Em tempos de intensa competitividade e busca de novos negócios, não é fácil, para nenhuma nação ou bloco
econômico, ampliar sua fatia de mercado no mundo globalizado. Os avanços são lentos, e ampliar o market share
torna-se um objetivo constante de todos os países – especialmente em tempo de crise, como a que afeta boa
parte das nações desenvolvidas.
Mas há um seleto grupo de países que vem obtendo resultados econômicos expressivos nesse contexto – o
conjunto formado pelos BRICS, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
De acordo com recente relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad),
divulgado em março de 2013, a fatia do total mundial de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) recebida pelos
BRICS saltou de 6%, em 2000, para nada menos que 20%, em 2012. No ano passado, os cinco países do grupo
receberam US$ 263 bilhões em IED.
A China abocanhou quase metade (46%) desse total. Em segundo lugar aparece o Brasil, com 25%, seguido
por Rússia (17%) e Índia (10%). O fluxo de investimentos para fora desses países passou de US$ 7 bilhões, em
2000, para US$ 126 bilhões, em 2012, quando as nações do BRICS responderam por 9% do total mundial de
investimentos. “Dez anos antes, essa fatia era de apenas 1%”, diz o documento da Unctad.
O relatório informa que os investimentos feitos pelos BRICS estão voltados, principalmente, para a busca de mercados
em países desenvolvidos ou no contexto de alianças regionais. Por sua vez, os países desenvolvidos foram o destino
de 42% do total de IED para fora dos BRICS, sendo que a União Europeia foi responsável por 34%.
Para compreender melhor esse surpreendente fenômeno que atinge a economia mundial, em que os BRICS
aproveitam os tempos de incerteza no Primeiro Mundo para crescer, criando novo eixo geopolítico para o
desenvolvimento econômico mundial, a Fundação Dom Cabral realizou, entre março e junho de 2012, uma ampla
pesquisa com 173 executivos participantes de eventos e programas da FDC.
Ela foi coordenada pelas professoras Áurea Helena Puga Ribeiro e Lívia Lopes Barakat e executada pelo Núcleo
de Redes Colaborativas e Marketing B2B da instituição.
Lições da crise: como ampliar mercado em época de incerteza
1. Gestão Estratégica do Suprimento
e o Impacto no Desempenho das
Empresas BrasileirasLições da crise: como ampliar
o mercado em época de incerteza
Áurea Helena Puga Ribeiro e Lívia Lopes Barakat
A
FE1303
Em tempos de intensa competitividade e busca de novos negócios, não é fácil, para nenhuma nação ou bloco
econômico, ampliar sua fatia de mercado no mundo globalizado. Os avanços são lentos, e ampliar o market share
torna-se um objetivo constante de todos os países – especialmente em tempo de crise, como a que afeta boa
parte das nações desenvolvidas.
Mas há um seleto grupo de países que vem obtendo resultados econômicos expressivos nesse contexto – o
conjunto formado pelos BRICS, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
De acordo com recente relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad),
divulgado em março de 2013, a fatia do total mundial de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) recebida pelos
BRICS saltou de 6%, em 2000, para nada menos que 20%, em 2012. No ano passado, os cinco países do grupo
receberam US$ 263 bilhões em IED.
A China abocanhou quase metade (46%) desse total. Em segundo lugar aparece o Brasil, com 25%, seguido
por Rússia (17%) e Índia (10%). O fluxo de investimentos para fora desses países passou de US$ 7 bilhões, em
2000, para US$ 126 bilhões, em 2012, quando as nações do BRICS responderam por 9% do total mundial de
investimentos. “Dez anos antes, essa fatia era de apenas 1%”, diz o documento da Unctad.
O relatório informa que os investimentos feitos pelos BRICS estão voltados, principalmente, para a busca de mercados
em países desenvolvidos ou no contexto de alianças regionais. Por sua vez, os países desenvolvidos foram o destino
de 42% do total de IED para fora dos BRICS, sendo que a União Europeia foi responsável por 34%.
Para compreender melhor esse surpreendente fenômeno que atinge a economia mundial, em que os BRICS
aproveitam os tempos de incerteza no Primeiro Mundo para crescer, criando novo eixo geopolítico para o
desenvolvimento econômico mundial, a Fundação Dom Cabral realizou, entre março e junho de 2012, uma ampla
pesquisa com 173 executivos participantes de eventos e programas da FDC.
Ela foi coordenada pelas professoras Áurea Helena Puga Ribeiro e Lívia Lopes Barakat e executada pelo Núcleo
de Redes Colaborativas e Marketing B2B da instituição.
companhe, a seguir, entrevista realizada
com as professoras.
Vocês poderiam falar um pouco
sobre o contexto que levou à
realização da pesquisa no ano
passado?
Nos últimos 20 anos, com a liberalização da economia,
as empresas brasileiras reagiram ao movimento da
globalização e iniciaram sua expansão internacional.
O Investimento Brasileiro Direto no Exterior (IBD), que
em 1994 não chegava a US$ 1 bilhão, em 2006 atingiu
seu pico, com mais de US$ 20 bilhões, de acordo com
dados do Banco Central.
Entretanto, a partir do segundo semestre de 2008, com a
crise econômico-financeira, muitas empresas passaram
a focar no mercado interno como forma de se proteger da
instabilidade dos mercados norte-americano e europeu.
Tanto é que o IBD caiu para patamares negativos (menos
US$ 1 bilhão) em 2011.
2. 2Lições da crise: como ampliar o mercado em época de incerteza
Mas o IED também foi ampliado
no Brasil...
Sim. Fenômeno inverso verificou-se em termos do IED,
que só aumentou depois da crise, saindo de US$ 25,6
milhões, em 2009, para US$ 66,6 milhões, em 2011.
Esse número reflete a entrada de capitais estrangeiros
no Brasil, na forma de aquisições e abertura de filiais.
O que se pode concluir a partir
desses números apontados pelo
relatório divulgado pela Unctad,
levando em conta, também, a
pesquisa de vocês?
De fato, o mercado brasileiro tem se mostrado
interessante em época de incerteza. Isso acontece
também com os demais países do grupo dos BRICS.
Essa foi, portanto, a grande motivação para a realização
da nossa pesquisa.
Quais foram as grandes questões
que nortearam o estudo de
vocês?
Formulamos quatro perguntas essenciais para tentar
buscar respostas para o fenômeno ou a tendência em
estudo. São elas, basicamente:
•• Será que as empresas brasileiras estão preparadas
para lidar com a crescente competição de empresas
estrangeiras?
•• O foco no mercado interno é uma estratégia de
blindagem contra a crise ou armadilha em longo
prazo?
•• Como ganhar ou manter competitividade frente a
crises econômicas?
•• Como as empresas ajustaram suas estratégias e
ações de marketing frente à crise?
E como foram os resultados?
É interessante notar que a maior parte dos executivos –
54% deles – percebe que sua empresa foi pouco afetada
com a crise, e 10% alegam que não foi afetada. Esse
dado ajuda a explicar o fato de que muitas empresas
passaram a focar no mercado interno no contexto
da crise. De fato, o desempenho das transnacionais
brasileiras foi melhor no mercado doméstico do que no
mercado internacional, como indica outra pesquisa da
Fundação Dom Cabral (Ranking das Transnacionais
Brasileiras 2012).
Entretanto, esse otimismo em relação ao mercado
interno pode fazer com que as empresas percam a
visão de longo prazo e se voltem para dentro, perdendo
oportunidades de expansão e, por vezes, se tornando
menos competitivas em relação às estrangeiras.
Quadro 1 - O quanto as empresas foram afetadas
pelas recentes crises mundiais
Mas, quando se fala em mercado
externo, há o tradicional entrave
do chamado custo Brasil...
Sem dúvida. Os produtos brasileiros têm perdido
competitividade para os importados devido ao alto
custo Brasil, que se reflete no valor dos impostos,
na infraestrutura precária, na burocracia e no custo
de energia. Isso tudo eleva os custos de logística,
aumentando diretamente os custos dos produtos.
Então, com todos esses fatores,
vale a pena produzir no Brasil?
Ou, em outras palavras, como
se manter competitivo frente a
perdas de escala em função do
aumento do protecionismo e da
intensificação da concorrência, a
exemplo da China e da Coreia?
Exatamente por esse motivo, o Núcleo de Redes
Colaborativas e Marketing B2B realizou a pesquisa,
procurando investigar as estratégias adotadas pelas
empresas para manter o crescimento e prosperar em
época de incertezas. Queríamos saber, por exemplo, se
a competição mais acirrada e as pressões por resultados
de curto prazo fizeram as empresas se renderem à
comoditização de suas ofertas, priorizando ações que
levam à redução sistemática de preços.
3. 3FDC Executive
Quais foram, por exemplo, as
estratégias corporativas adotadas
pelas empresas para fazerem
frente a tais desafios?
Essa questão é relevante. Ao questionar as empresas
sobre a estratégia corporativa adotada no pós-crise,
observa-se que as respostas foram bastante variadas.
Grande parte das empresas pesquisadas, ou seja,
43% delas, preferiu focar na redução de custos,
mas é interessante notar que parte considerável da
amostra buscou a diferenciação de produtos e serviços
(26% do total) e a intimidade com o cliente (31% das
respondentes).
Quadro 2 - Estratégia corporativa adotada
em época de incerteza
Qual outra questão relevante foi
levantada pela pesquisa?
Os executivos também foram questionados sobre os
investimentos em gestão de mercado nos últimos anos.
Os principais focos de investimentos identificados foram
ênfase na lucratividade da produção; gestão de clientes
estratégicos; prospecção de novos clientes; parceiras
com clientes e agregação de serviços aos produtos.
É interessante notar que os itens citados refletem as
três estratégias corporativas adotadas. Desta forma,
as empresas que priorizaram a estratégia de custos
fizeram investimentos para aumentar a lucratividade da
produção, enquanto as demais estratégias estão em
sua maior parte relacionadas a empresas que buscaram
diferenciação e intimidade com o cliente.
E quais as áreas que receberam
menos investimentos?
Segundo a pesquisa, as áreas relacionadas às políticas
de crédito, treinamentos em marketing e marketing online
são as que recebem menor investimento por parte das
empresas em época de crise.
A pesquisa indica ainda que
vocês identificaram questões que
têm a ver com o relacionamento
das empresas com o cliente,
certo?
Sim. A despeito da estratégia corporativa adotada pela
empresa em época de incerteza, um ponto interessante
que chamou a atenção na pesquisa foi exatamente o
que ser refere às ações focadas no relacionamento
com o cliente. Elas são, por sinal, as que mais geram
impactos positivos no desempenho das empresas.
Em nossa pesquisa identificamos cinco importantes
tipos de estratégias de marketing. As ações agrupadas
como estratégias de relacionamento com clientes
foram as únicas que geraram aumentos significativos
na percepção de desempenho em relação à média
do setor. Estas ações são: gestão de contas-chave,
parceria com clientes, suporte ou serviço aos clientes e
compartilhamento de informações com os clientes.
E quais são os demais tipos de
estratégias de marketing em
destaque?
Além do relacionamento com os clientes, identificamos
outros tipos de estratégias: estratégias relativas à políticas
de vendas e canais de distribuição; ao desenvolvimento
de novos produtos e mercados; à comunicação; e ajustes
de produtos às necessidades do mercado.
4. 4Lições da crise: como ampliar o mercado em época de incerteza
Quadro 3
Qual o impacto dessas ações no
mercado?
As estratégias de relacionamento com clientes, têm
potencial para aumentar em 30% a performance da
empresa, em termos de crescimento das vendas, market
share, lucratividade e fluxo de caixa. Os outros grupos
de estratégias não impactararm de forma significativa o
desempenho das empresas. Vale destacar, ainda, que as
estratégias relacionais têm sido cada vez mais utilizadas
como forma de gerar valor aos clientes.
Podemos citar ainda outra pesquisa do Núcleo de Redes
Colaborativas e Marketing B2B, segundo a qual o 42% do
faturamento projetado das empresas para os próximos
5 anos virá em decorrência da prática de estratégias
relacionais com os clientes.
Quadro 4 – Cinco Grupos de Estratégias de
Marketing Identificadas
Estratégias Ações correlacionadas
Relacionamento
com clientes
Programas de gestão de contas-
chave;
Parceria com clientes
Serviço aos clientes/ suporte;
Compartilhamento de informações
com clientes
Políticas de canais
e de vendas
Autonomia da força de vendas
Desenvolvimento de parcerias com
canais
Politicas de crédito
Promoção de vendas e descontos
Comunicação Marketing direto sustentado em
datamining
Marketing digital/ on line
Construção de marcas
Desenvolvimento
de novos clientes e
mercados
Prospecção de novos clientes
Ampliação da atuação geográfica
Ampliação dos segmentos de
mercados atendidos
Ajustes em
produtos e
mercados
Pesquisas de Mercado
Ajustes no número de linhas de
produtos e SKU´s
Desenvolvimento de ofertas
combinando produtos e serviços
Novos desenvolvimento de
produtos
Vocês poderiam citar algumas
conclusões ou impressões
importantes que a pesquisa
permitiu aferir nesse contexto dos
investimentos em novos mercados
em tempos de incertezas?
Sem dúvida. A construção de um relacionamento próximo,
pautado na confiança e benefícios mútuos é uma forma
importantedegerarvalorsuperioraosclientes,diferenciando
asempresasdeseusconcorrentes.Emépocadeincertezas,
esse parece ser um aspecto ainda mais relevante para a
prosperidade dos negócios, tendo em vista a tendência de
comoditização em muitas empresas. Deparando-se com
ofertas muito similares, muitos clientes passam a buscar o
“algo mais” que irá mantê-lo na relação.
É o que está acontecendo no
Brasil, nesse momento?
Tudo isso é ainda mais determinante em países
emergentes como o Brasil, em que o contexto das
transações, ou seja, o que vai além da oferta básica é
muito valorizado nas decisões de compra. Isso se deve
aos traços de coletivismo e pessoalidade, que fazem com
que as práticas focadas em relacionamentos próximos e
duradouros se tornem um ponto de diferenciação.
Como fica o papel dos gestores
nesse processo?
Gestoresqueadotamessaspráticastentamrentabilizarsua
basedeclientes,criandosoluçõesqueaumentamoscustos
demudançaecriamnovasoportunidadesdenegócios.Eles
oferecem soluções decorrentes de um conhecimento mais
próximo dos clientes, de seus processos e desafios.
Por fim, vale deixar uma reflexão para os leitores:
a partir de uma maior diferenciação, baseada em
relacionamentos, quem sabe as empresas passariam
a estar mais bem preparadas para competir com as
estrangeiras que entram no Brasil ou até para se
internacionalizar e competir em nível global?