O documento analisa os quatro termos gregos usados no Novo Testamento para descrever o amor (agapê, fileô, erôs e stergô) e argumenta que não há distinção específica entre eles para designar o amor de Deus, contrariando interpretações comuns.
Série: O Conflito - Palestra 08. Igreja Adventista do Sétimo Dia
Análise dos termos gregos para amor no NT
1. Uma pequena contribuição à análise das palavras gregas utilizadas no
Novo Testamento para descrever o termo amor
Daladier Lima dos Santos
Maio/2015
Sumário
Uma confusa dialética toma conta de nossos expositores, quando no uso informações
repassadas errônea e aleatoriamente, buscam definir o termo amor nos originais
gregos do Novo Testamento. A grande problemática é que poucos procuram checar as
informações repassadas cotejando-as com os originais, até mesmo porque não os
conhecem. Iremos procurar demonstrar, exegeticamente, a pertinência de conhecer os
termos originais, e traduzi-los adequadamente, de forma que seu contexto nos traga
informações corretas e bem fundamentadas. Obviamente, não se deseja consenso,
achamos ser este um termo temerário para seres pensantes. Esperamos apenas lançar
alguma luz, que descortine novos horizontes, estando à disposição para maiores
esclarecimentos. Desde já abrimos mão de sermos o dono da verdade. Outrossim, não
estamos tratando de um assunto inédito, nem tentando polemizar, estamos apenas
fazendo uso de nossa missão de informar!
O termo amor no Novo Testamento
O NT lança mão de quatro termos para falar diretamente do amor, são eles:
ajgaphv É o termo clássico conhecido entre nós. Nele boa parte dos pregadores
encaixa o amor de Deus, mas uma das intenções deste trabalho é
justamente desfazer o mito que existe em torno deste fato. Pronuncia-
se ágapê, e não agapi, como é comum. Só mais uma informação, aqui
temos um substantivo. Agapê ocorre 116 vezes, e seu verbo
correspondente ajgapavw (lê-se, agapaô) ocorre 143 vezes, afora
outros termos deles derivados.
filevw Outro termo bem conhecido, que se convencionou agregar ao amor
entre amigos e irmãos. Pronuncia-se filéô. É um verbo, que pertence a
uma extensa família de termos que têm a ver com afeição, amor, afeto,
apego. Basta-nos ver os seguintes: Filipe – amante dos cavalos,
filosofia – amor à sabedoria, filoxenia – amor aos estrangeiros, entre
outros. O verbo propriamente ocorre por 25 vezes no NT.
e[rw" Para nós é o amor carnal, oriundo das paixões humanas. O que está
correto. É fruto do desejo e em alguns casos corresponde às mais
desenfreadas concupiscências. Pronuncia-se erôs, e também é um
substantivo. Não o encontrei no NT todo.
stevrgw É o amor afetuoso, nunca utilizado no NT diretamente, a não ser por
palavras deste verbo compostas, a exemplo de filovstorgo"
(filostorgos) traduzido por ternamente amoroso em Rm 12:10, e
astorgo" (astorgos), que se traduz por sem afeição em Rm 1:31 e II
Tm 3:3.
Isto posto, assim resumidamente, os termos evocam uma questão muito interessante:
É o amor agapê o termo mais adequado para descrever o amor de Deus? Ou melhor,
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Novo Testamento para descrever o termo amor
Daladier Lima dos Santos
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está correto dizer que erôs é o amor sexual, fileô o amor entre irmãos e agapê o amor
de Deus? A resposta a pelo menos uma destas perguntas é um sonoro NÃO!
Como, então, se desenvolveu esta sistematização?
Ensina-nos o Dicionário de Teologia do Novo Testamento, que os judeus tinham uma
preocupação vital de elevar as virtudes divinas além das humanas. Um termo que a
seu tempo designasse exclusivamente o amor de Deus, em contraste com os demais
“amores” cairia muito bem. A intenção era excelente, como o é a de qualquer pregador
que utilize a mesma sistemática. Ocorre que os termos agapê e filéô são utilizados
intercambiavelmente ao longo do NT, ou seja, faltou acertar a intenção judaica com os
escritores do NT. Os estudiosos católicos, por sua vez, enojados do sexo, e para os
quais as relações matrimoniais há muito deixaram de ser um ideal divino, endossaram
o pressuposto, e muitos evangélicos ecoam as mesmas idéias. Parece que nos faltou
ecoar também a prática bereana de analisar “toda comida que se coloca na mesa”.
É verdade que há uma tendência dos escritos joaninos e paulinos buscarem, de
alguma forma, seguir a sistematização proposta. João, por exemplo, usa agapê em suas
epístolas nada menos que 21 vezes, e nenhuma vez usa filéô, a não ser no seu
evangelho. Mas até mesmo em Paulo e João há exceções muito importantes para
serem ignoradas. Em João 5:20, por exemplo, está escrito: oJ gaVr pathVr filei toVn
uiJoVn (lê-se, hó gar patêr filéi ton huion), que traduz-se por: Porque o Pai ama o Filho,
onde João usa filéô para descrever este amor monumental! A mesma situação se
repete em João 11:3 e 36, quando a Escritura fala do amor que Jesus nutria por Lázaro.
No famoso diálogo de Jesus com Pedro (João 21:15) os mesmos termos se repetem. Ali
filéô faz um jogo de sinônimos com agapê. Vejamos:
...Sivmon jIwannou, ajgapa'/" me... ...Simão tu me amas (agapê)...
...o{ti filw se... ...eu te amo... (filéô)
Jesus repete a mesma pergunta uma segunda vez, e novamente recebe a mesma
resposta com os mesmos termos. Finalmente, no versículo 17 a pergunta é:
...filei" me... ...tu me amas... (filéô)
...filw se... ...eu te amo... (filéô)
E assim, contraria alguns mais exaltados defensores desta classificação errônea, que
dizem que nesta última vez Jesus perguntou usando agapaô, o que fez Pedro se
entristecer, mas isto não é verdade, pois até mesmo quando o texto diz porque ele se
entristecera usa filéô. Em Apocalipse 3:19, portanto um escrito joanino, o texto usa
filéô, para dizer que Deus, o próprio, disciplina e corrige aos que Ele ama!
E quando se usa agapê, então, no NT?
Agapê é uma palavra pouco usada antes do NT, no grego clássico. Inicialmente, era
uma saudação de boas vindas. Entretanto se tornou um termo abundante no texto
bíblico, e bastante utilizada na LXX, a Septuaginta. Nela o termo é utilizado para
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descrever todas as palavras que o hebraico utiliza bh*a^ (ahabh), até mesmo, por
exemplo, quando fala do amor que Amom nutria por Tamar, sua irmã (II Sm 13), um
sentimento tão supérfluo e interesseiro que ele a abandonou após possuí-la. Quando
fala do amor de Jônatas e Davi (I Sm 20:17) usa-se agapaô, igualmente em Cantares
1:4, do amor carnal entre Salomão e sua amada, e assim vai sem nenhuma distinção
especial. Voltando ao NT, em Lc 7:5, quando a Palavra diz que o centurião amava o
povo judeu, usa agapê. Uma ocorrência mais que apropriada para filoxenia. Em 11:43
do mesmo livro, Lucas diz que os fariseus gostavam dos primeiros lugares nas
sinagogas e usa agapê, mas Mateus 23:6, falando do mesmo assunto, usa filéô! Em João
3:19 (ele de novo!) está escrito que os homens amaram mais as trevas do que a luz, e
usa agapaô. Certamente este não é um amor divino, não acha?!
O próprio Paulo quando recomenda que os maridos amem suas esposas em Efésios
5:25, 28 e 33, e Colossensses 3:19 usa agapaô. Em Efésios 5:28 o apóstolo dos gentios
considera que se alguém ama à sua esposa, a si mesmo se ama, usando agapaô para as
duas ocorrências. Um dos exemplos mais destoantes da simplificação feita a partir da
classificação em debate ocorre quando Paulo, em II Tm 4:8, diz que Demas amou o
presente século, e, pasmem, utiliza agapaô!
Pedro dá sua contribuição quando afirma em I Pe 3:10, que ...quem quer amar a vida e
ver dias felizes... e utiliza agapaô. No mesmo livro, capítulo 2, versículo 15, ele afirma
com todas as letras, que ...Balaão, filho de Beor, amou o prêmio da injustiça..., e
curiosamente utiliza agapaô!
Uma outra aplicação mais comum é a utilização da palavra agapê para designar as
festas realizadas pela Igreja Primitiva. Os crentes se reuniam para uma celebração de
amor. Entretanto, quando se tornou uma festa desprovida de senso fraternal, e
portanto, menos “fileôtica”, foi banida.
Conclusão
Um professor que tive no seminário, certa vez perguntou à classe: qual dos amores
acima era o amor de Deus? Uns tenderam a um lado, outros a outro. Ao fim de uma
bem fundamentada explanação todos fomos levados a concluir que as Escrituras, não
apenas afirmam que uma das características de Deus é o amor, mas que Ele próprio o
é, conforme I João 4:8. Logo, até mesmo o amor erôs, quando gestado em Deus é belo,
pois creio que para Ele há poucas coisas mais bonitas que um casal que goza de um
amor verdadeiro. Diz a sua palavra que Ele fez todas as coisas perfeitas, os homens é
que buscaram muitas invenções.
Assim, não existe conforme o colocado, nenhuma distinção específica entre fileô e
agapê, para designar o amor de Deus. Este é em si mesmo, e a si mesmo contém. Tudo
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que dissermos sobre ele será vago, uma pequena miragem, que serve apenas a
propósitos vãos e desnecessários, não edificando ninguém senão se houver prática.
Nesta quer usemos nosso amor erôs, com nosso cônjuge, quer usemos o fileô com
nossos irmãos (como querem tais expositores) ou exercitemos o agapê ou storgê, será
feito para a glória do que É, e que em amor, o verdadeiro, alheio às sistematizações
humanas, fez com que entregasse por nós seu bem mais precioso: seu próprio filho!
Bibliografia
Concordância Fiel do Novo Testamento - Winter, Ralph - Editora Fiel – 1994
O Novo Testamento Grego Analítico – Friberg, Bárbara e Timothy – Edições Vida Nova
– 1987
Léxico do Novo Testamento Grego/Português
Antigo Testamento Poliglota: hebraico, grego, inglês e português – Edições Vida Nova -
2003