O autor discute como a cultura visual pode contribuir para uma compreensão crítica da experiência visual. Ele argumenta que sistemas simbólicos como imagens adquirem valor cultural e que a cultura visual estuda como esses sistemas são construídos socialmente. Também defende que objetos e imagens devem ser analisados em seus contextos e que possuem múltiplas interpretações. A cultura visual na escola pode mobilizar diferentes percepções e ampliar os espaços de diversidade cultural.
Educacao das artes_visuais_na_perspectiva_da_cultura_visual_conceituacoes_problematizacoes_e_experiencias_parte_1_
1.
2.
3.
4.
5. Governador
Alcides Rodrigues Filho
Vice - Governador
Ademir Menezes
Secretária da Educação
Milca Severino Pereira
Superintendente da Administração,
Finanças e Planejamento
Valterson de Oliveira da Silva
Superintendente da Educação Básica
José Luiz Domingues
Coordenadora de Desenvolvimento e Avaliação
Edvânia Braz Teixeira Rodrigues
Centro de Estudos e Pesquisa “Ciranda da Arte”/Seduc
Luz Marina Alcântara
6. Rodrigues, Edvânia Braz Teixeira (org.); e outros.
Educação das artes visuais na perspectiva da cultura visual: conceituações,
problematizações e experiências. Edvânia Braz Teixeira Rodrigues (org.) e
Henrique Lima Assis (org.). Goiânia, 2010, 265 p.
espaço escolar.
1. Educação 2. Artes Visuais
SEDUC/GO
7.
8. Organizadores
Henrique Lima Assis
Edvânia Braz Teixeira Rodrigues
Elaboradores
Alice Fátima Martins
Aline Nunes da Rosa
Cristian Poletti Mossi
Erinaldo Alves do Nascimento
Fernando Hernández
Fernando Miranda
Henrique Lima Assis
Irene Tourinho
Leonardo Charréu
Marilda Oliveira de Oliveira
Noeli Batista dos Santos
Raimundo Martins
Tereza Eça
9. Revisão Linguistica
Jane Greco
Projeto Editorial
Diogo Ferreira
Priscila Monique Teixeira Rodrigues
Arte da Capa
Joelma Maria Paes da Silva Sobrinho
Editoria
Edvânia Braz Teixeira Rodrigues
10. SUMÁRIO
Narrativas I Conceituações
19 Pensando com imagens para compreender criticamente a
experiência visual.
39 Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as
bases de uma forma de pedagogia crítica.
59 Como pode a educação da cultura visual contribuir com a
educação das artes.
Narrativas II Problematizações
91 O sonho do catador de papelão – por uma escola aberta à
comunidade.
111 Vazamentos e rachaduras: atravessar espaços e encontrar
fendas para interações pedagógico-culturais.
129 Grupo de Pesquisa como dispositivo de formação docente.
11. Narrativas III Experiências
O candidato político como um produto visual. 151
Em uma escola pública de Montevidéu: cultura visual e 173
experiência estética.
Sobre as horas, as flores e o acontecer – um relato de 189
experiência.
Narrativa IV Entrevista
Sentidos e significados da arte na escola contemporânea: 209
educação artística, ensino de arte ou cultura visual?
Minicurrículos 237
Referências 245
12.
13. 7
Apresentação
A Secretaria de Estado da
Educação apresenta
sobre o papel das linguagens artísticas, nas suas diversas
importantes de cultura, arte e lazer. As publicações visam
fortalecer a arte na escola pública como instrumento para
a formação cidadã, consolidando a política de educação
inclusiva no estado.
Os cinco volumes que compõem esta coleção são
resultado de profundas discussões acerca da importância
pedagógicos das escolas. Uma inserção que deve
considerar todas as demais disciplinas e atividades
desenvolvidas no espaço escolar e na sociedade. A
coleção reforça o compromisso da Secretaria de Estado da
14. 8
Educação de valorizar o ensino da arte, nas suas diferentes
estudante. Um passo para a educação integral.
artes visuais, da música, do teatro, da dança e da contação
de histórias. Para cada linguagem artística, um volume
do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, da
capacitação de professores de arte da rede estadual de
ensino e de diversas Instituições de Ensino Superior.
Queremos, com isso, contribuir para que o processo
de ensino e aprendizagem da arte nas escolas públicas do
Boas leituras!
Milca Severino Pereira
Secretária da Educação
17. 11
Prefácio
Fruto da eclosão de visualidades e visualizações
da vida social contemporânea, nosso
peças de artesanatos, desenhos, outdoors, esculturas,
vitrines, livros, roupas, imagens televisivas... É possível
percebemos que as imagens desempenham um papel de
extrema relevância nos processos de interação individual
e coletiva, na possibilidade de acessar e conectar ideias,
ideologias e conhecimentos, nas experimentações estéticas
esse contexto que ora se desenha tem provocado inúmeras
sobretudo, na educação das Artes Visuais.
Como resultado do esforço para discutir a necessidade
de repensar a educação das artes visuais na escola, surge,
na década de noventa, na Europa e nos Estados Unidos,
18. 12
a cultura visual, campo de estudo transdisciplinar, híbrido,
que se alimenta, entre outros, nos estudos culturais,
feministas, cultura material, história cultural da arte. A
e do fazer, indagando como o universo de imagens e
artefatos, do passado e do presente, afeta o modo como
vemos, como somos vistos e como somos capazes de ver a
nós mesmos e ao mundo.
Nesta direção, percebemos que a mudança apresentada
para a educação, mediada pela cultura visual, não trata
artefatos que podem fazer parte do estudo em artes
o de produtores de imagens e visualizadores críticos.
da cultura visual, na escola, incide em desestabilizar
hegemonias entre cultura erudita e popular sobre as
e possibilidades de interpretação e produção ainda não
consideradas. Assim, perguntas frequentes no cotidiano
das aulas de artes, como ‘o que você vê?’ ou ‘que história
Educação das artes visuais na perspectiva da cultura
19. 13
visual: conceituações, problematizações e experiências surge da
– ao cotidiano da escola pública, espaço que abriga uma
é que professores e estudantes, ao trabalharem com
esse universo imagético, possam explorar as políticas
hegemônicos, desenvolver compreensões críticas,
demandam a atenção das sociedades contemporâneas.
das artes visuais baseada na cultura visual, materializado
neste livro, conta com a parceria de muitos professores
e professoras de diferentes lugares, tais como Brasil,
Uruguai, Portugal e Espanha.
Conceituações,
a qual agrega artigos dos professores Raimundo
Martins/Brasil, Leonardo Charréu/Portugal e Fernando
Hernandes/Espanha. Os textos destes pesquisadores
20. 14
buscam delimitar conceitualmente o campo da cultura
crítica da experiência visual; a transversalidade disciplinar:
a necessidade de revisar os sentidos da relação das artes
visuais com a educação.
Tourinho, Marilda de Oliveira e Oliveira, Aline Nunes
da Rosa e do professor Cristian Poletti Mossi, todos
brasileiros, integram a segunda parte do livro denominada
Problematizações
sobre o ambiente escolar e a necessidade de dialogar,
culturais e os grupos de pesquisa como dispositivos de
formação docente em artes visuais.
A terceira parte apresenta Relatos de Experiências
educativas de ensino de artes visuais, amparadas na
Cultura Visual, desenvolvidas em escolas públicas.
Para tanto, Erinaldo Alves/Brasil, Fernando Miranda/
Uruguai e Noeli Batista/Brasil exploram questões
relatos hegemônicos e criando espaços para discussões
demandam a atenção de seus estudantes.
21. 15
A quarta e última parte é composta por uma Entrevista
feita com Teresa Eça/Portugal, na qual conversamos sobre
papel atual da educação que deve preparar os educandos
para o futuro incerto, que deve, também, romper os muros
e construir currículos que estabeleçam pontes entre a
escola e o que acontece fora dela. Para isso, discutimos
sobre as contribuições da cultura visual como uma
abordagem mais ampla de compreensão e interpretação
investigativos e criativos.
Professores e professoras, o convite que fazemos é
para que, ao lerem os artigos que integram o presente
educativas, compreendendo a dimensão epistemológica,
crítica e política que tanto as imagens quanto as ações
educativas suscitam, para, então, desenvolver uma
pedagogia mais crítica e questionadora, autêntica e
alternativa.
A todos os autores e autoras, parceiros e parceiras
22. 16
educação escolar, o nosso muito obrigado!
Boas leituras!
Henrique Lima Assis
Edvânia Braz Teixeira Rodrigues
Organizadores
25. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 19
PENSANDO COM IMAGENS
PARA COMPREENDER CRITICAMENTE A
EXPERIÊNCIA VISUAL
Raimundo Martins
O fazer culturalmente instituída que gera
torna possíveis articulações simbólicas de conhecimento.
fragiliza barreiras conceituais dogmaticamente construídas
produção, de conhecimento e aprendizagem simbólicos.
Os seres humanos, por onde passam, vivem ou
habitam, deixam marcas e rastros. Essas marcas e rastros,
resultado da atividade humana, geram diferenças, valores
os fazeres de determinado período ou época. Assim,
26. 20 Narrativas I Conceituações
ganhando valor simbólico a partir da posição que ocupam
numa escala de hierarquia ou prestígio cultural e podem
até mesmo ser mais valiosos quando utilizados em
contextos ou funções diferentes daqueles para as quais
foram inicialmente criados.
Desse modo, podemos dizer que sistemas simbólicos
adquire, ou lhe é atribuído, um determinado valor em
Os sistemas simbólicos são estabelecidos e preservados
Gradativamente, passam a ser incorporados por outros
seres humanos, como legado de outras gerações. Portanto,
os sistemas simbólicos se constituem como marca e
Podemos dizer que, nesses processos, a arte e seus
ganham e ocupam espaços privilegiados a partir de
simbólicos lhes conferem.
Assim, a arte deve ser vista e pensada como um dos
fazeres
criadas e elaboradas pelos seres humanos. Nesse contexto,
27. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 21
de ser considerada um fazer superior único, ou melhor. É
importante observar que, ancorados no argumento de que
se outorgaram o direito de utilizar e beber de outras
exemplo, o bordado, a marcheteria ou a tecelagem.
A cultura visual não estuda apenas um setor, uma
parcela ou recorte desse mundo simbólico denominado
percepção que se irradiam através de imagens de arte,
de interpretações e aprendizagens.
A partir de uma visão crítica, a cultura visual busca
elucidar como processos e articulações sociais, por meio
de sistemas simbólicos, construíram a ideia de valor
suas mecânicas de circulação pública como nas formas
imagens, devem ser tratados e partilhados como arquivos
28. 22 Narrativas I Conceituações
nas relações com o público/audiência, e não apenas da
a existir em contexto e, portanto, não estão limitados a
predominante num determinado período. Eles podem
fazer parte. Portanto, é importante reconhecer o mundo
disso, dependente de possibilidades de interpretação e,
principalmente, de novas aprendizagens.
Objetos, imagens e compreensão crítica
mobiliza a memória visual e reúne sentidos da memória
social construída pelos indivíduos – professores e alunos
29. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 23
tentar compreender o sentido simbólico das imagens,
lugares sociais por onde passam, vivem ou habitam. O
território visual onde as pessoas estão situadas – moram,
suas relações com o mundo as coloca num processo de
de interpretação.
imagens e, consequentemente, a pulsão para consumir
sua representação estética, destacando sua dimensão
pelo preço, mas, pelo que representam emocionalmente.
Assim, nossas escolhas falam do mundo em que vivemos,
mesmo em sociedades/comunidades mais pobres e em
têm como foco a imagem de artefatos/produtos a
serem consumidos, porque marcas, logos e grifes
funcionam como atalhos mentais que nos persuadem
a escolher aquelas que, por alguma razão, transmitem
30. 24 Narrativas I Conceituações
mas operam através da idealização e da expectativa dos
produtos/imagens.
cultural e, especialmente, deveriam ter nas instituições
educacionais é articular, colocar em cena e fazer circular
que pessoas de uma mesma comunidade ou grupo social
podem conviver no mesmo território visual, com os
cada pessoa as experimenta e interpreta de maneira
diferente, contribuindo para ampliar não apenas o acervo
de interpretações e de sentidos da territorialidade visual,
mas, principalmente, seus espaços de diversidade. Assim,
podemos dizer que a territorialidade visual de grupos
sociais e comunidades se contrapõe, ou, com frequência,
hegemônicos que buscam legitimar algumas interpretações
como sendo mais adequadas ou pertinentes, autênticas,
interpretação e, muitas vezes, constrangem professores e
31. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 25
prioritariamente como espaços de aprendizagem,
espaçosde experimentação de professores e alunos como
atores do processo educacional no qual fazeres artísticos
depende de exposição, de circulação e, também, de
experiências de visualização que levem em conta as
diferentes interpretações contextuais e ideológicas que as
formam e informam.
Os problemas e resistências que enredam e emaranham
os processos de aprendizagem no espaço formal da
emergem e se sedimentam em diferentes perspectivas
e concepções. Esses problemas se manifestam na
assim por diante. A produção simbólica se constrói a
partir de múltiplas narrativas que evolvem interesses e
32. 26 Narrativas I Conceituações
contestação, revolta ou dissidência, mas, como atividade
humana, podem fazer parte da história.
fragmentações e contradições, e somos testemunhas
de uma época em que a globalização pasteuriza e, ao
mesmo tempo, oculta construções simbólicas e de
realidade moldadas pelos interesses de poder de grupos e
sociedades hegemônicos que, assim, silenciam narrativas e
a necessidade e a velocidade de consumir dos indivíduos
permanecem porque existem produtos, artefatos e
de que a territorialização do campo visual tem diferentes
implicações para diferentes indivíduos, explicitando e
como somos vistos e, como e o que somos capazes de ver.
Como descrever e representar experiências de outras
pessoas, outros grupos, outras culturas? Como interpretar
uma nova territorialização do campo visual que se
manifesta de maneira sutil interferindo nas concepções de
espaço, tempo e lugar? Ou, ainda, como educar indivíduos
para essa territorialização do campo visual que cria modos
33. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 27
de ver insidiosos e produz novas formas de sociabilidade
que repercutem de modo surpreendente sobre a
Para desenvolver uma compreensão crítica de
o mundo simbólico e suas formas são construções
sociais mediadas por tradições que ocupam, como
aberto a novas interpretações e aprendizagens. Para
que o medeiam, criando espaços propícios para a
que façam parte do repertório artístico e imagético
contemporâneo e do mundo simbólico dos alunos.
As escolas têm sido ausentes, em alguns casos até
mesmo omissas nessa tarefa de explorar e trabalhar
frequência, escolas e professores se acomodam num
conservadorismo acrítico, subestimam a territorialidade
visual dos alunos e optam pela subordinação a uma visão
34. 28 Narrativas I Conceituações
estão social e politicamente contextualizados. Grupos
contraposição a esses argumentos, o conceito de dialogia
se ancora nas premissas da heterogeneidade como foco
norteador da aprendizagem dos processos artísticos,
abrindo espaço para a diversidade e para a pluralidade
de vozes, reconhecendo que no mundo simbólico
convergências e trocas.
Esse é um aspecto educativo preponderante na cultura
são importantes porque têm força produtiva e podem
inquietações contemporâneos que contribuem para uma
compreensão crítica da experiência visual. Essas ideias e
produtos simbólicos que formam nossas identidades e
35. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 29
Imagens de arte, de informação, de publicidade e de
suas implicações simbólicas dependem do que elas
representam. A interpretação é um ato complexo que
por esta razão, pressupõe posições de concordância,
de resistência ou de crítica e, ainda, o modo como as
valorativa. Na perspectiva da cultura visual o trabalho
O propósito da compreensão crítica e performativa
da cultura visual é não destruir o prazer que os
estudantes manifestam, mas explorá-lo para
encontrar novas e diferentes formas de desfrute,
oferecendo aos alunos possibilidades para outras
leituras e produções de “textos”, de imagens e
de artefatos. No que se refere a isto, não se deve
esquecer que eles podem apresentar sempre
posicionamentos diferentes dos que gostaríamos
que apresentassem, e que essas diferenças
36. 30 Narrativas I Conceituações
constituem também uma oportunidade para o
debate na sala de aula e para que venham a
assumir posicionamentos diferentes dos que
apresentaram inicialmente (p. 71).
No trabalho pedagógico com arte e imagem,
professores e alunos participam e interagem em espaços de
sempre provisório e contextual. Essas ideias e conceitos
de aprendizagem no ambiente escolar. Precisamos
estar atentos para o fato de que como artefatos sociais,
arte e imagem estão vestidas e revestidas por ideias e
pontos de vista coletivos e individuais, por interesses
valorações, preconceitos e sotaques estranhos, muitas
são hierarquizados, mas, frequentemente, são manipulados
em função dos interesses de grupos hegemônicos. Assim,
e vivências de territorialização social e visual e, por esta
valorações sociais.
37. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 31
Experiência visual e contexto educacional
A experiência visual, dentro ou fora da escola, em
diferentes contextos econômicos, políticos e sociais
é articulada através de imagens que devem estar
(Freedman, 2006, p. 30). Não podemos negar e muito
menos ignorar o fato de que na contemporaneidade,
de ensino/pesquisa que acabam por fazer das narrativas
imagéticas um recurso importante para pensar,
narrativas visuais são uma espécie de fusão das relações
entre imagem e poder, relações que se traduzem em
vida social fabricando imagens, tentando organizar,
38. 32 Narrativas I Conceituações
de traduzir a vida em imagem, até que fosse possível
mudança. Fundamentados nesta condição, a cultura nos
autoriza a romper com distinções de gosto alicerçadas
renascentista’, visto que nem o olho nem a psique operam
(Rogoff, 1998, p. 21).
Uma maneira fecunda de explicitar essa discussão é
através da experiência com imagens. Por exemplo, sobre a
imagem abaixo, pergunto: é esta uma imagem de arte, de
publicidade, de informação, ou de entretenimento?
A imagem do trabalho do artista Cui Xiuwen, exposta
na Asian Contemporary Art Fair de Nova York, (ACAF
39. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 33
onde foi apresentada, uma das galerias que abrigou a
Na ausência dessas informações, professores e alunos
de informação, de entretenimento e até mesmo uma
combinação de possibilidades. Como disse no
início desse texto,
objetos são separados uns dos outros e
classificados, ganhando valor simbólico a partir da
posição que ocupam numa escala de hierarquia
ou prestígio cultural e podem até mesmo ser
mais valiosos quando utilizados em contextos ou
funções diferentes daqueles para as quais foram
inicialmente criados (p.1).
40. 34 Narrativas I Conceituações
apesar do tamanho pouco comum e de estar exposto
numa feira de arte, é facilmente associada a um brinquedo
por crianças, ou, ainda, a uma imagem de informação
registro no Livro Guinness dos Recordes. Mas na matéria
41. Pensando com imagens para compreender criticamente a experiência visual 35
[da feira] é promover uma profunda compreensão da arte
torno da questão sobre
contemporânea asiática.
(idem, p. 125).
42. 36
Podemos fazer a mesma pergunta nos reportando ao
contemporânea goiana?
Pensando com imagens
As duas imagens que acabo de apresentar são
representativas das mudanças e transformações que
põem em evidência a necessidade e importância de uma
organizar uma experiência de aprendizagem que gere
novos posicionamentos, novas formas de compreensão e
a velocidade e a liberdade com que essas mudanças e
transformações cruzam as fronteiras tradicionais criando
miscigenações com as belas artes, com imagens de
publicidade, vídeos e exposições em museus.
Ambiguidade e ambivalência são marcas desses
exemplos que permitem diferentes interpretações e
podem levar professores e alunos a expressarem reações
e sentimentos opostos ou contraditórios. Na cultura
contemporânea, a crítica da arte e da imagem é, também,
43. 37
uma crítica do poder e, com frequência, as relações entre
arte/imagem e poder se apresentam de forma dissimulada,
sutil, quase sempre pouco perceptível.
A cultura visual, além de ocupar uma parte
olhar e da representação visual, de suas funções sociais e
p. 229). Os princípios pedagógicos que a cultura visual
de imagens, artefatos, instrumentos e aparatos, bem como
a experiência de indivíduos mediados e em rede em um
Para construir outra narrativa para a educação das artes
da cultura visual não apenas como mais uma disciplina,
perspectiva, ou abordagem, mas como uma força
produtiva que subverte fronteiras, amplia debates e cria
novas relações conceituais e pedagógicas com o mundo
transdisciplinares é detalhada por Freedman (2000)
ao explicar que:
44. 38 Narrativas I Conceituações
A cultura visual está em expansão da mesma
maneira que o campo das artes visuais. Este
campo inclui as belas artes, a televisão, o cinema
e o vídeo, a esfera virtual, a fotografia de moda,
a publicidade, etc. A crescente penetração
dessas formas de cultura visual e da liberdade
com que elas cruzam os limites tradicionais pode
ser apreciada na utilização das belas artes nos
anúncios publicitários, na imagem gerada por
computador nos filmes e na exposição de vídeos
nos museus (p. 316).
que os cercam. Trabalhar pedagogicamente com essas
da cultura visual e, sobretudo, a vivenciar e aprender um
sentido de discernimento e autocrítica. Como perspectiva
educativa, a cultura visual pode propiciar aos alunos e
professores oportunidade para discutir e se posicionar
demandam a atenção das sociedades contemporâneas.
45. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 39
CULTURA VISUAL E TRANSVERSALIDADE
DISCIPLINAR: DEFININDO AS BASES DE
UMA FORMA DE PEDAGOGIA CRÍTICA
Leonardo Charréu
DPE/CIEP Universidade de Évora/ Portugal
leonardo@uevora.pt
Desde uma década e meia que a Cultura
que abarcam a educação artística em artes visuais, esta
No entanto é, com demasiada frequência, confundida
material visual, em particular, os que têm normalmente
design,
46. 40 Narrativas I Conceituações
claras, ou até mesmo errôneas, que não corresponde
verdadeiramente constitui o cerne do estudo da Cultura
artísticas contemporâneas sobre quem as observa, as
as múltiplas imagens e visualidades oferecidas pelo
capazes de circunscrever e dar uma resposta estética a
Na realidade, essa tem sido sempre a função dos artistas
em todos os momentos históricos, pelo menos, daqueles
que a História da Arte e as suas disciplinas auxiliares têm
legitimado, seguindo critérios muito precisos e uniformes.
47. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 41
e procurando explicar porque é que a Cultura Visual é,
especialidades disciplinares.
Ao mesmo tempo que recusamos todo e
qualquer projeto globalizante, toda a espécie
de pensamento fechado, toda espécie de nova
utopia, reconhecemos a urgência de uma pesquisa
verdadeiramente transdisciplinar num intercâmbio
dinâmico entre as ciências exatas, as ciências
humanas, a arte e a tradição. Num certo sentido,
esse enfoque transdisciplinar está inscrito no nosso
próprio cérebro através da dinâmica entre os dois
hemisférios. O estudo conjunto da natureza e
do imaginário, do universo e do homem poderia
aproximar-nos melhor do real e permitir-nos
enfrentar de forma adequada os diferentes desafios
da nossa época. (Besarab Nicolescu, Item3,
UNESCO Declaração de Veneza, 1987) Nunca
estamos a olhar para uma coisa, estamos sempre
a olhar para uma relação entre as coisas e nós
próprios. (Berger, 1972:9)
48. 42 Narrativas I Conceituações
¹ Como o A interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade, a
discurso patente na pluridisciplinaridade e a transdisciplinaridade parecem
documentação de ter entrado com força no seio do mundo acadêmico,
introdução das recentes
tomando como referência, uma boa parte dos discursos
das Starting Grant
Research da European de orientação estratégica das universidades, os textos de
Research Council da
União Europeia, para
apoio a projectos gerados pelos investigadores saídos das mais
submetidos por jovens
investigadores.
Se estes termos parecem ter entrado com alguma
² De onde saiu um
importante relatório
publicado em 1998
“Transdisciplinarity:
Stimulating synergies,
integrating Knowledge”
pela divisão de Filosofia
enormes resistências por parte de uma boa parte de
e ética da UNESCO (cf .
Fontes e referências).
investigadores e acadêmicos, em particular dos que mais
³Este terá sido o
“primeiro” Congresso
Internacional, assumindo
e com elas a própria fundamentação da universidade
a designação de “First contemporânea. Este é um tema relativamente
World Congress of
Transdisciplinarity”.
Ocorreu no Conventinho
da Arrábida, tendo superior. Temendo um abaixamento da qualidade e do
sido patrocinado pela conhecimento estruturante das respectivas disciplinas,
Fundação Oriente.
49. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 43
a maior parte destas posições, que alguns consideram
hierarquia de saberes nos quais os respectivos defensores
Ainda que a pressão do mundo do trabalho, em
particular as novas premissas, muito difundidas, de que
funcionais das instituições de ensino, em particular da
universidade:
quando o critério de pertinência é a
performatividade de um dado sistema social,
isto é, quando se adopta a perspectiva da teoria
dos sistemas, considera-se o ensino superior
um subsistema social e aplica-se o mesmo
critério de performatividade à solução de cada
um desses problemas. O efeito a obter é a
contribuição óptima do ensino superior para
50. 44 Narrativas I Conceituações
melhorar a performatividade do sistema social(...)
No contexto de deslegitimação, as universidades
e as instituições de ensino superior são doravante
solicitadas a formar competências em vez de
ideias(....) a transmissão dos saberes já não surge
destinada a formar uma élite capaz de guiar a
nação na sua emancipação, antes fornece ao
sistema os jogadores capazes de assegurar
convenientemente o seu papel nos lugares
pragmáticos de que as instituições necessitam.
Situação que deveria convocar para debate, com mais
frequência, a famosa querela, recorrentemente debatida
ao nível dos fundamentos das Ciências da Educação: a de
bem demarcado.
Correr riscos, assumir incertezas, não dominar
que normalmente resulta da sua permeabilização
51. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 45
4
Os modelos “clássicos”
não estando ao alcance de muitos, requer uma estatura, de fundamentação ou
continuidade temática
num curriculum
costumam organizar-
que infelizmente parecem estar arredadas do self se segundo exemplo
típico do acadêmico comum. Por mais indelicado da Introdução a…
(História da Arte, por
ex.), seguindo-se a
continuidade rigidamente
particular, partem mais da própria natureza humana e disciplinar com “História
da Arte I”, “História da
que das exigências, complexidades e articulações que Arte II”, etc.
as dinâmicas transdisciplinares costumam requerer, até
mesmo em termos organizacionais. Aqui radica uma das
transversalidade nos mais diversos areópagos do ensino
maioria, quase sempre, unidisciplinares), quer no que
disciplinas continuam, na sua própria denominação,
.
Não estando nos propósitos deste texto o
estabelecimento das diferenças conceituais existentes entre
os termos – o que daria um outro texto independente
52. 46 Narrativas I Conceituações
5
Segundo Nicolescu foi
Jean Piaget o primeiro
autor a utilizar o termo (e por vezes grandes) nuances diferenciadoras entre os
em 1970, definindo-o
inter, pluri, multi e trans, que
do seguinte modo: “no
estágio das relações
interdisciplinares, desenvolvida (cf. as fontes e referências), correspondem
podemos esperar o a enquadramentos conceituais cada vez mais precisos. Se
aparecimento de um interdisciplinar tenda
estágio superior que
a canibalizar determinados espaços que, em bom rigor,
seria «transdisciplinar»,
que não se contentaria deveriam exigir a adoção do termo correspondente mais
em atingir as interações adequado, o termo transdisciplinar5 corresponde, segundo
ou reciprocidades
entre pesquisas
especializadas, mas
síntese dialética provocada pela interdisciplinaridade
situaria essas ligações
no interior de um sistema (Weil et. alt., 1993:31).
total sem fronteiras
A crescente visualidade e visualização da vida social
estáveis entre disciplinas”
(apud Weil, 1993:30).
6
Como são exemplo acesso a determinadas formas de conhecimento, de
as impressionantes
manifestações públicas
experimentações estéticas e até como despoletadora de
mundiais contra a
guerra no Iraque ou pela
mobilizações sociais6
independência Timor, Cultura Visual e os Estudos Visuais tivessem surgido com
depois do massacre do
cemitério de Santa Cruz,
em Dili.
7
Em todo o mundo várias universidades importantes já possuem ou estão implementando programas de
graduação. Umas adotam a designação de Cultura Visual, outras preferem o termo Estudos Visuais.
No espaço lusófono, a Faculdade de Artes Visuais da Universidade de Goiânia oferece uma Pós-graduação
em Cultura Visual, publicando-se também nesta Universidade brasileira a primeira revista em língua portuguesa
sobre Cultura Visual (Revista“Visualidades”) com science referee.
Geograficamente próxima, como integrante do espaço ibérico, a Universidade de Barcelona (Facultat de Belles
Arts) possui já, desde há alguns anos, um Master de Estudos de Cultura Visual. No Reino Unido,
53. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 47
a Cultura a Coventry University,
Visual tem sido considerada como um dos mais o Goldsmiths College,
a University of London,
University of East
London, a Kingston
University, a Middlesex
algum tipo de combinação de disciplinas consideradas University; na Dinamarca,
clássicas, como a História da Arte, a Antropologia, a a Universidade de
Copenhaga; na Finlândia,
Sociologia, a Semiótica etc., com outras mais recentes, a University of Art and
como os Estudos Culturais, os Estudos de Gênero, a Design Helsinki e o Pori
Filmologia, os Estudos sobre Televisão, o Estudo sobre Department of Art and
Media. Aos Estados
serve de axioma comum a estas disciplinas é a possibilidade Unidos da América
pretence o maior
de nelas se colocar o enfoque sobre os mais variados número de instituições: a
aspectos da cultura que se apoiam ou que se University of Wisconsin,
veiculam visualmente. Madison, a Duke
University, a University of
Os Estudos Culturais também são mais do que meros Rochester, a University
of California, Irvine, a
8
, também neste novo campo de estudos se University of California,
corre o risco de interpretações literais ligeiras que não San Diego, a University
of Southern California, a
State University of New
tem, como pressupostos fundamentais, entre outros, a York, Buffalo, a New
York University. Ainda
nos Estados Unidos
como fatores essenciais para a compreensão universidades famosas
como a Cornell University
dessas interferências.
têm oferecido cursos de
graduação e de extensão em Estudos Visuais nos últimos cinco anos, assim como a Northern Illinois University,
que oferece programas em estudos de cultura visual até o nível de doutoramento. Esta área está ainda numa
fase inicial de expansão prevendo-se para os próximos anos a implementação de áreas de estudos e cultura
visual noutras universidades do mundo ocidental.
54. 48 Narrativas I Conceituações
8
Segundo alguns dos Nos Estudos Culturais, que se conectam
autores que buscam as
origens da Cultura Visual,
a Cultura Visual, ocorre o deslocamento do sentido
parece que podemos
considerar “Ways of
Seeing”, publicado em les grands récits por
1972, (existe uma trad.
Port, das Edições 70
“Modos de Ver”) por
pela qual a universidade tradicional e conservadora tem
John Berger, como um
dos primeiros trabalhos Estudos Culturais a cultura não é tanto considerada como
de Cultura Visual a que
se pode acrescentar
“Visual Pleasure and
Narrative Cinema, 1975”
de Laura Mulvey. Outras
importantes obras sobre
esta tem mais relação com produção e intercâmbio de
cultura visual foram sentidos entre os membros de uma sociedade ou grupo,
publicadas por W. J. T. do que na acumulação e reprodução enciclopédica de um
Mitchell, particularmente
“Iconology” e “Picture
Theory” (cfr. fontes e
referências). Stuart pode criar e agir sobre as coisas.
Hall e Slavoj Zizek,
Fernando Hernandez,
Lisa Cartwright, Margarita
Dikovitskaya, Chris
Jencks, Nicholas Mirzoeff
tendência que emerge em determinados ambientes
e Gail Finney estão entre de produção (faculdades de belas artes, arquitetura,
um amplo conjunto
de outros autores de
referência na Cultura
Visual.
55. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 49
estudos (licenciaturas, mestrados e doutoramentos) que,
consequentemente, também são lugares de produção
necessidade de ultrapassar as denominações acadêmicas
de uma polivalência mais consentânea com a hibridez de
tudo (instalações, digital art, internet art
é produzido nestes lugares. Se no plano informal esta
assunção parece correta, sob o ponto de vista conceitual
a Cultura Visual implica uma incidência também sobre os
ambientes de circulação – da mais absoluta importância
num mundo cada vez mais mediatizado – e sobre os
os espectadores/observadores/atores sociais, algo que
na maioria das vezes não é considerado pela maioria
dos processos artísticos criativos e que tem causado,
segundo alguns críticos, uma espécie de divórcio entre
o cidadão comum e uma determinada vertente da arte
contemporânea que apenas uma pequena
elite compreende.
maioria dos autores (cfr nota 8) que continua a ser um
determinado sentido de mundanidade e de quotidianidade
56. 50 Narrativas I Conceituações
9
Consultar em http://
www.visualculture.wisc. pessoas que os consomem, utilizam, aceitam ou refutam,
edu/whatisvisualculture.
aquilo que continua demarcar conceitualmente a Cultura
htm. Neste site aceder-
se-á a outros links
Visual, tal como é entendida nas instituições que a
igualmente interessantes
sobre Cultura Visual.
instrumental do termo (quase ao nível de uma espécie de
“marketing”) que lhe é dada por muitas das instituições de
formação artística avançada.
Nestas culturas visuais
se as intervenções de artistas que recusaram continuar
a desenvolver as investigações formalistas e conceituais
derivas
socializantes eventualmente contaminadoras de uma
pulsão criativa individual, a proteger a todo o custo. A
obra destes artistas, (muitas vezes) social e politicamente
comprometidos, só pode ser interpretada a partir de uma
obra artística, como a criatividade, a forma, a expressão e
a tecnologia se cruzam com compromisso
político e social.
Web da Universidade de Wisconsin9,
57. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 51
as diferenças para com uma determinada tentativa de
apropriação que a pretende utilizar como uma nova
autores (anônimos), a cultura Visual:
is concerned with everything we see, have seen,
or may visualize paintings, sculptures, movies,
television, photographs, furniture, utensils, gardens,
dance, buildings, artifacts, landscape, toys,
advertising, jewelry, apparel, light, graphs, maps,
websites, dreams-in short, all aspects of culture that
communicate through visual means. We draw on
methodologies from the arts, humanities, sciences,
and social sciences. We focus on production and
on reception, on intention and on deployment. We
consider institutional, economic, political,
social, ideological, and market factors. We
study the visual as a reflection of culture and
as something that has cultural efficacy in its
own right, contributing to the production,
reproduction, and mutation of culture.
Rather than locate the significance of visual
objects in their inherent properties, most
Visual Culture scholarship looks to the uses to
which people put the visual - the practice of Visual
Culture. Both real and hypothetical spectators and
consumers have taken up important places in the
analysis of visual meaning. In some cases this has
meant empirical studies of consumption, rooted
58. 52 Narrativas I Conceituações
in the social sciences; in others, ethnographic
participation has informed the study of visual
materials
A natureza fundamental daquilo que entendemos
então por Cultura Visual tem vindo a ser alterado pelo
digitais, celulares com câmaras etc.) e pela facilidade de
acesso público e de transmissão a uma escala global que
os satélites de comunicações, a internet e as redes de
televisões globais (como a CNN, a SkyNews, a France
uma nova forma de comércio, bem como a emergência
organização e relacionamento social (Hi5, Facebook,
Twitter, Myspace
de cultura. As diversas culturas visuais no nosso mundo,
crescentemente global e multicultural, estão agora a
intersectar os campos da visualidade que tradicionalmente
59. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 53
novos campos híbridos de conhecimento, os educadores
sociais, os gestores e outros agentes culturais são agora
ideia principal desta nova pedagogia crítica multifacetada
a busca individual e coletiva por soluções que respondam
diversidade dos seus artefatos visuais.
A Cultura Visual contemporânea, considerada
transdisciplinares vai, portanto, para além das formas de
que estas não são completamente desvalorizadas. A
nas manifestações quotidianas da realidade, aquela que
circunscreve a gigantesca iconosfera global onde todos
vivemos imersos: os alunos, as suas famílias e os seus
60. 54 Narrativas I Conceituações
de ter a sua potência em termos educativos, dado a sua
ligação a manifestações que veiculam conteúdos capazes
de produzirem determinados efeitos sobre as pessoas.
Efeitos que conduzam a ações e a tomadas de posição
que levam o indivíduo a deixar o seu habitual e cômodo
lugar de neutralidade, perante o que de mau acontece no
mundo (crimes ambientais, escalada de violência urbana,
alienação individual e social etc.), de modo a poder atuar
para, de algum modo e na sua pequena escala,
Então a dimensão pedagógica crítica, que procura ir
mais além do mero domínio de um dado conteúdo direto,
escrutínio prévio sobre os artefatos visuais do mundo
vivido e observado, exigindo uma seleção daqueles que
crítica e questionadora.
Assim, educar a partir da Cultura Visual e da sua
interpretação crítica, exige um educador contemporâneo,
em particular, um educador de artes visuais, o
conhecimento de um campo cada vez mais expandido das
visualidades, escrutinando no meio social envolvente as
imagens que considera serem mais capazes de veicularem
61. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 55
educação
mais autêntica e alternativa
estratégias de compreensão que possam ser aplicadas
competentes para saber “como”, “quando” e “por que”
estão a ser convidados a participar ou a desenvolver
assumidos por determinadas perspectivas críticas da
refutação consistente de determinadas opções monolíticas
e unidirecionais que, com frequência, se impõem
vezes não existir.
Assim, como vimos acima, os documentos visuais
de arte – são, portanto, os elementos simbólicos de uma
mediação que educador estabelece entre o aprendente
e uma realidade que merece e precisa de ser analisada
e dissecada, nas suas vicissitudes, nas suas simulações,
62. 56 Narrativas I Conceituações
é termos a consciência de estarmos deliberadamente a
recorrer um ato que é ao mesmo tempo artístico, estético
consciencialização daquilo que levou Giroux (1999:25)
a considerar os professores como “os trabalhadores do
conhecimento” e a sublinhar que, para tanta diversidade, uma
a lógica hegemônica do processo de educação
silencia as vozes subordinadas. Se a educação
diz respeito à história de alguém, ao conjunto de
memórias de alguém, a um conjunto particular
de experiências, uma única lógica não dá conta
de toda esta diversidade. A aprendizagem, antes
de se tornar crítica, tem de ser significativa para o
aluno. Quais são as condições necessárias para
se educar os professores para serem intelectuais,
de modo a poderem envolver-se criticamente no
relacionamento entre a cultura e a aprendizagem, e
mudar as condições sob as quais eles trabalham?
Finalmente, uma derradeira atitude para quem ousar
63. Cultura visual e transversalidade disciplinar: definindo as bases de uma forma de pedagogia crítica 57
muito para além das aprendizagens tradicionais das
e de reconhecer também a necessidade, sublinhada pelo
sublinhadas por Lattanzi, de que é preciso estar atento
Cultura Visual foram os exemplos que sublinhamos) de
We speak the language of our discipline, which
raises two problems: first, we may not understand
the languages of the other disciplines; second,
more dangerously, we may think that we
understand these, but do not, because although
the same terms are used in different disciplines,
they mean something very different in each. Lattanzi
(1998:5)
A transdisciplinaridade pode ser considerada como
a epistemologia contemporânea (Weil et al. 1993); onde
a hiperespecialização do conhecimento afasta as pessoas
64. 58 Narrativas I Conceituações
da compreensão do conhecimento dos outros, e dos seus
problemas, favorecendo a emergência de uma atitude
individualista, ou até mesmo pura e simplesmente egoísta.
A atitude que o mundo no seu estado de crise atual
menos precisa.
campo pedagógico com muitas potencialidades, umas
transversalidade, de encontro de novas relações e de
construção de novos conhecimentos.
65. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 59
COMO PODE A EDUCAÇÃO DA CULTURA
VISUAL CONTRIBUIR COM A EDUCAÇÃO
DAS ARTES
Fernando Hernández
Tradução: Henrique Lima Assis
Sinalizar uma mudança de rumo
Gostaria de começar este texto, contando
uma história da qual tenho tido a
sorte de fazer parte. Desde o começo dos anos noventa,
algumas vozes no campo da Educação das Artes Visuais
Martins, Marilda Oliveira, Jeong Ae Park, Deborah
Irene Tourinho, entre muitos outros) vêm manifestando
em artigos, congressos e publicações a necessidade
de repensar as bases que orientam o papel das artes
visuais na Escola (em suas diferentes denominações:
Artística, Educação das Artes Visuais, Educação
Estética, …).
66. 60 Narrativas I Conceituações
Ainda que estes autores tenham tomado frentes
diversas e apresentado propostas diferentes, em função
das comunidades de discurso a que pertencem e dos
conhecimentos de que se nutrem, vem se consolidando
uma corrente, com bifurcações diversas, que tem
que reivindicam uma educação de e através das artes
ainda que não tenham se manifestado em uníssono,
mudança, têm favorecido (e continuam favorecendo) uma
variedade de argumentos que reclamam a necessidade
de deslocamentos na orientação sobre como e até onde
poderia se dirigir o sentido de aprender na Escola em e
através das artes visuais.
O primeiro argumento que formulamos é de ordem
epistemológica e se relaciona com o modo como a
realidade pode ser pensada e representada. Remete aos
sessenta do século passado, em torno das noções como:
propor uma mudança conceitual no campo de estudos
visuais e a educação.
67. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 61
O segundo argumento se nutre das contribuições
dos novos campos de conhecimento, como os estudos
culturais, feministas, a cultura material e a mídia, a
Esses referentes apresentam a necessidade de considerar
nos diferentes modos de expressão da cultura popular e
artística manter, não somente para ampliar os conteúdos
considerados como campo de estudo das artes na
educação, mas para reinterpretar e questionar os discursos
gerados sobre os temas e autores que, tradicionalmente,
têm construído os relatos hegemônicos da educação em e
através das artes visuais.
Finalmente, o surgimento, nos princípios dos anos
noventa do século passado, do campo adisciplinar dos
Estudos de Cultura Visual, que se nutre, dialoga e revisa
do cinema, dos estudos culturais, da história da arte,
possibilitado vincular algumas de suas contribuições
(o olhar cultural, os novos sentidos da crítica, o papel
considerar o papel central das experiências culturais do
olhar (quem olha, além de quê se olha) na fundamentação
68. 62 Narrativas I Conceituações
Nós, que compartilhamos estas preocupações,
em lugares tão distantes e não somente nos Estados
ou Finlândia. Este não é um movimento internacional
organizado, algo que temos que aplaudir e celebrar,
nenhum líder ou voz hegemônica, mas que se articula
como um referente, que ao modo do espelho em que se
de sua proposta, o processo de relação, o espaço que se
constrói entre quem vê (a partir de sua consideração de
pode supor e apontar para a educação fundamental e a
formação de professores.
Delimitar o campo da Cultura Visual
Para sinalizar o território em que os convido a
transitar, gostaria de começar pontuando que quando se
fala de Cultura Visual se faz, ao menos, em três sentidos,
ou a partir de três posições:
a) um campo de estudo transdisciplinar que indaga sobre as
práticas do olhar e dos efeitos do olhar sobre quem olha;
69. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 63
Como apontei, a cultura visual se apresenta como uma
da arte, dos estudos feministas e de outras fontes que não
dedicam tanta ênfase na leitura das imagens como nas
imagens e outras representações visuais são portadoras e
mediadoras de posições discursivas que contribuem para
cada um tem ao ser olhado por essas imagens.
b) como um guarda-chuva sob o qual se incluem imagens e
artefatos do passado e do presente que dão conta de como vemos e
somos vistos por esses objetos;
Desde a história cultural da arte, este enunciado nos
levou a prestar atenção não somente ao contexto de
produção das representações que chamamos de obras de
vê (num museu, exposição, película, videoclipe, anúncio
daquilo que vê (e que o vê).
70. 64 Narrativas I Conceituações
Esta posição nos convida a pensar, de forma crítica, o
momento histórico em que vivemos e revisar os olhares
com os quais temos construído os relatos sobre outras
épocas, a partir de suas representações visuais. Por último –
e por agora – a cultura visual aparece como uma referência
para situar uma série de debates e metodologias, não
somente sobre a visão e a imagem, mas, também, sobre as
formas culturais e históricas de olhar.
c) como uma condição cultural que, especialmente na época
atual, está marcada por nossa relação com as tecnologias de
aprendizagem e de comunicação e que afeta o modo nos vemos a nós
mesmos e ao mundo.
interpretar o que vemos). Ela se constitui como espaço
o que vemos e como somos vistos por aquilo que vemos.
pode se articular como uma cruz de relatos em rizomas
(sem uma ordem preestabelecida) que permite indagar
sobre as formas culturais de olhar e seus efeitos sobre
cada um de nós. Quando nos colocamos neste espaço
71. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 65
25), por isso não nos enganamos e pensamos (sabemos)
que não vemos somente o que queremos ver, mas aquilo
que nos faz ver. Parte daqui a importância de indagar na
escola as políticas sobre os efeitos do olhar e, também,
atributo de ‘artísticos’.
Sem evitar a complexidade que estas três perspectivas
apresentam e as perguntas sem respostas (Por que
cultura se tudo é cultura? Por que visual se vamos além
da operação de ver?), minha aproximação delineia as
bases referentes que hão de ser exploradas com mais
não somente de seu sentido adisciplinar, mas, também,
surpreende, como a reatualização do mito do vampiro
reclamam nosso interesse na medida em que possibilitam
espaços de encontro ou confronto, não somente ante
o que olhamos, mas, sobretudo, ante os efeitos que
produzem em nosso sentido de ser ‘aquilo’ que nos olha.
72. 66 Narrativas I Conceituações
A necessidade de revisar os sentidos da relação
das artes visuais com a educação
Assentadas as bases sobre o que podem ser os
diversos sentidos da cultura visual, quero, agora, explorar
como estes relatos sobre o olhar e seus efeitos se
cruzam com a educação das artes visuais. E, de novo,
nos Estados Unidos. Meu interesse era conhecer o quê,
naquele momento, se preconizava sobre a necessidade
de favorecer o desenvolvimento do pensamento crítico
(critical thinking
como se concebia a educação das artes visuais depois
do Discipline-based Arts Education – DBAE (Educação
Artística Baseada nas Disciplinas Artísticas). Não
podemos esquecer que esta corrente colocou a educação
artística no currículo, a partir de uma proposta que
dominante nas escolas, e que sustentava a importância
relacionam com a arte: a história, a apreciação, a estética e
a atividade de atelier.
Ao revisar os questionamentos que esta perspectiva
estava recebendo nos Estados Unidos, encontrei críticas
73. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 67
sobre a hegemonia que mantinha uma determinada visão
de arte (ocidental, masculina e branca), a rigidez das
estratégias de ensino que propunham e que reduziam
restrito de interpretação que operava,… Esta indagação
preocupações que, também, detectei em outros colegas,
narrativas discursivas a que se vinculava cada uma de
suas tendências, a fundamentação do que se começava
a delinear como estudos de cultura visual e as propostas
esta revisão realizada nos Estados Unidos não sirva para
com este livro foi evidenciar que as diferentes narrativas
que guiaram o currículo de Educação Artística não têm
um fundamento essencialista e atemporal, mas estão
também, com estratégias de poder discursivo.
74. 68 Narrativas I Conceituações
mediadas pelas pedagogias culturais e, especialmente, pela
na produção, distribuição e armazenamento de imagens; a
na Educação das Artes Visuais.
Essa orientação não tratava somente de ampliar os
da Educação Artística, incluindo os que faziam parte da
cultura popular. O que propus não era uma questão de
a responder não era ‘o que é a cultura visual e quais
que passaram de receptores ou leitores a
‘visualizadores’ críticos.
A mudança apresentada não tratava somente de
de estudo da Educação Artística, incluindo os que faziam
parte da cultura popular. O que então se propôs não
75. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 69
a responder não era ‘que é a cultura visual e quais
– até agora considerados como receptores – ao de
visualizadores
posicionamentos hegemônicos sobre as manifestações e
de interpretação e produção que até agora não haviam
sido consideradas pelas narrativas autoexpressivas ou
disciplinares da Educação Artística. Isto supunha, por
exemplo, expandir a pergunta ‘o que você vê nesta
terreno que não havia sido explorado: ‘o que fala de mim
esta representação visual?’
escola de Barcelona. Tomando como pretexto uma
exposição em algum museu ou instituição cultural da
cidade, começamos a pôr em relação a experiência dos
estudantes (o que estão vivendo) com uma trama de
ciclo. Vou transcrever um fragmento de um exemplo que
estou apresentando.
76. 70 Narrativas I Conceituações
Com duas professoras do primeiro ano do Primário
(alunos e alunas de 6-7 anos), realizamos um
projeto de trabalho a partir de uma exposição
sobre Fragonard (1732-1806), num centro cultural
de Barcelona. Como poder conectar a trajetória
e os problemas que afrontava em suas obras um
artista do século XVIII com o que hoje vivem e
necessitam conhecer nossos estudantes? Este
foi o desafio de que partimos, como escreveu
Paulo Freire, quando ensinamos (ou tratamos de
propiciar experiências para que os estudantes
aprendam), nós também aprendemos.
A primeira ação que fizemos foi interrogar-nos não
somente sobre o que sabíamos sobre Fragonard e
seu tempo, mas o que pensávamos que os alunos
e as alunas podiam aprender. Descobrimos, em
nossas indagações, que como disse Philippe Aries
e Georges Dubuy (1989), em sua ‘História da vida
privada’, o século XVIII foi o século da construção
social sobre a ideia de indivíduo. Noção que levou
esses autores ao descobrimento da intimidade e
que, por sua vez, supôs uma aplicação de novas
práticas que favoreciam o fortalecimento desse
indivíduo que começava a pensar-se a partir de um
novo espaço social. A leitura e a escrita contribuíram
para esta construção a partir de experiências como
a leitura em silêncio, as bibliotecas particulares, os
diários e cartas íntimas etc.
Este conhecimento da história nos permite traçar
uma ponte com a experiência dos estudantes que
77. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 71
estão, de maneira sistemática, introduzindo-se na
experiência da leitura e da escrita. E que vivem,
constantemente, experiências da presença dos
adultos, o que faz com que não possam saber
como é estar consigo mesmos, como aproximar-
se de sua intimidade. Descobrir que o que eles
e elas vivem hoje é uma experiência social que
começa em algumas das formas cotidianas na
época de Fragonard, nos serve de ponte para
conectar a aprendizagem com a experiência vivida
dos alunos e alunas.
Desta maneira, inserimos o aprender dentro do
contexto e oferecemos aos estudantes uma viagem não
a partir de seus interesses, mas do que estavam vivendo.
A aproximação com a obra de Fragonard se converteu,
descobrimento da intimidade do século XVIII tem a ver
com a atualidade, com suas vidas e expectativas.
Esta aproximação supõe um olhar diferente em
essencialismo na maioria das tradições da educação
artística – também são essencialistas as outras disciplinas
78. 72 Narrativas I Conceituações
fundamentava o deve ser dos indivíduos e da sociedade,
a partir da ideia sagrada do papel da escola na formação
do cidadão e da nação. Neste contexto, as artes (a
música, o teatro, a dança, as artes visuais) têm dado
ênfase ao seu valor salvador da essência do ser humano
(sua relação com a verdade, a beleza e o bem que dizia
oriundas do capitalismo e dos totalitarismos surgidos no
século passado. Isto tem levado a considerar as artes e a
atividade dos artistas, como livres de interesses e como
para redimir os demais humanos.
maneiras de estudar a história, que tudo isto é uma
efeitos não somente sobre como olhamos, ou escutamos,
papel e sua presença na história, contribuindo, com
isso, para exclusões, silêncios, formas de poder,… O
que apresento a partir deste contexto, apenas esboçado,
permitem, não somente responder a pergunta ‘o que é
ou que vemos ou sentimos’ diante de (o realizado) um
quadro, uma dança, uma peça musical, mas em que lugar
79. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 73
sobre Fragonard.
Desta maneira, percebendo que nossas histórias se
cruzam com as histórias que nos foram apresentadas,
não nos excluem e que permitem revisar os efeitos das
narrativas hegemônicas que se têm apresentado como
formas de verdade. Dito deste modo, pode parecer muito
teórico; porém, as experiências que promovemos na
escola em torno das exposições, ou o convite que a cada
ano faço aos estudantes da Faculdade de Belas Artes para
afrontar essas questões, têm me permitido resgatar como
e capacidade de autoria das pessoas.
80. 74 Narrativas I Conceituações
Contribuir com outra narrativa para que a Escola
possa ser um lugar em que se aprenda com sentido
Permito recordar, como dito anteriormente, quais
são as origens e nalidades com que se criou a Escola tal
como a conhecemos hoje. Produziu-se dentro do debate
em torno da interpretação das sagradas escrituras, da
expansão do livro como tecnologia simbólica e do início
do capitalismo. Isto fez com que a leitura e a escrita, ou
seja, a alfabetização fosse o centro da escola, junto com
a introdução aos princípios da aritmética e da geometria
(sobretudo, como agrimensura). Os protestantes se
centraram na letra, no texto e no controle da leitura;
enquanto os católicos, sobretudo os jesuítas, consideravam
que a imagem era o melhor meio de propaganda da
contrarreforma, algo que permitia a que quem já detinha o
poder o mantivesse a partir do controle do texto sagrado e
de sua interpretação.
Se me remonto a estas origens é porque penso que esta
narrativa ainda se faz presente em nossa Escola, e quando
as imagens entram nela, o fazem, sobretudo, por sua
utilidade pedagógica (porque permite xar o sentido das
palavras nos métodos de leitura, ou ilustrar moralmente o
dever dos alunos). Isto explica porque muitos consideram
que a relação dos meninos, das meninas e dos jovens
com a cultura visual (entendida como o espaço de
81. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 75
relação dos sujeitos com as imagens e representações
visuais) os perverte e afasta do caminho reto. Não há
mais o que pensar no que se tem falado e se fala sobre a
in uência nefasta da televisão e, agora, dos videogames ou
internet. Por outra parte, nos temos sofrido desde sempre
um tsunâmi elitista sobre o saber relacionado com as
representações visuais, que se segue re etindo – apesar de
algumas iniciativas a contracorrente – tanto nos museus
como em outras instituições dedicadas à cultura. Tudo isso
repercute na Escola, que se sente ameaçada por algo que
não controla e que não pode ‘avaliar’ em termos numéricos
e/ou de competências: a relação crítica e performática com
a cultura visual. A isso, se une a posição social de boa parte
dos educadores, em cuja agenda de interesses, tampouco,
se encontra a cultura visual; podemos completar um
panorama que nos dá elementos para compreender esta
distância que há que salvar e o apaixonante desa o que
supõe o que aqui estou colocando.
Em minha aproximação com a Educação das Artes e a
Cultura Visual (Hernández, 2007) fundamento a trajetória
que apresentei em três eixos. O primeiro tem a ver com
o questionamento que os Estudos da Cultura Visual (e
as provenientes do pós-estruturalismo com as quais se
vincula) tem feito sobre as maneiras de aproximar-se
das representações visuais (tanto a partir da posição dos
82. 76 Narrativas I Conceituações
sujeitos que olham quanto dos que fazem) centradas em
propostas de ‘leitura’ e produção a partir da premissa de
que as imagens falam por si mesmas
(Sánchez Moreno, 2007).
O segundo foco de atenção tem a ver com a corrente
que sustenta a necessidade de construir outra narrativa
para a Escola baseada numa visão integrada do currículo,
na atividade do docente como facilitadora de experiências
de aprendizagem e no papel dos aprendizes como
construtores de sentido, a partir da indagação sobre as
problemáticas emergentes e vinculadas à construção de
saberes e, consequentemente, a tarefa de aprender, que se
encontra muito além das paredes da escola
(Hernández, 2008).
O terceiro eixo se vincula com a perspectiva dos
múltiplos alfabetismos (multiple literacies) (New London
Group, 1996; Lanskhear y Knobel, 2003), cujo ponto
de partida é reconhecer que “devido ao fato de que a
comunicação se conduza, na atualidade, através de novos
textos e meios [...] ‘a alfabetização’ tem lugar, agora, nos
meios visuais, auditivos e gestuais”, (o que) faz necessário
um retorno ao que se considera e como se ‘alfabetiza’;
o que pode supor o “início de mudanças radicais nas
maneiras de aprender e ensinar” (Matthews, 2005: 209-
210). O que toma a perspectiva da Educação das Artes e
83. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 77
da Cultura Visual da perspectiva crítica dos alfabetismos
é uma série de estratégias que possibilitam reconstruir e
questionar múltiplas formas de discurso, incluindo obras
artísticas, anúncios, películas, romances, letras de canções,
além dos textos convencionais, tudo isso, com a nalidade
de ser mais conscientes de como as representações visuais e
textuais “estão construídas e como exercem in uência em
nosso pensamento” (Patel y Bean, 2007: xiii) e na maneira
como vemos o mundo, aos outros e a nós mesmos.
Como o objetivo deste texto é oferecer pontes
para transitar pela educação básica, a partir de outra
perspectiva, especialmente em sua variante crítica (Patel
y Bean, 2007), quero salientar que não pretendo tomar
partido das orientações que enfocam o alfabetismo
visual e dos meios para reivindicar um novo espaço para
a Educação das Artes, nem reclamar a importância da
‘inteligência simultânea’ (que se projeta nas imagens
visuais) frente ao predomínio da ‘inteligência consecutiva’
(que se re ete sobre todos os textos escritos) (Simone,
2001). O que pretendo é resgatar algumas de suas posições
e noções para dotar de sentido e uma nalidade alternativa
a Educação das Artes. Um sentido que, parafraseando
Paulo Freire, teria como objetivo não decifrar o mundo (as
diferentes imagens, entre as quais incluo as obras feitas por
indivíduos a que se convencionou a chamar de artistas),
mas interpretá-lo para transformá-lo.
84. 78 Narrativas I Conceituações
A perspectiva da cultura visual permite, então,
incorporar problemáticas que têm cado fora da esfera
da arte na educação. Fiz essa incorporação a partir de
questionamentos das noções de originalidade, autoria,
recepção, representação, intenção do artista, linguagem
visual centrada no formal, contexto de produção, a
expressão, o menino e a menina como artista e, de
maneira especial, o relato salvador da educação pela
arte. Isto introduz a perspectiva da cultura visual à qual,
provisoriamente, me vinculo – pois não podemos esquecer
que não existe ‘uma’ opção única do que venha se chamar
de cultura visual – é a consideração das práticas artísticas
como práticas discursivas – culturais – que tem efeitos nas
maneiras de olhar e de olhar-se.
Reconhecer estes efeitos para gerar relatos alternativos
ou diálogos com os existentes é uma das maneiras de
expandir o sentido da educação das artes visuais. Tal ação
coloca as políticas da subjetividade como um espaço
central para explorar, debater e gerar relatos visuais e
performativos que contestem os hegemônicos, o que
rea rma a opção de que a cultura visual, além de falar de
outro lugar da arte – e de outras práticas de visualização
– também impulsiona a realização de projetos e práticas
gerados como processos de indagação.
Uma das aproximações que não compartilho, da relação
85. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 79
da cultura visual com a educação, tem sido a que se limita
a incluir no acervo do que pode ser tema da educação das
artes os objetos e artefatos produzidos a partir da cultura
popular e, em particular, a partir dos lugares virtuais. Meu
ponto de vista gira em torno de que a questão não está
nos objetos dos quais nos aproximamos, mas em como são
abordados. Neste sentido, não se trata de que o currículo
das artes deixe de mostrar e dialogar com o que zeram e
fazem os artistas, mas de fazê-lo a partir das premissas que
sinalizamos acima.
Dito isto, não compartilho a ideia de que tenha
que haver um currículo de arte, como, tampouco,
matemática, língua (portuguesa ou espanhola) ou ciências
naturais. Esta concepção de currículo disciplinar é uma
forma hegemônica de colonização do que se deve fazer e
aprender na escola. Sou mais partidário de um currículo
integrado, organizado a partir de problemas desa antes
que necessitem do conhecimento disciplinar – e não
disciplinar – para dar resposta e gerar novas perguntas.
Neste sentido, não seria a educação artística, tal como a
entendemos na atualidade, que nos ajudaria assumir este
caminho, mas a construção em diálogo com outros relatos
dos itinerários realizados para construir narrativas visuais
que dessem conta do processo de indagação que tem
se desenvolvido. Enquanto as artes, consideradas como
86. 80 Narrativas I Conceituações
práticas culturais, estiverem presentes na hora de realizar
explorações rizomáticas sobre as problemáticas que os
estudantes, a escola e a comunidade decidam em afrontar,
com a nalidade de interrogar e expandir os sentidos do
desejo de aprender sobre si mesmo, os outros e o mundo.
Desta maneira, uma proposta educativa a partir da
cultura visual pode ajudar a contextualizar os efeitos do
olhar e, mediante práticas críticas (anticolonizadoras),
explorar as experiências (efeitos, relações) de como o que
olhamos nos molda, nos faz ser o que os outros querem
que sejamos e poder elaborar respostas não reprodutivas
frente ao efeito desses olhares.
A partir da Educação das Artes e da Cultura Visual, o
que pretendo (no que me empenho) é construir maneiras
de aprender que contribuam para criar uma nova narrativa
para a Escola (desde a educação infantil até a universidade)
nas quais:
Se criem situações e propiciem experiências nas
quais se aprenda a estabelecer relações entre imagens,
objetos, artefatos advindos de experiências culturais
do olhar e a relacioná-los com seus contextos de
produção, distribuição e recepção, além disso, com
as experiências dos sujeitos.
Se investigue sobre os efeitos destas relações nas
87. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 81
instituições produtoras e divulgadoras de
cultura visual.
processos de compreensão que permitam detectar
regularidades e diferenças e desvelar as relações de
poder que o conhecimento construído estabelece.
Ao mesmo tempo que possibilita elaborar/criar
narrativas visuais, por processos e meios diversos,
nas quais se coloca em evidência a capacidade de
resistência, autoria e ação dos aprendizes.
Nesse processo, o papel do educador pode ir além do
aos estudantes, na medida em que supõe que a escola foi
dotada dessa missão social. Mas isso não é garantia de que
o consiga, especialmente nestes tempos de capitalismo
tem perdido a função pela qual foi criada no século XIX:
como articuladora de identidades nacionais e reprodutora
continua sendo um lugar para transmitir informação
empacotada, que tanto pode gerar submissão, como
também resistência e possibilidades de ser, pode ser o
primeiro passo para ensaiar outras posições e começar a
88. 82 Narrativas I Conceituações
escrever novas narrativas. A cultura visual na educação
das artes visuais tal e como tem sido apresentada neste
artigo, ainda que de forma resumida, pode ser um espaço
que possibilite esta mudança. Em qualquer caso, pode se
constatar em diversas experiências e propostas, que estão
permitindo tecer uma perspectiva alternativa de como
se pode afrontar, não somente o papel das artes visuais
na Escola, mas a função e o sentido de aprender numa
Escola que reclama uma mudança radical em sua narrativa,
suas diferenças e posições diversas) encontrem seu lugar
para aprender com sentido e construir experiências de
saber que lhes permitam não só interpretar o mundo,
mas atuar nele.
Para (in)concluir (e como convite a construir um
projeto compartilhado)
construção de uma perspectiva para a Educação das
Artes e da Cultura Visual. Sobretudo porque me envolve
no empenho de construir uma escola que transite do
reproduzir ao compreender; do copiar ao transferir; da
Dando conta de tudo, mediante diferentes alfabetismos
89. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 83
(visuais, orais, escritos, sonoros, corporais, digitais,…).
Uma narrativa em que novos ambientes e experiências
para aprender possam ser pensados e criados, se nos
empenharmos nisso e não esperarmos que venham os
e fazer. Uma escola que, em suma, possa ser um lugar
conhecer e transformar a realidade.
Com este propósito, quando utilizo a noção de
educação da cultura visual para repensar o conteúdo e
estou assumindo que vivemos e produzimos um novo
regime de olhar. A consequência educativa dessa posição
duvido que a experiência de ser se possa transmitir e
compartilhar). Num mundo dominado pelos dispositivos
educativa que proponho é explorar nossa relação com
colocados e questionar as representações das relações
podemos compreender e intervir no mundo é porque não
90. 84 Narrativas I Conceituações
Tudo o que disse anteriormente é um convite para ir
além dos limites impostos por quem considera que a arte
que fazem os artistas para os circuitos expositivos, ou
para as coleções privadas e que o trabalho, na educação, é
aproximarmos deles para conhecer histórias, intenções e
modos de fazer. O que apresentei, todavia, vai muito além
dessa imediatez naturalizada. Meu empenho é considerar
um meio que nos oferece a oportunidade de:
cultura e educadores.
diferentes grupos da comunidade com outros olhos:
não como consumidores, mas como atores
e autores.
conhecimentos e saberes, relacionados com
o poder, as políticas culturais, a memória individual
e coletiva,…
favorecendo a escola e a comunidade com múltiplas
91. Como pode a educação da cultura visual contribuir com a educação das artes 85
formas e experiências de representação que circulam
pelo mundo. Neste sentido, o artista/educador tem
o papel de favorecer a transformação na escola.
apaixonantes a seus membros, para que possam
aprender sobre si mesmos, os outros e o mundo.
poder estabelecidas que favoreçam a permanência
das relações hegemônicas.
Sentir que podemos compartilhar e aprender
com os outros. Neste sentido, não esquecer que
o educador, em qualquer campo, quando facilita
aprendizagens, também pode aprender.
entre a escola, a família e as comunidades.
e é reconhecido.
experiências que contribuam para transgredir e criar.
92. 86 Narrativas I Conceituações
A partir desta linha no horizonte, quem se dedicar
trabalho de artistas contemporâneos, mostrar como
aprendido e naturalizado. Além de propor indagações
visuais na construção dos relatos hegemônicos sobre os
a etnia, a classe social, a religião, a nacionalidade,… O
que pressupõe um convite a percorrer outros caminhos
que expandam nosso sentido de ser e transformem a
função reprodutora que atualmente, tem a Escola e, com
frequência, a educação das artes visuais.