiro. A quantidade e qualidade das vozes produzidas, é um dos principais atributos para se julgar a qualidade de um mamulengueiro 6. Conclusão Ao olharmos um pântano de cima, veremos uma água parada. Se afundarmos no pântano, munidos de óculos de mergulho, veremos uma grande quantidade de vidas que nele habitam. Se aprofundarmos ainda mais a nossa pesquisa, podemos chegar a conhecer as inter-relações entre estes organismos e entre eles, e o seu meio ambiente. Assim também acontece com as expressões da cultura. Ao verticalizarmos o nosso olhar sobre o teatro de bonecos popular do nordeste, poderemos compreender a sua complexidade, tecida ao longo do tempo e em diferentes espaços. Poderemos compreender como os bonequeiros articulam os códigos desta linguagem artística para se comunicarem com o seu público e como estes elementos se relacionam com outros aspectos da cultura. Esta postura investigativa põe abaixo visões pré-conceituosas e pré-concebidas acerca da produção dos artistas populares, levando- nos a compreender, de forma mais aprofundada, sobre o teatro de bonecos, e sobre aspectos da nossa identidade cultural.
  • 29. A função do professor é estimular e guiar os seus alunos nas suas pesquisas. Para tal, o professor precisa ter, ele mesmo, percorrido alguns caminhos e continuar instigado a percorrer outros que ainda não conhece. Bibliografia BORBA FILHO, Hermilo. Fisionomia e Espírito do Mamulengo. Rio de Janeiro: INACEM, 1987. BROCHADO, Izabela C. ______. “Distrito Federal: o Mamulengo que mora nas cidades - 1990-2001.” Dissertação, Universidade de Brasília, Brasília, 2001. ______. “Mamulengo Puppet Theatre in the Sócio Cultural Context of Twentieth Century Brazil.” Tese, Trinity College University of Dublin, 2006. PASQUALINO, Antonio. “Marionettes and Glove Puppets: Two Theatrical Systems of Southern Italy.” Semiotica, 47, No.4 (1983), 219-280. TILLIS, Steve. Toward an Aesthetic of the Puppet: Puppetry as a Theatrical Art. London, Greenwood, 1992