MANDADO DE SEGURANÇA - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - DELEGADO DE POLÍCIA - DELITO DE CONCUSSÃO - DEMISSÃO - ALEGADA MOTIVAÇÃO EQUIVOCADA À
DECISÃO INDEFERITÓRIA DO RECURSO ADMINISTRATIVO -
IRREGULARIDADES INEXISTENTES - ABUSO DE DIREITO NÃO CONFIGURADO - DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA
Mandado de segurança procedimento administrativo disciplinar
1. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.559 - PR (2007/0165377-1)
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
RECORRENTE : FERNANDO FURLANETTO
ADVOGADO : VIVIAN CRISTINA LIMA LÓPEZ VALLE E OUTRO(S)
RECORRIDO : ESTADO DO PARANÁ
PROCURADOR : DÉBORA FRANCO DE GODOY ANDREIS E OUTRO(S)
RELATÓRIO
1. Trata-se de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança
interposto por FERNANDO FURLANETTO contra acórdão do Tribunal de Justiça do
Paraná, que denegou a ordem ali impetrada, em aresto cuja ementa restou assim
redigida:
MANDADO DE SEGURANÇA - PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - DELEGADO DE POLÍCIA - DELITO DE
CONCUSSÃO - DEMISSÃO - ALEGADA MOTIVAÇÃO EQUIVOCADA À
DECISÃO INDEFERITÓRIA DO RECURSO ADMINISTRATIVO -
IRREGULARIDADES INEXISTENTES - ABUSO DE DIREITO NÃO
CONFIGURADO - DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
Ao Judiciário não é dado adentrar no mérito da decisão
administrativa, cabendo-lhe, apenas, o controle de sua legalidade, mormente
no que diz respeito ao contraditório e ao direito de defesa (fls. 892).
2. Contra referido decisum, foram opostos Embargos de
Declaração, igualmente rejeitados.
3. O remédio constitucional foi impetrado contra ato do
Governador do Estado do Paraná, que demitiu o recorrente do cargo de Delegado
de Polícia Civil de 4a. Classe do Estado do Paraná, por infringência aos arts. 211,
inciso IV (exigir propina em razão do cargo) e 213, incisos XII (prática de ato que
compromete a instituição ou função policial), XIV (exigir vantagem em razão das
atribuições do cargo que exerce) e XXVI (deixar de levar ao conhecimento da
autoridade competente a ocorrência de falta funcional praticada por servidor que lhe
seja subordinado), todos do Estatuto da Polícia Civil do Paraná vigente à época (LC
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14/1982).
4. No presente recurso, alega-se violação:
(I) ao princípio da impessoalidade no julgamento do Processo
Administrativo Disciplinar pelo Conselho da Polícia Civil, porquanto
dois votos pela demissão foram emitidos pela mesma pessoa, Sr.
Adauto Abreu de Oliveira, um na qualidade de membro do colegiado e
outro como Conselheiro do CPC;
(II) ao princípio da motivação e da inobservância da teoria dos
motivos determinantes, em face da equivocada motivação do ato,
tendo em vista que a Secretaria de Estado da Segurança não teria
ratificado a proposta constante na Deliberação 226/2003, que, por
maioria, teria sugerido a aplicação da pena de demissão; fato este
ignorado pelo Governador do Estado que, contraditoriamente, apontou
como fundamento de sua decisão justamente a ratificação da
proposta;
(III) ao princípio do in dubio pro reu, vez que teria sido demitido
sem base probatória, além de possuir fortes evidências de sua
inocência. Afirmou que a autoridade coatora teria ignorado os
posicionamentos da Secretaria de Segurança Pública, da Casa Civil e
da Procuradoria Geral do Estado, todos contrários à demissão e
reconhecendo a prescrição da sanção disciplinar de suspensão;
(IV) aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e
finalidade, tendo em vista a ausência de ponderação de valores como
boa-fé, inexperiência no exercício da função pública e ausência de
vontade de agir ilicitamente.
(V) ao princípio do non bis in idem, em razão da punição de
destituição de função ou remoção compulsória ter sido cumulada com
a penalidade de demissão.
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3. Superior Tribunal de Justiça
5. Citam-se, ainda, outras irregularidades no julgamento
realizado pelo Conselho da Polícia Civil, tais como motivação do relator em
conjecturas e prova ilícita (quebra de sigilo bancário sem autorização judicial) e voto
do Presidente antes dos demais Conselheiros, ferindo assim a imparcialidade.
6. Em contrarrazões de fls. 981/989, o Estado do Paraná afirma
que o Processo Administrativo Disciplinar obedeceu todos os princípios a ele
aplicados, além de que a prática do ato restou comprovada não apenas na
investigação preliminar realizada pela Corregedoria, mas também na ação penal
que culminou com a condenação do paciente à pena de 2 anos e 6 meses de
reclusão, em regime aberto, e 15 dias-multa, posteriormente substituída por pena
restritiva de direito, prestação de serviços à comunidade e perda do cargo de
Delegado de Polícia.
7. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre
Subprocurador-Geral da República SÉRGIO LUÍZ KUKINA, manifestou-se pelo
desprovimento do recurso.
8. É, em suma, o relatório.
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4. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.559 - PR (2007/0165377-1)
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
RECORRENTE : FERNANDO FURLANETTO
ADVOGADO : VIVIAN CRISTINA LIMA LÓPEZ VALLE E OUTRO(S)
RECORRIDO : ESTADO DO PARANÁ
PROCURADOR : DÉBORA FRANCO DE GODOY ANDREIS E OUTRO(S)
VOTO
DIREITO ADMINISTRATIVO. ATIVIDADE SANCIONATÓRIA OU
DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL COMUM. ARTS. 615, § 1o. E 664,
PARÁG. ÚNICO DO CPP. NULIDADE DE DECISÃO PUNITIVA EM RAZÃO
DE VOTO DÚPLICE DE COMPONENTE DE COLEGIADO. RECURSO
PROVIDO.
1. Consoante precisas lições de eminentes doutrinadores e
processualistas modernos, à atividade sancionatória ou disciplinar da
Administração Pública se aplicam os princípios, garantias e normas que
regem o Processo Penal comum, em respeito aos valores de proteção e
defesa das liberdades individuais e da dignidade da pessoa humana, que se
plasmaram no campo daquela disciplina.
2. A teor dos arts. 615, § 1o. e 664, parág. único do CPP,
somente se admite o voto de qualidade - voto de Minerva ou voto de
desempate - nos julgamentos recursais e mandamentais colegiados em que
o Presidente do órgão plural não tenha proferido voto quantitativo; em caso
contrário, na ocorrência de empate nos votos do julgamento, tem-se como
adotada a decisão mais favorável ao acusado.
3. Os regimentos internos dos órgãos administrativos
colegiados sancionadores, qual o Conselho da Polícia Civil do Paraná, devem
obediência aos postulados do Processo Penal comum; prevalece, por ser
mais benéfico ao indiciado, o resultado de julgamento que, ainda que por
empate, cominou-lhe a sanção de suspensão por 90 dias, excluindo-se o voto
presidencial de desempate que lhe atribuiu a pena de demissão, porquanto o
voto desempatador é de ser desconsiderado.
4. Recurso a que se dá provimento, para considerar aplicada
ao Servidor Policial Civil, no âmbito administrativo, a sanção suspensiva de
90 dias, por aplicação analógica dos arts. 615, § 1o. e 664, parág. único do
CPP, inobstante o douto parecer ministerial em sentido contrário.
1. Os fundamentos que dão suporte a esta impetração
revestem-se de inquestionável plausibilidade jurídica, porquanto o caso põe em
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evidência controvérsia impregnada de relevância jurídico-constitucional,
consideradas as graves implicações que a submissão a Processo Administrativo
Disciplinar impõe na esfera moral do Servidor, mormente quando resulta em
demissão do serviço público.
2. No caso, o impetrante aponta diversas nulidades no
julgamento colegiado do Processo Administrativo Disciplinar que culminou com sua
demissão do cargo de Delegado de Polícia Civil de 4a. Classe do Estado do Paraná,
dentre elas uma que se destaca por ter como suporte o reconhecimento de que
assiste ao acusado, no decorrer do Processo Disciplinar, as mesmas garantias e
direitos aplicáveis ao réu no âmbito penal.
3. Consoante precisas lições de eminentes doutrinadores e
processualistas modernos, à atividade sancionatória ou disciplinar da Administração
Pública se aplicam os princípios, garantias e normas que regem o Processo Penal
comum, em respeito aos valores de proteção e defesa das liberdades individuais e
da dignidade da pessoa humana, que se plasmaram no campo daquela disciplina.
4. Realmente não é nova a tendência dos autores de Direito
Administrativo em vindicar para o ramo sancionador dessa disciplina jurídica as
mesmas exigências que se aplicam ao Direito Penal, como pertinentemente aponta
o eminente Professor THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, nominando os
preclaros mestres estrangeiros que sustentam essa mesma posição; diz o saudoso
e sempre lembrado Ministro:
Com o Direito Penal também tem o Direito Disciplinar relações muito
íntimas, porque o Direito Disciplinar é constituído essencialmente por um
regime de sanções e, por isso mesmo, sofre influência direta, imediata, do
Direito Penal.
Este capítulo das relações entre o Direito Disciplinar e o Direito
Penal é bastante interessante pela multiplicidade das doutrinas que se
entrechocam.
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(...).
O Direito Penal procura absorver com seus princípios, sob a
influência, aliás, de idéias autoritórias, outras disciplinas jurídicas,
especialmente o Direito Administrativo e o Disciplinar, procurando uniformizar
o regime de sanções e penetrando na vida administrativa, no campo das
contravenções e das infrações administrativas, de um modo geral (Tratado de
Direito Administrativo, Freitas Bastos, São Paulo, 1960, vol. I, p. 107/110).
5. Estou em que essa tendência mereça e deva mesmo ser
maximamente prestigiada, para se criar a mentalidade de preservação dos direitos,
liberdades e garantias individuais, que são, em última análise, as características e
os fundamentos do Estado Democrático. Neste ponto, é de se ter claro que nem
todos os princípios originariamente compreendidos no Direito Penal são aplicáveis
ao Direito Sancionador de modo mecânico e automático, mas com adaptações a
suas peculiaridades.
6. In casu, afirma o recorrente que, diante do empate de votos no
julgamento do PAD instaurado contra si pelo Conselho da Polícia Civil, com dois
votos a favor da aplicação de suspensão por 90 dias e dois pela pena de demissão,
o Conselheiro ADAUTO DE OLIVEIRA, que já havia votado nesta primeira fase pela
aplicação da sanção de demissão, na qualidade de membro do Colegiado, emitiu
voto de minerva, agora como Presidente do Conselho da Polícia Civil, pronunciando
pela segunda vez pela demissão do recorrente.
7. Vê-se, portanto, que o Conselho da Polícia Civil, órgão
colegiado competente para julgamento do PAD instaurado contra os membros da
corporação, impôs a pena de demissão ao ora recorrente, por maioria de votos,
sendo que dois deles foram proferidos pela mesma pessoa, que participou
primeiramente como membro do Colegiado e, após sua nomeação, na qualidade de
Presidente do Conselho.
8. Neste ponto, é de se ter claro que, em matéria criminal, a teor
dos arts. 615, § 1o. e 664, parág. único do CPP, somente se admite o voto de
qualidade - voto de Minerva ou voto de desempate - nos julgamentos recursais e
mandamentais colegiados em que o Presidente do órgão plural não tenha proferido
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voto quantitativo; em caso contrário, na ocorrência de empate nos votos do
julgamento, tem-se como adotada a decisão mais favorável ao acusado. Eis o teor
dos dispositivos:
Art. 615 - O tribunal decidirá por maioria de votos.
§ 1o. - Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o
presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação,
proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais
favorável ao réu.
(...).
Art. 664 - Recebidas as informações, ou dispensadas, o habeas
corpus será julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o
julgamento para a sessão seguinte.
Parágrafo único. A decisão será tomada por maioria de votos.
Havendo empate, se o presidente não tiver tomado parte na votação,
proferirá voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais
favorável ao paciente.
9. A previsão normativa tem por suporte a assertiva de que, o
direito penal reclama, em qualquer sede, respeito ao princípio da não culpabilidade
inscrito no art. 5o., LVII da CF/88, que dá suporte jurídico-constitucional à regra
decisória processual penal do in dubio pro reo, de sorte que, nos casos em que não
seja possível uma hermenêutica unívoca, mas se conclua pela possibilidade de
duas interpretações divergentes de uma norma legal, a obrigação é de se escolher a
mais favorável ao réu. Em outras palavras, a dúvida sempre deve beneficiar o
acusado.
10. Esse entendimento, que se revela atento e fiel ao princípio do
favor rei ou favor libertatis, adverte corretamente, com apoio na jurisprudência do
Pretório Excelso, que não se admite sequer a convocação de membro de outra
Turma ou Câmara para integrar o Colegiado e proferir o voto desempate, devendo
sempre prevalecer a solução jurídica mais favorável ao processado. A propósito,
confira-se o seguinte precedente do STF:
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Recurso. Especial. Matéria criminal. Interposição contra acórdão
denegatório de pedido de habeas corpus. Julgamento pelo Tribunal Superior
de Justiça. Empate na votação. Convocação de Ministro de outra Turma para
voto de desempate. Inadmissibilidade. Previsão regimental, ademais, de
decisão favorável ao réu em sede de habeas corpus. Art. 41-A, § único, da
Lei n. 8.038/90. Aplicação analógica ao caso. Presunção constitucional de
não culpabilidade. Regra decisória do in dubio pro reo. HC concedido para
proclamar a decisão favorável ao réu. Precedentes. Inteligência do art. 5º,
LVII, da CF. Verificando-se empate no julgamento de recurso interposto pelo
réu em habeas corpus, proclama-se-lhe como resultado a decisão mais
favorável ao paciente. (HC 89.974, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJU
05.12.08).
11. Penso, então, que os regimentos internos dos órgãos
administrativos colegiados sancionadores, qual o Conselho da Polícia Civil do
Paraná, devem obediência a garantia processual em evidência, da mesma forma
como aplicado no âmbito penal.
12. Prevalece, por ser mais benéfico ao indiciado, o resultado de
julgamento que, ainda que por empate, cominou-lhe a sanção de suspensão por 90
dias, excluindo-se o voto presidencial de desempate que lhe atribuiu a pena de
demissão, porquanto o voto desempatador é de ser desconsiderado.
13. Como visto, o empate na votação não autoriza o chamado voto
Minerva nos procedimentos que tutelem o poder punitivo do Estado, em face do
princípio do in dubio pro reu que se irradia tanto no ordenamento penal quanto no
administrativo sancionador. Ainda que assim não fosse, admitir-se a validade de
dois votos proferidos pela mesma pessoa na mesma causa, ainda que no exercício
de funções diferentes, ofende o bom senso e a lógica jurídica do julgamento por
Colegiado.
14. Dest'arte, a norma infraconstitucional que estabeleça critério de
desempate para decisão colegiada, mormente quando já proferido voto pelo
Presidente do órgão julgador, ainda que não tenha sido na qualidade de dirigente
dos trabalhos, deve ser interpretada em harmonia com o texto constitucional.
15. Penso, portanto, presentes as razões expostas, que o ato ora
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impugnado não se legitima em face da presunção constitucional de
não-culpabilidade dos réus, inscrita no art. 5o., LVII da Carta Política, que
fundamenta e justifica a garantia de aplicação da decisão mais favorável ao
acusado em caso de empate na votação pelo Colegiado.
16. Frise-se, por oportuno, que o ato do Governador se baseou na
deliberação do Conselho da Polícia Civil pela aplicação da pena de demissão, como
se verifica do teor da decisão governamental no Recurso Administrativo interposto
pelo recorrente:
Desta forma, INDEFIRO o presente recurso administrativo, aplicando
a penalidade de demissão sugerida pelo Conselho da Polícia Civil,
obedecidas todas as formalidades legais, uma vez que foi observado o
disposto no art. 5o., inciso LV, da Carta Magna, bem como todos os trâmites
legais contidos na Lei Complementar 14/82, com suas posteriores alterações
diante dos fatos constantes dos autos (fls. 745).
17. Em face do exposto, dá-se provimento ao presente Recurso,
para considerar aplicada ao Servidor Policial Civil, no âmbito administrativo, a
sanção suspensiva de 90 dias, por aplicação analógica dos arts. 615, § 1o. e 664,
parág. único do CPP, inobstante o douto parecer ministerial em sentido contrário.
18. É como voto.
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