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CAPÍTULO II
A NOVA MORADA DO SENHOR BOM JESUS
DA CRUZ
A igreja do século XVIII
____________________________________________________________
Corria ainda o século XVII quando a equipa dirigente dos destinos da irmandade
promoveu a ideia de se construir um templo junto à antiga capela do Santo Cristo, a
sudoeste do Campo da Feira. A comissão responsável pela dinamização do projecto foi
formalmente constituída em 21 de Maio de 1698, pelos barcelenses António de Faria
Machado, Manuel de Andrade e Almada e Domingos de Faria Leite e Cana, coadjuvados
pelos padres Manuel Garcia de Carvalho, Domingos Carvalho e José Ribeiro.
Nesta mesma data procedeu-se à abertura de um livro destinado ao registo das esmolas
para as obras do novo templo.
Livro que serve de assentarem os devotos as esmolas com que se oferecem
para o templo, que se quer dar princípio na capela do Santo Cristo no
Campo das Cruzes desta vila de Barcelos, o qual livro vai numerado, e
rubricado pelo padre Domingos Carvalho vigário de S. Martinho de Vila
Frescainha. Barcelos 21 de Maio de 1698.
O primeiro trabalho da comissão foi, naturalmente, promover uma subscrição pública que
contou, de imediato, com a participação da comarca de Viana, na pessoa do seu provedor,
o Dr. Luís da Costa e Faria que, com a “autoridade dos vereadores”, fez a entrega de
112.216 réis “para princípio desta obra”.
Verificando os registos do referido livro, a recolha de esmolas destinadas às principais
obras de arquitectura da actual igreja decorreu entre 1698 e 1715 e contou com a
participação de largas centenas de crentes, incluindo os da comunidade radicada no
Brasil. Desta antiga colónia portuguesa vieram, de facto, inúmeras esmolas, não apenas
em dinheiro, mas também em caixas de açúcar e madeira de jacarandá.
O donativo individual mais elevado veio do Rio de Janeiro, mandado por Inácio da Silva
Medela, um próspero homem de negócios que na década de 1720 instituirá um coro no
Senhor da Cruz (primeiro de 7 e depois de 9 capelães e 2 meninos) dotado do capital
necessário para a sua administração e financiando a instalação do cadeiral e do órgão, as
estantes e os livros necessários ao seu funcionamento (aspectos que desenvolveremos no
Capítulo IV deste livro).
Por enquanto, Inácio Medela enviou 108.720 réis, que foram entregues em 30 de
Dezembro de 1706 pelo seu irmão José Coelho da Silva Medela (residente em Lisboa) ao
tesoureiro das obras iniciadas em 1705, Matias Lopes Ribeiro. Posteriormente, ainda no
decurso das obras, enviou mais 20.000 réis1
.
Conforme pode ler-se no livro das esmolas para a construção do novo templo, no dia 2 do
mesmo mês de Dezembro de 1706 havia dado entrada nos cofres da irmandade uma letra
remetida da Baía, resultante de uma colecta entre os irmãos, no valor de 576.120 réis,
enviada por Domingos Luís da Costa de Faria e que foi entregue por José Fernandes
Braga, da então vila de Viana do Castelo.
Já em 1705 haviam chegado do Rio de Janeiro, despachadas por Manuel Leite Correia,
“duas caixas de açúcar, uma de doze arrobas, e outra de vinte e cinco”, que deram à costa
na barra do Porto e foram entregues a Francisco Machado, “as quais vieram na frota do
ano passado, de 704”.
ESMOLAS VINDAS DO BRASIL PARA AS OBRAS DO SENHOR DA CRUZ2
Veio do Rio de Janeiro que mandou Manuel Leite Correia duas caixas de açúcar, uma
de doze arrobas, e outra de vinte e cinco, as quais vieram à barra do Porto a entregar
a Francisco Machado, as quais vieram na frota do ano passado, de 704 vão adiante
carregadas.
1
AISC, Livro das esmolas para a construção do novo templo, fls. 25-25v.
2
Idem, fls. 24v, 25v, 26v-27.
Pintura a óleo sobre tela, do século XIX, figurando Inácio
da Silva Medela, um rico negociante barcelense radicado
no Brasil que se destacou como o mais importante
benfeitor da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz.
Recebi por mão de José Fernandes Braga da vila de Viana que vieram por letra da
Baía que mandou o Domingos Luís da Costa de Faria de esmolas que lhe deram
quinhentos e setenta e seis cento e vinte réis. Barcelos 2 de Dezembro de 1706 –
576.120.
Recebi por mão de José Coelho da Silva Medela da cidade de Lisboa que lhe mandou
dar do Rio de Janeiro seu irmão Inácio da Silva Medela […] cento e oito mil
setecentos e vinte réis. Barcelos 30 de Dezembro de 1706 – 108.720. Recebi – Matias
Lopes Ribeiro.
Rendeu a caixa de açúcar que veio do Brasil noventa e sete mil e oitocentos réis –
97.800. Recebi – Lopes Ribeiro.
Rendeu o caixão de açúcar que veio do Brasil vinte e sete mil e novecentos e oitenta
réis – 27.980. Recebi – Lopes Ribeiro.
Rendeu a caixa que se vendeu a Bento Ferreira cinquenta e seis mil e duzentos e
cinquenta réis – 56.250. Recebi – Lopes Ribeiro.
Da esmola que deu João Gomes da Rocha por Francisco Gomes assistente na Baía
dois mil réis – 2.000. Recebi – Lopes Ribeiro.
Da esmola que mandou Inácio da Silva Medela do Rio de Janeiro vinte mil réis –
20.000. Recebi – Lopes Ribeiro.
Rendeu a caixa de açúcar que veio do Brasil sessenta e nove mil e oitenta réis –
69.080. Recebi – Lopes Ribeiro.
[Em anotação, na margem esquerda do livro, registou-se] – Mais duas caixas que
recebi o dinheiro do vidraceiro João 100 mil réis dos quais se hão de descontar os
seguintes 4.500 ficam 95.500.
Recebi do reverendo D. Prior desta vila que se lhe mandou dar de umas madeiras
que vieram do Brasil – 40.000. Recebi – Lopes Ribeiro.
[...] Aos 16 de Agosto de 1712 recebi que me mandou entregar o Dr. Luís da Costa
de Faria que lhe entregou João Anes Casão da Baía que vieram de esmola para as
obras trinta e nove mil seiscentos e cinquenta e cinco réis que recebi – 39.655.
Recebi – Matias Lopes Ribeiro.
[…] Recebi de Bernardo de Sousa de Miranda da cidade do Porto cinquenta e três
mil e seis centos e setenta e dois réis por cedidos de uma caixa de açúcar que veio do
Brasil de esmola para o Bom Jesus que conforme o rol que mandou o dito Bernardo
de Sousa de Miranda da importância do frete de direitos, como também pelos direitos
que pagou de cinco dúzias de couçoeiras que diz vieram para o mesmo Bom Jesus de
esmola no tempo que foi tesoureiro Matias Lopes Ribeiro, o qual tinha também
aplicado este dinheiro para o pagamento das ferragens das três portas do templo do
Bom Jesus […] e de como os recebi me assino em Barcelos aos vinte e cinco dias do
mês de Julho do ano de sete centos e quatorze. Tesoureiro que de presente sirvo
Manuel Rodrigues Marques. São 53.672 réis.
Entretanto a colecta em Barcelos tinha seguido o seu curso a um ritmo satisfatório. Luís
da Costa de Faria entregou em 28 de Setembro de 1709, ao tesoureiro das obras Matias
Lopes Ribeiro, a quantia de 1.027.902 réis, “das esmolas que tinha para as obras do Bom
Jesus”.
Em 1714 continuava a recolha de fundos, agora destinados ao lajeado do interior e às
vidraças da igreja, demonstrando-nos que aquando da abertura da igreja ao culto em 1710
algumas importantes obras estavam por concluir.
Com efeito, em Junho de 1714, o abade de Alvelos entregou ao prior da colegiada 33.820
réis, “por ordem de um devoto que lhos mandou entregar de esmola para se fazer o
lajeamento da capela do Senhor Jesus da Cruz da mesma vila de Barcelos a qual obra está
dada por preço de cento e vinte mil réis e já se anda quebrando a pedra para a dita obra”,
verba recebida e registada pelo tesoureiro da mesa, Manuel Rodrigues Marques. Também
em 22 de Junho de 1714 foi registado um donativo de 27.000 réis entregue pelo mesmo
prior, oriundo de um devoto residente na cidade de Lisboa, e que se destinava ao referido
pavimento. No dia de Natal de 1714, Manuel de Faria de Eça entregou 4.800 réis,
respeitantes a uma esmola dada por Diogo da Cunha “para ajuda das vidraças” 3
.
Isto sem contarmos com as obras do telhado, a
balaustrada e as 12 elegantes pirâmides que repousam
sobre a platibanda, bem como o remate da fachada
norte encimado por uma cruz.
Enfim os arranjos da área envolvente, como a
pavimentação do adro, obra para a qual um devoto de
Guimarães entregou ao juiz da Irmandade do Senhor da
Cruz, em 1716, um donativo no valor de 200.000 réis.
3
Idem, fls. 26v-27v.
De seguida há-de proceder-se à abertura e gradeamento
dos fossos em torno da igreja, à erecção dos 32 pilares
que suportam outras tantas esferas de granito, que
materializam simbolicamente a transição entre o espaço
profano e o espaço sagrado.
Já quanto aos bancos de pedra dispostos no adro, um dos quais pode ainda ver-se nas
traseiras da igreja, e os pequenos muros que ligam os pilares, são obras do século XIX.
O arranjo urbanístico operado a sudeste do templo, conhecido no passado como o Passeio
das Obras, e hoje o Passeio dos Assentos, indubitavelmente associado ao moderno
enquadramento urbano centrado no Senhor da Cruz, terá sido obra da edilidade da década
de 1780.
O projecto arquitectónico
____________________________________________________________
Para a edificação do novo templo desejava-se um projecto que respondesse às novas
necessidades do culto e que se inspirasse no mítico templo de Jerusalém, isto é, um
edifício de feição circular, de planta centrada, coberto por uma cúpula4
.
O juiz de fora de Barcelos, Dr. Matias de Melo e Lima, interveio junto do arcebispo de
Braga, D. João de Sousa, prelado que parece ter tido um papel decisivo ao apresentar
vários desenhos de arquitectura dos quais um veio a ser escolhido.
Para além de exercer o cargo de juiz de fora, o Dr. Matias de Melo e Lima foi um dos
três juízes da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, entre 6 de Setembro de 1701 e
29 de Setembro de 1702, triunvirato que incluía o provedor da comarca de Viana, Dr.
Domingos Marques Cardoso e Belchior Machado de Figueiredo, conforme pode ver-se
no livro onde se registavam os termos ou actas das eleições da mesa5
.
4
FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto – Barcelos, p. 66.
5
AISC, Caixa 1, Livro 3 de inventários e eleições, fls. 33-74v.
Extracto da escritura de doação feita
por Manuel da Costa Guimarães, da
antiga vila de Guimarães – 1716.
Um manuscrito da Real Biblioteca da Ajuda, com documentos transcritos por Sousa
Viterbo, atesta o envolvimento do Dr. Matias de Melo e Lima como “protector para se
edificar a igreja do Bom Jesus” em Barcelos6
. Juntamente com uma das cartas que lhe
foram dirigidas pelo arcebispo, datada de 15 de Setembro de 1701, D. João de Sousa
devolveu-lhe “a primeira planta que se tinha feito” – cuja autoria não foi mencionada e
que não deve ter recebido a aprovação do prelado – e remeteu-lhe mais 5 desenhos de
arquitectura, talvez todos de planta centrada: três do arquitecto bracarense Manuel
Fernandes da Silva e dois do arquitecto régio João Antunes7
.
João Antunes ocupou o cargo de arquitecto régio entre 1699-1712, na sequência da
morte de Francisco da Silva Tinoco, que o havia ocupado sucessivamente desde 1634 e
que faleceu em 1699.
Segundo Sousa Viterbo, João Antunes teria exercido como aprendiz o ofício de
arquitectura durante cerca de 16 anos, até à sua nomeação como arquitecto da corte.
Para além de arquitecto da casa real, João Antunes trabalhou também como arquitecto
6
SOUSA VITERBO – Dicionário Histórico e Documentos dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores
Portugueses, Vol. III, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Reedição de 1988, p. 232.
7
Idem, Ibidem.
Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 64.
Desenho do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, publicado
por George Kubler, refazendo a planta do arquitecto João
Antunes, próxima de 1705.
para as ordens militares, tendo sucedido neste cargo a Mateus do Couto, nomeado por
uma carta de 10 de Novembro de 1697 e na qual se referia a sua participação na
direcção das obras da igreja de Santa Engrácia, Lisboa8
.
Este conceituado arquitecto estaria disponível para um outro risco, caso os dois
enviados não agradassem à irmandade. Todavia, o arcebispo chamou à atenção da
irmandade para o facto de qualquer das duas plantas comportar uma “despesa
considerável” pelo que, receava, “se o Senhor não fizer algum milagre” as obras
poderiam permanecer incompletas durante muitos anos9
.
Numa outra missiva, datada de 3 de Setembro de 1702, D. João de Sousa remeteu ao
Dr. Matias de Melo e Lima o competente alvará régio, com validade por três anos, para
o arranque e desenvolvimento das obras de pedraria, alvará que seria renovado ao fim
de três anos, caso o andamento das obras o justificasse:
Sendo vossa mercê tão efectivo protector das obras do Bom Jesus, é razão
lhe remeta o alvará que sua majestade que Deus guarde mandou passar por
estes três anos, em que as obras crescerão em forma que mereçam que o
dito senhor mande passar segundo alvará; e se eu tiver vida não faltarei em
ser solicitador desta diligência. Deus guarde a vossa mercê. Braga 3 de
Setembro de 1702.
Desconhecem-se os subsequentes desenvolvimentos. Em 29 de Setembro de 1702 toda
a mesa administrativa foi substituída, na sequência da eleição anual que então se fazia,
permanecendo omissos os papéis desempenhados a partir desta data, quer pelo juiz de
fora Dr. Matias de Melo e Lima, quer pelo arcebispo de Braga D. João de Sousa.
As mudanças na administração da irmandade e a vinda do novo arcebispo para Braga –
D. Rodrigo de Moura Teles ocupou a prelatura da arquidiocese a partir de 1704 –
tiveram decerto implicações nos apoios, nas influências e nas posturas dos novos órgãos
decisores.
Lamentavelmente, desconhecem-se as plantas desenhadas pelo arquitecto e os
documentos relacionados com a que foi escolhida. Também não se conhece o contrato
do responsável pela execução do projecto, embora pela documentação posterior a 1710
8
Cf. SOUSA VITERBO, ob. cit., Vol. I, pp. 42 e 511.
9
Idem, Vol. III, p. 233.
saibamos que a obra foi entregue ao mestre pedreiro barcelense Miguel Fernandes, da
freguesia de Cossourado10
.
Nenhum documento escrito existe, alusivo ao lançamento da primeira pedra (muito
provavelmente em 1705, a fazermos fé no registo epigráfico que se encontra junto da
portada principal da igreja), nem ao desenvolvimento das obras ocorridas entre 1705 e
1710. Nada sobre as vicissitudes que o processo construtivo sempre acarreta, enfim o
silêncio face à inauguração do novo santuário em 1710.
Terão desaparecido de vez, pela voragem do tempo e descuido dos homens? Pareceu
aos responsáveis da época que o majestoso templo e as inscrições nas tarjas pétreas
seriam suficientes para os vindouros?
Aconselham a verdade e o rigor históricos, que as próprias inscrições epigráficas
apresentam algo de enganador. A data de 1504, comemorativa da construção da
primeira capela, não pode evocar mais que o aparecimento da cruz ao sapateiro João
Pires, fixado numa escritura notarial que não foi datada e que logicamente se elaborou à
posteriori.
Quando muito, e a fazermos fé na total autenticidade do referido instrumento do
milagre, na tarde do dia 20 de Dezembro de 1504 ergueu-se uma cruz de madeira de
apreciáveis dimensões, cercada de pedras. Apenas depois, talvez no ano seguinte, foi
10
Embora a morada deste mestre pedreiro nunca apareça na documentação relativa ao templo do Senhor
da Cruz, deve tratar-se do mesmo mestre Miguel Fernandes cujo nome anda associado às obras de
arquitectura do Recolhimento do Menino Deus de Barcelos, na década de 1720 e que nos contratos que
assina aparece como residente na freguesia de Cossourado.
Fachada principal do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, uma obra
edificada, no essencial, em 1705-1710.
edificada uma pequena ermida, com base em donativos dos crentes da vila e das
redondezas.
Segundo o mesmo documento religioso, que apenas conhecemos por via indirecta,
pouco tempo depois veio a ampliar-se o espaço da primitiva capela.
Quanto à outra inscrição, a de 1705, aquilo que podemos dizer com segurança é que ela
deve datar (a decisão da mesa da irmandade quanto à escolha do risco arquitectónico, a
contratação do mestre Miguel Fernandes e) o início das obras.
As principais obras de arquitectura: 1705-1710
____________________________________________________________
Resta-nos, por conseguinte, a interessante obra de arquitectura que é o templo do
Senhor Bom Jesus da Cruz e duas inscrições epigráficas de elevado significado, a
ladearem a portada principal: uma no lado esquerdo de quem entra, que assinala o
milagre do aparecimento da Santa Cruz e a decisão de ali se construir um abrigo em seu
louvor – EXTRUCTUM ANNO MDIV – e a outra, no lado direito, que evoca o
provável início das obras do templo setecentista – AMPLIATUM ANNO MDCCV.
Garante-nos o professor Carlos Alberto Ferreira de Almeida que o risco escolhido para
o templo do Senhor da Cruz foi, sem qualquer dúvida, o do arquitecto régio João
Antunes que “nos tempos sequentes terá desenhado, mais exaustivamente, plantas e
alçados”, inferência resultante da leitura da carta do arcebispo, de 15 de Setembro de
1701, quando este afirmou que “quando alguma delas [das duas plantas delineadas por
João Antunes e enviadas] contentar no risco em que vem, lhe possa fazer o perfil”11
.
11
FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto – Barcelos, p. 66.
Na atribuição do desenho ou planta a João Antunes apontam-se dois factores decisivos:
por um lado, a leitura comparada dos edifícios por ele concebidos, ainda que neste caso
(o templo do Senhor da Cruz) tenha obedecido a uma concepção “sem o luxo das linhas
e de formas que vemos em Santa Engrácia ou na Casa do Tesouro da Sé de Braga”,
desenhadas por este arquitecto; por outro lado, a sua participação com uma planta para o
retábulo do altar do Senhor Bom Jesus da Cruz, referida aquando da contratação de
Miguel Coelho para entalhar os três retábulos, aspecto que dá solidez e validade à sua
atribuição.
Será lógico, sem dúvida, que o facto de João Antunes ser o responsável por um dos
riscos dos retábulos executados a partir de Dezembro de 1709, evidencie o seu
envolvimento mais amplo no projecto arquitectónico, com início em 1701, quando
desenhou as duas plantas que lhe foram encomendadas pelo arcebispo D. João de Sousa,
mas prolongando-se nos anos seguintes. Como atrás se disse, houve entretanto
mudanças no comando, tanto em Braga como na Irmandade do Senhor da Cruz.
Seja como for, trata-se de uma igreja com
uma elegante cúpula erguida sob um bem
proporcionado zimbório, num edifício
quase redondo, de traçado octogonal, com
a capela-mor voltada a norte e definido
interiormente por uma cruz grega onde
funcionam os espaços litúrgicos, que se
articulam através de segmentos semi-
circulares.
Garantiu-se, assim, um volume exterior de feição ovalado, numa composição baseada
em planos reentrantes rectilíneos e côncavos e um interior arredondado e quase
simétrico nas áreas que se destinam ao culto, com superfícies convexas a intercalar os
planos rectilíneos.
Aspecto da balaustrada e do
zimbório que coroa a cúpula.
Duas estruturas semicirculares, com as quais
nos deparamos se entrarmos pelas portas
laterais do templo, funcionam como suportes
da cúpula (conjuntamente com os dois do
pólo oposto) e participam decisivamente na
organização das alas nascente e poente,
determinando corredores circulantes em
direcção às capelas onde se encontram as
imagens do Senhor da Cruz, à nossa
esquerda e da Senhora das Dores, no lado
oposto.
Ao interior destas estruturas arredondadas reservou-se uma função eminentemente
prática: uma escada helicoidal em cada uma permite o acesso aos púlpitos e aos espaços
que conduzem ao coro.
Nas estruturas do pólo contrário rasgaram-se as portas que dão acesso à sacristia e à
sala onde no passado reunia a mesa da irmandade; a partir desta, e através de sucessivos
lanços de escada, alcançam-se os patamares superiores onde vários aposentos guardam
alfaias, paramentos, telas de pintura e outras imagens, sacras, jarras, lanternas e o
arquivo da real irmandade.
Concebeu-se, pois, um edifício de planta centrada, com soluções volumétricas e
espaciais que só um bom arquitecto sabe conceber. E um bom mestre pedreiro executar.
Eixo central da planta.
Alguns elementos decorativos – nomeadamente os balaústres, posteriormente
colocados, bem como um remate movimentado na fachada voltada a norte, encimado
por uma cruz, e as pirâmides que pontuam toda a balaustrada, que terão sido realizadas
em 1760 pelo mestre pedreiro António Gonçalves12
–, acrescentaram leveza e
monumentalidade ao edifício. Sobretudo ampliou-se a graciosidade barroca e garantiu-
se aos olhos do observador um notável equilíbrio arquitectónico.
Aquando da elaboração, em 1840, de um inventário dos “trastes”, paramentos e alfaias
do culto, pertencentes à Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, sendo provedor
Luís Tomás Veloso de Miranda, o escrevente apresentou a seguinte descrição do
edifício:
Consta este templo do Bom Jesus da Cruz, de um edifício material, com a
forma quase esférica, formado em abóbadas de pedra, sendo a principal
com volta de luneta, sobre que assenta uma clarabóia, e as outras de volta
em berço, e barrete: é circundado por um adro levantado em perpianho
com vários relevos sobre que descansam globos de pedra segundo o gosto
do tempo; e com quatro entradas por cima de fossos com grades de ferro. É
situado este edifício na parte mais baixa do Campo da Feira com três
portas tendo a principal virada a sul, e sobre esta uma torre com quatro
sinos denominados, o grande, que está na frente, o das onze, meão, e
garrida; e dos lados da torre continuam varandas formadas de balaústres
12
Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67.
Remate da fachada voltada a norte.
de pedra em torno do templo, que rematam com uma cruz na parte
posterior, e por baixo desta a inscrição = ECCE CRUCEM DOMONI.
Entre a capela-mor e o altar do Senhor da Cruz colocou-se a sacristia e entre a referida
capela maior e o altar da Senhora das Dores arrumou-se a sala das sessões da mesa da
irmandade, também designada no século XVIII como sacristia
No projecto, perspectivaram-se pois duas sacristias, embora com destinos diferentes,
mas muito claros e precisos. A do lado do Evangelho, para os sacerdotes se
paramentarem (por vezes referida como a sacristia do “vestidor”) e a do lado da
Epístola, para as reuniões da mesa administrativa, muitas vezes mencionada como “a
casa da mesa”.
Quer numa quer noutra guardam-se importantes espécimes patrimoniais e simbólicos.
Enquanto a primeira acolhe valiosas imagens sagradas, uma credência em estilo
joanino, um arcaz sob um retábulo neoclássico, um relógio do século XIX e as alfaias e
paramentos utilizados nas celebrações litúrgicas; a segunda, para além de guardar a
escultura italiana do Senhor da Cruz que sai nas procissões, dá abrigo aos retratos de
vários benfeitores, à documentação recente relacionada com a gestão do templo e,
firmada no seu centro, pode ver-se a mesa à volta da qual o juiz e restantes elementos da
direcção da irmandade reuniam. Outra interessante mesa, esta datável da segunda
Aspecto do retábulo marmoreado (madeira pintada a
imitar o mármore), de recorte neoclássico, colocado
sobre o arcaz da sacristia, cujas pegas recordam ainda o
estilo rocaille e que terão sido compradas em Braga,
juntamente com os espelhos, em 1752, segundo o
professor Ferreira de Almeida.
Num nicho do centro do retábulo, fechado com uma
porta envidraçada, guardam-se belas imagens dos
séculos XVII ao XIX.
metade do século XVIII, bem como a poderosa imagem do Senhor Crucificado, apeada
do coro depois que este deixou de funcionar, completam o recheio que se encontra nesta
segunda “sacristia”. Seria excelente encontrar-se-lhe outro espaço!
Pela porta principal, voltada a sul, e pelas laterais, orientadas a sudeste e a sudoeste, têm
os crentes e os visitantes em geral acesso ao interior do templo do Senhor da Cruz.
Enquanto as portas laterais denunciam uma grande simplicidade formal (justificando a
designação de “estilo chão” enunciada por George Kubler no seu livro sobre
arquitectura portuguesa), a porta central obedeceu a um esquema mais movimentado.
A portada principal foi rematada por um frontão
curvo, interrompido pelo pedestal de uma inevitável
cruz, garantindo-se simbolismo, graça e harmonia, a
que a inclusão de duas pinhas no conjunto não são
alheias.
As três notas vegetalistas do friso dão a esta entrada
axial um certo timbre classicizante; enquanto os
emblemas ou tarjas graníticas, e o óculo introduzido
para iluminar o coro, acrescentam dinamismo a toda
a frontaria, rematada pela torre sineira.
Duas pirâmides assentes nos seus pedestais enquadram e dão leveza a esta torre, de
cujas pilastras sobressaem pequenas volutas dos capitéis, insinuando um revivalismo
jónico da antiga Grécia. Por um lado, as pirâmides parecem acentuar a
monumentalidade das pilastras da frontaria, que se inspiraram na ordem toscana; por
outro, elas impedem um possível resultado esguio, que poderia ser dado pela torre
sineira.
Ou seja, um ligeiro mas oportuno toque decorativo – as pirâmides na fachada principal
e no remate da fachada norte, repetidas na balaustrada sobrepujada pela cornija, que,
com o friso e as pilastras toscanas, ligando todas as paredes – anulam possíveis
desequilíbrios e oferecem ao nosso olhar a harmonia de uma majestosa arquitectura.
No vértice de cada pirâmide, uma pequena
esfera participa deste movimento e desta
musicalidade redonda, concordante com o
cantochão e o órgão, que era cantado e
tocado pelos capelães do coro, desde os
inícios da década de 1730.
Grandiosidade arquitectónica, com alguma contenção decorativa, completada com um
exterior circundado por 32 pilares onde “descansam globos de pedras”.
Mas porque, em rigor, o desenho exterior da igreja representa oito lados, também a
cúpula da torre sineira deixa perceber uma pequena estrutura oitavada. Quanto aos
sinos (badalados pela tracção de cordas até ao último terço do século XX) que
pontuavam, no passado, a vida dos fiéis, foram fixados em vãos com arco de volta
inteira.
Dois janelões rectangulares gradeados,
ajudados por dois pequenos vãos,
quase quadrados, e pelas aberturas
circulares rasgadas na parede fundeira
do coro e no topo da cúpula (que se
encarrega de receber a luz das oito
frestas do zimbório), fornecem a
luminosidade natural que se projecta
no centro da igreja e quebram a
monotonia dos muros, pintados de
branco.
Os restantes vãos, disseminados pelos restantes muros, iluminam a sacristia, a antiga
sala das sessões da mesa da irmandade, as traseiras do altar-mor e várias salas
arrumadas sobre as abóbadas das alas laterais.
A luz que ilumina o antigo espaço coral foi considerada insuficiente pelos capelães que
oficiavam no coro na década de 1770, chegando as suas reclamações a ter ressonância
junto da corte arquiepiscopal. Era então arcebispo D. Gaspar de Bragança.
Aquando da sua pesquisa no arquivo da irmandade, o tenente Francisco Cardoso e Silva
terá encontrado um “processo julgado na Câmara Eclesiástica de Braga” ocorrido entre
1774 e 1778, relacionado com uma visitação ao Senhor da Cruz que determinou se
abrissem “frestas que dessem luz para os capelães haverem de rezar no coro e mais
funções de sua obrigação”. Tudo indica que este era o desejo dos capelães, cujo pedido
nesse sentido figurava na folha 5 do referido processo.
Todavia, a mesa discordou frontalmente e pediu o embargo da decisão junto da Câmara
Eclesiástica “a fim de que se julgue não ter lugar a satisfação da obra capitulada”,
constituindo como advogado da sua causa, em Braga, o Dr. Francisco da Costa
Pimentel.
A 5 de Fevereiro de 1774 os capelães terão sido citados para uma audiência em Braga,
mas recusaram comparecer e tomar parte no processo, tendo a autoridade eclesiástica
decidido, em 19 de Março de 1774, mandar proceder a uma “vistoria no lugar da
contenda” 13
.
Auto de vistoria
Ano de nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e setenta e oito
anos aos vinte e um dias do mês de Maio do dito ano nesta vila de Barcelos e na igreja
do Bom Jesus da Cruz dela e aí onde eu escrivão fui vindo com o muito reverendo
13
BMB, Manuscrito do tenente Francisco Cardoso e Silva – Apontamentos para a História de Barcelos,
Vol. I, fl. 306v.
senhor Doutor José Joaquim Pereira desembargador na Relação primaz da corte e
cidade de Braga, e nela e sua câmara promotor dos resíduos por sua alteza real o
sereníssimo senhor D. Gaspar arcebispo e senhor de Braga e primaz das Espanhas
[…] e por ele senhor desembargador foi mandado fazer a vistoria ao diante escrita na
forma do doutíssimo acórdão […] e logo foi mandado vir à sua presença Manuel
Pereira, da freguesia de S. João de Vila Boa e Francisco Lourenço do arrabalde do
Senhor do Bonfim desta vila, ambos mestres pedreiros aos quais deu o juramento dos
Santos Evangelhos em um livro deles em que pus sua mão direita de que dou fé e lhes
encarregou que debaixo do dito juramento que tomado tinham vissem e examinassem a
obra do óculo desta igreja, e as obras que se necessitava neste óculo e recebido por
eles o dito juramento prometeram ver e examinar tudo na verdade e nela darem as suas
determinações do que dou fé, e para constar fiz este termo eu João da Silva Pereira,
escrivão que o escrevi. Manuel Pereira – Francisco Lourenço – Pereira14
A vistoria foi feita com a participação dos dois mestres pedreiros referidos no
documento, que se pronunciaram quanto à abertura do janelão, alegando as razões que
julgamos terem sido as defendidas pela mesa da irmandade.
Demos voz aos mestres pedreiros pela caneta do escrivão que compôs o discurso, talvez
com alguma ajuda do desembargador.
E vendo e examinando este acto [de visitação] e o óculo disseram que no
coro há bastante luz comunicada a ele por um grande óculo que está no
frontispício desta igreja de sorte que se vê perfeitamente no coro para rezar
ou para outro qualquer acto ou função que se queira fazer nele.
E outrossim examinando e averiguando se no lugar do óculo que está no
mesmo coro se podia fazer uma fresta até às cadeiras do mesmo coro sem
ruína máxima imediata de todo o frontispício da mesma igreja disseram eles
louvados que era quase impossível meter-se a dita fresta sem a ruína do dito
frontispício porque para se fazer esta obra é preciso que se lance abaixo
parte do mesmo frontispício do óculo para baixo […] também porque em
cima do mesmo frontispício está a torre dos sinos que é de abóbada feita
com pedras de esquadria tanto por dentro como por fora pelo que assentam
14
Documento transcrito por Francisco Cardoso e Silva, ob. cit., fl. 307.
que sem ruína grande se não pode fazer a dita obra capitulada e atendendo
à grandeza da obra desta igreja e nesta forma houveram eles louvados as
suas determinações por dadas e ele senhor doutor desembargador esta
vistoria proferida e acabada15
.
Assinaram os mestres pedreiros e assinou o escrivão. A mesa da irmandade sorriu pela
decisão que vai tomar-se em Braga a 4 de Agosto de 1778, uma decisão de sinal
contrário ao capítulo da visitação que impunha a substituição do óculo por uma janela
de maiores dimensões. Sorriu a mesa, sorriram os irmãos defensores da mesma causa,
sorrimos nós… com um graças ao bom senso que por vezes também reina, o alçado
principal do Senhor da Cruz não foi adulterado.
Mas a mesa da irmandade teve ainda de pagar as custas do processo. Leia-se a
sentença!
Sentença
Os embargos recebidos julgaram provados para o fim de não ter execução
o capítulo da visita copiado na certidão folhas cinco o qual se mandava aos
embargantes fizessem a obra expressada no mesmo pois como da fachada
dela se segue o inconveniente […] de arruinar-se a torre que fica por cima
do óculo no frontispício do templo e ainda a contingência de prejudicar as
abóbadas de que é formado o mesmo templo pelas convenientes razões que
lembram as testemunhas […] pelo que deixa de ter efeito o dito capítulo de
visita no qual se não cogitou das ditas ruínas, e se supôs ser a obra de
pouca consideração sendo aliás muito considerável e serem necessários
dinheiros mais avultados, especialmente não havendo falta de vista no coro
que foi o principal objecto do dito capítulo porque se mostra ter bastante
luz comunicada pelo dito óculo e mais frestas que lhe participam de todas
as partes […] e mandam fique sem efeito o capítulo de visita e paguem os
embargantes as custas […]. Braga quatro de Agosto de mil setecentos e
setenta e oito16
.
15
Idem, fls. 307-307v.
16
Idem, fls. 307v-308.
Ainda no século XVIII, na década de 1780, a edilidade barcelense procedeu ao
correcto enquadramento urbanístico que faltava, a sudeste da igreja, resolvendo
desníveis do espaço envolvente com a construção de uma estrutura de granito, no qual
sobressaem duas falsas fachadas arquitectónicas e duas imponentes pirâmides
terminadas em esfera.
Os bancos, as janelas, as fontes e os jardins, estes posteriormente associados ao arranjo
urbanístico, proporcionam um belo e refrescante passeio, justificando-se plenamente o
epíteto de Passeio dos Assentos.
O resultado global é sem dúvida soberbo e prepara-nos para um interior lindo. Por isso,
dê o visitante a volta ao templo, em jeito de cumprimento de alguma promessa feita, e
entre descontraído no templo do Senhor da Cruz, armado com o olhar do corpo e com a
sensibilidade da alma.
Observado do Passeio dos Assentos, do Campo da Feira, da Avenida da Liberdade, do
Largo da Porta Nova, o templo do Senhor da Cruz exibe uma espécie de grandiosidade
contida, uma força de atracção, quiçá o belo, que nos envolve e nos convida a entrar e a
descobrir o resto no interior.
Fonte, jardim e falsa
fachada arquitectónica.
Aqui, dentro do templo, a força do granito e os elementos arquitectónicos saídos da
mestria do arquitecto, impecavelmente aparelhados pelas mãos e pela técnica do mestre
pedreiro e dos seus oficiais, são um hino à arquitectura.
O dinamismo arquitectónico depende, antes de mais, dos seus próprios elementos: um
sistema de abobadamento curvilíneo a recobrir as alas laterais, o coro e a capela-mor
(bem como as capelas laterais, forradas pela talha dourada dos seus retábulos), uma
cúpula circular a pousar sobre uma estrutura arquitectónica definida por quatro
agigantados arcos, organizados a partir de oito poderosas pilastras, todos garantindo e
obrigando à circulação dos visitantes.
O único apontamento decorativo lavrado no granito encontra-se no frontão das quatro
portas de acesso à sacristia e às restantes dependências: um frontão interrompido,
enroscando-se num par de insinuantes volutas, deixando que uma pinha se abra
ligeiramente sobre o pedestal.
Elegância e contenção decorativa, para não
ofuscar o brilho da arquitectura.
Duas destas portas, uma vez transpostas, levam-
nos por escadas em caracol para os púlpitos, para
Acesso ao templo do Senhor da
Cruz pelo Jardim das Barrocas e
Passeio dos Assentos.
o coro e para pequenos espaços aproveitados pelo
arquitecto.
Mas o interior da casa de Deus é como na casa das
pessoas. Precisa de mobiliário e de decoração; de
outras formas de expressar a vida, o pensamento,
a técnica, os sentimentos e a criatividade
humanas; de fazer estancar e facilitar o
movimento.
Assim, no interior do templo do Senhor
da Cruz é necessário parar. Para ver,
sentir, pensar, aprender, talvez rezar.
Porém a circularidade é obrigatória, quer
porque a organização do espaço a isso
nos obriga – as duas alas laterais
facilitam e condicionam a movimentação
em direcção aos altares do Senhor Bom
Jesus da Cruz e da Nossa Senhora das
Dores –, quer porque o mobiliário
religioso e a rica ornamentação a isso
nos impelem (aspectos que serão
retomados no Capítulo III).
Aquando das obras de repavimentação do espaço interior, que se realizaram cerca de
dois séculos depois (em 1909-1910) seguindo-se parcialmente um parecer do arquitecto
Ernesto Korrodi, uma cruz de mármore com losangos pretos e brancos, e um círculo
rosado a ligar todas as hastes, veio acentuar definitivamente a simbologia da cruz e do
milagre que ali se crê ter sido operado há quinhentos anos.
Aspecto interior da entrada lateral, lado poente.
Sabe-se, pelo livro de receitas e despesas de 1706 a 1721, que o mestre pedreiro
contratado para erguer o templo do Senhor da Cruz foi Miguel Fernandes. Todavia, não
possuímos nenhum registo escrito do decurso das obras entre 1705 e 1710.
O mesmo acontece no que respeita à sua inauguração: um silencio incompreensível!
Com o desaparecimento das fontes escritas do período crucial das obras de pedraria –
designadamente o livro das obras e outros papéis que inevitavelmente existiram –, uma
parcela da memória do Senhor da Cruz foi mutilada.
O ano de 1710, claramente importante para a história da vila – com a inauguração do
novíssimo templo –, surge-nos envolto de silêncios no que ao Senhor da Cruz diz
respeito.
Tratou-se de uma efeméride festiva, com a presença do arcebispo e mais autoridades
eclesiásticas, civis e militares, com toda a população da vila e do concelho na
celebração de uma missa campal? Ou ocorreram vicissitudes que inviabilizaram uma
cerimónia festiva e de grande aparato? Andaria o arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles
de candeias às avessas com a irmandade, ou sentir-se-ia pouco comprometido com este
projecto, que havia recebido o empenho do seu antecessor D. João de Sousa?
Ao contrário do que aconteceu na igreja do mosteiro de S. Bento, onde o arcebispo foi
imortalizado, quer numa tarja junto à entrada desta igreja quer nas paredes laterais da
capela-mor, no templo do Senhor da Cruz nenhuma marca foi deixada que celebrasse D.
Rodrigo. E este aspecto, o da imortalização do prelado, não seria coisa de somenos.
Não podemos esquecer que três anos mais tarde, aquando da inauguração da igreja
beneditina de Barcelos, em 1713, D. Rodrigo de Moura Teles presidiu a uma enorme
procissão realizada entre Braga e Barcelos, abrindo caminho a 4 dias de festividades,
durante os quais aqui permaneceu, alojado na casa da quinta da Bagoeira17
; e que, antes
de entrarem no seu mosteiro e aí serem enclausuradas, as mais de 70 religiosas e suas 50
criadas puderam entrar no templo do Senhor da Cruz onde fizeram uma oração18
.
17
VINHAS, Joaquim Alves – A Igreja de Nossa Senhora do Terço de Barcelos, na História e na Arte dos
inícios do século XVIII. Iconografia dos seus emblemas, p. 49.
18
Idem, pp. 47-48.
Em 1706 o tesoureiro Manuel Luís Tamel registou como despesa da irmandade o azeite
consumido na velha capela. E pouco mais. Da análise das receitas deste ano, verifica-se
a realização da festividade da “Santa Cruz de Maio”, que rendeu 5.500 réis de esmolas,
verba a que teremos de juntar 5.760 réis pagos pelos mercadores, que pela ocasião da
Festa das Cruzes montaram a sua tenda nas imediações do templo pagando à irmandade
o correspondente aluguer do espaço.
As restantes rubricas que aparecem neste livro, relacionam-se com alguns enterramentos
e com a admissão de novos irmãos, alguns dos quais do sexo feminino, como foi o caso
de D. Leonor de Vilas Boas, que pagou 600 réis de jóia pela sua inscrição na irmandade.
Nos dois anos que se seguiram, nenhuma rubrica no campo das despesas foi
mencionada. Em 1707 as receitas são relativamente apreciáveis, oriundas das novas
admissões e da cobrança dos “anuais” dos irmãos de S. João da Foz, mas sobretudo das
esmolas recolhidas pela Invenção da Santa Cruz de 3 Maio (44.315 réis) e pela
Exaltação da Santa Cruz de 14 de Setembro (20.230 réis), conforme os registos de
Manuel Luís Tamel, que entregou um saldo positivo de 192.761 réis ao novo tesoureiro,
Bento Ferreira.
A igreja do antigo mosteiro de S. Bento, construída em
1707-1713, é hoje conhecida pela igreja de Nossa Senhora
do Terço de Barcelos.
Evidentemente que o movimento das despesas era avultado (sabendo nós que estavam a
decorrer as obras de pedraria) e que mereceu um livro próprio de registo mas que nos
foi sonegado, inadvertida ou propositadamente.
Timidamente, no ano de 1709 (para 1708 não há qualquer registo), aparece-nos a verba
de 1.970 réis relacionada com a compra de uma cruz nova para o Senhor dos Passos e
outra de 700 réis, gasta com o conserto de um andor. Neste mesmo ano gastaram-se
4.000 réis com o capelão das festas, 28.400 com os capelães que disseram a missa
quotidiana e as três do dia de Natal e 725 réis para o azeite que iluminou o templo.
Estas despesas, ainda que escassas, mostram que enquanto decorriam as obras da nova
igreja, o culto funcionou de forma mais ou menos regular na velha capela.
A apreciação das receitas permite-nos concluir da celebração das festividades de 3 de
Maio e 14 de Setembro e de uma pouco expressiva recolha de esmolas pela Quaresma.
Algumas rubricas de dinheiro a juros, totalizando perto de 20.000 réis, anunciam uma
situação que seguirá em crescimento até à segunda metade do século XIX.
Em 1710, ano da abertura das portas ao culto, nenhuma referência à nova igreja foi feita
pelo escrivão Manuel da Costa Lopes (Manuel Luís Tamel regressou ao cargo de
tesoureiro, desde 1709). Porém, alguma luz espreita do fundo do túnel documental:
gastaram-se 17.260 réis distribuídos pelo trono “em que está o Senhor”, o arco e as
sanefas pertencentes, presumivelmente, à nova capela-mor; fez-se o “conserto” da porta
principal, no qual se gastou, conjuntamente com as ferragens, a quantia de 1.280 réis;
limpou-se o lampadário de prata, o que pressupõe a reutilização do recheio antigo
aquando da inauguração do actual edifício.
No mesmo ano, e possivelmente
destinados aos três altares, compraram-se
três sacras, três evangelhos e outros tantos
lavabos, tudo no valor de 10.460 réis.
Compraram-se ainda trinta peças de fitas
para as “medidas do Senhor” e alguma
paramentaria nova.
As restantes rubricas relacionam-se com as missas celebradas, uma quotidiana, do
legado de Gaspar Pinheiro Lobo, outra semanal, dita à sexta-feira pelos irmãos
falecidos, e as três do dia de Natal, às quais se juntou uma pela alma da benfeitora
Exemplo de sacras existentes no templo.
Ângela Pereira. Finalmente, gastou-se em azeite 6.825 réis, o que representa uma subida
exponencial em relação ao ano anterior.
Mas o movimento das receitas não indicia grandes celebrações, tão-pouco se faz
referência à festa de Setembro, o que nos parece estranho tratando-se do ano da abertura
do novo templo ao culto. Tendo sido inaugurada a nova igreja, foi-o certamente sem
pompa e com pouca circunstância, pois o mais certo é que, embora o projecto de
arquitectura estivesse no essencial concretizado, algumas obras só vieram a realizar-se
alguns anos depois.
Em toda a década de 1710, e mesmo durante as décadas seguintes há-de assistir-se à
execução de importantes obras que vieram completar o conjunto harmonioso do Senhor
Bom Jesus da Cruz.
Obras depois da inauguração
____________________________________________________________
Nos anos seguintes ao da abertura do templo ao culto, muito se trabalhou no Senhor da
Cruz até que as obras ficassem de facto concluídas. Havia que pavimentar as áreas
destinadas ao culto, a sala do coro e o adro da igreja; havia que colocar o telhado,
proceder a obras de acabamento em vários áreas e dotar a capela da Senhora das Dores
com o seu retábulo, sem o qual ficaria o culto empobrecido e o espaço da capela pouco
dignificado.
Na sua traça, o novo templo deve ter previsto a inclusão do culto à Virgem, no seu
estado de Senhora das Dores, uma invocação associada ao carácter dramático da vida
de Cristo, ardentemente comemorado pela cristandade católica desde os fins da Idade
Média.
No altar-mor, outra invocação associada ao drama sagrado, apresenta-se desde a
primeira metade do século XVIII, do lado do Evangelho, à esquerda do visitante. Nossa
Senhora da Piedade segura a Cristo jacente. Pequena demais para o espaço em que se
encontra, esta imagem bem que merecia maior destaque.
Com a capela do lado do Evangelho reservada ao Bom Jesus, que também é o Senhor
dos Passos e/ou o Senhor da Cruz, nada melhor que destinar um espaço do lado da
Epístola, reservado à Sua mãe, na condição de Nossa Senhora das Dores. Ambos
sofredores, mãe e filho ostentam com dignidade, luxo e beleza, o alto sacrifício, o
martírio em nome da humanidade pecadora.
Quem encomendou o projecto – o arcebispo de Braga e a mesa da Irmandade do Senhor
Bom Jesus da Cruz –, pediu ao arquitecto um traçado que contemplasse duas capelas
colaterais, uma destinada ao patrono Senhor Cruz e a outra a Nossa Senhora. Estavam
assim abertas as portas a novas invocações, que virão a multiplicar-se até aos finais do
século XX.
Estando em 1709 as obras de arquitectura relativamente adiantadas, havia pois que
dotar os espaços sagrados de obras de arte vistosas e modernas. Os altares e retábulos
de talha dourada eram imprescindíveis no quadro da estética e da mentalidade da época.
O máximo de dignidade e o máximo de riqueza foram mobilizados na ornamentação
destes espaços, que se desejavam perfeitos para o acolhimento das imagens às quais se
dedica o culto, a reza, a oração.
Estava na moda o chamado estilo nacional na arte de entalhar, cujos retábulos
organizados a partir de colunas, pilastras e arcos de volta perfeita enquadravam o trono
eucarístico, tudo profundamente ornamentado, dourado e pintado.
Toda a emoção e espiritualidade dos crentes eram convocadas por esta forma de
expressão estética (onde o movimento, a ondulação e o exagero decorativo dominam),
que uma vez associada à pintura e aos painéis de azulejo produziam o arrebatamento da
alma e o correspondente fervor religioso. Em suma era a arte barroca, na sua expressão
luxuriante, aplicada aos trabalhos de marcenaria e de escultura.
Por isso, para engrandecer a Deus e encantar os fiéis, em 19 de Novembro de 1709 o
barcelense Miguel Coelho, morador no arrabalde da Porta do Vale, foi contratado para
a realização dos retábulos do altar-mor e dos dois altares colaterais, por Matias Lopes
Ribeiro, tesoureiro das obras do templo em construção.
O risco de um dos retábulos era da autoria do mestre entalhador que assinou o contrato,
enquanto outro pertencia ao arquitecto régio João Antunes, responsável pelo traçado de
arquitectura como atrás se referiu. O preço acordado com Miguel Coelho foi 320.000
réis, tendo-lhe sido entregue de imediato a quantia de 192.000 réis, em 40 moedas de
ouro. Eis algumas das condições fundamentais que deveriam ser cumpridas pelo mestre
entalhador:
Os retábulos serão bem entalhados de talha alta ao moderno com suas
tribunas conforme derem os sítios e, estas tribunas serão muito bem
entalhadas e repartidas, em painéis, em os espaldares serão os painéis lisos
em esta forma e que se obriga a fazer a dita obra, e correrá por conta da
confraria o sobrado da tribuna do altar-mor como também todos os altares
de pedra e cartelas, e pilares, e ferragem para segurança dos retábulos os
quais se obriga a fazer estando a igreja capaz19
.
Uma reflexão apressada, a partir deste documento de 1709, poderia levar-nos a pensar
que no ano seguinte estariam concluídos e colocados nos seus lugares os três retábulos.
Todavia, ou porque a igreja não reunia ainda as condições para receber os retábulos, ou
porque o escultor não pôde cumprir com o estabelecido no contrato, o certo é que
Miguel Coelho não tinha todos os retábulos colocados em 1710.
O mais provável é ter despachado o do altar-mor e talvez o do altar do Senhor da Cruz.
Ficamos com a impressão de que se trabalhou à pressa, nas últimas semanas (como
parece habitual no nosso país), para a abertura do templo ao culto com o mínimo de
dignidade.
19
AISC, Caixa 1, Contrato para a construção dos três retábulos.
Alguns anos depois, Miguel Coelho ainda recebe dinheiro das obras em andamento. Em
1714 é-lhe entregue a quantia de 30.000 réis relacionada com os retábulos e, conforme
pode ler-se no documento, em 1715 recebe 10.300 réis por conta da “sua obra” ficando,
porém, na posse do tesoureiro Manuel Ferreira 30.000 réis “para entregar ao dito
escultor assim que assentar o retábulo”.
Pode pois concluir-se que, em 1715, pelo menos um
dos retábulos – decerto o da Senhora das Dores –,
estava ainda por colocar.
A este propósito, convém referir que a imagem de
Nossa Senhora das Dores foi oferecida em 1717
pelo tio de Manuel de Matos, tesoureiro em
exercício, pelo que o culto mariano nesta igreja teve
início nesta data.
Entre 1715 e 1718, o referido mestre entalhador e escultor Miguel Coelho recebeu
várias quantias, uma das quais por “conta da obra que se lhe devia”. Em 1718 era-lhe
ainda entregue a quantia de 16.000 réis, desta vez pelo entalhamento do frontal do altar
do Senhor da Cruz (o que denota uma possível insatisfação quanto ao resultado final do
altar de 1710) e dos dois anjos lampadários que se encontram à entrada da capela-mor,
para além da moldura da “vidraça do Senhor” que também executa neste ano.
Anjo lampadário, uma escultura de 1718
da autoria do mestre barcelense Miguel
Coelho.
É pois de aceitar que a existência de uma vidraça a isolar a imagem dos fiéis e de um
frontal, num retábulo que certamente obedecia à estética do chamado estilo nacional,
denunciam uma enorme diferença entre o altar que hoje podemos observar (construído
em 1736) e aquele saído das mãos de Miguel Coelho.
O novo retábulo não terá a vidraça para proteger o Senhor da Cruz da irresistível
vontade dos fiéis de lhe tocar, participando do sagrado, mas há-de ter um poderoso e
belo frontal e um cortinado de damasco, que apenas se abrirá em certas celebrações e
solenidades. Em situações especiais, como sejam a passagem de alguns devotos por
Barcelos e o desejo ardente de verem o Senhor, em troca de esmola especial, podia o
sacristão ou o servo da igreja mostrar-lhe a imagem.
Mas não se pense que as obras a decorrer a partir de 1710 se limitavam ao
entalhamento dos altares.
Em 1711, o carpinteiro Manuel Pereira fez e pregou o soalho da sacristia, por 3.000 réis
e construiu um arcaz, por 18.000 réis, para se guardarem os paramentos dos sacerdotes.
Ao serralheiro Manuel Francisco coube fornecer as ferragens do referido arcaz, no
valor de 350 réis. No mesmo ano foram registadas despesas relacionadas com as grades
que “estão nos arcos”, colocadas por Domingos Pereira, que também consertou as
caixas das esmolas.
A referência às grades dos arcos tem o valor de nos elucidar que em 1711 já estariam os
retábulos mor e do Senhor da Cruz colocados nos seus respectivos lugares.
O ano de 1714 revela-se de particular importância, quer pelas obras identificadas nas
rubricas das despesas, quer pelo inventário então elaborado e que nos dá conta do
recheio então existente.
As rubricas inseridas no capítulo das despesas são bem expressivas da dinâmica
empreendida na igreja que assistiu nesse ano à colocação das vidraças nos oito vãos do
zimbório e ao primeiro conserto das janelas em geral, a diversas obras de acabamentos
e/ou arranjos no interior, à pavimentação do interior onde funciona o culto, enfim à
reforma dos estatutos da irmandade.
Nos anos subsequentes, variadíssimas despesas com obras ou arranjos no templo,
evidenciam uma forte dinâmica religiosa e artística em torno do Senhor da Cruz, ora
ampliando o recheio e o património artístico e religioso da irmandade, ora reformando
os espaços e enriquecendo-lhes o culto. Assim será, com toda a evidência, até finais da
década de 1730.
A título de exemplo, apresenta-se um quadro resumo das principais despesas de 1714,
registadas no livro das receitas e despesas de 1706 a 1721, que atestam o quanto se
trabalhava ainda no Senhor da Cruz, embora o templo estivesse aberto ao culto desde
1710.
DESPESAS RELACIONADAS COM OBRAS NO TEMPLO DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ – 171420
MESTRE, ARTISTA
OU ARTÍFICE
DESDRIÇÃO DA OBRA REALIZADA MONTANTE
(RÉIS)
Mestre escultor Miguel
Coelho, de Barcelos.
Despesa relacionada com a obra dos retábulos, iniciada nos finais de 1709. 30.000
Mestre pedreiro Miguel
Fernandes.
Verba que se lhe estava a dever da “obra do templo”. 100.000
Miguel Fernandes e mais
“consortes”.
Ainda por conta “do que se lhe estava devendo da obra do templo”. 100.000
Miguel Fernandes. Lajeamento do interior da igreja. Foi chamado este mestre “por não haver outro oficial, que com
mais cómodo quisesse fazer sendo rogados para fazer esta obra a seis oficiais”.
125.000
Despesa, em pão e vinho, com 265 carreteiros que transportaram a pedra para o lajeado da igreja –
“por se dar só a cada carreteiro dez réis de pão, e um quartilho de vinho”.
6.476
Um pedreiro. Gravação dos números das sepulturas (três dias de salário). 560
Carpinteiro Bento
Pereira.
No altar do Senhor da Cruz: portas novas de castanho para a tribuna, arranjo de uma grade para o
frontal, construção de uns degraus de acesso e entaipamento de um vão que existia.
Uma grade nova de castanho para o frontal de tela do altar-mor.
2.700
Oito almarazes, 6 para pregar a tela da grade da capela-mor e 2 para a do altar do Bom Jesus. 250
Armador Manuel
Nogueira.
Conserto do altar do Senhor da Cruz, aquando da visita a Barcelos do arcebispo de Braga, em 6 de
Julho.
200
Carpinteiro António
Simões.
Construção das três portas da entrada da igreja, a principal e as duas laterais, feitas de madeira
vinda do Brasil (já tinham sido pagos 24.000 réis).
23.000
Ferreiro Jerónimo
Francisco, de Braga.
Parte da ferragem que forneceu para as três portas da entrada da igreja. 36.000
20
AISC, Livro as receitas e despesas de 1706-1721.
Almofadas de “todas as portas”, 4 dobradiças, 25 parafusos, 10 chumbadouros e os pregos para as
ferragens.
9.700
Vidraceiro Jaquinha, de
Braga.
Colocação das oito vidraças do zimbório. 31.400
Vidraceiro Manuel
Ferreira de Sousa, de
Braga.
Conserto de todas as vidraças do templo, incluindo os materiais (vidro, redes, presilhas, cal) e a
caiação. 25.710
Matias Manuel
Fernandes.
Conserto de um missal, redacção da pauta de missas e “reforma dos estatutos”. 2.400
Imaginário Gualter de
Sousa, de Lijó.
Feitura das imagens de Nossa Senhora e de S. João Evangelista, ambas destinadas à tribuna do
altar-mor.
1.440
Pintor Luís de Oliveira,
de Barcelos.
Por “encarnar e pintar a pauta da sacristia” e pintar os ferros da referida pauta. (Tratava-se
certamente da relação das missas e demais ofícios a que os capelães tinham de dar cumprimento,
por força das obrigações constantes dos legados e de determinações estatutárias).
940
Luís de Oliveira. Pintura de letras de ouro “numas medidas” do Bom Jesus. 1.440
Luís de Oliveira. Pintura da imagem de Cristo Crucificado, colocada no altar-mor. 8.170
Deslocação do tesoureiro à cidade de Braga, para levar o projecto de estatutos (a ser confirmado
pelo arcebispo) e trazer uma carta de excomunhão destinada aos devedores do Senhor da Cruz.
1.377
Conserto, na cidade de Braga, de um missal.
Aquisição de um lavabo, um evangelho e uma salva para o altar do Senhor da Cruz.
1.080
Aquisição de duas tochas para a mesa da irmandade. 1.650
Aquisição de uma pedra de ara, vinda de Tibães, incluindo o seu transporte. 650
Colocação de um arco das cortinas na tribuna do altar do Senhor da Cruz.
Compra de uma chave nova para o levantamento das sepulturas.
380
Tingimento das cortinas de roxo “para a tribuna do Bom Jesus”, na cidade do Porto. 300
Compra do esguicho de bronze para o lavatório da sacristia. 240
Compra de dois livros, um para os inventários e outro para o registo das sepulturas. 520
Para fazer face às despesas, a irmandade socorria-se das receitas provenientes do
dinheiro a juro, das jóias de inscrição na irmandade e dos anuais dos irmãos, das rendas
e pensões, dos enterramentos e sobretudo das muitas esmolas que anualmente davam
entrada nos seus cofres.
Em 1714, ao falecer, o padre António Coelho deixou 100.000 réis para “ajudar a dourar
o retábulo” do altar-mor e, claro está, para a celebração de duas missas anuais pela sua
alma. Nesta mesma data, o juiz da irmandade D. Prior André de Sousa da Cunha,
aplicou no lajeamento da igreja 100.820 réis, dos quais 60.820 tinham vindo de um
devoto lisboeta e os restantes 40.000 tinha ele próprio prometido, havia anos, como
constava do livro das esmolas para a construção do novo templo.
Inácio da Silva Medela, como atrás se disse, enviou no mesmo ano, do Rio de Janeiro,
uma verba de 100.000 réis para as obras do Senhor da Cruz.
Ainda em 1714, chegou uma caixa de açúcar enviada por alguns devotos residentes no
Brasil, que foi vendida na cidade do Porto por Bernardo de Sousa de Miranda. O seu
rendimento líquido foi de 53.672 réis.
Diogo da Cunha entregou uma moeda de ouro e um devoto de S. Paio do Carvalhal
ofereceu outra, ambas no valor de 9.600 réis, destinadas ao conserto das vidraças.
Enfim, João Barbosa e Faria e sua mulher D. Luísa, moradores no Passo Velho,
deixaram em testamento ao Senhor da Cruz 10.000 réis.
Pormenor de receitas recebidas pelo tesoureiro da mesa da
irmandade, documento do século XVIII.
Evidentemente que os rendimentos não provinham apenas das esmolas e dos legados.
Numa época em que as instituições de crédito laicas não correspondiam às necessidades
da sociedade, e a prática da usura tinha deixado de ser considerada pecaminosa, pela
Igreja, a Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz (a exemplo de inúmeras instituições
religiosas e/ou associação de fiéis) investia os seus capitais em empréstimos a juros,
multiplicando os recursos financeiros disponíveis. Era assim, pelo menos, desde cerca
de 1650, década em que dera entrada no cofre da irmandade um legado no valor de
500.000 réis.
Nos séculos XVIII e XIX, a organização dos devotos do Senhor da Cruz transformar-se-
á numa importante instituição de crédito da vila. Por exemplo, em 1715 o dinheiro que
corria a juros rendeu à irmandade mais de 100.000 réis.
As pensões e rendas em dinheiro ou géneros de várias propriedades rústicas, entre as
quais as das freguesias de Moure e de Palme, contribuíam para as obras e para o
enriquecimento do Senhor da Cruz. Vendiam-se o vinho, o tremoço, o linho e o pão
oriundos das rendas e das esmolas que iam enchendo as caixas do templo. Em 1715
venderam-se 91 rasas e meia de cereais que renderam 21.960 réis.
O aluguer dos espaços à volta da igreja, nos dias festivos, também entrava nas contas do
Senhor da Cruz. O mercador Manuel Luís Tamel pagou em 1711-1714 pelo aluguer do
espaço onde armou a sua tenda “pegada ao templo do Bom Jesus” 2.880 réis; em 1714 o
mercador Jacinto Ferreira pagou 960 réis pelo sítio da sua tenda, mas em 1715 já pagou
1.920 réis “de pôr também a sua tenda junto do templo”; e a mesma quantia foi paga
pelo comerciante Manuel Pires, pelo aluguer “do posto em que punha a tenda”.
Como se percebe da leitura atenta da documentação,
eram várias as fontes de receitas para fazer face às
despesas crescentemente avultadas.
As bacias para a recolha de esmolas, estrategicamente
colocadas na igreja(distribuídas) (como hoje o são as
caixas das esmolas no interior de qualquer templo),
completavam os meios financeiros indispensáveis ao
regular funcionamento da vida sócio-religiosa
organizada em torno do Senhor dos Santos Passos e à
sombra dos milagres da Santa Cruz.
É de notar que estávamos numa época em que as despesas inerentes ao cargo de juiz da
irmandade corriam por conta da sua(própria)fazenda. Em 1714 o escrivão declarou que
foram entregues 18.600 réis pelo cónego Manuel Lopes da Costa, em nome de D.
Manuel de Azevedo e Ataíde, verba que havia sido gasta pela irmandade em 1711
quando este fora juiz, mas que “os gastos, que pertencem aos juízes são por sua conta
conforme os estatutos”.
No ano seguinte, em 1715, foram entregues 204.647 réis, produto de 82 rubricas
registadas no mencionado livro das esmolas, o que nos esclarece do alcance da
angariação de fundos para a construção da nova igreja, cuja campanha havia sido
iniciada em 1698.
Aliás, entre 1715 e 1718 assistimos ainda à liquidação de promessas que haviam sido
feitas naquele livro, nomeadamente a indicação de 57 verbas totalizando 156.950 réis
provenientes do “livro das promessas das esmolas”, e a quantia de 91.110 réis entregue
por Manuel Maciel Ferreira e seus filhos “como do livro das obras consta”21
.
Infelizmente, não há indícios deste “livro das obras”, que indiscutivelmente muito nos
esclareceria acerca dos protagonistas e das vicissitudes que um projecto de arquitectura
desta qualidade sempre implica.
As obras do adro e do telhado: 1717-1719
____________________________________________________________
Num primeiro olhar parecia-nos que em Setembro de 1715 as obras estariam dadas por
concluídas e todos os seus espaços devidamente asseados, incluindo a área em redor da
igreja, pois nessa data foi paga a quantia de 960 réis de “arrimar a pedra” e limpar o
“campo em redondo da capela do Senhor”. Depois das obras, embelezam-se os espaços
internos, organizam-se e limpam-se os acessos.
21
Idem, Ibidem.
Sabíamos que tinham sido utilizadas sete canadas de óleo e “mais ingrediente”, que
custaram à irmandade 4.020 réis e o pintor chamado recebeu 3.660 por “olear as portas
do templo”. Comprou-se uma imagem dos Santos Passos por 400 réis e despendeu-se
pelo feitio da sua cabeleira 570 réis. Mais caro o cabelo que o corpo, decerto por se
tratar de uma imagem em armação de roca. A túnica de tafetá roxo esconderá o vazio da
imagem.
O inventário elaborado em Fevereiro de 1714 é suficientemente claro quanto ao recheio
existente. Nele se refere uma imagem de Cristo Crucificado, colocada no retábulo da
sacristia e que tinha umas cortinas de chamelote tostado para a cobrir; a imagem de
Cristo Crucificado “ainda por incarnar”, que se encontrava na tribuna do altar-mor; a
imagem do Cristo dos Passos atrás referida, com duas túnicas de tafetá roxo, uma das
quais nova; a imagem do Bom Jesus da Cruz às Costas com seu “diadema, e cruz de
espinhos tudo de prata”; uma cruz de prata, com o Santo Lenho; três lampadários de
prata; cálices e outras alfaias litúrgicas, também em prata; um realejo, tocheiros e
castiçais, sacras, evangelhos, lavabos, jarras, toalhas dos altares, cortinados, vários
paramentos e missais, enfim todos os objectos inerentes à recriação da Procissão dos
Passos. Sem esquecermos os sete quadros já velhos que tinham saído, provavelmente,
do retábulo do século XVII.
Há que juntar ainda “seis couçoeiras de pau do Brasil, e nove paus roliços de
jacarandá”, matéria-prima para os gradeamentos que faltam. De resto, tudo parecia estar
em ordem. Sim, tudo composto, de portas adentro. A procissão, porém, ainda estava no
adro… Importantes obras se terão ainda de realizar!
Quando, em 17 de Março de 1718, o escrivão da irmandade lança as receitas e (as)
despesas que vinham desde Setembro de 1715 surpreende-nos com várias parcelas
directamente relacionadas com a pavimentação da área exterior.
Afinal, o homem que arrimou a pedra e limpou o “campo em redondo”, mais não tinha
feito que preparar o novo estaleiro. Até aos inícios de 1719, algumas rubricas andam
ligadas ao “pátio da igreja”, segundo pudemos apurar no livro das receitas e despesas da
irmandade.
O cruzamento desta fonte documental com uma outra dos finais de 1716 permitiu-nos
datar com bastante precisão a chamada obra do pátio, ou adro da igreja, que no entanto
virá a sofrer alterações no século XIX e inícios do século XX, até chegar ao aspecto que
hoje apresenta. Mas a primeira pavimentação do adro foi resolvida em 1717-1719.
Com efeito, no dia 15 de Dezembro de 1716 foi assinada uma escritura pública através
da qual Manuel da Costa Guimarães, da vila de Guimarães, fez um donativo ao Senhor
Bom Jesus da Cruz, na pessoa do prior da colegiada e juiz da irmandade, D. André de
Sousa da Cunha, esmola destinada a “se fazer um pátio na entrada da sua capela sita no
Campo da Feira”.
Manuel da Costa Guimarães apresenta dois motivos justificativos da doação: a devoção
que “sempre teve” ao Senhor Bom Jesus da Cruz e o cumprimento de uma “promessa
que lhe tinha feito se o ajudasse a certos negócios” que tivera.
Pormenor do adro do templo do Senhor da Cruz,
contíguo ao Largo da Porta Nova.
No cumprimento da promessa, uma boa parte foi entregue em papéis de dívidas que a
irmandade deveria cobrar ou executar juntos dos devedores deste devoto vimaranense.
DIVIDAS A MANUEL DA COSTA GUIMARÃES, QUE
INTEGRARAM A DOAÇÃO PARA AS OBRAS DO ADRO – 1716
NOME DO DEVEDOR MONTANTE
(em réis)
Gaspar Ribeiro Lopes, da vila de Barcelos. 4.800
Manuel Fiúza, da vila de Barcelos. 7.500
Rafael Carneiro, da freguesia de Barcelinhos. 18.040
António Barbosa da Cunha, da freguesia da Pousa. 7.200
Manuel Fernandes Tamel, da vila de Barcelos. 72.000
Tomás de Sousa, da vila de Barcelos. 3.910
Paulo da Rocha, da vila de Barcelos. 10.720
Manuel Ribeiro dos Santos, sapateiro de Barcelinhos. 4.660
João de Almeida e Faria, da vila de Barcelos. 4.800
Relativamente à dívida de João de Almeida e Faria, o doador já tinha obtido uma
sentença favorável, que era preciso executar. Manuel da Costa Guimarães entregava
também à irmandade os direitos e acções resultantes de uma sentença contra Lourenço
Maciel, de Darque, relativamente a umas casas térreas que houvera arrematado;
finalmente cedia os direitos e acções que detinha contra os moradores da freguesia de
Perelhal, de dívidas das rendas alusivas ao préstimo a pagar à “sereníssima casa de
Bragança”, referentes aos três anos em que Costa Guimarães havia sido rendeiro do
referido préstimo.
Todas estas dívidas ficava a mesa da irmandade obrigada a cobrar e a executar. Porém,
caso não fosse possível executar alguma delas, o devoto de Guimarães entregaria o
valor correspondente, até perfazer os 200.000 réis prometidos. Na data da assinatura do
contrato o doador entregou quatro moedas de ouro ao juiz da irmandade.
Esta escritura de doação foi exarada na nota do tabelião Simão Francisco de Abreu e
assinada pelos seguintes intervenientes: Manuel da Costa Guimarães e o juiz da
irmandade D. André de Sousa da Cunha; Luís Rodrigues Dias, Cristóvão, Manuel de
Matos, Manuel da Costa Azevedo (todos membros da mesa); o tabelião e as
testemunhas Luís Rodrigues Dias, assistente na casa do prior da colegiada e Cristóvão,
solteiro, natural da freguesia de Alheira e familiar da mesma casa.
Quanto às dívidas referidas sabemos pelas contas encerradas a 17 de Março de 1718 que
as mesmas foram em geral liquidadas, nomeadamente as de Gaspar Ribeiro Lopes,
Rafael Carneiro, Manuel Ribeiro dos Santos, Tomás de Sousa, António Barbosa da
freguesia da Pousa e a de Paulo da Rocha.
No respeitante às casas de Lourenço Manuel, da freguesia de Darque, Viana do Castelo,
o livro de receitas e despesas esclarece que a irmandade recebeu 22.500 réis, tendo no
entanto de gastar 1.120 réis com o “aluguer da besta”, o jantar e a ceia do escrivão e do
homem que o acompanhou a pé na deslocação a Darque para a tomada de posse das
mencionadas casas térreas, isto é, sem sobrado.
Entretanto somos informados pelo escrivão que o tesoureiro Manuel de Matos foi
obrigado a entregar 4.800 réis em nome de João de Almeida, relacionados com a doação
de Manuel da Costa Guimarães, “porquanto os oficiais da confraria o obrigaram a este
tesoureiro que o pagasse, visto se lhe não ter feito a execução por sua culpa, e lhe querer
esperar pela dita dívida sem ordem da confraria”.
Possivelmente para completar a promessa que havia feito, Manuel da Costa Guimarães
entregou ao juiz mais quatro moedas em ouro no valor de 19.200 réis, por “conta dos
duzentos mil”.
O mestre pedreiro contratado para o lajeamento do adro foi de novo Miguel Fernandes,
que por esta ocasião, cerca de 1717, ainda recebeu 51.893 réis “por uma paga de todo o
templo […] que se lhe estava a dever”, verba que devia estar relacionada com a
pavimentação do interior da igreja.
Vários pedreiros participaram, logicamente, na obra confiada ao mestre. É o caso de
Domingos Cardoso, de Cossourado, a quem a irmandade paga 35.000 réis em 1721,
“que lhe ficarão devendo os oficiais passados a saber do pátio das portas colaterais para
traz”. Para elaborar os indispensáveis apontamentos para a execução da obra, a
irmandade chamou o mestre Domingos Moreira a quem paga 2.400 réis.
O quadro resumo que a seguir se apresenta é suficientemente esclarecedor acerca dos
homens e dos meios envolvidos neste arranjo urbanístico, que veio acentuar a
importância do Largo da Porta Nova como o principal centro cívico dos barcelenses.
DESPESAS COM A PAVIMENTAÇÃO DO ADRO – 1717-171922
DESCRIÇÃO DA DESPESA MONTANTE
(em réis)
Dezanove carretos de pedra. 3.040
Com um homem de Abade do Neiva, por quatro carretos de pedra. 800
Cal para o lajeado, “por duas vezes”. 3.560
Mais cal. 2.400
Com um homem de Vilar do Monte, por um carreto (de pedra). 160
Pão e vinho para os carreteiros que trouxeram a pedra. 1.430
Completamento de um carreto de cal. 330
Com o mestre Miguel Fernandes. 9.600
Com Bento da Costa, para pagar aos carreteiros de pedra. 1.070
Com o mestre Miguel Fernandes, “para o lajeado do templo”. 68.000
Com o mestre pedreiro Domingos Moreira, “por vir fazer os
apontamentos do pátio”.
2.400
Sessenta e dois alqueires de cal e seu carreto. 4.960
Cal encomendada pelo prior da colegiada e juiz da irmandade. 1.440
Com quem acarretou a pedra para o lajeamento do adro. 4.800
A Bento da Costa pela condução da pedra para o adro. 1.800
Compra de mais cal. 1.500
Aluguer da “besta de ir à pedra”. 300
Trinta e cinco alqueires de cal. 2.470
Aos carreteiros de Vilar do Monte, “pelo ajuste dos 13.000 réis”. 8.200
Com Bento da Costa, pelo pão e vinho que gastou com os carreteiros. 14.060
Com o mestre pedreiro Miguel Fernandes. 33.600
Com o aluguer de uma mula, “de quando se foi à pedra”. 240
Com os pedreiros que andaram no lajeamento do adro da igreja. 233.400
Com os mencionados pedreiros. 57.062
Cal que “tinha vindo, e era o resto”. 180
Com Bento da Costa, das despesas com os carreteiros da pedra. 4.750
Com os pedreiros que concluíram as obras do pátio. 120
O adro, cuja pavimentação em granito estava concluída em 1719, não correspondia
exactamente ao que hoje podemos observar.
Conforme pode ler-se no livro das contas de 1721-1750, em 1723 deu entrada nos
cofres da irmandade uma esmola de 4.800 réis, que foi aplicada “para ajuda da faixa, e
assentos de pedra de esquadria ao redor do templo”.
Uma simples “faixa” e bancos de granito circundavam a igreja e não os muros que hoje
podemos ver, aspecto que, aliás, uma gravura talvez da primeira metade do século XIX,
permite claramente perceber.
22
Idem, Ibidem.
Os pilares toscanos que suportam as esferas são do século XVIII, sem dúvida, mas os
muros que os ligam uns aos outros em redor do templo e o assento de granito colocado
nas traseiras, que podemos hoje observar, resultaram de uma intervenção ocorrida entre
1868 e 1869.
De facto, de acordo com uma relação de
despesas registada entre Setembro 1868 e
Fevereiro de 1869, pode verificar-se a
compra de materiais e o pagamento de mão-
de-obra utilizada na construção dos muros e
nos assentos colocados no adro do Senhor
da Cruz.
Nesta obra participaram os pedreiros João
Manso, Domingos Gonçalves e Domingos
Alves da Costa, ambos(estes dois últimos) da
freguesia de Lijó, Francisco de Paula e Luís
Ferreira Peneda, residentes na vila.
Trabalharam ainda outros oficiais, ajudantes e jornaleiros, como pode ver-se no
documento onde se registou a “conta das despesas feitas com os paredãozinhos e
assentos em volta do adro do Senhor Bom Jesus da Cruz, de Barcelos”23
.
No dia 21 de Dezembro de 1868 pagou-se ao ferreiro Joaquim, de Barcelinhos, pelo
“importe de ferro e feitio do gradeamento que fez para o paredõezinho do adro, lado das
casas, a saber”: 65 quilos de ferro Escócia, no valor de 4.030 réis; 96 quilos de ferro
23
AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Relação de despesas de 1868-1870, fls.
1-2.
Reprodução de gravura, que deve datar da
primeira metade do século XIX, oferecida pelo
Dr. Lapa Carneiro ao Dr. Victor Pinho, que a
publicou com o seu artigo sobre A visita da
rainha D. Maria II a Barcelos, in Barcelos
Revista, N.ºs 9/10, 1998/1999, pp. 53-115.
Aspecto do acesso ao adro, lado sudeste.
redondo, pelo preço de 6.785 réis; 2 quilos de chumbo de barra, 260 réis; 3 quilos de
chumbo que custaram 390 réis e ainda a mão-de-obra que orçou em 5.000 réis24
. (Pode
consultar-se o quadro resumo relativo às obras efectuadas no adro em 1868-1869,
inserido no Capítulo VII).
A colocação de uma grade no muro do lado poente, acentua as diferenças daquilo que
foi o adro nos séculos XVIII e XIX, face ao que hoje podemos observar.
Porém, antes das obras de 1868-1869 já existiam um gradeamento a ligar os pilares da
frontaria, conforme uma imagem da época documenta. Posteriormente, as grades
abrangeram mesmo os quatro lados do adro, como pode verificar-se pelos vestígios
deixados nos 32 pilares e nas suas esferas.
Uma desta imagens do século XIX, a que retrata o templo do Senhor da Cruz e
arredores, permite-nos vislumbrar, e apenas, uma grade na frontaria e não ainda as dos
restantes lados do adro.
24
Idem, fl. 2.
Aspecto da imagem do século XIX alusiva ao templo do Senhor da Cruz,
colorida a aguarela da responsabilidade de José António Gomes de Faria,
funcionário da Biblioteca Municipal de Barcelos.
Montagem de dois postais, inserida nos Apontamentos para a História de Barcelos, do tenente Francisco
Cardoso e Silva, que nos dá uma vista panorâmica do templo do Senhor da Cruz e da sua área envolvente.
Regressando ao século XVIII, na chamada obra do primitivo lajeamento do pátio
previu-se um sistema de fossos dispostos à volta da igreja.
No início optou-se por grades de madeira para a cobertura dos ditos fossos, pois em
1721 o carpinteiro Domingos Pereira foi contratado para fazer as “grades do fosso
grande para trás”, isto é, do fosso da fachada voltada a norte, uma obra que orçou em
3.720 réis. Também nesta data se compraram pregos de “real e meio”, na casa de Diogo
da Cunha, para prender “a metade de um varão que se pôs de novo no fosso de diante”,
ou seja, o resguardo do(no fosso) fosso fronteiriço à fachada principal.
Mas as grades de madeira foram
uma solução de curto prazo, um
remedeio que em 1729 será
superado com a colocação de um
gradeamento de ferro. Hoje
estamos convictos de que, quer as
grades dos fossos à volta do adro,
quer o gradeamento sobre os seus
pequenos muros só terão sido
removidos aquando da intervenção
no pavimento interior e exterior,
em 1909-1910.
Conforme esclarece um documento “a obra das grades do fosso do frontispício”, e
também os “mais fossos que tem o pátio do mesmo templo”, foi dada a lanços em 7 de
Junho de 1729, depois de publicamente divulgada.
Concorreu à arrematação desta obra o mestre ferreiro da vila, António da Costa Leitão,
que se comprometeu a realizar as grades com os alçapões que fossem necessários para
permitirem a limpeza dos fossos e as faria em “vergalhão”, pelo preço de meio tostão
cada arrátel de ferro.
Outro concorrente, o ferreiro João Gonçalves, residente na freguesia de S. João de Vila
Boa, propôs-se arrematar a obra por 45 réis o arrátel, dando-se-lhe uma entrada inicial
para aquisição do ferro necessário; mais disse João Gonçalves que faria o gradeamento
de acordo com os apontamentos a serem fornecidos pela mesa da irmandade e que
começaria a obra pelo fosso da frontaria da igreja; e quando houvesse “mais dinheiro se
Aspecto do adro actual, lado poente.
continuará com os mais”, devendo o tesoureiro entregar-lhe oito moedas para o
arranque dos trabalhos.
A opção recaiu no mestre João Gonçalves, que trabalhou em parceria com Domingos
Ferreira, já que nas contas encerradas a 25 de Janeiro de 1730 aparecem duas verbas
relacionadas com o pagamento a estes dois ferreiros, uma de 73.980 réis, relacionada
com “ferro e mãos” e outra de 95.145 réis, por “conta das grades dos fossos que tem
para fazer”25
.
Também para nossa surpresa e espanto, as contas do Verão de 1719 tinham-nos
mostrado que o telhado foi colocado nas proximidades de 1720. As despesas
pormenorizadas relacionadas com os materiais e a mão-de-obra não deixam quaisquer
dúvidas.
RELAÇÃO DAS DESPESAS COM O TELHADO – 171926
MATERIAIS E MÃO-DE-OBRA MONTANTE
(em réis)
Sessenta e dois sacos de cal em pedra para a obra do telhado, para
cobrir a abóbada.
22.400
Com o transporte da cal em pedra. 6.400
Cento e vinte e dois alqueires de cal em pó. 6.710
Com o transporte da cal em pó. 2.440
Mais 2 sacos de cal em pedra. 1.440
Com o transporte dos 2 sacos de cal em pedra 400
Com as portagens do transporte da cal. 80
Noventa carros de areia. 5.400
Catorze carros de telha a 580 réis cada. 8.120
Mais 25,5 carros de telha a 600 réis cada. 15.300
Com o transporte de 12,5 carros de telha. 740
Com “mais carretos que trouxeram a telha de graça de vinho e pão e
sardinhas”.
194
Com Bento Pereira, despesa onde entram 4 tábuas para “pôr a cal”. 600
Dois cestos e duas cestas para a serventia da obra. 180
Seis cântaros de vinho. 220
Quatro alguidares. 110
Dois potes. 60
Um crivo. 60
Com um homem que foi chamado para “desentulhar terra por dentro
pelos corredores”.
495
“Despendeu para os mestres caiadores que andam no telhado da 29.250
25
AISC, Livro de receitas e despesas de 1721-1750, fl. 128v.
26
AISC, Livro de receitas e despesas de 1706-1721, fls. 57-57v.
abóbada”.
Com os “jornais dos moços que davam serventia aos mestres”. 16.300
Em Setembro a obra do telhado estava concluída, pois foram vendidas as telhas
sobrantes, nomeadamente um carro e um quarto ao pintor Manuel Ferreira, por 750 réis,
e um carro e meio “que ficou na telheira que estava paga e se vendeu” ao médico
Jacinto Vieira, por 900 réis.
Em Fevereiro de 1724 regista-se uma verba de 65 réis paga ao carpinteiro Domingos
Gomes, de uma um conserto no telhado “por chover pelas escadas que vão para as casas
de cima da sacristia da parte do souto”.
Entre 1720 e 1722 também decorreram ainda obras de acabamento no espaço destinado
ao coro e na sacristia.
Nas despesas de 1721 aparece uma rubrica de 445 réis entregue a Bento da Costa, pelos
gastos feitos com os homens que acarretaram a pedra para o lajeamento do coro. Nesta
data pagou-se também o aluguer da besta para o tesoureiro levar “as cartas” ao vigário
de Vilar do Monte e Santa Leocádia de Tamel, “para vir a pedra para o lajeamento do
coro”.
Em simultâneo decorriam obras de acabamentos nas sacristias. A Confraria de Nossa
Senhora da Graça cedeu areia e cal, talvez sobras de alguma obra empreendida;
comprou-se um pincel e pagaram-se seis jornais aos oficiais, no valor de 1.080 réis, que
fizeram os retoques finais e caiou-se a sacristia do “vestidor”, isto é, a sala onde os
sacerdotes se paramentam. (A outra sacristia estava destinada às reuniões da mesa da
irmandade).
O carpinteiro Domingos Pereira cobrou 10.500 réis pelo guarda-roupa de castanho “que
se meteu na parede” da referida sacristia e a casa de Agostinho Nogueira forneceu o
tijolo para “rebocar ao redor do guarda-roupa”.
Desta mesma loja vieram os pregos para
fixar as quatro chapas feitas pelo mestre
ferreiro António Leitão, para a mesa redonda
que entretanto havia sido construída pelo
carpinteiro de Barcelinhos, António Dinis,
Mesa/armário que se encontra na antiga sala
das reuniões, que poderá datar de 1721.
pelo preço de 4.500 réis, destinada,
aparentemente, à sacristia da mesa da
irmandade. Em 1722 continuaram as obras
nas referidas salas.
O vidraceiro Feliz Pereira da Cunha veio
consertar as vidraças partidas e “meter as das
sacristias e uma do zimbório nos caixilhos”;
pagou-se 1.420 réis a Manuel Pereira, de
Barcelinhos, pelos caixilhos de madeira “que
abrem”(?) das sacristias e do zimbório.
No mesmo ano de 1722, refere-se a
construção pelo carpinteiro António Simões
das duas portas das sacristias, sendo a madeira
fornecida pela mesa da irmandade. O
tesoureiro pagou 800 réis por pau do Brasil,
madeira que faltava para as ditas portas e que
comprou às sobrinhas de Domingos de Faria
Leite.
O serralheiro António Gonçalves, de Barcelinhos, forneceu antes de Fevereiro de 1723
as ferragens das mesmas portas das sacristias, pelo preço de 4.800 réis.
Fundição e instalação dos sinos
____________________________________________________________
O toque dos sinos era fundamental na regulação da vida dos fiéis. A chamada para a
missa e o dobre de finados requeriam sinos e braços capazes de, com a ajuda de cordas,
fazê-los vibrar, dobrando-os quando a isso obrigavam os ofícios da liturgia.
Sendo fundamental para a chamada dos crentes, sinal de vida e sinal de morte, os sinos
devem ter sido colocados logo que a torre se edificou. Foi uma tarefa árdua que
envolveu o sineiro, ferreiros, carpinteiros, pedreiros, carreteiros. Estamos em crer que,
sem pelo menos um sino, a igreja não foi aberta ao culto, a menos que se chamassem os
crentes pela sineta da velha capela, o que não será crível.
As fontes existentes nada dizem acerca deste aspecto tão importante, qual relógio
sonoro, estridente, audível na cercania da vila e dos arrabaldes, qual despique com o
fuso solar na marcação das horas e na convocação das gentes.
Sabemos, porém, quando um documento finalmente alumia a nossa mente, que em 1719
havia já um grave problema a resolver, relacionado com a torre sineira: o sino grande
não dobrava!
Tornara-se pois necessário consertá-lo. Por isso o mestre sineiro Domingos Pereira foi
chamado e comprou-se chumbo para robustecer e tornar mais pesada a porca do
mencionado sino – “para se dobrar pois o não fazia”.
Mas o mal deveria ser de raiz. Em 17 de Fevereiro de 1730 foi contratado o mestre
ferreiro da cidade de Braga, José Rodrigues, para a fundição do “sino grande”, cujo
contrato minuciosamente elaborado existe no arquivo da irmandade.
O contrato de obrigação para a fundição e colocação do sino, bem como os
apontamentos (onde todas as obrigações foram enunciadas até ao mais pequeno
pormenor), encontra-se registado em treze folhas manuscritas e foi assinado pelo mestre
sineiro, pelo procurador e tesoureiro Gervásio Barroso e Basto, pelo tabelião Amaro
Lopes de Azevedo e pelas testemunhas.
Como fiadores do mestre assinaram João de Arantes e Geraldo Barbosa, ambos também
de Braga.
No dia 4 de Maio de 1730 o mestre José Rodrigues assinou, no verso da última folha do
contrato, que recebeu 69.350 réis, entregues por Gervásio Barroso e Basto “do ajuste do
sino que fiz para a capela do Senhor da Cruz como bem a saber cinquenta e sete mil e
seis centos reis, e mais nove mil e trezentos e cinquenta réis que importavam vinte e
sete arráteis e meio que cresceu e mais meia moeda que mandaram dar para ajuda dos
gastos, e por assim ser verdade fiz esta que assino hoje. Barcelos 4 de Maio de 1730
anos. José Rodrigues”27
.
Sete décadas depois, em 28 de Julho de 1803, José Feliz Pereira dos Santos assinou um
documento no qual declarou ter recebido do tesoureiro padre José Alves Redondo da
Cruz 55.290 réis, por conta do “importe do sino meão e seus aparelhos” pelo que a
irmandade apenas lhe ficou a dever 37.450 réis, que lhe seriam entregues quando o
mesmo fosse aprovado “pela presente mesa”.
Mais esclarece o mestre sineiro José dos Santos, na nota de despesa sobre o sino médio,
que, no caso do sino não ser aprovado “me obrigo a fundir-lhe outro, cujo contrato e
tempo da sua aprovação será feito em dois meses”.
Um documento sem data, mas que é desta fase, refere a conta “da sineta da capela do
Bom Jesus”, que custou 40.440 réis, mas como se descontaram 20.000 do valor da
velha, pagou-se apenas 20.440 réis. Este documento foi assinado pelo mesmo sineiro
José Feliz Pereira dos Santos, que indicou ter recebido esta quantia das mãos de Carlos
Luís de Sousa.
Outro documento foi ainda rubricado pelo mesmo autor, quando apresentou a conta do
“peso e importe do sino novo” que fundiu e “seus aparelhos”, tudo no valor de 156.740
réis; mas como descontou 64.000 do sino velho, ficou a despesa do dito sino em 92.740
réis.
27
AISC, Caixa 1, Contrato de fundição do sino grande.
Aspecto interior da torre sineira, onde pode ver-se o chamado
sino grande.
Talvez da primeira metade do século XIX, um novo documento escrito dá-nos conta
dum registo de João Lima acerca do peso do sino novo (46 arrobas e 20 arráteis), que
correspondia a 447.600 réis. Na mesma nota refere-se que o sino velho há-de pesar-se
mas que andará pelo mesmo e valerá cerca de164.120 réis. Acrescenta o sineiro que
pesou o barro que pôde aproveitar e “que ainda tirei do sino depois de pesado”, o qual
poderia ser abatido caso a mesa da irmandade assim o entendesse28
.
Sob o toque do nosso olhar e sob debaixo do convite da nossa (e guiados pelos sons da
nossa sensibilidade), depois deste magro discurso sobre a sonoridade da torre sineira,
entremos respeitosamente no interior do templo.
28
Idem, Despesa com o sino meão.

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A igreja do Senhor Bom Jesus da Cruz em Barcelos

  • 1. CAPÍTULO II A NOVA MORADA DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ
  • 2. A igreja do século XVIII ____________________________________________________________ Corria ainda o século XVII quando a equipa dirigente dos destinos da irmandade promoveu a ideia de se construir um templo junto à antiga capela do Santo Cristo, a sudoeste do Campo da Feira. A comissão responsável pela dinamização do projecto foi formalmente constituída em 21 de Maio de 1698, pelos barcelenses António de Faria Machado, Manuel de Andrade e Almada e Domingos de Faria Leite e Cana, coadjuvados pelos padres Manuel Garcia de Carvalho, Domingos Carvalho e José Ribeiro. Nesta mesma data procedeu-se à abertura de um livro destinado ao registo das esmolas para as obras do novo templo. Livro que serve de assentarem os devotos as esmolas com que se oferecem para o templo, que se quer dar princípio na capela do Santo Cristo no Campo das Cruzes desta vila de Barcelos, o qual livro vai numerado, e rubricado pelo padre Domingos Carvalho vigário de S. Martinho de Vila Frescainha. Barcelos 21 de Maio de 1698. O primeiro trabalho da comissão foi, naturalmente, promover uma subscrição pública que contou, de imediato, com a participação da comarca de Viana, na pessoa do seu provedor, o Dr. Luís da Costa e Faria que, com a “autoridade dos vereadores”, fez a entrega de 112.216 réis “para princípio desta obra”. Verificando os registos do referido livro, a recolha de esmolas destinadas às principais obras de arquitectura da actual igreja decorreu entre 1698 e 1715 e contou com a participação de largas centenas de crentes, incluindo os da comunidade radicada no Brasil. Desta antiga colónia portuguesa vieram, de facto, inúmeras esmolas, não apenas em dinheiro, mas também em caixas de açúcar e madeira de jacarandá. O donativo individual mais elevado veio do Rio de Janeiro, mandado por Inácio da Silva Medela, um próspero homem de negócios que na década de 1720 instituirá um coro no Senhor da Cruz (primeiro de 7 e depois de 9 capelães e 2 meninos) dotado do capital necessário para a sua administração e financiando a instalação do cadeiral e do órgão, as estantes e os livros necessários ao seu funcionamento (aspectos que desenvolveremos no Capítulo IV deste livro).
  • 3. Por enquanto, Inácio Medela enviou 108.720 réis, que foram entregues em 30 de Dezembro de 1706 pelo seu irmão José Coelho da Silva Medela (residente em Lisboa) ao tesoureiro das obras iniciadas em 1705, Matias Lopes Ribeiro. Posteriormente, ainda no decurso das obras, enviou mais 20.000 réis1 . Conforme pode ler-se no livro das esmolas para a construção do novo templo, no dia 2 do mesmo mês de Dezembro de 1706 havia dado entrada nos cofres da irmandade uma letra remetida da Baía, resultante de uma colecta entre os irmãos, no valor de 576.120 réis, enviada por Domingos Luís da Costa de Faria e que foi entregue por José Fernandes Braga, da então vila de Viana do Castelo. Já em 1705 haviam chegado do Rio de Janeiro, despachadas por Manuel Leite Correia, “duas caixas de açúcar, uma de doze arrobas, e outra de vinte e cinco”, que deram à costa na barra do Porto e foram entregues a Francisco Machado, “as quais vieram na frota do ano passado, de 704”. ESMOLAS VINDAS DO BRASIL PARA AS OBRAS DO SENHOR DA CRUZ2 Veio do Rio de Janeiro que mandou Manuel Leite Correia duas caixas de açúcar, uma de doze arrobas, e outra de vinte e cinco, as quais vieram à barra do Porto a entregar a Francisco Machado, as quais vieram na frota do ano passado, de 704 vão adiante carregadas. 1 AISC, Livro das esmolas para a construção do novo templo, fls. 25-25v. 2 Idem, fls. 24v, 25v, 26v-27. Pintura a óleo sobre tela, do século XIX, figurando Inácio da Silva Medela, um rico negociante barcelense radicado no Brasil que se destacou como o mais importante benfeitor da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz.
  • 4. Recebi por mão de José Fernandes Braga da vila de Viana que vieram por letra da Baía que mandou o Domingos Luís da Costa de Faria de esmolas que lhe deram quinhentos e setenta e seis cento e vinte réis. Barcelos 2 de Dezembro de 1706 – 576.120. Recebi por mão de José Coelho da Silva Medela da cidade de Lisboa que lhe mandou dar do Rio de Janeiro seu irmão Inácio da Silva Medela […] cento e oito mil setecentos e vinte réis. Barcelos 30 de Dezembro de 1706 – 108.720. Recebi – Matias Lopes Ribeiro. Rendeu a caixa de açúcar que veio do Brasil noventa e sete mil e oitocentos réis – 97.800. Recebi – Lopes Ribeiro. Rendeu o caixão de açúcar que veio do Brasil vinte e sete mil e novecentos e oitenta réis – 27.980. Recebi – Lopes Ribeiro. Rendeu a caixa que se vendeu a Bento Ferreira cinquenta e seis mil e duzentos e cinquenta réis – 56.250. Recebi – Lopes Ribeiro. Da esmola que deu João Gomes da Rocha por Francisco Gomes assistente na Baía dois mil réis – 2.000. Recebi – Lopes Ribeiro. Da esmola que mandou Inácio da Silva Medela do Rio de Janeiro vinte mil réis – 20.000. Recebi – Lopes Ribeiro. Rendeu a caixa de açúcar que veio do Brasil sessenta e nove mil e oitenta réis – 69.080. Recebi – Lopes Ribeiro. [Em anotação, na margem esquerda do livro, registou-se] – Mais duas caixas que recebi o dinheiro do vidraceiro João 100 mil réis dos quais se hão de descontar os seguintes 4.500 ficam 95.500. Recebi do reverendo D. Prior desta vila que se lhe mandou dar de umas madeiras que vieram do Brasil – 40.000. Recebi – Lopes Ribeiro. [...] Aos 16 de Agosto de 1712 recebi que me mandou entregar o Dr. Luís da Costa de Faria que lhe entregou João Anes Casão da Baía que vieram de esmola para as obras trinta e nove mil seiscentos e cinquenta e cinco réis que recebi – 39.655. Recebi – Matias Lopes Ribeiro. […] Recebi de Bernardo de Sousa de Miranda da cidade do Porto cinquenta e três mil e seis centos e setenta e dois réis por cedidos de uma caixa de açúcar que veio do Brasil de esmola para o Bom Jesus que conforme o rol que mandou o dito Bernardo de Sousa de Miranda da importância do frete de direitos, como também pelos direitos
  • 5. que pagou de cinco dúzias de couçoeiras que diz vieram para o mesmo Bom Jesus de esmola no tempo que foi tesoureiro Matias Lopes Ribeiro, o qual tinha também aplicado este dinheiro para o pagamento das ferragens das três portas do templo do Bom Jesus […] e de como os recebi me assino em Barcelos aos vinte e cinco dias do mês de Julho do ano de sete centos e quatorze. Tesoureiro que de presente sirvo Manuel Rodrigues Marques. São 53.672 réis. Entretanto a colecta em Barcelos tinha seguido o seu curso a um ritmo satisfatório. Luís da Costa de Faria entregou em 28 de Setembro de 1709, ao tesoureiro das obras Matias Lopes Ribeiro, a quantia de 1.027.902 réis, “das esmolas que tinha para as obras do Bom Jesus”. Em 1714 continuava a recolha de fundos, agora destinados ao lajeado do interior e às vidraças da igreja, demonstrando-nos que aquando da abertura da igreja ao culto em 1710 algumas importantes obras estavam por concluir. Com efeito, em Junho de 1714, o abade de Alvelos entregou ao prior da colegiada 33.820 réis, “por ordem de um devoto que lhos mandou entregar de esmola para se fazer o lajeamento da capela do Senhor Jesus da Cruz da mesma vila de Barcelos a qual obra está dada por preço de cento e vinte mil réis e já se anda quebrando a pedra para a dita obra”, verba recebida e registada pelo tesoureiro da mesa, Manuel Rodrigues Marques. Também em 22 de Junho de 1714 foi registado um donativo de 27.000 réis entregue pelo mesmo prior, oriundo de um devoto residente na cidade de Lisboa, e que se destinava ao referido pavimento. No dia de Natal de 1714, Manuel de Faria de Eça entregou 4.800 réis, respeitantes a uma esmola dada por Diogo da Cunha “para ajuda das vidraças” 3 . Isto sem contarmos com as obras do telhado, a balaustrada e as 12 elegantes pirâmides que repousam sobre a platibanda, bem como o remate da fachada norte encimado por uma cruz. Enfim os arranjos da área envolvente, como a pavimentação do adro, obra para a qual um devoto de Guimarães entregou ao juiz da Irmandade do Senhor da Cruz, em 1716, um donativo no valor de 200.000 réis. 3 Idem, fls. 26v-27v.
  • 6. De seguida há-de proceder-se à abertura e gradeamento dos fossos em torno da igreja, à erecção dos 32 pilares que suportam outras tantas esferas de granito, que materializam simbolicamente a transição entre o espaço profano e o espaço sagrado. Já quanto aos bancos de pedra dispostos no adro, um dos quais pode ainda ver-se nas traseiras da igreja, e os pequenos muros que ligam os pilares, são obras do século XIX. O arranjo urbanístico operado a sudeste do templo, conhecido no passado como o Passeio das Obras, e hoje o Passeio dos Assentos, indubitavelmente associado ao moderno enquadramento urbano centrado no Senhor da Cruz, terá sido obra da edilidade da década de 1780. O projecto arquitectónico ____________________________________________________________ Para a edificação do novo templo desejava-se um projecto que respondesse às novas necessidades do culto e que se inspirasse no mítico templo de Jerusalém, isto é, um edifício de feição circular, de planta centrada, coberto por uma cúpula4 . O juiz de fora de Barcelos, Dr. Matias de Melo e Lima, interveio junto do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, prelado que parece ter tido um papel decisivo ao apresentar vários desenhos de arquitectura dos quais um veio a ser escolhido. Para além de exercer o cargo de juiz de fora, o Dr. Matias de Melo e Lima foi um dos três juízes da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, entre 6 de Setembro de 1701 e 29 de Setembro de 1702, triunvirato que incluía o provedor da comarca de Viana, Dr. Domingos Marques Cardoso e Belchior Machado de Figueiredo, conforme pode ver-se no livro onde se registavam os termos ou actas das eleições da mesa5 . 4 FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto – Barcelos, p. 66. 5 AISC, Caixa 1, Livro 3 de inventários e eleições, fls. 33-74v. Extracto da escritura de doação feita por Manuel da Costa Guimarães, da antiga vila de Guimarães – 1716.
  • 7. Um manuscrito da Real Biblioteca da Ajuda, com documentos transcritos por Sousa Viterbo, atesta o envolvimento do Dr. Matias de Melo e Lima como “protector para se edificar a igreja do Bom Jesus” em Barcelos6 . Juntamente com uma das cartas que lhe foram dirigidas pelo arcebispo, datada de 15 de Setembro de 1701, D. João de Sousa devolveu-lhe “a primeira planta que se tinha feito” – cuja autoria não foi mencionada e que não deve ter recebido a aprovação do prelado – e remeteu-lhe mais 5 desenhos de arquitectura, talvez todos de planta centrada: três do arquitecto bracarense Manuel Fernandes da Silva e dois do arquitecto régio João Antunes7 . João Antunes ocupou o cargo de arquitecto régio entre 1699-1712, na sequência da morte de Francisco da Silva Tinoco, que o havia ocupado sucessivamente desde 1634 e que faleceu em 1699. Segundo Sousa Viterbo, João Antunes teria exercido como aprendiz o ofício de arquitectura durante cerca de 16 anos, até à sua nomeação como arquitecto da corte. Para além de arquitecto da casa real, João Antunes trabalhou também como arquitecto 6 SOUSA VITERBO – Dicionário Histórico e Documentos dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, Vol. III, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Reedição de 1988, p. 232. 7 Idem, Ibidem. Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 64. Desenho do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, publicado por George Kubler, refazendo a planta do arquitecto João Antunes, próxima de 1705.
  • 8. para as ordens militares, tendo sucedido neste cargo a Mateus do Couto, nomeado por uma carta de 10 de Novembro de 1697 e na qual se referia a sua participação na direcção das obras da igreja de Santa Engrácia, Lisboa8 . Este conceituado arquitecto estaria disponível para um outro risco, caso os dois enviados não agradassem à irmandade. Todavia, o arcebispo chamou à atenção da irmandade para o facto de qualquer das duas plantas comportar uma “despesa considerável” pelo que, receava, “se o Senhor não fizer algum milagre” as obras poderiam permanecer incompletas durante muitos anos9 . Numa outra missiva, datada de 3 de Setembro de 1702, D. João de Sousa remeteu ao Dr. Matias de Melo e Lima o competente alvará régio, com validade por três anos, para o arranque e desenvolvimento das obras de pedraria, alvará que seria renovado ao fim de três anos, caso o andamento das obras o justificasse: Sendo vossa mercê tão efectivo protector das obras do Bom Jesus, é razão lhe remeta o alvará que sua majestade que Deus guarde mandou passar por estes três anos, em que as obras crescerão em forma que mereçam que o dito senhor mande passar segundo alvará; e se eu tiver vida não faltarei em ser solicitador desta diligência. Deus guarde a vossa mercê. Braga 3 de Setembro de 1702. Desconhecem-se os subsequentes desenvolvimentos. Em 29 de Setembro de 1702 toda a mesa administrativa foi substituída, na sequência da eleição anual que então se fazia, permanecendo omissos os papéis desempenhados a partir desta data, quer pelo juiz de fora Dr. Matias de Melo e Lima, quer pelo arcebispo de Braga D. João de Sousa. As mudanças na administração da irmandade e a vinda do novo arcebispo para Braga – D. Rodrigo de Moura Teles ocupou a prelatura da arquidiocese a partir de 1704 – tiveram decerto implicações nos apoios, nas influências e nas posturas dos novos órgãos decisores. Lamentavelmente, desconhecem-se as plantas desenhadas pelo arquitecto e os documentos relacionados com a que foi escolhida. Também não se conhece o contrato do responsável pela execução do projecto, embora pela documentação posterior a 1710 8 Cf. SOUSA VITERBO, ob. cit., Vol. I, pp. 42 e 511. 9 Idem, Vol. III, p. 233.
  • 9. saibamos que a obra foi entregue ao mestre pedreiro barcelense Miguel Fernandes, da freguesia de Cossourado10 . Nenhum documento escrito existe, alusivo ao lançamento da primeira pedra (muito provavelmente em 1705, a fazermos fé no registo epigráfico que se encontra junto da portada principal da igreja), nem ao desenvolvimento das obras ocorridas entre 1705 e 1710. Nada sobre as vicissitudes que o processo construtivo sempre acarreta, enfim o silêncio face à inauguração do novo santuário em 1710. Terão desaparecido de vez, pela voragem do tempo e descuido dos homens? Pareceu aos responsáveis da época que o majestoso templo e as inscrições nas tarjas pétreas seriam suficientes para os vindouros? Aconselham a verdade e o rigor históricos, que as próprias inscrições epigráficas apresentam algo de enganador. A data de 1504, comemorativa da construção da primeira capela, não pode evocar mais que o aparecimento da cruz ao sapateiro João Pires, fixado numa escritura notarial que não foi datada e que logicamente se elaborou à posteriori. Quando muito, e a fazermos fé na total autenticidade do referido instrumento do milagre, na tarde do dia 20 de Dezembro de 1504 ergueu-se uma cruz de madeira de apreciáveis dimensões, cercada de pedras. Apenas depois, talvez no ano seguinte, foi 10 Embora a morada deste mestre pedreiro nunca apareça na documentação relativa ao templo do Senhor da Cruz, deve tratar-se do mesmo mestre Miguel Fernandes cujo nome anda associado às obras de arquitectura do Recolhimento do Menino Deus de Barcelos, na década de 1720 e que nos contratos que assina aparece como residente na freguesia de Cossourado. Fachada principal do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, uma obra edificada, no essencial, em 1705-1710.
  • 10. edificada uma pequena ermida, com base em donativos dos crentes da vila e das redondezas. Segundo o mesmo documento religioso, que apenas conhecemos por via indirecta, pouco tempo depois veio a ampliar-se o espaço da primitiva capela. Quanto à outra inscrição, a de 1705, aquilo que podemos dizer com segurança é que ela deve datar (a decisão da mesa da irmandade quanto à escolha do risco arquitectónico, a contratação do mestre Miguel Fernandes e) o início das obras. As principais obras de arquitectura: 1705-1710 ____________________________________________________________ Resta-nos, por conseguinte, a interessante obra de arquitectura que é o templo do Senhor Bom Jesus da Cruz e duas inscrições epigráficas de elevado significado, a ladearem a portada principal: uma no lado esquerdo de quem entra, que assinala o milagre do aparecimento da Santa Cruz e a decisão de ali se construir um abrigo em seu louvor – EXTRUCTUM ANNO MDIV – e a outra, no lado direito, que evoca o provável início das obras do templo setecentista – AMPLIATUM ANNO MDCCV. Garante-nos o professor Carlos Alberto Ferreira de Almeida que o risco escolhido para o templo do Senhor da Cruz foi, sem qualquer dúvida, o do arquitecto régio João Antunes que “nos tempos sequentes terá desenhado, mais exaustivamente, plantas e alçados”, inferência resultante da leitura da carta do arcebispo, de 15 de Setembro de 1701, quando este afirmou que “quando alguma delas [das duas plantas delineadas por João Antunes e enviadas] contentar no risco em que vem, lhe possa fazer o perfil”11 . 11 FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto – Barcelos, p. 66.
  • 11. Na atribuição do desenho ou planta a João Antunes apontam-se dois factores decisivos: por um lado, a leitura comparada dos edifícios por ele concebidos, ainda que neste caso (o templo do Senhor da Cruz) tenha obedecido a uma concepção “sem o luxo das linhas e de formas que vemos em Santa Engrácia ou na Casa do Tesouro da Sé de Braga”, desenhadas por este arquitecto; por outro lado, a sua participação com uma planta para o retábulo do altar do Senhor Bom Jesus da Cruz, referida aquando da contratação de Miguel Coelho para entalhar os três retábulos, aspecto que dá solidez e validade à sua atribuição. Será lógico, sem dúvida, que o facto de João Antunes ser o responsável por um dos riscos dos retábulos executados a partir de Dezembro de 1709, evidencie o seu envolvimento mais amplo no projecto arquitectónico, com início em 1701, quando desenhou as duas plantas que lhe foram encomendadas pelo arcebispo D. João de Sousa, mas prolongando-se nos anos seguintes. Como atrás se disse, houve entretanto mudanças no comando, tanto em Braga como na Irmandade do Senhor da Cruz. Seja como for, trata-se de uma igreja com uma elegante cúpula erguida sob um bem proporcionado zimbório, num edifício quase redondo, de traçado octogonal, com a capela-mor voltada a norte e definido interiormente por uma cruz grega onde funcionam os espaços litúrgicos, que se articulam através de segmentos semi- circulares. Garantiu-se, assim, um volume exterior de feição ovalado, numa composição baseada em planos reentrantes rectilíneos e côncavos e um interior arredondado e quase simétrico nas áreas que se destinam ao culto, com superfícies convexas a intercalar os planos rectilíneos. Aspecto da balaustrada e do zimbório que coroa a cúpula.
  • 12. Duas estruturas semicirculares, com as quais nos deparamos se entrarmos pelas portas laterais do templo, funcionam como suportes da cúpula (conjuntamente com os dois do pólo oposto) e participam decisivamente na organização das alas nascente e poente, determinando corredores circulantes em direcção às capelas onde se encontram as imagens do Senhor da Cruz, à nossa esquerda e da Senhora das Dores, no lado oposto. Ao interior destas estruturas arredondadas reservou-se uma função eminentemente prática: uma escada helicoidal em cada uma permite o acesso aos púlpitos e aos espaços que conduzem ao coro. Nas estruturas do pólo contrário rasgaram-se as portas que dão acesso à sacristia e à sala onde no passado reunia a mesa da irmandade; a partir desta, e através de sucessivos lanços de escada, alcançam-se os patamares superiores onde vários aposentos guardam alfaias, paramentos, telas de pintura e outras imagens, sacras, jarras, lanternas e o arquivo da real irmandade. Concebeu-se, pois, um edifício de planta centrada, com soluções volumétricas e espaciais que só um bom arquitecto sabe conceber. E um bom mestre pedreiro executar. Eixo central da planta.
  • 13. Alguns elementos decorativos – nomeadamente os balaústres, posteriormente colocados, bem como um remate movimentado na fachada voltada a norte, encimado por uma cruz, e as pirâmides que pontuam toda a balaustrada, que terão sido realizadas em 1760 pelo mestre pedreiro António Gonçalves12 –, acrescentaram leveza e monumentalidade ao edifício. Sobretudo ampliou-se a graciosidade barroca e garantiu- se aos olhos do observador um notável equilíbrio arquitectónico. Aquando da elaboração, em 1840, de um inventário dos “trastes”, paramentos e alfaias do culto, pertencentes à Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, sendo provedor Luís Tomás Veloso de Miranda, o escrevente apresentou a seguinte descrição do edifício: Consta este templo do Bom Jesus da Cruz, de um edifício material, com a forma quase esférica, formado em abóbadas de pedra, sendo a principal com volta de luneta, sobre que assenta uma clarabóia, e as outras de volta em berço, e barrete: é circundado por um adro levantado em perpianho com vários relevos sobre que descansam globos de pedra segundo o gosto do tempo; e com quatro entradas por cima de fossos com grades de ferro. É situado este edifício na parte mais baixa do Campo da Feira com três portas tendo a principal virada a sul, e sobre esta uma torre com quatro sinos denominados, o grande, que está na frente, o das onze, meão, e garrida; e dos lados da torre continuam varandas formadas de balaústres 12 Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67. Remate da fachada voltada a norte.
  • 14. de pedra em torno do templo, que rematam com uma cruz na parte posterior, e por baixo desta a inscrição = ECCE CRUCEM DOMONI. Entre a capela-mor e o altar do Senhor da Cruz colocou-se a sacristia e entre a referida capela maior e o altar da Senhora das Dores arrumou-se a sala das sessões da mesa da irmandade, também designada no século XVIII como sacristia No projecto, perspectivaram-se pois duas sacristias, embora com destinos diferentes, mas muito claros e precisos. A do lado do Evangelho, para os sacerdotes se paramentarem (por vezes referida como a sacristia do “vestidor”) e a do lado da Epístola, para as reuniões da mesa administrativa, muitas vezes mencionada como “a casa da mesa”. Quer numa quer noutra guardam-se importantes espécimes patrimoniais e simbólicos. Enquanto a primeira acolhe valiosas imagens sagradas, uma credência em estilo joanino, um arcaz sob um retábulo neoclássico, um relógio do século XIX e as alfaias e paramentos utilizados nas celebrações litúrgicas; a segunda, para além de guardar a escultura italiana do Senhor da Cruz que sai nas procissões, dá abrigo aos retratos de vários benfeitores, à documentação recente relacionada com a gestão do templo e, firmada no seu centro, pode ver-se a mesa à volta da qual o juiz e restantes elementos da direcção da irmandade reuniam. Outra interessante mesa, esta datável da segunda Aspecto do retábulo marmoreado (madeira pintada a imitar o mármore), de recorte neoclássico, colocado sobre o arcaz da sacristia, cujas pegas recordam ainda o estilo rocaille e que terão sido compradas em Braga, juntamente com os espelhos, em 1752, segundo o professor Ferreira de Almeida. Num nicho do centro do retábulo, fechado com uma porta envidraçada, guardam-se belas imagens dos séculos XVII ao XIX.
  • 15. metade do século XVIII, bem como a poderosa imagem do Senhor Crucificado, apeada do coro depois que este deixou de funcionar, completam o recheio que se encontra nesta segunda “sacristia”. Seria excelente encontrar-se-lhe outro espaço! Pela porta principal, voltada a sul, e pelas laterais, orientadas a sudeste e a sudoeste, têm os crentes e os visitantes em geral acesso ao interior do templo do Senhor da Cruz. Enquanto as portas laterais denunciam uma grande simplicidade formal (justificando a designação de “estilo chão” enunciada por George Kubler no seu livro sobre arquitectura portuguesa), a porta central obedeceu a um esquema mais movimentado. A portada principal foi rematada por um frontão curvo, interrompido pelo pedestal de uma inevitável cruz, garantindo-se simbolismo, graça e harmonia, a que a inclusão de duas pinhas no conjunto não são alheias.
  • 16. As três notas vegetalistas do friso dão a esta entrada axial um certo timbre classicizante; enquanto os emblemas ou tarjas graníticas, e o óculo introduzido para iluminar o coro, acrescentam dinamismo a toda a frontaria, rematada pela torre sineira. Duas pirâmides assentes nos seus pedestais enquadram e dão leveza a esta torre, de cujas pilastras sobressaem pequenas volutas dos capitéis, insinuando um revivalismo jónico da antiga Grécia. Por um lado, as pirâmides parecem acentuar a monumentalidade das pilastras da frontaria, que se inspiraram na ordem toscana; por outro, elas impedem um possível resultado esguio, que poderia ser dado pela torre sineira. Ou seja, um ligeiro mas oportuno toque decorativo – as pirâmides na fachada principal e no remate da fachada norte, repetidas na balaustrada sobrepujada pela cornija, que, com o friso e as pilastras toscanas, ligando todas as paredes – anulam possíveis desequilíbrios e oferecem ao nosso olhar a harmonia de uma majestosa arquitectura. No vértice de cada pirâmide, uma pequena esfera participa deste movimento e desta musicalidade redonda, concordante com o cantochão e o órgão, que era cantado e tocado pelos capelães do coro, desde os inícios da década de 1730. Grandiosidade arquitectónica, com alguma contenção decorativa, completada com um exterior circundado por 32 pilares onde “descansam globos de pedras”. Mas porque, em rigor, o desenho exterior da igreja representa oito lados, também a cúpula da torre sineira deixa perceber uma pequena estrutura oitavada. Quanto aos sinos (badalados pela tracção de cordas até ao último terço do século XX) que pontuavam, no passado, a vida dos fiéis, foram fixados em vãos com arco de volta inteira. Dois janelões rectangulares gradeados, ajudados por dois pequenos vãos, quase quadrados, e pelas aberturas circulares rasgadas na parede fundeira do coro e no topo da cúpula (que se
  • 17. encarrega de receber a luz das oito frestas do zimbório), fornecem a luminosidade natural que se projecta no centro da igreja e quebram a monotonia dos muros, pintados de branco. Os restantes vãos, disseminados pelos restantes muros, iluminam a sacristia, a antiga sala das sessões da mesa da irmandade, as traseiras do altar-mor e várias salas arrumadas sobre as abóbadas das alas laterais. A luz que ilumina o antigo espaço coral foi considerada insuficiente pelos capelães que oficiavam no coro na década de 1770, chegando as suas reclamações a ter ressonância junto da corte arquiepiscopal. Era então arcebispo D. Gaspar de Bragança. Aquando da sua pesquisa no arquivo da irmandade, o tenente Francisco Cardoso e Silva terá encontrado um “processo julgado na Câmara Eclesiástica de Braga” ocorrido entre 1774 e 1778, relacionado com uma visitação ao Senhor da Cruz que determinou se abrissem “frestas que dessem luz para os capelães haverem de rezar no coro e mais funções de sua obrigação”. Tudo indica que este era o desejo dos capelães, cujo pedido nesse sentido figurava na folha 5 do referido processo. Todavia, a mesa discordou frontalmente e pediu o embargo da decisão junto da Câmara Eclesiástica “a fim de que se julgue não ter lugar a satisfação da obra capitulada”, constituindo como advogado da sua causa, em Braga, o Dr. Francisco da Costa Pimentel. A 5 de Fevereiro de 1774 os capelães terão sido citados para uma audiência em Braga, mas recusaram comparecer e tomar parte no processo, tendo a autoridade eclesiástica decidido, em 19 de Março de 1774, mandar proceder a uma “vistoria no lugar da contenda” 13 . Auto de vistoria Ano de nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e setenta e oito anos aos vinte e um dias do mês de Maio do dito ano nesta vila de Barcelos e na igreja do Bom Jesus da Cruz dela e aí onde eu escrivão fui vindo com o muito reverendo 13 BMB, Manuscrito do tenente Francisco Cardoso e Silva – Apontamentos para a História de Barcelos, Vol. I, fl. 306v.
  • 18. senhor Doutor José Joaquim Pereira desembargador na Relação primaz da corte e cidade de Braga, e nela e sua câmara promotor dos resíduos por sua alteza real o sereníssimo senhor D. Gaspar arcebispo e senhor de Braga e primaz das Espanhas […] e por ele senhor desembargador foi mandado fazer a vistoria ao diante escrita na forma do doutíssimo acórdão […] e logo foi mandado vir à sua presença Manuel Pereira, da freguesia de S. João de Vila Boa e Francisco Lourenço do arrabalde do Senhor do Bonfim desta vila, ambos mestres pedreiros aos quais deu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pus sua mão direita de que dou fé e lhes encarregou que debaixo do dito juramento que tomado tinham vissem e examinassem a obra do óculo desta igreja, e as obras que se necessitava neste óculo e recebido por eles o dito juramento prometeram ver e examinar tudo na verdade e nela darem as suas determinações do que dou fé, e para constar fiz este termo eu João da Silva Pereira, escrivão que o escrevi. Manuel Pereira – Francisco Lourenço – Pereira14 A vistoria foi feita com a participação dos dois mestres pedreiros referidos no documento, que se pronunciaram quanto à abertura do janelão, alegando as razões que julgamos terem sido as defendidas pela mesa da irmandade. Demos voz aos mestres pedreiros pela caneta do escrivão que compôs o discurso, talvez com alguma ajuda do desembargador. E vendo e examinando este acto [de visitação] e o óculo disseram que no coro há bastante luz comunicada a ele por um grande óculo que está no frontispício desta igreja de sorte que se vê perfeitamente no coro para rezar ou para outro qualquer acto ou função que se queira fazer nele. E outrossim examinando e averiguando se no lugar do óculo que está no mesmo coro se podia fazer uma fresta até às cadeiras do mesmo coro sem ruína máxima imediata de todo o frontispício da mesma igreja disseram eles louvados que era quase impossível meter-se a dita fresta sem a ruína do dito frontispício porque para se fazer esta obra é preciso que se lance abaixo parte do mesmo frontispício do óculo para baixo […] também porque em cima do mesmo frontispício está a torre dos sinos que é de abóbada feita com pedras de esquadria tanto por dentro como por fora pelo que assentam 14 Documento transcrito por Francisco Cardoso e Silva, ob. cit., fl. 307.
  • 19. que sem ruína grande se não pode fazer a dita obra capitulada e atendendo à grandeza da obra desta igreja e nesta forma houveram eles louvados as suas determinações por dadas e ele senhor doutor desembargador esta vistoria proferida e acabada15 . Assinaram os mestres pedreiros e assinou o escrivão. A mesa da irmandade sorriu pela decisão que vai tomar-se em Braga a 4 de Agosto de 1778, uma decisão de sinal contrário ao capítulo da visitação que impunha a substituição do óculo por uma janela de maiores dimensões. Sorriu a mesa, sorriram os irmãos defensores da mesma causa, sorrimos nós… com um graças ao bom senso que por vezes também reina, o alçado principal do Senhor da Cruz não foi adulterado. Mas a mesa da irmandade teve ainda de pagar as custas do processo. Leia-se a sentença! Sentença Os embargos recebidos julgaram provados para o fim de não ter execução o capítulo da visita copiado na certidão folhas cinco o qual se mandava aos embargantes fizessem a obra expressada no mesmo pois como da fachada dela se segue o inconveniente […] de arruinar-se a torre que fica por cima do óculo no frontispício do templo e ainda a contingência de prejudicar as abóbadas de que é formado o mesmo templo pelas convenientes razões que lembram as testemunhas […] pelo que deixa de ter efeito o dito capítulo de visita no qual se não cogitou das ditas ruínas, e se supôs ser a obra de pouca consideração sendo aliás muito considerável e serem necessários dinheiros mais avultados, especialmente não havendo falta de vista no coro que foi o principal objecto do dito capítulo porque se mostra ter bastante luz comunicada pelo dito óculo e mais frestas que lhe participam de todas as partes […] e mandam fique sem efeito o capítulo de visita e paguem os embargantes as custas […]. Braga quatro de Agosto de mil setecentos e setenta e oito16 . 15 Idem, fls. 307-307v. 16 Idem, fls. 307v-308.
  • 20. Ainda no século XVIII, na década de 1780, a edilidade barcelense procedeu ao correcto enquadramento urbanístico que faltava, a sudeste da igreja, resolvendo desníveis do espaço envolvente com a construção de uma estrutura de granito, no qual sobressaem duas falsas fachadas arquitectónicas e duas imponentes pirâmides terminadas em esfera. Os bancos, as janelas, as fontes e os jardins, estes posteriormente associados ao arranjo urbanístico, proporcionam um belo e refrescante passeio, justificando-se plenamente o epíteto de Passeio dos Assentos. O resultado global é sem dúvida soberbo e prepara-nos para um interior lindo. Por isso, dê o visitante a volta ao templo, em jeito de cumprimento de alguma promessa feita, e entre descontraído no templo do Senhor da Cruz, armado com o olhar do corpo e com a sensibilidade da alma. Observado do Passeio dos Assentos, do Campo da Feira, da Avenida da Liberdade, do Largo da Porta Nova, o templo do Senhor da Cruz exibe uma espécie de grandiosidade contida, uma força de atracção, quiçá o belo, que nos envolve e nos convida a entrar e a descobrir o resto no interior. Fonte, jardim e falsa fachada arquitectónica.
  • 21. Aqui, dentro do templo, a força do granito e os elementos arquitectónicos saídos da mestria do arquitecto, impecavelmente aparelhados pelas mãos e pela técnica do mestre pedreiro e dos seus oficiais, são um hino à arquitectura. O dinamismo arquitectónico depende, antes de mais, dos seus próprios elementos: um sistema de abobadamento curvilíneo a recobrir as alas laterais, o coro e a capela-mor (bem como as capelas laterais, forradas pela talha dourada dos seus retábulos), uma cúpula circular a pousar sobre uma estrutura arquitectónica definida por quatro agigantados arcos, organizados a partir de oito poderosas pilastras, todos garantindo e obrigando à circulação dos visitantes. O único apontamento decorativo lavrado no granito encontra-se no frontão das quatro portas de acesso à sacristia e às restantes dependências: um frontão interrompido, enroscando-se num par de insinuantes volutas, deixando que uma pinha se abra ligeiramente sobre o pedestal. Elegância e contenção decorativa, para não ofuscar o brilho da arquitectura. Duas destas portas, uma vez transpostas, levam- nos por escadas em caracol para os púlpitos, para Acesso ao templo do Senhor da Cruz pelo Jardim das Barrocas e Passeio dos Assentos.
  • 22. o coro e para pequenos espaços aproveitados pelo arquitecto. Mas o interior da casa de Deus é como na casa das pessoas. Precisa de mobiliário e de decoração; de outras formas de expressar a vida, o pensamento, a técnica, os sentimentos e a criatividade humanas; de fazer estancar e facilitar o movimento. Assim, no interior do templo do Senhor da Cruz é necessário parar. Para ver, sentir, pensar, aprender, talvez rezar. Porém a circularidade é obrigatória, quer porque a organização do espaço a isso nos obriga – as duas alas laterais facilitam e condicionam a movimentação em direcção aos altares do Senhor Bom Jesus da Cruz e da Nossa Senhora das Dores –, quer porque o mobiliário religioso e a rica ornamentação a isso nos impelem (aspectos que serão retomados no Capítulo III). Aquando das obras de repavimentação do espaço interior, que se realizaram cerca de dois séculos depois (em 1909-1910) seguindo-se parcialmente um parecer do arquitecto Ernesto Korrodi, uma cruz de mármore com losangos pretos e brancos, e um círculo rosado a ligar todas as hastes, veio acentuar definitivamente a simbologia da cruz e do milagre que ali se crê ter sido operado há quinhentos anos. Aspecto interior da entrada lateral, lado poente.
  • 23. Sabe-se, pelo livro de receitas e despesas de 1706 a 1721, que o mestre pedreiro contratado para erguer o templo do Senhor da Cruz foi Miguel Fernandes. Todavia, não possuímos nenhum registo escrito do decurso das obras entre 1705 e 1710. O mesmo acontece no que respeita à sua inauguração: um silencio incompreensível! Com o desaparecimento das fontes escritas do período crucial das obras de pedraria – designadamente o livro das obras e outros papéis que inevitavelmente existiram –, uma parcela da memória do Senhor da Cruz foi mutilada. O ano de 1710, claramente importante para a história da vila – com a inauguração do novíssimo templo –, surge-nos envolto de silêncios no que ao Senhor da Cruz diz respeito. Tratou-se de uma efeméride festiva, com a presença do arcebispo e mais autoridades eclesiásticas, civis e militares, com toda a população da vila e do concelho na celebração de uma missa campal? Ou ocorreram vicissitudes que inviabilizaram uma cerimónia festiva e de grande aparato? Andaria o arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles de candeias às avessas com a irmandade, ou sentir-se-ia pouco comprometido com este projecto, que havia recebido o empenho do seu antecessor D. João de Sousa? Ao contrário do que aconteceu na igreja do mosteiro de S. Bento, onde o arcebispo foi imortalizado, quer numa tarja junto à entrada desta igreja quer nas paredes laterais da capela-mor, no templo do Senhor da Cruz nenhuma marca foi deixada que celebrasse D. Rodrigo. E este aspecto, o da imortalização do prelado, não seria coisa de somenos. Não podemos esquecer que três anos mais tarde, aquando da inauguração da igreja beneditina de Barcelos, em 1713, D. Rodrigo de Moura Teles presidiu a uma enorme procissão realizada entre Braga e Barcelos, abrindo caminho a 4 dias de festividades, durante os quais aqui permaneceu, alojado na casa da quinta da Bagoeira17 ; e que, antes de entrarem no seu mosteiro e aí serem enclausuradas, as mais de 70 religiosas e suas 50 criadas puderam entrar no templo do Senhor da Cruz onde fizeram uma oração18 . 17 VINHAS, Joaquim Alves – A Igreja de Nossa Senhora do Terço de Barcelos, na História e na Arte dos inícios do século XVIII. Iconografia dos seus emblemas, p. 49. 18 Idem, pp. 47-48.
  • 24. Em 1706 o tesoureiro Manuel Luís Tamel registou como despesa da irmandade o azeite consumido na velha capela. E pouco mais. Da análise das receitas deste ano, verifica-se a realização da festividade da “Santa Cruz de Maio”, que rendeu 5.500 réis de esmolas, verba a que teremos de juntar 5.760 réis pagos pelos mercadores, que pela ocasião da Festa das Cruzes montaram a sua tenda nas imediações do templo pagando à irmandade o correspondente aluguer do espaço. As restantes rubricas que aparecem neste livro, relacionam-se com alguns enterramentos e com a admissão de novos irmãos, alguns dos quais do sexo feminino, como foi o caso de D. Leonor de Vilas Boas, que pagou 600 réis de jóia pela sua inscrição na irmandade. Nos dois anos que se seguiram, nenhuma rubrica no campo das despesas foi mencionada. Em 1707 as receitas são relativamente apreciáveis, oriundas das novas admissões e da cobrança dos “anuais” dos irmãos de S. João da Foz, mas sobretudo das esmolas recolhidas pela Invenção da Santa Cruz de 3 Maio (44.315 réis) e pela Exaltação da Santa Cruz de 14 de Setembro (20.230 réis), conforme os registos de Manuel Luís Tamel, que entregou um saldo positivo de 192.761 réis ao novo tesoureiro, Bento Ferreira. A igreja do antigo mosteiro de S. Bento, construída em 1707-1713, é hoje conhecida pela igreja de Nossa Senhora do Terço de Barcelos.
  • 25. Evidentemente que o movimento das despesas era avultado (sabendo nós que estavam a decorrer as obras de pedraria) e que mereceu um livro próprio de registo mas que nos foi sonegado, inadvertida ou propositadamente. Timidamente, no ano de 1709 (para 1708 não há qualquer registo), aparece-nos a verba de 1.970 réis relacionada com a compra de uma cruz nova para o Senhor dos Passos e outra de 700 réis, gasta com o conserto de um andor. Neste mesmo ano gastaram-se 4.000 réis com o capelão das festas, 28.400 com os capelães que disseram a missa quotidiana e as três do dia de Natal e 725 réis para o azeite que iluminou o templo. Estas despesas, ainda que escassas, mostram que enquanto decorriam as obras da nova igreja, o culto funcionou de forma mais ou menos regular na velha capela. A apreciação das receitas permite-nos concluir da celebração das festividades de 3 de Maio e 14 de Setembro e de uma pouco expressiva recolha de esmolas pela Quaresma. Algumas rubricas de dinheiro a juros, totalizando perto de 20.000 réis, anunciam uma situação que seguirá em crescimento até à segunda metade do século XIX. Em 1710, ano da abertura das portas ao culto, nenhuma referência à nova igreja foi feita pelo escrivão Manuel da Costa Lopes (Manuel Luís Tamel regressou ao cargo de tesoureiro, desde 1709). Porém, alguma luz espreita do fundo do túnel documental: gastaram-se 17.260 réis distribuídos pelo trono “em que está o Senhor”, o arco e as sanefas pertencentes, presumivelmente, à nova capela-mor; fez-se o “conserto” da porta principal, no qual se gastou, conjuntamente com as ferragens, a quantia de 1.280 réis; limpou-se o lampadário de prata, o que pressupõe a reutilização do recheio antigo aquando da inauguração do actual edifício. No mesmo ano, e possivelmente destinados aos três altares, compraram-se três sacras, três evangelhos e outros tantos lavabos, tudo no valor de 10.460 réis. Compraram-se ainda trinta peças de fitas para as “medidas do Senhor” e alguma paramentaria nova. As restantes rubricas relacionam-se com as missas celebradas, uma quotidiana, do legado de Gaspar Pinheiro Lobo, outra semanal, dita à sexta-feira pelos irmãos falecidos, e as três do dia de Natal, às quais se juntou uma pela alma da benfeitora Exemplo de sacras existentes no templo.
  • 26. Ângela Pereira. Finalmente, gastou-se em azeite 6.825 réis, o que representa uma subida exponencial em relação ao ano anterior. Mas o movimento das receitas não indicia grandes celebrações, tão-pouco se faz referência à festa de Setembro, o que nos parece estranho tratando-se do ano da abertura do novo templo ao culto. Tendo sido inaugurada a nova igreja, foi-o certamente sem pompa e com pouca circunstância, pois o mais certo é que, embora o projecto de arquitectura estivesse no essencial concretizado, algumas obras só vieram a realizar-se alguns anos depois. Em toda a década de 1710, e mesmo durante as décadas seguintes há-de assistir-se à execução de importantes obras que vieram completar o conjunto harmonioso do Senhor Bom Jesus da Cruz. Obras depois da inauguração ____________________________________________________________ Nos anos seguintes ao da abertura do templo ao culto, muito se trabalhou no Senhor da Cruz até que as obras ficassem de facto concluídas. Havia que pavimentar as áreas destinadas ao culto, a sala do coro e o adro da igreja; havia que colocar o telhado, proceder a obras de acabamento em vários áreas e dotar a capela da Senhora das Dores com o seu retábulo, sem o qual ficaria o culto empobrecido e o espaço da capela pouco dignificado. Na sua traça, o novo templo deve ter previsto a inclusão do culto à Virgem, no seu estado de Senhora das Dores, uma invocação associada ao carácter dramático da vida de Cristo, ardentemente comemorado pela cristandade católica desde os fins da Idade Média. No altar-mor, outra invocação associada ao drama sagrado, apresenta-se desde a primeira metade do século XVIII, do lado do Evangelho, à esquerda do visitante. Nossa
  • 27. Senhora da Piedade segura a Cristo jacente. Pequena demais para o espaço em que se encontra, esta imagem bem que merecia maior destaque. Com a capela do lado do Evangelho reservada ao Bom Jesus, que também é o Senhor dos Passos e/ou o Senhor da Cruz, nada melhor que destinar um espaço do lado da Epístola, reservado à Sua mãe, na condição de Nossa Senhora das Dores. Ambos sofredores, mãe e filho ostentam com dignidade, luxo e beleza, o alto sacrifício, o martírio em nome da humanidade pecadora. Quem encomendou o projecto – o arcebispo de Braga e a mesa da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz –, pediu ao arquitecto um traçado que contemplasse duas capelas colaterais, uma destinada ao patrono Senhor Cruz e a outra a Nossa Senhora. Estavam assim abertas as portas a novas invocações, que virão a multiplicar-se até aos finais do século XX. Estando em 1709 as obras de arquitectura relativamente adiantadas, havia pois que dotar os espaços sagrados de obras de arte vistosas e modernas. Os altares e retábulos de talha dourada eram imprescindíveis no quadro da estética e da mentalidade da época. O máximo de dignidade e o máximo de riqueza foram mobilizados na ornamentação destes espaços, que se desejavam perfeitos para o acolhimento das imagens às quais se dedica o culto, a reza, a oração. Estava na moda o chamado estilo nacional na arte de entalhar, cujos retábulos organizados a partir de colunas, pilastras e arcos de volta perfeita enquadravam o trono eucarístico, tudo profundamente ornamentado, dourado e pintado. Toda a emoção e espiritualidade dos crentes eram convocadas por esta forma de expressão estética (onde o movimento, a ondulação e o exagero decorativo dominam),
  • 28. que uma vez associada à pintura e aos painéis de azulejo produziam o arrebatamento da alma e o correspondente fervor religioso. Em suma era a arte barroca, na sua expressão luxuriante, aplicada aos trabalhos de marcenaria e de escultura. Por isso, para engrandecer a Deus e encantar os fiéis, em 19 de Novembro de 1709 o barcelense Miguel Coelho, morador no arrabalde da Porta do Vale, foi contratado para a realização dos retábulos do altar-mor e dos dois altares colaterais, por Matias Lopes Ribeiro, tesoureiro das obras do templo em construção. O risco de um dos retábulos era da autoria do mestre entalhador que assinou o contrato, enquanto outro pertencia ao arquitecto régio João Antunes, responsável pelo traçado de arquitectura como atrás se referiu. O preço acordado com Miguel Coelho foi 320.000 réis, tendo-lhe sido entregue de imediato a quantia de 192.000 réis, em 40 moedas de ouro. Eis algumas das condições fundamentais que deveriam ser cumpridas pelo mestre entalhador: Os retábulos serão bem entalhados de talha alta ao moderno com suas tribunas conforme derem os sítios e, estas tribunas serão muito bem entalhadas e repartidas, em painéis, em os espaldares serão os painéis lisos em esta forma e que se obriga a fazer a dita obra, e correrá por conta da confraria o sobrado da tribuna do altar-mor como também todos os altares de pedra e cartelas, e pilares, e ferragem para segurança dos retábulos os quais se obriga a fazer estando a igreja capaz19 . Uma reflexão apressada, a partir deste documento de 1709, poderia levar-nos a pensar que no ano seguinte estariam concluídos e colocados nos seus lugares os três retábulos. Todavia, ou porque a igreja não reunia ainda as condições para receber os retábulos, ou porque o escultor não pôde cumprir com o estabelecido no contrato, o certo é que Miguel Coelho não tinha todos os retábulos colocados em 1710. O mais provável é ter despachado o do altar-mor e talvez o do altar do Senhor da Cruz. Ficamos com a impressão de que se trabalhou à pressa, nas últimas semanas (como parece habitual no nosso país), para a abertura do templo ao culto com o mínimo de dignidade. 19 AISC, Caixa 1, Contrato para a construção dos três retábulos.
  • 29. Alguns anos depois, Miguel Coelho ainda recebe dinheiro das obras em andamento. Em 1714 é-lhe entregue a quantia de 30.000 réis relacionada com os retábulos e, conforme pode ler-se no documento, em 1715 recebe 10.300 réis por conta da “sua obra” ficando, porém, na posse do tesoureiro Manuel Ferreira 30.000 réis “para entregar ao dito escultor assim que assentar o retábulo”. Pode pois concluir-se que, em 1715, pelo menos um dos retábulos – decerto o da Senhora das Dores –, estava ainda por colocar. A este propósito, convém referir que a imagem de Nossa Senhora das Dores foi oferecida em 1717 pelo tio de Manuel de Matos, tesoureiro em exercício, pelo que o culto mariano nesta igreja teve início nesta data. Entre 1715 e 1718, o referido mestre entalhador e escultor Miguel Coelho recebeu várias quantias, uma das quais por “conta da obra que se lhe devia”. Em 1718 era-lhe ainda entregue a quantia de 16.000 réis, desta vez pelo entalhamento do frontal do altar do Senhor da Cruz (o que denota uma possível insatisfação quanto ao resultado final do altar de 1710) e dos dois anjos lampadários que se encontram à entrada da capela-mor, para além da moldura da “vidraça do Senhor” que também executa neste ano. Anjo lampadário, uma escultura de 1718 da autoria do mestre barcelense Miguel Coelho.
  • 30. É pois de aceitar que a existência de uma vidraça a isolar a imagem dos fiéis e de um frontal, num retábulo que certamente obedecia à estética do chamado estilo nacional, denunciam uma enorme diferença entre o altar que hoje podemos observar (construído em 1736) e aquele saído das mãos de Miguel Coelho. O novo retábulo não terá a vidraça para proteger o Senhor da Cruz da irresistível vontade dos fiéis de lhe tocar, participando do sagrado, mas há-de ter um poderoso e belo frontal e um cortinado de damasco, que apenas se abrirá em certas celebrações e solenidades. Em situações especiais, como sejam a passagem de alguns devotos por Barcelos e o desejo ardente de verem o Senhor, em troca de esmola especial, podia o sacristão ou o servo da igreja mostrar-lhe a imagem. Mas não se pense que as obras a decorrer a partir de 1710 se limitavam ao entalhamento dos altares. Em 1711, o carpinteiro Manuel Pereira fez e pregou o soalho da sacristia, por 3.000 réis e construiu um arcaz, por 18.000 réis, para se guardarem os paramentos dos sacerdotes. Ao serralheiro Manuel Francisco coube fornecer as ferragens do referido arcaz, no valor de 350 réis. No mesmo ano foram registadas despesas relacionadas com as grades que “estão nos arcos”, colocadas por Domingos Pereira, que também consertou as caixas das esmolas. A referência às grades dos arcos tem o valor de nos elucidar que em 1711 já estariam os retábulos mor e do Senhor da Cruz colocados nos seus respectivos lugares. O ano de 1714 revela-se de particular importância, quer pelas obras identificadas nas rubricas das despesas, quer pelo inventário então elaborado e que nos dá conta do recheio então existente. As rubricas inseridas no capítulo das despesas são bem expressivas da dinâmica empreendida na igreja que assistiu nesse ano à colocação das vidraças nos oito vãos do zimbório e ao primeiro conserto das janelas em geral, a diversas obras de acabamentos e/ou arranjos no interior, à pavimentação do interior onde funciona o culto, enfim à reforma dos estatutos da irmandade.
  • 31. Nos anos subsequentes, variadíssimas despesas com obras ou arranjos no templo, evidenciam uma forte dinâmica religiosa e artística em torno do Senhor da Cruz, ora ampliando o recheio e o património artístico e religioso da irmandade, ora reformando os espaços e enriquecendo-lhes o culto. Assim será, com toda a evidência, até finais da década de 1730. A título de exemplo, apresenta-se um quadro resumo das principais despesas de 1714, registadas no livro das receitas e despesas de 1706 a 1721, que atestam o quanto se trabalhava ainda no Senhor da Cruz, embora o templo estivesse aberto ao culto desde 1710.
  • 32. DESPESAS RELACIONADAS COM OBRAS NO TEMPLO DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ – 171420 MESTRE, ARTISTA OU ARTÍFICE DESDRIÇÃO DA OBRA REALIZADA MONTANTE (RÉIS) Mestre escultor Miguel Coelho, de Barcelos. Despesa relacionada com a obra dos retábulos, iniciada nos finais de 1709. 30.000 Mestre pedreiro Miguel Fernandes. Verba que se lhe estava a dever da “obra do templo”. 100.000 Miguel Fernandes e mais “consortes”. Ainda por conta “do que se lhe estava devendo da obra do templo”. 100.000 Miguel Fernandes. Lajeamento do interior da igreja. Foi chamado este mestre “por não haver outro oficial, que com mais cómodo quisesse fazer sendo rogados para fazer esta obra a seis oficiais”. 125.000 Despesa, em pão e vinho, com 265 carreteiros que transportaram a pedra para o lajeado da igreja – “por se dar só a cada carreteiro dez réis de pão, e um quartilho de vinho”. 6.476 Um pedreiro. Gravação dos números das sepulturas (três dias de salário). 560 Carpinteiro Bento Pereira. No altar do Senhor da Cruz: portas novas de castanho para a tribuna, arranjo de uma grade para o frontal, construção de uns degraus de acesso e entaipamento de um vão que existia. Uma grade nova de castanho para o frontal de tela do altar-mor. 2.700 Oito almarazes, 6 para pregar a tela da grade da capela-mor e 2 para a do altar do Bom Jesus. 250 Armador Manuel Nogueira. Conserto do altar do Senhor da Cruz, aquando da visita a Barcelos do arcebispo de Braga, em 6 de Julho. 200 Carpinteiro António Simões. Construção das três portas da entrada da igreja, a principal e as duas laterais, feitas de madeira vinda do Brasil (já tinham sido pagos 24.000 réis). 23.000 Ferreiro Jerónimo Francisco, de Braga. Parte da ferragem que forneceu para as três portas da entrada da igreja. 36.000 20 AISC, Livro as receitas e despesas de 1706-1721.
  • 33. Almofadas de “todas as portas”, 4 dobradiças, 25 parafusos, 10 chumbadouros e os pregos para as ferragens. 9.700 Vidraceiro Jaquinha, de Braga. Colocação das oito vidraças do zimbório. 31.400 Vidraceiro Manuel Ferreira de Sousa, de Braga. Conserto de todas as vidraças do templo, incluindo os materiais (vidro, redes, presilhas, cal) e a caiação. 25.710 Matias Manuel Fernandes. Conserto de um missal, redacção da pauta de missas e “reforma dos estatutos”. 2.400 Imaginário Gualter de Sousa, de Lijó. Feitura das imagens de Nossa Senhora e de S. João Evangelista, ambas destinadas à tribuna do altar-mor. 1.440 Pintor Luís de Oliveira, de Barcelos. Por “encarnar e pintar a pauta da sacristia” e pintar os ferros da referida pauta. (Tratava-se certamente da relação das missas e demais ofícios a que os capelães tinham de dar cumprimento, por força das obrigações constantes dos legados e de determinações estatutárias). 940 Luís de Oliveira. Pintura de letras de ouro “numas medidas” do Bom Jesus. 1.440 Luís de Oliveira. Pintura da imagem de Cristo Crucificado, colocada no altar-mor. 8.170 Deslocação do tesoureiro à cidade de Braga, para levar o projecto de estatutos (a ser confirmado pelo arcebispo) e trazer uma carta de excomunhão destinada aos devedores do Senhor da Cruz. 1.377 Conserto, na cidade de Braga, de um missal. Aquisição de um lavabo, um evangelho e uma salva para o altar do Senhor da Cruz. 1.080 Aquisição de duas tochas para a mesa da irmandade. 1.650 Aquisição de uma pedra de ara, vinda de Tibães, incluindo o seu transporte. 650 Colocação de um arco das cortinas na tribuna do altar do Senhor da Cruz. Compra de uma chave nova para o levantamento das sepulturas. 380 Tingimento das cortinas de roxo “para a tribuna do Bom Jesus”, na cidade do Porto. 300 Compra do esguicho de bronze para o lavatório da sacristia. 240 Compra de dois livros, um para os inventários e outro para o registo das sepulturas. 520
  • 34. Para fazer face às despesas, a irmandade socorria-se das receitas provenientes do dinheiro a juro, das jóias de inscrição na irmandade e dos anuais dos irmãos, das rendas e pensões, dos enterramentos e sobretudo das muitas esmolas que anualmente davam entrada nos seus cofres. Em 1714, ao falecer, o padre António Coelho deixou 100.000 réis para “ajudar a dourar o retábulo” do altar-mor e, claro está, para a celebração de duas missas anuais pela sua alma. Nesta mesma data, o juiz da irmandade D. Prior André de Sousa da Cunha, aplicou no lajeamento da igreja 100.820 réis, dos quais 60.820 tinham vindo de um devoto lisboeta e os restantes 40.000 tinha ele próprio prometido, havia anos, como constava do livro das esmolas para a construção do novo templo. Inácio da Silva Medela, como atrás se disse, enviou no mesmo ano, do Rio de Janeiro, uma verba de 100.000 réis para as obras do Senhor da Cruz. Ainda em 1714, chegou uma caixa de açúcar enviada por alguns devotos residentes no Brasil, que foi vendida na cidade do Porto por Bernardo de Sousa de Miranda. O seu rendimento líquido foi de 53.672 réis. Diogo da Cunha entregou uma moeda de ouro e um devoto de S. Paio do Carvalhal ofereceu outra, ambas no valor de 9.600 réis, destinadas ao conserto das vidraças. Enfim, João Barbosa e Faria e sua mulher D. Luísa, moradores no Passo Velho, deixaram em testamento ao Senhor da Cruz 10.000 réis. Pormenor de receitas recebidas pelo tesoureiro da mesa da irmandade, documento do século XVIII.
  • 35. Evidentemente que os rendimentos não provinham apenas das esmolas e dos legados. Numa época em que as instituições de crédito laicas não correspondiam às necessidades da sociedade, e a prática da usura tinha deixado de ser considerada pecaminosa, pela Igreja, a Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz (a exemplo de inúmeras instituições religiosas e/ou associação de fiéis) investia os seus capitais em empréstimos a juros, multiplicando os recursos financeiros disponíveis. Era assim, pelo menos, desde cerca de 1650, década em que dera entrada no cofre da irmandade um legado no valor de 500.000 réis. Nos séculos XVIII e XIX, a organização dos devotos do Senhor da Cruz transformar-se- á numa importante instituição de crédito da vila. Por exemplo, em 1715 o dinheiro que corria a juros rendeu à irmandade mais de 100.000 réis. As pensões e rendas em dinheiro ou géneros de várias propriedades rústicas, entre as quais as das freguesias de Moure e de Palme, contribuíam para as obras e para o enriquecimento do Senhor da Cruz. Vendiam-se o vinho, o tremoço, o linho e o pão oriundos das rendas e das esmolas que iam enchendo as caixas do templo. Em 1715 venderam-se 91 rasas e meia de cereais que renderam 21.960 réis. O aluguer dos espaços à volta da igreja, nos dias festivos, também entrava nas contas do Senhor da Cruz. O mercador Manuel Luís Tamel pagou em 1711-1714 pelo aluguer do espaço onde armou a sua tenda “pegada ao templo do Bom Jesus” 2.880 réis; em 1714 o mercador Jacinto Ferreira pagou 960 réis pelo sítio da sua tenda, mas em 1715 já pagou 1.920 réis “de pôr também a sua tenda junto do templo”; e a mesma quantia foi paga pelo comerciante Manuel Pires, pelo aluguer “do posto em que punha a tenda”. Como se percebe da leitura atenta da documentação, eram várias as fontes de receitas para fazer face às despesas crescentemente avultadas. As bacias para a recolha de esmolas, estrategicamente colocadas na igreja(distribuídas) (como hoje o são as caixas das esmolas no interior de qualquer templo), completavam os meios financeiros indispensáveis ao regular funcionamento da vida sócio-religiosa organizada em torno do Senhor dos Santos Passos e à sombra dos milagres da Santa Cruz.
  • 36. É de notar que estávamos numa época em que as despesas inerentes ao cargo de juiz da irmandade corriam por conta da sua(própria)fazenda. Em 1714 o escrivão declarou que foram entregues 18.600 réis pelo cónego Manuel Lopes da Costa, em nome de D. Manuel de Azevedo e Ataíde, verba que havia sido gasta pela irmandade em 1711 quando este fora juiz, mas que “os gastos, que pertencem aos juízes são por sua conta conforme os estatutos”. No ano seguinte, em 1715, foram entregues 204.647 réis, produto de 82 rubricas registadas no mencionado livro das esmolas, o que nos esclarece do alcance da angariação de fundos para a construção da nova igreja, cuja campanha havia sido iniciada em 1698. Aliás, entre 1715 e 1718 assistimos ainda à liquidação de promessas que haviam sido feitas naquele livro, nomeadamente a indicação de 57 verbas totalizando 156.950 réis provenientes do “livro das promessas das esmolas”, e a quantia de 91.110 réis entregue por Manuel Maciel Ferreira e seus filhos “como do livro das obras consta”21 . Infelizmente, não há indícios deste “livro das obras”, que indiscutivelmente muito nos esclareceria acerca dos protagonistas e das vicissitudes que um projecto de arquitectura desta qualidade sempre implica. As obras do adro e do telhado: 1717-1719 ____________________________________________________________ Num primeiro olhar parecia-nos que em Setembro de 1715 as obras estariam dadas por concluídas e todos os seus espaços devidamente asseados, incluindo a área em redor da igreja, pois nessa data foi paga a quantia de 960 réis de “arrimar a pedra” e limpar o “campo em redondo da capela do Senhor”. Depois das obras, embelezam-se os espaços internos, organizam-se e limpam-se os acessos. 21 Idem, Ibidem.
  • 37. Sabíamos que tinham sido utilizadas sete canadas de óleo e “mais ingrediente”, que custaram à irmandade 4.020 réis e o pintor chamado recebeu 3.660 por “olear as portas do templo”. Comprou-se uma imagem dos Santos Passos por 400 réis e despendeu-se pelo feitio da sua cabeleira 570 réis. Mais caro o cabelo que o corpo, decerto por se tratar de uma imagem em armação de roca. A túnica de tafetá roxo esconderá o vazio da imagem. O inventário elaborado em Fevereiro de 1714 é suficientemente claro quanto ao recheio existente. Nele se refere uma imagem de Cristo Crucificado, colocada no retábulo da sacristia e que tinha umas cortinas de chamelote tostado para a cobrir; a imagem de Cristo Crucificado “ainda por incarnar”, que se encontrava na tribuna do altar-mor; a imagem do Cristo dos Passos atrás referida, com duas túnicas de tafetá roxo, uma das quais nova; a imagem do Bom Jesus da Cruz às Costas com seu “diadema, e cruz de espinhos tudo de prata”; uma cruz de prata, com o Santo Lenho; três lampadários de prata; cálices e outras alfaias litúrgicas, também em prata; um realejo, tocheiros e castiçais, sacras, evangelhos, lavabos, jarras, toalhas dos altares, cortinados, vários paramentos e missais, enfim todos os objectos inerentes à recriação da Procissão dos Passos. Sem esquecermos os sete quadros já velhos que tinham saído, provavelmente, do retábulo do século XVII. Há que juntar ainda “seis couçoeiras de pau do Brasil, e nove paus roliços de jacarandá”, matéria-prima para os gradeamentos que faltam. De resto, tudo parecia estar em ordem. Sim, tudo composto, de portas adentro. A procissão, porém, ainda estava no adro… Importantes obras se terão ainda de realizar! Quando, em 17 de Março de 1718, o escrivão da irmandade lança as receitas e (as) despesas que vinham desde Setembro de 1715 surpreende-nos com várias parcelas directamente relacionadas com a pavimentação da área exterior.
  • 38. Afinal, o homem que arrimou a pedra e limpou o “campo em redondo”, mais não tinha feito que preparar o novo estaleiro. Até aos inícios de 1719, algumas rubricas andam ligadas ao “pátio da igreja”, segundo pudemos apurar no livro das receitas e despesas da irmandade. O cruzamento desta fonte documental com uma outra dos finais de 1716 permitiu-nos datar com bastante precisão a chamada obra do pátio, ou adro da igreja, que no entanto virá a sofrer alterações no século XIX e inícios do século XX, até chegar ao aspecto que hoje apresenta. Mas a primeira pavimentação do adro foi resolvida em 1717-1719. Com efeito, no dia 15 de Dezembro de 1716 foi assinada uma escritura pública através da qual Manuel da Costa Guimarães, da vila de Guimarães, fez um donativo ao Senhor Bom Jesus da Cruz, na pessoa do prior da colegiada e juiz da irmandade, D. André de Sousa da Cunha, esmola destinada a “se fazer um pátio na entrada da sua capela sita no Campo da Feira”. Manuel da Costa Guimarães apresenta dois motivos justificativos da doação: a devoção que “sempre teve” ao Senhor Bom Jesus da Cruz e o cumprimento de uma “promessa que lhe tinha feito se o ajudasse a certos negócios” que tivera. Pormenor do adro do templo do Senhor da Cruz, contíguo ao Largo da Porta Nova.
  • 39. No cumprimento da promessa, uma boa parte foi entregue em papéis de dívidas que a irmandade deveria cobrar ou executar juntos dos devedores deste devoto vimaranense. DIVIDAS A MANUEL DA COSTA GUIMARÃES, QUE INTEGRARAM A DOAÇÃO PARA AS OBRAS DO ADRO – 1716 NOME DO DEVEDOR MONTANTE (em réis) Gaspar Ribeiro Lopes, da vila de Barcelos. 4.800 Manuel Fiúza, da vila de Barcelos. 7.500 Rafael Carneiro, da freguesia de Barcelinhos. 18.040 António Barbosa da Cunha, da freguesia da Pousa. 7.200 Manuel Fernandes Tamel, da vila de Barcelos. 72.000 Tomás de Sousa, da vila de Barcelos. 3.910 Paulo da Rocha, da vila de Barcelos. 10.720 Manuel Ribeiro dos Santos, sapateiro de Barcelinhos. 4.660 João de Almeida e Faria, da vila de Barcelos. 4.800 Relativamente à dívida de João de Almeida e Faria, o doador já tinha obtido uma sentença favorável, que era preciso executar. Manuel da Costa Guimarães entregava também à irmandade os direitos e acções resultantes de uma sentença contra Lourenço Maciel, de Darque, relativamente a umas casas térreas que houvera arrematado; finalmente cedia os direitos e acções que detinha contra os moradores da freguesia de Perelhal, de dívidas das rendas alusivas ao préstimo a pagar à “sereníssima casa de Bragança”, referentes aos três anos em que Costa Guimarães havia sido rendeiro do referido préstimo. Todas estas dívidas ficava a mesa da irmandade obrigada a cobrar e a executar. Porém, caso não fosse possível executar alguma delas, o devoto de Guimarães entregaria o valor correspondente, até perfazer os 200.000 réis prometidos. Na data da assinatura do contrato o doador entregou quatro moedas de ouro ao juiz da irmandade. Esta escritura de doação foi exarada na nota do tabelião Simão Francisco de Abreu e assinada pelos seguintes intervenientes: Manuel da Costa Guimarães e o juiz da irmandade D. André de Sousa da Cunha; Luís Rodrigues Dias, Cristóvão, Manuel de Matos, Manuel da Costa Azevedo (todos membros da mesa); o tabelião e as
  • 40. testemunhas Luís Rodrigues Dias, assistente na casa do prior da colegiada e Cristóvão, solteiro, natural da freguesia de Alheira e familiar da mesma casa. Quanto às dívidas referidas sabemos pelas contas encerradas a 17 de Março de 1718 que as mesmas foram em geral liquidadas, nomeadamente as de Gaspar Ribeiro Lopes, Rafael Carneiro, Manuel Ribeiro dos Santos, Tomás de Sousa, António Barbosa da freguesia da Pousa e a de Paulo da Rocha. No respeitante às casas de Lourenço Manuel, da freguesia de Darque, Viana do Castelo, o livro de receitas e despesas esclarece que a irmandade recebeu 22.500 réis, tendo no entanto de gastar 1.120 réis com o “aluguer da besta”, o jantar e a ceia do escrivão e do homem que o acompanhou a pé na deslocação a Darque para a tomada de posse das mencionadas casas térreas, isto é, sem sobrado. Entretanto somos informados pelo escrivão que o tesoureiro Manuel de Matos foi obrigado a entregar 4.800 réis em nome de João de Almeida, relacionados com a doação de Manuel da Costa Guimarães, “porquanto os oficiais da confraria o obrigaram a este tesoureiro que o pagasse, visto se lhe não ter feito a execução por sua culpa, e lhe querer esperar pela dita dívida sem ordem da confraria”. Possivelmente para completar a promessa que havia feito, Manuel da Costa Guimarães entregou ao juiz mais quatro moedas em ouro no valor de 19.200 réis, por “conta dos duzentos mil”. O mestre pedreiro contratado para o lajeamento do adro foi de novo Miguel Fernandes, que por esta ocasião, cerca de 1717, ainda recebeu 51.893 réis “por uma paga de todo o templo […] que se lhe estava a dever”, verba que devia estar relacionada com a pavimentação do interior da igreja. Vários pedreiros participaram, logicamente, na obra confiada ao mestre. É o caso de Domingos Cardoso, de Cossourado, a quem a irmandade paga 35.000 réis em 1721, “que lhe ficarão devendo os oficiais passados a saber do pátio das portas colaterais para traz”. Para elaborar os indispensáveis apontamentos para a execução da obra, a irmandade chamou o mestre Domingos Moreira a quem paga 2.400 réis. O quadro resumo que a seguir se apresenta é suficientemente esclarecedor acerca dos homens e dos meios envolvidos neste arranjo urbanístico, que veio acentuar a importância do Largo da Porta Nova como o principal centro cívico dos barcelenses.
  • 41. DESPESAS COM A PAVIMENTAÇÃO DO ADRO – 1717-171922 DESCRIÇÃO DA DESPESA MONTANTE (em réis) Dezanove carretos de pedra. 3.040 Com um homem de Abade do Neiva, por quatro carretos de pedra. 800 Cal para o lajeado, “por duas vezes”. 3.560 Mais cal. 2.400 Com um homem de Vilar do Monte, por um carreto (de pedra). 160 Pão e vinho para os carreteiros que trouxeram a pedra. 1.430 Completamento de um carreto de cal. 330 Com o mestre Miguel Fernandes. 9.600 Com Bento da Costa, para pagar aos carreteiros de pedra. 1.070 Com o mestre Miguel Fernandes, “para o lajeado do templo”. 68.000 Com o mestre pedreiro Domingos Moreira, “por vir fazer os apontamentos do pátio”. 2.400 Sessenta e dois alqueires de cal e seu carreto. 4.960 Cal encomendada pelo prior da colegiada e juiz da irmandade. 1.440 Com quem acarretou a pedra para o lajeamento do adro. 4.800 A Bento da Costa pela condução da pedra para o adro. 1.800 Compra de mais cal. 1.500 Aluguer da “besta de ir à pedra”. 300 Trinta e cinco alqueires de cal. 2.470 Aos carreteiros de Vilar do Monte, “pelo ajuste dos 13.000 réis”. 8.200 Com Bento da Costa, pelo pão e vinho que gastou com os carreteiros. 14.060 Com o mestre pedreiro Miguel Fernandes. 33.600 Com o aluguer de uma mula, “de quando se foi à pedra”. 240 Com os pedreiros que andaram no lajeamento do adro da igreja. 233.400 Com os mencionados pedreiros. 57.062 Cal que “tinha vindo, e era o resto”. 180 Com Bento da Costa, das despesas com os carreteiros da pedra. 4.750 Com os pedreiros que concluíram as obras do pátio. 120 O adro, cuja pavimentação em granito estava concluída em 1719, não correspondia exactamente ao que hoje podemos observar. Conforme pode ler-se no livro das contas de 1721-1750, em 1723 deu entrada nos cofres da irmandade uma esmola de 4.800 réis, que foi aplicada “para ajuda da faixa, e assentos de pedra de esquadria ao redor do templo”. Uma simples “faixa” e bancos de granito circundavam a igreja e não os muros que hoje podemos ver, aspecto que, aliás, uma gravura talvez da primeira metade do século XIX, permite claramente perceber. 22 Idem, Ibidem.
  • 42. Os pilares toscanos que suportam as esferas são do século XVIII, sem dúvida, mas os muros que os ligam uns aos outros em redor do templo e o assento de granito colocado nas traseiras, que podemos hoje observar, resultaram de uma intervenção ocorrida entre 1868 e 1869. De facto, de acordo com uma relação de despesas registada entre Setembro 1868 e Fevereiro de 1869, pode verificar-se a compra de materiais e o pagamento de mão- de-obra utilizada na construção dos muros e nos assentos colocados no adro do Senhor da Cruz. Nesta obra participaram os pedreiros João Manso, Domingos Gonçalves e Domingos Alves da Costa, ambos(estes dois últimos) da freguesia de Lijó, Francisco de Paula e Luís Ferreira Peneda, residentes na vila. Trabalharam ainda outros oficiais, ajudantes e jornaleiros, como pode ver-se no documento onde se registou a “conta das despesas feitas com os paredãozinhos e assentos em volta do adro do Senhor Bom Jesus da Cruz, de Barcelos”23 . No dia 21 de Dezembro de 1868 pagou-se ao ferreiro Joaquim, de Barcelinhos, pelo “importe de ferro e feitio do gradeamento que fez para o paredõezinho do adro, lado das casas, a saber”: 65 quilos de ferro Escócia, no valor de 4.030 réis; 96 quilos de ferro 23 AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Relação de despesas de 1868-1870, fls. 1-2. Reprodução de gravura, que deve datar da primeira metade do século XIX, oferecida pelo Dr. Lapa Carneiro ao Dr. Victor Pinho, que a publicou com o seu artigo sobre A visita da rainha D. Maria II a Barcelos, in Barcelos Revista, N.ºs 9/10, 1998/1999, pp. 53-115. Aspecto do acesso ao adro, lado sudeste.
  • 43. redondo, pelo preço de 6.785 réis; 2 quilos de chumbo de barra, 260 réis; 3 quilos de chumbo que custaram 390 réis e ainda a mão-de-obra que orçou em 5.000 réis24 . (Pode consultar-se o quadro resumo relativo às obras efectuadas no adro em 1868-1869, inserido no Capítulo VII). A colocação de uma grade no muro do lado poente, acentua as diferenças daquilo que foi o adro nos séculos XVIII e XIX, face ao que hoje podemos observar. Porém, antes das obras de 1868-1869 já existiam um gradeamento a ligar os pilares da frontaria, conforme uma imagem da época documenta. Posteriormente, as grades abrangeram mesmo os quatro lados do adro, como pode verificar-se pelos vestígios deixados nos 32 pilares e nas suas esferas. Uma desta imagens do século XIX, a que retrata o templo do Senhor da Cruz e arredores, permite-nos vislumbrar, e apenas, uma grade na frontaria e não ainda as dos restantes lados do adro. 24 Idem, fl. 2. Aspecto da imagem do século XIX alusiva ao templo do Senhor da Cruz, colorida a aguarela da responsabilidade de José António Gomes de Faria, funcionário da Biblioteca Municipal de Barcelos. Montagem de dois postais, inserida nos Apontamentos para a História de Barcelos, do tenente Francisco Cardoso e Silva, que nos dá uma vista panorâmica do templo do Senhor da Cruz e da sua área envolvente.
  • 44. Regressando ao século XVIII, na chamada obra do primitivo lajeamento do pátio previu-se um sistema de fossos dispostos à volta da igreja. No início optou-se por grades de madeira para a cobertura dos ditos fossos, pois em 1721 o carpinteiro Domingos Pereira foi contratado para fazer as “grades do fosso grande para trás”, isto é, do fosso da fachada voltada a norte, uma obra que orçou em 3.720 réis. Também nesta data se compraram pregos de “real e meio”, na casa de Diogo da Cunha, para prender “a metade de um varão que se pôs de novo no fosso de diante”, ou seja, o resguardo do(no fosso) fosso fronteiriço à fachada principal. Mas as grades de madeira foram uma solução de curto prazo, um remedeio que em 1729 será superado com a colocação de um gradeamento de ferro. Hoje estamos convictos de que, quer as grades dos fossos à volta do adro, quer o gradeamento sobre os seus pequenos muros só terão sido removidos aquando da intervenção no pavimento interior e exterior, em 1909-1910. Conforme esclarece um documento “a obra das grades do fosso do frontispício”, e também os “mais fossos que tem o pátio do mesmo templo”, foi dada a lanços em 7 de Junho de 1729, depois de publicamente divulgada. Concorreu à arrematação desta obra o mestre ferreiro da vila, António da Costa Leitão, que se comprometeu a realizar as grades com os alçapões que fossem necessários para permitirem a limpeza dos fossos e as faria em “vergalhão”, pelo preço de meio tostão cada arrátel de ferro. Outro concorrente, o ferreiro João Gonçalves, residente na freguesia de S. João de Vila Boa, propôs-se arrematar a obra por 45 réis o arrátel, dando-se-lhe uma entrada inicial para aquisição do ferro necessário; mais disse João Gonçalves que faria o gradeamento de acordo com os apontamentos a serem fornecidos pela mesa da irmandade e que começaria a obra pelo fosso da frontaria da igreja; e quando houvesse “mais dinheiro se Aspecto do adro actual, lado poente.
  • 45. continuará com os mais”, devendo o tesoureiro entregar-lhe oito moedas para o arranque dos trabalhos. A opção recaiu no mestre João Gonçalves, que trabalhou em parceria com Domingos Ferreira, já que nas contas encerradas a 25 de Janeiro de 1730 aparecem duas verbas relacionadas com o pagamento a estes dois ferreiros, uma de 73.980 réis, relacionada com “ferro e mãos” e outra de 95.145 réis, por “conta das grades dos fossos que tem para fazer”25 . Também para nossa surpresa e espanto, as contas do Verão de 1719 tinham-nos mostrado que o telhado foi colocado nas proximidades de 1720. As despesas pormenorizadas relacionadas com os materiais e a mão-de-obra não deixam quaisquer dúvidas. RELAÇÃO DAS DESPESAS COM O TELHADO – 171926 MATERIAIS E MÃO-DE-OBRA MONTANTE (em réis) Sessenta e dois sacos de cal em pedra para a obra do telhado, para cobrir a abóbada. 22.400 Com o transporte da cal em pedra. 6.400 Cento e vinte e dois alqueires de cal em pó. 6.710 Com o transporte da cal em pó. 2.440 Mais 2 sacos de cal em pedra. 1.440 Com o transporte dos 2 sacos de cal em pedra 400 Com as portagens do transporte da cal. 80 Noventa carros de areia. 5.400 Catorze carros de telha a 580 réis cada. 8.120 Mais 25,5 carros de telha a 600 réis cada. 15.300 Com o transporte de 12,5 carros de telha. 740 Com “mais carretos que trouxeram a telha de graça de vinho e pão e sardinhas”. 194 Com Bento Pereira, despesa onde entram 4 tábuas para “pôr a cal”. 600 Dois cestos e duas cestas para a serventia da obra. 180 Seis cântaros de vinho. 220 Quatro alguidares. 110 Dois potes. 60 Um crivo. 60 Com um homem que foi chamado para “desentulhar terra por dentro pelos corredores”. 495 “Despendeu para os mestres caiadores que andam no telhado da 29.250 25 AISC, Livro de receitas e despesas de 1721-1750, fl. 128v. 26 AISC, Livro de receitas e despesas de 1706-1721, fls. 57-57v.
  • 46. abóbada”. Com os “jornais dos moços que davam serventia aos mestres”. 16.300 Em Setembro a obra do telhado estava concluída, pois foram vendidas as telhas sobrantes, nomeadamente um carro e um quarto ao pintor Manuel Ferreira, por 750 réis, e um carro e meio “que ficou na telheira que estava paga e se vendeu” ao médico Jacinto Vieira, por 900 réis. Em Fevereiro de 1724 regista-se uma verba de 65 réis paga ao carpinteiro Domingos Gomes, de uma um conserto no telhado “por chover pelas escadas que vão para as casas de cima da sacristia da parte do souto”. Entre 1720 e 1722 também decorreram ainda obras de acabamento no espaço destinado ao coro e na sacristia. Nas despesas de 1721 aparece uma rubrica de 445 réis entregue a Bento da Costa, pelos gastos feitos com os homens que acarretaram a pedra para o lajeamento do coro. Nesta data pagou-se também o aluguer da besta para o tesoureiro levar “as cartas” ao vigário de Vilar do Monte e Santa Leocádia de Tamel, “para vir a pedra para o lajeamento do coro”. Em simultâneo decorriam obras de acabamentos nas sacristias. A Confraria de Nossa Senhora da Graça cedeu areia e cal, talvez sobras de alguma obra empreendida; comprou-se um pincel e pagaram-se seis jornais aos oficiais, no valor de 1.080 réis, que fizeram os retoques finais e caiou-se a sacristia do “vestidor”, isto é, a sala onde os sacerdotes se paramentam. (A outra sacristia estava destinada às reuniões da mesa da irmandade). O carpinteiro Domingos Pereira cobrou 10.500 réis pelo guarda-roupa de castanho “que se meteu na parede” da referida sacristia e a casa de Agostinho Nogueira forneceu o tijolo para “rebocar ao redor do guarda-roupa”. Desta mesma loja vieram os pregos para fixar as quatro chapas feitas pelo mestre ferreiro António Leitão, para a mesa redonda que entretanto havia sido construída pelo carpinteiro de Barcelinhos, António Dinis, Mesa/armário que se encontra na antiga sala das reuniões, que poderá datar de 1721.
  • 47. pelo preço de 4.500 réis, destinada, aparentemente, à sacristia da mesa da irmandade. Em 1722 continuaram as obras nas referidas salas. O vidraceiro Feliz Pereira da Cunha veio consertar as vidraças partidas e “meter as das sacristias e uma do zimbório nos caixilhos”; pagou-se 1.420 réis a Manuel Pereira, de Barcelinhos, pelos caixilhos de madeira “que abrem”(?) das sacristias e do zimbório. No mesmo ano de 1722, refere-se a construção pelo carpinteiro António Simões das duas portas das sacristias, sendo a madeira fornecida pela mesa da irmandade. O tesoureiro pagou 800 réis por pau do Brasil, madeira que faltava para as ditas portas e que comprou às sobrinhas de Domingos de Faria Leite. O serralheiro António Gonçalves, de Barcelinhos, forneceu antes de Fevereiro de 1723 as ferragens das mesmas portas das sacristias, pelo preço de 4.800 réis. Fundição e instalação dos sinos ____________________________________________________________ O toque dos sinos era fundamental na regulação da vida dos fiéis. A chamada para a missa e o dobre de finados requeriam sinos e braços capazes de, com a ajuda de cordas, fazê-los vibrar, dobrando-os quando a isso obrigavam os ofícios da liturgia.
  • 48. Sendo fundamental para a chamada dos crentes, sinal de vida e sinal de morte, os sinos devem ter sido colocados logo que a torre se edificou. Foi uma tarefa árdua que envolveu o sineiro, ferreiros, carpinteiros, pedreiros, carreteiros. Estamos em crer que, sem pelo menos um sino, a igreja não foi aberta ao culto, a menos que se chamassem os crentes pela sineta da velha capela, o que não será crível. As fontes existentes nada dizem acerca deste aspecto tão importante, qual relógio sonoro, estridente, audível na cercania da vila e dos arrabaldes, qual despique com o fuso solar na marcação das horas e na convocação das gentes. Sabemos, porém, quando um documento finalmente alumia a nossa mente, que em 1719 havia já um grave problema a resolver, relacionado com a torre sineira: o sino grande não dobrava! Tornara-se pois necessário consertá-lo. Por isso o mestre sineiro Domingos Pereira foi chamado e comprou-se chumbo para robustecer e tornar mais pesada a porca do mencionado sino – “para se dobrar pois o não fazia”. Mas o mal deveria ser de raiz. Em 17 de Fevereiro de 1730 foi contratado o mestre ferreiro da cidade de Braga, José Rodrigues, para a fundição do “sino grande”, cujo contrato minuciosamente elaborado existe no arquivo da irmandade. O contrato de obrigação para a fundição e colocação do sino, bem como os apontamentos (onde todas as obrigações foram enunciadas até ao mais pequeno pormenor), encontra-se registado em treze folhas manuscritas e foi assinado pelo mestre sineiro, pelo procurador e tesoureiro Gervásio Barroso e Basto, pelo tabelião Amaro Lopes de Azevedo e pelas testemunhas. Como fiadores do mestre assinaram João de Arantes e Geraldo Barbosa, ambos também de Braga.
  • 49. No dia 4 de Maio de 1730 o mestre José Rodrigues assinou, no verso da última folha do contrato, que recebeu 69.350 réis, entregues por Gervásio Barroso e Basto “do ajuste do sino que fiz para a capela do Senhor da Cruz como bem a saber cinquenta e sete mil e seis centos reis, e mais nove mil e trezentos e cinquenta réis que importavam vinte e sete arráteis e meio que cresceu e mais meia moeda que mandaram dar para ajuda dos gastos, e por assim ser verdade fiz esta que assino hoje. Barcelos 4 de Maio de 1730 anos. José Rodrigues”27 . Sete décadas depois, em 28 de Julho de 1803, José Feliz Pereira dos Santos assinou um documento no qual declarou ter recebido do tesoureiro padre José Alves Redondo da Cruz 55.290 réis, por conta do “importe do sino meão e seus aparelhos” pelo que a irmandade apenas lhe ficou a dever 37.450 réis, que lhe seriam entregues quando o mesmo fosse aprovado “pela presente mesa”. Mais esclarece o mestre sineiro José dos Santos, na nota de despesa sobre o sino médio, que, no caso do sino não ser aprovado “me obrigo a fundir-lhe outro, cujo contrato e tempo da sua aprovação será feito em dois meses”. Um documento sem data, mas que é desta fase, refere a conta “da sineta da capela do Bom Jesus”, que custou 40.440 réis, mas como se descontaram 20.000 do valor da velha, pagou-se apenas 20.440 réis. Este documento foi assinado pelo mesmo sineiro José Feliz Pereira dos Santos, que indicou ter recebido esta quantia das mãos de Carlos Luís de Sousa. Outro documento foi ainda rubricado pelo mesmo autor, quando apresentou a conta do “peso e importe do sino novo” que fundiu e “seus aparelhos”, tudo no valor de 156.740 réis; mas como descontou 64.000 do sino velho, ficou a despesa do dito sino em 92.740 réis. 27 AISC, Caixa 1, Contrato de fundição do sino grande. Aspecto interior da torre sineira, onde pode ver-se o chamado sino grande.
  • 50. Talvez da primeira metade do século XIX, um novo documento escrito dá-nos conta dum registo de João Lima acerca do peso do sino novo (46 arrobas e 20 arráteis), que correspondia a 447.600 réis. Na mesma nota refere-se que o sino velho há-de pesar-se mas que andará pelo mesmo e valerá cerca de164.120 réis. Acrescenta o sineiro que pesou o barro que pôde aproveitar e “que ainda tirei do sino depois de pesado”, o qual poderia ser abatido caso a mesa da irmandade assim o entendesse28 . Sob o toque do nosso olhar e sob debaixo do convite da nossa (e guiados pelos sons da nossa sensibilidade), depois deste magro discurso sobre a sonoridade da torre sineira, entremos respeitosamente no interior do templo. 28 Idem, Despesa com o sino meão.