2. Pré-modernismo
brasileiro
Início do século XX até a
Semana de Arte Moderna de
1922
O século XX foi o período
de maior desenvolvimento
tecnológico da história da
humanidade. Muitos desses
avanços foram
impulsionados pelas duas
grandes guerras que
ocorrem na primeira metade
do século.
As novas relações de
trabalho criadas pela
Revolução Industrial criam
disparidades e explorações
jamais antes vistas, com
consequências sociais
gravíssimas.
3. É o tempo de pensadores, o avanço das ciências e das
filosofias sociais começam a sugerir que a prática tome lugar
do discurso. Assim, os trabalhadores se organizam,
socialistas e anarquistas questionam o poder instituído das
potências coloniais. O imperialismo entra em crise e a
urbanização já faz a sociedade ser diferente. O palco da luta
de classes está armado.
4. No Brasil, o fim do século XIX marca o início da “República
do café-com-leite”, na qual os grandes proprietários rurais
exerciam enorme influência. Nossa urbanização, ainda no
início, não produzia o quadro de tensão no qual vivia a
Europa, mas já dava sinais de crescimento principalmente em
São Paulo.
5. As tensões nacionais eram regionais e geraram inúmeras agitações
sociais, como a Revolta de Canudos, na Bahia; a série de conflitos no
Ceará em torno do religioso Padre Cícero; e o cangaço, em pleno sertão
nordestino, que nos apresentou a figura de Virgulino Ferreira, o
Lampião.
No Rio de Janeiro, a insurreição ao poder constituído foi desde a
Revolta da Vacina – uma rebelião popular contra a vacinação obrigatória,
mas que guardava suas reivindicações sociais – até a Revolta da Chibata
– uma rebelião de marinheiros contra os castigos físicos.
6. Essas agitações criavam o clima de tensão e tumulto que iria
eclodir artisticamente em 1922, mas que, de alguma forma já
se manifestavam em produções artísticas da época. Pode-se
dizer que os primeiros anos do século XX foram uma espécie de
transição entre dois mundos. Assim, a Literatura fez contar
seu próprio tempo, espalhando a transição, mostrando não uma
escola, mas apresentando novas tendências e rupturas com a
arte conservadora.
7. Portanto, não se pode dizer que o Pré-modernismo constitui-se
em uma escola literária em si. É, em verdade, um conjunto de
manifestações do espírito de uma época, que apresentava o
novo, rompia com o velho, mas ainda não possuía um rumo certo
ou uma clara intenção estética.
Os autores dessa época são influenciados pelo Realismo e
pelas novas tendências que surgiam na Europa. Ao mesmo tempo,
os escritores românticos, parnasianos e simbolistas ainda
publicavam seus livros e encontravam excelente público, já
que o final do século XIX e início do século XX é um tempo de
prosperidade dos livreiros, uma época do crescimento do
mercado editorial no país.
8. Esses novos autores demonstram um grande interesse pela
realidade nacional, contrariando o universalismo dos modelos
realista-naturalistas. O cotidiano brasileiro passa a ser
exposto nas páginas dos livros, dando espaço a criação de
obras de nítida preocupação social. Os tipos marginalizados,
as lutas inglórias e as mazelas do povo passam a ser os temas
da prosa pré-modernista.
9. Essa aproximação com a realidade brasileira traz como
consequência formal a busca por uma linguagem mais simples, mais
direta, coloquial, próxima da população. Os textos apresentam
linguagem jornalística, aproximando-se, por vezes, mais da
realidade que de um estilo artístico propriamente dito. Euclides
da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato são exemplos de
literatos que contribuíram largamente com a imprensa; por outro
lado, há também João do Rio, um jornalista que retratou a
sociedade da época, fazendo-se um dos cronistas mais importantes
de nossa história
10. Características do
Pré-Modernismo
Ruptura com o academicismo;
Ruptura com o passado e com
a linguagem parnasiana;
Linguagem coloquial,
simples;
Exposição da realidade
social brasileira;
Regionalismo e nacionalismo;
Marginalidade das
personagens: o sertanejo, o
caipira, o mulato;
Temas: fatos históricos,
políticos, econômicos e
sociais.
12. Na poesia, a ruptura fica por conta de um dos mais geniais
poetas que já surgiram: Augusto dos Anjos. Irônico e
pessimista, rompe com o linguajar poético, tripudia do
realismo e do materialismo, brica com as ciências e a
filosofia.
13. Euclides da Cunha
(1866-1909)
Os Sertões - 1902
A obra regionalista narra
os acontecimentos da
sangrenta Guerra de
Canudos, liderada por
Antônio Conselheiro (1830-
1897), que ocorreu no
Interior da Bahia, durante
1896 e 1897.
14. Trecho do livro Os Sertões
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo
exaustivo dos mestiços do litoral. A sua aparência,
entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. É
desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a
fealdade típica dos fracos. (…) Basta o aparecimento de
qualquer incidente transfigura-se. Reponta. Um titã acobreado
e potente. De força e agilidade extraordinárias (…) Sua
cultura respeita antiquíssimas tradições. Torna-se um
retirante, impulso pela seca cíclica, mas retorna sempre ao
sertão”.
15. Lima Barreto
(1881-1922)
Os inúmeros desgostos
domésticos, a revolta contra o
preconceito racial, as crises
de depressão, o alcoolismo e as
internações no hospício
transformaram Lima Barreto em
um crítico amargo e severo da
sociedade. Suas contribuições
na imprensa eram inúmeras e
combatiam o preconceito racial
e contra a mulher. Sua
consciência acerca dos
problemas sociais brasileiros
coloca-lhe como militante
socialista, um dos primeiros a
combater as desigualdades,
criticar o poder republicano e
denunciar a realidade nacional.
16. Principais obras de Lima Barreto
Triste fim de Policarpo Quaresma (1915): romance.
Clara dos Anjos (1948): romance.
Diário íntimo (1953): memórias.
O cemitério dos vivos (1956): memórias.
17. Trechos do livro Triste fim de Policarpo Quaresma
O nacionalista Policarpo Quaresma estuda o tupi-guarani, pois, para ele,
essa seria a língua original dos brasileiros. Por isso, é apelidado de
Ubirajara:
“Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani. Todas as
manhãs, antes que a “Aurora, com seus dedos rosados abrisse caminho ao
louro Febo”, ele se atracava até ao almoço com o Montoya, Arte y
diccionario de la lengua guaraní o más bien tupí, e estudava o jargão
caboclo com afinco e paixão. Na repartição, os pequenos empregados,
amanuenses e escreventes, tendo notícia desse seu estudo do idioma
tupiniquim, deram não se sabe por que em chamá-lo — Ubirajara.”
18. “E desse modo ele ia levando a vida, metade na repartição,
sem ser compreendido, e a outra metade em casa, também sem
ser compreendido. No dia em que o chamaram de Ubirajara,
Quaresma ficou reservado, taciturno, mudo, e só veio a falar
porque, quando lavavam as mãos num aposento próximo à
secretaria e se preparavam para sair, alguém, suspirando,
disse: “Ah! Meu Deus! Quando poderei ir à Europa!” O major
não se conteve: levantou o olhar, concertou o pince-nez e
falou fraternal e persuasivo: “Ingrato! Tens uma terra tão
bela, tão rica, e queres visitar a dos outros! Eu, se algum
dia puder, hei de percorrer a minha de princípio ao fim!””
19. “— O que é?
— O Quaresma está doido.
— Mas... o quê? Quem foi que te disse?
— Aquele homem do violão. Já está na casa de saúde...
— Eu logo vi, disse Albernaz, aquele requerimento era de doido.
— Mas não é só, general, acrescentou Genelício. Fez um ofício em tupi
e mandou ao ministro.
— É o que eu dizia, fez Albernaz.— Quem é? perguntou
Florêncio.
— Aquele vizinho, empregado do arsenal; não conhece?
— Um baixo, de pince-nez?
— Este mesmo, confirmou Caldas.
— Nem se podia esperar outra coisa, disse o doutor
Florêncio. Aqueles livros, aquela mania de leitura…”
20. João do Rio
(1881-1921)
João do Rio produziu sua
obra a partir da
observação direta da vida
e da linguagem de
diferentes grupos sociais
do Rio de Janeiro do
começo do século 20.
21. Seu olhar atento faz de presidiários, trabalhadores braçais,
prostitutas, barões, dândis, cocotes e outros seres urbanos
tema de investigação. Os espaços sociais - terreiros de
umbanda e candomblé, igrejas, cabarés, cortiços, favelas,
minas, palácios, presídios - em que se movimentam essas
criaturas são expostos com realismo e sensibilidade.
22. A alma encantadora das ruas (1908)
Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria
revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que
este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós.
Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas
aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres,
a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É
este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como
a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo
varia -o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais
dolorosa a ironia, Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis
e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações
cada vez maior, o amor da rua.
23. Oh! Sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas,
ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas,
puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam
para contar a evolução de uma cidade inteira, ruas
guerreiras, revoltosas, medrosas, spleenéticas, snobs, ruas
aristocráticas, ruas amorosas, ruas covardes, que ficam sem
pinga de sangue…
24. Augusto dos Anjos
(1884-1914)
O mais importante poeta do pré-
modernismo, embora revele em sua
poesia, raízes do simbolismo,
retratando o gosto pela morte, a
angústia e o uso de metáforas.
Declarou-se "Cantor da poesia de
tudo que é morto". Durante muito
tempo foi ignorado pela crítica,
que julgou seu vocabulário mórbido
e vulgar. Sua obra poética, está
resumida em um único livro "EU",
publicado em 1912, e reeditado com
o nome "Eu e Outros Poemas".
25. Psicologia de um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro da escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco
Já o verme – esse operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
27. Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que
apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua
chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
28. Budismo moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo
Mas o agregado abstrato das
saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no
mundo!
29. Vocabulário
Diatomáceas: algas unicelulares que realizam fotossíntese e
são encontradas em água doce ou salgada
Criptógama: plantas que se reproduzem por meio de esporos
Esbroa: reduz a pó, desagrega-se
30. O poema “Budismo moderno” foi musicado por Arnaldo Antunes
para o álbum “Ninguém”, de 1995.
Pode ser apreciado em
https://www.youtube.com/watch?v=2QdcLPE9aB0
Prestem atenção nas pausas e nos “barulhos” da música, que
ajudam a compor o clima do poema