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1
“TEM BRANCO NA GUMA”:
A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira
Taissa Tavernard de Luca
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ANTROPOLOGIA
“TEM BRANCO NA GUMA”:
A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira
Por
TAISSA TAVERNARD DE LUCA
BELÉM
2010
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ANTROPOLOGIA
“TEM BRANCO NA GUMA”:
A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira
TAISSA TAVERNARD DE LUCA
Tese de doutorado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal do Pará,
como requisito parcial para a obtenção do
titulo de doutor em Ciências Sociais, com
ênfase em antropologia, sob a orientação da
Profª. Drª. Marilu Márcia Campelo e co-
orientação do Profº. Dr. Aldrin Moura de
Figueiredo.
Belém
2010
4
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)
Luca, Taissa Tavernard de
Tem Branco na Guma: a Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira / Taissa
Tavernard de Luca; orientadores, Marilu Márcia Campelo e Aldrin Moura de Figueiredo. -
2010
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Belém, 2010.
1. Cultos afro-brasileiros - Belém (PA). 2. Religião - Influências africanas. 3. Religião e
sociologia. 4. Mito. I. Título.
CDD - 22. ed. 299.6098115
5
“TEM BRANCO NA GUMA”:
A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira
Por
TAISSA TAVERNARD DE LUCA
Tese submetida à avaliação, como requisito parcial para a obtenção do título de
Doutor em Ciências Sociais.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Orientadora: Profª. Dra. Marilu Márcia Campelo
Universidade Federal do Pará – UFPA
______________________________________________
Co-orientador: Profº Dr. Aldrin Moura de Figueiredo
Universidade Federal do Pará - UFPA
____________________________________________________
Examinador Externo: Profº Dr. José Flávio Pessoa de Barros
Universidade Cândido Mendes – UCAM
_________________________________________________
Examinadora Externa: Profª Dra. Mundicarmo Ferretti
Universidade Federal do Maranhão – UFMA
___________________________________________________
Examinador Interno: Profº Dr. Raymundo Heraldo Maués
Universidade Federal do Pará – UFPA
______________________________________________________
Examinadora Interna: Profª Dra. Maria Angélica Motta Maués
Universidade Federal do Pará – UFPA
6
Ao Professor Arthur Napoleão
Figueiredo (in memorian), pai
fundador de minha linhagem
acadêmica, que neste dia 26 de março
completaria 87 anos de vida.
7
AGRADECIMENTOS
Este é, sem dúvida, o momento mais gostoso de ser escrito: o de agradecer aos
outros atores da difícil tarefa que é produzir uma monografia. A primeira coisa a ser dita
é que absolutamente ninguém consegue esse feito sozinho. Sempre existe uma equipe
enorme que guia, abre clareiras no caminho, constrói atalhos, joga pedaços de pão para
que o andarilho não perca o rumo, atira as pedras, escuta as lamúrias, ensina a limpar a
estrada, incentiva a retomada e aplaude a missão cumprida. Comigo não foi diferente.
Por isso faço uso deste espaço para literalmente “dar a Cézar o que é de Cézar e a Deus
o que é de Deus”.
É justamente a Ele, a quem me curvo inicialmente. Ao meu Deus de todos os
nomes, de todas as cores e de imensa justiça a Quem eu amo arrebatadoramente, com o
meu jeito de eterno filho pródigo. Só posso dizer: - Tudo que sou devo a Ti, que me
trouxestes ao mundo, me destes muitas agruras e alegrias dobradas. Obrigada pelo dom
que é a minha vida, pela Tua presença constante até quando a minha pequenez não
conseguiu Te enxergar, por teres plantado flores em meu caminho, aberto todas as
portas e distribuído sorrisos por onde eu passei. Obrigada por ter me feito acompanhar
apenas de pessoas boas e afastado um a um todos os inimigos, por ter me segurado nas
tantas vezes que caí e me afagado quando me esvaí em lágrimas. Obrigada por me
permitir estar aqui para vivenciar essa alegria. Os méritos são todos teus, eu só fui teu
instrumento torto.
Feito este agradecimento, devo dizer que sou uma pessoa de muitos “Cézares”
portanto não posso, de forma alguma me esquecer de nenhum deles. Iniciarei pela
família que é sempre o esteio de tudo.
Ao meu pequeno Antônio, presente divino, luz resplandecente, razão do trocar
de dias, consolo na tristeza, esperança no cansaço, acalanto nas lágrimas, companhia na
solidão, fonte de amor inesgotável, pedaço de mim mais bonito, agasalho do universo
no meu colo. Que bom te ouvir me chamar de mãe!!!!
8
A minha mãedrinha Inha Io (para os outros Ilze), meu esteio, meu alento, meu
porto. Entrego-lhe aqui o resultado final de minha trajetória acadêmica materializado
nesta brochura. É uma forma de dizer muito obrigada por ter segurado as mãos daquela
criança pequena e a trazido até aqui, mesmo com todas as minhas ausências. Entrego
também a minha gratidão pelo amor incondicional com que me afagou por todos os
momentos, pela atenção e o companheirismo do cotidiano e pelos silêncios de
reprovação. Entrego, principalmente, tudo o que me tornei. Perdão se não pude retribuir
a altura seu esmero em zelar por mim, mas este é o resultado do que pude construir
olhando para senhora e dizendo: - Um dia quero ser assim!!!! Eu lhe amo com todo meu
coração.
Aos meus pais Beto e Vera e à minha irmã Tainá pela certeza de pouso certo,
não importa quão longe eu esteja do ninho.
A minha irmã Gabi, meu cunhado Marco e meus sobrinhos Pedro e Aimê que
apesar de tão distantes, em função dos afazeres cotidianos, tiveram um papel fenomenal
em minha vida: o de resgatar “aquele tempo em que toda modinha só falava de amor”.
A Minha Yó querida, avó melhor do que a de todos os contos de carochinha,
com direito a guloseimas, muito carinho, preocupação demasiada e é claro, puxão de
orelha. Sempre disposta a “abrir mão do sol de cada dia para acompanhar minha
solidão”. Não se esqueça de nosso trato: - Tá proibida de morrer antes de mim.
Ao meu avô Mário (in memorian), meu exemplo de integridade. Agradeço por
ter sido mais do que duplamente pai, como são todos os avôs. Obrigada pela riqueza do
afeto que me destes e que ainda dás nos devaneios que faço “a aurora de minha vida”.
Agora sei que “minha infância foi muito mais querida” por causa de ti. Que pena que os
anos não te tragam mais para plantarmos juntos novas árvores no velho quintal! Que
pena que nem o quintal com as árvores eu tenha mais! Que pena que sequer possa
regressar a gravioleira onde dissestes que estarias sempre que eu precisasse de ti!
Preciso de ti para pedir perdão por não ter tido noção da amplitude de tua importância a
tempo. Por não ter tido mais tempo para simplesmente te escutar, ou maturidade para
me jogar com mais leveza em teu abraço. Olha vô, já olhei debaixo dessa mesa quando
cá cheguei e não tem ninguém que vá me fazer mal. Pode dormir sossegado, que meu
9
“caminho ainda está ladrilhado com as pedrinhas de brilhante que jogastes na minha
vida”, lá atrás, ao balançar a minha rede.
Aos meus tios Marises, Yeda e Pedro; as minhas joias; por terem aguentado
todos os trancos e ainda estarem sempre a disposição para me escutar, cada um do seu
jeito. Uma com a sua natureza maternal tipo avental, “só um pouquinho sujo de ovo”.
Outra, toda modernosa, “estilo rock in roll, meio no sense”. O último...
O terceiro é meu ícone, meu exemplo, meu amor. Aquele que nunca é bandido.
A gente cresce e continua sendo herói, mesmo se errado. É no seu colo que eu posso,
literalmente despejar toda a minha insegurança e a segurança também.
A prima Kamilla que mesmo de outras plagas, sempre volta a pasárgada com
carinho de quem foi embora ontem a noite.
A minha querida Dane, pela credibilidade no potencial desta tese e pela ajuda no
árduo processo de correção e entrega da versão final.
Ao Geraldo pela companhia durante a jornada de elaboração dessa tese, pelas
belas fotos cedidas e pela amizade.
Aos meus orientadores e amigos Marilu Márcia Campelo e Aldrin Moura de
Figueiredo por terem acreditado em meu projeto de pesquisa. Pela orientação e pela
paciência em respeitar minha carga horária de trabalho excessiva. Pela credibilidade no
fim desta tese mesmo com meus prazos alargados. Pela disposição em me atender nas
parcas horas de folga. Pela amizade que nunca se confundiu com profissionalismo e
pelo jeito meio Iemanjá e Xangô (RESPECTIVAMENTE) de dar bronca.
Aos queridos João Simões Cardoso e Mário Lima Brasil que me aceitaram em
suas pesquisas quando a única contribuição que eu lhes tinha a dar era a minha vontade
de aprender.
10
Aos professores do PPGCS, Raymundo Heraldo Maués, Maria Angélica Motta
Maués, Carmem Izabel Rodrigues, Wilma Leitão, Denise Cardoso, Kátia Mendonça e
tantos outros pelos preciosos ensinamentos e pela atenção com que têm recebido meus
trabalhos em ocasião de congressos e apresentações.
A professora Zuleide Cortês, diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental
e Médio Camilo Salgado, onde trabalho, pela compreensão infinita e pela disposição em
me ajudar a equacionar meu tempo para viabilizar a conclusão desta missão.
As queridas Elisa, Érica, Simone e Márcia que, em momentos alternados,
cuidaram da minha vida para que eu pudesse me dedicar à tese.
Aos amigos Leo, Daniel, Gonçalves, Mônica, Luzanira, Gabi, Célia, Ana
Cláudia, Regina, Ilka, Ângelo, Andréia, Marisinha, Tatiane, Joana – e tantos outros -
pelo carinho, a preocupação e a companhia.
A minha turma de doutorado formada por pessoas especiais que vão ficar
sempre no meu coração Daniel, Angélica, Renata e Renilda pelas discussões aquecidas
sobre teoria e política.
Aos funcionários do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal do Pará, Rosângela, Paulo e ao saudoso Seu Elói sempre
constantes ao longo de minha trajetória acadêmica.
Especialmente:
Ao povo-de-santo da capital paraense pelo carinho com que têm me recebido e
pelas lindas entrevistas concedidas sempre de forma paciente. O envolvimento com
essas pessoas me trouxe alegrias profissionais e pessoais.
11
Muito Especialmente
A minha querida Professora Anaíza, desta filha-de-santo que possui carinho,
gratidão, orgulho e fidelidade quase africana de quem respeita incondicionalmente o
antepassado. Estou aqui trazendo os louros de sua missão cumprida. Filha feita, criada,
raspada, catulada, empossada com alto posto hierárquico, capaz de dar continuidade a
família, mas que jamais deixará de prostrar-se diante de quem primeiro colocou a mão
em sua cabeça. Esforcei-me em dar certo, professora, para tentar retribuir com esmero
todos os seus esforços e sua credibilidade. Os defeitos são inteira responsabilidade
minha.
12
RESUMO
A presente tese tem por objetivo apresentar o panteão da religião de matriz
africana mais antiga de Belém do Pará: a mina. Analisa principalmente uma categoria
de entidades denominadas, senhores de toalha ou nobres gentis nagô. São reis ou
aristocratas europeus que possuem ligação com o processo de cristianização da Europa,
expansão marítima e colonização do Brasil. Neste sentido, recupera parte da história de
vida desses personagens na tentativa de entender a construção mítica e a lógica interna
do processo de divinização dos mesmos. Procura também, apontar valores que estão
subjacentes a todas as narrativas dentre os quais destaca o simbolismo da branquidade.
Palavras Chave: Religião Afro-Paraense, Mina, Mito, Símbolo e
Branquidade.
13
ABSTRACT
This text aims to present the pantheon of the mina religion– the most
traditional african-matrix religion in Belém, capital of Para State, in northern Brazil. It
essentially analyzes a category of entities called senhores de toalha (gentlemen in
Towel) or nobres gentis nagô (noble gentle nagô), european kings and aristocrats
connected to the process of christianization in Europe, its naval expansion and the
colonization of Brazil. Therefore, it discusses parts of the characters history, in an
attempt to understand the mythic construction and the internal logic of their process of
divinization. Finally, this work indicates the values that are correlated to all of these
narratives, in which the symbolism of witeness is highlighted.
Keywords: African-Para religion, Mina, Myth, Symbol, Witeness.
14
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Categorias de Divindades 66
Quadro 2: Categorias de Encantados 66
Quadro 3: Hierarquia do Panteão de Acordo com os Descendentes dos
Mineiros de Primeira Migração
73
Quadro 4: Hierarquia do Panteão de Acordo com os Mineiros de
Segunda Migração
74
Quadro 5: Dinastias que Governaram Portugal 82
15
SUMÁRIO
Resumo XI
Abstract XII
Lista de Imagens XIII
Lista de Tabelas XIV
Sumário XV
INTRODUÇÃO: UM PROJETO METAMÓRFICO 16
CAPÍTULO 1: O PESQUISADOR RECEBENDO O DEKÁ 25
1.1. Formas de Interpelar um Campo Eclético 33
CAPÍTULO 2: VERSÕES SOBRE A MINA DO PARÁ 41
2.1. Do Olhar Por Sobre os Ombros ao Estabelecimento do
Campo de Estudo
41
2.2. Das Primeiras Pesquisas até os Dias de Hoje 45
CAPÍTULO 3: UMA MINA DE DIFERENTES VERTENTES 56
CAPÍTULO 4: A NOBREZA PORTUGUESA MONTOU CORTE NA
ENCANTARIA
80
4.1. Dom Manuel: o Rei do Mundo 93
4.2. Rei Sebastião: Ele é Pai de Terreiro 100
4.3. Dom José o Rei Posto por Marquês de Pombal 122
4.4. O Navio de Dom João Vem Ocupar o Brasil 136
CAPÍTULO 5: AS DINASTIAS ESTRANGEIRAS: UMA AMEAÇA
EMINENTE Á SOBERANIA NACIONAL PORTUGUESA
145
5.1. As Várias Faces de um Rei Francês que Migrou para o
Maranhão
147
5.2. Dom Miguel da Gama: o Tubarão Espanhol da
Soberania Nacional Portuguesa
157
CAPÍTULO 6: O MITO E O SÍMBOLO: A CONSTRUÇÃO DE
UMA IMAGEM DE BRANQUIDADE
167
6.1. A Imagem da Branquidade 175
16
6.2.O Simbolismo da Pedra 188
6.3.O Simbolismo da Água 194
6.4.O Simbolismo Animal 200
CAPÍTULO 7: POR UMA SOCIEDADE DE CORTE NOS TERREIROS
DE BELÉM
205
CONSIDERAÇÕES FINAIS 225
GLOSSÁRIO 229
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 248
17
INTRODUÇÃO: Um Projeto Metamórfico
Nesta breve introdução, se eu pudesse classificar meu trabalho, diria tratar-se de
um projeto metamórfico. A primeira proposta, apresentada ainda no exame de seleção
para o programa de doutorado possuía traços bem diferentes do atual.
Chamado inicialmente de “As Religiões Mina de Belém do Pará: Reflexões
sobre a construção da Tradição”, pretendia enfocar as diversas vertentes de ritual mina1
praticadas em Belém do Pará e tidas, tanto por religiosos quanto por pesquisadores
locais, como tradicionais.
A ideia de fazer um trabalho que discutisse essa tradição religiosa no Pará, não é
recente. Surgiu em meio a minha monografia de conclusão de curso de História na
UFPA, (Luca, 1999). Com esse projeto de pesquisa fui aprovada no Programa de Pós-
Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco em nível de
mestrado mas não cheguei a desenvolvê-lo, em função do tempo exíguo fornecido para
a confecção de uma dissertação.
Sendo assim, a proposta foi devidamente engavetada por mais ou menos cinco
anos. Passou por atualização no que tange às informações de campo e reforço dos
marcos teóricos para ser usada na seleção para o curso de doutorado, prestada junto ao
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará em
2005.
Interessava-me saber como uma vertente de culto maranhense passou a ser
reconhecida tradicional no Pará, em detrimento de outras formas religiosas. Propunha-
me a analisar o que é ser mina tradicional, mediante a tantas variações. Desejava mapear
as várias facções observando como o modelo maranhense era reconstruído por cada uma
delas. Por último, interessava saber por que unidades religiosas que desenvolvem tipos
de rituais diferentes se agrupam em torno de uma denominação maior: mineiros. Afinal,
1
Todas as palavras nativas serão grafadas em itálico. O significado das mesmas encontra-se no glossário,
ao final da tese.
18
quais os elementos que contribuem para manutenção dessa identidade (mineira) nos
dias atuais?
Com todos esses questionamentos, me lancei à observação, já não mais como
uma nau errante, pois nesta ocasião possuía conhecimento do campo afro-paraense,
advindo dos anos de pesquisa, iniciada em 1996, quando ainda cursava graduação.
Todavia as “águas do Pará” 2
me guiaram por um outro caminho.
Muito cedo consegui responder os questionamentos acima propostos, estava
claro que o elemento estrutural nessas religiões, era a composição de seu panteão.
Todos os terreiros percorridos cultuavam as mesmas categorias de entidades. Embora a
composição das famílias sofresse diversos rearranjos, essas transformações se davam
dentro de um mesmo eixo: a adoração a voduns, orixás e encantados. Esses são os
elementos invariantes, diante da diversidade simbólica da mina. A partir deles todas as
versões se arrumam ou se confundem.
Conduzida por esta descoberta procurei entender a formatação desse panteão no
intuito de montar genealogias. Foi nesse caminho que o percurso tornou-se confuso por
que as versões eram tão díspares que tornavam impossível o intento. Para construir as
redes de parentesco das divindades seria preciso escolher uma versão e qualquer versão
escolhida seria sem dúvida arbitrária, haja vista que, em Belém do Pará, não há terreiro
considerado de raiz.
Acabei por me deter tanto na análise do panteão que o objetivo primeiro, acima
exposto, se tornou uma preocupação menor. Encantei-me com uma categoria de
entidade específica, denominada de senhores de toalha, formada basicamente pela
nobreza portuguesa e de outros países, em sua maioria, católicos, que de certa forma
tiveram vínculo com o processo de colonização do Brasil. Todos os reis que havia
estudado em meio ao meu curso de graduação em História, “montaram sua corte na
encantaria mineira”.
Essa foi a primeira metamorfose do projeto. Passei então a querer entender a
constituição do mito através dos elementos históricos, usando como referencial teórico
2
Expressão utilizada para diferenciar a mina do Maranhão da mina praticada no Pará.
19
Claude Lévi-Strauss com sua teoria estruturalista dos mitemas (1970). Cheguei a
esboçar um artigo analisando a trajetória de Rei Sebastião, o mais conhecido desses
nobres. Partindo dos dados de sua história de vida, incursionei pela bibliografia acerca
do sebastianismo em Portugal e no Brasil e finalmente desenvolvi um estudo sobre o
culto a esse nobre em alguns terreiros paraenses destacando os elementos invariáveis
das narrativas. Considerando a história como mais uma das versões plausíveis de
análise.
Logo percebi que permanecer nessa linha de abordagem seria muito difícil, uma
vez que o culto aos senhores de toalha se torna cada dia mais rarefeito. Poucos são os
que ainda baixam nos terreiros. Procurei o terreiro centenário - o Terreiro Dois
Irmãos3
- mas sua liderança religiosa não fala muito sobre estas entidades em função da
estrutura de segredo que possui a religião.
Constatei também que alguns afro-religiosos fazem alusão a esses encantados,
os descrevem a partir de uma referência ao sincretismo com o orixá. Muitas vezes
perguntei: “- Quem é Dom José?” Recebi como resposta: “ - É um Xangô”. Ou seja, a
narrativa mítica dá pouco material para análise.
Se os dados mitológicos tornaram-se rarefeitos, muitas informações foram
obtidas sobre a organização das famílias de encantados o que nos possibilitou perceber
sua característica mestiça, seguindo o modelo de Gilberto Freyre (1964) de família
patriarcal e extensa. Percebi também que o panteão é constituído a luz da fábula das três
raças (Da Matta, 1991). Nele estão presentes brancos, negros e índios.
Foi a partir dessa constatação que o projeto se direcionou para a sua terceira
abordagem. Parti do pressuposto de que há um imaginário influenciado pelas teorias
sociais sobre o negro no Brasil que se reproduz na hierarquia do panteão. Sendo assim
projetei entender a organização de negros, brancos, índios e mestiços pelas categorias de
entidades partindo do princípio de que essa arrumação segue o modelo instituído pela
sociedade brasileira.
3
Grafei em negrito todos os nomes de terreiros mencionados.
20
Não tinha mais a pretensão de construir genealogias uma vez que, como já foi
dito, os arranjos sofrem muitas variações, escolher uma versão seria subjugar a
pluralidade do campo religioso. Consideraria todas as variantes partindo do princípio de
que as discrepâncias, por maiores que sejam, sempre estão pautadas no modelo da
sociedade.
Esta foi a proposta apresentada para a qualificação. No entanto após aquele mês
de novembro de 2007, minha trajetória profissional e pessoal sofreu algumas alterações.
Passei em um concurso público para professor AD 4 de nível médio da Secretaria de
Estado e Educação do Estado do Pará, o que me conferiu uma carga horária de trabalho
de doze horas por dia. Em adição a isso, em junho de 2008 me tornei mãe pela primeira
vez. Todas essas mudanças acabaram por restringir minha disponibilidade de tempo
para pesquisa o que me obrigou a fazer recortes.
Retornei então ao projeto anterior de estudar o panteão mineiro escolhendo uma
categoria de entidades que são os nobres gentis nagôs ou senhores de toalha formada
por lideranças políticas do Estado nacional português. Partindo do princípio que a
referência a esses personagens é uma apologia metafórica ao processo de colonização
portuguesa, ao catolicismo, ao estado nacional e ao absolutismo.
Neste sentido escolherei estas entidades para, a partir delas, tentar analisar o
panteão mineiro. Minha proposta é estabelecer uma relação entre história e mito,
explicando de que forma o imaginário sobre o deus4
foi construído a partir dos
personagens históricos e de elementos da sociedade de corte ocidental. Para isso farei
uso dos conceitos de mito, branquitude, símbolo e sociedade de corte.
A tese está dividida em dois volumes. O primeiro volume é composto por sete
capítulos. No primeiro, que se denomina “O Pesquisador Recebendo o Deká”, faço um
passeio nostálgico em torno da trajetória por mim percorrida ao longo desses anos de
contato com o campo afro-brasileiro local. Procuro destacar que o amadurecimento de
minha pesquisa bem como a minha ligação com a linhagem antropológica que
4
Convencionei grafar com inicial minúscula a palavra deus quando referida a uma denominação genérica
ou a uma divindade que possui nome e com maiúscula ao Deus cristão, uma vez que, neste caso, o
substantivo simples vira nome próprio.
21
inaugurou a linha de pesquisa sobre religião de matriz africana no Pará e acabou por
influenciar o reconhecimento de meu trabalho.
Ele possui um subitem entitulado “As Formas de Interpelar o Campo Eclético”
no qual destaco a metodologia de pesquisa utilizada, o processo de escolha dos
informantes, as mudanças de estratégias adotadas na coleta de informação, as
dificuldades superadas, as impossibilidades e, finalmente, a subjetividade que permeia
todo processo de contato entre pesquisador e pesquisado.
O segundo capítulo, “Versões sobre a Mina do Pará”, propõe introduzir o leitor
ao universo dos cultos afro-brasileiros no Estado. Nele, referirei a bibliografia
preexistente sobre religiosidade afro-paraense, mostrarei, por exemplo, que o primeiro
olhar sobre essa experiência religiosa foi dado pela Missão de Pesquisa Folclórica
coordenada por Mario de Andrade, que resultou na confecção do livro denominado
Babassuê (1938).
Indicarei a leitura de Spirits of the Deep (1972) do casal americano Seth e Ruth
Leacock, que esteve em Belém na década de 50 e a partir do material etnográfico
coletado elaborou o primeiro modelo da mina no Pará, que neste período foi
denominado de batuque. Posteriormente apontarei as pesquisas realizadas pelos
fundadores da linha de pesquisa sobre religião afro-brasileira na Universidade Federal
do Pará, então denominada “Batuques de Belém”. Trata-se de Napoleão Figueiredo e
Anaíza Vergolino que escreveram diversos artigos sobre assuntos variados como o culto
às plantas, os pontos de Exu, os rituais de semana santa, a história da religião, etc.
Ressalto que a produção de maior destaque é a dissertação de mestrado de Anaíza
Vergolino, intitulada O Tambor das Flores, (1976).
Registrarei também os trabalhos realizados por Vicente Salles e Aldrin Moura de
Figueiredo, ambos situados na fronteira entre os estudos de pajelança cabocla e
religiões de matriz africana. Deste grupo destacarei o artigo “Cachaça, Pena e Maracá”
(Salles, 1977) e a dissertação de mestrado A Cidade dos Encantados (Figueiredo, 1996)
que analisa a pajelança não a partir da observação participante mais de uma fenomenal
garimpagem dos escritos dos folcloristas. De Figueiredo também incluí o artigo
22
histórico “Os Reis de Mina” (1994), no qual o autor aborda a organização dos escravos
– do XVII ao XIX – em torno de irmandades religiosas católicas.
Ainda foram enumerados os trabalhos realizados na década de 80 por Yoshiaki
Furuya (1986) - com o intuito de perceber a influência da umbanda e do candomblé nos
terreiros de mina, processos denominados respectivamente de “umbandização” e
“candombleização” – e de novos pesquisadores que surgiram nos fins da década de
noventa e na virada do milênio. Dentre eles destacarei os antropólogos Marilu Campelo,
João Simões Cardoso Filho e eu mesma.
Campelo (2001), pesquisadora carioca que chegou a Universidade Federal do
Pará, desenvolveu seus trabalhos em torno do candomblé de Belém, vertente de culto
até então não contemplada pela academia. Cardoso (1999) etnografou um festival com
ares de espetáculo realizado no Distrito de Outeiro, no dia 8 de dezembro: o Festival de
Iemanjá.
Eu, por minha vez, dediquei-me a discutir a história da mina no Pará a partir da
memória de seus adeptos, durante minha monografia de conclusão de curso de
graduação em História. Na dissertação de mestrado revisitei o trabalho de Anaíza
Vergolino entitulado O Tambor das Flores (1976), analisando a FEUCABEP, quase 30
anos após sua fundação.
Em “Uma Mina de Diversas Vertentes” traço o percurso histórico das religiões
africanas em terras paraenses dividindo seus adeptos em dois grandes grupos: os
mineiros de primeira migração – e seus descendentes – e os mineiros de segunda
migração. Ambos oriundos de uma tradição que “deita raízes” no Maranhão.
(Vergolino, 2003).
Procuro deixar claro que esses dois grupos, embora se concentrem em função da
origem e do momento histórico que se estabeleceram no Pará, possuem desigualdades
internas subjacentes, no que tange à liturgia. Neste sentido apontarei as semelhanças e
diferenças, considerando que o elemento coesivo que agrega todos os matizes rituais
sob a denominação mina é o panteão comum. Por fim, partindo deste pressuposto,
descreverei brevemente as entidades da mina na tentativa de contextualizar as
categorias escolhidas para a análise.
23
No quarto capítulo – “A Nobreza Portuguesa Montou Corte na Encantaria” -
passarei a analisar, de forma mais detida, as entidades que compõe a mitologia mineira,
detendo-me mais especificamente na parte branca do panteão. Como falar em branco é
acima de tudo referir-se aos nobres gentis nagôs ou senhores de toalha - categoria
formada por reis e outros nobres lusitanos ou ligados a países cristãos – trabalharei
especificamente com eles.
Percorrer a trajetória mística desses personagens é acima de tudo devanear por
entre as arestas da história ibero-brasileira. Quase todos eles ou tiveram ligação direta
com a colonização do Brasil, ou representam grupos sociais relevantes. Desta forma este
capítulo divide-se em quatro partes. A primeira descreve essa categoria de entidades e
lança questões fundamentais para refleti-las. Faço também uma revisão da bibliografia
acerca do culto aos reis partindo de um dos pais fundadores da antropologia, Sir James
Frazer, que apesar de seu ranço evolucionista, realiza um apanhado arquivista dessa
prática em diversas partes do mundo.
Na sequência destaco o trabalho de Marc Bloch, historiador vinculado a Escola
dos Analles, que se dedicou a refletir a relação entre poder temporal e espiritual dos reis
da França e Inglaterra, partindo de uma prática muito comum durante toda a Idade
Média e início da Idade Moderna: a cura das escrófulas.
Nos tópicos seguintes procurarei analisar detidamente cada rei cultuado pelos
mineiros que traçam verdadeiras epopeias exaltando a soberania nacional portuguesa.
Reis ligados a Dinastia de Avis – Dom Manuel e Dom Sebastião – e Bragança – Dom
José, Dom João, Dom Miguel – juntam-se a nobres – como Marquês de Pombal –
compondo assim a realeza afro-brasileira. Procurarei pensar esses personagens como
elementos míticos construídos a partir da história. Não considero que a história tenha
sido totalmente reproduzida na construção do mito, mas recriada e ressignificada.
Seguindo a mesma linha de análise escrevo “As Dinastias Estrangeiras: Ameaça
Eminente à Soberania Nacional Portuguesa” (quinto capítulo) que visa discutir os
personagens históricos de outros países como a França e a Espanha. Existem algumas
dinastias não portuguesas no panteão da mina. Um exemplo é a Família da Gama,
24
descrita como espanhola. As entidades dessa família têm o mesmo status das
portuguesas, o que é garantido não pelo elemento nacionalismo, mas pelo catolicismo,
haja vista ser a Espanha um país cristão. Ainda assim posso dizer que estes encantados
são bem menos conhecidos em terras paraenses. Encontrei um informante que recebe
Dom Miguel da Gama, o chefe da família.
É preciso ressaltar que nenhum membro da dinastia Felipina foi elencado para
liderança da família Espanhola. Minha hipótese é que a omissão da realeza espanhola
seja uma forma clara de subjugar simbolicamente a nação responsável pela humilhação
da soberania portuguesa. Fala-se sobre eles por serem cristãos e parte integrante da
história de Portugal, mas fala-se através do silêncio.
Outra família de tanta importância quanto a portuguesa, é a francesa. Ao
contrário do que acontece com os espanhóis remete-se a diversos reis da França,
concentrados na figura de um único encantado: Dom Luís Rei de França. Este
personagem traz características de três monarcas quais sejam: Dom Luís IX – o santo –
Dom Luís XIII – o delfim no período da ocupação do Maranhão – e seu filho Dom Luís
XIV – o Rei Sol5
. Além deles outros personagens são citados como Maria Antonieta e
Joana D’ Arc.
O penúltimo capítulo “O Mito e o Símbolo: A Construção de Uma Imagem de
Branquidade” faz algumas considerações muito breves acerca do conceito de imaginário
que perpassa toda a discussão aqui estabelecida. Trabalharei o conceito de mito,
símbolo e branquidade.
Referirei à teoria sobre branquidade, uma discussão incipiente, mas que traz
questões fundamentais para os argumentos aqui levantados. Autores como Peter
Racheff (2004), Melissa Steyn (2004), Sarah Nuttall (2004), Ruth Frankberg (2004),
Zélia Amador de Deus (2006), Maria Aparecida Silva Bento (2002) e muitos outros nos
revelam que ser branco é ter status, poder, estar em posição social privilegiada.
5
D. Luís IX é da dinastia Capetiana e os demais – D. Luís XIII e D. Luís XIV – são da casa de Bourbon.
25
No capítulo sétimo, “Tambor de Mina: Um Ritual de Corte” partirei do ritual
realizado para os reis e demais nobres com o intuito de fazer uma etnografia do
simbólico. Traçarei um modelo geral dos rituais em homenagem aos nobres gentis
nagôs ou senhores de toalha. Por fim estabelecerei uma comparação entre os mesmos e
os rituais da nobreza francesa descrita por Norbert Elias em seus livros Processo
Civilizador (1993, 1993b) e Sociedade de Corte (2001).
Desta forma analisarei os gestos, o movimento real, a etiqueta, as vestimentas e
as técnicas corporais como elementos que ressignificam as religiões de matriz africana
inserindo ritos e símbolos de origem europeia.
26
CAPÍTULO 1: A PESQUISADORA
RECEBENDO O DEKÁ6
“Os antropólogos são classificados
frequentemente numa categoria liminar entre o
religioso e o leigo, beneficiando-se de um privilégio
que lhe é concedido em função do respeito do povo
de santo em função de seu status social. (...). Esse
privilégio, contudo, pode gerar um sentimento de
respeito por parte do antropólogo em relação a
religião que o torna, de fato, um “quase religioso”.
(Silva, 2000: pp. 61).
Este é, sem dúvida, o momento mais lúdico da escrita etnográfica. Falar de
minha inserção no campo afro-brasileiro é devanear antropológicamente pelas próprias
reminiscências. Abandonarei as amarras da teoria, por um momento e simplesmente
olharei para trás com o tom nostálgico de quem fecha os olhos e segue.
O encontro etnográfico é acima de tudo uma experiência subjetiva, ou melhor,
intersubjetiva (Geertz, 1989). Em projeto de verso bem piegas, a arte de achar, um
sujeito, nunca por acaso, com o qual se vai dividir a experiência de pesquisa,
reciprocamente. É um achado, que modifica, que divide mais do que informações sobre
rituais e estilos de vida, mais do que ethos e visão de mundo (Geertz, 1989). Divide-se
experiências. Neste processo todos são - cada um ao seu modo e com a sua finalidade -
pesquisadores ativos. Não há objeto, não há laboratório etnográfico (Malinowski,
1978), há confronto de subjetividades, de objetivos e de vida.
A experiência etnográfica jamais se faz por união, simbiose, aglutinação, mas
por troca, autoconhecimento, por confronto com o próprio ethos (Geertz,1989) e com o
ethos alheio. Pesquisar é acima de tudo conhecer-se, defrontar-se com a própria
alteridade apresentada através do choque com o outro, transformar choque em encontro
6
Chama-se de deka o cargo conferido ao religioso após sete anos de sua iniciação e que lhe autoriza a
abrir sua própria casa-de-santo e formar sua família. Após o deká, o iniciado ascende da categoria de
filho-de-santo à de pai-de-santo.
27
etnográfico. Por vezes é também traquejo e negociação, porque escrever sobre o outro é
acima de tudo uma atitude política.
Ninguém sai ileso da experiência etnográfica justamente por tratar-se de um
encontro entre duas ou mais pessoas que se aceitam ou não, que se toleram ou não, que
aprendem a conviver, antes de mais nada, como amigos desenvolvendo afetividades e
antipatias e confiando mutuamente.
Em sendo assim, ao longo desse capítulo guiarei o leitor pela minha experiência
pessoal intensa e única (Seeger, 1980), mostrando como esta pesquisadora, outrora
“uma criança no mundo” (Seeger, 1980), agora recebe o deká.. Não posso esquecer que
“a experiência etnográfica” é sempre resultado de uma atividade singular perpassada de
subjetividade.
Minha inserção no campo religioso afro-paraense se deu em 1996. Havia
ingressado no curso de História da Universidade Federal do Pará e me deparado com
uma escola que enfatizava as análises relativas à presença escrava africana no Pará.
Escutava a movimentação de alunos e professores debruçados nos rotos livros de
códices do Arquivo Público Municipal de Belém.
Acreditava poder achar algum dado que levantasse pistas sobre a presença
religiosa africana no Pará colonial. Procurava nomes de religiosos, descrições de tipo
de culto, indícios de origem. No entanto isso era apenas um sonho de estudante ainda
pouco familiarizada com a documentação.
Mas porque esse súbito interesse pela religião? Por que não enfatizar
abordagens como gênero, relações de família ou tantas outras? A resposta talvez
estivesse na busca pela novidade ou era fruto de uma curiosidade antiga, advinda das
parcas e soltas lembranças dos tempos de infância quando minha mãe baiava num
terreiro de mina. Tudo o que me lembrava dessa época era das roupas muito alvas, de
um busto do caboco Zé Raimundo localizado nos fundos de minha casa7
e da “guerra
santa” travada por minha avó – uma católica ferrenha – contra essa crença.
7
Grafarei casa toda vez que esta palavra for sinônimo de terreiro, Casa quando significar dinastia e casa
quando referir à moradia.
28
Devo dizer, contudo, que mesmo com os frustrados passeios pela documentação
não desisti da ideia indefinida de estudar religião afro-brasileira. Professores e colegas
de curso me aconselharam buscar auxílio no Departamento de Antropologia, o que de
fato fiz. Procurei apresentar-me à Professora Anaíza Vergolino em meio a uma palestra
realizada pela mesma no Museu do Círio, que neste período funcionava no prédio da
Basílica de Nazaré, demonstrando o interesse que tinha em estudar religião afro-
brasileira. Na época não sabia da importância que ela teria para o meu processo de
profissionalização e especialmente para meu acesso ao campo.
Por ela, fui indicada para trabalhar como auxiliar de pesquisa do, então
mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, o professor João
Simões Cardoso Filho que na época estudava o grupo de religiosos dissidentes da
Federação Espírita e Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará
(FEUCABEP), A Associação dos Amigos de Iemanjá. Esta instituição promovia o
“Festival de Iemanjá” numa praia de água doce do distrito de Outeiro (Município de
Belém). Foi nessa ocasião que comecei a frequentar os primeiros terreiros no Pará.
Ajudava a coletar dados, transcrevia fitas, tirava fotografias, gravava músicas com o
objetivo de dar os primeiros passos na pesquisa de campo de natureza antropológica.
Nesse primeiro contato com as religiões afro-brasileiras tomei conhecimento da
existência da Federação8
e comecei a frequentar alguns terreiros de religiosos
vinculados a ela. Acompanhava a Professora Anaíza Vergolino em tarefas de extensão
relativas ao Curso de Antropologia da Religião, ministrados pela mesma na UFPA. Já
começava também a pensar num tema a ser desenvolvido no meu Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC).
Um ano depois, já havia definido o “objeto” de estudo, quando procurei a sede
da FEUCABEP (Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros em
Belém do Pará). Meu objetivo era conseguir uma listagem de alguns religiosos antigos
com os quais pudesse buscar informações para escrever sobre a História dos Cultos
8
Trata-se da Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará.
29
Afro-Brasileiros do Pará. Este era o tema do meu TCC o qual desenvolvi com a
orientação da Professora Anaíza Vergolino.
Fui recebida pelo senhor Antônio Gomes da Cruz, presidente recém eleito
daquela instituição, porque tinha a indicação da pesquisadora que os acompanhava há
mais de 30 anos. Na secretaria da sede social, ele abriu os arquivos da instituição, bem
como sua memória e citou diversos nomes, lidos por ele num velho fichário.
O entrosamento entre mim e este grupo das lideranças religiosas da Federação
foi gradativo, começou com encontros nos momentos de festas religiosas. Tempos
depois me envolvi em outras pesquisas9
. Uma delas desenvolvida pelo Professor Mário
Brasil do Departamento de Etnomusicologia da UnB, que viera a Belém para refazer as
gravações de músicas religiosas realizadas pela missão folclórica de 1938 organizada
por Mário de Andrade. Este pesquisador acompanhou um dos terreiros mais inovadores
da capital paraense para realizar sua pesquisa da qual também participei como auxiliar.
Esta experiência me mostrou a multiplicidade dos tipos de culto de mina praticados em
Belém.
No ano 2000 me envolvi com o trabalho da Professora, Marilu Campelo –
minha atual orientadora - do Departamento de Antropologia da UFPA sobre a história
do candomblé no Pará. Percebi que os membros desta vertente religiosa formavam um
grupo distante da Federação, vinculado ao Instituto Nacional de Tradição e Cultura
Afro-Brasileira (INTECAB). Dessas pessoas ouvi um discurso magoado com os
mineiros e com a Federação, que por vezes soava como um movimento “anti-
Federação”, contando com distribuição do artigo 5º da Constituição de 1988 que prega
a liberdade de culto.
Nessa época já não era mais tão leiga. Já conhecia minimamente a constituição
do campo religioso sobre o qual me debruçava. Comecei a escrever os primeiros
artigos, em co-autoria com as professoras Anaíza Vergolino e Marilu Campelo,
frequentar reuniões da Associação Brasileira de Antropologia e a dialogar com
pesquisadores conceituados nesta área.
9
Fui indicada por Anaíza Vergolino, para trabalhar com diversos pesquisadores que estavam
desenvolvendo trabalhos junto à comunidade religiosa afro-paraense.
30
Conviver com os pesquisadores, participar dos diálogos, frequentar festas-de-
santo e escutar conversas, me permitiu familiaridade com os mais importantes atores
daquele cenário, definir grupos, mapear facções.
Até então jamais tinha pensado em analisar a Federação de maneira mais detida,
achava que tudo havia sido dito no Tambor das Flores (1976) e que aquela instituição
civil por si só se explicava. Foi através das críticas feitas pelos membros da Associação
dos Amigos de Iemanjá e pelos candomblecistas que percebi que a FEUCABEP ainda
era um excelente objeto de pesquisa.
Decidi então prestar seleção para o mestrado na Universidade Federal de
Pernambuco, fui selecionada e elaborei um projeto cujo objeto de estudo fora a
FEUCABEP. Faria uma revisita ao Tambor das Flores (1976) e analisaria aquela
instituição a partir de duas perspectivas: uma sincrônica que observava a Federação a
partir de sua relação com o contexto religioso afro-paraense, mapeando as zonas de
poder, e outra diacrônica, considerando o processo de transformação histórica sofrida
pela mesma até se transformar na grande guardiã da tradição religiosa afro-paraense.
Esse projeto foi verbalmente apresentado para o então presidente da Federação,
bem como para os seus líderes religiosos e imediatamente aprovado o que me trouxe
muita alegria. Ter sido selecionada no mestrado e ainda escolher como campo de
estudo a Federação, de certa forma consolidou minha credibilidade diante desse grupo.
Da parte das lideranças, houve uma percepção de continuidade entre a pesquisa em
desenvolvimento e o trabalho realizado na década de 70 pela professora Anaíza
Vergolino10
.
Cheguei a ouvir frases do tipo: “Ontem foi a doutora que saiu para estudar,
hoje é a Taissa.” Descobri, a partir desta frase, que em se tratando de cultos afro-
brasileiros cada um exerce seu cargo: uns são religiosos, a outros, cabe a tarefa da
10
Percebi que havia uma espécie de comprometimento por parte dos afro-religiosos com meu processo
de formação. No ano de 1998, o senhor Antônio Gomes da Cruz promoveu uma excursão para São Luís
do Maranhão. Havia-se combinado, antes da partida, que esta não seria uma viagem religiosa, portanto
ninguém iria visitar nenhum terreiro. No meio do passeio, em conversa com Mãe Emília, comentei que
não conhecia a Casa das Minas nem a Casa de Nagô. Mãe Emília então mobilizou o grupo para uma
visita a essas casas, pois segundo ela, era um absurdo um pesquisador da mina, desconhecer os dois
templos.
31
pesquisa. Ter sido introduzida no campo pela “doutora”, que também estudava a mina,
foi de suprema importância no meu processo de aceitação, pois eles usaram a lógica
religiosa para me assimilar.
A aprovação no concurso de Professor Substituto do Departamento de
Antropologia foi outro elemento importante nesse processo de amadurecimento da
minha imagem junto ao campo. Isso foi simbolicamente verbalizado uma noite quando
voltei a um terreiro da capital paraense depois de muitos anos de ausência para pós-
graduação. No momento em que cheguei o sacerdote fez o tambor parar de tocar para
anunciar a chegada da “Professora Tais11
”.
Essa situação foi muito desconcertante uma vez que, por muitas vezes havia
estado neste centro religioso, na categoria de aluna ou assistente de pesquisa. Entrava e
saía sem nenhum reconhecimento, como um filho não feito que não possui sinais
diacríticos de status e portanto não recebe muita reverência ou como um sujeito
invisível tal qual Geertz, em Bali (Geertz, 1989). Percebi claramente, com o olhar,
treinado para observar nas entrelinhas, que as duas seleções acima mencionadas – de
mestrado e de professor substituto – equivaliam, na simbologia afro-brasileira à feitura
e à obrigação de três anos. Neste momento, me senti como um filho feito, que começa
a acumular capital simbólico (Bourdier, 1974).
Muitas vezes chegava aos terreiros e as pessoas perguntavam: - Cadê tua mãe-
de-santo? O mais engraçado acontecia quando o ritual acabava e os grupos se reuniam
para jantar. Geralmente os donos da festa dividem os convidados por família. Cada
mesa é reservada para um pai-de-santo com seus filhos. Por vezes quando eu tentava
me juntar a uma dessas famílias, alguém me chamava atenção, informando que a minha
mesa é aquela reservada para a Universidade na qual estava sentada a minha “família”.
Definitivamente eu estava agregada.
Mais de dez anos se passaram desde 1996, quando visitei o primeiro terreiro na
qualidade de pesquisadora. A persistência de minha presença no campo reforçou ainda
mais a legitimidade de minha “feitura”. Estava na posição análoga à daquelas
11
Alguns afro-religiosos não completam meu pré-nome e acabam por me chamar de Tais.
32
lideranças que começaram seu desenvolvimento até evoluírem à conclusão de sua
carreira religiosa. Uma noite, em conversa informal com uma liderança religiosa do
bairro do Guamá, quando expunha meu projeto de doutorado a fim de solicitar uma
entrevista, ele exclamou: - Eras Taissa, tu começou de baixo!
É importante destacar o peso de uma rede de relações sociais como já havia sido
profundamente analisado por Vergolino anteriormente (1976). Certamente não eram só
os meus esforços que garantiam aceitação. Havia sido apresentada como aluna de
pessoa renomadas que tinha trabalhado “em defesa” das religiões afro-brasileiras,
levando-as às universidades e seminários católicos do Pará, divulgando-as em seus
artigos escritos, publicados ou apresentados em congressos pelo Brasil. Ser introduzida
por “amigos” também me incluía nessa categoria.
Assim, em minha relação com os religiosos afro-paraenses, o período de
“barreira” que costuma acontecer entre o pesquisador e esses cultos com estrutura de
segredo, não foi tão longo, pois logo passei a ser chamada para todas as festas de santo,
bem como para seus momentos de lazer (domingueiras, bingos e outros) e suas viagens
interestaduais. Até não foi surpresa quando fui convidada a me associar à FEUCABEP,
ou quando pediam meu apoio em chapas que disputavam a presidência da mesma.
Percebi o esforço que a maioria dos religiosos tinha em me ajudar, marcar
entrevistas, pesquisar informações em livros, para responder às indagações. Muitas
vezes, quando chegava com o gravador para acompanhar um ritual e me colocava a
fazer leitura labial para entender as doutrinas entoadas, observava os filhos-de-santo
cantando pausadamente, ou gesticulando os lábios de forma a poder auxiliar. Com o
tempo se estabeleceu um acordo tácito, toda vez que não conseguia compreender a letra
de uma doutrina, fazia cara de dúvida e imediatamente alguém, de longe ajudava.
A parafernália eletrônica também me era sempre cobrada. Certa noite - logo no
início de minhas andanças pelas casas-de-santo - visitava um terreiro pela primeira vez
e por isso não achara conveniente levar gravador. Sempre prefiro me apresentar,
estabelecer relação, para posteriormente interferir com elementos estranhos. Todavia o
caboco Guaraci incorporado na dona da casa se aproximou e afirmou: “- Essa
pesquisadora não é como a “dotora” que sempre estava escrivinhando e tirando careta”.
33
Um dos líderes religiosos por mim pesquisados transformava a sequência
litúrgica de sua casa toda vez que eu entrava para assistir um a um ritual. Trata-se de
um terreiro com forte influência yorubana, onde a maior parte das doutrinas é entoada
em homenagem aos orixás. Como seu representante máximo havia sido iniciado no
Maranhão e conhecia o xirê de vodum e senhor de toalha, resolvi incluí-lo em minha
lista de informantes. Ciente de meu interesse por essas entidades ele passou a introduzir
nos toques um conjunto de doutrinas, que não eram cantadas costumeiramente, de
forma que, quase nenhum filho-de-santo sabia responder.
Criava-se um mal estar público e contido em função do discurso do religioso,
que entre uma doutrina e outra, dizia que aquelas, eram em homenagem à Professora
Tais que gostava de vodum. Esse fato me incomodava muito pois não sabia como pedir
para o religioso seguir a sequência litúrgica própria daquele terreiro, por medo de
parecer grosseira. A solução foi passar um tempo ausente desta casa-de-santo.
Em janeiro do ano de 2009 a Federação Espírita Umbandista e dos Cultos Afro-
Brasileiros passou por mudanças importantes. Pai Benedito Saraiva (Pai Bené)12
- o
responsável pelos rituais religiosos realizados dentro da FEUCABEP, pelos seus
assentamentos, bem como pela presidência do Conselho do Ritual, idoso e doente,
transferiu tais atribuições a seu filho-de-santo, Pai Fernando Rodrigues que a partir de
então passou a presidir todas as atividades religiosas.
O terreiro de Pai Bené tem sido pesquisado há mais de vinte anos pela
Professora Anaíza Vergolino e seu descendente Pai Fernando Rodrigues vem sendo
acompanhado por mim ao longo de minha trajetória acadêmica.
Com a ascensão de Pai Fernando, eu fui convidada a integrar o Conselho
Religioso Estadual na condição de secretária responsável pela confecção das atas de
reunião, ocupando o cargo anteriormente assumido pela Professora Anaíza que
permaneceu no Conselho na condição de “decana”.
12
Pai Benedito Saraiva é o único religioso iniciado pelo fundador da FEUCABEP, Manoel Colaço Veras.
34
Percebi que houve neste momento um entrelaçamento de linhagens. A linhagem
religiosa fez a transferência do poder religioso na Federação de Manuel Colaça Veras –
o fundador – para pai Benedito Saraiva e posteriormente para Pai Fernando Rodrigues.
E a linhagem acadêmica agregou a pesquisadora iaô aos “mitos de origem” Napoleão
Figueiredo e Anaíza Vergolino.
O fato de eu ter sido convidada para assumir uma cadeira no Conselho
Religioso Estadual da FEUCABEP mostrava que, em se tratando de Federação as duas
linhagens (religiosa e acadêmica) se cruzavam definindo que é “pesquisador antigo
com pai-de-santo antigo e pesquisador novo com pai-de-santo novo”13
.
Para uma estudiosa apaixonada pelo tema, a aceitação, o reconhecimento e o
carinho têm sido gratificante. Todo esse relato refere-se a um percurso vertical na qual
a pesquisadora deixou de ser invisível (Geertz, 1989), à medida que, demonstrou
persistência e ascendeu profissionalmente, colecionando título como quem paga
obrigação. Considero, a partir desse breve passeio pelas lembranças de minha
trajetória acadêmica, que a defesa dessa tese soa como a entrega de cargo, que legitima
a pesquisadora como firme no santo.
1.1. Formas de Interpelar um Campo Eclético
Conduzida pela facilidade de uma rede anterior que agora era também a minha
rede pessoal, delimitei finalmente o meu universo de pesquisa que não só incluiu os
descendentes dos primeiros mineiros oriundos do Maranhão - outrora já interpelados
pelos pesquisadores anteriores. Foi necessário incluir outros mineiros até então não
pesquisados.
Tendo em vista esse universo, se fez necessário definir os informantes e as
técnicas a serem utilizadas. Neste sentido tentei colocar em prática aquilo que foi
aprendido nos manuais de antropologia. Realizei o trabalho de campo nas três etapas
13
Frase proferida por Anaíza Vergolino em meio ao ritual de recebimento de deká de Pai Fernando
Rodrigues no ano de 2003.
35
que me foram caramente ensinadas por Roberto Cardoso de Oliveira: olhar, ouvir e
escrever. (Oliveira, 2006)
A escolha dos interlocutores passou por diversas adaptações, à medida que a
etnografia se efetuava. Primeiramente escolhi conversar com dois mineiros de cada
grupo. Neste sentido comecei acompanhando o Terreiro Dois Irmãos, – de mãe Lulu
– o Terreiro de Nagô de Santa Bárbara, – de Pai Bené – o Terreiro de Mina Jeje
Nagô de Toy Lissá – de pai Aluísio Brasil – e a casa de Pai Serginho de Oxossi.
Não tardou muito para eu perceber que essa escolha limitava as narrativas. O
principal problema é que nenhuma liderança sabia falar com riqueza de detalhes, sobre
todas as entidades do panteão. É mais comum ouvir de cada religioso narrativas sobre
os próprios encantados. Alguns mineiros possuíam narrativas lacônicas o que me deu a
impressão de que pouco teorizavam sobre o ritual praticado. Outros religiosos sequer
contavam sobre a entidade que recebem em função da estrutura de segredo em que está
envolta a religião. Os mais intelectualizados, quando eram interpelados e não tinham
dados a fornecer diziam-nos que iriam pesquisar com a própria entidade, melhores
informações.
O material coletado nessa primeira empreitada foi irrelevante, o que me levou a
pensar em reformular minhas estratégias. Nem todos os informantes selecionados sabia
me dizer muita coisa acerca, por exemplo, da história de Dom Luís, o único rei francês
que havia passado para o panteão e estava ligado à colonização do Maranhão. Neste
sentido, como dar conta de uma proposta densa de tentar entender o mito de todos os
senhores de toalha?
O jeito foi redefinir as estratégias de pesquisa. Neste sentido passei a eleger as
entidades a serem trabalhadas e com esses nomes em vista, busquei os religiosos que as
recebessem. A escolha das entidades foi realizada através da observação dos rituais. A
partir dessa decisão passei a pensar a mina como um sistema cultural cujo imaginário
atravessa as fronteiras da religião. Em função disso também entrevistei religiosos
adeptos de outras vertentes de culto afro-brasileiro, como mãe Nazaré que se
autoclassificava como angoleira, mas era ex-mineira, e recebia, em vida, Marquês de
Pombal.
36
Todavia, o ato de esgarçar as fronteiras, se me permitiu conhecer a mitologia
mineira, trouxe alguns empecilhos. O maior deles foi a impossibilidade de acompanhar
aprofundadamente o cotidiano de todas as casas. Sendo assim, decidi construir essa
tese em cima das narrativas coletadas e das festas etnografadas. Um documento
importante foi o xirê, sequência de doutrinas cantadas em todo e qualquer ritual,
geralmente organizada de forma hierárquica, definindo os personagens mais
significativos de cada família.
As letras das doutrinas tiveram papel importante tanto no que tange ao
fornecimento de dados quanto como estratégia de abordagem dos informantes.
Enquanto documento, as músicas funcionam como um grande quebra cabeças, já que
fornecem pistas esparsas, como enigmas a serem desvendados. Neste sentido ao
escutar, por exemplo, “No Jardim de Oeiras/ Aonde passeava/ Lá tem uma rosa/ Aonde
se encantava, orixá”, tenho acesso a um elemento significativo que me remete a
nobreza portuguesa: o Jardim de Oeiras. Entretanto, num primeiro momento nada mais
faz sentido.
Nesta ocasião, o antropólogo tem que fazer um trabalho de arqueologia do
simbólico. Estas pistas serviram de estratégia de aproximação com os religiosos que
pouco falavam sobre mitologia. Tendo em vista que as entrevistas direcionadas
surtiram pouco resultado, passei a transcrever as doutrinas e usá-las como roteiro.
Dessa forma pedia para os narradores explicarem as letras, questionava porque uma
entidade era reverenciada antes de outra, e assim seguia montando a rede de relações
estabelecidas entre deuses e encantados.
A estratégia do olhar, neste sentido ficou restrita às festas públicas. Tentei
acompanhar o maior número possível de rituais realizados a senhores de toalha,
domesticando o meu olhar procurei transformar o exótico em familiar para ter acesso ao
significado dos símbolos dispostos em letras de música ou altares sagrados. De certa
forma, quando iniciei a pesquisa de doutorado já possuía o olhar treinado em função dos
anos dedicados a pesquisa junto às religiões de matriz africana em Belém. Já possuía
leitura prévia e conhecimento do idioma simbólico da religião.
37
Quanto ao ouvir, utilizei a técnica da entrevista com a maioria dos informantes.
Sempre que possível fazia uso de gravador e máquina fotográfica, com a devida
autorização dos religiosos. Ao todo abordei sessenta pessoas, algumas delas
interpeladas uma única vez, outras entrevistadas continuamente. Neste sentido consegui
cerca cem horas de entrevistas gravadas.
Variei o roteiro, usando primeiramente um questionário, que chamei de
inaugural, construído com perguntas abertas que visavam estimular a fala do informante
(Tompson, 2002). Nesta ocasião procurei anotar todos os nomes de entidades
mencionadas pelo religioso, a fim de obter mais detalhes. Se a conversa fosse frutífera
marcava outra entrevista. A cada visita fazia novos roteiros adaptados à pauta
previamente determinada. Os melhores informantes me cederam diversas entrevistas,
cada uma girando em torno de um personagem do panteão e sua família.
Também fiz entrevistas com as próprias entidades, geralmente após os rituais ou
em dias de trabalho. Houve um caso muito interessante. Estava entrevistando uma mãe-
de-santo de renome no Pará, – Mãe Emília - quando perguntei sobre a história de Dona
Mariana14
, a mesma incorporou na referida médium e disse: - “Se quer saber de mim,
pergunte para mim”. Utilizei a observação direta para acompanhar os rituais e conhecer
o comportamento de cada entidade e história de vida para recolher informações
daqueles que não se consideravam mineiros mas que cultuavam entidades da mina.
Precisei conhecer a trajetória do médium para entender as informações cedidas. Não
entrevistei nenhum candomblecista que não tivesse passado por um terreiro de mina.
Em linhas gerais, não tive problemas em obter entrevistas, primeiro porque os
mineiros de Belém estão acostumados com essa prática e depois porque já tinha
intimidade com o campo quando iniciei o doutorado.
O elemento reciprocidade (Mauss, 1974) se fez presente durante o meu contato
com o campo, mas não de forma tão direta como aconteceu com Alba Zaluar (1985),
que pesquisando a Cidade de Deus, se viu amarrada num emaranhado de favores que
iam desde o empréstimo do carro até cessão de emprego.
14
Caboca da família da Turquia muito cultuada em Belém do Pará.
38
Um dos informantes, incorporado com seu caboco disse que só daria entrevista
se eu pagasse duas grades de cerveja e três maços de cigarros para ele. No primeiro
momento isso não me pareceu problema, todavia ele pediu o “pagamento” na frente de
seu pai-de-santo, que também era meu informante e ficou indignado com a atitude haja
vista que ele, sendo mais experiente, nunca havia feito cobrança.
Percebi que atender ao pedido do religioso causaria diversos infortúnios,
primeiro porque, com o dinheiro de uma bolsa de doutorado (que tinha na época), eu
não poderia gratificar a todos os sessenta informantes, e seria injusto privilegiar alguns,
embora os outros nunca pedissem.
Outro problema seria a interpretação desse possível pagamento, diante dos
outros cinquenta e nove não contemplados. Neste sentido procurei conversar com o
pai-de-santo e explicar em que condições financeiras estava sendo realizada a pesquisa.
Argumentei que não tinha financiamento nenhum, além da bolsa de pesquisa que servia
para me sustentar. O líder religioso entendeu e não se recusou a me conceder
informações.
Essa atitude se repetiu uma única vez. Um sacerdote, quando abordado, falou
que iria pedir permissão ao seu encantado para dar informação, sugerindo que para isso
deveria fazer uma oferenda. Repeti a atitude anteriormente mencionada e pedi que ele
explicasse para a entidade a situação na qual me encontrava, o que – segundo consta –
foi feito. Telefonei para saber o resultado e ele me informara que sua caboca permitira
o contato.
A troca também se expressou via convite para promover palestra à comunidade.
Em virtude de minha total disponibilidade fui agraciada com diploma de honra ao
mérito cedido por um dos terreiros estudados.
O fato é que, voltando a referir a Alba Zaluar (1985), ao contrário da
experiência desta autora, ninguém se recusou a me prestar informação ou
desconsiderou o valor de minha pesquisa. Também não precisei procurar uma
funcionalidade para explicar minha estadia em campo ou perder horas a fio justificando
meu intento porque o grupo escolhido está acostumado com a presença dos
39
pesquisadores que os visitam desde a década de trinta e por vezes servem como
elemento legitimador diante de um campo em disputa constante.
Uma pequena dificuldade foi à abordagem de um religioso que, apesar de
extremamente acessível, no que tange a permissão do acompanhamento de rituais
secretos, protelou as entrevistas. Percebi que essa atitude foi uma estratégia de manter o
pesquisador sempre presente em sua casa. No entanto como os informantes eram
muitos e o tempo exíguo, acabei desistindo dessa narrativa.
Tentei todas as possibilidades para conseguir acesso a esse informante, passei
dois meses frequentando cotidianamente sua casa. Marcava entrevistas que nunca eram
possíveis, chegava em dias comuns, de surpresa, tentava entrevistar as entidades, mas
nada deu muito certo.
Um dia, estava conversando com Dona Herondina15
, tentando “espremer”
alguma informação quando repentinamente ela mandou que um cliente me levasse em
casa. Tentei retrucar dizendo que ainda não ia embora, mas a caboca disse que
precisava trabalhar e prometeu que o religioso me daria entrevistas caso eu fizesse um
almoço em minha casa.
Assim foi feito, mandei fazer uma feijoada, comprei cerveja e chamei o pai-de-
santo, que compareceu com a filha, conversou a tarde inteira sobre sua vida e a história
da religião, mas acabou por não falar nada sobre as entidades. Uma noite, em meio a
uma conversa informal, antes de uma sessão, o mesmo religioso me informou que viu o
casal Ferretti passar semanas a fio adulando sua mãe-de-santo maranhense para dar
entrevista. Contou que eles chegavam no início da tarde e passavam horas esperando.
Percebi que ele estava reproduzindo o modelo comigo, no entanto, partindo da
metodologia que eu havia escolhido, permanecer insistindo significava perder muito
tempo. Em função disso precisei preterir essas informações.
Se não houve pagamento formal das entrevistas concedidas, minha relação em
campo foi marcada pelo circuito da dádiva (Mauss, 1974), a obrigação de dar receber e
retribuir. O elemento dado era a informação, o acesso aos rituais que eram retribuídos
15
Caboca do informante.
40
principalmente através distribuição de fotos. Meu namorado na época, o fotógrafo
Geraldo Ramos16
, acompanhou todo o trabalho de campo, sempre fazendo o registro
visual dos rituais, o que acabou por render um acervo considerável.
Sempre que possível mostrava o resultado do trabalho aos informantes e à
comunidade do terreiro ou distribua fotos. Um religioso pediu que o referido
profissional fizesse uma foto oficial transformada em banner e pendurada na parede
principal do templo. Outro religioso transformou uma fotografia no convite de seus
cinquenta anos e em outdoors espalhados pela cidade.
Sempre que possível também contribuía nas festas públicas, geralmente doando
uma grade de cerveja. Como, ninguém sai ileso de um trabalho de campo, participei, de
diversos rituais na condição de cliente. Certa vez ao chegar – acompanhada do
fotógrafo - em um terreiro para etnografar um ritual de desenvolvimento, o carro caiu
num buraco. Ao tentar empurrar para retirá-lo, a roda esguichou lama em cima de mim.
Quando o pai-de-santo me viu naquele estado, julgou que era mau presságio e
deu um banho de descarrego no casal. Após um episódio de assalto, o vodum
Verequete mandou me chamar e aconselhou fazer alguma obrigação para afastar
infortúnios. Como o fato ocorreu às vésperas do dia de Exu, no momento do sacrifício
eu compareci com uma galinha que foi devidamente ofertada a esta divindade.
Submeti-me também ao jogo de búzios para definir meus protetores, mas resisti
à tentação de assentá-los, uma vez que seria difícil escolher um terreiro para
estabelecer vínculo, diante de um universo de pesquisa tão plural. Ganhei de presente
de um religioso uma pedra sagrada da qual cuido com carinho de acordo com as regras
que me foram repassadas e uma guia de Xangô, meu orixá. Sempre que possível a uso
como proteção.
16
Geraldo Ramos foi diretor do Museu da Imagem e do Som (SECULT-Pa), freelance da revista Veja e
principal fotógrafo da revista Ver-o-Pará” de 1980 a 2007. Dedica-se desde o início da sua carreira ao
registro de cultura e religiosidade popular. Possui vasto arquivo que contém manifestações folclóricas de
diversos municípios da Amazônia. Também desenvolveu trabalho em comunidades remanescentes de
quilombo da região do Tocantins, Marajó e Médio Amazonas. É o autor das fotografias do livro “Terra de
Negro 4” (no prelo) financiado pelo Instituto de Artes do Pará.
41
Resumidamente posso afirmar que todas as facilidades me foram garantidas pela
subjetividade da relação de campo. Como a etnografia é acima de tudo uma atitude
intersubjetiva (Geertz, 1989) eu, como etnógrafa também fui submetida a avaliação dos
afro-religiosos e o elemento fundamental nesse processo de aceitação foi a minha
filiação à linhagem acadêmica que inicia com Napoleão Figueiredo e Anaíza
Vergolino.
42
CAPÍTULO 2: VERSÕES SOBRE A MINA
DO PARÁ
Não posso ter a pretensão de afirmar que o presente trabalho é pioneiro no que
tange as religiões de matriz africana no Pará, ou tão pouco ao tipo de culto específico
aqui abordado: a mina. Desde a década de trinta do século XX, pesquisadores de
diversas áreas se debruçam sobre a temática com perspectivas variadas. São folcloristas,
historiadores, músicos e principalmente antropólogos. Pessoas que por vezes
observaram o campo de longe ou, mais frequentemente, percorreram as periferias da
capital paraense, guiados pela sonoridade dos atabaques. Neste sentido o presente
capítulo faz um breve levantamento das monografias que se dedicam a estudar as
religiões afro-paraenses dividindo-as de acordo com a historicidade e com os objetivos
das mesmas.
2.1. Do Olhar Por Sobre os Ombros ao Estabelecimento
do Campo de Estudo
A primeira empreitada de pesquisa sobre a temática das religiões afro-brasileiras
no Estado do Pará foi realizada pela Missão de Pesquisas Folclóricas de Mário de
Andrade, que chegou a Belém em julho 1934 para efetuar gravações de doutrinas que
sua equipe denominou de “música de feitiçaria”. Foram os pesquisadores modernistas
que desenvolveram a primeira grande investigação nessa capital.
O modelo de religião tradicional descrita no livro de Oneyda Alvarenga,
entitulado Babassuê (1950) é construído pela autora, a partir de entrevistas realizadas
com membros de um único terreiro: o de Satiro Ferreira de Barros, hoje extinto. Para
Satiro a religião afro-brasileira tradicional no Pará era chamada de babassuê17
, pelas
pessoas sem vínculo com a religião, ou batuque de Santa Bárbara pelos membros do
culto.
17
Babassuê : Nome derivado da entidade Bárbara Sueira, correspondente local de Iansã e festejada no dia
de Santa Bárbara
43
A partir da observação, definiu-se o culto afro-paraense como uma fusão de
tradições religiosas nagô e jejes, com a pajelança amazônica que teria resultado no
chamado candomblé de caboclo e outras formas de sincretismo18
.
A equipe formada por um folclorista, – Luis Saia – um músico – Martin
Braunwieser, chefe da missão – um técnico de gravação, – Benedito Pacheco – um
auxiliar – Antônio Ladeira – e a pesquisadora – Oneyda Alvarenga,realizou
levantamento musical a partir de técnicas certamente condenadas pela etnografia
moderna.
As gravações das doutrinas foram realizadas in locu, ou seja dentro do terreiro
do Satiro e, principalmente, em um hotel da cidade de Belém: o Grande Hotel. O
material foi coletado em K7 e livreto explicativo que contém detalhes da coleta, ficha
das pessoas entrevistadas, croquis do espaço do terreiro de Satiro e algumas
informações esparsas sobre as diferentes nações e os rituais como o tambor de choro, -
realizado em ocasiões fúnebres – as bebidas rituais, os instrumentos musicais, cortes
litúrgicos, descrição dos passos de dança.
Como a metodologia de pesquisa utilizada não fazia uso da observação direta
mais detalhada, posso constatar alguns possíveis erros, como o uso de palavras, nunca
depois registradas. É o caso de estado, que segundo a autora deveria designar altar.
Existem também categorias de entidades desconhecidas como Emanjá Ainu ou Emanjá
Suruê, ou Angasi, que possivelmente pode significar Agassu ou Pedro Angaçu.
Alvarenga também desdobra uma mesma entidade em três, de forma que o vodum
Zomadonu se transforma em Tóia Zamadan, Zemadon e Zé Madome.
Apesar de todos os problemas, não se pode negar o valor desses dados que
forneceram para os pesquisadores da atualidade pistas importantes de um terreiro que
não possui descendentes. O breve histórico elaborado sobre a vida dos participantes das
gravações deixou como legado, informações sobre pessoas de renome para a história
das religiões afro-paraenses, como mãe Apolônia.
18
A Missão Folclórica ainda registra outras denominações como candomblé e batuque de mina.
44
Cerca de vinte anos após a passagem da Missão de Pesquisa Folclórica por
Belém do Pará, Edson Carneiro e Roger Bastide, pesquisadores africanistas de renome
nacional, sem realizar trabalho de campo efetivo na Amazônia, voltaram seus olhos para
a região.
Em 1948, Carneiro, na sua obra Candomblés da Bahia, dividiu o Brasil em
áreas de influência afro-brasileiras. A área A correspondia a faixa litorânea que vai da
Bahia ao Maranhão e o Rio Grande do Sul19
; a área B era formada pela Guanabara,
Estado do Rio, São Paulo e possivelmente de Minas Gerais20
e a área C incluía a região
amazônica. Esta área teria influência do batuque e do babassuê, sendo o primeiro um
tipo de culto oriundo da Casa de Nagô, e o segundo da Casa das Minas, ambas as
tradições de origem maranhense.
O culto advindo do Maranhão teria entrado no Pará e se curvado diante da
tradição local, a pajelança, sofrendo inúmeras modificações que vão desde
aportuguesamento dos cânticos até a inclusão de entidades cabocas na rede de
adoração.
Já Roger Bastide, (1985) comprometido com o “mito da pureza nagô”, (Fry,
1996) afirmou que ao lado dessa pajelança indígena se formou uma pajelança negra
que nada mais era do que uma “busca mística de protetores sobrenaturais, de espíritos
amigos, para defender das doenças que ressudam dos pântanos contra as flechas
invisíveis que sibilam á noite (...)” (1985: 305). Incluindo esta manifestação religiosa no
conjunto de práticas africanas que aqui teriam se degenerado.
Apenas na década de 60 realiza-se a primeira pesquisa etnográfica de fato, em
território paraense. O casal de americanos, Seth e Ruth Leacock21
publicaram nos
Estados Unidos, Spirits of the Deep (1972) o resultado de uma observação efetiva, fruto
19
Segundo Edson Carneiro essa zona de influência se subdivide em A1 (faixa litorânea que vai da Bahia
ao Maranhão) caracterizada pelo candomblé (Leste Setentrional), xangô (Nordeste Oriental) e tambor de
mina (Nordeste Ocidental) e A2 que corresponde ao Rio Grande do Sul onde se realiza o batuque e os
parás.
20
Carneiro diz que nas áreas de culto B é forte a incidência da macumba.
21
Segundo Anaíza Vergolino, Seth e Ruth Leacock visitaram pela primeira vez em Belém no ano de
1956. Eles estavam de passagem por Belém, seguiriam para o interior para estudar comunidades
indígenas quando foram levados a uma casa de culto afro-brasileira por Mr. George Colman, cônsul
americano no Pará.
45
do acompanhamento minucioso de diversas casas de culto, que perdurou sete meses -
estendidos durante os anos de 1962 e 1963 e dois meses de retorno no ano de 1965.
Aos cultos tradicionais aqui encontrados, os Leacock chamaram de batuque, que
para eles não era uma degeneração do candomblé ou uma cópia de outras tradições
religiosas, como queriam os africanistas. Tratava-se, sim de uma religião muito própria,
misturada na sua origem, porém um sistema independente caracterizado pela
combinação de crenças yorubanas, daomeanas, indígenas com o catolicismo popular e
o folclore ibérico.
Os dois pesquisadores etnografaram minuciosamente os rituais de mina, olhando
esta religião a partir de várias perspectivas. Seth e Ruth Leacock informaram ao leitor
sobre o tráfico de escravos da África para o Brasil, mais especificamente para o
Maranhão e Pará, explicaram que a pluralidade de vertentes de culto é reflexo do fluxo
migratório dos negros. Posteriormente, localizaram estes cultos na cidade de Belém,
descrevendo a situação cultural na qual eles se constituíram: como religiões de periferia.
Caracterizaram os praticantes a partir da cor, sexo, idade, classe social, posição no
mercado de trabalho, etc...
Atrevo-me a afirmar que essa pesquisa deixou como legado a comunidade afro-
descendente um possível nome fundador: Mãe Doca. O casal de americanos não só
visitou o terreiro dessa religiosa, como escreveu sobre suas origens, afirmando que a
mesma havia introduzido no Pará, um culto sincrético derivado do yorubá. Partindo de
Mãe Doca e do Culto fundador - a mina nagô - os pesquisadores trouxeram ao leitor
informações sobre as diversas mudanças, a que o campo afro-paraense foi submetido.
Destaca-se como a mais significativa delas, a introdução da umbanda, na década de
trinta, por Maria Aguiar.
Os Leacock diferenciaram essas duas vertentes litúrgicas se detendo na
descrição do batuque22
, também denominado de mina. Culturalistas por filiação
acadêmica, não resta dúvida que o casal conseguiu com maestria realizar o que, anos
depois, Clifford Geertz (1989) denominou de descrição densa. Descreveram a fundo
22
Até a década de setenta a mina no Pará era conhecida pelo nome de batuque, em diferença a linha de
cura, que não faz uso de instrumentos musicais que não sejam o maracá.
46
toda organização de uma casa-de-santo, seu sistema de crenças, mapearam seus
espaços, indicaram o uso de todos os instrumentos musicais, analisaram as diversas
matizes de possessão, constataram a existência do ritual de cura etc.
A principal contribuição desse casal de americanos foi, sem sombra de dúvida, a
análise do panteão desta religião, descrito por eles como composto por um conjunto
numeroso de entidades que possuem origens diversas, permeado pelo sincretismo afro-
católico – que não podia ser descrito simplesmente como uma confusão. Nesta obra
encontro a classificação detalhada de cada categoria, dentre as quais dou destaque aos
encantados - peculiares do eixo Maranhão – Pará – que se dividem em dois grandes
grupos hierárquicos quais sejam: senhores23
e caboclos.
Este trabalho, além de magnífico pela densidade etnográfica, prima pelo rigor
metodológico que permite o diálogo com os pesquisadores da atualidade.
2.2. Das Primeiras Pesquisas até os Dias de Hoje
Nesta mesma década de sessenta, dois antropólogos paraenses resolveram
ampliar o universo de estudo da antropologia produzida no e pelo Estado, iniciando suas
pesquisas junto às casas de culto afro-paraenses e com isso fundando mais uma linha de
pesquisa na Universidade Federal do Pará: estou falando de Napoleão Figueiredo e
Anaíza Vergolino.
Cabe ressaltar que a produção antropológica da região, até então circulava em
torno da etnologia indígena, comunidades ribeirinhas (caboclas) e arqueologia. A
antropologia urbana já sugerida pela famosa escola de Chicago, ainda não havia
aportado “nas águas do Pará”.
Arthur Napoleão Figueiredo era militar de carreira e dono de cartório. Passara a
se dedicar à antropologia já maduro, tornando-se assim professor da antiga Faculdade
de Filosofia. Também adepto do culturalismo boasiano, escreveu diversos artigos e
23
O casal Leacock (1972) denominou de senhores as entidades de maior status dentro do panteão da
mina. Formam a categoria dos senhores os voduns, orixás e senhores de toalha, comumente definido
como os brancos.
47
livros, dentre os quais cito: “Todas as Divindades se Encontram nas Encantarias de
Belém” (1982); “Os caminhos de Exu” (1972); “Religiões Mediúnicas na Amazônia: O
Batuque” (1975); “Alguns Elementos Novos para o Estudo dos Batuques de Belém”
(1967); este último em co-autoria com a, então aluna, Anaíza Vergolino.
Em “Todas as Divindades se Encontram nas Encantarias” (1982), Napoleão
Figueiredo situou o leitor quanto a situação sócioeconômica dos profissionais que
trabalham com encantados, os posiciona frente à cidade de Belém e ao crescimento
urbano, classifica tipos de entidades cultuadas e elabora um quadro de equivalência
sincrética.
No artigo “As Religiões Mediúnicas na Amazônia: O Batuque” (1975), o autor
sintetiza no espaço de onze páginas, o modelo do batuque no Pará, partindo do princípio
que, apesar de tantas variações os mesmos se constroem em cima de um sistema cultural
comum que é a experiência da possessão. Descreve as religiões afro-paraenses como
fruto de um processo aculturativo, “onde se encontram amalgamados, formando um
corpo de crenças único, reminiscências ou sobrevivências africanas, catolicismo,
xamanismo indígena, pajelança cabocla, kardecismo, teosofismo, preceito de
sociedades secretas” (Figueiredo, 1975).
Essas religiões eram organizadas em diversas casas de santo, agrupadas em
torno de duas associações distintas: A Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos
Afro-Brasileiros do Estado do Pará – FEUCABEP –e o, hoje extinto, Supremo
Conselho da Umbanda Cristã, existindo também de casas-de-culto sem filiação
associativa e registro policial24
, que estavam passando por mudanças progressivas
quanto a origem e a caracterização, os procedimentos rituais e os processos iniciáticos.
Esse autor trabalhou mais detalhadamente a estrutura do ritual, seu estudo alertou tanto
para a heterogeneidade das formas de culto e como as fontes geradoras do mesmo como
elementos básicos à criação de uma especificidade: o batuque. Além disso, o artigo
segue mencionando as famílias de entidades, suas linhas, o sistema de parentesco, o
sistema de trabalho, a representação, etc.
24
No período em que Napoleão Figueiredo estava escrevendo os terreiros precisavam de permissão ou de
alvará para garantir o funcionamento. Esta permissão, até agosto de 1964 era dada pela polícia, após essa
data, com a criação da FEUCABEP, este órgão passou a ceder o alvará de funcionamento substituindo
assim àquela autorização policial.
48
Se nos trabalhos acima descritos, Figueiredo faz uma descrição panorâmica por
sobre os subúrbios batuqueiros da cidade de Belém, meio que como um flaneur, os dois
seguintes tratam de elementos específicos na ritualística afro-brasileira: o culto a Exu e
a fitolatria.
“Os Caminhos de Exu” (1972) é uma etnografia dessa categoria de entidade, não
cultuada pelas matrizes maranhenses. Nela obtêm-se informações acerca das suas
diferentes representações – ferros, metais, pedras, pontos riscados –, dos ritos praticados
em sua homenagem a estas entidades, de suas doutrinas e dos desenhos que lhe são
devotados.
O último artigo – “Alguns Elementos Novos para o Estudo dos Batuques de
Belém” (1967) – escrito em co-autoria com Anaíza Vergolino, é um estudo
enciclopédico das diversas árvores adoradas pela comunidade religiosa, que podem ser
classificadas como moradas de determinadas entidades ou como pontos de segurança
da casa Neste trabalho os pesquisadores refutaram a classificação das áreas culturais
que foram dadas ao fenômeno religioso na capital amazônica e fizeram referência à
história e ao modelo de religião (ões) afro-brasileira local.
Anaíza Vergolino, inicialmente aluna de Napoleão Figueiredo, tornou-se
professora, da Faculdade de Filosofia, posteriormente da Universidade Federal do Pará.
Saindo de Belém para cursar mestrado na UNICAMP onde, sob a orientação do inglês
Peter Fry, escreveu um trabalho intitulado O Tambor das Flores (1976).
Influenciada pelas teorias da Escola Inglesa de Antropologia, fez um
mapeamento do campo religioso afro-paraense na década de setenta tomando como
referencial de análise a filiação na Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-
Brasileiro do Estado do Pará. Neste sentido os religiosos paraenses estavam divididos
em federalizados, dissidentes, – filiados a Ordem Paraense da Umbanda Cristã –
autônomos, isolados e os teóricos.
Analisou também a forma como a cidade via os terreiros, elencando dezenas de
adjetivos pejorativos atribuídos pela sociedade civil e pelos veículos de comunicação de
49
massa. Fazendo uma observação êmica, a autora também constatou que os religiosos
referiam-se ao seu universo como “lugar de nhigrinhagem”25
.
Desta forma, seguindo as pistas deixadas pela fofoca, construiu as redes de
relações estabelecidas que ligavam o universo religioso afro-brasileiro á Igreja Católica,
ao Instituto Histórico e Geográfico, à Academia de Letras, à Universidade Federal do
Pará, ou seja a sociedade como um todo.
Além disso, Vergolino, ao perceber que um dos pontos passíveis de fofoca era a
feitura, se propôs a discutir as possíveis trajetórias dos religiosos afro-brasileiros.
Encontrou dois caminhos possíveis: o de um religioso iniciado no candomblé baiano -
portanto inegavelmente feito - e o percurso de um mineiro paraense, que não passou
pela iniciação, não foi filho-de-santo de ninguém e aprendeu tudo com seus guias. Por
fim os classificou a partir do que chamou de competência espiritual e competência
material.
Por último estreitou a análise da Federação, a partir de um levantamento
histórico no qual registrou seu processo de fundação, sua função, sua estruturação
interna e principalmente a divisão de poderes: burocrático e religioso. Em todo o
processo acima referido, uma pessoa se destacou26
- Antônio Gomes da Cruz que
mereceu uma biografia detalhada. A antropóloga etnografou o ritual inventado por ele -
o Tambor das Flores - considerando-o um ritual de mediação.
Muitos outros artigos foram escritos por Anaíza Vergolino, dentre os quais
destaco “História Comum, Tempos Diferentes”(1994), “A Semana Santa nos Terreiros”
(1987), “Os Cultos Afros do Pará” (2003) e “Religiões Africanas no Pará: Uma
Tentativa de Reconstrução Histórica” (2003).
Numa descrição sucinta, o primeiro artigo analisa a construção do tempo afro-
brasileiro a partir de rearranjos que consideram os calendários cristão, civil, afro-
brasileiro particular de cada casa. O segundo, é um estudo do sincretismo realizado a
25
Nhigrinhagem é um termo êmico usado como sinônimo de fofoca.
26
Antônio Gomes da Cruz participou do grupo de fundadores da FEUCABEP, ajudou a eleger todos os
presidentes até que finalmente, em 1998, galgou o referido cargo.
50
partir, não da mera analogia entre santos e orixás, mas da incorporação dos rituais
pascoais. Considera que “a incorporação vai indicar que a relação entre os dois sistemas
de crença, também se dá no plano do tempo, um plano que é mais interno, mais
conceitual, ou se preferirmos, um plano que é da essência e não da aparência”
(Vergolino, 1987: 59).
Os dois últimos artigos, que serão mais bem abordados no tópico subsequente,
se dedicam a traçar a história dos cultos afro-brasileiros no Pará considerando a
inexistência de rastro de um terreiro de raiz nos documentos históricos, apesar das
muitas evidências da presença escrava no Pará colonial.
A partir da investigação documental e bibliográfica, Vergolino mapeia as
origens étnicas do negro na Amazônia e a organização religiosa em torno do
cristianismo, busca as origens maranhenses do culto afro-paraense e traça as duas
linhagens.
Vicente Salles publicou em 1977 um artigo intitulado “Cachaça, Pena e
Maracá” (1977) como a primeira tentativa de entender a influência das religiões afro-
brasileiras no xamanismo indígena. Neste sentido afirma que, uma vez em contato com
as sociedades ditas civilizadas, esta religião sofreu forte influência do catolicismo, bem
como incorporou as entidades cultuadas no tambor de mina, no candomblé, além do
legado dos barbadianos migrados para o Pará. A absorção de elementos litúrgicos
alienígenas, não significou, em absoluto, o abandono das práticas nativas da Amazônia.
O que houve foi a inclusão de elementos como a cachaça que acabou por substituir as
beberagens indígenas.
Salles separou a pajelança em duas categorias quais sejam: a urbana –
completamente sincretizada - e a rural – menos misturada. Reforçou que na cidade, a
pajelança se encaminhou para a institucionalização enquanto que no campo era
puramente magia. O panteão também foi bastante modificado através da inclusão de
orixás e cabocos e pelos ideais kardecistas.
Apesar de todas as mudanças a pajelança urbana traz em seu bojo um elemento
importante característico dos cultos rurais que é o uso da pena e maracá e a inexistência
de tambor. Neste sentido o autor concluiu que a pajelança é uma religião que se
51
esconde uma vez que a função do pajé é basicamente a cura. Ele entra em transe para
libertar o indivíduo de um malefício. Citou como características da pajelança: a
individualização, o uso de pena de arara, tauari e maracá. Segundo esse autor, as
religiões de matriz africana trocam o tauari pelo cachimbo (usado pelos pretos velhos)
usam bacia, fogareiro, cuité, além de se desenvolverem em cultos públicos.
Já nas últimas décadas do século XX, outro pesquisador estrangeiro, voltou os
olhos para o campo religioso aqui referido. Na década de 80, Yoshiaki Furuya (1986),
teve acesso a um campo em total redefinição. Este pesquisador reconheceu a existência
de um culto tradicional: o mina-nagô. Esta religião passava por um processo de
reorganização pois diversos de seus membros haviam, nas décadas anteriores, deixado
Belém em busca de uma “especialização”, no candomblé. A introdução de uma nova
liturgia acabou por influenciar o ritual mineiro.
Em meio a este movimento, o autor encontrou dois grupos distintos de mineiros:
aqueles que procuravam a nagoização27
através da feitura de santo nos candomblés
baianos e os que aceitavam a “umbandização”28
como dois modelos referenciais.
Percebo a legitimação através da importação de vertentes religiosas exógena ao
contexto religioso afro-paraense: o candomblé baiano - cujo processo histórico,
organização ritual e objetivos políticos diziam respeito a um processo muito específico -
e a umbanda - uma religião preocupada em se afirmar não pela busca de elementos
africanos puros, mas pela construção de um modelo de culto nacional. Esse foi apenas o
primeiro processo de legitimação e busca consciente de uma tradição capaz de conferir
aos praticantes, respaldo e legitimidade frente a um campo eclético.
Ao longo dos anos 90 e da primeira década do século XX os terreiros de Belém
voltaram ser visitados e outros trabalhos foram escritos. Duas perspectivas de análise
podem ser destacadas. Primeiramente posso pontuar um bloco de pesquisadores que se
dedicaram aos estudos das religiões afro-paraenses atraídos pelos resultados obtidos
pela Missão de Pesquisa Folclórica de Mário de Andrade (Figueiredo, 1996; Brasil,
2000). Os demais procuraram definir e analisar as diversas formas de legitimação que os
27
Denominação dada por Yoshiaki Furuya à migração religiosa dos adeptos da mina para o candomblé
Ketu modelo baiano.
28
Denominação dada por Yoshiaki Furuya ao sincretismo estabelecido entre mina e umbanda, sendo este
último um modelo de culto brasileiro e por si só extremamente sincrético uma vez que mistura elementos
do catolicismo popular, kardecismo etc.
52
religiosos afro-paraenses vêm buscando a fim de se afirmarem diante de um campo
religioso mutante.
No primeiro bloco destaco dois pesquisadores: o historiador Aldrin Moura de
Figueiredo e o etnomusicólogo Mário Lima Brasil. Em torno da história dos cultos afro-
brasileiros menciono ainda os trabalhos de Aldrin Figueiredo; quais sejam: A Cidade
dos Encantados (1996) e “Os Reis de Mina: A Irmandade de Nossa Senhora dos
Homens Pretos no Pará dos Séculos XVII ao XIX” (1994).
A Cidade dos Encantados (1996), dissertação de mestrado daquele historiador
trabalhou a pajelança a partir dos escritos dos folcloristas e dos periódicos do século
XIX e XX, constatando a partir da análise dos artigos de jornal da década de trinta do
século passado, a existência de uma pajelança negra, oriunda da ligação entre aquele
tipo de culto e as religiões de matriz africana.
Muitos pajés eram figuras frequentes nos periódicos entre os quais pontuo um
certo Jary - preto pernambucano, morador do Marco da Légua, descrito quase como um
macaco – Mestre Zeferino – negro e quilombola – e Satiro, o mesmo cidadão que havia
sido recebido por Oneyda Alvarenga em 1938. A partir desse elemento coincidente,
Aldrin se debruça sobre o Babassuê com a hipótese de que, depois de Mário de
Andrade, o Pará se africanizou.
Essa dissertação de mestrado, de certa forma complementou, o que Aldrin
Figueiredo escreveu, dois anos antes, no outro artigo, também citado. Em “Os Reis de
Mina” (1994), o historiador mostrou que os escravos urbanos estabelecidos na capital
paraense, na verdade se organizaram em irmandades religiosas católicas e não formaram
terreiros. Por isso nenhum dos ávidos pesquisadores se deparou com notícias de uma
casa mater perdidas pelos códices do Arquivo Público ou nos microfilmes de jornais.
“Os dogmas católicos se tornaram essenciais na construção de uma ordem escravista”
(Figueiredo, 1994: 6). Os escravos se adequaram à estrutura religiosa colonial, sendo
assim foram as confrarias que permitiram ao negro o exercício da cidadania, a
estabelecer unidade étnico-cultural (Figueiredo, 1994: 12).
53
Nessas irmandades os negros reproduziam práticas rituais de coroação de reis
negros. A mais famosa delas era Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Sua festa
merecia notícias nos principais jornais. A igreja, construída pelos próprios escravos,
após a rotina estafante do cotidiano, recebeu verba do governo e capitão general do
Estado, Manoel Bernardo de Melo Castro.
Outro estudo a retomar a mestiçagem foi a tese de doutorado do etnomusicólogo
da UnB Mário Brasil, que esteve em Belém na década de noventa do século XX com o
intento de refazer o percurso da Missão na Capital paraense mais de cinquenta anos
depois do Babassuê (1938). Como pai Satiro, a essa altura já estava morto e seu terreiro
fechado, Brasil (2001) procurou o terreiro de Orlando Bassu, considerado um dos
religiosos mais inovadores da capital paraense.
O músico conviveu neste templo religioso, por cerca de um ano, acompanhou
diversos rituais, fez inúmeras gravações, participou de obrigações. A pesquisa não se
encerrava nos muros do terreiro, sua equipe acompanhava os religiosos em momentos
de divertimento, frequentando festas onde se tocava pagode, brega e forró. Seu objetivo
era observar as mudanças musicais ocorridas desde a visita da Missão em 1938,
considerando, sobretudo, a influência da música urbana, escutada pelos jovens
tamboreiros.
O material coletado serviu de inspiração para a gravação de um CD denominado
A Música de Culto Afro-Brasileiro na Amazônia (s/d) realizada no estúdio de um dos
músicos de maior expressividade no Pará, conhecido como Luís Pardal. Este CD traz
um pequeno encarte escrito por Anaíza Vergolino e pelo próprio Mário Lima Brasil,
contendo em seu bojo explicações de cunho antropológico que situam o leitor no que
tange ao processo histórico do dono da casa que é caracterizado pelo hibridismo
cultural.
A antropóloga remete às entidades cultuadas pela mina, aos instrumentos
musicais tocados no Abassá Afro-Brasileiro Lego Xapanã29
e aos toques litúrgicos. A
grande novidade deste material são as diversas partituras que acompanham as letras de
cada doutrina cantada.
29
Abassá Afro-Brasileiro Lego Xapanã é o nome do terreiro de Pai Orlando Bassu.
54
Entre os trabalhos que compõem o segundo bloco destaco a dissertação de
mestrado intitulada Uma Rosa a Iemanjá (1999) de autoria de João Simões Cardoso
Filho. Seu objetivo básico foi fazer uma análise antropológica da Associação dos
Amigos de Iemanjá (AAI) - uma das diversas instituições civis existentes em Belém – e
do Festival de Iemanjá – um ritual com ares de espetáculo realizado na Praia Grande,
distrito do Outeiro – em Belém. A AAI foi criada em 1971, lideranças emergentes que
se juntaram à profissionais da área da comunicação para realizar uma homenagem a
rainha do mar.
Posteriormente menciono Os Candomblés de Belém (2001), pesquisa realizada
por Marilu Campelo. Esta antropóloga chegou ao Pará, oriunda do Rio de Janeiro, no
final da década de 90. Ela vem preencher a lacuna deixada pela literatura especializada
que até então não havia abordado candomblé no território paraense. O campo afro-
paraense ganhou novos ares desde a década de setenta e toda referência feita a esta nova
matriz religiosa, partia da análise dos terreiros de mina.
Candomblés de Belém (2001) é o único trabalho que se dedicou a estudar uma
modalidade religiosa afro-paraense que foge à tradição local. A autora contou a história
do candomblé nagô30
na capital paraense, mostrando de forma detalhada a trajetória das
principais lideranças que se submeteram ao processo de “nagoização” já mencionado
anteriormente por Furuya.
Por último menciono o meu próprio trabalho. No ano de 1996, eu, como uma
jovem estudante do curso de história, procurei o Departamento de Antropologia, então
coordenado pela Professora Anaíza Vergolino, com intuito de pedir ajuda para iniciar
pesquisa na área das religiões afro-brasileiras. Fui agregada a linha de pesquisa, então
coordenada pela referida professora, me tornando assim sua orientanda.
O primeiro trabalho desenvolvido nesta área entitulou-se Devaneios da
Memória: A História dos Cultos Afro-Brasileiros de Belém do Pará na Versão do Povo
de Santo (2000). Diante de tantas ausências resultadas da garimpagem documental em
busca de centros religiosos perdidos nas brumas dos séculos, procurei me basear outros
30
Usado aqui como sinônimo de candomblé ketu.
55
documentos no ensejo de continuar a caminhada em busca das origens da mina no Pará.
Trabalhei basicamente com a memória dos mineiros afro-paraenses. Utilizando técnicas
da história oral, indo a campo e constatando que o discurso dos religiosos africanistas
não é homogêneo.
Dividi estes religiosos em dois grupos que denominei: “intelectuais” e “leigos do
santo”. A partir dos mesmos tracei a história dessa religião. Considero que a
profundidade temporal desta memória remonta apenas ao período da economia
gomífera, sequer referindo a presença africana na Amazônia colonial. Delimito também
as fronteiras do que chamei de “cidade do santo”, ou seja, o universo urbano dos cultos
afro reconstruídos pela memória dos narradores.
Terminada a monografia de conclusão de curso, persisti no estudo das religiões
afro-brasileiras, indo a campo, observando rituais, escrevendo artigos o que me rendeu
reconhecimento junto à comunidade acadêmica e religiosa, agregando-me então a uma
“família” construída socialmente pelo ritual da iniciação acadêmica.
A relação pessoal e profissional com minha então orientadora, foi se estreitando.
Por intermédio dela fui aceita como membro da Federação Espírita, Umbandista e dos
Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP), tornando-me secretária do
Conselho Religioso Estadual e passei ser conhecida, pelos membros da referida
instituição como sua “filha-de-santo”.
Minha dissertação de mestrado, defendida em 2003, na Universidade Federal de
Pernambuco teve por objetivo realizar uma revisita à FEUCABEP. Este trabalho,
intitulado de Revisitando o Tambor das Flores (2003), atualizou a organização social
dos cultos afro-paraenses, analisando a extrema importância que os religiosos locais
davam a filiação em Unidades Burocráticas chamadas de Federações.
Conforme o título sugere, revisitei o campo já estudado por Anaíza Vergolino
em 1976 e me detive na observação de uma Federação específica: a FEUCABEP
(Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará).
Dentre outras coisas concluí – em concordância com Vergolino (1976) - que essa
Instituição mais do que uma burocracia, se formara enquanto um terreiro que acabou
por ser reconhecido localmente como a “casa mater”.
56
Na condição de entidade religiosa esta instituição precisou definir uma liturgia e
criar um calendário e para tal lançou mão de uma modalidade religiosa específica, a
referida mina, o que por si só a legitimava.
Nesta breve revisão da bibliografia foi possível ter acesso às diversas alterações
sofridas pelo campo religioso afro-paraense. Percebi, em meio a conversas informais
com diversos religiosos praticantes da mina, umbanda e candomblé um consenso
quanto à religião de matriz africana tida como tradicional no Pará: trata-se da mina.
Atualmente ser praticante ou adepto de uma religião tradicional na capital
paraense é se autoafirmar mineiro em oposição aos umbandistas e aos candomblecistas,
havendo, pelo menos em nível do discurso, uma separação marcada entre as diversas
modalidades de culto.
Embebida nessa informação lancei-me a proposta de conhecer mais de perto essa
mina tradicional. A relevância desta tese está na tentativa de se montar esse imenso
quebra-cabeça que é o panteão religioso afro-paraense. Por isso decidi analisá-lo,
seguindo os mesmos caminhos já trilhados por meus antecessores (Leacock, 1972;
Vergolino, 1976).
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HAS THE WHITE GUMA: The Nobility EUROPEAN MOUNTED CUT IN MINING ESCANTARIA

  • 1. 1 “TEM BRANCO NA GUMA”: A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira Taissa Tavernard de Luca
  • 2. 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ANTROPOLOGIA “TEM BRANCO NA GUMA”: A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira Por TAISSA TAVERNARD DE LUCA BELÉM 2010
  • 3. 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ANTROPOLOGIA “TEM BRANCO NA GUMA”: A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira TAISSA TAVERNARD DE LUCA Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial para a obtenção do titulo de doutor em Ciências Sociais, com ênfase em antropologia, sob a orientação da Profª. Drª. Marilu Márcia Campelo e co- orientação do Profº. Dr. Aldrin Moura de Figueiredo. Belém 2010
  • 4. 4 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA) Luca, Taissa Tavernard de Tem Branco na Guma: a Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira / Taissa Tavernard de Luca; orientadores, Marilu Márcia Campelo e Aldrin Moura de Figueiredo. - 2010 Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Belém, 2010. 1. Cultos afro-brasileiros - Belém (PA). 2. Religião - Influências africanas. 3. Religião e sociologia. 4. Mito. I. Título. CDD - 22. ed. 299.6098115
  • 5. 5 “TEM BRANCO NA GUMA”: A Nobreza Europeia Montou Corte na Encantaria Mineira Por TAISSA TAVERNARD DE LUCA Tese submetida à avaliação, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais. BANCA EXAMINADORA _____________________________________ Orientadora: Profª. Dra. Marilu Márcia Campelo Universidade Federal do Pará – UFPA ______________________________________________ Co-orientador: Profº Dr. Aldrin Moura de Figueiredo Universidade Federal do Pará - UFPA ____________________________________________________ Examinador Externo: Profº Dr. José Flávio Pessoa de Barros Universidade Cândido Mendes – UCAM _________________________________________________ Examinadora Externa: Profª Dra. Mundicarmo Ferretti Universidade Federal do Maranhão – UFMA ___________________________________________________ Examinador Interno: Profº Dr. Raymundo Heraldo Maués Universidade Federal do Pará – UFPA ______________________________________________________ Examinadora Interna: Profª Dra. Maria Angélica Motta Maués Universidade Federal do Pará – UFPA
  • 6. 6 Ao Professor Arthur Napoleão Figueiredo (in memorian), pai fundador de minha linhagem acadêmica, que neste dia 26 de março completaria 87 anos de vida.
  • 7. 7 AGRADECIMENTOS Este é, sem dúvida, o momento mais gostoso de ser escrito: o de agradecer aos outros atores da difícil tarefa que é produzir uma monografia. A primeira coisa a ser dita é que absolutamente ninguém consegue esse feito sozinho. Sempre existe uma equipe enorme que guia, abre clareiras no caminho, constrói atalhos, joga pedaços de pão para que o andarilho não perca o rumo, atira as pedras, escuta as lamúrias, ensina a limpar a estrada, incentiva a retomada e aplaude a missão cumprida. Comigo não foi diferente. Por isso faço uso deste espaço para literalmente “dar a Cézar o que é de Cézar e a Deus o que é de Deus”. É justamente a Ele, a quem me curvo inicialmente. Ao meu Deus de todos os nomes, de todas as cores e de imensa justiça a Quem eu amo arrebatadoramente, com o meu jeito de eterno filho pródigo. Só posso dizer: - Tudo que sou devo a Ti, que me trouxestes ao mundo, me destes muitas agruras e alegrias dobradas. Obrigada pelo dom que é a minha vida, pela Tua presença constante até quando a minha pequenez não conseguiu Te enxergar, por teres plantado flores em meu caminho, aberto todas as portas e distribuído sorrisos por onde eu passei. Obrigada por ter me feito acompanhar apenas de pessoas boas e afastado um a um todos os inimigos, por ter me segurado nas tantas vezes que caí e me afagado quando me esvaí em lágrimas. Obrigada por me permitir estar aqui para vivenciar essa alegria. Os méritos são todos teus, eu só fui teu instrumento torto. Feito este agradecimento, devo dizer que sou uma pessoa de muitos “Cézares” portanto não posso, de forma alguma me esquecer de nenhum deles. Iniciarei pela família que é sempre o esteio de tudo. Ao meu pequeno Antônio, presente divino, luz resplandecente, razão do trocar de dias, consolo na tristeza, esperança no cansaço, acalanto nas lágrimas, companhia na solidão, fonte de amor inesgotável, pedaço de mim mais bonito, agasalho do universo no meu colo. Que bom te ouvir me chamar de mãe!!!!
  • 8. 8 A minha mãedrinha Inha Io (para os outros Ilze), meu esteio, meu alento, meu porto. Entrego-lhe aqui o resultado final de minha trajetória acadêmica materializado nesta brochura. É uma forma de dizer muito obrigada por ter segurado as mãos daquela criança pequena e a trazido até aqui, mesmo com todas as minhas ausências. Entrego também a minha gratidão pelo amor incondicional com que me afagou por todos os momentos, pela atenção e o companheirismo do cotidiano e pelos silêncios de reprovação. Entrego, principalmente, tudo o que me tornei. Perdão se não pude retribuir a altura seu esmero em zelar por mim, mas este é o resultado do que pude construir olhando para senhora e dizendo: - Um dia quero ser assim!!!! Eu lhe amo com todo meu coração. Aos meus pais Beto e Vera e à minha irmã Tainá pela certeza de pouso certo, não importa quão longe eu esteja do ninho. A minha irmã Gabi, meu cunhado Marco e meus sobrinhos Pedro e Aimê que apesar de tão distantes, em função dos afazeres cotidianos, tiveram um papel fenomenal em minha vida: o de resgatar “aquele tempo em que toda modinha só falava de amor”. A Minha Yó querida, avó melhor do que a de todos os contos de carochinha, com direito a guloseimas, muito carinho, preocupação demasiada e é claro, puxão de orelha. Sempre disposta a “abrir mão do sol de cada dia para acompanhar minha solidão”. Não se esqueça de nosso trato: - Tá proibida de morrer antes de mim. Ao meu avô Mário (in memorian), meu exemplo de integridade. Agradeço por ter sido mais do que duplamente pai, como são todos os avôs. Obrigada pela riqueza do afeto que me destes e que ainda dás nos devaneios que faço “a aurora de minha vida”. Agora sei que “minha infância foi muito mais querida” por causa de ti. Que pena que os anos não te tragam mais para plantarmos juntos novas árvores no velho quintal! Que pena que nem o quintal com as árvores eu tenha mais! Que pena que sequer possa regressar a gravioleira onde dissestes que estarias sempre que eu precisasse de ti! Preciso de ti para pedir perdão por não ter tido noção da amplitude de tua importância a tempo. Por não ter tido mais tempo para simplesmente te escutar, ou maturidade para me jogar com mais leveza em teu abraço. Olha vô, já olhei debaixo dessa mesa quando cá cheguei e não tem ninguém que vá me fazer mal. Pode dormir sossegado, que meu
  • 9. 9 “caminho ainda está ladrilhado com as pedrinhas de brilhante que jogastes na minha vida”, lá atrás, ao balançar a minha rede. Aos meus tios Marises, Yeda e Pedro; as minhas joias; por terem aguentado todos os trancos e ainda estarem sempre a disposição para me escutar, cada um do seu jeito. Uma com a sua natureza maternal tipo avental, “só um pouquinho sujo de ovo”. Outra, toda modernosa, “estilo rock in roll, meio no sense”. O último... O terceiro é meu ícone, meu exemplo, meu amor. Aquele que nunca é bandido. A gente cresce e continua sendo herói, mesmo se errado. É no seu colo que eu posso, literalmente despejar toda a minha insegurança e a segurança também. A prima Kamilla que mesmo de outras plagas, sempre volta a pasárgada com carinho de quem foi embora ontem a noite. A minha querida Dane, pela credibilidade no potencial desta tese e pela ajuda no árduo processo de correção e entrega da versão final. Ao Geraldo pela companhia durante a jornada de elaboração dessa tese, pelas belas fotos cedidas e pela amizade. Aos meus orientadores e amigos Marilu Márcia Campelo e Aldrin Moura de Figueiredo por terem acreditado em meu projeto de pesquisa. Pela orientação e pela paciência em respeitar minha carga horária de trabalho excessiva. Pela credibilidade no fim desta tese mesmo com meus prazos alargados. Pela disposição em me atender nas parcas horas de folga. Pela amizade que nunca se confundiu com profissionalismo e pelo jeito meio Iemanjá e Xangô (RESPECTIVAMENTE) de dar bronca. Aos queridos João Simões Cardoso e Mário Lima Brasil que me aceitaram em suas pesquisas quando a única contribuição que eu lhes tinha a dar era a minha vontade de aprender.
  • 10. 10 Aos professores do PPGCS, Raymundo Heraldo Maués, Maria Angélica Motta Maués, Carmem Izabel Rodrigues, Wilma Leitão, Denise Cardoso, Kátia Mendonça e tantos outros pelos preciosos ensinamentos e pela atenção com que têm recebido meus trabalhos em ocasião de congressos e apresentações. A professora Zuleide Cortês, diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Camilo Salgado, onde trabalho, pela compreensão infinita e pela disposição em me ajudar a equacionar meu tempo para viabilizar a conclusão desta missão. As queridas Elisa, Érica, Simone e Márcia que, em momentos alternados, cuidaram da minha vida para que eu pudesse me dedicar à tese. Aos amigos Leo, Daniel, Gonçalves, Mônica, Luzanira, Gabi, Célia, Ana Cláudia, Regina, Ilka, Ângelo, Andréia, Marisinha, Tatiane, Joana – e tantos outros - pelo carinho, a preocupação e a companhia. A minha turma de doutorado formada por pessoas especiais que vão ficar sempre no meu coração Daniel, Angélica, Renata e Renilda pelas discussões aquecidas sobre teoria e política. Aos funcionários do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará, Rosângela, Paulo e ao saudoso Seu Elói sempre constantes ao longo de minha trajetória acadêmica. Especialmente: Ao povo-de-santo da capital paraense pelo carinho com que têm me recebido e pelas lindas entrevistas concedidas sempre de forma paciente. O envolvimento com essas pessoas me trouxe alegrias profissionais e pessoais.
  • 11. 11 Muito Especialmente A minha querida Professora Anaíza, desta filha-de-santo que possui carinho, gratidão, orgulho e fidelidade quase africana de quem respeita incondicionalmente o antepassado. Estou aqui trazendo os louros de sua missão cumprida. Filha feita, criada, raspada, catulada, empossada com alto posto hierárquico, capaz de dar continuidade a família, mas que jamais deixará de prostrar-se diante de quem primeiro colocou a mão em sua cabeça. Esforcei-me em dar certo, professora, para tentar retribuir com esmero todos os seus esforços e sua credibilidade. Os defeitos são inteira responsabilidade minha.
  • 12. 12 RESUMO A presente tese tem por objetivo apresentar o panteão da religião de matriz africana mais antiga de Belém do Pará: a mina. Analisa principalmente uma categoria de entidades denominadas, senhores de toalha ou nobres gentis nagô. São reis ou aristocratas europeus que possuem ligação com o processo de cristianização da Europa, expansão marítima e colonização do Brasil. Neste sentido, recupera parte da história de vida desses personagens na tentativa de entender a construção mítica e a lógica interna do processo de divinização dos mesmos. Procura também, apontar valores que estão subjacentes a todas as narrativas dentre os quais destaca o simbolismo da branquidade. Palavras Chave: Religião Afro-Paraense, Mina, Mito, Símbolo e Branquidade.
  • 13. 13 ABSTRACT This text aims to present the pantheon of the mina religion– the most traditional african-matrix religion in Belém, capital of Para State, in northern Brazil. It essentially analyzes a category of entities called senhores de toalha (gentlemen in Towel) or nobres gentis nagô (noble gentle nagô), european kings and aristocrats connected to the process of christianization in Europe, its naval expansion and the colonization of Brazil. Therefore, it discusses parts of the characters history, in an attempt to understand the mythic construction and the internal logic of their process of divinization. Finally, this work indicates the values that are correlated to all of these narratives, in which the symbolism of witeness is highlighted. Keywords: African-Para religion, Mina, Myth, Symbol, Witeness.
  • 14. 14 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Categorias de Divindades 66 Quadro 2: Categorias de Encantados 66 Quadro 3: Hierarquia do Panteão de Acordo com os Descendentes dos Mineiros de Primeira Migração 73 Quadro 4: Hierarquia do Panteão de Acordo com os Mineiros de Segunda Migração 74 Quadro 5: Dinastias que Governaram Portugal 82
  • 15. 15 SUMÁRIO Resumo XI Abstract XII Lista de Imagens XIII Lista de Tabelas XIV Sumário XV INTRODUÇÃO: UM PROJETO METAMÓRFICO 16 CAPÍTULO 1: O PESQUISADOR RECEBENDO O DEKÁ 25 1.1. Formas de Interpelar um Campo Eclético 33 CAPÍTULO 2: VERSÕES SOBRE A MINA DO PARÁ 41 2.1. Do Olhar Por Sobre os Ombros ao Estabelecimento do Campo de Estudo 41 2.2. Das Primeiras Pesquisas até os Dias de Hoje 45 CAPÍTULO 3: UMA MINA DE DIFERENTES VERTENTES 56 CAPÍTULO 4: A NOBREZA PORTUGUESA MONTOU CORTE NA ENCANTARIA 80 4.1. Dom Manuel: o Rei do Mundo 93 4.2. Rei Sebastião: Ele é Pai de Terreiro 100 4.3. Dom José o Rei Posto por Marquês de Pombal 122 4.4. O Navio de Dom João Vem Ocupar o Brasil 136 CAPÍTULO 5: AS DINASTIAS ESTRANGEIRAS: UMA AMEAÇA EMINENTE Á SOBERANIA NACIONAL PORTUGUESA 145 5.1. As Várias Faces de um Rei Francês que Migrou para o Maranhão 147 5.2. Dom Miguel da Gama: o Tubarão Espanhol da Soberania Nacional Portuguesa 157 CAPÍTULO 6: O MITO E O SÍMBOLO: A CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DE BRANQUIDADE 167 6.1. A Imagem da Branquidade 175
  • 16. 16 6.2.O Simbolismo da Pedra 188 6.3.O Simbolismo da Água 194 6.4.O Simbolismo Animal 200 CAPÍTULO 7: POR UMA SOCIEDADE DE CORTE NOS TERREIROS DE BELÉM 205 CONSIDERAÇÕES FINAIS 225 GLOSSÁRIO 229 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 248
  • 17. 17 INTRODUÇÃO: Um Projeto Metamórfico Nesta breve introdução, se eu pudesse classificar meu trabalho, diria tratar-se de um projeto metamórfico. A primeira proposta, apresentada ainda no exame de seleção para o programa de doutorado possuía traços bem diferentes do atual. Chamado inicialmente de “As Religiões Mina de Belém do Pará: Reflexões sobre a construção da Tradição”, pretendia enfocar as diversas vertentes de ritual mina1 praticadas em Belém do Pará e tidas, tanto por religiosos quanto por pesquisadores locais, como tradicionais. A ideia de fazer um trabalho que discutisse essa tradição religiosa no Pará, não é recente. Surgiu em meio a minha monografia de conclusão de curso de História na UFPA, (Luca, 1999). Com esse projeto de pesquisa fui aprovada no Programa de Pós- Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco em nível de mestrado mas não cheguei a desenvolvê-lo, em função do tempo exíguo fornecido para a confecção de uma dissertação. Sendo assim, a proposta foi devidamente engavetada por mais ou menos cinco anos. Passou por atualização no que tange às informações de campo e reforço dos marcos teóricos para ser usada na seleção para o curso de doutorado, prestada junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará em 2005. Interessava-me saber como uma vertente de culto maranhense passou a ser reconhecida tradicional no Pará, em detrimento de outras formas religiosas. Propunha- me a analisar o que é ser mina tradicional, mediante a tantas variações. Desejava mapear as várias facções observando como o modelo maranhense era reconstruído por cada uma delas. Por último, interessava saber por que unidades religiosas que desenvolvem tipos de rituais diferentes se agrupam em torno de uma denominação maior: mineiros. Afinal, 1 Todas as palavras nativas serão grafadas em itálico. O significado das mesmas encontra-se no glossário, ao final da tese.
  • 18. 18 quais os elementos que contribuem para manutenção dessa identidade (mineira) nos dias atuais? Com todos esses questionamentos, me lancei à observação, já não mais como uma nau errante, pois nesta ocasião possuía conhecimento do campo afro-paraense, advindo dos anos de pesquisa, iniciada em 1996, quando ainda cursava graduação. Todavia as “águas do Pará” 2 me guiaram por um outro caminho. Muito cedo consegui responder os questionamentos acima propostos, estava claro que o elemento estrutural nessas religiões, era a composição de seu panteão. Todos os terreiros percorridos cultuavam as mesmas categorias de entidades. Embora a composição das famílias sofresse diversos rearranjos, essas transformações se davam dentro de um mesmo eixo: a adoração a voduns, orixás e encantados. Esses são os elementos invariantes, diante da diversidade simbólica da mina. A partir deles todas as versões se arrumam ou se confundem. Conduzida por esta descoberta procurei entender a formatação desse panteão no intuito de montar genealogias. Foi nesse caminho que o percurso tornou-se confuso por que as versões eram tão díspares que tornavam impossível o intento. Para construir as redes de parentesco das divindades seria preciso escolher uma versão e qualquer versão escolhida seria sem dúvida arbitrária, haja vista que, em Belém do Pará, não há terreiro considerado de raiz. Acabei por me deter tanto na análise do panteão que o objetivo primeiro, acima exposto, se tornou uma preocupação menor. Encantei-me com uma categoria de entidade específica, denominada de senhores de toalha, formada basicamente pela nobreza portuguesa e de outros países, em sua maioria, católicos, que de certa forma tiveram vínculo com o processo de colonização do Brasil. Todos os reis que havia estudado em meio ao meu curso de graduação em História, “montaram sua corte na encantaria mineira”. Essa foi a primeira metamorfose do projeto. Passei então a querer entender a constituição do mito através dos elementos históricos, usando como referencial teórico 2 Expressão utilizada para diferenciar a mina do Maranhão da mina praticada no Pará.
  • 19. 19 Claude Lévi-Strauss com sua teoria estruturalista dos mitemas (1970). Cheguei a esboçar um artigo analisando a trajetória de Rei Sebastião, o mais conhecido desses nobres. Partindo dos dados de sua história de vida, incursionei pela bibliografia acerca do sebastianismo em Portugal e no Brasil e finalmente desenvolvi um estudo sobre o culto a esse nobre em alguns terreiros paraenses destacando os elementos invariáveis das narrativas. Considerando a história como mais uma das versões plausíveis de análise. Logo percebi que permanecer nessa linha de abordagem seria muito difícil, uma vez que o culto aos senhores de toalha se torna cada dia mais rarefeito. Poucos são os que ainda baixam nos terreiros. Procurei o terreiro centenário - o Terreiro Dois Irmãos3 - mas sua liderança religiosa não fala muito sobre estas entidades em função da estrutura de segredo que possui a religião. Constatei também que alguns afro-religiosos fazem alusão a esses encantados, os descrevem a partir de uma referência ao sincretismo com o orixá. Muitas vezes perguntei: “- Quem é Dom José?” Recebi como resposta: “ - É um Xangô”. Ou seja, a narrativa mítica dá pouco material para análise. Se os dados mitológicos tornaram-se rarefeitos, muitas informações foram obtidas sobre a organização das famílias de encantados o que nos possibilitou perceber sua característica mestiça, seguindo o modelo de Gilberto Freyre (1964) de família patriarcal e extensa. Percebi também que o panteão é constituído a luz da fábula das três raças (Da Matta, 1991). Nele estão presentes brancos, negros e índios. Foi a partir dessa constatação que o projeto se direcionou para a sua terceira abordagem. Parti do pressuposto de que há um imaginário influenciado pelas teorias sociais sobre o negro no Brasil que se reproduz na hierarquia do panteão. Sendo assim projetei entender a organização de negros, brancos, índios e mestiços pelas categorias de entidades partindo do princípio de que essa arrumação segue o modelo instituído pela sociedade brasileira. 3 Grafei em negrito todos os nomes de terreiros mencionados.
  • 20. 20 Não tinha mais a pretensão de construir genealogias uma vez que, como já foi dito, os arranjos sofrem muitas variações, escolher uma versão seria subjugar a pluralidade do campo religioso. Consideraria todas as variantes partindo do princípio de que as discrepâncias, por maiores que sejam, sempre estão pautadas no modelo da sociedade. Esta foi a proposta apresentada para a qualificação. No entanto após aquele mês de novembro de 2007, minha trajetória profissional e pessoal sofreu algumas alterações. Passei em um concurso público para professor AD 4 de nível médio da Secretaria de Estado e Educação do Estado do Pará, o que me conferiu uma carga horária de trabalho de doze horas por dia. Em adição a isso, em junho de 2008 me tornei mãe pela primeira vez. Todas essas mudanças acabaram por restringir minha disponibilidade de tempo para pesquisa o que me obrigou a fazer recortes. Retornei então ao projeto anterior de estudar o panteão mineiro escolhendo uma categoria de entidades que são os nobres gentis nagôs ou senhores de toalha formada por lideranças políticas do Estado nacional português. Partindo do princípio que a referência a esses personagens é uma apologia metafórica ao processo de colonização portuguesa, ao catolicismo, ao estado nacional e ao absolutismo. Neste sentido escolherei estas entidades para, a partir delas, tentar analisar o panteão mineiro. Minha proposta é estabelecer uma relação entre história e mito, explicando de que forma o imaginário sobre o deus4 foi construído a partir dos personagens históricos e de elementos da sociedade de corte ocidental. Para isso farei uso dos conceitos de mito, branquitude, símbolo e sociedade de corte. A tese está dividida em dois volumes. O primeiro volume é composto por sete capítulos. No primeiro, que se denomina “O Pesquisador Recebendo o Deká”, faço um passeio nostálgico em torno da trajetória por mim percorrida ao longo desses anos de contato com o campo afro-brasileiro local. Procuro destacar que o amadurecimento de minha pesquisa bem como a minha ligação com a linhagem antropológica que 4 Convencionei grafar com inicial minúscula a palavra deus quando referida a uma denominação genérica ou a uma divindade que possui nome e com maiúscula ao Deus cristão, uma vez que, neste caso, o substantivo simples vira nome próprio.
  • 21. 21 inaugurou a linha de pesquisa sobre religião de matriz africana no Pará e acabou por influenciar o reconhecimento de meu trabalho. Ele possui um subitem entitulado “As Formas de Interpelar o Campo Eclético” no qual destaco a metodologia de pesquisa utilizada, o processo de escolha dos informantes, as mudanças de estratégias adotadas na coleta de informação, as dificuldades superadas, as impossibilidades e, finalmente, a subjetividade que permeia todo processo de contato entre pesquisador e pesquisado. O segundo capítulo, “Versões sobre a Mina do Pará”, propõe introduzir o leitor ao universo dos cultos afro-brasileiros no Estado. Nele, referirei a bibliografia preexistente sobre religiosidade afro-paraense, mostrarei, por exemplo, que o primeiro olhar sobre essa experiência religiosa foi dado pela Missão de Pesquisa Folclórica coordenada por Mario de Andrade, que resultou na confecção do livro denominado Babassuê (1938). Indicarei a leitura de Spirits of the Deep (1972) do casal americano Seth e Ruth Leacock, que esteve em Belém na década de 50 e a partir do material etnográfico coletado elaborou o primeiro modelo da mina no Pará, que neste período foi denominado de batuque. Posteriormente apontarei as pesquisas realizadas pelos fundadores da linha de pesquisa sobre religião afro-brasileira na Universidade Federal do Pará, então denominada “Batuques de Belém”. Trata-se de Napoleão Figueiredo e Anaíza Vergolino que escreveram diversos artigos sobre assuntos variados como o culto às plantas, os pontos de Exu, os rituais de semana santa, a história da religião, etc. Ressalto que a produção de maior destaque é a dissertação de mestrado de Anaíza Vergolino, intitulada O Tambor das Flores, (1976). Registrarei também os trabalhos realizados por Vicente Salles e Aldrin Moura de Figueiredo, ambos situados na fronteira entre os estudos de pajelança cabocla e religiões de matriz africana. Deste grupo destacarei o artigo “Cachaça, Pena e Maracá” (Salles, 1977) e a dissertação de mestrado A Cidade dos Encantados (Figueiredo, 1996) que analisa a pajelança não a partir da observação participante mais de uma fenomenal garimpagem dos escritos dos folcloristas. De Figueiredo também incluí o artigo
  • 22. 22 histórico “Os Reis de Mina” (1994), no qual o autor aborda a organização dos escravos – do XVII ao XIX – em torno de irmandades religiosas católicas. Ainda foram enumerados os trabalhos realizados na década de 80 por Yoshiaki Furuya (1986) - com o intuito de perceber a influência da umbanda e do candomblé nos terreiros de mina, processos denominados respectivamente de “umbandização” e “candombleização” – e de novos pesquisadores que surgiram nos fins da década de noventa e na virada do milênio. Dentre eles destacarei os antropólogos Marilu Campelo, João Simões Cardoso Filho e eu mesma. Campelo (2001), pesquisadora carioca que chegou a Universidade Federal do Pará, desenvolveu seus trabalhos em torno do candomblé de Belém, vertente de culto até então não contemplada pela academia. Cardoso (1999) etnografou um festival com ares de espetáculo realizado no Distrito de Outeiro, no dia 8 de dezembro: o Festival de Iemanjá. Eu, por minha vez, dediquei-me a discutir a história da mina no Pará a partir da memória de seus adeptos, durante minha monografia de conclusão de curso de graduação em História. Na dissertação de mestrado revisitei o trabalho de Anaíza Vergolino entitulado O Tambor das Flores (1976), analisando a FEUCABEP, quase 30 anos após sua fundação. Em “Uma Mina de Diversas Vertentes” traço o percurso histórico das religiões africanas em terras paraenses dividindo seus adeptos em dois grandes grupos: os mineiros de primeira migração – e seus descendentes – e os mineiros de segunda migração. Ambos oriundos de uma tradição que “deita raízes” no Maranhão. (Vergolino, 2003). Procuro deixar claro que esses dois grupos, embora se concentrem em função da origem e do momento histórico que se estabeleceram no Pará, possuem desigualdades internas subjacentes, no que tange à liturgia. Neste sentido apontarei as semelhanças e diferenças, considerando que o elemento coesivo que agrega todos os matizes rituais sob a denominação mina é o panteão comum. Por fim, partindo deste pressuposto, descreverei brevemente as entidades da mina na tentativa de contextualizar as categorias escolhidas para a análise.
  • 23. 23 No quarto capítulo – “A Nobreza Portuguesa Montou Corte na Encantaria” - passarei a analisar, de forma mais detida, as entidades que compõe a mitologia mineira, detendo-me mais especificamente na parte branca do panteão. Como falar em branco é acima de tudo referir-se aos nobres gentis nagôs ou senhores de toalha - categoria formada por reis e outros nobres lusitanos ou ligados a países cristãos – trabalharei especificamente com eles. Percorrer a trajetória mística desses personagens é acima de tudo devanear por entre as arestas da história ibero-brasileira. Quase todos eles ou tiveram ligação direta com a colonização do Brasil, ou representam grupos sociais relevantes. Desta forma este capítulo divide-se em quatro partes. A primeira descreve essa categoria de entidades e lança questões fundamentais para refleti-las. Faço também uma revisão da bibliografia acerca do culto aos reis partindo de um dos pais fundadores da antropologia, Sir James Frazer, que apesar de seu ranço evolucionista, realiza um apanhado arquivista dessa prática em diversas partes do mundo. Na sequência destaco o trabalho de Marc Bloch, historiador vinculado a Escola dos Analles, que se dedicou a refletir a relação entre poder temporal e espiritual dos reis da França e Inglaterra, partindo de uma prática muito comum durante toda a Idade Média e início da Idade Moderna: a cura das escrófulas. Nos tópicos seguintes procurarei analisar detidamente cada rei cultuado pelos mineiros que traçam verdadeiras epopeias exaltando a soberania nacional portuguesa. Reis ligados a Dinastia de Avis – Dom Manuel e Dom Sebastião – e Bragança – Dom José, Dom João, Dom Miguel – juntam-se a nobres – como Marquês de Pombal – compondo assim a realeza afro-brasileira. Procurarei pensar esses personagens como elementos míticos construídos a partir da história. Não considero que a história tenha sido totalmente reproduzida na construção do mito, mas recriada e ressignificada. Seguindo a mesma linha de análise escrevo “As Dinastias Estrangeiras: Ameaça Eminente à Soberania Nacional Portuguesa” (quinto capítulo) que visa discutir os personagens históricos de outros países como a França e a Espanha. Existem algumas dinastias não portuguesas no panteão da mina. Um exemplo é a Família da Gama,
  • 24. 24 descrita como espanhola. As entidades dessa família têm o mesmo status das portuguesas, o que é garantido não pelo elemento nacionalismo, mas pelo catolicismo, haja vista ser a Espanha um país cristão. Ainda assim posso dizer que estes encantados são bem menos conhecidos em terras paraenses. Encontrei um informante que recebe Dom Miguel da Gama, o chefe da família. É preciso ressaltar que nenhum membro da dinastia Felipina foi elencado para liderança da família Espanhola. Minha hipótese é que a omissão da realeza espanhola seja uma forma clara de subjugar simbolicamente a nação responsável pela humilhação da soberania portuguesa. Fala-se sobre eles por serem cristãos e parte integrante da história de Portugal, mas fala-se através do silêncio. Outra família de tanta importância quanto a portuguesa, é a francesa. Ao contrário do que acontece com os espanhóis remete-se a diversos reis da França, concentrados na figura de um único encantado: Dom Luís Rei de França. Este personagem traz características de três monarcas quais sejam: Dom Luís IX – o santo – Dom Luís XIII – o delfim no período da ocupação do Maranhão – e seu filho Dom Luís XIV – o Rei Sol5 . Além deles outros personagens são citados como Maria Antonieta e Joana D’ Arc. O penúltimo capítulo “O Mito e o Símbolo: A Construção de Uma Imagem de Branquidade” faz algumas considerações muito breves acerca do conceito de imaginário que perpassa toda a discussão aqui estabelecida. Trabalharei o conceito de mito, símbolo e branquidade. Referirei à teoria sobre branquidade, uma discussão incipiente, mas que traz questões fundamentais para os argumentos aqui levantados. Autores como Peter Racheff (2004), Melissa Steyn (2004), Sarah Nuttall (2004), Ruth Frankberg (2004), Zélia Amador de Deus (2006), Maria Aparecida Silva Bento (2002) e muitos outros nos revelam que ser branco é ter status, poder, estar em posição social privilegiada. 5 D. Luís IX é da dinastia Capetiana e os demais – D. Luís XIII e D. Luís XIV – são da casa de Bourbon.
  • 25. 25 No capítulo sétimo, “Tambor de Mina: Um Ritual de Corte” partirei do ritual realizado para os reis e demais nobres com o intuito de fazer uma etnografia do simbólico. Traçarei um modelo geral dos rituais em homenagem aos nobres gentis nagôs ou senhores de toalha. Por fim estabelecerei uma comparação entre os mesmos e os rituais da nobreza francesa descrita por Norbert Elias em seus livros Processo Civilizador (1993, 1993b) e Sociedade de Corte (2001). Desta forma analisarei os gestos, o movimento real, a etiqueta, as vestimentas e as técnicas corporais como elementos que ressignificam as religiões de matriz africana inserindo ritos e símbolos de origem europeia.
  • 26. 26 CAPÍTULO 1: A PESQUISADORA RECEBENDO O DEKÁ6 “Os antropólogos são classificados frequentemente numa categoria liminar entre o religioso e o leigo, beneficiando-se de um privilégio que lhe é concedido em função do respeito do povo de santo em função de seu status social. (...). Esse privilégio, contudo, pode gerar um sentimento de respeito por parte do antropólogo em relação a religião que o torna, de fato, um “quase religioso”. (Silva, 2000: pp. 61). Este é, sem dúvida, o momento mais lúdico da escrita etnográfica. Falar de minha inserção no campo afro-brasileiro é devanear antropológicamente pelas próprias reminiscências. Abandonarei as amarras da teoria, por um momento e simplesmente olharei para trás com o tom nostálgico de quem fecha os olhos e segue. O encontro etnográfico é acima de tudo uma experiência subjetiva, ou melhor, intersubjetiva (Geertz, 1989). Em projeto de verso bem piegas, a arte de achar, um sujeito, nunca por acaso, com o qual se vai dividir a experiência de pesquisa, reciprocamente. É um achado, que modifica, que divide mais do que informações sobre rituais e estilos de vida, mais do que ethos e visão de mundo (Geertz, 1989). Divide-se experiências. Neste processo todos são - cada um ao seu modo e com a sua finalidade - pesquisadores ativos. Não há objeto, não há laboratório etnográfico (Malinowski, 1978), há confronto de subjetividades, de objetivos e de vida. A experiência etnográfica jamais se faz por união, simbiose, aglutinação, mas por troca, autoconhecimento, por confronto com o próprio ethos (Geertz,1989) e com o ethos alheio. Pesquisar é acima de tudo conhecer-se, defrontar-se com a própria alteridade apresentada através do choque com o outro, transformar choque em encontro 6 Chama-se de deka o cargo conferido ao religioso após sete anos de sua iniciação e que lhe autoriza a abrir sua própria casa-de-santo e formar sua família. Após o deká, o iniciado ascende da categoria de filho-de-santo à de pai-de-santo.
  • 27. 27 etnográfico. Por vezes é também traquejo e negociação, porque escrever sobre o outro é acima de tudo uma atitude política. Ninguém sai ileso da experiência etnográfica justamente por tratar-se de um encontro entre duas ou mais pessoas que se aceitam ou não, que se toleram ou não, que aprendem a conviver, antes de mais nada, como amigos desenvolvendo afetividades e antipatias e confiando mutuamente. Em sendo assim, ao longo desse capítulo guiarei o leitor pela minha experiência pessoal intensa e única (Seeger, 1980), mostrando como esta pesquisadora, outrora “uma criança no mundo” (Seeger, 1980), agora recebe o deká.. Não posso esquecer que “a experiência etnográfica” é sempre resultado de uma atividade singular perpassada de subjetividade. Minha inserção no campo religioso afro-paraense se deu em 1996. Havia ingressado no curso de História da Universidade Federal do Pará e me deparado com uma escola que enfatizava as análises relativas à presença escrava africana no Pará. Escutava a movimentação de alunos e professores debruçados nos rotos livros de códices do Arquivo Público Municipal de Belém. Acreditava poder achar algum dado que levantasse pistas sobre a presença religiosa africana no Pará colonial. Procurava nomes de religiosos, descrições de tipo de culto, indícios de origem. No entanto isso era apenas um sonho de estudante ainda pouco familiarizada com a documentação. Mas porque esse súbito interesse pela religião? Por que não enfatizar abordagens como gênero, relações de família ou tantas outras? A resposta talvez estivesse na busca pela novidade ou era fruto de uma curiosidade antiga, advinda das parcas e soltas lembranças dos tempos de infância quando minha mãe baiava num terreiro de mina. Tudo o que me lembrava dessa época era das roupas muito alvas, de um busto do caboco Zé Raimundo localizado nos fundos de minha casa7 e da “guerra santa” travada por minha avó – uma católica ferrenha – contra essa crença. 7 Grafarei casa toda vez que esta palavra for sinônimo de terreiro, Casa quando significar dinastia e casa quando referir à moradia.
  • 28. 28 Devo dizer, contudo, que mesmo com os frustrados passeios pela documentação não desisti da ideia indefinida de estudar religião afro-brasileira. Professores e colegas de curso me aconselharam buscar auxílio no Departamento de Antropologia, o que de fato fiz. Procurei apresentar-me à Professora Anaíza Vergolino em meio a uma palestra realizada pela mesma no Museu do Círio, que neste período funcionava no prédio da Basílica de Nazaré, demonstrando o interesse que tinha em estudar religião afro- brasileira. Na época não sabia da importância que ela teria para o meu processo de profissionalização e especialmente para meu acesso ao campo. Por ela, fui indicada para trabalhar como auxiliar de pesquisa do, então mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, o professor João Simões Cardoso Filho que na época estudava o grupo de religiosos dissidentes da Federação Espírita e Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP), A Associação dos Amigos de Iemanjá. Esta instituição promovia o “Festival de Iemanjá” numa praia de água doce do distrito de Outeiro (Município de Belém). Foi nessa ocasião que comecei a frequentar os primeiros terreiros no Pará. Ajudava a coletar dados, transcrevia fitas, tirava fotografias, gravava músicas com o objetivo de dar os primeiros passos na pesquisa de campo de natureza antropológica. Nesse primeiro contato com as religiões afro-brasileiras tomei conhecimento da existência da Federação8 e comecei a frequentar alguns terreiros de religiosos vinculados a ela. Acompanhava a Professora Anaíza Vergolino em tarefas de extensão relativas ao Curso de Antropologia da Religião, ministrados pela mesma na UFPA. Já começava também a pensar num tema a ser desenvolvido no meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Um ano depois, já havia definido o “objeto” de estudo, quando procurei a sede da FEUCABEP (Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros em Belém do Pará). Meu objetivo era conseguir uma listagem de alguns religiosos antigos com os quais pudesse buscar informações para escrever sobre a História dos Cultos 8 Trata-se da Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará.
  • 29. 29 Afro-Brasileiros do Pará. Este era o tema do meu TCC o qual desenvolvi com a orientação da Professora Anaíza Vergolino. Fui recebida pelo senhor Antônio Gomes da Cruz, presidente recém eleito daquela instituição, porque tinha a indicação da pesquisadora que os acompanhava há mais de 30 anos. Na secretaria da sede social, ele abriu os arquivos da instituição, bem como sua memória e citou diversos nomes, lidos por ele num velho fichário. O entrosamento entre mim e este grupo das lideranças religiosas da Federação foi gradativo, começou com encontros nos momentos de festas religiosas. Tempos depois me envolvi em outras pesquisas9 . Uma delas desenvolvida pelo Professor Mário Brasil do Departamento de Etnomusicologia da UnB, que viera a Belém para refazer as gravações de músicas religiosas realizadas pela missão folclórica de 1938 organizada por Mário de Andrade. Este pesquisador acompanhou um dos terreiros mais inovadores da capital paraense para realizar sua pesquisa da qual também participei como auxiliar. Esta experiência me mostrou a multiplicidade dos tipos de culto de mina praticados em Belém. No ano 2000 me envolvi com o trabalho da Professora, Marilu Campelo – minha atual orientadora - do Departamento de Antropologia da UFPA sobre a história do candomblé no Pará. Percebi que os membros desta vertente religiosa formavam um grupo distante da Federação, vinculado ao Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (INTECAB). Dessas pessoas ouvi um discurso magoado com os mineiros e com a Federação, que por vezes soava como um movimento “anti- Federação”, contando com distribuição do artigo 5º da Constituição de 1988 que prega a liberdade de culto. Nessa época já não era mais tão leiga. Já conhecia minimamente a constituição do campo religioso sobre o qual me debruçava. Comecei a escrever os primeiros artigos, em co-autoria com as professoras Anaíza Vergolino e Marilu Campelo, frequentar reuniões da Associação Brasileira de Antropologia e a dialogar com pesquisadores conceituados nesta área. 9 Fui indicada por Anaíza Vergolino, para trabalhar com diversos pesquisadores que estavam desenvolvendo trabalhos junto à comunidade religiosa afro-paraense.
  • 30. 30 Conviver com os pesquisadores, participar dos diálogos, frequentar festas-de- santo e escutar conversas, me permitiu familiaridade com os mais importantes atores daquele cenário, definir grupos, mapear facções. Até então jamais tinha pensado em analisar a Federação de maneira mais detida, achava que tudo havia sido dito no Tambor das Flores (1976) e que aquela instituição civil por si só se explicava. Foi através das críticas feitas pelos membros da Associação dos Amigos de Iemanjá e pelos candomblecistas que percebi que a FEUCABEP ainda era um excelente objeto de pesquisa. Decidi então prestar seleção para o mestrado na Universidade Federal de Pernambuco, fui selecionada e elaborei um projeto cujo objeto de estudo fora a FEUCABEP. Faria uma revisita ao Tambor das Flores (1976) e analisaria aquela instituição a partir de duas perspectivas: uma sincrônica que observava a Federação a partir de sua relação com o contexto religioso afro-paraense, mapeando as zonas de poder, e outra diacrônica, considerando o processo de transformação histórica sofrida pela mesma até se transformar na grande guardiã da tradição religiosa afro-paraense. Esse projeto foi verbalmente apresentado para o então presidente da Federação, bem como para os seus líderes religiosos e imediatamente aprovado o que me trouxe muita alegria. Ter sido selecionada no mestrado e ainda escolher como campo de estudo a Federação, de certa forma consolidou minha credibilidade diante desse grupo. Da parte das lideranças, houve uma percepção de continuidade entre a pesquisa em desenvolvimento e o trabalho realizado na década de 70 pela professora Anaíza Vergolino10 . Cheguei a ouvir frases do tipo: “Ontem foi a doutora que saiu para estudar, hoje é a Taissa.” Descobri, a partir desta frase, que em se tratando de cultos afro- brasileiros cada um exerce seu cargo: uns são religiosos, a outros, cabe a tarefa da 10 Percebi que havia uma espécie de comprometimento por parte dos afro-religiosos com meu processo de formação. No ano de 1998, o senhor Antônio Gomes da Cruz promoveu uma excursão para São Luís do Maranhão. Havia-se combinado, antes da partida, que esta não seria uma viagem religiosa, portanto ninguém iria visitar nenhum terreiro. No meio do passeio, em conversa com Mãe Emília, comentei que não conhecia a Casa das Minas nem a Casa de Nagô. Mãe Emília então mobilizou o grupo para uma visita a essas casas, pois segundo ela, era um absurdo um pesquisador da mina, desconhecer os dois templos.
  • 31. 31 pesquisa. Ter sido introduzida no campo pela “doutora”, que também estudava a mina, foi de suprema importância no meu processo de aceitação, pois eles usaram a lógica religiosa para me assimilar. A aprovação no concurso de Professor Substituto do Departamento de Antropologia foi outro elemento importante nesse processo de amadurecimento da minha imagem junto ao campo. Isso foi simbolicamente verbalizado uma noite quando voltei a um terreiro da capital paraense depois de muitos anos de ausência para pós- graduação. No momento em que cheguei o sacerdote fez o tambor parar de tocar para anunciar a chegada da “Professora Tais11 ”. Essa situação foi muito desconcertante uma vez que, por muitas vezes havia estado neste centro religioso, na categoria de aluna ou assistente de pesquisa. Entrava e saía sem nenhum reconhecimento, como um filho não feito que não possui sinais diacríticos de status e portanto não recebe muita reverência ou como um sujeito invisível tal qual Geertz, em Bali (Geertz, 1989). Percebi claramente, com o olhar, treinado para observar nas entrelinhas, que as duas seleções acima mencionadas – de mestrado e de professor substituto – equivaliam, na simbologia afro-brasileira à feitura e à obrigação de três anos. Neste momento, me senti como um filho feito, que começa a acumular capital simbólico (Bourdier, 1974). Muitas vezes chegava aos terreiros e as pessoas perguntavam: - Cadê tua mãe- de-santo? O mais engraçado acontecia quando o ritual acabava e os grupos se reuniam para jantar. Geralmente os donos da festa dividem os convidados por família. Cada mesa é reservada para um pai-de-santo com seus filhos. Por vezes quando eu tentava me juntar a uma dessas famílias, alguém me chamava atenção, informando que a minha mesa é aquela reservada para a Universidade na qual estava sentada a minha “família”. Definitivamente eu estava agregada. Mais de dez anos se passaram desde 1996, quando visitei o primeiro terreiro na qualidade de pesquisadora. A persistência de minha presença no campo reforçou ainda mais a legitimidade de minha “feitura”. Estava na posição análoga à daquelas 11 Alguns afro-religiosos não completam meu pré-nome e acabam por me chamar de Tais.
  • 32. 32 lideranças que começaram seu desenvolvimento até evoluírem à conclusão de sua carreira religiosa. Uma noite, em conversa informal com uma liderança religiosa do bairro do Guamá, quando expunha meu projeto de doutorado a fim de solicitar uma entrevista, ele exclamou: - Eras Taissa, tu começou de baixo! É importante destacar o peso de uma rede de relações sociais como já havia sido profundamente analisado por Vergolino anteriormente (1976). Certamente não eram só os meus esforços que garantiam aceitação. Havia sido apresentada como aluna de pessoa renomadas que tinha trabalhado “em defesa” das religiões afro-brasileiras, levando-as às universidades e seminários católicos do Pará, divulgando-as em seus artigos escritos, publicados ou apresentados em congressos pelo Brasil. Ser introduzida por “amigos” também me incluía nessa categoria. Assim, em minha relação com os religiosos afro-paraenses, o período de “barreira” que costuma acontecer entre o pesquisador e esses cultos com estrutura de segredo, não foi tão longo, pois logo passei a ser chamada para todas as festas de santo, bem como para seus momentos de lazer (domingueiras, bingos e outros) e suas viagens interestaduais. Até não foi surpresa quando fui convidada a me associar à FEUCABEP, ou quando pediam meu apoio em chapas que disputavam a presidência da mesma. Percebi o esforço que a maioria dos religiosos tinha em me ajudar, marcar entrevistas, pesquisar informações em livros, para responder às indagações. Muitas vezes, quando chegava com o gravador para acompanhar um ritual e me colocava a fazer leitura labial para entender as doutrinas entoadas, observava os filhos-de-santo cantando pausadamente, ou gesticulando os lábios de forma a poder auxiliar. Com o tempo se estabeleceu um acordo tácito, toda vez que não conseguia compreender a letra de uma doutrina, fazia cara de dúvida e imediatamente alguém, de longe ajudava. A parafernália eletrônica também me era sempre cobrada. Certa noite - logo no início de minhas andanças pelas casas-de-santo - visitava um terreiro pela primeira vez e por isso não achara conveniente levar gravador. Sempre prefiro me apresentar, estabelecer relação, para posteriormente interferir com elementos estranhos. Todavia o caboco Guaraci incorporado na dona da casa se aproximou e afirmou: “- Essa pesquisadora não é como a “dotora” que sempre estava escrivinhando e tirando careta”.
  • 33. 33 Um dos líderes religiosos por mim pesquisados transformava a sequência litúrgica de sua casa toda vez que eu entrava para assistir um a um ritual. Trata-se de um terreiro com forte influência yorubana, onde a maior parte das doutrinas é entoada em homenagem aos orixás. Como seu representante máximo havia sido iniciado no Maranhão e conhecia o xirê de vodum e senhor de toalha, resolvi incluí-lo em minha lista de informantes. Ciente de meu interesse por essas entidades ele passou a introduzir nos toques um conjunto de doutrinas, que não eram cantadas costumeiramente, de forma que, quase nenhum filho-de-santo sabia responder. Criava-se um mal estar público e contido em função do discurso do religioso, que entre uma doutrina e outra, dizia que aquelas, eram em homenagem à Professora Tais que gostava de vodum. Esse fato me incomodava muito pois não sabia como pedir para o religioso seguir a sequência litúrgica própria daquele terreiro, por medo de parecer grosseira. A solução foi passar um tempo ausente desta casa-de-santo. Em janeiro do ano de 2009 a Federação Espírita Umbandista e dos Cultos Afro- Brasileiros passou por mudanças importantes. Pai Benedito Saraiva (Pai Bené)12 - o responsável pelos rituais religiosos realizados dentro da FEUCABEP, pelos seus assentamentos, bem como pela presidência do Conselho do Ritual, idoso e doente, transferiu tais atribuições a seu filho-de-santo, Pai Fernando Rodrigues que a partir de então passou a presidir todas as atividades religiosas. O terreiro de Pai Bené tem sido pesquisado há mais de vinte anos pela Professora Anaíza Vergolino e seu descendente Pai Fernando Rodrigues vem sendo acompanhado por mim ao longo de minha trajetória acadêmica. Com a ascensão de Pai Fernando, eu fui convidada a integrar o Conselho Religioso Estadual na condição de secretária responsável pela confecção das atas de reunião, ocupando o cargo anteriormente assumido pela Professora Anaíza que permaneceu no Conselho na condição de “decana”. 12 Pai Benedito Saraiva é o único religioso iniciado pelo fundador da FEUCABEP, Manoel Colaço Veras.
  • 34. 34 Percebi que houve neste momento um entrelaçamento de linhagens. A linhagem religiosa fez a transferência do poder religioso na Federação de Manuel Colaça Veras – o fundador – para pai Benedito Saraiva e posteriormente para Pai Fernando Rodrigues. E a linhagem acadêmica agregou a pesquisadora iaô aos “mitos de origem” Napoleão Figueiredo e Anaíza Vergolino. O fato de eu ter sido convidada para assumir uma cadeira no Conselho Religioso Estadual da FEUCABEP mostrava que, em se tratando de Federação as duas linhagens (religiosa e acadêmica) se cruzavam definindo que é “pesquisador antigo com pai-de-santo antigo e pesquisador novo com pai-de-santo novo”13 . Para uma estudiosa apaixonada pelo tema, a aceitação, o reconhecimento e o carinho têm sido gratificante. Todo esse relato refere-se a um percurso vertical na qual a pesquisadora deixou de ser invisível (Geertz, 1989), à medida que, demonstrou persistência e ascendeu profissionalmente, colecionando título como quem paga obrigação. Considero, a partir desse breve passeio pelas lembranças de minha trajetória acadêmica, que a defesa dessa tese soa como a entrega de cargo, que legitima a pesquisadora como firme no santo. 1.1. Formas de Interpelar um Campo Eclético Conduzida pela facilidade de uma rede anterior que agora era também a minha rede pessoal, delimitei finalmente o meu universo de pesquisa que não só incluiu os descendentes dos primeiros mineiros oriundos do Maranhão - outrora já interpelados pelos pesquisadores anteriores. Foi necessário incluir outros mineiros até então não pesquisados. Tendo em vista esse universo, se fez necessário definir os informantes e as técnicas a serem utilizadas. Neste sentido tentei colocar em prática aquilo que foi aprendido nos manuais de antropologia. Realizei o trabalho de campo nas três etapas 13 Frase proferida por Anaíza Vergolino em meio ao ritual de recebimento de deká de Pai Fernando Rodrigues no ano de 2003.
  • 35. 35 que me foram caramente ensinadas por Roberto Cardoso de Oliveira: olhar, ouvir e escrever. (Oliveira, 2006) A escolha dos interlocutores passou por diversas adaptações, à medida que a etnografia se efetuava. Primeiramente escolhi conversar com dois mineiros de cada grupo. Neste sentido comecei acompanhando o Terreiro Dois Irmãos, – de mãe Lulu – o Terreiro de Nagô de Santa Bárbara, – de Pai Bené – o Terreiro de Mina Jeje Nagô de Toy Lissá – de pai Aluísio Brasil – e a casa de Pai Serginho de Oxossi. Não tardou muito para eu perceber que essa escolha limitava as narrativas. O principal problema é que nenhuma liderança sabia falar com riqueza de detalhes, sobre todas as entidades do panteão. É mais comum ouvir de cada religioso narrativas sobre os próprios encantados. Alguns mineiros possuíam narrativas lacônicas o que me deu a impressão de que pouco teorizavam sobre o ritual praticado. Outros religiosos sequer contavam sobre a entidade que recebem em função da estrutura de segredo em que está envolta a religião. Os mais intelectualizados, quando eram interpelados e não tinham dados a fornecer diziam-nos que iriam pesquisar com a própria entidade, melhores informações. O material coletado nessa primeira empreitada foi irrelevante, o que me levou a pensar em reformular minhas estratégias. Nem todos os informantes selecionados sabia me dizer muita coisa acerca, por exemplo, da história de Dom Luís, o único rei francês que havia passado para o panteão e estava ligado à colonização do Maranhão. Neste sentido, como dar conta de uma proposta densa de tentar entender o mito de todos os senhores de toalha? O jeito foi redefinir as estratégias de pesquisa. Neste sentido passei a eleger as entidades a serem trabalhadas e com esses nomes em vista, busquei os religiosos que as recebessem. A escolha das entidades foi realizada através da observação dos rituais. A partir dessa decisão passei a pensar a mina como um sistema cultural cujo imaginário atravessa as fronteiras da religião. Em função disso também entrevistei religiosos adeptos de outras vertentes de culto afro-brasileiro, como mãe Nazaré que se autoclassificava como angoleira, mas era ex-mineira, e recebia, em vida, Marquês de Pombal.
  • 36. 36 Todavia, o ato de esgarçar as fronteiras, se me permitiu conhecer a mitologia mineira, trouxe alguns empecilhos. O maior deles foi a impossibilidade de acompanhar aprofundadamente o cotidiano de todas as casas. Sendo assim, decidi construir essa tese em cima das narrativas coletadas e das festas etnografadas. Um documento importante foi o xirê, sequência de doutrinas cantadas em todo e qualquer ritual, geralmente organizada de forma hierárquica, definindo os personagens mais significativos de cada família. As letras das doutrinas tiveram papel importante tanto no que tange ao fornecimento de dados quanto como estratégia de abordagem dos informantes. Enquanto documento, as músicas funcionam como um grande quebra cabeças, já que fornecem pistas esparsas, como enigmas a serem desvendados. Neste sentido ao escutar, por exemplo, “No Jardim de Oeiras/ Aonde passeava/ Lá tem uma rosa/ Aonde se encantava, orixá”, tenho acesso a um elemento significativo que me remete a nobreza portuguesa: o Jardim de Oeiras. Entretanto, num primeiro momento nada mais faz sentido. Nesta ocasião, o antropólogo tem que fazer um trabalho de arqueologia do simbólico. Estas pistas serviram de estratégia de aproximação com os religiosos que pouco falavam sobre mitologia. Tendo em vista que as entrevistas direcionadas surtiram pouco resultado, passei a transcrever as doutrinas e usá-las como roteiro. Dessa forma pedia para os narradores explicarem as letras, questionava porque uma entidade era reverenciada antes de outra, e assim seguia montando a rede de relações estabelecidas entre deuses e encantados. A estratégia do olhar, neste sentido ficou restrita às festas públicas. Tentei acompanhar o maior número possível de rituais realizados a senhores de toalha, domesticando o meu olhar procurei transformar o exótico em familiar para ter acesso ao significado dos símbolos dispostos em letras de música ou altares sagrados. De certa forma, quando iniciei a pesquisa de doutorado já possuía o olhar treinado em função dos anos dedicados a pesquisa junto às religiões de matriz africana em Belém. Já possuía leitura prévia e conhecimento do idioma simbólico da religião.
  • 37. 37 Quanto ao ouvir, utilizei a técnica da entrevista com a maioria dos informantes. Sempre que possível fazia uso de gravador e máquina fotográfica, com a devida autorização dos religiosos. Ao todo abordei sessenta pessoas, algumas delas interpeladas uma única vez, outras entrevistadas continuamente. Neste sentido consegui cerca cem horas de entrevistas gravadas. Variei o roteiro, usando primeiramente um questionário, que chamei de inaugural, construído com perguntas abertas que visavam estimular a fala do informante (Tompson, 2002). Nesta ocasião procurei anotar todos os nomes de entidades mencionadas pelo religioso, a fim de obter mais detalhes. Se a conversa fosse frutífera marcava outra entrevista. A cada visita fazia novos roteiros adaptados à pauta previamente determinada. Os melhores informantes me cederam diversas entrevistas, cada uma girando em torno de um personagem do panteão e sua família. Também fiz entrevistas com as próprias entidades, geralmente após os rituais ou em dias de trabalho. Houve um caso muito interessante. Estava entrevistando uma mãe- de-santo de renome no Pará, – Mãe Emília - quando perguntei sobre a história de Dona Mariana14 , a mesma incorporou na referida médium e disse: - “Se quer saber de mim, pergunte para mim”. Utilizei a observação direta para acompanhar os rituais e conhecer o comportamento de cada entidade e história de vida para recolher informações daqueles que não se consideravam mineiros mas que cultuavam entidades da mina. Precisei conhecer a trajetória do médium para entender as informações cedidas. Não entrevistei nenhum candomblecista que não tivesse passado por um terreiro de mina. Em linhas gerais, não tive problemas em obter entrevistas, primeiro porque os mineiros de Belém estão acostumados com essa prática e depois porque já tinha intimidade com o campo quando iniciei o doutorado. O elemento reciprocidade (Mauss, 1974) se fez presente durante o meu contato com o campo, mas não de forma tão direta como aconteceu com Alba Zaluar (1985), que pesquisando a Cidade de Deus, se viu amarrada num emaranhado de favores que iam desde o empréstimo do carro até cessão de emprego. 14 Caboca da família da Turquia muito cultuada em Belém do Pará.
  • 38. 38 Um dos informantes, incorporado com seu caboco disse que só daria entrevista se eu pagasse duas grades de cerveja e três maços de cigarros para ele. No primeiro momento isso não me pareceu problema, todavia ele pediu o “pagamento” na frente de seu pai-de-santo, que também era meu informante e ficou indignado com a atitude haja vista que ele, sendo mais experiente, nunca havia feito cobrança. Percebi que atender ao pedido do religioso causaria diversos infortúnios, primeiro porque, com o dinheiro de uma bolsa de doutorado (que tinha na época), eu não poderia gratificar a todos os sessenta informantes, e seria injusto privilegiar alguns, embora os outros nunca pedissem. Outro problema seria a interpretação desse possível pagamento, diante dos outros cinquenta e nove não contemplados. Neste sentido procurei conversar com o pai-de-santo e explicar em que condições financeiras estava sendo realizada a pesquisa. Argumentei que não tinha financiamento nenhum, além da bolsa de pesquisa que servia para me sustentar. O líder religioso entendeu e não se recusou a me conceder informações. Essa atitude se repetiu uma única vez. Um sacerdote, quando abordado, falou que iria pedir permissão ao seu encantado para dar informação, sugerindo que para isso deveria fazer uma oferenda. Repeti a atitude anteriormente mencionada e pedi que ele explicasse para a entidade a situação na qual me encontrava, o que – segundo consta – foi feito. Telefonei para saber o resultado e ele me informara que sua caboca permitira o contato. A troca também se expressou via convite para promover palestra à comunidade. Em virtude de minha total disponibilidade fui agraciada com diploma de honra ao mérito cedido por um dos terreiros estudados. O fato é que, voltando a referir a Alba Zaluar (1985), ao contrário da experiência desta autora, ninguém se recusou a me prestar informação ou desconsiderou o valor de minha pesquisa. Também não precisei procurar uma funcionalidade para explicar minha estadia em campo ou perder horas a fio justificando meu intento porque o grupo escolhido está acostumado com a presença dos
  • 39. 39 pesquisadores que os visitam desde a década de trinta e por vezes servem como elemento legitimador diante de um campo em disputa constante. Uma pequena dificuldade foi à abordagem de um religioso que, apesar de extremamente acessível, no que tange a permissão do acompanhamento de rituais secretos, protelou as entrevistas. Percebi que essa atitude foi uma estratégia de manter o pesquisador sempre presente em sua casa. No entanto como os informantes eram muitos e o tempo exíguo, acabei desistindo dessa narrativa. Tentei todas as possibilidades para conseguir acesso a esse informante, passei dois meses frequentando cotidianamente sua casa. Marcava entrevistas que nunca eram possíveis, chegava em dias comuns, de surpresa, tentava entrevistar as entidades, mas nada deu muito certo. Um dia, estava conversando com Dona Herondina15 , tentando “espremer” alguma informação quando repentinamente ela mandou que um cliente me levasse em casa. Tentei retrucar dizendo que ainda não ia embora, mas a caboca disse que precisava trabalhar e prometeu que o religioso me daria entrevistas caso eu fizesse um almoço em minha casa. Assim foi feito, mandei fazer uma feijoada, comprei cerveja e chamei o pai-de- santo, que compareceu com a filha, conversou a tarde inteira sobre sua vida e a história da religião, mas acabou por não falar nada sobre as entidades. Uma noite, em meio a uma conversa informal, antes de uma sessão, o mesmo religioso me informou que viu o casal Ferretti passar semanas a fio adulando sua mãe-de-santo maranhense para dar entrevista. Contou que eles chegavam no início da tarde e passavam horas esperando. Percebi que ele estava reproduzindo o modelo comigo, no entanto, partindo da metodologia que eu havia escolhido, permanecer insistindo significava perder muito tempo. Em função disso precisei preterir essas informações. Se não houve pagamento formal das entrevistas concedidas, minha relação em campo foi marcada pelo circuito da dádiva (Mauss, 1974), a obrigação de dar receber e retribuir. O elemento dado era a informação, o acesso aos rituais que eram retribuídos 15 Caboca do informante.
  • 40. 40 principalmente através distribuição de fotos. Meu namorado na época, o fotógrafo Geraldo Ramos16 , acompanhou todo o trabalho de campo, sempre fazendo o registro visual dos rituais, o que acabou por render um acervo considerável. Sempre que possível mostrava o resultado do trabalho aos informantes e à comunidade do terreiro ou distribua fotos. Um religioso pediu que o referido profissional fizesse uma foto oficial transformada em banner e pendurada na parede principal do templo. Outro religioso transformou uma fotografia no convite de seus cinquenta anos e em outdoors espalhados pela cidade. Sempre que possível também contribuía nas festas públicas, geralmente doando uma grade de cerveja. Como, ninguém sai ileso de um trabalho de campo, participei, de diversos rituais na condição de cliente. Certa vez ao chegar – acompanhada do fotógrafo - em um terreiro para etnografar um ritual de desenvolvimento, o carro caiu num buraco. Ao tentar empurrar para retirá-lo, a roda esguichou lama em cima de mim. Quando o pai-de-santo me viu naquele estado, julgou que era mau presságio e deu um banho de descarrego no casal. Após um episódio de assalto, o vodum Verequete mandou me chamar e aconselhou fazer alguma obrigação para afastar infortúnios. Como o fato ocorreu às vésperas do dia de Exu, no momento do sacrifício eu compareci com uma galinha que foi devidamente ofertada a esta divindade. Submeti-me também ao jogo de búzios para definir meus protetores, mas resisti à tentação de assentá-los, uma vez que seria difícil escolher um terreiro para estabelecer vínculo, diante de um universo de pesquisa tão plural. Ganhei de presente de um religioso uma pedra sagrada da qual cuido com carinho de acordo com as regras que me foram repassadas e uma guia de Xangô, meu orixá. Sempre que possível a uso como proteção. 16 Geraldo Ramos foi diretor do Museu da Imagem e do Som (SECULT-Pa), freelance da revista Veja e principal fotógrafo da revista Ver-o-Pará” de 1980 a 2007. Dedica-se desde o início da sua carreira ao registro de cultura e religiosidade popular. Possui vasto arquivo que contém manifestações folclóricas de diversos municípios da Amazônia. Também desenvolveu trabalho em comunidades remanescentes de quilombo da região do Tocantins, Marajó e Médio Amazonas. É o autor das fotografias do livro “Terra de Negro 4” (no prelo) financiado pelo Instituto de Artes do Pará.
  • 41. 41 Resumidamente posso afirmar que todas as facilidades me foram garantidas pela subjetividade da relação de campo. Como a etnografia é acima de tudo uma atitude intersubjetiva (Geertz, 1989) eu, como etnógrafa também fui submetida a avaliação dos afro-religiosos e o elemento fundamental nesse processo de aceitação foi a minha filiação à linhagem acadêmica que inicia com Napoleão Figueiredo e Anaíza Vergolino.
  • 42. 42 CAPÍTULO 2: VERSÕES SOBRE A MINA DO PARÁ Não posso ter a pretensão de afirmar que o presente trabalho é pioneiro no que tange as religiões de matriz africana no Pará, ou tão pouco ao tipo de culto específico aqui abordado: a mina. Desde a década de trinta do século XX, pesquisadores de diversas áreas se debruçam sobre a temática com perspectivas variadas. São folcloristas, historiadores, músicos e principalmente antropólogos. Pessoas que por vezes observaram o campo de longe ou, mais frequentemente, percorreram as periferias da capital paraense, guiados pela sonoridade dos atabaques. Neste sentido o presente capítulo faz um breve levantamento das monografias que se dedicam a estudar as religiões afro-paraenses dividindo-as de acordo com a historicidade e com os objetivos das mesmas. 2.1. Do Olhar Por Sobre os Ombros ao Estabelecimento do Campo de Estudo A primeira empreitada de pesquisa sobre a temática das religiões afro-brasileiras no Estado do Pará foi realizada pela Missão de Pesquisas Folclóricas de Mário de Andrade, que chegou a Belém em julho 1934 para efetuar gravações de doutrinas que sua equipe denominou de “música de feitiçaria”. Foram os pesquisadores modernistas que desenvolveram a primeira grande investigação nessa capital. O modelo de religião tradicional descrita no livro de Oneyda Alvarenga, entitulado Babassuê (1950) é construído pela autora, a partir de entrevistas realizadas com membros de um único terreiro: o de Satiro Ferreira de Barros, hoje extinto. Para Satiro a religião afro-brasileira tradicional no Pará era chamada de babassuê17 , pelas pessoas sem vínculo com a religião, ou batuque de Santa Bárbara pelos membros do culto. 17 Babassuê : Nome derivado da entidade Bárbara Sueira, correspondente local de Iansã e festejada no dia de Santa Bárbara
  • 43. 43 A partir da observação, definiu-se o culto afro-paraense como uma fusão de tradições religiosas nagô e jejes, com a pajelança amazônica que teria resultado no chamado candomblé de caboclo e outras formas de sincretismo18 . A equipe formada por um folclorista, – Luis Saia – um músico – Martin Braunwieser, chefe da missão – um técnico de gravação, – Benedito Pacheco – um auxiliar – Antônio Ladeira – e a pesquisadora – Oneyda Alvarenga,realizou levantamento musical a partir de técnicas certamente condenadas pela etnografia moderna. As gravações das doutrinas foram realizadas in locu, ou seja dentro do terreiro do Satiro e, principalmente, em um hotel da cidade de Belém: o Grande Hotel. O material foi coletado em K7 e livreto explicativo que contém detalhes da coleta, ficha das pessoas entrevistadas, croquis do espaço do terreiro de Satiro e algumas informações esparsas sobre as diferentes nações e os rituais como o tambor de choro, - realizado em ocasiões fúnebres – as bebidas rituais, os instrumentos musicais, cortes litúrgicos, descrição dos passos de dança. Como a metodologia de pesquisa utilizada não fazia uso da observação direta mais detalhada, posso constatar alguns possíveis erros, como o uso de palavras, nunca depois registradas. É o caso de estado, que segundo a autora deveria designar altar. Existem também categorias de entidades desconhecidas como Emanjá Ainu ou Emanjá Suruê, ou Angasi, que possivelmente pode significar Agassu ou Pedro Angaçu. Alvarenga também desdobra uma mesma entidade em três, de forma que o vodum Zomadonu se transforma em Tóia Zamadan, Zemadon e Zé Madome. Apesar de todos os problemas, não se pode negar o valor desses dados que forneceram para os pesquisadores da atualidade pistas importantes de um terreiro que não possui descendentes. O breve histórico elaborado sobre a vida dos participantes das gravações deixou como legado, informações sobre pessoas de renome para a história das religiões afro-paraenses, como mãe Apolônia. 18 A Missão Folclórica ainda registra outras denominações como candomblé e batuque de mina.
  • 44. 44 Cerca de vinte anos após a passagem da Missão de Pesquisa Folclórica por Belém do Pará, Edson Carneiro e Roger Bastide, pesquisadores africanistas de renome nacional, sem realizar trabalho de campo efetivo na Amazônia, voltaram seus olhos para a região. Em 1948, Carneiro, na sua obra Candomblés da Bahia, dividiu o Brasil em áreas de influência afro-brasileiras. A área A correspondia a faixa litorânea que vai da Bahia ao Maranhão e o Rio Grande do Sul19 ; a área B era formada pela Guanabara, Estado do Rio, São Paulo e possivelmente de Minas Gerais20 e a área C incluía a região amazônica. Esta área teria influência do batuque e do babassuê, sendo o primeiro um tipo de culto oriundo da Casa de Nagô, e o segundo da Casa das Minas, ambas as tradições de origem maranhense. O culto advindo do Maranhão teria entrado no Pará e se curvado diante da tradição local, a pajelança, sofrendo inúmeras modificações que vão desde aportuguesamento dos cânticos até a inclusão de entidades cabocas na rede de adoração. Já Roger Bastide, (1985) comprometido com o “mito da pureza nagô”, (Fry, 1996) afirmou que ao lado dessa pajelança indígena se formou uma pajelança negra que nada mais era do que uma “busca mística de protetores sobrenaturais, de espíritos amigos, para defender das doenças que ressudam dos pântanos contra as flechas invisíveis que sibilam á noite (...)” (1985: 305). Incluindo esta manifestação religiosa no conjunto de práticas africanas que aqui teriam se degenerado. Apenas na década de 60 realiza-se a primeira pesquisa etnográfica de fato, em território paraense. O casal de americanos, Seth e Ruth Leacock21 publicaram nos Estados Unidos, Spirits of the Deep (1972) o resultado de uma observação efetiva, fruto 19 Segundo Edson Carneiro essa zona de influência se subdivide em A1 (faixa litorânea que vai da Bahia ao Maranhão) caracterizada pelo candomblé (Leste Setentrional), xangô (Nordeste Oriental) e tambor de mina (Nordeste Ocidental) e A2 que corresponde ao Rio Grande do Sul onde se realiza o batuque e os parás. 20 Carneiro diz que nas áreas de culto B é forte a incidência da macumba. 21 Segundo Anaíza Vergolino, Seth e Ruth Leacock visitaram pela primeira vez em Belém no ano de 1956. Eles estavam de passagem por Belém, seguiriam para o interior para estudar comunidades indígenas quando foram levados a uma casa de culto afro-brasileira por Mr. George Colman, cônsul americano no Pará.
  • 45. 45 do acompanhamento minucioso de diversas casas de culto, que perdurou sete meses - estendidos durante os anos de 1962 e 1963 e dois meses de retorno no ano de 1965. Aos cultos tradicionais aqui encontrados, os Leacock chamaram de batuque, que para eles não era uma degeneração do candomblé ou uma cópia de outras tradições religiosas, como queriam os africanistas. Tratava-se, sim de uma religião muito própria, misturada na sua origem, porém um sistema independente caracterizado pela combinação de crenças yorubanas, daomeanas, indígenas com o catolicismo popular e o folclore ibérico. Os dois pesquisadores etnografaram minuciosamente os rituais de mina, olhando esta religião a partir de várias perspectivas. Seth e Ruth Leacock informaram ao leitor sobre o tráfico de escravos da África para o Brasil, mais especificamente para o Maranhão e Pará, explicaram que a pluralidade de vertentes de culto é reflexo do fluxo migratório dos negros. Posteriormente, localizaram estes cultos na cidade de Belém, descrevendo a situação cultural na qual eles se constituíram: como religiões de periferia. Caracterizaram os praticantes a partir da cor, sexo, idade, classe social, posição no mercado de trabalho, etc... Atrevo-me a afirmar que essa pesquisa deixou como legado a comunidade afro- descendente um possível nome fundador: Mãe Doca. O casal de americanos não só visitou o terreiro dessa religiosa, como escreveu sobre suas origens, afirmando que a mesma havia introduzido no Pará, um culto sincrético derivado do yorubá. Partindo de Mãe Doca e do Culto fundador - a mina nagô - os pesquisadores trouxeram ao leitor informações sobre as diversas mudanças, a que o campo afro-paraense foi submetido. Destaca-se como a mais significativa delas, a introdução da umbanda, na década de trinta, por Maria Aguiar. Os Leacock diferenciaram essas duas vertentes litúrgicas se detendo na descrição do batuque22 , também denominado de mina. Culturalistas por filiação acadêmica, não resta dúvida que o casal conseguiu com maestria realizar o que, anos depois, Clifford Geertz (1989) denominou de descrição densa. Descreveram a fundo 22 Até a década de setenta a mina no Pará era conhecida pelo nome de batuque, em diferença a linha de cura, que não faz uso de instrumentos musicais que não sejam o maracá.
  • 46. 46 toda organização de uma casa-de-santo, seu sistema de crenças, mapearam seus espaços, indicaram o uso de todos os instrumentos musicais, analisaram as diversas matizes de possessão, constataram a existência do ritual de cura etc. A principal contribuição desse casal de americanos foi, sem sombra de dúvida, a análise do panteão desta religião, descrito por eles como composto por um conjunto numeroso de entidades que possuem origens diversas, permeado pelo sincretismo afro- católico – que não podia ser descrito simplesmente como uma confusão. Nesta obra encontro a classificação detalhada de cada categoria, dentre as quais dou destaque aos encantados - peculiares do eixo Maranhão – Pará – que se dividem em dois grandes grupos hierárquicos quais sejam: senhores23 e caboclos. Este trabalho, além de magnífico pela densidade etnográfica, prima pelo rigor metodológico que permite o diálogo com os pesquisadores da atualidade. 2.2. Das Primeiras Pesquisas até os Dias de Hoje Nesta mesma década de sessenta, dois antropólogos paraenses resolveram ampliar o universo de estudo da antropologia produzida no e pelo Estado, iniciando suas pesquisas junto às casas de culto afro-paraenses e com isso fundando mais uma linha de pesquisa na Universidade Federal do Pará: estou falando de Napoleão Figueiredo e Anaíza Vergolino. Cabe ressaltar que a produção antropológica da região, até então circulava em torno da etnologia indígena, comunidades ribeirinhas (caboclas) e arqueologia. A antropologia urbana já sugerida pela famosa escola de Chicago, ainda não havia aportado “nas águas do Pará”. Arthur Napoleão Figueiredo era militar de carreira e dono de cartório. Passara a se dedicar à antropologia já maduro, tornando-se assim professor da antiga Faculdade de Filosofia. Também adepto do culturalismo boasiano, escreveu diversos artigos e 23 O casal Leacock (1972) denominou de senhores as entidades de maior status dentro do panteão da mina. Formam a categoria dos senhores os voduns, orixás e senhores de toalha, comumente definido como os brancos.
  • 47. 47 livros, dentre os quais cito: “Todas as Divindades se Encontram nas Encantarias de Belém” (1982); “Os caminhos de Exu” (1972); “Religiões Mediúnicas na Amazônia: O Batuque” (1975); “Alguns Elementos Novos para o Estudo dos Batuques de Belém” (1967); este último em co-autoria com a, então aluna, Anaíza Vergolino. Em “Todas as Divindades se Encontram nas Encantarias” (1982), Napoleão Figueiredo situou o leitor quanto a situação sócioeconômica dos profissionais que trabalham com encantados, os posiciona frente à cidade de Belém e ao crescimento urbano, classifica tipos de entidades cultuadas e elabora um quadro de equivalência sincrética. No artigo “As Religiões Mediúnicas na Amazônia: O Batuque” (1975), o autor sintetiza no espaço de onze páginas, o modelo do batuque no Pará, partindo do princípio que, apesar de tantas variações os mesmos se constroem em cima de um sistema cultural comum que é a experiência da possessão. Descreve as religiões afro-paraenses como fruto de um processo aculturativo, “onde se encontram amalgamados, formando um corpo de crenças único, reminiscências ou sobrevivências africanas, catolicismo, xamanismo indígena, pajelança cabocla, kardecismo, teosofismo, preceito de sociedades secretas” (Figueiredo, 1975). Essas religiões eram organizadas em diversas casas de santo, agrupadas em torno de duas associações distintas: A Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará – FEUCABEP –e o, hoje extinto, Supremo Conselho da Umbanda Cristã, existindo também de casas-de-culto sem filiação associativa e registro policial24 , que estavam passando por mudanças progressivas quanto a origem e a caracterização, os procedimentos rituais e os processos iniciáticos. Esse autor trabalhou mais detalhadamente a estrutura do ritual, seu estudo alertou tanto para a heterogeneidade das formas de culto e como as fontes geradoras do mesmo como elementos básicos à criação de uma especificidade: o batuque. Além disso, o artigo segue mencionando as famílias de entidades, suas linhas, o sistema de parentesco, o sistema de trabalho, a representação, etc. 24 No período em que Napoleão Figueiredo estava escrevendo os terreiros precisavam de permissão ou de alvará para garantir o funcionamento. Esta permissão, até agosto de 1964 era dada pela polícia, após essa data, com a criação da FEUCABEP, este órgão passou a ceder o alvará de funcionamento substituindo assim àquela autorização policial.
  • 48. 48 Se nos trabalhos acima descritos, Figueiredo faz uma descrição panorâmica por sobre os subúrbios batuqueiros da cidade de Belém, meio que como um flaneur, os dois seguintes tratam de elementos específicos na ritualística afro-brasileira: o culto a Exu e a fitolatria. “Os Caminhos de Exu” (1972) é uma etnografia dessa categoria de entidade, não cultuada pelas matrizes maranhenses. Nela obtêm-se informações acerca das suas diferentes representações – ferros, metais, pedras, pontos riscados –, dos ritos praticados em sua homenagem a estas entidades, de suas doutrinas e dos desenhos que lhe são devotados. O último artigo – “Alguns Elementos Novos para o Estudo dos Batuques de Belém” (1967) – escrito em co-autoria com Anaíza Vergolino, é um estudo enciclopédico das diversas árvores adoradas pela comunidade religiosa, que podem ser classificadas como moradas de determinadas entidades ou como pontos de segurança da casa Neste trabalho os pesquisadores refutaram a classificação das áreas culturais que foram dadas ao fenômeno religioso na capital amazônica e fizeram referência à história e ao modelo de religião (ões) afro-brasileira local. Anaíza Vergolino, inicialmente aluna de Napoleão Figueiredo, tornou-se professora, da Faculdade de Filosofia, posteriormente da Universidade Federal do Pará. Saindo de Belém para cursar mestrado na UNICAMP onde, sob a orientação do inglês Peter Fry, escreveu um trabalho intitulado O Tambor das Flores (1976). Influenciada pelas teorias da Escola Inglesa de Antropologia, fez um mapeamento do campo religioso afro-paraense na década de setenta tomando como referencial de análise a filiação na Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro- Brasileiro do Estado do Pará. Neste sentido os religiosos paraenses estavam divididos em federalizados, dissidentes, – filiados a Ordem Paraense da Umbanda Cristã – autônomos, isolados e os teóricos. Analisou também a forma como a cidade via os terreiros, elencando dezenas de adjetivos pejorativos atribuídos pela sociedade civil e pelos veículos de comunicação de
  • 49. 49 massa. Fazendo uma observação êmica, a autora também constatou que os religiosos referiam-se ao seu universo como “lugar de nhigrinhagem”25 . Desta forma, seguindo as pistas deixadas pela fofoca, construiu as redes de relações estabelecidas que ligavam o universo religioso afro-brasileiro á Igreja Católica, ao Instituto Histórico e Geográfico, à Academia de Letras, à Universidade Federal do Pará, ou seja a sociedade como um todo. Além disso, Vergolino, ao perceber que um dos pontos passíveis de fofoca era a feitura, se propôs a discutir as possíveis trajetórias dos religiosos afro-brasileiros. Encontrou dois caminhos possíveis: o de um religioso iniciado no candomblé baiano - portanto inegavelmente feito - e o percurso de um mineiro paraense, que não passou pela iniciação, não foi filho-de-santo de ninguém e aprendeu tudo com seus guias. Por fim os classificou a partir do que chamou de competência espiritual e competência material. Por último estreitou a análise da Federação, a partir de um levantamento histórico no qual registrou seu processo de fundação, sua função, sua estruturação interna e principalmente a divisão de poderes: burocrático e religioso. Em todo o processo acima referido, uma pessoa se destacou26 - Antônio Gomes da Cruz que mereceu uma biografia detalhada. A antropóloga etnografou o ritual inventado por ele - o Tambor das Flores - considerando-o um ritual de mediação. Muitos outros artigos foram escritos por Anaíza Vergolino, dentre os quais destaco “História Comum, Tempos Diferentes”(1994), “A Semana Santa nos Terreiros” (1987), “Os Cultos Afros do Pará” (2003) e “Religiões Africanas no Pará: Uma Tentativa de Reconstrução Histórica” (2003). Numa descrição sucinta, o primeiro artigo analisa a construção do tempo afro- brasileiro a partir de rearranjos que consideram os calendários cristão, civil, afro- brasileiro particular de cada casa. O segundo, é um estudo do sincretismo realizado a 25 Nhigrinhagem é um termo êmico usado como sinônimo de fofoca. 26 Antônio Gomes da Cruz participou do grupo de fundadores da FEUCABEP, ajudou a eleger todos os presidentes até que finalmente, em 1998, galgou o referido cargo.
  • 50. 50 partir, não da mera analogia entre santos e orixás, mas da incorporação dos rituais pascoais. Considera que “a incorporação vai indicar que a relação entre os dois sistemas de crença, também se dá no plano do tempo, um plano que é mais interno, mais conceitual, ou se preferirmos, um plano que é da essência e não da aparência” (Vergolino, 1987: 59). Os dois últimos artigos, que serão mais bem abordados no tópico subsequente, se dedicam a traçar a história dos cultos afro-brasileiros no Pará considerando a inexistência de rastro de um terreiro de raiz nos documentos históricos, apesar das muitas evidências da presença escrava no Pará colonial. A partir da investigação documental e bibliográfica, Vergolino mapeia as origens étnicas do negro na Amazônia e a organização religiosa em torno do cristianismo, busca as origens maranhenses do culto afro-paraense e traça as duas linhagens. Vicente Salles publicou em 1977 um artigo intitulado “Cachaça, Pena e Maracá” (1977) como a primeira tentativa de entender a influência das religiões afro- brasileiras no xamanismo indígena. Neste sentido afirma que, uma vez em contato com as sociedades ditas civilizadas, esta religião sofreu forte influência do catolicismo, bem como incorporou as entidades cultuadas no tambor de mina, no candomblé, além do legado dos barbadianos migrados para o Pará. A absorção de elementos litúrgicos alienígenas, não significou, em absoluto, o abandono das práticas nativas da Amazônia. O que houve foi a inclusão de elementos como a cachaça que acabou por substituir as beberagens indígenas. Salles separou a pajelança em duas categorias quais sejam: a urbana – completamente sincretizada - e a rural – menos misturada. Reforçou que na cidade, a pajelança se encaminhou para a institucionalização enquanto que no campo era puramente magia. O panteão também foi bastante modificado através da inclusão de orixás e cabocos e pelos ideais kardecistas. Apesar de todas as mudanças a pajelança urbana traz em seu bojo um elemento importante característico dos cultos rurais que é o uso da pena e maracá e a inexistência de tambor. Neste sentido o autor concluiu que a pajelança é uma religião que se
  • 51. 51 esconde uma vez que a função do pajé é basicamente a cura. Ele entra em transe para libertar o indivíduo de um malefício. Citou como características da pajelança: a individualização, o uso de pena de arara, tauari e maracá. Segundo esse autor, as religiões de matriz africana trocam o tauari pelo cachimbo (usado pelos pretos velhos) usam bacia, fogareiro, cuité, além de se desenvolverem em cultos públicos. Já nas últimas décadas do século XX, outro pesquisador estrangeiro, voltou os olhos para o campo religioso aqui referido. Na década de 80, Yoshiaki Furuya (1986), teve acesso a um campo em total redefinição. Este pesquisador reconheceu a existência de um culto tradicional: o mina-nagô. Esta religião passava por um processo de reorganização pois diversos de seus membros haviam, nas décadas anteriores, deixado Belém em busca de uma “especialização”, no candomblé. A introdução de uma nova liturgia acabou por influenciar o ritual mineiro. Em meio a este movimento, o autor encontrou dois grupos distintos de mineiros: aqueles que procuravam a nagoização27 através da feitura de santo nos candomblés baianos e os que aceitavam a “umbandização”28 como dois modelos referenciais. Percebo a legitimação através da importação de vertentes religiosas exógena ao contexto religioso afro-paraense: o candomblé baiano - cujo processo histórico, organização ritual e objetivos políticos diziam respeito a um processo muito específico - e a umbanda - uma religião preocupada em se afirmar não pela busca de elementos africanos puros, mas pela construção de um modelo de culto nacional. Esse foi apenas o primeiro processo de legitimação e busca consciente de uma tradição capaz de conferir aos praticantes, respaldo e legitimidade frente a um campo eclético. Ao longo dos anos 90 e da primeira década do século XX os terreiros de Belém voltaram ser visitados e outros trabalhos foram escritos. Duas perspectivas de análise podem ser destacadas. Primeiramente posso pontuar um bloco de pesquisadores que se dedicaram aos estudos das religiões afro-paraenses atraídos pelos resultados obtidos pela Missão de Pesquisa Folclórica de Mário de Andrade (Figueiredo, 1996; Brasil, 2000). Os demais procuraram definir e analisar as diversas formas de legitimação que os 27 Denominação dada por Yoshiaki Furuya à migração religiosa dos adeptos da mina para o candomblé Ketu modelo baiano. 28 Denominação dada por Yoshiaki Furuya ao sincretismo estabelecido entre mina e umbanda, sendo este último um modelo de culto brasileiro e por si só extremamente sincrético uma vez que mistura elementos do catolicismo popular, kardecismo etc.
  • 52. 52 religiosos afro-paraenses vêm buscando a fim de se afirmarem diante de um campo religioso mutante. No primeiro bloco destaco dois pesquisadores: o historiador Aldrin Moura de Figueiredo e o etnomusicólogo Mário Lima Brasil. Em torno da história dos cultos afro- brasileiros menciono ainda os trabalhos de Aldrin Figueiredo; quais sejam: A Cidade dos Encantados (1996) e “Os Reis de Mina: A Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pretos no Pará dos Séculos XVII ao XIX” (1994). A Cidade dos Encantados (1996), dissertação de mestrado daquele historiador trabalhou a pajelança a partir dos escritos dos folcloristas e dos periódicos do século XIX e XX, constatando a partir da análise dos artigos de jornal da década de trinta do século passado, a existência de uma pajelança negra, oriunda da ligação entre aquele tipo de culto e as religiões de matriz africana. Muitos pajés eram figuras frequentes nos periódicos entre os quais pontuo um certo Jary - preto pernambucano, morador do Marco da Légua, descrito quase como um macaco – Mestre Zeferino – negro e quilombola – e Satiro, o mesmo cidadão que havia sido recebido por Oneyda Alvarenga em 1938. A partir desse elemento coincidente, Aldrin se debruça sobre o Babassuê com a hipótese de que, depois de Mário de Andrade, o Pará se africanizou. Essa dissertação de mestrado, de certa forma complementou, o que Aldrin Figueiredo escreveu, dois anos antes, no outro artigo, também citado. Em “Os Reis de Mina” (1994), o historiador mostrou que os escravos urbanos estabelecidos na capital paraense, na verdade se organizaram em irmandades religiosas católicas e não formaram terreiros. Por isso nenhum dos ávidos pesquisadores se deparou com notícias de uma casa mater perdidas pelos códices do Arquivo Público ou nos microfilmes de jornais. “Os dogmas católicos se tornaram essenciais na construção de uma ordem escravista” (Figueiredo, 1994: 6). Os escravos se adequaram à estrutura religiosa colonial, sendo assim foram as confrarias que permitiram ao negro o exercício da cidadania, a estabelecer unidade étnico-cultural (Figueiredo, 1994: 12).
  • 53. 53 Nessas irmandades os negros reproduziam práticas rituais de coroação de reis negros. A mais famosa delas era Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Sua festa merecia notícias nos principais jornais. A igreja, construída pelos próprios escravos, após a rotina estafante do cotidiano, recebeu verba do governo e capitão general do Estado, Manoel Bernardo de Melo Castro. Outro estudo a retomar a mestiçagem foi a tese de doutorado do etnomusicólogo da UnB Mário Brasil, que esteve em Belém na década de noventa do século XX com o intento de refazer o percurso da Missão na Capital paraense mais de cinquenta anos depois do Babassuê (1938). Como pai Satiro, a essa altura já estava morto e seu terreiro fechado, Brasil (2001) procurou o terreiro de Orlando Bassu, considerado um dos religiosos mais inovadores da capital paraense. O músico conviveu neste templo religioso, por cerca de um ano, acompanhou diversos rituais, fez inúmeras gravações, participou de obrigações. A pesquisa não se encerrava nos muros do terreiro, sua equipe acompanhava os religiosos em momentos de divertimento, frequentando festas onde se tocava pagode, brega e forró. Seu objetivo era observar as mudanças musicais ocorridas desde a visita da Missão em 1938, considerando, sobretudo, a influência da música urbana, escutada pelos jovens tamboreiros. O material coletado serviu de inspiração para a gravação de um CD denominado A Música de Culto Afro-Brasileiro na Amazônia (s/d) realizada no estúdio de um dos músicos de maior expressividade no Pará, conhecido como Luís Pardal. Este CD traz um pequeno encarte escrito por Anaíza Vergolino e pelo próprio Mário Lima Brasil, contendo em seu bojo explicações de cunho antropológico que situam o leitor no que tange ao processo histórico do dono da casa que é caracterizado pelo hibridismo cultural. A antropóloga remete às entidades cultuadas pela mina, aos instrumentos musicais tocados no Abassá Afro-Brasileiro Lego Xapanã29 e aos toques litúrgicos. A grande novidade deste material são as diversas partituras que acompanham as letras de cada doutrina cantada. 29 Abassá Afro-Brasileiro Lego Xapanã é o nome do terreiro de Pai Orlando Bassu.
  • 54. 54 Entre os trabalhos que compõem o segundo bloco destaco a dissertação de mestrado intitulada Uma Rosa a Iemanjá (1999) de autoria de João Simões Cardoso Filho. Seu objetivo básico foi fazer uma análise antropológica da Associação dos Amigos de Iemanjá (AAI) - uma das diversas instituições civis existentes em Belém – e do Festival de Iemanjá – um ritual com ares de espetáculo realizado na Praia Grande, distrito do Outeiro – em Belém. A AAI foi criada em 1971, lideranças emergentes que se juntaram à profissionais da área da comunicação para realizar uma homenagem a rainha do mar. Posteriormente menciono Os Candomblés de Belém (2001), pesquisa realizada por Marilu Campelo. Esta antropóloga chegou ao Pará, oriunda do Rio de Janeiro, no final da década de 90. Ela vem preencher a lacuna deixada pela literatura especializada que até então não havia abordado candomblé no território paraense. O campo afro- paraense ganhou novos ares desde a década de setenta e toda referência feita a esta nova matriz religiosa, partia da análise dos terreiros de mina. Candomblés de Belém (2001) é o único trabalho que se dedicou a estudar uma modalidade religiosa afro-paraense que foge à tradição local. A autora contou a história do candomblé nagô30 na capital paraense, mostrando de forma detalhada a trajetória das principais lideranças que se submeteram ao processo de “nagoização” já mencionado anteriormente por Furuya. Por último menciono o meu próprio trabalho. No ano de 1996, eu, como uma jovem estudante do curso de história, procurei o Departamento de Antropologia, então coordenado pela Professora Anaíza Vergolino, com intuito de pedir ajuda para iniciar pesquisa na área das religiões afro-brasileiras. Fui agregada a linha de pesquisa, então coordenada pela referida professora, me tornando assim sua orientanda. O primeiro trabalho desenvolvido nesta área entitulou-se Devaneios da Memória: A História dos Cultos Afro-Brasileiros de Belém do Pará na Versão do Povo de Santo (2000). Diante de tantas ausências resultadas da garimpagem documental em busca de centros religiosos perdidos nas brumas dos séculos, procurei me basear outros 30 Usado aqui como sinônimo de candomblé ketu.
  • 55. 55 documentos no ensejo de continuar a caminhada em busca das origens da mina no Pará. Trabalhei basicamente com a memória dos mineiros afro-paraenses. Utilizando técnicas da história oral, indo a campo e constatando que o discurso dos religiosos africanistas não é homogêneo. Dividi estes religiosos em dois grupos que denominei: “intelectuais” e “leigos do santo”. A partir dos mesmos tracei a história dessa religião. Considero que a profundidade temporal desta memória remonta apenas ao período da economia gomífera, sequer referindo a presença africana na Amazônia colonial. Delimito também as fronteiras do que chamei de “cidade do santo”, ou seja, o universo urbano dos cultos afro reconstruídos pela memória dos narradores. Terminada a monografia de conclusão de curso, persisti no estudo das religiões afro-brasileiras, indo a campo, observando rituais, escrevendo artigos o que me rendeu reconhecimento junto à comunidade acadêmica e religiosa, agregando-me então a uma “família” construída socialmente pelo ritual da iniciação acadêmica. A relação pessoal e profissional com minha então orientadora, foi se estreitando. Por intermédio dela fui aceita como membro da Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP), tornando-me secretária do Conselho Religioso Estadual e passei ser conhecida, pelos membros da referida instituição como sua “filha-de-santo”. Minha dissertação de mestrado, defendida em 2003, na Universidade Federal de Pernambuco teve por objetivo realizar uma revisita à FEUCABEP. Este trabalho, intitulado de Revisitando o Tambor das Flores (2003), atualizou a organização social dos cultos afro-paraenses, analisando a extrema importância que os religiosos locais davam a filiação em Unidades Burocráticas chamadas de Federações. Conforme o título sugere, revisitei o campo já estudado por Anaíza Vergolino em 1976 e me detive na observação de uma Federação específica: a FEUCABEP (Federação Espírita, Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará). Dentre outras coisas concluí – em concordância com Vergolino (1976) - que essa Instituição mais do que uma burocracia, se formara enquanto um terreiro que acabou por ser reconhecido localmente como a “casa mater”.
  • 56. 56 Na condição de entidade religiosa esta instituição precisou definir uma liturgia e criar um calendário e para tal lançou mão de uma modalidade religiosa específica, a referida mina, o que por si só a legitimava. Nesta breve revisão da bibliografia foi possível ter acesso às diversas alterações sofridas pelo campo religioso afro-paraense. Percebi, em meio a conversas informais com diversos religiosos praticantes da mina, umbanda e candomblé um consenso quanto à religião de matriz africana tida como tradicional no Pará: trata-se da mina. Atualmente ser praticante ou adepto de uma religião tradicional na capital paraense é se autoafirmar mineiro em oposição aos umbandistas e aos candomblecistas, havendo, pelo menos em nível do discurso, uma separação marcada entre as diversas modalidades de culto. Embebida nessa informação lancei-me a proposta de conhecer mais de perto essa mina tradicional. A relevância desta tese está na tentativa de se montar esse imenso quebra-cabeça que é o panteão religioso afro-paraense. Por isso decidi analisá-lo, seguindo os mesmos caminhos já trilhados por meus antecessores (Leacock, 1972; Vergolino, 1976).