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1
o Ofício de Etnólogo,ou como Ter
"Anthropological Blues" *
ROBERTO DA MATA
This g/ory. the sweetest, the true..
or rather the only true glory. awaits
you. encompasses you already; you
wÜ/ know al/ its bril/iance on that
day 01 triumph and ioy on which.
returning to your country. we/comed
amid our delight. you will arrive in
our walls. loaded with the niost pre.
cious apoils. and bearers 01 happy
tidings 01 our brothers scattered in
the uttermost confines 01 the Universe.
Degérando..
Introdução
Em EtnoIogia, como nos "ritos de passagem", existem três
fases (ou pJanos) fundamentais quando se trata de discorrer sobre
. Trablllho apresentado na Universidade de Brasfiia, junto ao Departa-
mento de Ciências Sociais. no Simpósio sobre Trabalho-de-Oampo, ali
realizado. Expresso meus agradecimentos aos Profs. Roberto Cardoso de
Oliveira e Kenneth Taylor. que na época eram, rc;spectivamente, Chefe
do Departamento de Ciências Sociais"" Coordenadot' do Curso de..Mes-
trado de Antropologia Social, pelo convite. Posterionnente, o texto foi
publicado no Museu Nacional como Comunicação n.O I, Setembro, 1974,
em edição mimeografada. Desejo agradecer a Gilberto Velho, Luiz de
Castro Faria e Anthony Seeger pelas sugestões e encorajamento, quando
da preparação das duas versões deste trabalho.
.. loseph-Marie Degérando. The Observation 01 Savage Peop/es (1800).
traduzido. do francês por F.C.T. Moore, Berkeley e Los Angeles: Uni-
versity Of Califomia Press. 1969.
, .=.1
24 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
as etapas de uma pesquisa, vista pelo prisma do seu cotidiano. A
primeira, é aquela caracterizada pelo uso e até abuso da cabeça,
quando ainda não temos nenhum contato com os seres humanos
que, vivendo em grupos, constituem-se nos nossos objetos de tra.
balho. ~ a fase ou plano que denomino de teórico-intelectual, mar-
cada pelo divórcio entre o futuro pesquisador e a tribo, a classe
social, o mito, o grupo, a categoria cognitiva, o ritual, o bairro, o
sistema de relações sociais e de parentesco, o modo de produção, o
sistema político e todos os outros dominios, em sua lista infindá-
vel, que certamente fazem parte daquilo que se busca ver, enca-
rar, enxergar, perceber, estudar, classificar, interpretar, explicar,
etc. .. Mas esse divórcio - e é bom que se diga isso claramente
- não diz respeito somente à ignorância do estudante. Ao contrá.
rio, ele fala precisamente de um excesso de conhecimento, mas de
um conhecer que é teórico, universal e mediatizado não pelo con-
creto e sobretudo pelo específico, mas pelo abstrato e pelo não
vivenciado. Pelos livros, ensaios e artigos: pelos outros.
Na fase teórico-intelectual, as aldeias são diagramas, os ma.
trimônios ,se resolvem em desenhos geométricos perfeitamente si.
métricos e' equilibrados, a patrolJ4lgem e a clientela política apa.
recem em regras ordenadas, a' própria espoliação passa a seguir
leis' ~ os índiOs são de papel. Nunca ou muito raramente se
pensa em coisas específicas; que dizem respeito à minha experiên.
cia, quando o conhecimeJ;1toé permeabilizado por cheiros, cores,
dores é amores. Perdas, ansiedades e medos, todos esses intrusos
que os livros, sob,.,tudo os famigerados "manuais" das Ciências
Sociais teimam por ignorar. "
Uma segunda fase, que vem depois dessa que acabo de apre-
sentar, pode ser denominada de período prático. Ela diz respeito;
essencialmente,_a nossa antevéspera de p~squisa. De fato, trata.se
daquela semana que tooos cuja pesquisa implicou uma mudança
drástica experimentaram, quando a nossa preocupação muda subi-
tamente das teorias mais universais para os problemas mais
banalmente concretos. A pergunta, então, não é mais se o grupo X
tem ou não linhagens segmentadas, à moda dos Nuer, Tallensi ou
Tiv, ou se a tribo Y tem corridas de tora e metades cerimoniais,
como os Krahó ou Apinayé, mas de planejar a quantidade de arroz
e remédios que deverei levar para o campo comigo.
Observo que a oscilação do pêndulo da existência para tais
questões - onde vou dormir, comer, viver - não é nada agra.
dável. Especialmente quando o nosso treinamento tende a ser ex.
cessivamente verbal e teórico, ou quando somos socializados numa
cultura que nos ensina sistemll'camente o conformismo, esse filho
A VERSÃo QUALJTA11VA 25
(
da autoridadecom a generalidade,a lei e a regra. No plono prá-
tico, portanto, já não se trata de citar a experiência. de algum he-
rói-civilizador da disciplina, mas de colocar o problema fundamen-
tal na Antropologia, qual seja: o da especificidade e relatividade de
sua própria experiência. .
A fase final, a terceira, é a que. chamo de pessoal ou emten.
cial. Aqui, não temos mais divisões nítidas entre as etapas da
nossa formação científica ou acadêmica, mas por uma espécie de
prolongamento de tudo isso, uma certa visão de conjunto que cer-
tamente deve coroar todo o nosso esforço e trabalho. Deste modo,
enquanto o plano teórico-intelectual é medido pela competência
acadêmica e o plano prático pela perturbação de uma realidade que
vai se tornando cada vez mais imediata, o plano existencial da
pesquisa em Etnologia fala mais das lições que devo extrair dó
meu próprio caso. ~ por causa disso que eu a considero como. es-
sencialmente globalizadora e integradora: ela deve sintetizar a bio-
grafia com a teoria, e a prática do mundo com a do ofício.
Nesta etapa ou, antes, nesta dimensão da pesquisa, eu não me
encontro mais dialogando com índios de papel, ou com diagramas
simétricos, mas com pessol!S.Encontro-me numa aldeia concreta:-
calorenta e distante de tudo que conheci. Acb.o-me fazendo' face a
lamparmas e doença. Vejo-me diante de gente .de carne 8 osso.
Gente boa e antipática, gente llabida e estúpida, gente feia e boníta.
Estou, assim, submerSo nUD;1mundo que se situava, e depois da pes-
quisa volta a se situar, entre a realidade e o livro.
~ vivenciando esta fase que me dou conta (e não sem susto)
que estou entre dois fogos: a ~ha cultura e uma outra, o meu
mundo e um outro. De fato, tendo me preparado e me colocado
como tradutor de um outro sistema para a miriba própria lingua.
gem, eis que te~o que inici~ minha tarefà. E então verifico" inti.
mamente satisfeito, que o meu ofício - voltado para o' estudo,'dos
homens - é análogo à própria caminhada das sociedades hllmenas:
sempre na tênue linha divisória que' separa os Rnimms na detemii.
nação da natureza e os deuses que, dizem os crentes, forjam o seu
próprio destino. . . " ,,:),
Neste trabalho, procuro desenvolver esta última dimensão;.da,
pesquisa em Etnologia. Fase que, para mim e talvez para outros,
foi tão importante. . .
,.
"
i:,":
I
Durante anos, a Antropologia Social esteve preocupada em
estabelecer com precisão cada vez maior suas rotinas de pesquisa
26 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
ou. como é também chamado o exercício do ofício na sua prática
mais imediata, do trabalho de campo. Nos cursos de Antropologia
os professores mencionavam sempre a necessidade absoluta da co-
leta de um bom material, isto é, dados etnográficos que permitis.
sem um diálogo mais intenso e mais profícuo com as teorias c0-
nhecidas,. pois daí, certamente, nasceriam novas teorias - segundo
a velha e, porque não diZer, batida dialética do Prof. Robert
Merton.
Desse esforço nasceram alguns livros - na América e fora
dela -- ensinando a realizar melhor' tais rotinas. Os dois mais fa.
mosos são o notório No'es and Queries in An'hropoloB)'. produzido
pelos ingleses e, diga.se de passagem, britanicamente. produzido
. com zelo missionário, colonial e vitoriano, e o não menos famoso
Guio de Investigação de Dados Cul'urais, livro inspirado pelo Hu.
man Relations Area Files, sob a égide dos estudos "cross-culturais"
do Prof. George Peter Murdock.
São suas peças impressionantes, como são impressionantes as
monografias dos etnólogos, livros que atualizam de modo correto
e impecável essas rotinas de "como comecei fazendo um mapa da
aldeia, colhe~do duramente as genealogias dos nativos, assistindo
aos ritos funerários, procurando delimitar o tamanho de cada
roça" e "terminei descobrindo um sistema de parentesco do tipo
CnJw.Omaha, etc... ". Na realidade, livros que ensinam a fazer
pesquisa são velhos na nossa disciplina, e pode-se mesmo dizer -
sem medo de incorrer em exagero - que eles nasceram com a sua
~dação, já' que foi Henry Morgan, ele próprio, o primeiro a des-
cobrir. B.utilidade de tais rotinas, quando preparou uma série de
qUestionários de campo que foram enviados aos distantes missioná-
rios e. 'agentes diplomáticos norte-americanos para escrever o seu
supercláSsico Sys'ems 01 Consanguini&y anil Alfinity 01 the Humon
Family. (1871)1. Tal tradição é obviamente necessária e não é
meu propósito aqui tentar denegri-Ia. Não sou D. Quixote e reco-
nheço .muito bem os frutos que dela nasceram e poderão ainda
nascer..E mesmo se estivesse contra ela, o máximo qUe o bom
senso me permitiria acrescentar é que essas rotinas são como um
mal, necessário.
.! . Desejo, porém, neste trabalho. trazer à luz todo um "out~
lado" desta mesma tradição oficial e explicitamente reconhecida
pelos antropólogos, qual seja: os aspectos que aparecem nas ane.
dotas e nas reuniões de antropologia, nos coquetéis e nos momen-
1 Republicado em 1970, Anthropologiçal Publications: Oosterhout N.B.
:..:..:Holanda. Veja-se, em relação ao que foi mencionado acima, pp. viii e
ix' do Prefácio e o Apêndice'à Parte IlI, 'pp.' SlS e 55.
A VERSÃO QUALITATIVA 27
','
o.
tos menos formais. Nas cstórias que elaboram de modo tragicômico
um mal-entendido entre o pesquisador e o seu melhor informante,
de como foi duro chegar até a aldeia, das diarréias, das dificulda.
des de conseguir comida e - muito mais importante - de como
foi difícil comer naquela aldeia do Brasil Central.
Esses são os chamados aspectos "românticos" da disciplina,
quando o pesquisador se vê obrigado a atuar como médico, cozi.
nheiro, contador de histórias. mediador entre Índios e funcioná-
rios da FUNAI, viajante solitário e até palhaço, lançl;lndo mão
destes vários e insuspeitados papéis para poder bem realizar as
rotinas que infalivelmente aprendeu na escola graduada. ~ curioso
e significativo que tais aspectos sejam cunbados de "anedóticos"
e, como já disse, de "românticos", desde que se está consciente
- e não é preciso ser filósofo para tanto - que a Antropologia
Social é uma disciplina da comutação e da mediação. E com isso
quero simplesmente dizer que talvez mais do que qualquer outra
matéria devotada ao estudo do Homem, a Antropologia é aquela
onde necessariamente se estabelece uma ponte entre dois universos
(ou subuniversos) de significação, e tal ponte ou mediação é reali.
zada com um mínimo de aparato institucional ou de instrumen-
tos de mediação. Vale dizer, de modo artesanal e paciente, depen-
dendo essencialmente de humores, temperamentos, fobias e todos
os outros ingredientes das pessoas e do contato humano.
. . Se é possível e permitido uma interpretação, não há dúvida
de que todo o anedotário referente às pesquisas de campo é um
modo muito pouco imaginativo de depositar num lado obscuro do
oficio os seus pontos talvez mais importantes e mais significativos.
~ uma maneira e - quem sabe? - um modo muito envergonhado
de não assumir o lado humano e fenomenológico da disciplina, com
um temor infantil de revelar o quanto vai de subjetivo nas pesqui.
sas de campo, temor esse que é tanto maior quanto mais voltado
está o etnólogo para uma idealização do rigor nas disciplinas s0-
ciais. Numa palavra, é um modo de não assumir o ofício de etnó-
logo.integralmente, é o medo de sentir o que a Dra. Jean Carter
Lave denominou, com rara felicidade, numa carta do campo, o
anthropological blues.
r
iI
II
i

11
Por omhropological blues se quer cobrir e descobrir, de um
~ocJo mais sistemático, os aspectos interpreta tivos do ofício de etnÓo
logo. Trata.se de incorporar no campo mesmo das rotinas oficiais,
já legitimadas como parte do treinamento do antropólogo, aqueles
I
. I
28 A BUSCA DA REALIDADE OBJE11VA
.1
~:
aspectoSextraordinários, sempre prontos a emergir em todo o rela.
cionamento humano. De fato, só se tem Antropolop Social'qwm..
do se tem de algum modo o exótico, e o exótico depende int'ár,iavel-
mente da distância social, e a distância social tem como compOnen-
te a marginalidade (relativa ou absoluta), e a marginalidade se ali~
menta de um sentimento de segregação e a segregaçãó' .unpUca
estar só e tudo desemboca - para comutar rapidamente essa-longa
cadeia - na liminaridade e no estranhamento.
De tal modo que vestir a capa de etnólogo é aprender a 'reali-
zar uma dupla tarefa que pode ser grosseiramente ~ontida nas se-
guintes fórmulas: (a) transformar o exótico no familiar o(ou (b)
transformar o familiar em exótico. E, em ambos os casOs,é' neces-
sária a presença dos dois termos (q~e representam dois universoil
de significação) e, mais basicamente,' wiui vivência dos dóiS domí-
nios por um mesmo sujeito disposto a situá-los e apanhá.lo~; Numa'
certa perspectiva, essas duas transforl,Daçõesparecem se~' ~e per-
to os momentos críticos da história da própria disciplina- ASSiDié
que a primeira transformação - do exóti~ em familiar -.-:.corres:.
ponde ao movimento original da Antropoiogia quando os e~~logos
conjugaram o seu esforço na busca delibe~ada dos enigm~ ~iaíS
situados em universos de significaçãosabidamente incQ~~~ncji-
dos pelos meios sociaiS do seu tempo. E foi assim.que ~ redpZlu.:e
transformou- para citar apenas um caso elássico-9 k.u.({arinS
dos melanésios num sistema. compreensível de trocas, 8UJnentadas
por práticas rituais, políticas, jurídicas, econômicas e . religiosas,
descoberta que veio, entre outras, permitir a criação, por MareeI
Mauss, da noção basilar de fato social total, desenvolvida,logo,.apói
as pesquisas de B. Malinowsk.i."2 .. .. :
A segunda transformação parece. corresponder ao momento
presente, quando a disciplina se volta para a nossa própria.socieda-
de, num movimento semelhante a um' auto-exorcismo, Pois já não
se trata maiS de depositar no selvagem africano ou melalÍésico' o
mundo de práticas primitivas que se deseja objetificar e inventariar,
mas de descobri-Ias em nós, nas nossas instituições, na nossa práti-
ca política e religiosa. O problema é, então, o de tirar. à 'capa' de
membro de uma classe e de um grupo social especüico para poder
- como etnólogo - estranhar alguma regra social familiar e as-
sim descobrir (ou recolocar, como fazem as crianças quando per-
~'
"
I
I
12 Permito-me lembrar ao leitor que Malinowski publicou o se';;, Argc:in,-
auts 01 the Western Pacijic em 1922 e que a primeira ediçio (ranccsa..do
Essai sur le Don 6 de 1925. . ; :::~.
A VERSÃO QUALITATIVA 29
guntam OS"porquês") o exótico no que está petrüicado dentro de
nÓSpela reHicação e pelos mecanismos de legitimação.a
Essas duas transformações fundamentais do ofício de etnólogo
parecem guardar entre si uma estreita relação de homologia. 'Como
o desenrolar de uma sonata,. onde um tema é apresentado clara-
mente no seu início, desenvolvido rebuscadamente no seu curso e,
finalmente, retomado no seu epílogo. No caso das transformações
antropológicas, os movimentos sempre conduzem a um encontro.
Deste modo, a primeira transformação leva ao encontro daquilo que
a cultura do pesquisador reveste inicialmente no envelope do bi-
zarro, de tal maneira que a viagem do etnólogo é como a viagem do
herói clássico, partida em três momentos distintos e interdependen.
tes: a saída de sua sociedade, o encontro com o outro nos confins
do seu mundo social e, finalmente, o "retorno triunfal" (como
coloca Degérando) ao seu próprio grupo com os seus troféus. De
fato, o etnólogo é, na maíoria dos casos, o último agente da socie-
dade colonial já que após a rapina dos bens, da força de trabalho e
da terra segue o pesquisador para completar o inventário caniba-
lístico: ele, portanto, busca as regras, os valores, as idéias - numa
palavra, os imponderáveis da vida social que foi colonizada.
Na segunda transformação, a viagem é como a do xamã: um
movimento drástico onde, paradoxalmente, não se sai do lugar. E,
de fato, as viagens xamanisticas são viagens verticais (para dentro.
ou para cima) muito mais do que horizontais, como aeontece na
viagem clássica dos heróis homéricos.~ E não é por outra razão
que todos aqueles que realizam tais viagens para dentro e para cima
são xamãs, curadores, profetas, santos e loucos; ou seja, os que de
algum modu se dispuseram a chegar no fundo do poço de sua pró-
pria cultura. Como conseqüência, a segunda transformação conduz
igualmente a um encontro com o outro e ao estranhamento.
As duas transformações estão, pois, intimamente relacionadas
e ambas sujeitas a wna série de resíduos, nunca sendo realmente
perfeitas. De fato, o .exótico nunca pode passar a ser familiar; e o
familiar nunca deixa de ser exótico.
Mas, deixando os paradoxos para os mais bem preparados,
essas transformações indicam, num caso, um ponto de chegada (de
fato, quando o etnólog~ consegue se familiarizar com UID8cultura
diferente da sua, ele adquire competência nesta cultura) e, no ou-
3 Estou usando as noções de reificação e de legitimaçio como Berger
e Luckmann no seu A Construção Social da Realidade (Petrópolis:
Vozes, 1973).
4 Foi Peter Riviêre de Oxrord quem me sugeriu esta idéia da viagem
xamanística.
: -~................---
30 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
tro, Oponto de partida, já que o único modo de estudar um ritual
brasileiro é o de tomar tal rito como exótico. Isso significa que a.
apreensão no primeiro processo é realizada primordialmente por
uma via intelectual (a transformação do exótico em familiar é rea- .
lizada fundamentalmente por meio de apreensões cognitivas), ao
passo que, no segundo caso, é necessário um desligamento emocio- .
nal, já que a familiaridade do costume não foi obtida via intelecto,
mlls via coerção. socializadora e, assim, veio do estômago para a
c~a. Em ambos os casos, porém, a mediação é realizada por um
corpo de princípios guias (as chamadas teorias antropológicas) e
conduzida num labirinto de conflitos dramáticos que servem como
pano de fundo para as anedotas antropológicas e para acentuar o
toque romântico da nossa disciplina. Deste modo, se o meu insight
está correto, é no processo de .transformação mesmo que devemos
cuidar de buscar a definição cada vez mais precisa dos anthropolo-
gical blues.
Seria, então, possível iniciar a demarcação da área básica do
anthropological blues como aquela do elemento que se insinua na
prática etnológica, mas que não estava sendo esperado. Como um
blues, cuja melodia ganba força pela repetição das suas frases de
modo a cada vez mais se tomar perceptível. Da mesma maneira que
a tristeza e a saudade (também blues) se insinuam no processo do
trabalho de campo, causàndo surpresa ao etnólogo. g quando ele
se pergunta, como fez Claude Lévi-Strauss, "que viemos fazer aqui?
Com que esperança? Com que fim?" e, a partir desse momento,
pôde ouvir claramente as intromissões de um rotineiro estudo de
Chopin, ficar por ele obsecado e se abrir à terrível descoberta
de que a viagem apenas despertava sua própria subjetividade: "Por
um singular paradoxo, diz Lévi-Strauss, em lugar de me abrir a um
novo universo, minha vida aventurosa antes me restituía o antigo,
enquanto aquele que eu pretendera se dissolvia entre os meus dedos.
Quanto mais os homens e as paisagens a cuja conquista eu partira
perdiam, ao possuí-los, a significação que eu deles esperava, mais
essas imagens decepcionantes ainda que presentes eram substituí-
das por outras, postas em reserva por meu passado e às quais eu não
dera nenhum valor quando ainda pertenciam à realidade que me
rodeava." (Tristes Trópicos, São Paulo: Anhembi, 1956, 402 ss.).
Seria possível dizer que o elemento que se insinua no trabalho
de campo é o sentimento e a emoção. Estes seriam, para parafrasear
Lévi-Strauss, os hóspedes não convidados da situação etnográfica. E
tudo indica que tal introsão da subjetividade e da carga afetiva que
veJp.com ela, dentro da rotina intelectualizada da pesquisa antropo-
lógica, é um dado sistemático da situação. Sua manifestação assu-
A VERSÃO QUALITATIVA 31
me várias formas, indo da anedota infame contada pelo falecido
Evaos.Pritchard, quando disse que estudando os Nuer pode-se fa-
cilmente adquirir sintomas de "Nuerosis"li, até as reações mais vis-
cerais, como aquelas de Lévi-Strauss, Chagnon e Maybury-Lewis6
quando se referem à solidão, à falta de privacidade e à sujeira dosíndios.
Tais relatos parecem sugerir, dentre os muitos temas que ela-
boram, a fantástica surpresa do antropólogo diante de um verda-
deiro assalto pelas emoções. Assim é que Chagnon descreve sua
perplendade diante da sujeira dos Yanomano e, por isso mesmo,
do terrível sentimento de. penetração num mundo caótico e sem
sentido de que foi acometido nos seus primeu'os tempos de traba-
lho de campo. E Maybury-Lewis guarda para o último parágralo
do seu livro a surpresa de se saber de algum modo envolvido e ca-
paz de envolver seu informante. Assim, é no último instante do
seu relato que ficamos sabendo que Apowen - ao se despedir do
antropólogo - tinha lágrimas nos olhos. g como se na escola gra.
duada tivessem nos ensinado tudo: espere um sistema matrimonial
prescritivo, um sistema político segmentado, um sistema dualista,
etc., e jamais nos tivessem prevenido que a situação etnográfica não
é realizada num vazio e que tanto lá, quanto aqui, se pode ouvir os
anthropological blues!
Mas junto a esses momentos cruciais (a chegada e o último
dia), há - dentre as inúmeras situações destacáveis - um outro
instante que ao menos para mim se configurou como crítico: o mo.
mento da descoberta etnográfica. Quando o etnólogo consegue des-
cobrir o funcionamento de uma instituição, compreende finalmente
a operação de uma regra antes obscura. No caso da minha pesquisa,
no dia em que descobri como operava a regra da amizade formali.
zada entre os Apinayé, escrevi no meu diário em 18 de setembro
de 1970:
"Então ali estava o segredo de uma relação social mui.
to importante (a relação entre amigos formais), dada
por acaso, enquanto descobria outras coisas. Ele mos-
trava de modo iniludível a fragilidade do meu traba-
lho e da minha capacidade de exercer o meu ofício cor-
$ CI. Bvans-P~ard, The Nuer, Oxford: at the Clarendon Press,)940: J3.
6 Pura Lévi-Strauss, veja o já citado Tristes Trópicos; para Chagnon e
Nfaybury-Lewis confira, respectivamente, Yanomanu: The Flerce People.
Nova York: Rolt, Rinehart e Winston, 1968, e The Savage and The Inno-
cenl, Boston: Beacon Press, 1965.
,..
32 A BUSCADA REALIDADE OBJE11VA
retamente. Por outro lado, ela revelava a contingência
do ofício de etnóIogo, pois os dados, por assim dizer,
caem do céu como pingos de 'chuva. Cabe ao etnóIogo
não só apará-los, como conduzi-Ios em enxurrada para
o oceano das teorias correntes. De modo muito nítido
verifiquei que uma cultura e um informante são como
cartolas de mágico: tira-se alguma coisa (uma regra)
que faz sentido num dia; no outro, só conseguimos fi-
tas coloridas de baixo valor. . .
Do mesmo modo que estava preocupado, pois havia
mandado dois artigos errados para publicação e tinha
que corrigi-los imediatamente, fiquei também eufórico.
Mas minha euforia teria que ser guardada para o meu
diário, pois não havia ninguém na aldeia que comigo
pudesse compartilhar de minha descoberta. Foi assim
que escrevi uma carta para um amigo e visitei o encar-
regado do Posto no auge da euforia. Mas ele não es.
tava absolutamente interessado no meu trabalho. E,
mesmo se estivesse, não o entenderia. Num dia, à noite,
quando ele perguntou por que, afinal, estava eu ali estu-
dando índios, eu mesmo duvidei da minha resposta,
pois procurava dar sentido prático a uma atividade
que, ao menos para mim, tem muito de artesanato, de
confusão e é, assim, totalmente desligada de uma rea-
lidade instrumental.
E foi assim que tive que guardar segredo da minha
descoberta. E, à noite, depois do jantar na casa do en-
carregado, quando retomei à. minha casa, lá só pude di.
zer do meu feito a dois meninos Apinayé que vieram
para comer comigo algumas bolachas. Foi com eles e
com uma lua amarela que subiu muito tarde naquela
noite que eu compartilhei a minha solidão e o segredo da
minha minúscula vitória."
Esta passagem me parece instrutiva porque ela revela que, no
momento mesmo que o intelecto avança - na ocasião da descober-
ta - as emoções estão igualmente presentes, já que é preciso com-
partilhar o gosto da vitória e legitimar com os outros uma desco-
berta. Mas o etnólogo, nesse momento está só e, deste modo, terá
que guardar para si próprio o que foi capaz de desvendar.
E aqui se coloca novamente o paradoxo da situação etnográ.
fica: para descobrir é preciso relacionar-se e, no momento mesmo
da descoberta, o etnólogo é remetido para o seu mundo e, deste
A VERSÃO QUALITATIVA 33
. modo, isola-se novamente. O oposto ocorre com muita f~eqüência:
. envolvido por um chefe político que deseja seus favores e sua opi-
nião numa disputa, o etnólogo tem que calar e isolar-se. Emocionado
pelo pedido de apoio e temeroso por sua participação num conflito,
ele se vê obrigado a chamar a razão para neutralizar os seus senti-
mentos e, assim, continuar de fora. Da minha experiência, guardo
com muito cuidado a lembrança de uma destas situações e de outra.
muito mais emocionante, quando um indiozinho que era um misto
de secretário, guia e filho adotivo, ofereceu-me um colar. Trans-
crevo novamente um longo trecho do meu diário de 1970:
{,
"Pengi entrou na minha casa com uma cabacillha presa
a uma linha de tucum. Estava na minha mesa remoen-
do dados e coisas. Olhei para ele com o desdém do~ cano
sados e explorados, pois que diariamente c a todo o mo-
mento minha casa se enche de índios com colares para
trocas pelas minhas missangas. Cada uma dessas trocas
é um pesadelo para mim. Socializado numa cultura
onde a troca sempre implica uma tentativa de tirar
o melhor partido do parceiro, eu sempre tenho uma re-
beldia contra o abuso das trocas propostas pelos Api-
nayé': um colar velho e mal feito por um punhado sem-
pre crescente de ~as. Mas o meu ofício (em des-
ses logros, pois missangas nada valem para mim e, no
entanto, aqui estou zelando pelas minhas pCqUlHUlS
bolas coloridas como se fosse um guarda de um lmllco.
Tenho ciúme delas, estou apegado ao seu valor..- (!ue
eu mesmo estabeleci. .. Os índios chegam, ofen~ccm os
colares, s~m que eles são mal feitos, mas sabem que
eu vou trocar. E assim fazemos as trocas. São ('e7e-
nas de colares por milhares de missangas. Até 'Lu" das
acabem e a notícia corra por toda a aldeia. E, então, fi.
carei livre desse incômodo papel de comerciante. Te-
rei os colares e o trabalho cristalizado de quase todas
as mulhf'res Apinayé. E eles terão H1issarl~!ls !Jara ou-
tros colares.
Pois bem, a chegada de Pengy era sinal de mais uma
troca. "Mas ele estendeu a mão rapidamente: - Esse é
para o teu ikrá (filho), para ele brincar. . .
E, ato contínuo, saiu de casa sem olhar para trás. O
objeto estava nas minhas mãos e a saída rápida do in-
diozinho não me dava tempo para propor uma recom.
pensa. Só pude pensar no gesto como uma gentileza.
"'0.
34 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
mas ainda duvidei de tanta bondade. Pois ela não exis-
te nesta sociedade onde os homens são de mesmo V8-
lor."7
Que o leitor não deixe de observar o meu último parágrafo.
Duvidei de tanta bondade porque tive que racionalizar imediata.
mente aquela dádiva, caso contrário não estaria mais solitário. Mas
será que o etnólogo está realmente sozinho?
Os manuais de pesquisa social quase sempre colocam o pro-
. blema de modo a fazer crer que é precisamente esse o caso. Deste
modo, é o pesquisador aquele que deve se orientar para o grupo
estuaado e tentar identificar-se com ele. Não se coloca a contrapar-
tida deste mesmo processo: a identificação dos nativos com o siste.
ma que o pesquisador carrega com ele, um sistema formado entre
o etnólogo e aqueles nativos que consegue aliciar - pela simpatia,
amizade, dinheiro, presentes e Deus sabe mais como I - para que
lhe digam segredos, rompam com lealdades, forneçam.lhe lampejos
novos sobre a cultura e a sociedade em estudo.
Afinal, tudo é fundado na alterilidade em Antropologia: pois
só existe antropólogo quando há um nativo transformado em in-
formante. E só há dados quando há um processo de empatia cor-
rendo de lado a lado.'É isso que permite ao informante contar mais
um mito, elaborar com novos dados uma relação social e discutir
os motivos de um líder político de sua aldeia. São justamente esses
nativos (transformados em informantes e em etnólogos) que sal-
vam o pesquisador do marasmo do dia-a.dia da aldeia: do nascer e
pôr.do-sol, do gado, da mandioca, do milho e das fossas sanitá-
rias.
Tudo isso parece indicar que o etnólogo nunca está só. Real-
mente, no meio de um sistema de regras ainda exótico e que é seu
objetivo tomar familiar, ele está relacionado - e mais do que
nunca ligado - a sua própria cultura. E quando o familiar come-
ça a se desenhar na sua consciência, quando o trabalho termina, o
antropólogo retoma com aqueles pedaços de imagens e de pessoas
que conheceu melhor do que ninguém. Mas situadas fora do aI.
cance imediato do seu próprio mundo, elas apenas instigam e tra.
zem à luz uma ligação nostálgica, aquela dos anthropological blues.
., Para um estudo da organização social desta sociedade, veja-se Rober.
to Da MaUa, Um Mundo Dividido: A Estrutura Social dos ApinaY'.
Petr6DOIis:Vozes, 1976.
-.
"1,
:.:
A VERSÃO QUALITATIVA 35
111
'Mas o que se pode deduzir de todas essas observações e de to-
t.das essas impressões que formam o processo que denominei ano
.thropological blues?
. Uma dedução possível, entre muitas outras, é a de que, em
Antropologia, é -preciso recuperar esse lado extraordinário das rela-
ções pesquisador/nativo. Se este é o lado menos rotineiro e o
mais difícil de ser apanhado da situação antropológica, é certamen-
te porque ele se constitui no aspecto mais humano da nossa rotina.
É o que realmente permite escrever a boa etnografia. Porque sem
ele, como coloca Geertz, manipulando habilmente um exemplo do
filósofo inglês Ryle, não se distingue um piscar de olhos de uma piso
cadela marota. E é isso, precisamente, que distingue a "descrição
densa" - tipicamente antropológica - da descrição inversa, fo-
. tográfica ou mecânica, do viajante ou do missionário.8 Mas para
distinguir o piscar mecânico e fisiológico de uma piscadela sutil e
comunicativa, é preciso sentir a marginalidade, a solidiío e a sau-
dade. É preciso cruzar os caminhos da empatia e da humildade. .
Essa descoberta da Antropologia Social como materia interpre-
tativa segue, por outro lado, uma tendência da disciplina. Tendên-
cia que modernamente parece marcar sua passagem de uma ciên-
cia natural da sociedade, como queriam os empiricistas ingleses e
americanos, para uma ciência interpretativa, destinada antes de
tudo a confrontar subjetividades e delas tratar. De fato, neste pIa.
no não seria exagero afirmar que a Antropologia é um mecanismo
dos mais importantes para deslocar nossa própria subjetividade. E
o problema, como assume Louis Dumont, entre outros, não pilre-
ce propriamente ser o de estudar as castas da lndia para 'conhece-
Ias integralmente, tarefa impossível e que exigiria muito mais do
que o intelecto, mas - isso sim - permitir dialogar com as for-
mas hierárquicas que convivem conosco. É a admissão - roman-
tismo e anthropological blues aparte - de que o homem não se en.
xerga sozinho. E que ele precisa do outro como seu espelho e seu
guia. .
.: ~
'o;.
---
" Cf. Clifford Geertz, The Interpretation of Cultures. Nova Yorki. Basie
Books, 1973. [A ser publicado brevemente por Zahar EditQres.}
. .~
~~.

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O ofício de etnólogo ou como ter anthropological blues, Roberto Damata

  • 1. f! .(J.M.. Nu nJ.6, bd~ ot.L o&.'VelR..a.. (Pt-i ,4 . A-vV1~;e,a- ~L:ÚJtoy/~ «;'0 cLt r~: ..z",k,e / 191 J' 1 o Ofício de Etnólogo,ou como Ter "Anthropological Blues" * ROBERTO DA MATA This g/ory. the sweetest, the true.. or rather the only true glory. awaits you. encompasses you already; you wÜ/ know al/ its bril/iance on that day 01 triumph and ioy on which. returning to your country. we/comed amid our delight. you will arrive in our walls. loaded with the niost pre. cious apoils. and bearers 01 happy tidings 01 our brothers scattered in the uttermost confines 01 the Universe. Degérando.. Introdução Em EtnoIogia, como nos "ritos de passagem", existem três fases (ou pJanos) fundamentais quando se trata de discorrer sobre . Trablllho apresentado na Universidade de Brasfiia, junto ao Departa- mento de Ciências Sociais. no Simpósio sobre Trabalho-de-Oampo, ali realizado. Expresso meus agradecimentos aos Profs. Roberto Cardoso de Oliveira e Kenneth Taylor. que na época eram, rc;spectivamente, Chefe do Departamento de Ciências Sociais"" Coordenadot' do Curso de..Mes- trado de Antropologia Social, pelo convite. Posterionnente, o texto foi publicado no Museu Nacional como Comunicação n.O I, Setembro, 1974, em edição mimeografada. Desejo agradecer a Gilberto Velho, Luiz de Castro Faria e Anthony Seeger pelas sugestões e encorajamento, quando da preparação das duas versões deste trabalho. .. loseph-Marie Degérando. The Observation 01 Savage Peop/es (1800). traduzido. do francês por F.C.T. Moore, Berkeley e Los Angeles: Uni- versity Of Califomia Press. 1969. , .=.1
  • 2. 24 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA as etapas de uma pesquisa, vista pelo prisma do seu cotidiano. A primeira, é aquela caracterizada pelo uso e até abuso da cabeça, quando ainda não temos nenhum contato com os seres humanos que, vivendo em grupos, constituem-se nos nossos objetos de tra. balho. ~ a fase ou plano que denomino de teórico-intelectual, mar- cada pelo divórcio entre o futuro pesquisador e a tribo, a classe social, o mito, o grupo, a categoria cognitiva, o ritual, o bairro, o sistema de relações sociais e de parentesco, o modo de produção, o sistema político e todos os outros dominios, em sua lista infindá- vel, que certamente fazem parte daquilo que se busca ver, enca- rar, enxergar, perceber, estudar, classificar, interpretar, explicar, etc. .. Mas esse divórcio - e é bom que se diga isso claramente - não diz respeito somente à ignorância do estudante. Ao contrá. rio, ele fala precisamente de um excesso de conhecimento, mas de um conhecer que é teórico, universal e mediatizado não pelo con- creto e sobretudo pelo específico, mas pelo abstrato e pelo não vivenciado. Pelos livros, ensaios e artigos: pelos outros. Na fase teórico-intelectual, as aldeias são diagramas, os ma. trimônios ,se resolvem em desenhos geométricos perfeitamente si. métricos e' equilibrados, a patrolJ4lgem e a clientela política apa. recem em regras ordenadas, a' própria espoliação passa a seguir leis' ~ os índiOs são de papel. Nunca ou muito raramente se pensa em coisas específicas; que dizem respeito à minha experiên. cia, quando o conhecimeJ;1toé permeabilizado por cheiros, cores, dores é amores. Perdas, ansiedades e medos, todos esses intrusos que os livros, sob,.,tudo os famigerados "manuais" das Ciências Sociais teimam por ignorar. " Uma segunda fase, que vem depois dessa que acabo de apre- sentar, pode ser denominada de período prático. Ela diz respeito; essencialmente,_a nossa antevéspera de p~squisa. De fato, trata.se daquela semana que tooos cuja pesquisa implicou uma mudança drástica experimentaram, quando a nossa preocupação muda subi- tamente das teorias mais universais para os problemas mais banalmente concretos. A pergunta, então, não é mais se o grupo X tem ou não linhagens segmentadas, à moda dos Nuer, Tallensi ou Tiv, ou se a tribo Y tem corridas de tora e metades cerimoniais, como os Krahó ou Apinayé, mas de planejar a quantidade de arroz e remédios que deverei levar para o campo comigo. Observo que a oscilação do pêndulo da existência para tais questões - onde vou dormir, comer, viver - não é nada agra. dável. Especialmente quando o nosso treinamento tende a ser ex. cessivamente verbal e teórico, ou quando somos socializados numa cultura que nos ensina sistemll'camente o conformismo, esse filho A VERSÃo QUALJTA11VA 25 ( da autoridadecom a generalidade,a lei e a regra. No plono prá- tico, portanto, já não se trata de citar a experiência. de algum he- rói-civilizador da disciplina, mas de colocar o problema fundamen- tal na Antropologia, qual seja: o da especificidade e relatividade de sua própria experiência. . A fase final, a terceira, é a que. chamo de pessoal ou emten. cial. Aqui, não temos mais divisões nítidas entre as etapas da nossa formação científica ou acadêmica, mas por uma espécie de prolongamento de tudo isso, uma certa visão de conjunto que cer- tamente deve coroar todo o nosso esforço e trabalho. Deste modo, enquanto o plano teórico-intelectual é medido pela competência acadêmica e o plano prático pela perturbação de uma realidade que vai se tornando cada vez mais imediata, o plano existencial da pesquisa em Etnologia fala mais das lições que devo extrair dó meu próprio caso. ~ por causa disso que eu a considero como. es- sencialmente globalizadora e integradora: ela deve sintetizar a bio- grafia com a teoria, e a prática do mundo com a do ofício. Nesta etapa ou, antes, nesta dimensão da pesquisa, eu não me encontro mais dialogando com índios de papel, ou com diagramas simétricos, mas com pessol!S.Encontro-me numa aldeia concreta:- calorenta e distante de tudo que conheci. Acb.o-me fazendo' face a lamparmas e doença. Vejo-me diante de gente .de carne 8 osso. Gente boa e antipática, gente llabida e estúpida, gente feia e boníta. Estou, assim, submerSo nUD;1mundo que se situava, e depois da pes- quisa volta a se situar, entre a realidade e o livro. ~ vivenciando esta fase que me dou conta (e não sem susto) que estou entre dois fogos: a ~ha cultura e uma outra, o meu mundo e um outro. De fato, tendo me preparado e me colocado como tradutor de um outro sistema para a miriba própria lingua. gem, eis que te~o que inici~ minha tarefà. E então verifico" inti. mamente satisfeito, que o meu ofício - voltado para o' estudo,'dos homens - é análogo à própria caminhada das sociedades hllmenas: sempre na tênue linha divisória que' separa os Rnimms na detemii. nação da natureza e os deuses que, dizem os crentes, forjam o seu próprio destino. . . " ,,:), Neste trabalho, procuro desenvolver esta última dimensão;.da, pesquisa em Etnologia. Fase que, para mim e talvez para outros, foi tão importante. . . ,. " i:,": I Durante anos, a Antropologia Social esteve preocupada em estabelecer com precisão cada vez maior suas rotinas de pesquisa
  • 3. 26 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA ou. como é também chamado o exercício do ofício na sua prática mais imediata, do trabalho de campo. Nos cursos de Antropologia os professores mencionavam sempre a necessidade absoluta da co- leta de um bom material, isto é, dados etnográficos que permitis. sem um diálogo mais intenso e mais profícuo com as teorias c0- nhecidas,. pois daí, certamente, nasceriam novas teorias - segundo a velha e, porque não diZer, batida dialética do Prof. Robert Merton. Desse esforço nasceram alguns livros - na América e fora dela -- ensinando a realizar melhor' tais rotinas. Os dois mais fa. mosos são o notório No'es and Queries in An'hropoloB)'. produzido pelos ingleses e, diga.se de passagem, britanicamente. produzido . com zelo missionário, colonial e vitoriano, e o não menos famoso Guio de Investigação de Dados Cul'urais, livro inspirado pelo Hu. man Relations Area Files, sob a égide dos estudos "cross-culturais" do Prof. George Peter Murdock. São suas peças impressionantes, como são impressionantes as monografias dos etnólogos, livros que atualizam de modo correto e impecável essas rotinas de "como comecei fazendo um mapa da aldeia, colhe~do duramente as genealogias dos nativos, assistindo aos ritos funerários, procurando delimitar o tamanho de cada roça" e "terminei descobrindo um sistema de parentesco do tipo CnJw.Omaha, etc... ". Na realidade, livros que ensinam a fazer pesquisa são velhos na nossa disciplina, e pode-se mesmo dizer - sem medo de incorrer em exagero - que eles nasceram com a sua ~dação, já' que foi Henry Morgan, ele próprio, o primeiro a des- cobrir. B.utilidade de tais rotinas, quando preparou uma série de qUestionários de campo que foram enviados aos distantes missioná- rios e. 'agentes diplomáticos norte-americanos para escrever o seu supercláSsico Sys'ems 01 Consanguini&y anil Alfinity 01 the Humon Family. (1871)1. Tal tradição é obviamente necessária e não é meu propósito aqui tentar denegri-Ia. Não sou D. Quixote e reco- nheço .muito bem os frutos que dela nasceram e poderão ainda nascer..E mesmo se estivesse contra ela, o máximo qUe o bom senso me permitiria acrescentar é que essas rotinas são como um mal, necessário. .! . Desejo, porém, neste trabalho. trazer à luz todo um "out~ lado" desta mesma tradição oficial e explicitamente reconhecida pelos antropólogos, qual seja: os aspectos que aparecem nas ane. dotas e nas reuniões de antropologia, nos coquetéis e nos momen- 1 Republicado em 1970, Anthropologiçal Publications: Oosterhout N.B. :..:..:Holanda. Veja-se, em relação ao que foi mencionado acima, pp. viii e ix' do Prefácio e o Apêndice'à Parte IlI, 'pp.' SlS e 55. A VERSÃO QUALITATIVA 27 ',' o. tos menos formais. Nas cstórias que elaboram de modo tragicômico um mal-entendido entre o pesquisador e o seu melhor informante, de como foi duro chegar até a aldeia, das diarréias, das dificulda. des de conseguir comida e - muito mais importante - de como foi difícil comer naquela aldeia do Brasil Central. Esses são os chamados aspectos "românticos" da disciplina, quando o pesquisador se vê obrigado a atuar como médico, cozi. nheiro, contador de histórias. mediador entre Índios e funcioná- rios da FUNAI, viajante solitário e até palhaço, lançl;lndo mão destes vários e insuspeitados papéis para poder bem realizar as rotinas que infalivelmente aprendeu na escola graduada. ~ curioso e significativo que tais aspectos sejam cunbados de "anedóticos" e, como já disse, de "românticos", desde que se está consciente - e não é preciso ser filósofo para tanto - que a Antropologia Social é uma disciplina da comutação e da mediação. E com isso quero simplesmente dizer que talvez mais do que qualquer outra matéria devotada ao estudo do Homem, a Antropologia é aquela onde necessariamente se estabelece uma ponte entre dois universos (ou subuniversos) de significação, e tal ponte ou mediação é reali. zada com um mínimo de aparato institucional ou de instrumen- tos de mediação. Vale dizer, de modo artesanal e paciente, depen- dendo essencialmente de humores, temperamentos, fobias e todos os outros ingredientes das pessoas e do contato humano. . . Se é possível e permitido uma interpretação, não há dúvida de que todo o anedotário referente às pesquisas de campo é um modo muito pouco imaginativo de depositar num lado obscuro do oficio os seus pontos talvez mais importantes e mais significativos. ~ uma maneira e - quem sabe? - um modo muito envergonhado de não assumir o lado humano e fenomenológico da disciplina, com um temor infantil de revelar o quanto vai de subjetivo nas pesqui. sas de campo, temor esse que é tanto maior quanto mais voltado está o etnólogo para uma idealização do rigor nas disciplinas s0- ciais. Numa palavra, é um modo de não assumir o ofício de etnó- logo.integralmente, é o medo de sentir o que a Dra. Jean Carter Lave denominou, com rara felicidade, numa carta do campo, o anthropological blues. r iI II i 11 Por omhropological blues se quer cobrir e descobrir, de um ~ocJo mais sistemático, os aspectos interpreta tivos do ofício de etnÓo logo. Trata.se de incorporar no campo mesmo das rotinas oficiais, já legitimadas como parte do treinamento do antropólogo, aqueles
  • 4. I . I 28 A BUSCA DA REALIDADE OBJE11VA .1 ~: aspectoSextraordinários, sempre prontos a emergir em todo o rela. cionamento humano. De fato, só se tem Antropolop Social'qwm.. do se tem de algum modo o exótico, e o exótico depende int'ár,iavel- mente da distância social, e a distância social tem como compOnen- te a marginalidade (relativa ou absoluta), e a marginalidade se ali~ menta de um sentimento de segregação e a segregaçãó' .unpUca estar só e tudo desemboca - para comutar rapidamente essa-longa cadeia - na liminaridade e no estranhamento. De tal modo que vestir a capa de etnólogo é aprender a 'reali- zar uma dupla tarefa que pode ser grosseiramente ~ontida nas se- guintes fórmulas: (a) transformar o exótico no familiar o(ou (b) transformar o familiar em exótico. E, em ambos os casOs,é' neces- sária a presença dos dois termos (q~e representam dois universoil de significação) e, mais basicamente,' wiui vivência dos dóiS domí- nios por um mesmo sujeito disposto a situá-los e apanhá.lo~; Numa' certa perspectiva, essas duas transforl,Daçõesparecem se~' ~e per- to os momentos críticos da história da própria disciplina- ASSiDié que a primeira transformação - do exóti~ em familiar -.-:.corres:. ponde ao movimento original da Antropoiogia quando os e~~logos conjugaram o seu esforço na busca delibe~ada dos enigm~ ~iaíS situados em universos de significaçãosabidamente incQ~~~ncji- dos pelos meios sociaiS do seu tempo. E foi assim.que ~ redpZlu.:e transformou- para citar apenas um caso elássico-9 k.u.({arinS dos melanésios num sistema. compreensível de trocas, 8UJnentadas por práticas rituais, políticas, jurídicas, econômicas e . religiosas, descoberta que veio, entre outras, permitir a criação, por MareeI Mauss, da noção basilar de fato social total, desenvolvida,logo,.apói as pesquisas de B. Malinowsk.i."2 .. .. : A segunda transformação parece. corresponder ao momento presente, quando a disciplina se volta para a nossa própria.socieda- de, num movimento semelhante a um' auto-exorcismo, Pois já não se trata maiS de depositar no selvagem africano ou melalÍésico' o mundo de práticas primitivas que se deseja objetificar e inventariar, mas de descobri-Ias em nós, nas nossas instituições, na nossa práti- ca política e religiosa. O problema é, então, o de tirar. à 'capa' de membro de uma classe e de um grupo social especüico para poder - como etnólogo - estranhar alguma regra social familiar e as- sim descobrir (ou recolocar, como fazem as crianças quando per- ~' " I I 12 Permito-me lembrar ao leitor que Malinowski publicou o se';;, Argc:in,- auts 01 the Western Pacijic em 1922 e que a primeira ediçio (ranccsa..do Essai sur le Don 6 de 1925. . ; :::~. A VERSÃO QUALITATIVA 29 guntam OS"porquês") o exótico no que está petrüicado dentro de nÓSpela reHicação e pelos mecanismos de legitimação.a Essas duas transformações fundamentais do ofício de etnólogo parecem guardar entre si uma estreita relação de homologia. 'Como o desenrolar de uma sonata,. onde um tema é apresentado clara- mente no seu início, desenvolvido rebuscadamente no seu curso e, finalmente, retomado no seu epílogo. No caso das transformações antropológicas, os movimentos sempre conduzem a um encontro. Deste modo, a primeira transformação leva ao encontro daquilo que a cultura do pesquisador reveste inicialmente no envelope do bi- zarro, de tal maneira que a viagem do etnólogo é como a viagem do herói clássico, partida em três momentos distintos e interdependen. tes: a saída de sua sociedade, o encontro com o outro nos confins do seu mundo social e, finalmente, o "retorno triunfal" (como coloca Degérando) ao seu próprio grupo com os seus troféus. De fato, o etnólogo é, na maíoria dos casos, o último agente da socie- dade colonial já que após a rapina dos bens, da força de trabalho e da terra segue o pesquisador para completar o inventário caniba- lístico: ele, portanto, busca as regras, os valores, as idéias - numa palavra, os imponderáveis da vida social que foi colonizada. Na segunda transformação, a viagem é como a do xamã: um movimento drástico onde, paradoxalmente, não se sai do lugar. E, de fato, as viagens xamanisticas são viagens verticais (para dentro. ou para cima) muito mais do que horizontais, como aeontece na viagem clássica dos heróis homéricos.~ E não é por outra razão que todos aqueles que realizam tais viagens para dentro e para cima são xamãs, curadores, profetas, santos e loucos; ou seja, os que de algum modu se dispuseram a chegar no fundo do poço de sua pró- pria cultura. Como conseqüência, a segunda transformação conduz igualmente a um encontro com o outro e ao estranhamento. As duas transformações estão, pois, intimamente relacionadas e ambas sujeitas a wna série de resíduos, nunca sendo realmente perfeitas. De fato, o .exótico nunca pode passar a ser familiar; e o familiar nunca deixa de ser exótico. Mas, deixando os paradoxos para os mais bem preparados, essas transformações indicam, num caso, um ponto de chegada (de fato, quando o etnólog~ consegue se familiarizar com UID8cultura diferente da sua, ele adquire competência nesta cultura) e, no ou- 3 Estou usando as noções de reificação e de legitimaçio como Berger e Luckmann no seu A Construção Social da Realidade (Petrópolis: Vozes, 1973). 4 Foi Peter Riviêre de Oxrord quem me sugeriu esta idéia da viagem xamanística. : -~................---
  • 5. 30 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA tro, Oponto de partida, já que o único modo de estudar um ritual brasileiro é o de tomar tal rito como exótico. Isso significa que a. apreensão no primeiro processo é realizada primordialmente por uma via intelectual (a transformação do exótico em familiar é rea- . lizada fundamentalmente por meio de apreensões cognitivas), ao passo que, no segundo caso, é necessário um desligamento emocio- . nal, já que a familiaridade do costume não foi obtida via intelecto, mlls via coerção. socializadora e, assim, veio do estômago para a c~a. Em ambos os casos, porém, a mediação é realizada por um corpo de princípios guias (as chamadas teorias antropológicas) e conduzida num labirinto de conflitos dramáticos que servem como pano de fundo para as anedotas antropológicas e para acentuar o toque romântico da nossa disciplina. Deste modo, se o meu insight está correto, é no processo de .transformação mesmo que devemos cuidar de buscar a definição cada vez mais precisa dos anthropolo- gical blues. Seria, então, possível iniciar a demarcação da área básica do anthropological blues como aquela do elemento que se insinua na prática etnológica, mas que não estava sendo esperado. Como um blues, cuja melodia ganba força pela repetição das suas frases de modo a cada vez mais se tomar perceptível. Da mesma maneira que a tristeza e a saudade (também blues) se insinuam no processo do trabalho de campo, causàndo surpresa ao etnólogo. g quando ele se pergunta, como fez Claude Lévi-Strauss, "que viemos fazer aqui? Com que esperança? Com que fim?" e, a partir desse momento, pôde ouvir claramente as intromissões de um rotineiro estudo de Chopin, ficar por ele obsecado e se abrir à terrível descoberta de que a viagem apenas despertava sua própria subjetividade: "Por um singular paradoxo, diz Lévi-Strauss, em lugar de me abrir a um novo universo, minha vida aventurosa antes me restituía o antigo, enquanto aquele que eu pretendera se dissolvia entre os meus dedos. Quanto mais os homens e as paisagens a cuja conquista eu partira perdiam, ao possuí-los, a significação que eu deles esperava, mais essas imagens decepcionantes ainda que presentes eram substituí- das por outras, postas em reserva por meu passado e às quais eu não dera nenhum valor quando ainda pertenciam à realidade que me rodeava." (Tristes Trópicos, São Paulo: Anhembi, 1956, 402 ss.). Seria possível dizer que o elemento que se insinua no trabalho de campo é o sentimento e a emoção. Estes seriam, para parafrasear Lévi-Strauss, os hóspedes não convidados da situação etnográfica. E tudo indica que tal introsão da subjetividade e da carga afetiva que veJp.com ela, dentro da rotina intelectualizada da pesquisa antropo- lógica, é um dado sistemático da situação. Sua manifestação assu- A VERSÃO QUALITATIVA 31 me várias formas, indo da anedota infame contada pelo falecido Evaos.Pritchard, quando disse que estudando os Nuer pode-se fa- cilmente adquirir sintomas de "Nuerosis"li, até as reações mais vis- cerais, como aquelas de Lévi-Strauss, Chagnon e Maybury-Lewis6 quando se referem à solidão, à falta de privacidade e à sujeira dosíndios. Tais relatos parecem sugerir, dentre os muitos temas que ela- boram, a fantástica surpresa do antropólogo diante de um verda- deiro assalto pelas emoções. Assim é que Chagnon descreve sua perplendade diante da sujeira dos Yanomano e, por isso mesmo, do terrível sentimento de. penetração num mundo caótico e sem sentido de que foi acometido nos seus primeu'os tempos de traba- lho de campo. E Maybury-Lewis guarda para o último parágralo do seu livro a surpresa de se saber de algum modo envolvido e ca- paz de envolver seu informante. Assim, é no último instante do seu relato que ficamos sabendo que Apowen - ao se despedir do antropólogo - tinha lágrimas nos olhos. g como se na escola gra. duada tivessem nos ensinado tudo: espere um sistema matrimonial prescritivo, um sistema político segmentado, um sistema dualista, etc., e jamais nos tivessem prevenido que a situação etnográfica não é realizada num vazio e que tanto lá, quanto aqui, se pode ouvir os anthropological blues! Mas junto a esses momentos cruciais (a chegada e o último dia), há - dentre as inúmeras situações destacáveis - um outro instante que ao menos para mim se configurou como crítico: o mo. mento da descoberta etnográfica. Quando o etnólogo consegue des- cobrir o funcionamento de uma instituição, compreende finalmente a operação de uma regra antes obscura. No caso da minha pesquisa, no dia em que descobri como operava a regra da amizade formali. zada entre os Apinayé, escrevi no meu diário em 18 de setembro de 1970: "Então ali estava o segredo de uma relação social mui. to importante (a relação entre amigos formais), dada por acaso, enquanto descobria outras coisas. Ele mos- trava de modo iniludível a fragilidade do meu traba- lho e da minha capacidade de exercer o meu ofício cor- $ CI. Bvans-P~ard, The Nuer, Oxford: at the Clarendon Press,)940: J3. 6 Pura Lévi-Strauss, veja o já citado Tristes Trópicos; para Chagnon e Nfaybury-Lewis confira, respectivamente, Yanomanu: The Flerce People. Nova York: Rolt, Rinehart e Winston, 1968, e The Savage and The Inno- cenl, Boston: Beacon Press, 1965. ,..
  • 6. 32 A BUSCADA REALIDADE OBJE11VA retamente. Por outro lado, ela revelava a contingência do ofício de etnóIogo, pois os dados, por assim dizer, caem do céu como pingos de 'chuva. Cabe ao etnóIogo não só apará-los, como conduzi-Ios em enxurrada para o oceano das teorias correntes. De modo muito nítido verifiquei que uma cultura e um informante são como cartolas de mágico: tira-se alguma coisa (uma regra) que faz sentido num dia; no outro, só conseguimos fi- tas coloridas de baixo valor. . . Do mesmo modo que estava preocupado, pois havia mandado dois artigos errados para publicação e tinha que corrigi-los imediatamente, fiquei também eufórico. Mas minha euforia teria que ser guardada para o meu diário, pois não havia ninguém na aldeia que comigo pudesse compartilhar de minha descoberta. Foi assim que escrevi uma carta para um amigo e visitei o encar- regado do Posto no auge da euforia. Mas ele não es. tava absolutamente interessado no meu trabalho. E, mesmo se estivesse, não o entenderia. Num dia, à noite, quando ele perguntou por que, afinal, estava eu ali estu- dando índios, eu mesmo duvidei da minha resposta, pois procurava dar sentido prático a uma atividade que, ao menos para mim, tem muito de artesanato, de confusão e é, assim, totalmente desligada de uma rea- lidade instrumental. E foi assim que tive que guardar segredo da minha descoberta. E, à noite, depois do jantar na casa do en- carregado, quando retomei à. minha casa, lá só pude di. zer do meu feito a dois meninos Apinayé que vieram para comer comigo algumas bolachas. Foi com eles e com uma lua amarela que subiu muito tarde naquela noite que eu compartilhei a minha solidão e o segredo da minha minúscula vitória." Esta passagem me parece instrutiva porque ela revela que, no momento mesmo que o intelecto avança - na ocasião da descober- ta - as emoções estão igualmente presentes, já que é preciso com- partilhar o gosto da vitória e legitimar com os outros uma desco- berta. Mas o etnólogo, nesse momento está só e, deste modo, terá que guardar para si próprio o que foi capaz de desvendar. E aqui se coloca novamente o paradoxo da situação etnográ. fica: para descobrir é preciso relacionar-se e, no momento mesmo da descoberta, o etnólogo é remetido para o seu mundo e, deste A VERSÃO QUALITATIVA 33 . modo, isola-se novamente. O oposto ocorre com muita f~eqüência: . envolvido por um chefe político que deseja seus favores e sua opi- nião numa disputa, o etnólogo tem que calar e isolar-se. Emocionado pelo pedido de apoio e temeroso por sua participação num conflito, ele se vê obrigado a chamar a razão para neutralizar os seus senti- mentos e, assim, continuar de fora. Da minha experiência, guardo com muito cuidado a lembrança de uma destas situações e de outra. muito mais emocionante, quando um indiozinho que era um misto de secretário, guia e filho adotivo, ofereceu-me um colar. Trans- crevo novamente um longo trecho do meu diário de 1970: {, "Pengi entrou na minha casa com uma cabacillha presa a uma linha de tucum. Estava na minha mesa remoen- do dados e coisas. Olhei para ele com o desdém do~ cano sados e explorados, pois que diariamente c a todo o mo- mento minha casa se enche de índios com colares para trocas pelas minhas missangas. Cada uma dessas trocas é um pesadelo para mim. Socializado numa cultura onde a troca sempre implica uma tentativa de tirar o melhor partido do parceiro, eu sempre tenho uma re- beldia contra o abuso das trocas propostas pelos Api- nayé': um colar velho e mal feito por um punhado sem- pre crescente de ~as. Mas o meu ofício (em des- ses logros, pois missangas nada valem para mim e, no entanto, aqui estou zelando pelas minhas pCqUlHUlS bolas coloridas como se fosse um guarda de um lmllco. Tenho ciúme delas, estou apegado ao seu valor..- (!ue eu mesmo estabeleci. .. Os índios chegam, ofen~ccm os colares, s~m que eles são mal feitos, mas sabem que eu vou trocar. E assim fazemos as trocas. São ('e7e- nas de colares por milhares de missangas. Até 'Lu" das acabem e a notícia corra por toda a aldeia. E, então, fi. carei livre desse incômodo papel de comerciante. Te- rei os colares e o trabalho cristalizado de quase todas as mulhf'res Apinayé. E eles terão H1issarl~!ls !Jara ou- tros colares. Pois bem, a chegada de Pengy era sinal de mais uma troca. "Mas ele estendeu a mão rapidamente: - Esse é para o teu ikrá (filho), para ele brincar. . . E, ato contínuo, saiu de casa sem olhar para trás. O objeto estava nas minhas mãos e a saída rápida do in- diozinho não me dava tempo para propor uma recom. pensa. Só pude pensar no gesto como uma gentileza. "'0.
  • 7. 34 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA mas ainda duvidei de tanta bondade. Pois ela não exis- te nesta sociedade onde os homens são de mesmo V8- lor."7 Que o leitor não deixe de observar o meu último parágrafo. Duvidei de tanta bondade porque tive que racionalizar imediata. mente aquela dádiva, caso contrário não estaria mais solitário. Mas será que o etnólogo está realmente sozinho? Os manuais de pesquisa social quase sempre colocam o pro- . blema de modo a fazer crer que é precisamente esse o caso. Deste modo, é o pesquisador aquele que deve se orientar para o grupo estuaado e tentar identificar-se com ele. Não se coloca a contrapar- tida deste mesmo processo: a identificação dos nativos com o siste. ma que o pesquisador carrega com ele, um sistema formado entre o etnólogo e aqueles nativos que consegue aliciar - pela simpatia, amizade, dinheiro, presentes e Deus sabe mais como I - para que lhe digam segredos, rompam com lealdades, forneçam.lhe lampejos novos sobre a cultura e a sociedade em estudo. Afinal, tudo é fundado na alterilidade em Antropologia: pois só existe antropólogo quando há um nativo transformado em in- formante. E só há dados quando há um processo de empatia cor- rendo de lado a lado.'É isso que permite ao informante contar mais um mito, elaborar com novos dados uma relação social e discutir os motivos de um líder político de sua aldeia. São justamente esses nativos (transformados em informantes e em etnólogos) que sal- vam o pesquisador do marasmo do dia-a.dia da aldeia: do nascer e pôr.do-sol, do gado, da mandioca, do milho e das fossas sanitá- rias. Tudo isso parece indicar que o etnólogo nunca está só. Real- mente, no meio de um sistema de regras ainda exótico e que é seu objetivo tomar familiar, ele está relacionado - e mais do que nunca ligado - a sua própria cultura. E quando o familiar come- ça a se desenhar na sua consciência, quando o trabalho termina, o antropólogo retoma com aqueles pedaços de imagens e de pessoas que conheceu melhor do que ninguém. Mas situadas fora do aI. cance imediato do seu próprio mundo, elas apenas instigam e tra. zem à luz uma ligação nostálgica, aquela dos anthropological blues. ., Para um estudo da organização social desta sociedade, veja-se Rober. to Da MaUa, Um Mundo Dividido: A Estrutura Social dos ApinaY'. Petr6DOIis:Vozes, 1976. -. "1, :.: A VERSÃO QUALITATIVA 35 111 'Mas o que se pode deduzir de todas essas observações e de to- t.das essas impressões que formam o processo que denominei ano .thropological blues? . Uma dedução possível, entre muitas outras, é a de que, em Antropologia, é -preciso recuperar esse lado extraordinário das rela- ções pesquisador/nativo. Se este é o lado menos rotineiro e o mais difícil de ser apanhado da situação antropológica, é certamen- te porque ele se constitui no aspecto mais humano da nossa rotina. É o que realmente permite escrever a boa etnografia. Porque sem ele, como coloca Geertz, manipulando habilmente um exemplo do filósofo inglês Ryle, não se distingue um piscar de olhos de uma piso cadela marota. E é isso, precisamente, que distingue a "descrição densa" - tipicamente antropológica - da descrição inversa, fo- . tográfica ou mecânica, do viajante ou do missionário.8 Mas para distinguir o piscar mecânico e fisiológico de uma piscadela sutil e comunicativa, é preciso sentir a marginalidade, a solidiío e a sau- dade. É preciso cruzar os caminhos da empatia e da humildade. . Essa descoberta da Antropologia Social como materia interpre- tativa segue, por outro lado, uma tendência da disciplina. Tendên- cia que modernamente parece marcar sua passagem de uma ciên- cia natural da sociedade, como queriam os empiricistas ingleses e americanos, para uma ciência interpretativa, destinada antes de tudo a confrontar subjetividades e delas tratar. De fato, neste pIa. no não seria exagero afirmar que a Antropologia é um mecanismo dos mais importantes para deslocar nossa própria subjetividade. E o problema, como assume Louis Dumont, entre outros, não pilre- ce propriamente ser o de estudar as castas da lndia para 'conhece- Ias integralmente, tarefa impossível e que exigiria muito mais do que o intelecto, mas - isso sim - permitir dialogar com as for- mas hierárquicas que convivem conosco. É a admissão - roman- tismo e anthropological blues aparte - de que o homem não se en. xerga sozinho. E que ele precisa do outro como seu espelho e seu guia. . .: ~ 'o;. --- " Cf. Clifford Geertz, The Interpretation of Cultures. Nova Yorki. Basie Books, 1973. [A ser publicado brevemente por Zahar EditQres.} . .~ ~~.