Este trabalho apresenta a memória dos moradores de Barrocas, Bahia, sobre o período de auge da produção de sisal entre 1960-1990. O sisal chegou à cidade por volta de 1947 e se tornou uma importante fonte de renda até os anos 1990, quando entrou em crise. Moradores relatam como o sisal transformou a cidade e melhorou as condições de vida através da compra de máquinas para a extração da fibra na década de 1960. No entanto, também trouxeram riscos à saúde devido aos acidentes
De cabra arretado a cabra de fibra memória barroquense sobre o auge do sisal 1960 1990
1. 0
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
CAMPUS XIV – CONCEIÇÃO DO COITÉ
ANA VILMA PEREIRA DOS SANTOS
DE “CABRA ARRETADO” A “CABRA DE FIBRA”: MEMÓRIA
BARROQUENSE SOBRE O AUGE DO SISAL (1960-1990)
Conceição do Coité, Ba.
Fevereiro, 2010
2. 1
ANA VILMA PEREIRA DOS SANTOS
DE “CABRA ARRETADO” A “CABRA DE FIBRA”: MEMÓRIA
BARROQUENSE SOBRE O AUGE DO SISAL (1960-1990)
Trabalho monográfico de conclusão de curso apresentado
como requisito para obtenção do grau de Licenciatura em
História ao Departamento de Educação, Campus XIV –
Conceição do Coité - da Universidade do Estado da Bahia
– UNEB, sob orientação da professora Suzana Maria de
Souza Santos Severs.
Conceição do Coité, Ba.
Fevereiro, 2010
3. 2
TERMO DE APROVAÇÃO
ANA VILMA PEREIRA DOS SANTOS
DE “CABRA ARRETADO” A “CABRA DE FIBRA”: MEMÓRIA
BARROQUENSE SOBRE O AUGE DO SISAL (1960-1990)
Trabalho monográfico aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura
em História, no Departamento de Educação – Campus XIV – Conceição do Coité, da
Universidade do Estado da Bahia – UNEB, pela seguinte banca examinadora:
_____________________________________________
Orientadora: Profª Suzana Maria de Souza Santos Severs – Doutora em História
social/USP; Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XIV.
_____________________________________________
_____________________________________________
Conceição do Coité-BA,
fevereiro de 2010.
4. 3
Dedico esse trabalho aos meus pais Maria Arlinda
Pereira dos Santos e João Pereira dos Santos, meu
porto seguro, meu aconchego onde retorno todos os
dias para descansar. Expresso o reconhecimento a
tantos anos que dedicaram à minha educação.
5. 4
AGRADECIMENTOS
Agradecer não é uma tarefa tão fácil como se imagina. Por isso, durante minha
trajetória acadêmica pessoas tiveram presença significativa principalmente na execução e
conclusão do meu trabalho. Assim, externo minha gratidão a todos (as).
Minha eterna gratidão a Deus por ter me concedido a graça e a persistência de levar os
estudos até o final do curso.
A minha mãe que sempre se esforçou para manter os filhos na escola e está sempre do
meu lado em todos os momentos, principalmente se preocupando com minha alimentação que
por causa da minha correria, fazia o meu prato todos os dias. Ainda me propiciando segurança
e carinho nas situações complicadas.
A meu pai que mesmo com seu jeito tímido, demonstrar sua atenção preparando bem
cedinho o meu café da manhã, para que eu não tivesse nem uma preocupação doméstica.
A Joilson meu irmão caçula, por durante maior parte de minha vida acadêmica ter
cuidado de minha roupa e outros afazeres domésticos, tarefas que seriam de minha
responsabilidade.
A meus irmãos Maria Gilda, Sandoval, Hosana, Silvano, Sinvaldo, Maria Fátima,
Joseval, Rosineide, Áurea, Anarilma, Antônio Jackson Pereira dos Santos pelo apoio moral e
material nos momentos mais difíceis.
Aos meus sobrinhos Deiseane, Jandival, Djavan, Elâne, Geovane, Vinicius, Romildo,
Acácio, Welitom, Aline, Romário, Sales, Iure, Dhiego, Richardsom, Sabrina, Iany, Arilana,
Raul Heli, Richelle, Rangel, Eduardo, Maria Gabriela, Daniel, Cecília, Andressa e Lílian
Eloise, por me alegrarem quando me encontrava abatida pela longa jornada de estudos e
também por ter colaborado com o silêncio na casa da vovó para minha concentrar nos
estudos.
Às minhas cunhadas e meus cunhados por te me auxiliarem quando as(os) solicitei.
Ao time feminino de futsal por me manter em forma física e me proporcionar
momentos prazerosos de diversão quando precisava espairecer.
As minhas sobrinhas de brincadeira que me divertiram tanto nesses meus anos de
estudo me levando pras pagodeiras e me divertir falando sobre seus paqueras.
A comunidade Católica de Lagoa da Cruz por ter me apoiado nos meus estudos e
entendido as minhas ausências nas celebrações dominicais e nos encontros semanais.
Expresso a minha gratidão ao senhor Pedro Silva Mota, pela troca de figurinhas e
também por ter me cedido sua tese de mestrado, contribuindo muito na construção do meu
trabalho.
6. 5
Ao senhor João Gonçalves Neto, pelo livro que escreveu sobre a História de Barrocas,
o qual foi um grande referencial para falar sobre os acontecimentos importantes da cidade.
Meus sinceros reconhecimentos a minha irmã Edna, que interrompeu as férias para
fazer a correção ortográfica do trabalho.
A minha prima Analúcia Silva Pereira Lima, que também me ajudou a melhorar as
idéias no corpo do texto.
Não poderia esquecer os amigos que encontrei na universidade; as nossas discussões
em sala contribuíram muito na minha formação. Gostaria de lembrar em especial as meninas
que formavam o trio Barrocas junto comigo, Ana Paula Queiroz e Polyana Silva.
Aos professores por terem despertado em mim a sede de buscar sempre o
conhecimento.
Agradeço a minha orientadora Suzana Maria Severs, pelo apoio e colaboração.
Sou grata às pessoas que confiaram em deixar aqui seus registros através dos
testemunhos orais. A contribuição delas é a essência desta pesquisa. Assim, meus sinceros
agradecimentos a Américo, Antônio de Oliveira Nunes, Antônio Ferreira Queiroz, Gilberto de
Queiroz Brito, Graciliano de Jesus Oliveira, João da Mata Queiroz, João Geovalter Ferreira
Mota, João Pereira dos Santos, Luíza Cardoso, Maria Mota Lima, Saturnino Francisco dos
Santos e Valdomira da Silva de Jesus.
7. 6
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 07
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 09
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................... 11
1 FATOS IMPORTANTES DA CIDADE DE BARROCAS ............................................ 18
1.1 A passagem da Estrada de Ferro .............................................................................. 19
1.2 Desconfiança serrinhense na implantação do sisal .................................................. 24
2 MEMÓRIA DOS BARROQUENSES NO PERÍODO DO SISAL ................................ 27
2.1 Fim das cercas de gravatá .......................................................................................... 28
2.2 A Chegada dos motores de Sisal ................................................................................ 29
2.3 Mutilados do sisal ....................................................................................................... 37
2.4 Os períodos de seca ..................................................................................................... 37
3 O SISAL A CAMINHO DA INDUSTRIALIZAÇÃO .................................................... 39
3.1 Crise do sisal ................................................................................................................ 42
4 MUDANÇAS OCORRIDAS NA CIDADE ...................................................................... 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 50
FONTES ................................................................................................................................. 51
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 52
8. 7
APRESENTAÇÂO
O ser humano é sedento de saber. Por isso, está constantemente a questionar, refletir
e investigar fatos relacionados principalmente de sua história, desde os seus ancestrais até os
dias atuais.
Este trabalho é o resultado de uma pesquisa feita sobre o município de Barrocas, BA.
Tendo como finalidade a conclusão do curso dos graduandos em História do Campus XIV,
Conceição do Coité, Departamento de Educação. Essa pesquisa teve como objeto de estudo a
vila de Barrocas e suas fontes de renda, enfatizando a produção de sisal.
A minha aptidão pelo tema deve-se ao fato de meu pai ter sido dono de motor de
sisal que conseguiu colocar seus filhos na escola, apesar da dura jornada de trabalho. Assim, a
maioria deles tem ensino médio completo, metade está cursando ou já concluíram nível
superior. Ele apostava que o futuro dos seus filhos estaria na educação quando o sisal não
mais pudesse nos sustentar.
Para a realização dessa pesquisa recorri a vários teóricos e visitei diversos arquivos,
encontrando em arquivos pessoais folhetins, registros fotográficos e jornais que contribuíram
com esta pesquisa. Contei também com a colaboração de pessoas que trabalharam com sisal
desde o comerciante, dono de motor de sisal, trabalhadores do corte da palha de sisal e
desfibramento até os mutilados, que foram os que perderam algum membro do corpo por
conta do serviço perigoso da máquina.
Em uma das entrevistas a pessoa foi tomada pela emoção por esta fazendo parte de
um objeto de estudo e também pelas recordações que lhes foram restituídas. Foi necessário
desligar o gravador para que a pessoa pudesse se refizer da emoção que havia lhe tomado.
Outro entrevistado imaginou que eu seria alguém ligado ao governo e, que poderia correr
risco com suas declarações. Porém, eu já havia sido devidamente orientada pela minha
orientadora e expliquei qual era o objetivo do meu trabalho e a responsabilidade com as
informações. Depois dos esclarecimentos ele foi muito gentil em falar sobre sua vida,
comentando a experiência com o trabalho do sisal.
Para coletar as entrevistas eu precisei me deslocar e na maioria delas fui de
motocicleta na companhia das minhas cunhadas, Elizabeth e Maria Zene, porque os
entrevistados não moravam na sede do município. Os entrevistados que moravam na sede, eu
me locomovi em carros de praça e ônibus que transportam os estudantes; os que moravam
9. 8
próximos a minha residência cheguei até eles à pé. Isto significa que realizei um trabalho de
campo amplo, não apenas nas distâncias geográficas que me separavam dos entrevistados,
mas na diversidade de colaboradores com a qual eu pude contar, enriquecendo assim a
principal fonte histórica deste trabalho, a fonte oral.
Esta pesquisa é importante, tanto para mim como graduanda e moradora de Barrocas,
por permitir conhecer melhor o lugar onde moro; e para os demais barroquenses servirá, assim
espero, como fonte de pesquisa e de incentivo a outros estudantes que valorizem a história
local.
10. 9
INTRODUÇÃO
O sisal foi trazido para o Brasil precisamente para a Bahia em 1903, por um
industrial baiano, Horácio Urpia Jr., no início tentou cultiva-las em suas propriedades, após os
primeiros resultados positivos, pensou em ampliar a plantação, para isso, organizou uma
companhia para a exploração agroindustrial do precioso agave. Depois disso o sisal foi
adentrando o interior da Bahia. Alguns adquiriram a planta, por admirá-la e tratá-la como
planta ornamental por considerarem muito bela, outros a aproveitavam em cercas vivas, eriças
nos valados das pequenas propriedades.
Parte das mudas trazidas para a Bahia foi levada para a Paraíba em 1911, e é nesse
Estado que o sisal ganhou impulso, por volta de 1937, ao passo que na Bahia só veio
acontecer a partir de 1939.
Os empreendimentos na produção do sisal só se concretizaram, por que o
Governador Landulpho Alves tinha como Secretário da Agricultura o agrônomo Joaquim da
Rocha Medeiros que viu as possibilidades econômicas do sisal estimulou o aproveitamento.
Com seu incentivo a partir de 1939 iniciou a distribuição das mudas em Feira de Santana,
Alagoinhas e Nova Soure. Essa iniciativa tinha como objetivo fixar o nordestino em suas
terras, e assim pudesse atravessar longos períodos de estiagens, sem tantas dificuldades.
Em Barrocas o sisal chegou por volta de 1947, implantada pelos próprios moradores,
que se comprometeram em buscar as mudas nos municípios vizinhos e distribuí-las entre os
interessados. Os lucros só foram possíveis com a compra de máquinas paraibanas por volta de
1960. Durante o auge do sisal em Barrocas, a cidade cresceu bastante se transformando na
vila mais desenvolvida da microrregião de Serrinha.
E de suma importância estudar um período de implantação do sisal em Barrocas e
conhecer a história das pessoas que estavam envolvidas com esse processo para entender, se
realmente o agave foi o impulsionador do aquecimento do comércio local e sua contribuição
para o sustento das famílias barroquenses.
A escolha desse tema já era muito pensada desde antes de ingressar na universidade,
pois, convivo em uma região muito pobre e que os motores sempre foram a forma de ganhar
o pão, de tantos e quando não conseguiam produzir em uma das semanas observava os
transtornos que as famílias passavam em ter que acumular despesas, começando a ter que
entrar na lista dos “fiados”, ou seja, comprar para pagar depois. Isso me despertou o desejo
11. 10
em conhecer através dessas pessoas o que os levava a continuar trabalhando em um trabalho
tão árduo e perigoso.
O trabalho foi construído da seguinte forma.
A introdução contém o objetivo da pesquisa, a importância, tanto para mim como
graduanda e moradora, por permitir conhecer melhor o lugar onde moro, quanto para os
demais barroquenses servindo de fonte de pesquisa, além de incentivar a outros estudantes a
valorizarem a História local.
A metodologia utilizada nesse trabalho foi a pesquisa de campo, entrevistas,
pesquisas bibliográficas e na internet.
Os conceitos de sertão, semi-árido e nordeste são de grande importância para que o
leitor conheça as características geográficas e físicas do local em estudo. Depois de situar o
leitor, destacamos os fatos mais importantes da história do município. O passo seguinte foi
trazer as fases do sisal em Barrocas, do auge a crise. Assim, ao concluir esse trabalho tinha a
visão dos entrevistados sobre o período em que o sisal foi a principal fonte de renda para a
população local.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A metodologia utilizada nesse trabalho foi a pesquisa de campo, entrevistas,
pesquisas bibliográficas e na internet. Para dar conta da pesquisa oral, lançamos mão das
entrevistas nos moldes da história oral proposta por José Carlos Sebe Bom Meihy.
Pode-se, em nível material, considerar que a história oral consiste em gravações
premeditadas de narrativas pessoais, feitas diretamente de pessoa a pessoa, em fitas
ou vídeo, tudo prescrito por um projeto que detalhe os procedimentos. (...) O projeto
prevê: planejamento da condução das gravações; transcrição; conferência da fita
com o texto; autorização para o uso; arquivamento e, sempre que possível,
publicação dos resultados, que devem, em primeiro lugar, voltar ao grupo que gerou
as entrevistas. (...) Atualmente, a história oral já se constitui em parte integrante do
debate sobre a função do conhecimento social (...)1.
Como todo conhecimento a História Oral também passa por processos de evolução.
A história oral que inicialmente se apresenta como um locus multidisciplinar com o tempo vai
se apresentando como um conhecimento autônomo e radical2 exigindo cada vez mais uma
postura teórica diferenciada e geradora de um tipo de leitura e interpretação totalmente novas.
Por tanto, mesmo que não classifiquemos esta monografia como um trabalho de história oral
propriamente dito, as entrevistas foram o suporte para os textos mais estruturados.
1
MEIHY,José Carlos Sebe Bom. Manual da História Oral. São Paulo: Loyola, 2005. p. 17-19.
2
Idem, Ibidem, p. 31-41.
12. 11
Pallares-Burke resume bem o valor das entrevistas.
E como sugere a própria palavra entrevista – que deriva do francês entrevoir,
significando vislumbrar, ver brevemente, de relance ou perceber e entender
vagamente -, esse é um gênero fluido, cuja convenção é a formalidade e cujo é
produto é relativamente desestruturado e assistemático. Assim, ao contrario do
trabalho acadêmico acabado e coeso, a entrevista pode ser vista como uma espécie
de gênero intermediário entre o pensamento e a escrita elaborada, como um gênero
capaz de apreender a idéia em movimento e, nesse sentido, como algo que pode ser
considerado não um substituto, mas sim um complemento aos textos mais
estruturados3.
As entrevistas foram muito ricas para o meu trabalho, pois os entrevistados passavam
as informações e elas lhes causavam uma profunda emoção. As entrevistas com pessoas que
trabalharam no período do sisal serviram para identificar como era seu trabalho no processo
de colheita do sisal. Eu contei com a colaboração de treze pessoas, dessas quatro são
aposentados como agricultores, e sobrevivem com o salário garantido pela Previdência Social.
Quatro são comerciantes, dois deles estão ligados a venda de Gêneros alimentícios e dois
comercializam tecidos e outros artigos de consumo. Dois são aposentados como trabalhadores
da construção civil e dois exercem cargo político em Barrocas e um se encontra na ativa
trabalhando nos armazéns de sisal.
A escolha das pessoas para entrevistar foi mediante a sua experiência como:
trabalhador, comerciante, vendedor de sisal, mutilados, ou seja, todos que estiveram de
alguma forma envolvidos no período do sisal. Os trabalhadores são as pessoas mais indicadas
para dizer como era o seu trabalho e se realmente valeu a penas executar aquele serviço. Foi
de grande importância ouvir as pessoas que sofreram as mutilações para conhecer suas
reações ante esse sofrimento. Os comerciantes se havia diferença no comércio no auge do
sisal e como o comércio se comportava nos dias em que os trabalhadores do sisal não tinham
remuneração. A fala dos donos de armazéns também foi muito interessante, pois, eles
transitavam entre os trabalhadores tanto dos motores quanto dos armazéns, além de estar em
contato com outros comerciantes, de municípios vizinhos, a capital Salvador e alguns estados
do Brasil.
Alguns nomes foram necessários incluir, pois, eram lembrados com freqüência pelos
entrevistados, relacionando fatos a estas pessoas, então os incluir na lista das pessoas que
iriam contribuir com o meu trabalho e eles realmente reforçaram as informações que já havia
coletado tanto sobre eles quanto sobre o processo de implantação e desenvolvimento da
3
PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. As muitas faces da história. Nove entrevistas. São Paulo: UESB,
2000. p. 11-12.
13. 12
cultura do sisal, assim como trouxeram informações que ainda não haviam sido mencionadas
pelos outros entrevistados, enriquecendo ainda mais o trabalho.
A troca de idéias com a orientadora me deu uma visão completa de todo o processo
para a revisão e análise de dados e redação para a conclusão da monografia.
Para melhor situar a compreensão dos leitores, optamos por expor aqui algumas
visões sobre a idéia de sertão, semi-árido, e nordeste, pois algumas vezes uma não precisão
sobre o que falamos e de como nos situamos causa polêmicas que, amiúde, distancia o objeto
de estudo propriamente dito. Sendo assim, partimos do conceito de sertão, apresentando uma
ampla discussão sobre o que ele vem a ser.
Pode se comprovar através dos registros anteriormente citados que o povoamento do
Brasil ocorreu do litoral para o interior. Os locais que se encontravam fora do domínio dos
colonizadores, ou seja, desconhecido por eles, era considerado “sertão”. Torna-se necessário
conhecer o significado desta palavra.
A origem da palavra “sertão” é bastante controvérsia segundo Gustavo Barroso4,
acredita ser derivada da palavra “muceltão” do vocábulo angolano que significava “lugar do
interior” ou “terra entre terras”, e ainda “local distante do mar”, porém com o tempo o
vocábulo teria sido modificado para “celtão”, logo depois para “certão”, para finalmente obter
a forma atual de “sertão”.
Certamente, a palavra foi trazida de Portugal no início da colonização do Brasil
conservando os significados citados anteriormente, se adequou às situações vividas pelos
primeiros colonizadores. Logo, “sertão”, para o habitante da cidade aparece como espaço
desconhecido, habitado por índios, feras e seres indomáveis. O bandeirante tinha interior
como um lugar perigoso, porém, imaginava encontrar uma fonte de riquezas. Já os
governantes lusos das capitanias o identificavam como um exílio temporário. Contrastando
com as ideias os expulsos da sociedade colonial “sertão” significava liberdade e esperança de
uma vida melhor.
No Brasil o significado de “sertão” sempre foi bastante discutido por diversos
autores. Para Janaína Amado5, desde o início da História do Brasil o sertão tinha duas
características diferentes, poderia ser inferno ou paraíso. Essa dualidade dependia de quem
estivesse falando. Ela ainda reforça que conhecido desde a chegada dos portugueses, cinco
séculos depois “sertão” permanece vivo no pensamento e no cotidiano do Brasil,
materializando-se de norte a sul do país como sua mais relevante categoria espacial: entre os
4
BARROSO, Gustavo. Vida e História da palavra sertão. UFBA/CEB. Salvador, 1983. p. 3-7.
5
AMADO, Janaína. ‘Região, sertão, nação’. Estudos Históricos, vol.8, nº 15, 1995, p. 145-52.
14. 13
nordestinos, é tão crucial, tão prenhe de significados que, sem ele, a própria noção de
“Nordeste” se esvazia6.
O lugar geográfico ou social identificado como sertão que recebe ora uma avaliação
positiva, ora negativa. Para Amado7 como fruto da colonização na América Portuguesa que
teve uma situação particular e única em relação às demais conquistas nas Américas, espaço
vazio no imaginário da sociedade colonial, indomado e selvagem, terra dos índios bravos do
medo8. Esta historiadora já mostrou sertão como o centro que trazia a luz para o mundo
colonial9. E outras definições de sertão fazem referência a traços geográficos, demográficos e
culturais como: região agreste, semi-árida, longe do litoral, distante de povoações ou de terras
cultivadas, pouco povoadas e onde predominam tradições e costumes antigos. “Lugar
inóspito, desconhecido que proporciona uma vida difícil, mas, habitado por pessoas fortes10.
A força de seu habitante aparece relacionada à capacidade de interagir com a
natureza múltipla. O cabra - o cangaceiro – descrito pela literatura11 como a encarnação do
herói sertanejo. Esse é o perfil do herói barroquense, cabra de fibra que retrato neste trabalho,
mesmo distanciado da capital, Salvador, conseguiu driblar as características geográficas
adversas citadas anteriormente, buscou formas de sobreviver com a natureza e mesmo sem
apoio das autoridades transformou o sisal em fonte de riqueza.
O sertão se subdivide em outras denominações e uma delas está a defini-lo como
“sertão semi-árido”. O território barroquense está inserido também nessa área, referindo aos
locais onde prevalece o clima quente, com baixo volume de chuva durante o ano, vegetação
bastante diversificada, predomínio de plantas xerófilas, com pequena estatura e de galhos
retorcidos como é bem detalhado. “A vegetação que na área litorânea é representada pelas
matas, nos tabuleiros de solos ácidos é substituída por uma vegetação arbustiva, na qual o
elemento predominante é a candeia (Moquinia lucida), pelos campos cerrados e pela caatinga
nas zonas mais secas” 12. Sabendo que esta transformação da paisagem vegetal é condicionada
pelo clima, que constitui certamente o aspecto mais característico do sertão.
O clima é considerado um dos maiores fatores para se delimitar o sertão semi-árido,
levando em consideração os locais de maior volume pluviométrico caracterizado por Maria
Isaura Queiroz por dois tipos adversos e uma faixa de transição: sendo o oeste a
6
AMADO, Janaína, op.cit., p.145-52.
7
Idem, Ibidem.
8
CAVALCANTI, José Lins do Rego. Cangaceiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953.
9
AMADO, Janaína, op.cit., p.145-52
10
CASCUDO, Luis da Câmara. Viajando o Sertão. 3. ed. Natal: Fundação José Augusto;CERN, 1984.
11
CAVALCANTI, José Lins do Rego. Cangaceiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953.
12
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Campesinato Brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 1976. p.101-122.
15. 14
predominância das chuvas de verão, que é uma das peculiaridades do sertão semi-árido,
enquanto ao leste predomina as chuvas de inverno típico da zona litorânea do Nordeste, entre
esses dois tipos de clima existe a faixa de transição, que tem influência da parte oeste e da
leste. Vale ressaltar que, geograficamente Barrocas está situada na faixa de transição, seu
volume de chuvas é influenciado tanto pelas chuvas de verão vindas do sentido oeste, quanto
às do inverno vindo do leste.
Sua vegetação, por estar inserido geograficamente no sertão semi-árido seu clima e
outros aspectos são bastante diversificados com predominância de plantas típicas da caatinga.
A caatinga tem a flora bastante diversificada, às vezes apresenta-se arbustiva, outras
vezes arbórea, em alguns locais é muito fechada em outros espaçosa, seus caules são
retorcidos e cheios de nós, suas folhas em grande maioria são pequenas e costumam cair
durante o período de estiagem. No solo poucas plantas conseguem sobressair exceto as
bromélias e um número bem reduzida de gramíneas. Explicado por Queiroz, que esta queda
das folhas confere a caatinga uma diversidade de aspectos muito marcante de acordo com as
estações.
Durante o período chuvoso a caatinga perde muito seu caráter agressivo e
assemelha-se a qualquer capoeira. A vegetação arbustiva em pleno desenvolvimento
forma, então, um anteparo protetor sob o qual ficam ocultas as cactáceas e bromélias
espinhosas. No período da estiagem a caatinga apresenta outro aspecto acontece a
queda completa das folhas, reduzindo-a num emaranhado seco e cinzento de ramos
esgalhados, entre os quais sobressaem as formas grotescas e hostis dos cardos e
espinhos. Estes aspectos explicam como o sisal, se adaptou ao clima da caatinga e
conseguiu conviver com as plantas já existentes, por apresentar as mesmas
características da vegetação desta região13.
Apesar de seus diversos contrates climáticos, geográficos, dentre outros, pode-se
perceber a contribuição econômica da região para a economia local, nacional e internacional,
como é relatado14. As usinas de beneficiamento do algodão e as fabricas de óleo de mamona
trabalham o produto vindo das caatingas de oeste: Riachão do Jacuipe, Itaberaba e
Queimadas. As fabricas de cordas de sisal manufaturam o produto vindo de Serrinha, Tucano
e Euclides da Cunha; os trapiches de fumo classificam e enfardam o produto proveniente do
Irará, Coração de Maria, Bonfim de Feira, Ipirá; as selarias trabalham a madeira de Andaraí,
na encosta da Chapada Diamantina; as torrefações de café preparam o produto vindo do
planalto de Itiruçu. Esta região é favorável à criação de gado, possui numerosas selarias,
charqueadas, salgadeiras (preparo de couros) e laticínios. Nesta região se encontra um número
variado de atividades econômicas estas enquadram nas possibilidades locais.
13
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. O Campesinato Brasileiro. Petrópolis/RJ: Vozes, 1976. p.101-122.
14
Idem, Ibidem, p. 221-222.
16. 15
Em meadas do século XIX o governo federal investiu significativamente na lavoura
do café no Sudeste. Com a atenção voltada para a produção do café, o cultivo da cana de
açúcar explorado no Nordeste passou por uma forte retenção econômica, mesmo assim era
considerada a principal atividade econômica da Bahia. Nesta mesma época a cultura do fumo,
a produção de couros e peles, a mamona, o sisal e o cacau, despontavam abastecendo o
mercado externo. Apesar de não contarem com investimentos governamentais para
concorrerem com o desenvolvimento do Sudeste Brasileiro. Estas culturas provenientes do
sertão semi-árido e também de outras regiões da Bahia, sustentavam a economia baiana e não
tinham o devido reconhecimento das autoridades.
A falta de investimento dos poderes públicos nas regiões do semi-árido deixou a
região desprovida de recursos financeiros, prejudicando a produção da maioria das culturas
anteriormente mencionadas.
O declínio de algumas culturas do semi-árido que foram fonte de riqueza, como é o
caso da produção de algodão, de mamona e sisal, ocorreu tanto por apresentarem
períodos de baixa produtividade, quanto por concorrerem com novos produtos
sintéticos durante a década de 90. Deles o sisal foi o que mais sofreu, apresentou
tendência declinante e ainda não conseguiu se recuperar15.
O analise do SEI, deixa claro que o sertão semi-árido é produtivo, o que real mente
falta é apoio das autoridades governamentais para que ela produza.
A região semi-árida, também conhecida como Sertão Nordestino faz parte do
Nordeste do Brasil.
A expressão Nordeste se referindo a uma região especifica do país veio surgir
recentemente, no início do século XX, de acordo com o escritor Albuquerque16 no período
colonial a divisão territorial era feita da seguinte forma: região Norte era considerada a parte
que englobava desde o atual Nordeste a toda atual Amazônia e a região Sul que correspondia
a todo território brasileiro que se localizava a baixo da Bahia. Então foi os próprios nortistas,
como eram chamados os nordestinos no período imperial, que criaram a idéia de Nordeste.
Com a crise do açúcar e os investimentos implantados na região Sul, as elites do então Norte
se empenharam em mostrar características negativas para angariar recursos. A seca era um
dos argumentos que utilizavam para mostrar que essa região só tinha fome, falta de água,
dentre outros aspectos, que contribuíram para que as outras regiões do Brasil tratassem com
desprezo e de maneira discriminatória.
15
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Dinâmica sociodemográfica da Bahia 1980-
2000. Salvador: SEI, 2003
16
ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. Recife: Massangana, 1999.
17. 16
Tanto a geografia quanto os habitantes dessa região, ainda apresentam dados para
justificar que a região Nordeste, especificamente o Nordeste da Bahia esta destinado ao
atraso, tem baixo índice demográfico e concentração urbana menor que outras regiões do país.
As considerações da SEI17, fazem revelações importantes sobre a economia do
Nordeste da Bahia. Ela esta associada a expansão da pecuária que foi colocada a se
desenvolver no interior – no sentido de não atrapalhar a cultura da cana-de-açúcar que
precisava de novos campos produtivos – a busca de espaço para montar os currais e fazendas
ia levando os fazendeiros adentrarem a região sem se preocupar com os limites de suas
propriedades. As demarcações só foram possíveis a partir dos anos cinquenta, quando este
local, mesmo considerando-se as adversidades edafoclimáticas, destacava-se produzindo um
terço do milho e do feijão baianos. Além de tudo, o sisal, cultura implantada com muita
desconfiança por algumas autoridades de alguns municípios, apresentava-se bastante adaptada
ao semi-árido e já era cultivada com vistas para a exportação, colocando-se como elemento
essencial da economia mais ao sul da região.
Podemos perceber estas mudanças pelos dados que iremos apresentar sobre a região
Nordeste, ela ocupa (20% do território brasileiro), nela vivem 29% da população do país.
Originam-se, aproximadamente, 14% da produção nacional total (medida pelo PIB), 12% da
produção industrial e quase 21% da produção agrícola. Cabe destacar que na região residem
23,5% da população urbana do Brasil e 46% de sua população rural. O lento crescimento
econômico que durante muitas décadas caracterizou o ambiente econômico nordestino18, foi
substituído pelo forte dinamismo de numerosas atividades que se desenvolveram
recentemente na região, sendo uma das atividades impulsionadora do crescimento urbano a
produção do sisal. É mais uma constatação interessante de que as culturas implantadas neste
local se forem bem estruturadas dão resultado.
Vale ressaltar que o Censo analisado é o de 2000, e as informações são poucas com
relação aos municípios recém emancipados. Porém, os dados coletados, revelam que esses
municípios não estão destinados ao atraso, tem o dinamismo e poder econômico independente
como é o caso da cidade de Barrocas, que concretizou sua liberdade em 2000, obtém aspectos
da maioria dos municípios urbanizados, por ter seu crescimento alimentado pelo período do
sisal. Trazendo como resultado grande número de empresas de outros municípios
17
SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Dinâmica sociodemográfica da Bahia
1980-2000. Salvador: SEI, 2003.
18
GTDN, Grupo de Trabalhos de Desenvolvimento do Nordeste, 1967.
18. 17
comercializando com armazéns de sisal, consequentemente abrindo campo de trabalho para a
localidade e permanência do cidadão barroquense na sua terra natal.
É com intuito de mostrar para as pessoas que a região Nordeste não é completa só de
mazelas, vimos através da História de uma cidade do interior da Bahia apresentar a força de
um povo que mesmo com dificuldade consegue transformar sua realidade e construir sua
riqueza aproveitando dos recursos que a região lhe oferece, e tendo muita força para superar
os momentos em que ocorreram os contratempos próprios do meio.
E estudando o local que podem traçar perguntas de caráter mais crucial que possa
trazer respostas relevantes.
19. 18
CAPÍTULO 1- FATOS IMPORTANTES DE BARROCAS
A cidade de Barrocas fica no sertão do nordeste do Estado da Bahia, Nordeste do
Brasil. Assim como outras cidades, passou por muitos processos de aglomeração de pessoas.
De uma simples fazenda em poucos anos surgiu uma vila19. Vila, no período colonial tinha
caráter político-administrativo. Foi com a criação delas que surgiram algumas Vilas nos
registros cartográficos da capitania de Todos os Santos. A Vila de Cachoeira aparece nos
registros de 1698, a qual deu origem à Vila de São João Batista de Água Fria, em 1718,
fundada pelos jesuítas20. Desta vila foi desmembrado o território de Serrinha e depois, de
Serrinha, o território de Barrocas21. Já no regime republicano do Brasil, uma povoação só
pode ser legalmente elevada à categoria de vila quando tiver um aglomerado populacional
contínuo superior a três mil pessoas e possua pelo menos metade dos principais equipamentos
coletivos (farmácia, posto de assistência médica, escolas)22, isentado a responsabilidade
administrativa atribuída à vila desde o período colonial23.
Só a partir de 1693 que D. João de Lencastro, o governador em exercício da capitania
da Bahia de Todos os Santos, criara respectivamente mais três vilas: Nossa Senhora da Judá
de Jaguaripe, Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, a qual pertencia o
território de Serrinha nesta época, e a de São Francisco da Barra do Sergipe do Conde. O
desafio seguinte seria adentrar o sertão e chegar ao rio São Francisco, para tanto, o governo
contou com espírito aventureiro dos bandeirantes que vieram de diferentes locais: uns saíram
da capitania de Minas Gerais, prosseguiu de sul ao norte, por Carinhanha, Parateca, Passagem
das Rãs e Bom Jesus da Lapa, depois passando por Maracás, Lençóis, Serra do Orobó e
Jacobina, outros saíram da capitania da Bahia de Todos os Santos, chegaram ao sertão do
Paramirim24.
19
Vila é um aglomerado populacional de tamanho intermediário entre a aldeia e a cidade dotada de uma
economia em que o setor terciário (comércio e serviços) tem uma importância de centro econômico, social e
cultural. (FERNANDES, Francisco, LUFT, Celso Pedro, GUIMARÂES, F. Marques. Dicionário Brasileiro
Globo, 51. ed. São Paulo. Globo, 1999).
20
OLIVEIRA, Vanilson Lopes. Conceição do Coité - A Capital do Sisal. Salvador: UNEB, 1993, pg. 19-20..
21
SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Evolução Territorial e Administrativo do
Estado da Bahia: Um breve Histórico. Salvador: SEI, 2001, p. 43.
22
Leis da República, Lei nº 11/82 de 02 de junho.
23
Regimento de Tomé de Souza de 17 de dezembro 1548, a autorização da Metrópole ou governo geral a
fundação de vilas e povoações, dentre outras atribuições. Leis da República, Lei nº 11/82 de 02 de junho.
24
SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Evolução Territorial e Administrativa do
Estado da Bahia: Um Breve Histórico. Salvador, 2001, p. 52.
20. 19
Figura 1: Árvore genealógica de Barrocas; Fonte: SEI. Evolução Territorial e Administrativa do Estado da Bahia: Um Breve
Histórico. Salvador, 2001, p. 98
1.1 A passagem da Estrada de Ferro
Chegando ao final do governo imperial, é instituído o decreto de lei n° 1299 de
dezembro de 1853, de acordo com a Lei de 26 de junho de 1852 e o decreto nº 725 de 03 de
outubro de 1852, dando plenos poderes ao senhor Joaquim Francisco Alves Branco Muniz
Barreto, para construir a estrada de ferro na Província da Bahia. Esta sairia da cidade de São
Salvador e chegaria à margem direita do rio São Francisco na Vila de Juazeiro. O contrato
segundo o GHB25, foi lavrado o contrato provincial em 31 de maio de 1854, autorizava o
inicio das obras.
A primeira parte da construção só foi iniciada em 1858 quando a concessão foi
transferida para a empresa inglesa/Bahia and São Francisco Railway Company, esta edificou a
25
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Revista Trimestral. Ano II. Vol.III, mar. 1896, nº 07, p. 78.
21. 20
estação da Calçada, em seguida, Jequitaia, Aratu, alcançando Alagoinhas26. Vale ressaltar que
o contrato permitia que a empresa usufruísse dos lucros, sendo beneficiada com 7% na
exploração da via - férrea. Contudo os lucros não foram os esperados pela empresa, os
trabalhos foram abandonados em 1864.
Depois da desistência da empresa restava ao Imperador D. Pedro II, levar adiante,
para que o trecho da estrada de ferro inaugurada continuasse funcionando, e também, pudesse
estruturar e consolidar a ampliação, pois, esta parte seria muito mais complexa pela extensão
territorial e acidentes geográficos que iria encontrar. Mesmo com o esforço do governo as
obras passaram alguns anos emperradas, voltando às atividades com o decreto da lei, nº5097
de 28 de setembro de 1872, este decreto contratava o engenheiro Antônio Maria de Oliveira
Bulhões, para fazer o estudo da área a ser explorada. O relatório do engenheiro foi aceito
pelos governantes e imediatamente abriu nova concorrência, os concorrentes eleitos foram
contratados em 09 de março de 1876, juntamente com o bacharel Raphael Arcanjo Galvão
Filho, acompanhados por um grupo de bacharéis e empreiteiros, para construírem desde a
estação de Alagoinhas até a Villa Nova da Rainha, hoje cidade do Bom-fim27.
A estrada de ferro foi de muita importância para o povoamento do sertão baiano, pois
ligou o interior da Bahia a capital criando um intercâmbio comercial.
A estrada de ferro, que levou cerca de 40 anos para ser implantada, a partir de 1850,
fortaleceu a ocupação do sertão e motivou o aparecimento e a prosperidade de
muitas vilas e povoados. De Salvador, partia um ramo para Juazeiro via Senhor do
Bom Fim, de onde outro braço seguia para Iaçu, às margens do Rio Paraguaçu, no
entroncamento para Cachoeira, ao leste, e Monte Azul, em Minas Gerais, ao sul. Ao
longo da ferrovia, formava-se um autêntico rosário, cujas contas correspondem a
cidades como Alagoinhas, Entre Rios, Serrinha, Queimadas, Santa Luz, Senhor do
Bom Fim, Juazeiro, Jacobina, Brumado, Santo Amaro, Cachoeira28.
O trecho que ligava Alagoinhas a Serrinha ficou pronto em 18 de novembro de 1880
e a estação ferroviária foi registrada pelo nome, Rio Branco, o projeto de construção da
estrada de ferro deu seguimento, após dois anos da inauguração da estação Rio Branco, os
responsáveis pela construção chegaram a Fazenda Espera, como enfatiza a revista29 dizendo
que no comando do Dr. Luiz da Rocha Dias, foram inaugurados o trecho de 36.280m entre
Serrinha e Salgada e a 146.861m de Alagoinhas, com a assistência do presidente Cons. Dr.
Pedro Luiz Pereira de Souza, em 30 de dezembro de 1883, em 15 de setembro de 1884, um
outro de 33.707, e também a Estação de Santa Luzia, a 180.568m, em 06 de fevereiro de
26
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Revista Trimestral. Ano II. Vol. III, nº 07, mar. 1896, p. 78.
27
Idem, ibidem, Ano II, Vol.III, nº 07, mar. 1896, p. 79.
28
SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Evolução Territorial e Administrativa do
Estado da Bahia: Um Breve Histórico, p. 52, Salvador, 2001.
29
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Revista Trimestral. Ano II, Vol. II, nº 07. mar. 1896, p. 80.
22. 21
1886, em seguida foi aberto mais um trecho de 47km e inauguradas as estações do Rio do
Peixe e de Queimadas, depois destas inaugurações foram concluídos sucessivos trechos da
estrada, chegando as margens do rio São Francisco. E foi autorizado novo traçado pelo
governo para tentar concluir as obras que já estavam com 11 anos de atraso.
Nos documentos da estação ferroviária encontra-se a Fazenda Espera citada de forma
indireta, eles se referem à mesma como trecho entre “Serrinha e Salgada”, já que a estação em
estudo não estava presente no projeto do engenheiro Antônio Maria de Oliveira Bulhões, por
isso, é interessante conhecer qual o motivo para a existência dessa outra parada ainda no
município de Serrinha30.
A Fazenda Espera pertencia ao município de Serrinha, propriedade do senhor José
Alves Campos, e nas proximidades tinha uma pedreira, onde foi montada uma plataforma de
trilhos para embarcar as pedras e utilizá-las na construção da estrada que em seguida, foi
construída uma plataforma de tábua com o teto de zinco, para embarcava passageiros e
transportar mercadorias.
Foram vários nomes que surgiram para inauguração da nova estação segundo
documentos da Leste Brasileiro que cita: “Ibingatu, Ibiçoroca, Barrocas”31 e outros, mas,
pelas características acidentadas do local, decidiram pelo nome de Barrocas, por ser sinônimo
de terra aberta pelas enxurradas.
Com a inauguração da nova estação aumenta a concentração de pessoas no local e
também a necessidade de uma casa comercial, que por volta de 1930, é construída pelo Sr.
João Afonso da Silva se tornando um morador local. Este para praticar sua religião, constrói
em sua propriedade uma capelinha dedicada a São João Batista.
A partir daí, vai surgindo timidamente nas proximidades da estação algumas casas
comerciais. Dentre elas a do Sr. Antônio Alves de Queiroz que se localizava em frente à
estação, nos arredores da mesma teve início por volta de 1940, à feira livre onde se
encontrava gêneros de necessidades básicas.
Teve início a pequena feira livre, esta era realizada embaixo de uma árvore
em frente à casa comercial do senhor Antônio Queiroz, o comerciante tinha
uma casa composta de gêneros de várias espécies lá se comercializava
cereais e produtos cultivados na zona rural, laranjas vindas de Alagoinhas;
utensílios de barro: panelas, potes, aribés, frigideiras; objetos feitos de lata:
candeeros, chaleiras, canecos, papeiros, miudezas, doces e massas32.
30
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Revista Trimestral. Ano II. Vol. II, nº 07, mar. 1896, p. 81.
31
GONÇALVES NETO, João; BATISTA, Tiago de Assis. Barrocas uma filha da estrada de ferro. 2007. p.17.
32
Idem, ibidem.
23. 22
Um dos moradores fala sobre esta vinda das pessoas para a feira, de que forma as
pessoas se aglomerava, já que não tinha uma estrutura que os protegesse do sol e da chuva.
“Tinha um pé de pau, quitéria, o pessoal ficava de baixo, porque a sombra era boa”33.
A feira foi crescendo à medida que o número de moradores no arraial foi
aumentando e as pessoas das fazendas vizinhas começaram a frequentá-la, daí então
aumentou o número de fiéis que participavam das missas e outros atos litúrgicos em Serrinha,
passando a frequentar a capelinha de São João, a qual houve à necessidade de construir uma
igreja maior. Em 1935, o Sr. Pedro Teles de Oliveira doa o terreno para a nova capela,
permanecendo até a atualidade foi estrategicamente edificada para ser identificada em
qualquer ponto que se esteja na cidade. Além do terreno para a construção da igreja o Sr.
Pedro Teles doou o terreno para a construção do cemitério.
Na década de 40 ocorreram alguns episódios marcantes que contribuíram para o
arraial ser elevado à condição de Vila de Barrocas: A Igreja Matriz, aumentando a
peregrinação dos fiéis em busca de celebrar seus atos religiosos, o aumento da feira livre aos
sábados, proporcionando o intercâmbio da zona rural, arraial e os municípios circunvizinhos,
neste mesmo período destaca-se também a inauguração da nova estação, ampliada para
receber uma demanda maior de passageiros.
Nos fins da década de 40 e início de 50, foi bastante promissora para a vila, pois, na
eleição de 1948, a vila elege o Sr. Joaquim Otaviano de Oliveira como representante na
câmera municipal de Serrinha, exercendo o mandato até 1951, sendo o segundo vereador
barroquense em número de mandatos no período em que Barrocas foi dependente de Serrinha.
Depois do Sr. Joaquim Otaviano ainda na década de 50 ocorreram sucessões na câmera,
novos nomes no cenário político: José Ezequiel de Barros, João Gonçalves Pereira Neto e
João Olegário de Queiroz.
As pesquisas de 1950 do IBGE (Instituto Brasileiro Geográfico de Estatística)
informam sobre o número de habitantes por município e distrito, tendo Serrinha uma
população de 6.602 habitantes e a Vila de Barrocas 285, que já representava um número
significante de moradores.
A criação da Lei Estadual de n° 628 de dezembro de 1953, foi de grande importância
para a população local, pois, através dela e empenho dos representantes local, a vila foi
elevada à categoria de distrito, dando respaldo aos barroquenses para buscarem melhorias
para o distrito junto ao poder municipal.
33
Depoimento de Saturnino dos Santos, 73 anos, aposentado, ex-trabalhador do armazém.
24. 23
No final dos anos 50, ascende no cenário político e econômico o Sr. João Olegário de
Queiroz, representante eleito do distrito, pela câmera municipal de Serrinha juntamente com o
veterano, Joaquim Otaviano de Oliveira. João Olegário era filho de comerciante,
consequentemente segue a carreira do pai, por ser um dos filhos mais velhos, era o
responsável em abastecer o comércio da família, muitas vezes tinha que viajar para outras
cidades para buscar as mercadorias, por ter conhecimento nos negócios e percebendo o
desenvolvimento do distrito, abriu sua casa comercial, onde poderia se encontrar um pouco de
cada produto necessário para o consumo da população.
É, justamente em suas andanças, que João Olegário entra em contato com os
produtores de sisal de Santa Luz, que estão se empenhando para transformar o produto em um
meio de sobrevivência para os nordestinos, como assim disse o escritor barroquense Mota34,
foram realizadas reuniões, encontros, conferências e convenções entre os anos de 1952 a
1958, o resultado foi divulgado em livros específicos sobre o assunto. Esses eventos serviram
para chamar a atenção dos interessados em cultivar a agave e contou com a presença de vários
representantes de entidades como: autoridades do vice-presidente da República João Goulart,
do Ministério da Agricultura, da Bolsa de Mercadorias, do Governo do Estado da Bahia, das
Prefeituras Municipais da região, e de outras entidades representativas.
Como fala com entusiasmo um dos primeiros comerciantes de Barrocas, “O
comércio era pequeno, quando o sisal chegou era pequeno, depois do sisal cresceu, levava as
criações de Barrocas pra Serrinha no trem, foram surgindo vários comerciantes, Senhor Pedro
do Rio, Abílio, S. Joaquim da Venda, Maria Góis veio depois35”.
Enfatiza o especialista em História regional Mota, que entre o final da década de 40 e
início de 1950, o distrito de Barrocas sentiu mudanças na economia, pois a agricultura, que
até então era voltada para produtos de subsistência, milho, mandioca, feijão e batata doce,
passou a conviver com outra cultura, a do sisal. Ainda reforça que o sisal vinte anos depois
contribuiu com a diversificação da paisagem, da economia e do trabalho da sociedade
regional36.
Um dos maiores compradores de sisal lembra a introdução da cultura do sisal no
distrito e a compra dos motores. “O sisal é uma agricultura que predomina em Barrocas desde
34
MOTA, Pedro Silva. Piôiu de Motô e as Relações Sociais no trabalho da Extração do da Fibra do Sisal (Tese
de Mestrado). Ilhéus: UESC, 2001, p.71.
35
Depoimento de Antonio Ferreira de Queiroz, 82 anos, comerciante desde o inicio da povoação de Barrocas.
36
MOTA, Pedro Silva. Piôiu de Motô e as Relações Sociais no trabalho da Extração do da Fibra do Sisal (Tese
de Mestrado). Ilhéus: UESC, 2001, p.68.
25. 24
1947, quando chegou os primeiros pés de sisal aqui no município, trazido por João Olegário
de Queiroz. Foi quem trouxe também os primeiros motores pra disfibrar o sisal37”.
O empenho das autoridades governamentais em transformar a planta em riqueza para
o nordestino era grande, mesmo assim autoridades políticas de Serrinha, não foram favoráveis
a ideia, como menciona o escritor Alves38, a respeito da resistência do serrinhense em relação
ao sisal, considerando suas opiniões hipotéticas, porém olhando por outras vias são aceitáveis,
pois a introdução de uma nova cultura necessitava de retaguarda, de campos experimentais
onde pudesse ser produzidas as mudas e as sementes, onde deveriam ser estudadas as pragas e
doenças, onde se pudesse ser estudado o cruzamento das espécies diferentes para chegar o
tipo de árvore que mais se aclimatizasse a ecologia da região e que produzisse quantidades
altamente rentáveis, de qualidade altamente compatíveis com as exigências do mercado
consumidor.
Com as declarações feitas na década de 30, percebe-se a resistência dos agricultores
e autoridades políticas serrinhenses com a determinada planta, que só foi introduzida em
Barrocas a partir de 1950, com iniciativa do Sr. João Olegário de Queiroz, que adquiriu as
mudas e o empenho de alguns moradores do distrito.
1.2 Desconfiança serrinhense na implantação do sisal
Serrinha se destaca como uma das maiores produtoras de sisal do sertão baiano,
tendo sua produção concentrada no distrito de Barrocas. No período da implantação, a planta
não foi aceito pelas autoridades serrinhenses, segundo o escritor serrinhense Alves39, o poder
público achava que o sisal era uma planta que só poderia ser cultivada em locais que não
produzissem nada, por ter raízes que se espalham e procura meios para se sustentar,
absorvendo toda a seiva que esta nas proximidades. Enfatiza que onde há plantação de sisal,
nem uma outra cultura consegue sobreviver. Isso mostra todo o pessimismo das autoridades
serrinhense com relação à introdução da cultura do sisal. Porém, ele ressalta que o sisal será a
uma fonte de riqueza, mas que deve estudar com cautela os terrenos para efetuar o plantio.
37
Depoimento de Gilberto de Queiroz Brito, 55 anos, agricultor e vereador.
38
ALVES, Leopoldo, Serrinha Seca e Sisal. Salvador: Contemp., 1981, p. 152.
39
Idem, ibidem, p. 153.
26. 25
Por conta dessa desconfiança quanto ao futuro da cultura proposta pelo Governo
Federal para melhorar a situação de econômica dos nordestinos, é que Barrocas, por iniciativa
de seus moradores, abraçou esta planta, consolidando Serrinha como uma das maiores
produtoras de sisal da região.
Com a introdução do sisal cria um ambiente próspero para a vinda de novos
comerciantes.
Eu não tenho lembrança o ano mais logo que eu cheguei aqui em 66, 67, 68, 70, e
foi subindo ai, o sisal era muito. O povo todo trabalhando no sisal. Só se via roncar
motor, a noite toda e quando logo eu cheguei demorou pouco tempo, só se via
roncar motor à noite toda. Trabalhava de dia e de noite40.
Mesmo assim, por Barrocas pertencer ao território serrinhense, favoreceu muito na
arrecadação do município, dando a Serrinha por muitos anos o título de capital do sisal, apesar
de não ter desenvolvido a cultura do sisal em outras áreas do município e ter olhado com
desdém a plantação e reprodução das sementes do agave.
Com a estrutura já praticamente pronta para se transformar em uma cidade, começa a
luta por sua emancipação e, amparada pela Lei Estadual de nº 4.444 de 09 de maio de 1985,
perante a realização de plebiscito, Barrocas fica independente, elegendo como Prefeito João
Olegário de Queiroz e vice o senhor Josemir Araújo Lopes. Porém, a Lei Estadual que criara
o município desmembrando-o de Serrinha foi considerada inconstitucional em 1988, pelo
Supremo Tribunal Federal41. E Barrocas voltou a ser distrito de Serrinha.
Vale ressaltar que, os municípios que faziam fronteira com Barrocas: Teofilândia,
Araci, se uniram a Serrinha para acelerar o processo nos tribunais, com a causa ganha,
Serrinha teve de volta a posse das terras de Barrocas e é claro a arrecadação dos impostos,
dentre elas parte significante da verba da Vale do Rio Doce, empresa que explorava ouro nas
terras da Fazenda Brasileiro pertencente a Barrocas. A outra parte seria dividida entre os
municípios que faziam fronteira e participaram do processo.
Barrocas só veio conseguir sua liberdade em 2000, assistida pela Estadual nº 7.620,
de 30/3/2000, tendo como prefeito José Edilsom Lima Ferreira e vice Joseval Ferreira Mota,
os dois já representam o distrito pela câmera de vereadores de Serrinha. Com a emancipação a
cidade cresceu, o poder legislativo buscou melhorar o atendimento a saúde e educação,
construir as redes de esgoto, e também reformar as construções existentes. Nos povoados
40
Depoimento de Antonio de Oliveira Nunes, 70 anos. Comerciante desde a implantação do sisal no território
barroquense.
41
SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Evolução Territorial e Administrativa do
Estado da Bahia: Um Breve Histórico. Salvador: SEI, 2001, p. 105.
27. 26
calçou-os e construiu belas praças, ainda pensou no lazer da população com a edificação de
quadras esportivas e campos de futebol.
28. 27
Capítulo 2 - MEMÓRIA DOS BARROQUENSES NO PERÍODO DO SISAL
O sisal, também conhecido pelo nome de agave, é originário do México, foi
introduzido na Bahia por volta de 1900, pelo empresário Horácio Urpia Junior.
No porto da capital baiana chegaram mudas e sementes, em grande parte -
deterioradas – e houve um ínfimo aproveitamento. As mudas e sementes
aproveitáveis foram aproveitadas em terras de Maragogipe, regiões de condições
ecológicas desfavoráveis ao desenvolvimento da lavoura sisaleira. Fracassara a
experiência - a produção de fibras não chegara a lograr um mínimo de rentabilidade
que justificasse a expansão sonhada por Urpia42.
Logo na sua implantação o sisal não atendeu as expectativas financeiras, mais não
se sabe ao certo como foi a chagada das sementes até às terras do sertão.
Sob a mesma incógnita com que escapulira do México para a Flórida, sumira
de Maragojipe para viçar na vila de Santa Luzia, ornamentando o quintal do
professor Zé Barros, mestre de inúmeras gerações das terras de Joaquim de
Góis. Diziam que o professor recebera a muda “como presente de um amigo
de fora”. (Diziam), mas a notícia era vaga, sem qualquer identidade com
certeza43.
Diferente das outras localidades do sertão nordestino, em Barrocas esta planta tem
sua história contada pelos moradores e conhecem como foi sua chegada. “O sisal é uma
agricultura que predomina Barrocas desde 1947, quando chegou os primeiros pés de sisal aqui
no município, trazido por João Olegário de Queiroz44”.
Segundo o escritor Mota45, “O senhor João Olegário de Queiroz conseguiu trazer
num vagão de trem, as mudas que foram distribuídas entre seus amigos e correligionários
partidários”.
Uma versão interessante é do senhor Antônio Nunes. “Nós aqui, começamos a
plantar sisal logo cedo, fomos buscar pra lá de Serrinha, num sítio, tinha um campinho, fomos
buscar de carro de boi, com um motor, ai começou46”.
Percebe-se que os barroquenses depositaram esperança na chegada da planta e
apostaram que futuramente a seria uma fonte de renda para muitas famílias.
42
OLIVEIRA, Vanilson L. Conceição do Coité : A Capital do Sisal. Conceição do Coité: UNEB, 1997, p. 55.
43
Idem, ibidem.
44
Depoimento de Gilberto de Queiroz Brito, 55 anos, agricultor e vereador pela câmara de vereadores de
Barrocas.
45
MOTA, Pedro Silva. Piôio de Moto e as Relações Sociais no Trabalho da Extração da Fibra do Sisal (Tese de
Mestrado). Ilhéus: UESC, 2001, p. 11.
46
Depoimento de Antonio de Oliveira Nunes, 70 anos, comerciante desde a década de 60, foi dono de motor e
tinha plantação de sisal.
29. 28
2.1 Fim das cercas de gravatá
Na época da implantação do sisal, o território estava começando a delimitar sua
fronteira, ou seja, construindo suas divisas. As mesmas eram feitas com cercas de madeira ou
de gravatá, planta típica da caatinga nordestina. “Ingenuamente nutriam a intenção de
substituírem o gravatá comum nas divisões de pastos e de roças, plantando as mudas nos
valados47, em lugar das cercas de estacas ligadas com arame48”.
O escritor regionalista barroquense Mota comunga a mesma ideia. “Com o
aparecimento dos pés de sisal, este tipo de cerca (feitas com pés de gravatá) foi
gradativamente cedendo lugar para as carreiras de sisal. As valas que eram cavadas iam sendo
plantadas com pés de sisal, e em menos de uma década a planta estava presente em todas as
fazendas49”.
Inicialmente o sisal foi destinado à divisão das propriedades, ou seja, construção de
cercas, substituindo as antigas barreiras que eram de madeira ou gravatá. Esse processo
aconteceu, tanto nos outros municípios como em Barrocas.
A desconhecida árvore, apenas usada para delimitar roçados e que passara a ser
motivo de curiosidade por nivelar-se com os umbuzeiros no desafio ao rigor da seca,
não era o gravatá de que diziam coisas e inventaram histórias. Era um vegetal
sumarento, planta desértica que formava grande reservar de água em suas folhas e
que, na prática, multiplicava-se assexualmente pelos bulbinhos formados após
caírem as flores, e pelos rebentos que nasciam nos prolongamentos das raízes que se
abriam na superfície da terra50.
No intuito de implantar a cultura do sisal o governo incentivava os sertanejos.
Para estimular o plantio do sisal – além das mudas distribuídas gratuitamente –, A
Secretaria da Agricultura instituiu prêmios para os agricultores que plantasse sisal
no nordeste baiano. Esses prêmios vigoraram anos e ajudaram bastante a expansão
da cultura em nosso Estado. Com esses estímulos, iniciais, o sisal espalhou-se pelas
nossas terras semi-áridas51.
Provavelmente estes incentivos não chegaram até Barrocas, pois diante dos relatos
colhidos nem um trouxe esta afirmação, deixando claro que esta região, se transformou em
uma das maiores produtoras de sisal com seus próprios recursos.
47
Valado: vala rasa, guarnecida de tapume ou sebe, para proteger propriedade rural. XIMENES, Sergio.
Minidicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. São Paulo: Ediouro, 2000.
48
OLIVEIRA, Vanilson Lopes. Op. cit, p. 57.
49
MOTA, Pedro Silva. Piôio de Moto e as Relações Sociais no Trabalho da Extração da Fibra do Sisal . Ilhéus:
UESC, 2001, p. 70. [Dissertação de Mestrado]
50
ALVES, Leopoldo. Serrinha Seca e Sisal. Salvador: Contemp , 1981, p. 150.
51
LAGE, Creuza Santos; ARGOLO, João Lamark; SILVA, Maria Auxiliadora da (Org.). O sisal baiano: entre a
natureza e a sociedade: uma visão multidisciplinar. Salvador: UFBA, 2002, p. 15-16.
30. 29
Essa planta passa por um processo de crescimento considerado lento, até dar os
primeiros rendimentos. “O sisal ele plantado, ele demora cinco anos pra poder dar a primeira
produção e depois disso, todo ano pode tirar o sisal, desfibrar o sisal, que ele dar produção
todo ano”52.
Como se pode observar, no início da implantação da cultura do sisal, o plantio era
feito em pequena escala, e o trabalho do sisal realizava-se manualmente, com o auxílio do
farracho53, este serviço ocupava praticamente toda a família: homens, mulheres e crianças.
Isso, era possível por se tratar de uma atividade que não precisava de alta tecnologia e está
próximo dos afazeres domésticos, não alterava a rotina da família.
O uso do farracho surgiu como uma perspectiva de aproveitamento do sisal, já que o
governo não satisfazia a necessidade dos plantadores.
A concessão de crédito para a lavoura era praticamente inexistente.
Nenhuma tecnologia foi oferecida aos agricultores para compensar seu
esforço. Para extrair a fibra, o sertanejo recorreu à sua capacidade criativa:
inventou o farracho, instrumento rústico, rudimentar, que faz lembrar o
tempo da pedra lascada, mas que serviu para os primeiros desfibramentos,
até que foi substituído pelas máquinas atuais54.
O sertanejo como sempre homem valente, buscou formas de efetuar a colheita até
chegar um instrumento mais eficiente e substitui a sua criação.
2.2 A Chegada dos motores de Sisal
Como já foi mencionado, o desfibramento com o farracho era muito lento,
além de ocupar muitas pessoas não conseguia satisfazer a produção que estava em
desenvolvimento, uma vez que os campos se encontravam povoados de pés de sisal,
necessitava de máquinas mais rápidas para processar as fibras. “A principio, o sisal era
desfibrado em um farracho. Depois Téo comprou um motor a diesel, (máquina paraibana)
para melhor desempenho e comercialização do produto55”.
52
Depoimento de Gilberto de Queiroz Brito, 55 anos, agricultor e vereador pela câmera de vereadores de
Barrocas.
53
Uma espécie de guilhotina, instrumento manual arcaico construído por duas lâminas de ferro na parte inferior
e superior da lâmina continha um peso pra ajudar no desfibramento.
54
LAGE, Creuza Santos; ARGOLO, João Lamark; SILVA, Maria Auxiliadora da (Org.). O sisal baiano: entre a
natureza e a sociedade: uma visão multidisciplinar. Salvador: UFBA, 2002, pp. 16.
55
OLIVEIRA, Vanilson Lopes. op. cit., p. 59.
31. 30
Em Barrocas o primeiro motor, foi adquirido pelo senhor João Olegário de Queiroz,
distribuído para as pessoas interessadas no desfibramento do sisal, por conta do aumento da
produção. “As carreiras de pés de sisal se multiplicassem, tornando-se necessária a aquisição
do motor para desfibrar o sisal na vila de Barrocas, comprado pelo referido senhor João
Olegário56”.
O senhor Saturnino Francisco dos Santos, ex-dono de motor, foi funcionário de
armazém, atualmente aposentado, fala a forma encontrada pelos barroquenses para
comprarem os motores. “Vamos dizer assim: Eu precisava do motor. Dizia assim: Seu
Joaquim, eu quero comprar um motor pra botar gente pra trabalhar. Ele comprava pra mim e
eu ia pagando a ele por mês. Era assim, naquela época, eu comprei dois motor57”.
É perceptível o esforço das pessoas, que mesmo com estrutura financeira muito
baixa, queriam comprar as máquinas, por isso, buscavam os intermediários. “Uns compravam
os motor. Joaquim Otaviano comprou um bando. João Olegário também comprou. É,
comprava motor, porque o povo não pudia, não guentava não58”.
É interessante conhecer a forma que os agricultores tiveram para conseguir o motor
que desfibrava o sisal. João Pereira dos Santos, ex-dono de motor, agricultor, aposentado,
lembra com muito orgulho como adquiriu o seu equipamento.
O motor eu consegui com um ovo de piruá. Veio uma pessoa que tinha uma pirua
reprodutora, quando a piruá saiu já tinha botado um ovo. Um ovo só. Devolveu e eu
botei pra chocar ni uma galinha. Quando nasceu uma piruá. Até quando chocou uma
dúzia de pinto a metade foi macho. Ai eu vendi e comprei uma nuvia. Depois de uns
anos com as crias da nuvia eu vendir e cumecei a juntar. Juntei cum a safra de
farinha e feijão. Chegou a altura de comprar o motor59.
Com a compra dos motores de sisal na região houve um aceleramento de mão de
obra, gerando o processo seletivo do trabalho. “Tem o motor de sisal onde ele é desfibrado.
Trabalha dez pessoas mais ou menos, pode trabalhar com quatro ou com cinco, mais pra ter
uma produção boa geralmente tem que ter dez pessoas, trabalha-se cortando a palha o sisal60”.
O escritor Pedro Silva Mota61, assinala a introdução da máquina para desfibrar sisal
comparando-a a introdução do capitalismo no Rio de Janeiro analisada por Sidney
Chalhoub62, era necessário que a população se adaptasse a nova forma de trabalho, acelerar
56
MOTA, Pedro Silva. op. cit. p. 11.
57
Depoimento de Saturnino Francisco dos Santos, 73 anos, aposentado, ex-trabalhador do armazém.
58
Idem.
59
Depoimento de João Pereira dos Santos, 82 anos, agricultor, aposentado como agricultor, ex-dono de motor.
60
Depoimento de Gilberto de Queiroz Brito, 55 anos, agricultor e vereador pela câmera de vereadores de
Barrocas.
61
MOTA, Pedro Silva. op. cit. p. 12.
62
CHALHOUB, Sidney. Trabalho e botequim – Cotidiano dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. São Paulo:
Brasiliense, 1986, p. 15.
32. 31
para produzir. Pois, a lentidão atrapalharia o sistema capitalista que queria urgência em tirar
proveito com maior rapidez extraindo toneladas de sisal para a exportação, em contrapartida
impunha novos produtos, para que a centralização dos lucros se solidificassem de maneira
mais regular.
Com o surgimento das máquinas desfibradeiras, inicia a separação das equipes para
sustentar a necessidade do funcionamento da mesma, enquanto o farracho, ocupava toda a
família em uma só função, ela exigia que se dividissem e para cada um agora estipulou uma
tarefa: cortador, botador, residero, cevador e campeira.
Entre as pessoas que compõem o quadro de trabalhadores do motor de sisal está o
cortador, pessoa responsável por limpar os caminhos com um facão até chegar aos pés de
sisal. “Eu ia pela manhã para o motor, levava uma faca e lá cortava palha e outra pessoa vinha
atrás catando a palha pra levar pro motor. A tarde pegava o jegue com os ganchos63 ai enchia
as cargas de palha levava e eu na frente cortando e o outro atrás pegando e levando pro
motor64”.
O cortador como foi relatado era responsável pela primeira etapa do serviço para
que a máquina desfibradeira pudesse funcionar, precisa ser alimentada pelas folhas de sisal,
consequentemente é quem sofria as primeiras mazelas do trabalho. “É um pouco perigoso por
causa dos espinhos. A gente tinha que ter muito cuidado, porque a gente sabe que muita gente
perdeu até a visão naquele trabalho de cortar palha65”.
Dona Luiza Cardoso, aposentada e ex-cortadora de palha durante trinta anos reforça
sobre o risco e a atenção que tinha que ter no trabalho nos campos de sisal.
A cortação de palha rapaz, era arriscado. Minha sorte, eu nunca levei um corte. Pra
não dizer que eu não levei, uma vez eu tava cortando uma muda e o facão, pá! Quais
não sara mais. Negoço de corte nas mãos eu nunca levei. Mas furada braba, tinha
vez que furava aqui encimado do olho até hoje me a lembro, veio interrar aqui
dentro. Faltou nada pra eu perder a vista nesse dia, e era assim ou trabaiava ou num
tinha que trabaiar pra sobreviver66.
Os serviços nos campos de sisal era arriscado tinham de enfrentar os diversos tipos
de árvores, espinhentas e urticárias. Ainda temiam os animais que por conta da invasão no seu
habitat natural poderiam se manifestar como explica dona Maria Lima.
É muita cobra. Tinha muito mato, hoje num tem não. Naquele tempo fazia muitho
medo era cobra e gado. Sim abelha também, quando a gente imbaraçava,
marimbono, essas coisa tudo murdia a gente. A gente ricibia muita murdida de
63
Peça de madeira ou ferro que sustenta e divide a carga de burros, cavalos ou jumentos, metade para cada lado.
64
Depoimento de Maria Mota Lima, 61 anos, aposentada como lavradora e ex-cortadora de palha.
65
Idem.
66
Depoimento de Maria Luiza Cardoso, 72 anos, agricultora aposentada e ex-cortadora de palha.
33. 32
abelha e de marimbono que agente num via. Quando chagava aquelas moita de sisal
bem fechada, a gente achava que tava graúda ia pra perto cortar. Pra adiantar mais o
serviço. Quanto mais o sisal graúdo é que a gente aumentava mais. Quando a gente
via aqueles pé de paia que agente chegava perto e num olhava direito67.
Outras pessoas tinham uma visão mais branda sobre o trabalho nos campos de sisal,
apesar de lembrar algumas situações pavorosas.
Era tranqüilo. Só trabaiemo uma vez que nós levemo um susto. Eu mais Lolinha,
nos terminemo de cumer vamo deitar aqui um pouco, ai nos deitemo. Tinha um boi
deitado assim perto. Ai quando a gente tava deitada o boi levantou e eu peguei um
moinho de paia pra bater e o boi só fazia assim, e eu show boi, show boi. Lolinha
levantou do lugar e pipoquemo na carreira o boi tava arrinado. Ai esse boi partiu
doido e mais os outros animais não causava perigo não. Uma que cobra não gosta de
sisal, mais era umas ferradas de marimbondo, era o diacho68.
Acompanhado pelo cortador está o cambiteiro. “É quem bota o sisal nos animais, que
são os jegues que transporta essa palha da roça para o pé do motor69”.
É interessante notar o zelo das pessoas que cortavam a palha com seus companheiros
responsáveis pelo transporte até o motor, conhecido por botador ou cambiteiro.
Pra nossa segurança. Também porque realmente que eu não cortasse os espinhos ele
ia passar por dentro dos espinhos e poderia ser prejudicado. Se furava e era furada
de um canto, furada de outro, furava no meu pé. Ai a gente demorava mais, mais
fazer o caminho bem feito pra gente entrar, naquele lugar. Principalmente pra jogar a
palha embaixo, se não quando ia pegar a palha furava as mãos e se furasse as mãos
não pudia trabalhar. Então impatava ele, ai parava. Se não tivesse o tropero, se ele
tivesse duente, eu também num pudia cortar palha que num tinha quem pegasse a
palha, porque eu sozinha não pudia fazer o trabalho, eu cortava tinha que ter quem
botava70.
Os próprios cortadores reconhecem os transtornos no trabalho de seus companheiros.
“Sim tinha inchu, tinha abelha, murdia os animais e ai pronto, era paia pro todo lado. Num
sigurava nada, na hora que murdia71”.
Em alguns momentos os transtornos do cambiteiro se transformavam em diversão
para os próprios trabalhadores dos campos de sisal.
Tinha animal que tinha de ser duas pessoas, um sigurando porque gostava de jogar
upa, derrubava a carga, quando era na hora, tinha que ter uma pessoa sigurando
mermo, uma pessoa sigurando o cabresto, ai se num fosse duas pessoas realmente,
num conseguia sigurar o animal, ele era muito brabo. Mais num tinha outro, as vez
num tinha outro, o jeito era pegar esse animal mesmo, muitas vezes quando agente
tava ali perto dava risada, os animal tinha uns que era muito brabo, realmente agente
pidia o dono trocava72.
67
Depoimento de Maria Mota Lima, 61 anos, agricultora aposentada e ex-cortadora de palha.
68
Depoimento de Maria Luiza Cardoso, 72 anos, agricultora aposentada e ex-cotadora de palha.
69
Depoimento de Gilberto de Queiroz Brito, 55 anos, agricultor e vereador pela câmera de vereadores de
Barrocas.
70
Depoimento de Maria Mota Lima, 61 anos, agricultora aposentada e ex-cortadora de palha.
71
Idem.
72
Depoimento de Maria Mota Lima, 61 anos, agricultora aposentada e ex-cortadora de palha.
34. 33
Além de enfrentar as furadas nos campos dentre outros perigos, ainda era exigido do
cambiteiro um preparo físico.
Cambiteiro, carregador ou botador, de palha, estava fazendo parte de um grupo que
desempenhava uma tarefa que exigia um deslocamento constante entre o campo e a
máquina, e boa flexibilidade da coluna vertebral para está sempre dobrando o corpo
para apanhar a folha e colocá-la no jumento. Por necessitar de muito esforço físico e
rapidez, preferiam-se os adolescentes e crianças73.
O escritor Mota, afirma que as folhas são ácidas trazendo como conseqüência
ferimentos nas unas e sangramentos nas mãos dos carregadores74.
O senhor Américo resume em poucas palavras. “Meu pai começou a me abusar,
depois comecei a botar palha, é um sofrimento, é brincadeira?”75.
Observa-se que no geral o trabalho era dividido por sexo e faixa etária, os rapazes se
responsabilizavam pelo transporte da palha até os motores, as mulheres pelo corte. Ocorreram
algumas exceções, que não passaram despercebidas pelas companheiras.
Delas que até que botava também mais eu num me acostumei muito cum botação de
paia não, quando agente ia arrochar a carga de paia caia. Eu num gostava daquele
trabaio não. Tinha gente que baxava e pegava tudo de novo (risos), tinha muler que
era muito inteligente pra botá paia76.
Depois de percorrer os campos até a máquina desfibradeira, outro trabalhador se
encontrava a espera para continuar o processo das folhas. “O resideiro é quem tira o resíduo.
É quando desfibra o sisal. O resíduo se acumula embaixo do motor onde tem as tábuas e o
resideiro é quem tira esse resíduo pra ir caindo outros consequentemente”77.
É interessante lembrar a cansativa tarefa do resideiro, o qual passava por volta de
quatro horas executando várias funções, para que o motor de sisal pudesse funcionar. “O
resideiro é uma espécie de auxiliar do sevador, supria a banca de palha, para ser desfibrada,
pesava as folhas, pesava as fibras, decorava a quantidade produzida e refrigerava o motor com
água”78.
Depois das folhas de sisal serem desfibradas eram colocadas uma espécie de mesa
feita de varas conhecida como banca, onde o resideiro as amarrava em pequenas quantidades
conhecidas por bonecas e em seguida pesava-as. O serviço seguinte era realizado pelo dono
do motor, pela própria campeira, ou crianças na maioria das vezes, que colocavam nos
73
MOTA, Pedro Silva. Piôio de Moto e as Relações Sociais no Trabalho da Extração da Fibra do Sisal (Tese de
Mestrado). Ilhéus: UESC, 2001, p. 30.
74
Idem, ibidem, p. 39
75
Depoimento de Américo, mutilado no motor de sisal (nome fictício).
76
Depoimento de Maria Mota Lima, 61 anos, agricultora aposentada e ex-cortadora de palha.
77
Depoimento de Gilberto de Queiroz Brito, 55 anos, agricultor e vereador pela câmera de vereadores de
Barrocas.
78
MOTA, Pedro Silva op. cit. p. 71
35. 34
ganchos. A partir daí são carregados pelo jegue levando-as para o campo de estender, onde a
campeira as espalha em uma espécie de varal feito de arame liso e varas fincadas ao chão, pra
secar e depois de secas serem levadas para o armazém.
A tarefa do sevador também não é fácil. “O maior responsável pelo desfibramento.
Ele vestia-se de roupa de saco de mangas compridas, vestia luvas de borracha e amarrava
sobre a cintura uma esteira, para proteger-se do resíduo e da coceira provocada pelo ácido”79.
Além do peso do fardamento usado pelo sevador, era o que corria mais risco no
trabalho do sisal. “O batedor é que é a profissão mais difícil a mais perigosa que é aquele que
coloca a palha na boca da máquina, né, e também conseqüentemente é quem ganha mais, é
que é melhor remunerado no trabalho do sisal. Esse trabalho é feito, ele trabalha quatro
horas”80. O entrevistado lembra que depois de quatro horas sem intervalos para descansar o
trabalhador não tinha condições físicas de continuar e tinha que vir outro lhe substituir.
Porém, no geral eles não descansavam, pois, era uma profissão que nem todos queriam. Então
os que se arriscavam no serviço às vezes trabalhavam em mais de um motor de sisal, por isso,
paravam no almoço e depois retornavam pro mesmo ou para outro motor.
Estes profissionais passam quatros horas de esforço colocando as folhas na boca da
maquina e puxando-as em seguida, é nesta luta incessante contra a máquina que muitos
perdem a mão, dedos ou parte do braço. “Essas mutilações sempre foi freqüentes no trabalho
do sisal. Desde o início que acontecia muitas mutilações. Depois as pessoas foi ganhando
mais experiência. Foram tendo mais cuidado”81.
Quem viveu a experiência de ter uma parte do corpo decepada pala máquina fala do
momento de desespero. “Um dia de quarta-feira. Ia bem do meu trabaiano, trabaiano. Ai me
acidentei. O residero correu, correu. Deixou eu só. Ai rastei a mão assim, quando rastei eu cai
assim. Rasguei as costas aqui ó. O motor ficou lá rodano. O residero correu não teve
corage”82.
Um dos mutilados pelo motor de sisal que participou do trabalho do escritor Mota,
conta suas dificuldades depois do acidente, coloca que estava prestes a casar e por conta disso,
a noiva terminou o casamento, porém, pouco tempo depois ele se casou com outra mulher.
79
MOTA, Pedro Silva. Piôio de Moto e as Relações Sociais no Trabalho da Extração da Fibra do Sisal (Tese de
Mestrado). Ilhéus: UESC, 2001, p. 74.
80
Depoimento de Gilberto de Queiroz Brito, 55 anos, agricultor e vereador pela câmera de vereadores de
Barrocas.
81
Idem.
82
Depoimento de Américo, mutilado pelo motor de sisal, aposentado como operário da construção civil (nome
fictício).
36. 35
Conseguiu se aposentar e montou um comércio onde mora. Mesmo com um braço trabalha na
roça e executa outras atividades, porém reconhece que seu desempenho é muito limitado83.
Diante das limitações perpassadas pelo mutilado do motor de sisal, mesmo assim ele
reconhece o valor do cultivo dessa planta para o povo barroquense é o que relata o Sr.
Narciso. “A dificuldade é a limitação pra sobreviver. Tenho boa vontade pra fazer as coisas e
não posso. Sisal representa ajuda pra população mais fraca. Só me preocupei no dia do
acidente”84.
Além de enfrentarem a dura realidade de perder parte do corpo, muitos ainda
sofreram com a desilusão de não serem atendidos pelos INSS, como falou ressentido o Sr.
Américo, que ao chegar do Hospital recebeu a notícia de que só com a metade da mão não se
aposentaria. Dando a entender que o acidente não era tão grave assim. Desolado, contou com
a ajuda de amigos que o aposentaram como trabalhador da construção civil85.
Neste momento que ocorria um acidente não se pode negar o papel do dono do
motor, na maioria dos casos sustentavam a família do acidentado, fornecendo a cesta básica
todas as semanas. Muito deles se sensibilizavam com a situação e entregavam o motor para
que a pessoa tomasse conta até conseguir se aposentar. “Comigo ele fez tudo. Eu não vou
mentir. Ele me deu o motor. Ele me deu apusso, chorando. Deus me ajuda e eu vou chegar o
que eu quero e me ajudou. Olha ai, ele me dava a fera. Eu não posso mentir. Ele parou de me
ajudar depois que eu me aposentei”86.
Não era só os batedores que recebiam ajuda quando precisavam, os outros
trabalhadores também foram atendidos em alguns momentos. “Quando qualquer trabalhador
se acidentava eu dava a fera até ele ficar bom. Nunca aconteceu de cortar braço essas coisa
assim, mas quando se cortava cum faca ou facão, as vez furada. Eu dava a fera toda
semana”87.
Tinham donos de motores de sisal que não se comprometia com seus trabalhadores
quando se acidentavam. “E eu tinha um custume de inficar o facão atrás de mim. Pisei numa
toca de furmiga. Dei um açoite no pé. O facão caiu com o corte pra cima e eu pisei. Ai eu sei
minha fia que o corte do facão entrou aqui. Só faltou sair aqui. Ai agora veio eu caminhando
assim mermo”88. Ela ainda afirma que trabalhou o resto da tarde com o pé enrolado em panos,
83
MOTA, Pedro Silva. op. cit. p. 95.
84
Idem, ibidem, p. 99
85
Depoimento de Américo, mutilado pelo motor de sisal, aposentado como operário da construção civil (nome
fictício).
86
Idem.
87
Depoimento de João Pereira dos Santos, 82 anos, agricultor, aposentado como agricultor, ex-dono de motor.
88
Depoimento de Maria Luiza Cardoso, 72 anos, agricultora aposentada e ex-cortadora de palha.
37. 36
apesar do campo de sisal ser muito distante de sua casa teve quer ir embora caminhando e
com o pé sangrando.
Lembra também a admiração das pessoas ao encontrá-la se sustentando em um pé, e
o repúdio a atitude ao dono do motor.
A senhora não achou nem uma carroça pra vim lhe trazer? De quem era o motor? E
ele não falou nada deixou a sinhora vim assim? Ou, ele não importou, eu também
num ia ficar adulano. Nesse tempo também num tinha transporte, mas se ele se
interessasse tinha dado quarquer jeito89.
A senhora Maria Mota Lima também lembra com resignação o tratamento dos donos
dos motores de sisal quando alguém se acidentava, pois no momento em que cortou o pé com
o facão quando roçava para abrir o caminho para o botador apanhar a palha, passou uns
quinze dias sem trabalhar, neste período não recebeu nem uma ajuda do dono do motor, por
conta disso, sua família passou por dificuldade, a situação não se complicou mais por que seu
esposo, também trabalhador no motor de sisal garantiu o sustento da casa.
O dono do motor também passa por situações difíceis, os trabalhadores estão sobre
sua responsabilidade, tinha que abastecer o motor com o combustível, anotar a produção do
motor, destacando o quanto cada trabalhador havia conseguido produzir na semana, nos fins
de semana apanhar a sisal que a campeira estendia de terça-feira a sábado. Eu como filha de
dono de motor não conto às vezes em que meu pai me acordou aos domingo cedinho para
ajudá-lo a pegar a fibra e colocá-la dentro de casa.
Por conta desse compromisso é que muitas pessoas preferiam serem trabalhadores
nos campos de sisal a se responsabilizar pelo motor.
Que a gente cum o motor da gente mermo, é o trabalho é a semana toda, nem
discansa, nem sábado nem dumingo, qui os dias de panhar fibra é os dias pior. É
sábado e dumingo e sigunda, é os dias pior que a gente se ocupa, tem que ta cedo no
campo pá panhar fibra, quando era im casa era perto mais quando era no campo dos
outros, ai eu num tinha discanso quando eu, foi uma coisa que eu num gostei muito,
foi da gente pussuir motor, eu prifiria trabalhar no motor dos outros90.
Pode se perceber que as atribuições do dono do motor eram muitas causando
desinteresse a algumas pessoas em possuí-lo.
2.3 Mutilados do sisal
89
Idem.
90
Depoimento de Maria Mota Lima, 61 anos, agricultora aposentada e ex-cortadora de palha.
38. 37
Uma das preocupações para dono do motor era quando adoecia um dos seus
trabalhadores. Apesar de nem todos cumprirem com as responsabilidades nesse momento
muitos deles forneciam a cesta básica durante a semana, outros pelo fato das condições
financeiras serem iguais aos trabalhadores, a alternativa era entregar sua fonte de
sobrevivência para o acidentado. Passando nesse momento a ser trabalhador do mutilado.
Essa era uma forma de tentar indenizar a pessoa mutilada.
O número de mutilados no motor de sisal é muito grande nesta região.
Desde a expansão da cultura do sisal na Bahia, em 1944, dois mil trabalhadores
rurais da microrregião de Serrinha e oitocentos em Valente e Santa Luz foram
mutilados quando utilizavam os rudimentares motorzinhos ou máquinas paraibanas
para desfibrar as folhas de sisal91.
No geral são pessoas que perderam dedos, mão e braço. Nesse momento a lei não
ampara as pessoas que sofriam esses tipos de mutilações. Só teria direito a indenização quem
perdesse os dois membros.
Em setembro de 1983, através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, os mutilados
do sisal se reuniram para lutar por uma aposentadoria. A partir as manifestações
continuaram a acontecer e, finalmente em 1984, foi criado um dispositivo para o
motorzinho, que diminuiu sensivelmente o problema92.
Depois de muito tempo e lutas ocorreram mudanças na lei e a maioria dos mutilados
conseguiu a aposentadoria.
2.4 Os períodos de seca
Como é do conhecimento de todos, o sertão semi-árido viveu alguns anos de seca e o
sisal sofreu com a estiagem, secando suas folhas, impendido os trabalhadores de continuarem
suas atividades e consequentemente prejudicando a renda de suas famílias.
Foi um período muito ruim, onde nós tivemos até seca, que nós tivemos que
sair daqui para outras regiões como: Juazeiro, Campo Formoso. Eu mesmo
levei daqui, onze motores de sisal, saiu daqui comigo 110 pessoas, onde lá
nos passamos o ano, a estiagem aqui foi forte”93.
91
LAGE, Creuza Santos. op. cit. p. 37.
92
Idem, ibidem, p. 42
93
Depoimento de Gilberto de Queiroz Brito, 55 anos, agricultor e vereador pela câmera de vereadores de
Barrocas.
39. 38
Os períodos de seca atormentavam a massa que sobrevivia da cultura do sisal, todos
sofriam, famílias tinham que se separar para seguir junto com os motores, os homens
acompanhavam para não ficarem parados, as mulheres ficavam sem trabalhar, por que a
maioria era mãe de família e não se sentiam seguras em viajar e deixar seus filhos.
Uma vez nois, eu ia trabaiá. Juãozinho tratou um sinsá pra trabaiá, ai pro lado do
Morro do Chapéu. Lisboa tava cum um ano e sete mês. Ai ficou eu maginano se eu
levava o minino ou não. Se eu levar o minino eu tenho que levar a minina. Num
presta, quer dizer que o diero que eu ganhá é quase a conta da gente cumer lá, num
dá pra trazer pra casa. Quando é no dia da viage o minino maiece vermeio de febre e
todo inchado, eu digo num vou num vou não94.
O comércio também sentia uma forte queda no período das estiagens, crescia a
inadimplência pôs a falta da renda do sisal não ajudava a população a pagar as contas.
“Quando a produção era piquena, também o comércio caia e o dinheiro circulava entorno
mais da produção do sisal”95.
Outro comerciante também tem as mesmas lembranças do período da seca. “Na seca
só faltava quebrar todo mundo. Quando os motor parava, parava o comércio todo, todo”96.
Este impacto no período das secas ocorria por falta de políticas públicas que
amparasse o produtor rural quando seu sustento estivesse comprometido e não tivesse como
produzir. “O grande período de seca 1979, 83, 84, 87e 93 revelou a falência dos programas e a
permanência da vulnerabilidade da região aos riscos climáticos”97.
É certo que o governo havia tentado diminuir o flagelo no sertão recuperando as
chamadas “frentes de trabalho”, concentração de trabalhadores desempregados que recebem a
metade do salário mínimo para a construção de obras – açudes, estradas, pontes, etc. Estas
frentes de trabalho não conseguiam empregar todos os trabalhadores do motor de sisal. Além
do mais demorava meses para ser efetuado o pagamento, deixando tanto a população quanto o
comércio desolado.
É bom saber que quando as chuvas estavam de volta ao sertão nordestino tudo
voltava ao normal, havia o plantio de milho e feijão, dentre outros, os motores funcionavam,
trabalhadores pagavam suas dívidas e o comercio se revitalizava.
94
Depoimento de Maria Luiza Cardoso, 72 anos, agricultora aposentada e ex-cortadora de palha.
95
Depoimento de João Geovalter Ferreira Mota, 65 anos, comerciante.
96
Depoimento de Antonio de Oliveira Nunes, 70 anos, comerciante desde a década de 60, foi dono de motor e
tinha plantação de sisal.
97
SEI, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Impacto da seca de 1993 no Semi-Árido
Baiano – Caso de Irecê. nº51. Salvador: SEI, 2000, p.27.