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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
NA ANTIGUIDADE CRISTÃ
R u y A f o n s o d a C o s t a N u n e s
2 janeiro 2018
Ruy Afonso da
Costa Nunes
Natural de Sorocaba-SP, nasceu em Maio de
1928. Bacharel e licenciado em Filosofia, Doutor
em educação e Livre-docente de filosofia e
ciências da educação na USP, entre outros
títulos. Autor de outros três volumes da
História da Educação - na Idade Média (1979),
no Renascimento (1980) e no Século XVII (1981).
Entre outras obras e artigos em jornais e
revistas também. Faleceu em 2006 aos 78 anos
de idade, deixando uma imensa e rara
biblioteca de aproximadamente 30.000
volumes.
Entre o século II (inicia em 101 d.c.) até o início da
Idade Média (termina no século V - ano 475 d.c.)
Prólogo:
No prólogo (contextualização) o autor deixa claro que o livro não
é uma obra destinada a especialistas mas sim uma ferramenta
que proporcionará subsídios aos professores e estudantes da
Educação. A intenção foi a de trazer as concepções pedagógicas
dos Santos Padres. Esta expressão aplica-se aos grandes
doutores e escritores cristãos dos primeiros séculos do
Cristianismo, até o fim do mundo antigo. Uma vez que a doutrina
de Nosso Senhor Jesus Cristo se difundiu no ambiente cultural do
legado helênico (período histórico marcado pela disseminação da
cultura grega pelo mundo antigo. Foi uma época de fusão entre a
cultura grega e as culturas orientais, resultando em uma nova
forma de vida e pensamento) durante o Império Romano, os
mestres e os missionários cristãos envolveram a apresentação
dos ensinamentos evangélicos nas roupagens culturais da
tradição greco-latina, e da simbiose do elemento religioso de
origem oriental com o legado helênico formou-se o patrimônio
cultural cristão de que se impregnou o período histórico da Idade
Média.
Introdução
Na introdução o autor deixa claro que Jesus Cristo veio para iluminar
os homens e torná-los filhos de Deus. Sendo assim, Ele não veio para
propor uma nova escola de filosofia nem reformar os estudos vigentes
da época, que se beneficiam de alguma tradição. Antes de voltar ao
Pai, no dia da Ascensão, Jesus ordenou aos discípulos que pregassem
o Evangelho a toda criatura através do mundo inteiro. Com isso ele
impôs aos seus seguidores uma tarefa docente limitada ao anúncio da
sua doutrina, a respeito das verdades religiosas. Portanto, o
Cristianismo sempre foi uma religião que inspirou a leitura e o estudo,
como comprova a sua história através dos séculos.
O principal elemento que difere a Educação Cristã da Educação
“Tradicional” é que o espírito da formação cristã representa em mais
de um aspecto o inverso da educação greco-romana, que admitia o
fator religioso como algo secundário, enquanto ele é o ponto
verdadeiramente central para a educação cristã. Dessa forma, para a
educação cristã o principal não cabe mais à inteligência ou ao corpo,
mas sim à vida espiritual. Daí a importância do ambiente religioso para
a boa formação cristã, uma vez que educar não vai significar apenas
desenvolver o físico ou adestrar o intelecto através da instrução.
A doutrina cristã tem caráter basicamente pedagógico em sentido
amplo, uma vez que ela esclarece o homem e lhe propicia os meios
necessários para alcançar o seu último fim, que não reside nos bens
materiais mas na eterna felicidade.
1. A educação e as escolas
no período patrístico
A educação no Império Romano era focada na
família e em habilidades práticas que seriam
diretamente aplicadas na vida militar, no
comércio e na administração do império. A
educação superior era privilégio de uma
pequena minoria, e consistia no exercício de
artes, advocacia, comércio e arquitetura.
Os primeiros cristãos viveram no ambiente
cultural do mundo helenístico e frequentavam
as escolas instituídas pelo governo imperial ou
mantidas pelos mestres particulares e, no
Ocidente, viveram das tradições romanas
como qualquer outro cidadão do Império,
ainda que se distinguissem pelas suas
convicções e práticas religiosas, que nos
primeiros séculos foram muito perseguidas.
São Justino Santo Atanásio
A missão pedagógica
dos apóstolos
No dia da Ascenção, Jesus ordenou aos seus discípulos
que ensinassem a todas as nações (Mt 28, 18). E, segundo
São Marcos, "eles, partindo, foram pregar por toda parte,
e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua
palavra com os milagres que a acompanhavam.
Os Apóstolos no entanto não fundaram escolas, mas
exerceram o ministério da palavra em todos os lugares
que habitaram recomendando aos filhos que
obedecessem e honrassem aos pais. Aos pais que
educassem os filhos com seriedade e disciplina, segundo
o Senhor.
Desde o início da Igreja, São Paulo diz: "E aqueles que
Deus estabeleceu na Igreja são: primeiro, Apóstolos,
segundo, Profetas, terceiro, Doutores; a seguir, os que
têm o dom dos milagres, de curar, governar e falar em
diversars linguas" (1Cor 12, 28).
Os Santos Padres
Nesse trecho o autor cita diversos Santos Padres que fizeram história
no início do Cristianismo. Dentre eles, São Paulo, que era um judeu
helenizado, lançou as bases da lingua em que se difundiria o
Cristianismo, o grego cristão. Por volta do ano 150 d.C. o latim
começou a substituir o grego como lingua sagrada e também foi o ano
onde começaram a surgir os Apologistas, que na época das
perseguições à Igreja levantaram corajosamente a voz em sua defesa.
Eles foram principalmente filósofos que se opuseram à crueldade e às
falsas acusações dos pagãos, tal como São Justino, Taciano e Teófilo
de Antioquia.
O autor cita outros inúmeros padres e seus grandes feitos:
Santo Irineu: Asiático de Gálias, bispo de Lião desde 177,
consagrou o tratado Contra as Heresias ao combate da Gnose,
perigosa heresia que se resolvia num sincretismo estapafúrdio de
doutrina cristã, filosofia, fábulas e mitologia que desorientava os
espíritos.
Santo Ambrósio: é um dos quatro doutores da Igreja originais e é
notável por sua influência sobre o pensamento de Santo
Agostinho.
Papa São Leão Magno: Viveu bem no fim do período patrístico na
Antiguidade (440-461). Também considerado um Doutor da Igreja,
lembrado teologicamente por seu "Tomo de Leão", um documento
que foi fundamental durante os debates do Concílio de
Calcedônia.
Santo Irineu
Santo Ambrósio
Papa São Leão Magno
Heresias
Heresias enfrentadas durante o período patrístico:
Donatismo: Surgiu com Donato, o Grande, bispo de Cartago. Foi
no começo do séulo IV no reinado de Constantino e espalhou-se
pelo norte da África. Ensinava que a eficácia dos sacramentos
dependia do estado de graça do ministro. Foi condenado em
Roma em 313 pelo Papa Milcíades e em Arles em 314.
Arianismo: Foi uma das piores heresias que já afetaram a Igreja.
Ário ensinou a distinção entre o Pai e o Filho, afirmando que o
Filho, criado do nada no tempo, era pura criatura, mais excelente
que as outras, mas diferente do Pai por natureza, pois não é
Deus. Consequentemente, Ário negou a divindade de Cristo. Sua
heresia se espalhou por todo Ocidente, e foi condenada em 321
por um Sínodo de Alexandria e no Primeiro Concílio de Nicéa, em
325, cujo grande campeão foi Santo Atanásio.
Nestorianismo: Defendida em Antioquia por Deodoro de Tarso,
Teodoro de Mopsuéstia e por Nestório. Este último, o seu
principal representante, ensinou que a natureza humana e a
natureza divina de Cristo eram tão completas que formavam duas
pessoas, a divina e a humana, unidas de modo acidental.
Consequentemente, Nestório impugnou o título de Mãe de Deus
outorgado a Nossa Senhora, considerando-a apenas Mãe de
Cristo. Foi combatido por São Cirilo de Alexandria, e o Papa São
Celestino, no Sínodo de Roma, em 430, proclamou a doutrina
católica de uma só pessoa em Cristo, Deus e homem verdadeiro,
assim como a legitimidade do título Mãe de Deus, dado à
Santíssima Virgem.
Arianismo Nestorianismo
Agostinho de Hipona discutindo com os donatistas
Constantino, O Grande, e a nova
política religiosa
No período do Império de Constantino foi concedido à Igreja
Católica a liberdade de profissão de fé, de culto e de ensino. Isso
abriu uma nova era na história da Igreja no período patrístico. Ele
transformou o Cristianismo em religião perseguida em religião de
Estado. Disso surgiram boas e más consequências. Boas, porque
ficou permitido aos cristãos a liberdade de crença, e o
Cristianismo passou a estar nas leis e a influenciar a vida pública.
Más, porque a aliança com o poder político afetou muitas vezes
as consciências e prejudicou a própria vida espiritual e os
negócios eclesiásticos.
O Cristianismo e a filosofia
O autor explicita que o Cristianismo não é uma filosofia, pois não
resulta das reflexões humanas e do poder intelectual que
distingue o homem dos animais irracionais. Todavia, o
Cristianismo contém uma concepção da vida e do destino
humano, concepção garantida pela revelação divina. Essa doutrina
vinha dissipar as trevas do paganismo, e surgiu como o
aperfeiçoamento do judaísmo, uma vez que a Revelação, iniciada
com os Patriarcas e os Profetas, terminou com a Boa Nova, o
Evangélio anunciado por Jesus Cristo.
Constantino
O ensino da filosofia no fim do mundo
antigo
Os romanos nunca foram grandes entusiastas da filosofia e, exceto Cícero,
que estudou nos mestres gregos e a divulgou nas suas obras, ela não teve
cultores de nomeada em Roma e só aparece no currículo das escolas como
disciplina auxiliar qie devia ministrar conhecimentos variados, especialmente
moral, aos futuros oradores que se exercitavam nas declamações com os
professores de retórica. A filosofia em Roma foi ensinada por mestres
estrangeiros, principalmente os gregos. Além disso, os filósofos que se
salientaram em Roma não eram romanos, pois Sêneca era espanhol, e Plotino,
egípcio.
As grandes escolas do período patrístico
A primeira a ser citada, e que foi a mais excelente e meritória, é a Escola de
Alexandria. Esta cidade egípcia foi o centro da ciência helenística, e rivalizou
com Atenas, chegando a superá-la. A partir do século II ela se tornou centro
da cultura cristã e abrigou uma escola superior de Teologia que, segundo
Vaccari, “foi o primeiro berço da universidade cristã da Idade Média”. No
didascaleion, nome da escola, etudava-se disciplinas filosóficas, doutrina
cristã e a sua utilização no estudo da teologia. Outras escolas conhecidas da
época também eram: Escola de Cesaréia da Palestina, Escola dos Persas,
Nísibe e Edessa
2. O catecumenato ou a escola de
catequese batismal
Antes de subir ao céu, no dia da Ascenção, disse Jesus Cristo aos
seus Apóstolos: "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.
Ide, pois, ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, e
do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos
prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do
mundo". (Evangelho de São Mateus - mt 28 18-20)
Neste trecho o autor destaca do Evangelho palavras na tradução
original onde diz claramente que N. S. Jesus Cristo ordenou aos
seus Apóstolos que instruíssem todas as pessoas ou povos,
ensinando-lhes a observar tudo quanto lhes ordenou e passando,
em seguida, a administrar o santo Batismo, o sacramento que
serve de porta de entrada para o reino de Deus.
Ele também cita o Evangelho de São Marcos (mc 16 15-16) para
reforçar a ordem de Jesus: "Ide por todo o mundo e pregai o
Evangelho a toda a criatura. Quem crer e for batizado será salvo,
mas quem não crer será condenado".
Na sequência afirma que, na tradução do grego original, fica claro
que a condição inicial para ser cristão é conhecer a doutrina
ensinada por Cristo, crer na sua Pessoa e na sua Palavra e é,
enfim, ser batizado. Isso indica de modo patente que Jesus Cristo
prescreveu para os seus futuros discípulos uma fase de
preparação doutrinária anterior ao Batismo. (Catequese)
Entretanto, as informações deixadas pelos Apóstolos e
pelos mais antigos Padres da Igreja, a respeito da
preparação para o Batismo, podem ser consideradas bem
escassas. Depois da "Didaqué" ou "Doutrina dos
Apóstolos", uma das fontes mais antigas da catequese, e
que remontaria aos anos de 90-100, o primeiro
testemunho claro sobre o catecumenato, a preparação
para o Batismo, cabe a São Justino, que lhe atesta a
prática em Roma por volta do ano 150.
A "Didaqué" apresenta-se como um catecismo bem
resumido, no qual os primeiros seis capítulos constituem
uma instrução moral para os catecúmenos, o sétimo dá
instruções sobre o Batismo, enquanto os oito restantes
tratam do jejum, da oração, da Eucaristia, da
hospitalidade, da santificação do domingo, do bispo e do
diácono, e da vinda do Senhor.
São Justino
Os 12 Apóstolos
2. São Justino e a Didaqué
São Basílio Magno
Além desses testemunhos, só no século III vamos deparar com indicações
claras a respeito do catecumenato e do rito batismal. Qual seria a razão
dessa raridade de informações dobre esse tema nos tempos apostólicos e
no segundo século da era cristã? São Basílio Magno, em 375, escreve o
seguinte sobre isso:
"Nós não nos contentamos com as palavras referidas pelo Apóstolo e pelo
Evangélio; antes e depois, por exemplo, da consagração da eucarística, nós
pronunciamos outras palavras recebidas do ensino não escrito, porque elas
têm uma grande importância para o mistério. Nós abençoamos, também, a
água do batismo, o óleo da unção e, além disso, o próprio batizado. Em
virtude de que escritos? Não é em virtude da tradição guardada secreta e
oculta? Assim, a unção do óleo, a tríplice imersão, a renúncia a Satã e aos
seus anjos. De que Escritura provém tudo isso? Por fim, que nossos pais
guardaram num silência isento de inquietação e de curiosidade, sabendo
bem que, ao se calar, salvaguardava-se o caráter sagrado dos mistérios e,
se não é permitido aos não-batizados contemplar tais verdades, como se
iria razoavelmente propalar tudo isso por escrito?".
Está claro, por conseguinte, de acordo com esse depoimento de São
Basílio, que as informações sobre o catecumenato e sobre o ritual do
Batismo eram conservadas em segredo, para que não se divulgasse entre
os pagãos e os descrentes.
A primeira descrição importante do catecumentato e do santo Batismo
surge-nos através da Tradição Apostólica de Hipólito de Roma, no século
III, em 215.
São Cirilo de Jerusalém
Nascido em Jerusalém pelo ano 313, Cirilo foi monge e ordenou-se sacerdote em 343 ou 345,
e foi sagrado bispo de Jerusalém em 348, dendo pregado nessa época as suas 24 Catequeses
na basílica do Santo Sepulcro. Foi deposto e exilado, devido a questões religiosas, por três
vezes, vindo a falecer em 386. As suas Catequeses são instruções teológicas para os
catecúmenos durante a Quaresma e para os recém-batizados.
Cirilo escreveu, ainda, uma Carta ao Imperador Constâncio, atinente à aparição de uma cruz
luminosa em Jerusalém, a 7 de maio de 351; uma Homilia sobre Paralítico da Pscina, e quatro
Pequenos Fragmentos de Homilias. Segundo estudiosos, as Catequeses de São Cirilo de
Jerusalém não foram escritas por ele, mas redigidas taquigraficamente por um dos seus
ouvintes, e essas conferências catequéticas constituem um dos mais apreciados tesouros da
Antiguidade Cristã.
São João Crisóstomo
Um dos bispos mais notáveis do século IV, nasceu em Antioquia entre 344 e 354. Teve uma
alta educação e formação, tendo os melhores mestres de retórica e filosofia. Deixou uma obra
vastíssima, comparável apenas à de Santo Agostinho. Foi o maior Doutor da Escola de
Antioquia. Entre suas obras, destacam-se as pérolas das Oito Catequeses Batismais que
pregou durante doze anos em que exerceu o ministério de orador, tendo sido encarregado de
preparar os catecúmenos para o Batismo.
São Cirilo de Jerusalém
São João Crisóstomo
Santo Agostinho
Um dos maiores Doutores da Igreja, nasceu em 354 em Tasgaste, na Numídia
(Argélia). Conforme ele mesmo conta no fim do Livro V das Confissões,
tornou-se catecúmeno adulto, uma vez que sua mãe, já o inscrevera quando
criança. No Livro 12 das Confissões declara que se inscreveu e foi Batizado
em Milão juntamente com o seu amigo Alípio e o seu filho Adeodato.
Na obra de Santo Agostinho destacam-se os ensinamentos de ordem
catequética. No livro De fide et operibus refere-se ao catecumenato, como
curso de preparação para o Batismo, mediante instruções sobre a fé e
reforma dos costumes, sinal da vera conversão interior. Diz Santo Agostinho
que os catecúmenos, no período de preparação para o Batismo, se chamavam
de "competentes", e se submetiam às catequeses, aos exorcismos e aos
escrutínios, e que esse período era, com efeito, tempo de aprender.
Num dia de Páscoa, Santo Agostinho pronunciou um belo sermão ao povo e
aos batizados. Diz ele que os neófitos (pagãos recém-convertidos ao
cristianismo) se tornaram, pela graça divina, membros de Cristo e filhos de
Deus, e acrescenta preocupado: "Temo por vós. Não só por causa dos pagãos,
dos judeus e dos hereges, como principalmente, por causa dos maus
católicos. Por isso, escolhei para vós no povo de Deus aqueles aos quais
imitareis". Trata-se de um belo sermão que estimula o novo cristão a
abandonar o pecado e a fugir das ocasiões perigosas, especialmente do
adultério.
Santo Agostinho
O depoimento de Etéria
Etéria foi uma senhora de alta linhagem, talvez monja e de
origem incerta. Movida pelo amor a Sagrada Escritura e pelo
espírito de piedade, resolveu empreender uma peregrinação
pela Terra Santa, da qual nos deixou uma vívido relato, já
conhecido em português por Peregrinação de Etéria. Na obra
ela relata claramente sobre o Batismo da época.
Os catecúmenos, diz ela, inscreviam-se antes do primeiro dia
da Quaresma, que durava 8 semanas, com um presbítero
encarregado de anotar os nomes. No primeiro dia da
Quaresma, a cátedra episcopal era colocada no centro da
Igreja Maior. Dos lados estavam os presbíteros assentados, e
os clérigos ficavam de pé e os homens eram acompanhados
pelos padrinhos e as mulheres pelas madrinhas.
Em resumo, de acordo com o testemunho de Etéria, a
catequese consistia no ensinamento dado pelo bispo a
respeito da doutrina cristã junto com a vida de oração e as
práticas ascéticas, como jejum, a conversão de vida,
acompanhadas de ritos especiais, como o exorcismo.
Síntese
Procuramos até agora caracterizar o que foi a instituição educacional do
catecumentato nos primeiros tempos da Igreja, especialmente através dos
ensinamentos e das informações prestadas pelos escritores eclesiásticos ou
leigos mais antigos fidedignos. Os dados que apresentamos parece-nos
suficientes para iluminar a questão do ponto de vista da História da Educação,
embora restem muitas particularidades que podiam ser expostas e analisadas
do ângulo da História da Liturgia ou da História Dogmática.
A palavra catecumenato deriva do termo grego catêcheim, que significa instruir
de viva voz, oralmente. Designou a instituição educacional criada pela Igreja
nos primeiros séculos de nossa era, a partir da metade do século II, tendo
atingido o seu apogeu de 350 ao século V. A partir do século VI, começou a
decadência da instituição, uma vez que o Batismo se administrava quase só às
crianças, tendo praticamente cessado o batismo dos adultos, de forma que os
ritos e as fórmulas permaneceram apenas nos livros litúrgicos.
O conteúdo abordado nos catecumenatos era constituido pelo conhecimento
do Antigo e do Novo Testamento, pelo comentário do Símbolo apostólico
(Credo) e dos Mandamentos. A duração do curso variava conforme as regiões e
as ciscunstâncias como, por exemplo, as perceguições.
A instituição educacional do catecumenato incluía, portanto, uma escola de
catequese, curso de preparação doutrinária para o Batismo de adultos, embora
muitas vezes houvesse entre os ouvintes, escola que funcionava habitualmente
num santuário, mas que, de acordo com a necessidade, podia estar
estabelecida numa catacumba, em tempo de perseguição, em residências
particulares ou simplesmente na própria casa do professor.
3. Clemente de Alexandria e a
educação
Clemente de Alexandria, ao contrário de São Basílio de Cesaréia ou de São João
Crisóstomo, não escreveu nenhum tratado particularmente consagrado à educação
das crianças ou à instrução dos jovens. No entanto, seu conhecimento reveste-se
do mais alto significado educacional, como uma de suas obras, O Pedagogo. No
conjunto dos trabalhos de Clemente, esta pode ser considerada como uma das
peças fundamentais da sua grandiosa concepção educacional e cultural.
Foi em Alexandria que Clemente se encontrou com Panteno e resolveu a sua
inquietação intelectual com a profissão de fé católica e a total conversão ao
Cristianismo. Ele foi discípulo, assistente e sucessor de Panteno, tornando-se, após
a sua morte, o diretor da escola de catecúmenos.
O autor cita inúmeras obras de Clemente sobre os mais variados assuntos da Igreja
como: Sobre Páscoa, Cânon Eclesiástico, Sobre a Providência, Exortação à
Paciência e Aos Recém-Batizados.
Além destas, deixou uma homilia: Que rico se salvará?, comentário da passagem de
São Marcos (10, 17-31). Clemente procura demonstrar que os ricos podem salvar-se
usando bem suas riquezas e não lhes apegando o coração.
O termo paidéia sugere de imediato o conceito de ideal
formativo do homem, descoberto e formulado pelos gregos. A
paidéia seria, então, o ideal de educação do homem completo,
bem desenvolvido física e espiritualmente, isto é, amadurecido
com auxílio da arte e a colaboração dos adultos experientes no
pleno exercício das suas potencialidades físicas, intelectuais e
morais. Porém, todo esse ideal formativo, formulado de modo
clássico e com valor perene, por se assentar na realidade e no
conceito da personalidade humana acabou sendo manchada
com o tempo por causa dos vícios que degradaram o povo.
Por isso, quando o Cristianismo surgiu, houve de início um
choque entre os representantes da paidéia clássica e os
mensageiros da Boa Nova anunciada por Nosso Senhor Jesus
Cristo. Os discípulos do Verbo Salvador receberam do Mestre
divino uma ideia muito superior quando tomaram consciência de
que o homem não é só imagem de Deus pela sua inteligência e
liberdade, mas sim por ter sido elevado ao plano da vida
sobrenatural mediante a posse da graça divida que lhe foi dada
com a criação.
Paidéia grega
Paidéia cristianizada
Cristianismo e Paidéia
Cristianismo e Paidéia
Logo, a concepção de homem criado íntegro, decaído e
redimido, vinha impor novas condições para a educação do ser
humado, sobre ser a nova pandéia inteiramente refratária aos
desvarios da fantasia, que permitia construir o mundo lúcido e
livre dos vícios e mitos sem consistência real.
Dito isso, o feito educacional extraordinário de Clemente de
Alexandria foi o de hamonizar a paidéia grega com o espírito
cristão, a filosofia pagã com o Evangelho, procurando
demonstrar que a filosofia não é "pagã" por natureza, mas uma
decorrência da natureza intelectual do ser humano, como pode
ser também para as artes e ciências. Com essa convicção,
Clemente de Alexandria aprofunda a idéia de São Justino
quando ao Logos que se fez homem e é o princípio de toda
sabedoria, e procura demonstrar que a plenitude da razão e da
vida espiritual só se encontram na vida cristã.
Clemente de Alexandria
Logos e a Cultura
Nesta passagem o autor fala sobre o
pensamento de Clemente a respeito da
relação entre o Logos (Jesus) e a Cultura.
Clemente nutre a convicção profunda de que
tudo que existe e tudo que se pode saber
neste mundo é obra do Logos, o Verbo eterno
que se fez homem. Essa convicção é tão
racional que encontra sustentação no próprio
Evangelho de São João Evangelista: "No
princípio era o Verbo (Logos) e o Verbo estava
em Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava, no
princípio, com Deus. Todas as coisas foram
feitas por meio dele e, sem ele, coisa alguma
foi feita de quanto existe. Nele estava a vida e
a vida era a luz dos homens. E a luz brilha nas
trevas, mas as travas não a receberam".
Logos e a Cultura
No século II, o filósofo e mártir São Justino ficou arrebatado pela contemplação da idéia e da
pessoa do Logos de Deus. Ensina São Justino na sua Segunda Apologia, escrita lá pelo ano de
155, em Roma, que tudo o que os homens pensaram, ensinaram e escreveram, desde o início do
mundo, eles o fizeram em virtude do logos spermaticós, da razão seminal, inserida de forma
parcial em todos os homens pelo ato criador de Deus, e que faculta aos homens poderem
conhecer a verdade por meio da razão. Quem procurasse viver de acordo com o Logos,
necessariamente viveria segundo a retidão e a justiça. Ora, diz São Justino, os demônios
sempre se empenharam em tornar odiosos a todos os que quiseram viver conforme o Logos e
fugir da maldade. Os gentios, no entando, só puderam viver conforme uma parte do logos
spermaticós, da razão seminal, enquanto os cristão podem viver de acordo com o
conhecimento (gnósis) e a contemplação (theoria) do Logos total que é Cristo. Por esse
motivo, não é de admirar que os demônios, uma vez desmascarados, tentem ainda com maior
empenho tornar odiosos os que vivem de acordo com o Verbo total.
Clemente de Alexandria prolonga as reflexões de São Justino, amplia as suas declarações sobre
o papel iluminador do Logos na constituição da cultura. Entre todos os animais, só o homem,
devido à sua natureza racional e à sua alma espiritual, é capaz de criar e desenvolver a cultura.
Ora, a flor da cultura é a filosofia. Por isso, desde que o homem começou a filosofar e a
compor poesias e a fabricar instrumentos para satisfazer as suas necessidades, ele participou
da iluminação do Logos eterno que presidiu a criação. Por isso, segundo Clemente de
Alexandria, não pode haver discrepância entre a autêntica filosofia e a revelação cristã e, por
essa razão, nenhuma educação será completa se, ao lado do empenho em cultivar as potências
naturais pelo estudo, não se tratar de suscitar e desenvolver a gnose, o conhecimento das
verdades da fé, e a caridade, que é a vida da graça e do amor divino, quando é dado ao homem
fruir neste mundo.
O Protréptico ou Exortação aos
Gentios
É uma obra de Clemente de Alexandria que convida os pagãos a
fé cristã, depois de demonstrar a vacuidade (vazio de conteúdo)
e os absurdos das crendices mitológicas e dos enganos dos
filósofos.
O Pedagogo
Dizia Platão que os rebanhos não podem viver sem o pastor nem
os escravos sem um senhor, assim como as crianças não
poderiam viver sem o pedagogo. De acordo com a etimologia, e
segundo a História da Educação, o pedagogo era, entre os
gregos, o escravo encarregado de levar as crianças à escola. Era
responsável pela educação moral da criança e não apenas um
simples acompanhante que carregava bagagem do seu pupilo de
dia ou lanterna de noite. Além disso, o pedagogo protegia o
menino dos perigos da rua e ensinava-lhes as boas maneiras e
formava-lhe o caráter. Clemente de Alexandria faz uma admirável
transposição semântica do termo, aplicando-o ao próprio Logos,
o Filho de Deus feito homem. Conforme o início do livro
Pedagogo, o Logos quer salvar-nos e conduzir-nos à perfeição e
realiza um belo e eficaz programa educacional: "Primeiro
converte-nos; em seguida, educa-nos como um pedagogo e, por
fim, ensina-nos".
4. Orígenes, o mestre de
Alexandria
O propósito do autor neste capítulo é analisar e considerar
atentamente o que Eusébio de Cesaréia deixou escrito no
Livro VI da sua História Eclesiástica sobre a vida de
Orígenes de Alexandria. O autor explica que no século II o
pai de Orígenes, Leônidas, foi perseguido e decapitado sob o
império de Septímio Severo. Desde então, Orígenes viveu sob
inspiração do martírio, vindo a falecer em 253 em
consequência das torturas sofridas como confessor da fé
cristã. Ele viveu em plena era de grandes perseguições aos
cristãos.
No século II, as perseguições aos cristãos foram locais e
estimuladas pela manifestação do povo. No século III,
quando viveu Orígenes, elas foram organizadas pelo Estado,
ordenadas pelos imperadores em várias ocasiões. A primeira
grande perseguição foi decretada por Nero (54-68), as
culminantes deram-se sob Décio (249-51) e Diocleciano
(284-305). Só em abril de 311 foi que Galério, com doença
terminal, publicou junto com os seus três co-regentes o
decreto de tolerância para os cristãos e, em 313,
Constantino concedeu aos cristãos a liberdade de culto.
O Mestre de Catequese
Diz Eusébio, que Orígenes havia sido discípulo de Clemente de
Alexandria, a quem, aliás, veio a suceder, por ordem do bispo, na
direção da escola catequética que se destinava exclusivamente a
ensinar a doutrina cristã aos catecúmenos e neófitos. Por fim, o
historiador Eusérbio explica por que Orígenes se tornou eunuco
por amor do reino dos céus, ao tomar ao pé da letra, "com ânimo
juvenil", as palavras de Jesus sobre os que se castram por amor do
reino dos céus, e querendo evitar, a todo custo, "qualquer suspeita
e calúnia vergonhosa", já que, sendo tão jovem, tratava das coisas
de Deus, tanto com os homens como com as mulheres. O bispo
admirou a façanha e estimulou o jovem professor na obra da
catequese, para, mais tarde, utilizar o ato juvenil de Orígenes como
motivo de impedimento canônico, depois que este havia sido
ordenado sacerdote, fora da diocese de Alexandria. Antes, porém,
desse dissabor, Orígenes viveu entregue em Alexandria "ao ensino
divino ministrado a todos os que o procuravam, sem reservas,
durante a noite, e inclusive de dia, dedicando todo o seu tempo às
ciências divinas e aos discípulos que conviviam com ele".
Orígenes, o mestre de Alexandria
Para avaliarmos melhor o talento e sabedoria teológica de Orígenes, Eusébio narra sobre
as relações de Firmiliano, bispo de Cesaréia, com Orígenes: "Tão grande era o seu
interesse por ele, que uma vez o chamou à sua própria região para proveito das igrejas e
outra vez foi ter com Orígenes em sua casa na Judéia, convivendo algum tempo com ele
para o seu melhoramento nas coisas divinas". Alexandre, bispo de Jerusalém, e Teocristo,
de Cesaréia, escutavam-no constantemente como o único mestre, e lhe recomendaram
que se ocupasse da interpretação da Sagrada Escritura e do resto do ensino
eclesiástico. Aí temos, portando, a informação sobre a vida de Orígenes depois que ele
se viu constrangido a abandonar a Escola de Alexandria devido à sua perseguição
malévola de Demétrio.
A morte de Orígenes
No ano de 249, durante o reinado do imperador Décio, desencadeou-se a perseguição
contra os cristãos, e uma das suas mais ilustres vítimas foi Orígenes, alvo de ferrenha
oposição. Houve de suportar cadeias e torturas, suplícios pelo ferro e pelo cepo em
obscuros calabouços, tendo ficado com as pernas estendidas no potro até o quarto
agulheiro e, depois de ter sido ameaçado com o fogo, suportou muitos outros tormentos,
já que o juiz fazia de tudo para que o torturasse mas sem lhe tirarem a vida. De tudo isso
e dos seus pensamentos consoladores nesse período o mártir fez um relato nas suas
cartas, que infelizmente se perderam! Embora Pânfilo e muitas outras testemunhas
oculares tenham dito que Orígenes morreu em Cesaréia durante a perseguição, São
Jerônimo informa que ele faleceu e foi sepultado na cidade de Tiro.
O Cristianismo surgiu no fim do mundo antigo, nos primórdios do
Império Romano, quando a Idade Clássica já produzira seus
melhores frutos na seara cultural. Os Apóstolos difundira a
doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo através do Império,
servindo-se da língua grega para as suas pregações e epístolas. Os
pregadores da Boa Nova eram pescadores e pessoas humildes que
angariaram discípulos e simpatizantes nas cidades portuárias, nos
bairros judeus dos centros helenísticos e romanos, entre artesãos
e escravos, de tal forma que São Paulo podia escrever aos
coríntios, pouco depois da metade do primeiro século de nossa
era: "Irmãos, considerai a vossa vocação: não há entre vós muitos
homens sábios segundo a carne nem muitos poderosos nem
muitos nobres", mas, ao contrário, Deus escolheu os fracos e os
ignorantes, para que ninguém se possa gloriar diante de Deus".
Quando gregos, romanos, egípcios, sírios ou quaisquer pagãos se
convertiam, tratavam de pautar a sua vida pela doutrina cristã, e
cuidavam de organizar a sua existência conforme a moral
evangélica consubstanciada nos dois mandamentos fundamentais:
"Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a
tua alma e com todo o teu entendimento. Este é o primeiro e maior
mandamento. O segundo é semelhante a este: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. A estes dois mandamentos reduz-se
toda a lei e os profetas".
5. Orígenes e o ensino
Orígenes e o ensino
No tocante à educação dos filhos, os cristãos continuavam a formá-los de acordo com as
condições da sua classe social, enviando-os às escolas oficiais ou particulares mas dando-
lhes, desde pequenos, sólida orientação espiritual no lar sob a assistência dos ministros
religiosos. Por volta do século III, quando se elaborou a última grande doutrina filosófica da
Antiguidade, o neoplatismo, muitos intelectuais se converteram ao Cristianismo, ao mesmo
passo que se propalaram heresias com o desvirtuamento da doutrina cristã, perpetuada com
o auxílio da filosofia. Esses fatos - a conversão dos intelectuais ao Cristianismo, e a difusão
das heresias - levaram os cristãos a se aproximarem da filosofia a fim de que, bem
informados sobre os ensinamentos das escolas antigas e conteporâneas, pudessem, de um
lado, estabelecer um proveitoso diálogo com os intelectuais e, de outro, pudessem enfrentar
com vigor e competência os ataques dos heresiarcas.
Orígenes refere-se a esse uso ancilar da filosofia como aos "despojos dos egípcios",
reportando-se ao passo do Êxodo em que Deus ordena aos israelitas que empreguem os
vasos de ouro e prata e as vestimentas tomadas aos egípcios para a organização do culto
divino. Ele reconhecia que o perigo dessa operação estava em que é uma infidelidade ter de
habitar entre os egípcios, isto é, nas ciências do mundo, depois de se ter sido alimentado
com a lei de Deus e com o verdadeiro culto, havendo sempre o risco de se tornar um irmão
do idumeu Ader, ou seja, alguém que se aproveitaria dos conhecimentos helênicos para
engendrar heresias. Por isso, Orígenes recomenda a Gregório: "Aplica-te principalmente à
leitura das divinas Escrituras; aplica-te bem a isso" e procura com reta intenção e com
inabalável confiança em Deus, finaliza, o sentido dos divinos Escritos, batendo à porta do
Senhor com insistência mas, sobretudo, implorando-lhe as luzes por meio da oração.
6. São Basílio e a leitura dos
autores profanos
São Basílio nasceu na cidade de Cesaréia, capital da
Capadócia, por volta de 329-330. Recebeu a primeira
educação no seio da família, tendo frequentado, em
seguida, a escola de Cesaréia. Estudou em Constantinopla e
Atenas. Nesta cidade dedicou-se à poesia, à retórica e à
filosofia. Aos 27 anos recebeu o batismo de Dianios, bispo
de Cesaréia, movido aos exemplos de sua mãe e sua irmã.
Viajou para o Egito, Palestina e Síria, a fim de conhecer a
vida dos monges. Ao voltar, vendeu os seus bens e retirou-
se para a sua propriedade de Annesi, numa região solitária
às margens do Iris. Passava os dias em oração, leitura e
trabalho manual. Em 360 acompanhou até Constantinopla o
bispo de Cesaréia, Eusébio, sucessor de Dianios, que o
ordenou sacerdote em 364. Basílio foi eleito bispo de
Cesaréia em 370. Durante seu episcopado organizou a vida
monástica, combateu os hereges, regulamentou a liturgia,
fundou estabelecimentos de beneficência, tendo morrido a
10 de janeiro de 379 com 49 anos. São Basílio escreveu
tratados dogmáticos: o Tratado Contra Eunômio (herege do
arianismo) e o Tratado sobre o Espírito Santo, dirigidos
contra o arianismo de feição eunomiana. Também escreveu
homilias, liturgias e cartas.
São Basílio, seu irmão Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzo
São Basílio e a leitura dos autores profanos
São Basílio escreveu um opúsculo (livro curto) sobre a literatura profana
a fim de orientar dois sobrinhos que estavam a frequentar a escola
pública, mas a importância desse escrito fez com que fosse submetido a
uma revisão, a fim de poder ficar ao alcance da juventude em geral. Essa
obra de São Basílio fala sobre os autores clássicos da época, e revela a
sua intenção de colaborar para a educação moral dos jovens, servindo-
se das próprias obras adotadas nas escolas.
Os jovens cristãos eram enviados pelos pais às escolas públicas para
que se instruíssem da mesma forma que os jovens pagãos. O valor da
educação clássica era indiscutível e, ao mesmo tempo, impressindível
para a carreira de um cidadão exemplar. O perigo para os jovens cristãos
residia nos enredos e nos temas das obras, de fundo mitológico, de
matéria moralmente leviana ou imoral. São Basílio advertiu os jovens
quanto a isso. Confessa que a idade alcançada por ele, as mil provações
passadas, lhe deram a experiência das coisas humanas, permitindo-lhe
indicar aos que começam a estabelecer a própria vida o caminho mais
seguro. De início, aconselhava os jovens a não abandonarem aos autores
pagãos o leme do próprio pensamento, e a não segui-los a qualquer
lugar, só aceitando deles o que oferecerem de útil.
São Basílio e a leitura dos autores profanos
Uma vez estabelecido o princípio de que vale a pena aplicar-se às ciências externas,
passa Basílio a examinar o devido modo dessa aplicação. Primeiramente, ele considera as
obras dos poetas, e diz que só se devem ler os que são homens de bem. Eles merecem
amor e imitação por referirem ações e palavras condignas. Os que se agradam,
entretando, com o enaltecimento de personagens viciosas devem ser evitados, porque
"quem se acostuma às palavras más, encaminha-se aos atos correspondentes". Não se
deve permitir que o encanto da linguagem nos leve, a contragosto, a admitir maus
princípios, à semelhança dos que tomam veneno misturado com mel. Por isso, evitem-se
os poemas em que se decantam os vícios ou as imoralidades dos falsos deuses.
Depois dessas considerações gerais e básicas sobre a atitude do jovem estudioso
perante as obras literárias, São Basílio consagra o resto do tratado a ponderações da
educação moral e a aquisição da virtude. Aconselha que se leiam principalmente as
obras dos poetas, prosadores e filósofos que tenham exaltado a virtude, "pela qual
devemos acumular para nós um tesouro para a outra vida". A virtude, esclarece, é entre
os bens a única coisa inexpugnável, pois permanece durante a vida e após a morte. Por
isso, convém escutar os escritores que elogiaram a virtude e tratar de que a nossa vida
seja a realização das suas palavras. Todavia, é preciso ser coerente quando se aplaude a
virtude, para não se transformar num hipócrita, de duas caras, que em público tece
longos discursos de elogia à virtude enquanto se entrega em particular à prática dos
vícios; à volúpia, mais que a temperança; e à cupidez mais que à justiça.
São Basílio e a leitura dos
autores profanos
Por fim, as considerações de São Basílio, no pequeno tratado
Aos jovens sobre a maneira de tirar proveito das letras
pagãs, procedem "de um espírito extraordinariamente largo e
aberto para o seu tempo, e exerceram decisiva influência
sobre a posição da Igreja em face do patrimônio cultural da
Antiguidade". Podemos acrescentar, em conclusão, que esse
tratado de São Basílio possui valor perene para os estudiosos
cristãos, especialmente para os jovens que começam a
explorar na adolescência, com o seu espírito crítico e
inquieto, o mundo maravilhoso das letras e o repousante
jardim da cultura.
7. São João Crisóstomo, a
vanglória e a educação dos filhos
O grande Doutor de Antioquia, intitulado de Boca de
Ouro, deixou entre as suas obras um pequeno tratado
sobre a educação das crianças que permaneceu
desconhecido durante muito tempo. A obra divide-se em
duas partes. A primeira é consagrada à consideração da
vanglória (sinônimo de imodéstia, vaidade e
ostentação), vício que campeava triunfante em Antioquia
e que, segundo o santo doutor, é a raíz da má educação
das crianças.
Quando lemos as homilias em que São João Crisóstomo
alude à educação das crianças, percebemos logo que
duas são as idéias dominantes nas suas considerações.
Primeiramente ele insiste sobre o dever dos pais quanto
à educação cristã dos filhos, e depois conclama os pais
a cuidarem da preservação da castidade das crianças.
Na Homilia sobre as viúvas, São João Crisóstomo
denomina parricidas (aquele que mata um parente
próximo) dos filhos aqueles que não castigam
severamente os filhos negligentes. Em seguida, ele
descreve certos fatos lamentáveis e tristes ocorridos nos
filhos censuráveis pela má conduta, e acabaram por vê-
los, devido aos crimes cometidos, arrastados perante os
tribunais e por fim decapitados. Além disso, esses pais
tiveram de passar, ainda, pela humilhação de se verem
apontados a dedo à execração pública. Por isso, afirma o
Boca de Ouro, "digo e repito que devemos ter grande
cuidado com os filhos e procurar sempre a salvação da
sua alma. Devemos tratar de deixar-lhes a piedade que
permanece e nunca lhes é tirada, e não as riquezas
perecíveis". A desonestidade dos filhos, acrescenta,
nasce da nossa negligência, por não havermos tratado
de formá-los, desde pequenos, para a piedade.
7. São João Crisóstomo, a
vanglória e a educação dos filhos
7. São João Crisóstomo, a vanglória e a
educação dos filhos
Diz São João Crisóstomo que é preciso ter o máximo cuidado
em proteger a castidade dos filhos. Uma criada, por
exemplo, não ascende uma lâmpada e vai colocá-la perto do
feno ou da palha. Assim, também, os jovens não devem ter
contato com as servas lascivas (imorais), as mocinhas
devassas ou com escravas imprudentes. Eles nem sequer
devem olhá-las. Além disso, é preciso que evitem os
espetáculos teatrais e as cantigas dissolutas (depravadas) e
voluptuosas (luxuriosas), para que não lhe fascinem a alma.
Se alguém chega casto ao matrimônio, acrescenta, a coroa
mais adequada a essa idade é a pudicícia (descência,
correção, integridade). Para com um jovem assim coroado, as
esposas serão amáveis. O seu amor será mais ardente, a
amizade mais sincera e forte, e os esposos poderão desfrutar
de um ambiente de paz e concórdia. O que atualmente
acontece, observa São João Crisóstomo, não são núpcias,
mas negócios, com a única preocupação do dinheiro. E com
grande experiência pastoral dos dramas matrimoniais
acrescenta que a falta da castidade antes do matrimônio é a
causa das brigas, das discussões entre os esposos, da
destruição dos lares e, depois essa mesma falta persistente
faz com que o amor à esposa diminua e desapareça devido
ao hábito do marido de frequentar bordéis.
Ora, diz o santo doutor, os pais devem aplicar todos os
esforços para que os seus filhos possam viver bem neste
mundo e alcançar a salvação eterna. A lascívia (propensão
para a luxúria, sensualidade exagerada), diz São João
Crisóstomo, é a pior doença que acomete a adolescência.
Precisamos combatê-la por todos os meios. Usemos dos
conselhos, das exortações, da intimidação, das ameaças. Se
nossos filhos vencerem essa má tendência, então eles
poderão triunfar da tentação do dinheiro, da embriaguez, e
serão amáveis para com os seus pais e superiores. E, nesse
caso, quem não gostará de confiar a própria filha a um
jovem casto, ainda que ele seja paupérrimo?
7. São João Crisóstomo, a vanglória e a
educação dos filhos
São João Crisóstomo, cita diversas vezes a história de Ana, esposa de Elcana e que
era vítima de zombarias por sua esterelidade, mas amada por seu esposo. Ela então,
rogou a Deus que lhe desse um filho, e a sua prece foi ouvida. Nascido o filho,
chamou-o Samuel e consagrou-o a Ele no templo, conforme a sua promessa. Dito
isso, no Sermão III sobre Ana, São João Crisóstomo dirige-se às mães, e exorta-as à
imitação de Ana. Consagra teu filho a Deus, recomenda. A negligência deste templo
provoca a ira de Deus. Toma cuidado para que seu filho não se transforme numa
espelunca de ladrões, o que acontece quando permitimos que as baixas paixões e a
luxúria se instalem na alma dos jovens. Esses sentimentos são mais perniciosos que
ladrões, pois transformam a ingenuidade dos adolescentes em escravidão à
concupciência (cobiça aos bens materiais ou prazeses sensuais) brutal que lhes fere
a mente, causando terríveis feridas. Por isso, diz o santo doutor, desprezemos tudo
isso, e velemos pelos filhos, para que participem conosco da cidade celestial,
educando-os, desde os primeiros anos, na disciplina do céu. Se agirmos deste modo,
conseguiremos a felicidade eterna e mereceremos não só os aplausos perpétuos dos
anjos, mas o louvor do seu próprio Senhor. Para obter esta glória, a probreza não
constitui empecilho, mas ajuda, pois a educação cristã não requer dinheiro, não
acarreta despesas, mas só exige alma pura e mente sóbria.
A educação nas homilias
sobre São Mateus
Na Homilia 6, 7, sobre São Mateus, ensina São João Crisóstomo
que a vida do cristão é de combate e luta incessante e não de
diversão e prazer. Aliás, é bom lembrar, desde logo, que São
João Crisóstomo pensa exatamente como São Basílio de
Cesaréia: esta vida não tem valor algum, só nos deve interessar
alcançar a vida eterna. Porém, existem valores seculares dignos
de consideração, e nem tudo o que é terreno é vil e despresível,
já que, através das criaturas, podemos chegar até Deus. São
João Crisóstomo, no entanto, não leva em conta esse aspecto
do mundo, e só o toma no sentido negativo de conjunto de
elementos e disposições contrários à vida cristã.
Acrescenta o grande mestre de Antioquia nesse mesmo sermão
que devemos sustentar um duro combate contra as potências
invisíveis, ao que considera um dos piores males e perigosos
para a vida cristã: o teatro. Segundo ele, oficinas dos demônios,
onde se representam os dramas do adultério e se ridiculariza a
mulher. Não se tolera que uma mulher ande nua pelas ruas e
praças, mas admira-se com o prazer a que se representa
desnuda no teatro.
A educação nas homilias sobre São Mateus
Na Homilia 59, 7, sobre o Evangelho de São Mateus, retoma São João
Crisóstomo as suas ponderações educacionais. A maior parte dos nossos
jovens, afirma, é pior do que os onocentauros que vivem no deserto e,
denominados por uma grande busca aos prazeres sensuais e cobiças aos
bens materiais, insultam a torto e a direito, correndo desenfreados sem a
mais leve idéia dos seus deveres. Os grandes culpados são os pais, que
cuidam muito bem dos seus cavalos mas deixam os filhos perderem a pureza,
manchando-se com desonestidades e malbaratando o tempo no jogo e nos
teatros da iniquidade. O seu dever de pais seria confiá-los a uma esposa
casta e prudente, que serviria de freio para esse potro da juventude, pois a
fornicação, os adultérios, não têm outra origem senão a soltura da juventude.
Ora, o bem do matrimônio é concorrer para preservar a pureza do corpo.
Sem esse objetivo, o matrimônio não tem razão de ser. E se atentarmos para
essa negligência dos pais, pondera São João Crisóstomo, verificaremos que a
sua causa é o descuido pela salvação dos nossos filhos e de nós mesmos
devido ao amor pelo dinheiro e ao apego às riquezas. Cuidamos mais dos
nossos asnos e cavalos do que dos nossos filhos. Quem tem uma mula,
procura arranjar um bom arrieiro que não seja tonto, ladrão nem borracho,
mas conheça bem o seu ofício. No entanto, quando se trata de dar um mestre
para a alma do menino, apanhamos o primeiro que se apresenta. Ora, não há
arte superior à educação, pois o que há de comparável a formar uma alma a
plasmar a inteligência e o espírito de um jovem?
A educação dos filhos no comentário sobre a
primeira epístola a Timóteo
Na Primeira Epístola a Timóteo, no capítulo 3, São Paulo recomenda ao bispo que
saiba governar bem a sua casa, conserve os filhos submissos e mantenha
perfeita honestidade. São João Crisóstomo na Homilia IX do comentário à
Primeira Epístola a Timóteo discorre sobre a educação dos filhos. Começa a
dizer que não é de pouca importância consagrar a Deus os filhos que Ele nos
concede. Lembra a responsabilidade dos pais perante Deus quanto à educação
dos filhos. Não se pode desleixar no dever dessa educação. Se os pais o
exercerem desde que tiverem os filhos, e lançarem alicerces seguros e bons
fundamentos na sua formação, receberão de Deus grande recompensa; mas, se
forem negligentes, espera-os o suplício.
São João Crisóstomo não se cansa de lembrar quão difícil é lidar com os jovens,
que trabalhos impõe a sua educação. Coisa áspera e difícil é a juventude, diz ele,
que precisa de muitos preceptores, doutores, pedagogos, assistentes e
orientadores. A juventude assemelha-se a um cavalo indômito; fera intratável. O
importante é dar início seguro à educação. Se isso for conseguido, não se
precisará depois de muito trabalho, já que o costume se tornará lei para o jovem,
e os bons hábitos torna-seão, como se diz, uma segunda natureza.
CITAÇÃO 1
Notas pedagógicas no opúsculo contra
os impugnadores da vida monástica
Os três livros da obra Contra os Impugnadores da Vida
Monástica constituem uma acusação contra os inimigos
do monaquismo e procuram incultar nos pais o
propósito de confiarem aos monges a educação dos
filhos.
No Discurso III, São João Crisóstmo demonstra que o
cristão não deve dar preferência ao estudo da
eloquência (oratória, letras, redação), assegurando que
o mundo não foi convertido por meio da arte. "A
verdadeira instrução e a verdadeira sabedoria, diz ele,
não é outra coisa senão o temor (respeito e submissão)
de Deus".
CITAÇÃO 2
A vanglória, mau princípio da
educação
A responsabilidade dessa educação defeituosa dos filhos
para a vanglória é inteiramente dos pais, que os habituam
ao rebuscamento dos trajes desde a infância, revenstindo-
os com roupas douradas, ajeitando-lhes a cabeleira de
forma efeminada, chegando alguns até a colocar-lhes
brincos de ouro nas orelhas. Não se trata de coisas
pequenas, mas de casos sérios da educação. A menina
acostumada aos enfeites e ao luxo será mais tarde
indomável, arrebatada e mais pesada ao marido que os
cobradores de impostos. A educação começa no berço.
Todo mundo cuida de instruir os filhos nas artes, nas letras e na eloquência (oratória,
expressar-se com desenvoltura), mas ninguém se preocupa em lhes formar a alma.
Para formar bem o filho não é preciso enviá-lo ao deserto para que abrace a vida dos
monges, mas é preciso torná-lo um atleta para Cristo. Assim, embora ele permaneça
no mundo, "ensina-lhe a ser piedoso desde a primeira idade". É preciso usar o pátrio
poder (poder familiar) para inclucar na alma da criança os bons princípios,
especialmente porque nos primeiros anos ela é semelhante à cera maleável que
guarda as primeiras impressões, tornando-as indeléveis (duráveis, permanente)
depois que endurece.
CITAÇÃO 3
Aqui, São João Crisóstomo cita o que seriam as 5 portas da alma. A
primeira porta é a língua. As palavras que atravessarem essa porta deverão
ser de ações de graças, hinos sagrados, conversas sobre Deus e a filosofia
do céu. Para alcançar esse objetivo educacional, cumpre ser rigoroso com a
criança. E isso é fácil de conseguir com ela, pois o menino ainda não luta
por riquezas e pela glória, nem por mulher, filhos ou casa. Efetue logo uma
lei, diz São João Crisóstomo, que impeça o menino de insultar os outros, de
falar mal de alguém, de jurar ou procurar discussões. Se ele infringir a lei,
castiga-o com olhar severo, com palavras e censuras. Não permitas, porém,
que se acostume com o castigo, pois do contrário este perde todas a sua
força. Por isso é preferível ficar na ameaça, para que a criança permaneça
no temor. Esse, entretanto, é o lado negativo da educação. É preciso
ensinar o menino a ser modesto e caridoso. "Costura-lhe a boca para a
maldade", aconselha o santo. Mas São João Crisóstomo é otimista, pois
acha que bastam dois meses para os educadores conseguirem alcançar o
seu objetivo, tornando a honestidade tão firme para a língua como se lhe
fosse natural.
As leis das cinco portas
As leis das cinco portas
A segunda porta é a do ouvido. É preciso evitar que a criança seja
atordoada com histórias da carochinha. Esse cuidado implica a presença
ao lado da criança de pessoas ponderadas e honestas. Em lugar de
histórias fantásticas e ilusórias, narrem-se às crianças as histórias de Caim
e Abel e, em seguida, Esaú e Jacó. Depois de contadas essas histórias,
deve-se pedir à criança que as repita e demonstre que as entendeu.
Ademais, o pai deve levar o filho à igreja, onde este se alegrará ao ouvir a
narração bíblica que já conhece. Quando o rapazinho tiver mais idade, as
histórias devem ser mais graves para infundir mais temor do pecado. Aos
quinze anos deve ouvir falar do inferno, e com menos de dezoito aprender
a respeito do dilúvio, do castigo de Sodoma e das pragas do Egito. Quanto
às moças, não devem aproximar-se dos jovens para não atear o fogo. Perto
deles permaneçam apenas as velhas que nada têm para os perturbar.
A terceira porta da cidade da alma é o olfato. Sua lei é simples: evitar os
bons aromas, os perfumes, pois estes habituam o jovem ao prazer,
enquanto a função do olfato é respirar o ar e não receber o bom odor. Esta
norma, diz São João Crisóstomo, pode parecer irrelevante, mas é
importante, pois são tais minúcias que constituem o fundamento da boa
educação.
As leis das cinco portas
A quarta porta é a mais bonita e a mais difícil de guardar: é a porta dos olhos.
Suas leis precisam ser muito enérgicas. A primeira é de não enviar jamais o
menino ao teatro, a fim de que a peste não se lhe intrometa na alma através dos
ouvidos e dos olhos. Para que o garoto não seja objeto de olhares insistentes é
preciso apelar para muitos expedientes como, por exemplo, tirar-lhe a maior
parte da beleza, cortando-lhe os cabelos. Ele precisa aprender que parecer feio
é a maior formosura.
Neste ponto, diz São João Crisóstomo, o pedagogo e o acompanhante precisam
ter o máximo cuidado. "Eles devem revelar ao menino outras belezas: o céu, o
sol, as estrelas, as flores da terra, os livros famosos. Aí é o que se deve recrear a
vista".
É preciso que a educação para a castidade comece bem cedo. O menino não
deve acostumar-se com palavrões nem com as conversas desonestas. Fala-se-
lhe bem sobre a beleza da alma.
A quinta porta, que se estende por todo o corpo, é a do sentido do tato. Nosso
primeiro cuidado é não permitir que se comunique com roupas ou com corpos
delicados. Devemos sempre pensar que estamos a educar um atleta.
Leis sobre a concupiscência
Chegou agora o momento de enfrentar a terrível fera da
concupiscência (cobiça ou apreço por bens materiais, assim como
os prazeres sexuais e a ganância por poder e/ou dinheiro), diz São
João Crisóstomo. Ela costuma atacar com violência desde os quinze
anos. Esse vício só pode ser combatido pela aquisição da virtude da
temperança (qualidade de quem é moderado, comedido), que deve
exercer dupla função: primeiro, o menino não deve ser em si mesmo
objeto de fornicação e, depois, não fornique com as mulheres. Mas
que freio colocar nessa fera, como acorrentá-la? "Não conheço
outro, diz o santo, senão o pensamento do inferno".
Mais uma vez o São João Crisóstomo adverte sobre a castidade e o
quanto o teatro pode corromper o imaginário do jovem. É frequente
entre os Santos Padres essa condenação absoluta dos espetáculos
teatrais, devido a sua grosseria e imoralidade, fonte de tentações e
pecados.
Por fim, é preciso não esquecer o meio principal de combater a
conscupicência e de triunfar dos ataques contra a castidade: a
oração devota. Cite-lhe os exemplo antigos de Daniel e José, Jacó e
Jeremias, Salomão e Samuel. O menino precisa aprender a rezar
com grande devoção e a fazer vigílias, tanto quanto possível.
Epílogo
Só no fim de sua obra, é que São João Crisóstomo se lembra de
aludir à educação das meninas. Isso, entretando, não deriva da sua
antipatia pelas mulheres. Pensa o santo pregador que as instruções
a respeito da educação dos jovens valem igualmente para as
moças. Assim ele afirma que "a mãe há de aprender a educar desse
modo a sua filha, afastando-a do luxo, dos adornos e de todas as
vaidades, coisas próprias das mulheres perdidas". Então, aconselha
o nosso zeloso educador, a mãe deve seguir a regra recomendada
do pai para a educação dos filhos: afaste a menina da gula e da
embriaguez. Desperte nela o amor a virtude e o gosto pelas coisas
de Deus. Agindo dessa maneira, estaremos criando atletas para
Deus.
Como pudemos verificar, São João Crisóstomo, apresenta uma obra
de educação moral e religiosa dedicada aos pais, que são os
primeiros e principais educadores. Ele não se preocupa com a
questão dos estudos, não acena importância da seleção das
leituras, como fez São Basílio de Cesaréia. Desta forma, ele está
convencido de que o tempo é curto, e a coisa mais importante da
nossa existência é poder assegurar a salvação eterna pois,
conforme o ensinamento de Jesus, de que vale ao homem levar uma
vida fácil e confortável se vier a ser condenado eternamente?
8. São Jerônimo e a educação
feminina
Sofrônio Eusébio Jerônimo nasceu em Stridon, na
Dalmácia (possívelmente na Croácia ou Eslovênia
nos tempos de hoje). Estudou com afinco e
entusiasmo as letras e a filosofia e, desde cedo,
cuidou de formar a sua biblioteca. Por influência
de companheiros levianos, cometeu certas faltas
e delizes, levado, também, pelo ardor juvenil, mas,
batizando-se aos 23 anos em 364 ou 365.
Viajou para o Oriente e viveu no deserto de
Cálcis, onde aprofundou o estudo grego, estudou
o hebraico e renunciou à leitura dos livros
profanos, depois do famoso sonho que ainda
vamos referir. Foi ordenado sacerdote em 378,
mas não quis ficar ligado a nenhuma igreja
particular, a fim de poder consagrar-se à vida
monástica e aos estudos bíblicos.
Foi discípulo de São Gregório de Nazianzo em Constantinopla. Depois,
veio para Roma como secretário do Papa São Dâmaso, e fez a revisão
da Ítala, a antiga versão da Sagrada Escritura. Tornou-se mentor
espiritual e o mestre exegese (estudo da interpretação gramatical e
sistemática das Escrituras Sagradas) de um círculo de piedosas
senhoras da alta aristocracia romana. O seu estilo de vida e as suas
críticas aos clérigos romanos atraíram-lhe o ódio de muitas pessoas.
Com o auxílio de Santa Paula, São Jerônimo construiu um mosteiro de
homens, três para mulheres e um albergue para peregrinos. Jerônimo
dirigiu uma escola monástica onde ensinava as letras clássicas aos
pequenos, e organizou uma notável biblioteca. Como se vê, amava o
estudo.
Por isso, diz Altaner com toda razão: "Sem dúvida alguma, foi o mais
erudito dos Padres latinos da Igreja, e legou uma herança
insubstituivel por muitos séculos ao Ocidente e à Idade Média".
8. São Jerônimo e a educação feminina
A perícia literária de São
Jerônimo
Quem lê as obras de São Jerônimo, percebe logo estar
diante de um mestre do estilo na língua latina (latim). Não
foi atoa que no famoso sonho ocorrido no deserto de
Cálcis foi chamado de "ciceroniano". Ele narrou da
seguinte forma: Há muitos anos abandonou a sua casa, os
pais, a irmã, os parentes e, "o que foi mais difícil", o
costume de comer lautamente (abundantemente), e
seguiu para Jerusalém, mas sem conseguir separar-se da
sua biblioteca que formara com tando desvelo e esforço
em Roma.
Jejuava, para se entregar logo à leitura de Cícero, ou depois de longas vigílias ou de
muitas lágrimas de arrependimento, por causa dos pecados da vida passada, punha-
se a ler as comédias de Plauto. E se, caindo em si, resolvia ler um profeta, aborrecia-
se com o estilo desataviado (simples, natural, singelo) da Escritura. Ficou doente
durante a Quaresma, de beribéri (deficiência nutricional de vitamina B1), diz José
Janini. "Arrebatado em espírito, conta Jerônimo, sou arrastado perante o tribunal do
juiz, onde havia tanta luz e tanto resplendor dos circunstantes que, prostrado por
terra, não me atrevia a levantar os olhos.
A caveira que aparece muitas vezes simboliza a morte
física e o desapego material em prol da vida espiritual.
A perícia literária de São Jerônimo
Interrogado a respeito da minha condição, respondi que era cristão, pois "onde
está o teu tesouro, ali está, também, o teu coração (Mt 6, 21). Emudeci
prontamente, e entre os açoites, pois o juiz ordenava que me açoitassem,
atormentava-me o fogo da consciência, enquanto pensava no versículo: "No
inferno, quem te confessará?" (Sl 6, 6). Todavia, comecei a gritar e a dizer entre
gemidos: "Tem compaixão de mim, Senhor, tem compaixão de mim" (Sl 56, 2). Então,
os que estavam ao redor, prostrados diante do juiz, suplicaram por Jerônimo,
pedindo perdão para ele. Jerônimo conta que estava disposto a tudo e, por isso,
começou a jurar, dizendo: "Senhor, se alguma vez eu tiver livros seculares e os ler,
é que eu te reneguei". Diante desse juramento, diz ele, soltaram-me e voltei à
região dos vivos. Jerônimo atesta que não foi um mero sonho e que, daí em diante,
passou a ler com tanto afinco os livros divinos como jamais fizera com as obras
profanas. Não resta dúvidas de que São Jerônimo, depois desse sonho simbólico,
ocorrido na solidão do deserto de Cálcis, se desapegou das obras puramente
literárias, aplicando-se com ardor ao estudo dos Livros Sagrados. Ainda dando
aula de latim em Belém, São Jerônimo começa a citar escritores cristãos mais
famosos entre os orientais, realçando-lhes a cultura literária e dizendo: "Todos eles
encheram a tal ponto os seus livros de doutrinas e de sentenças de filósofos, que
não se sabe o que admirar mais neles, se a erudição profana ou a ciência das
Escrituras".
O elogio a virgindade
Em 384, São Jerônimo escreveu a famosa Carta 22 à jovem Eustóquia, então com
dezesseis anos, filha de Santa Paula. Confessa à jovem, candidata à vida
monástica, que o matrimônio é honroso, e que as mulheres casadas têm a sua
dignidade, mas pretende adverti-la contra as armadilhas que espreitam a
existência de uma virgem. "Carregada de ouro, lembra Jerônimo, então deve
acautelar-te contra os ladrões". E a carta inteira constitui um tratado em forma
sobre a virgindade, a sua beleza, a sua honra e o seu altíssimo significado para a
vida espiritual, ao mesmo tempo que fornece à jovem Eustóquia um completo
opúsculo (livreto) premonitório a respeito dos perigos que salteiam as virgens e
que elas deverão enfrentar vitoriosamente, por amor ao reino dos céus. É nessa
carta sobre a virgindade que ele narra o sonho que teve no deserto de Cálcis, e
o que levou a rejeitar os livros pagãos e as obras da literatura profana, a fim de
se dedicar inteiramente à Sagrada Escritura. Nesse sentido ele aconselha
Eustóquia: "lê com muita frequência e aprende o máximo. Surpreenda-te o sono
com o livro na mão, e caia o teu rosto sobre a página santa". Eis um conselho
admirável! Um dos meios de que se há de valer Eustóquia para crescer
espiritualmente, para vencer as tentações do demônio e defender a castidade,
assim como para se aprofundar na doutrina sagrada, será ler continuamente e
aprender o máximo.
9. Santa Marcelina, virgem e
mestra
Uma das notáveis características da religião cristã é o
apreço pela virgindade, como estado de vida agradável
a Deus e recomendado à título de conselho evangélico
e não de mandamento.
Sabe-se da ampliação e do destaque que a imoralidade
ganhou nas sociedades do mundo antigo e do grau
incrível que atingiu nelas a corrupção dos costumes, de
tal modo que as vestais de Roma (sacerdotisas
consagradas ao culto da deusa Vesta) chegaram a ser
objeto de espanto e mereciam veneração.
Jesus Cristo aconselhou a virgindade tanto aos homens
como às mulheres, propondo-a como estado de vida
através de um conselho que Ele sabia ser difícil de
entender, porque não se tratava de uma norma para um
grupinho de vestais, mas de convite a inúmeras legiões
de pessoas que, através dos tempos, se resolveriam a
segui-lo de todo o coração, dispostas às renúncias e
sacrifícios que Ele impõe.
Assim, no Evangelho de São segundo São Mateus (19,10), depois que Jesus
promulgou a proibição do divórcio, os discípulos retrucaram que, se tal era a
condição do homem em relação à mulher, então era melhor não casar. Jesus
respondeu, por sua vez: "Nem todos compreendem esta doutrina, mas só aqueles
aos quais foi concedido", aludindo, com efeito, à revelação do reino de Deus e ao
poder e à influência da graça sobrenatural. Foi logo em seguida que ele deu aos
homens o conselho da virgindade, ao dizer que sobre haver eunucos por
determinação da natureza ou por intervenção dos homens, existem os que se
fazem tais a si mesmos por amor ao reino dos céus. E Jesus, prevendo não só a
reação dos discípulos, que se haviam escandalizado com a proibição do divórcio,
mas a de todos os céticos e descrentes no decurso das idades, acrescentou:
"Quem for capaz de compreender, compreenda", advertência evidentemente
imbricada na anterior, a de que só pode compreender tal doutrina aquele ao qual
isso foi concedido.
Os Santos Padres da Igreja foram incansáveis no elogio e nas recomendações
sobre a preservação da castidade para todos os cristãos, e da virgindade para os
que tiverem optado por esse conselho evangélico. Tanto que o primeiro tratado
sistemático nesse sentido entre os Padres Latinos foi escrito pelo grande bispo
de Cartago, São Cipriano.
9. Santa Marcelina, virgem e mestra
Táscio Cecílio Cipriano, o bispo e mártir de Cartago
São Cipriano nasceu em Cartago por volta de 210 ou 211. Pertencia a
uma família aristocratica e recebeu primorosa educação nas letras,
tendo sido professor de retórica e exercido a advocacia, além de estar
ligado às pessoas mais distintas da cidade. Levado pelo exemplo dos
bons cristãos, influenciado pela leitura de obras de Tertuliano e de
Minúcio Félix, renunciou à idolatria e ao paganismo, convertendo-se à
fé cristã. Foi batizado cerca de 245 ou 246 e sagrado bispo em 249.
No processo de conversão descreveu a maravilhosa transformação que
o Batismo nele operou e lutou valorosamente pela fé em época de
martírio, quando procurou agir com prudência e bondade. Foi um
paladino da ortodoxia e da obediência ao sumo Pontífice de Roma e
morreu gloriosamente pela fé, tendo sofrido o martírio a 14 de setembro
de 258.
No tratado sobre A unidade da Igreja Católica encontramos a chave da
personalidade cristã e episcopal de São Cipriano. A sua convicção firme
e profunda é a de que o cristão deve permanecer na única Igreja
verdadeira, a Igreja Católica, edificada sobre Pedro, o Papa.
Táscio Cecílio Cipriano, o bispo e mártir de Cartago
O seu opúsculo dirigido ao amigo Donato, a respeito da sua conversão, é uma pequena
jóia literária que prenuncia o gênero das Confissões de Santo Agostinho. O neoconvertido
convida o seu amigo Donato a subir com ele, através da imaginação, ao cume de um alto
monte donde pudessem descortinar o espetáculo do mundo. E Cipriano vai descrevendo
as misérias da vida profana, dos que vivem afogados na idolatria e na cegueira da
superstição, depois de haver descrito, no início do opúsculo, as maravilhas da sua
conversão operadas pelo Batismo. Do alto do monte, Cipriano vai apontando a Donato os
horrores das guerras, os descalabros das lutas de gladiadores, a imoralidade do teatro,
onde o espectador não pode permanecer íntegro e puro, os abusos e as injustiças do
fórum, onde o advogado prevarica e engana, enquanto o juiz vende sentença, chegando-
se a tal ponto de descaramento que vinha a constituir crime ser alguém inocente entre os
maus, a ponto de os ofender quem não os imitasse.
A descrição das misérias do mundo encerra-se com a referêcnia aos poderosos, aos
governantes que vivem rodeados de guardas "e, no entanto, têm mais medo que os
outros". Em contraposição a essa triste e mísera vida pagã, Cipriano apresenta a
existência pura e tranquila dos cristãos, que não têm ilusões com a vida presente e
suportam com paciência os sofrimentos, unidos a Cristo, na expectativa das alegrias
eternas. Por isso, recomenda a seu amigo Donato: "Reza e lê continuamente, e fala, ora
com Deus, ora contigo". A Carta-monólogo, esse pequeno tratado, dirigido a Donato e
escrito logo após a conversão, vem servir-nos de prólogo para a consideração do tratado
que São Cipriano dedicou às virgens.
Depois da sua conversão, São Cripriano alimentava-se espiritualmente
e fortalecia-se culturalmente apenas com a Bíblia e com as obras de
Tertuliano. Uma vez bispo passou a preocupar-se com todas as
questões referentes à vida espiritual do seu rebanho, e entre elas
estava a da conduta das virgens.
No opúsculo Carta de Leta, os três primeiros capítulos são
consagrados ao elogio da virgindade, baseado nos ensinamentos da
Sagrada Escritura. No capítulo terceiro, o bispo de Cartago dirige-se
francamente às virgens, dizendo-lhes que a sua glória "é a flor das
primícias da Igreja, honra e ornamento da graça espiritual, venturosa
disposição, obra íntegra e incorruptiva, digna de honra e louvor,
imagem de Deus que corresponde à sua santidade, e que elas
constituem a porção mais ilustre do rebanho de Cristo".
São Cipriano e o tratado sobre a conduta das virgens
São Cipriano e o tratado sobre a
conduta das virgens
No capítulo vinte e um, São Cipriano resume os seus
conselhos, recomendando às virgens que se trajem com
modéstia, evitem os cosméticos, frequentem os banhos só
com as pessoas do próprio sexo, fujam das festas
deploráveis e desprezem jóias de ouro. Lembra o santo
que apertado e estreito é o caminho da salvação, dura e
áspera o rumo que leva à glória, mas é essa estrada
palmilhada pelos mártires, pelas virgens e pelos justos. E
assim como não é fácil galgar montanhas, assim também é
difícil ganhar o céu.
Se contemplarmos, no entanto, o prêmio prometido, as fadigas nada representam. As
virgens escolheram o melhor caminho e a melhor morada na casa do Pai. As de maior
experiência e de idade avançada devem auxiliar as mais jovens, e estas devem animar
as companheiras com o estímulo do próprio exemplo, e todas devem ser
perseverantes para alcançar um dia o prêmio merecido, com a eterna salvação.
Santo Ambrósio, bispo de Milão
Santa Marcelina foi a irmã mais velha de São Sátiro e de Santo
Ambrósio, o grande bispo de Milão. Família abençoada essa que deu
três santos irmãos. Ambrósio trazia o nome do pai, Aurelius
Ambrósio, e descendia de família aristocrática, talvez de origem
grega. O pai foi prefeito do pretório da Gália, sob o imperador
Constantino II. Ambrósio nasceu, talvez, cerca de 339-340, em
Tréveris, quando o pai era prefeito. Quando este morreu, a esposa
voltou para Roma com os filhos, antes de 353, uma vez que no Natal
desse ano Marcelina fez a sua profissão solene de virgindade na
basílica de São Pedro, diante do Papa Libério.
Na sua atividade pastoral dedicou-se especialmente à propaganda
da virgindade, com grande êxito, certamente movido pelo exemplo
tão próximo da sua santa irmã Marcelina. A eficácia da sua palavra
era tão grande que muitas mães impediam as filhas de lhe ouvirem
os sermões. O tratado Sobre as virgens foi composto por Santo
Ambrósio em três livros, a pedido da irmã Marcelina, em 377. Além
dessa obra fundamental, muito apreciada por São Jerônimo, o bispo
de Milão escreveu ainda mais três obras sobre a virgindade.
Veremos a seguir a essência dos seus ensinamentos na primeira
obra, escrita a pedido de sua irmã.
Santa Marcelina, virgem e mestra
No mosteiro de Pávia há uma pintura de Ambrogio di Fossano em
que Santa Marcelina aparece de pé, ao lado de São Sátiro e dos
santos mártires Gervásio e Protásio, patronos de Milão, diante do
trono episcopal no qual se assenta Santo Ambrósio. De acordo com
Antonio Rimoldi, a pintura destaca o papel exercido pela santa junto
a seus irmãos, ou seja, o de educadora dos dois irmãos menores. A
interpretação de Rimoldi é perfeitamente válida, uma vez que a
Santa Marcelina não apenas foi santa como os seus dois irmão mais
novos, como também foi educadora, auxiliar de sua mãe, quando os
meninos ficaram órfãos de pai. A dor de Marcelina foi profunda
quando morreu seu irmão São Sátiro, e a Santo Ambrósio sempre a
prenderam os laços de profunda união e de extremado afeto.
Marcelina viveu em Roma, mas depois seguiu para Milão em
companhia dos irmãos de que foi colaboradora e aos quais
sobreviveu, tendo morrido a 17 de julho, por volta do ano 400 e
tendo sido sepultada na basílica de Santo Ambrósio perto do túmulo
do irmão.
Santa Marcelina, virgem e mestra
Em honra de Santa Marcelina, em 1838, Monsenhor Luigi Biraghi, diretor espiritual do
seminário maior de Milão, com auxílio da Irmã Marina Videmari, fundou em Cernusco sul
Naviglio (Milão) a Congregação feminina das Marcelinas, "para a educação cultural e moral da
juventude feminina, sobretudo de condição distinta, mas com a obrigação de educar também,
gratuitamente, as meninas pobres".
Parece-me que Santa Marcelina representa indubitavelmente a patrona das virgens
educadoras, que haveriam de ter uma descendência tão vasta e benéfica na vida da Igreja
Católica.
Sabe-se, através das obras de São Cipriano e de um São Jerônimo, que as virgens deviam
conservar-se recolhidas no mosteiro e deviam viver de modo recatado, que se
desaconselhavam terminantemente as relações com o mundo profano, pleno de ameaças e de
perigos para a sua integridade e para a sua virtude. Esse ideal, entretanto, não impedia que
as virgens se consagrassem à formação de outras virgens e, mais tarde, de meninas que as
famílias lhes confiavam para serem educadas e, finalmente, na idade moderna vieram a tornar-
se educadoras não só de meninas como, também, de meninos. No desempenho desta última
tarefa, as freiras, monjas ou irmãs, passam a desempenhar tarefa semelhante à que
desenvolveu Santa Marcelina com os seus dois irmãos menores.
Pelo que Santo Ambrósio nos confessa com as palavras rápidas e pelo que se pode interferir
da vida dessa família de santos, Santa Marcelina foi um modelo de mestra e virgem, razão pelo
qual foi bem lembrada para servir de patrona a uma congregação consagrada à educação
feminina.
10. Santo Agostinho e a educação
Santo Agostinho, grande Doutor da Igreja, foi o último grande pensador do
fim do mundo antigo. Ele cresceu como um pagão e imbuiu-se da cultura
romana tendo sido exímio humanista, mestre de retórica e, por fim, teólogo.
Depois de convertido à filosofia e ao Cristianismo, Agostinho, movido por
imensas inquietudes espirituais, aprofundou a meditação dos magnos
problemas que aflingem o espírito humano, escreveu muitas obras em
elegante linguagem latina, e deixou em herança à posteridade obras
filosóficas e teológicas vazadas em tratados, sermões e cartas.
Antes da sua conversão, Santo Agostinho, profissionalmente, era mestre de
retórica, orador e tinha muitos conhecimentos sobre literatura. Tendo-se
em mente o seu ardor pelos estudos, a sua experiência do magistério, o
gosto das artes liberais e da filosofia, pode se imaginar que o grande bispo
de Hipona havia de se preocupar com a questão educacional entre os
cristãos. Ademais, se Santo Agostinho representava, de um lado, a maior
figura da cultura latina no fim do mundo antigo, ele constituía, por outro
lado, o lugar onde os ensinamentos dos Santos Padres se encontrariam
com os rios de conhecimento abundante. Daí podemos deparar nas obras
do santo doutor como uma mina inexurável de ensinamentos, conselhos e
sugestões a respeito de assuntos educacionais.
Traços biográficos
Agostinho nasceu em Tagaste, na Numídia proconsular (hoje norte da África, na Argélia), a 13 de
novembro de 354, e morreu em Hipona a 28 de agosto de 430, com 76 anos. Seu pai era soldado e
pagão, enquanto sua mãe, Mônica, era mulher cristã e muito piedosa.
Fez os estudos de gramática e de retórica em Cartago e em Tagaste e, conforme as Confissões, foi
um brilhante aluno. Durante esse período da juventude, deixou-se arrastar pelos maus exemplos e
pelo temperamento ardente, entregando-se à luxúria. Ele mesmo confessa arrependido os pecados
da adolescência. Segundo seu próprio depoimento, Agostinho se manteve fiel à mulher com a qual
vivia amancebado. Terminou o curso de retórica em Cartago em 374 e foi nessa época que arranjou
a amante de quem teve o filho Adeodato, tendo aderido, outrossim, à seita dos maniqueus
(maniqueísmo). Voltou para Tagaste e ensinou gramática durante dois anos, retirando-se, em
seguida, para Cartago, onde abriu uma escola de retórica. Em 384 estava em Roma, tendo, por fim,
atingido o ápice da carreira de professor de retórica em Milão em 385, quando se distinguiu como
orador oficial da Corte Imperial. Aí ouviu os sermões de Santo Ambrósio e leu os escritos de
Plotino, o fundador do neoplatonismo. Converteu-se à religião católica em 386, tendo recebido o
Batismo na noite de 24 ou 25 de abril, na vigília de Páscoa de 387, juntamente com seu amigo Alípio
e o seu filho Adeodato. Em 388 regressou à África, e no ano seguinte morreu-lhe o filho. Agostinho
foi ordenado e aclamado como bispo de Hipona, cidade em que permaneceu até o fim da vida
como pastor diligente, consagrado à evangelização por meio da palavra oral e escrita, tendo
deixado um vasto acervo de obras que se lêem e estudam com proveito até os dias de hoje. Ele foi
inegavelmente o mentor espiritual da Idade Média, máxime até o século XIII, e a sua concepção
educacional influenciou e modelou a educação medieval, só vindo a surgir algo de equivalente
durante o século XIII, com o aparecimento das grandes obras da Escolástica, principalmente de
Santo Tomás de Aquino, que estudou com carinho e aprofundou a doutrina do Mestre de Hipona.
Santo Agostinho não foi apenas o último grande representante do
pensamento latino da África do Norte romana, mas foi igualmente o
último grande professor de retórica a deixar um legado respeitável
de idéias pedagógicas. Ele lecionou gramática em Tagaste e retórica
em Cartago e Roma. Quando retornou definitivamente à África,
organizou em Tagaste, e mais tarde em Hipona, comunidades de
estudiosos que se preparavam para ser professores cristãos bem
adestrados. Foi exatamente com a intenção de orientar esses
jovens estudiosos que Santo Agostinho redigiu o seu precioso
tratado Sobre a Doutrina Cristã, iniciado em 397 e completado em
426. Segundo Agostinho, os três primeiros livros ajudam a
compreender a Escritura, e o quarto ensina como é preciso expor
aquilo que se compreendeu.
Passemos agora a analisar com breviedade alguns dos pontos mais
salientes do tratado Sobre a Doutrina Cristã.
O Tratado sobre a Doutrina Cristã: de
Doctrina Christiana
O primeiro livro abrange três partes, nas quais Santo Agostinho discorre
sobre as verdades dogmáticas da fé cristã, sobre as verdades morais e
sobre os verdadeiros princípios da dissertação, sempre de acordo com o
título do Livro I: Verdades a descobrir na Sagrada Escritura.
Santo Agostinho começa a expor, em primeiro lugar, as verdades
dogmáticas, a saber: a Santíssima Trindade, o caráter inefável do Ser
Divino, a sua grandeza e a sua sabedoria; a Encarnação do Verbo, a
Redenção, a Ressurreição e a Ascenção, a Igreja e a ressurreição dos
corpos. No capítulo X dessa primeira parte do Livro I, deparamos com certa
observação que resume só por si a diferença profunda entre o espírito da
pedagogia pagã e a mentalidade cristã. Sabe-se que os influenciadores da
concepção educacional que ainda hoje rege o mundo ocidental foram os
gregos. Sabe-se que juntamente com a sua elevada concepção de filosofia,
com a sua reta noção de personalidade humana, e com seu maravilhoso
senso estético da vida, os gregos mesclaram a prática dos vícios mais
sórdidos que macularam as relações educacionais no plano concreto, como
o uso da pederastia e do lesbianismo na educação grega, na sua História da
Educação na Antiguidade.
Primeiro livro do De Doctrina Christiana
Primeiro livro do De Doctrina
Christiana
Esses mesmo gregos brilhantes e eloquentes sempre gostaram de
discutir e ouvir falar a respeito dos deuses, tanto que São Paulo, ao
fazer seu famoso discurso em Atenas, declarou: "Atenienses, vejo
que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens". Acontece,
porém, que a verdadeira vida religiosa não se compadece, de
maneira alguma com a imoralidade. Por isso, o próprio São Paulo
declara aos coríntios que o corpo da pessoa batizada é templo do
Espírito Santo, e aos romanos indica o grau de corrupção em que
vivem os gentios esquecidos de Deus. Levando tudo isso em conta,
podemos avaliar o alcance da observação feita por Santo
Agostinho.
"Devemos purificar o nosso espírito, a fim de nos tornarmos capazes de ver a luz divina e de a ela
aderirmos. Julgamos que essa purificação é uma espécie de marcha e de navegação no rumo da
pátria, pois não podemos dirigi-los Áquele que se acha em toda a parte, pois meio de mudanças
locais, mas por meio de bons desejos e de bons costumes". Sim, eis a nota importante dessa
observação agostiniana: não basta ler e estudar a respeito de Deus. É preciso que o estudioso se
purifique, se esfoce para melhorar de vida, pois só pode buscar a Deus quem se anima por santo
desejo e pela prática das virtudes.
Na última parte do Primeiro Livro, discorre Santo Agostinho sobre as verdadeiras regras da
interpretação da Escritura, demonstrando que a idéia capital é compreender que a plenitude e o fim
da Lei e de todas as Escrituras é o amor, isto é, o amor de Deus.
Segundo Livro do De Doctrina Christiana
O objetivo da Educação Cristã, título pelo qual se pode traduzir o De
Doctrina Christiana, é apresentar um manual de intruções para o professor
cristão, leigo ou clérigo. Pode ser que o santo doutor tenha tido, de fato,
esse propósito. Parece-nos, entretanto, que o seu objetivo central foi o de
orientar os jovens, os adolescentes cristãos, quanto ao ideal da vida de
estudos sob a perspectiva da Revelação consevada e transmitida pela
Igreja Católica. Assim, a certa altura da obra, Santo Agostinho dirige-se aos
jovens estudiosos e inteligentes que teme a Deus e buscam a vida feliz,
dando-lhes o seguinte conselho: "Não se atrevam a consagrar-se sem
inquietação às ciências liberais professadas fora da Igreja, como se elas
fossem indispensáveis para alcançar a vida feliz. Os jovens devem
submetê-las a exame criterioso e sereno, pois as ciências profanas só lhe
devem interessar enquanto servirem de auxílio para o estudo da Sagrada
Escritura e para tarefa de interpretação das suas passagens obscuras".
Aliás, Santo Agostinho trata as artes liberais em vários passos de suas
obras e, afirma que lhe desagrada ter dado excessiva importância às
"disciplinas liberais" que "muitos santos ignoram completamente, enquanto
outros que as conhecem não são santos".
Segundo Livro do De Doctrina Christiana
A partir do capítulo IX, Santo Agostinho passa a demonstrar que o estudo da Sagrada
Escritura exige o conhecimento dos sinais próprios e figurados. A fim de conhecer os
primeiros, o remédio é o conhecimento das línguas: latim grego, hebraico, conhecimento
que faculta resolver as ambiguidades dos textos, bem como corrigir os erros de tradução.
O conhecimento das línguas também ajuda a interpretar os sinais figurados que também
exigem o conhecimento das coisas. Santo Agostinho recomenda expressamente que se
fuja da astrologia, prática supersticiosa, assim como quaisquer outras superstições, como
as artes mágicas, que podem ser proscritas e abominadas, uma vez que "é supersticioso
tudo o que foi instituído pelos homens para fabricar e cultuar os ídolos".
Ele também recomenda que os jovens intelectuais preparados com esses estudos
preliminares, ao começarem a aprofundar a investigação na Sagrada Escritura, não se
esqueçam do conselho do Apóstolo Paulo: "A ciência incha e a caridade edifica" (1Cor 8,1).
Firmados na caridade, poderão aprender com os santos a largura, o comprimento, a altura
e a profundidade da Cruz de Cristo, e descobrirão, por fim, que "os despojos dos
egípcios" representaram quantidade ínfima em comparação com as riquezas que o povo
obteve em Jerusalém, principalmente sob o rei Salomão, tal como é ínfima a ciência
recolhida nos livros pagãos, quando comparada com a ciência guardada nas divinas
Escrituras. Ora, convém sempre lembrar que "tudo o que o homem aprendeu de
prejudicial nelas é condenado, e tudo que aprendeu de útil, aí é ensinado". A ciência, por
conseguinte, tem por objetivo as verdades da fé que servem de instrução ao homem para
alcançar a vida eterna.
No terceiro livro do De Doctrina Christiana explica
Santo Agostinho os princípios que devem orientar o
estudioso quanto à interpretação da Sagrada Escritura
mas nem por isso deixa de revestir grande alcance
pedagógico, uma vez que até mesmo nas relações
educacionais, ao falar, ao escrever, e durante a leitura,
a pessoa avisada deve ter em mente a medula desses
ensinamentos agostinianos.
Nesse Livro III Santo Agostinho a maneira de dissipar
as ambiguidades dos termos oriundas da má
pontuação, da má pronúncia, do modo de expressão,
bem como da apreensão em sentido literal das
expressões figuradas.
Terceiro Livro do De Doctrina Christiana
No início deste quarto livro da sua obra, observa Santo Agostinho que os três primeiros
foram escritos com a preocupação de descobrir a verdade na Sagrada Escritura, de
compreendê-la com a mente e de amar essa eterna verdade com todo o coração. Agora,
na última parte do tratado a sua atenção volta-se exclusivamente para a questão da
expressão do pensamento, para a importância da eloquência (persuação) como
instrumento de difusão da verdade.
Santo Agostinho orienta aos homens mais maduros não recorrer muito à eloquência, uma
vez que sobre eles já se faz sentir o peso dos anos. Quanto aos adolescentes, só vem
aplicar-se à arte retórica os que dispuserem de tempo para fazer. O ideal do estudante
deve ser aduiquirir a sabedoria na Sagrada Escritura e possuir habilidade retórica para
transmiti-la aos ouvintes de modo conveniente. Embora recomende com empenho aos
clérigos a obrigação de procurar falar com eloquência, Agostinho não se esquece de
preveni-los quanto à condição fundamental do êxito, que é o espírito de oração. O
orador, diz ele, deve crer mais no poder da oração do que nos recursos de retórica e deve
rezar por si mesmo e pelos ouvintes. Desse modo, antes do sermão, deve mergulhar na
oração para que Deus lhe abençoe as palavras, uma vez que ninguém progride no
conhecimento de Deus ou na prática da virtude por meio dos homens santos ou através
do ministério dos anjos, a não ser que seja dócil ao próprio Deus, doador de todo o bem.
Segundo esses parâmetros, será orador eloquente aquele que procurar incultar o bem por
meio da instrução, da satisfação e da comoção, depois de ter implorado o auxílio de Deus
através da oração, e será orador eloquente, ainda que não consiga a anuencia do ouvinte.
Quarto Livro do De Doctrina Christiana
Quarto Livro do De Doctrina
Christiana
Santo Agostinho, em seguida, faz uma importante advertência aos
pregadores, ao ensinar que o clérigo nos sermões só trata de grandes
assuntos, já que todos estes dizem a respeito da salvação eterna.
Por isso, ele deve ter sempre em mente que os seus temas são
grandes e capitais, em qualquer lugar em que deva tratar deles, como
qualquer espécie de público, por exemplo, perante uma ou mais
pessoas, diante de amigos ou inimigos; e em qualquer situação, isto é,
tanto num sermão como numa conversa, em tratados ou livros, como
em cartas longas ou breves. Por conseguinte, a missão do orador não
se cumpre apenas através de discursos, mas estende-se a todos os
gêneros literários de que se pode valer para anunciar a palavra de
Deus e promover a conversão das pessoas.
Todavia, lembra Agostinho que convém empregar ora um ora outro estilo, conforme a natureza do
assunto tratado.
Com a prática da oratória e a ciência a ela pertinente, o santo bispo de Hipona orienta o estudioso a
respeito do emprego das modalidades da eloquência, recomendando-lhe que recorra ora a este ora
àquele estilo, conforme as conveniências do assunto e do público, e para completar o seu pensamento
aduz exemplos de estilos simples, moderado e sublime em São Paulo, São Cipriano e em Santo
Ambrósio.
Quando se procura expor o pensamento de um autor como Santo Agostinho,
é preciso resistir à tentação de querer esmiuçar o seu pensamento, máxime
quando se trata de apresentar apenas a sua concepção educacional. É claro
que, muitas vezes, as idéias pedagógicas estão de tal modo misturadas nas
concepções filosóficas que não é possível expor umas sem tratar das outras.
Todavia, é preciso se atentar para não transformar a história da pedagogia
em história da filosofia. Afinal, não foi à toa que a necessidade de clareza do
pensamento levou os estudiosos à divisão do trabalho intelectual em áreas
disciplinares.
Quando rastreamos os textos agostinianos à procura do seu pensamento a
respeito da aprendizagem, três conclusões, parece-nos, acabam por se nos
impor. Primeiro, advertimos que o santo doutor evoluiu intelectualmente
quanto a esse tema, tendo de início se deixado enlevar pela doutrina
platônica, mas sem a haver adotado jamais em toda a amplitude, uma vez que
depois do Batismo renunciou definitivamente à admissão da preexistência
da alma.
A segunda conclusão que se nos impõe é a de que a doutrina da iluminação
já se insinuava para Agostinho através dos textos bíblicos, patrísticos e
filosóficos, sendo esta influência filosófica marcantemente neoplatônica. Por
fim, a terceira conclusão a que se chega naturalmente é a de que para Santo
Agostinho só Deus é Mestre e que os profesores, na realidade, nada ensinam,
limitando-se a provocar os estudantes, a motivar os alunos para o
conhecimento.
A aprendizagem e a iluminação
Normas didáticas segundo o De Catechizandis
Rudibus
O pequeno tratado de Santo Agostinho, De Catechizandis Rudibus, é
uma verdadeira jóia doutrinária e pedagógica. Um cristão alegrar-
se-á com certeza, e muito aproveitará, se o ler e meditar.
Qualquer estudioso da pedagogia, no entanto, e todo professor,
terão motivos de júbilo e grande recompensa se compulsarem esse
opúsculo com a máxima atenção. Feita essa recomendação de
leitura, atenhamo-nos ao que nos parece essencial nesse tratado à
reflexão pedagógica. Santo Agostinho dirige-se ao catequista
desejoso de ministrar ensino profícuo aos catecúmenos da fé cristã.
Ele era professo experiente e grande orador familiarizado com os
mais variados tipos de auditório. Por bem, o que ele diz a respeito
do ensino da doutrina cristã pode ser perfeitamente transposto
para o ensino de qualquer disciplina, ao se levar em conta o valor e
o alcance dos seus parceiros didáticos.
Normas didáticas segundo o De Catechizandis
Rudibus
Segundo Agostinho, o êxito do ensino depende em boa parte do professor
que deve trabalhar com alegria, pois isso ajuda os alunos a se tornarem
receptivos, e torna a exposição mais agradável. Mas a parte mais
interessante, todavia, é a que se acha nos capítulos X e e XV, onde o grande
Doutor explica como deve agir o professor em classe para não aborrecer os
alunos com aulas monótonas ou desinteressantes. Santo Agostinho, portanto,
apresenta algumas regras a respeito do modo de dar aulas, ressaltando que o
nó do problema está em conseguir o professor promover uma válida
motivação dos alunos por meio da alegria. Ora isso exige arte, ou, pelo menos,
jeito e habilidade.
Pelo que vimos, a metodologia contemporânea pode perfeitamente endossar
e justificar os preceitos didáticos abordados por Santo Agostinho no início do
século V, tal é a permanência da natureza humana, através dos fluxos
acidentais da maré histórica em que os homens se debatem no curso da
idades.
Depois de havermos examinado as concepções educacionais dos Santos
Padres, podemos fazer idéia mais completa da influência do Cristianismo
sobre a educação, e teremos travado relações com o pensamento
educacional que norteará a atividade da Idade Média, e contribuiu para
formar o patrimônio da pedagogia cristã.
A história da educação na Antiguidade Cristã é marcada por uma profunda
interação entre fé, filosofia e pedagogia, que teve um papel significativo no
desenvolvimento cultural e intelectual do Ocidente. Neste período, os Santos
Padres, figuras espirituais e teológicas proeminentes, como Santo Agostinho,
São Jerônimo e São Gregório Magno, estabeleceram as bases para a
educação cristã. Eles se dedicaram não só à defesa da fé contra as heresias,
mas também à formação moral e intelectual dos fiéis, demonstrando a
importância da educação na transmissão e na sustentação dos valores
cristãos.
Paralelamente, a missão pedagógica dos apóstolos enfatizou a transmissão
dos ensinamentos de Cristo e a formação de comunidades baseadas em
valores cristãos, estabelecendo um modelo inicial de educação cristã que se
expandiria significativamente nos séculos subsequentes. Este modelo foi
consolidado através da criação das primeiras escolas cristãs durante o
período patrístico, como a Escola Catequética de Alexandria. Lideradas por
intelectuais cristãos como Clemente de Alexandria e Orígenes, essas escolas
foram cruciais na formação teológica dos cristãos e na defesa da fé contra
interpretações heréticas.
Conclusão
Batismo
Santos Padres
Período Helenístico
As heresias, ao desafiarem as interpretações ortodoxas do cristianismo,
indiretamente incentivaram a Igreja a clarificar e sistematizar suas crenças. A
resposta a esses desafios incluiu a integração da filosofia grega na teologia
cristã, um esforço para formular uma defesa coerente da fé que também
enriqueceu a educação cristã, incorporando elementos da reflexão filosófica
aos fundamentos da fé.
Um aspecto central da educação na Antiguidade Cristã foi o catecumenato,
um período de preparação e instrução na fé cristã para os novos convertidos,
que culminava com o Batismo. Este processo de iniciação enfatizava o
ensino das Escrituras, dos credos e dos princípios morais cristãos,
desempenhando um papel vital na formação da identidade cristã e na
integração dos convertidos na comunidade de fé.
Além dos Santos Padres já mencionados, figuras como São Basílio Magno, São
João Crisóstomo e Santo Ambrósio também contribuíram significativamente
para a educação cristã. Eles enfatizaram a importância da educação clássica
para a formação cristã, a eloquência na pregação e a integração da sabedoria
clássica com a doutrina, respectivamente. Essas contribuições refletem a
riqueza e a diversidade dos esforços educacionais na Antiguidade Cristã, que
não apenas fortaleceram a fé diante dos desafios internos e externos, mas
também lançaram as bases para o desenvolvimento futuro da educação e do
pensamento no Ocidente.
Conclusão
Catecumenato
Arianismo
São João Crisóstomo
Ao tratar das relações do humanismo grego com a concepção cristã da vida,
conseguimos ver que a pregação evangélica ao mundo culturalmente
helênico pode ser perfeitamente caracterizada pela fórmula Paideia Christi,
expressão muito mais significativa e precisa do que a de helenização da
religião cristã, uma vez que, de fato, o que houve foi a recepção da paidéia
grega pela religião cristã e a sua tranformação em Paideia Christi. Isso nos
parece um critério aceitável, já que, se Jesus Cristo não propôs aos homens
sistemas novos de filosofia ou novas práticas escolares, a sua doutrina
religiosa é eminentemente pedagógica, pois tem por fim educar o homem
para a vida eterna e para a posse do reino celeste. Por conseguinte, a
religião cristã tem índole educacional, e a sua fusão com os elementos ideais
da paidéia grega resultou inegavelmente na constituição de uma Paideia
Christi, suma do saber humano e divino em que os conhecimentos filosóficos
cooperam para a ordenação e o aprofundamento das verdades religiosas, e
em que a pregação das verdades da fé pode receber o auxílio das letras e
das ciências, tal como Santo Agostinho concebeu o serviço das artes liberais
à teologia na sua obra Sobre a Doutrina Cristã. Em suma, os Santos Padres
procederam à constituição da Paideia Christi, contribuíram para a formação
da pedagogia cristã, enquanto síntese filosófico-religiosa do Cristianismo
com a cultura antiga. Restaria, ainda, a tarefa de aperfeiçoar essa obra,
ressaltando os contornos cognitivos da filosofia e da teologia, e
desenvolvendo e aprofundando as questões mais árduas e elevadas dos seus
respectivos patrimônios, empreendendo que será levado a cabo quase no fim
do período medieval.
Conclusão

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História da Educação na Antiguidade Cristã

  • 1. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA ANTIGUIDADE CRISTÃ R u y A f o n s o d a C o s t a N u n e s 2 janeiro 2018
  • 2. Ruy Afonso da Costa Nunes Natural de Sorocaba-SP, nasceu em Maio de 1928. Bacharel e licenciado em Filosofia, Doutor em educação e Livre-docente de filosofia e ciências da educação na USP, entre outros títulos. Autor de outros três volumes da História da Educação - na Idade Média (1979), no Renascimento (1980) e no Século XVII (1981). Entre outras obras e artigos em jornais e revistas também. Faleceu em 2006 aos 78 anos de idade, deixando uma imensa e rara biblioteca de aproximadamente 30.000 volumes.
  • 3. Entre o século II (inicia em 101 d.c.) até o início da Idade Média (termina no século V - ano 475 d.c.)
  • 4. Prólogo: No prólogo (contextualização) o autor deixa claro que o livro não é uma obra destinada a especialistas mas sim uma ferramenta que proporcionará subsídios aos professores e estudantes da Educação. A intenção foi a de trazer as concepções pedagógicas dos Santos Padres. Esta expressão aplica-se aos grandes doutores e escritores cristãos dos primeiros séculos do Cristianismo, até o fim do mundo antigo. Uma vez que a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo se difundiu no ambiente cultural do legado helênico (período histórico marcado pela disseminação da cultura grega pelo mundo antigo. Foi uma época de fusão entre a cultura grega e as culturas orientais, resultando em uma nova forma de vida e pensamento) durante o Império Romano, os mestres e os missionários cristãos envolveram a apresentação dos ensinamentos evangélicos nas roupagens culturais da tradição greco-latina, e da simbiose do elemento religioso de origem oriental com o legado helênico formou-se o patrimônio cultural cristão de que se impregnou o período histórico da Idade Média.
  • 5. Introdução Na introdução o autor deixa claro que Jesus Cristo veio para iluminar os homens e torná-los filhos de Deus. Sendo assim, Ele não veio para propor uma nova escola de filosofia nem reformar os estudos vigentes da época, que se beneficiam de alguma tradição. Antes de voltar ao Pai, no dia da Ascensão, Jesus ordenou aos discípulos que pregassem o Evangelho a toda criatura através do mundo inteiro. Com isso ele impôs aos seus seguidores uma tarefa docente limitada ao anúncio da sua doutrina, a respeito das verdades religiosas. Portanto, o Cristianismo sempre foi uma religião que inspirou a leitura e o estudo, como comprova a sua história através dos séculos. O principal elemento que difere a Educação Cristã da Educação “Tradicional” é que o espírito da formação cristã representa em mais de um aspecto o inverso da educação greco-romana, que admitia o fator religioso como algo secundário, enquanto ele é o ponto verdadeiramente central para a educação cristã. Dessa forma, para a educação cristã o principal não cabe mais à inteligência ou ao corpo, mas sim à vida espiritual. Daí a importância do ambiente religioso para a boa formação cristã, uma vez que educar não vai significar apenas desenvolver o físico ou adestrar o intelecto através da instrução. A doutrina cristã tem caráter basicamente pedagógico em sentido amplo, uma vez que ela esclarece o homem e lhe propicia os meios necessários para alcançar o seu último fim, que não reside nos bens materiais mas na eterna felicidade.
  • 6. 1. A educação e as escolas no período patrístico A educação no Império Romano era focada na família e em habilidades práticas que seriam diretamente aplicadas na vida militar, no comércio e na administração do império. A educação superior era privilégio de uma pequena minoria, e consistia no exercício de artes, advocacia, comércio e arquitetura. Os primeiros cristãos viveram no ambiente cultural do mundo helenístico e frequentavam as escolas instituídas pelo governo imperial ou mantidas pelos mestres particulares e, no Ocidente, viveram das tradições romanas como qualquer outro cidadão do Império, ainda que se distinguissem pelas suas convicções e práticas religiosas, que nos primeiros séculos foram muito perseguidas. São Justino Santo Atanásio
  • 7. A missão pedagógica dos apóstolos No dia da Ascenção, Jesus ordenou aos seus discípulos que ensinassem a todas as nações (Mt 28, 18). E, segundo São Marcos, "eles, partindo, foram pregar por toda parte, e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam. Os Apóstolos no entanto não fundaram escolas, mas exerceram o ministério da palavra em todos os lugares que habitaram recomendando aos filhos que obedecessem e honrassem aos pais. Aos pais que educassem os filhos com seriedade e disciplina, segundo o Senhor. Desde o início da Igreja, São Paulo diz: "E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são: primeiro, Apóstolos, segundo, Profetas, terceiro, Doutores; a seguir, os que têm o dom dos milagres, de curar, governar e falar em diversars linguas" (1Cor 12, 28).
  • 8. Os Santos Padres Nesse trecho o autor cita diversos Santos Padres que fizeram história no início do Cristianismo. Dentre eles, São Paulo, que era um judeu helenizado, lançou as bases da lingua em que se difundiria o Cristianismo, o grego cristão. Por volta do ano 150 d.C. o latim começou a substituir o grego como lingua sagrada e também foi o ano onde começaram a surgir os Apologistas, que na época das perseguições à Igreja levantaram corajosamente a voz em sua defesa. Eles foram principalmente filósofos que se opuseram à crueldade e às falsas acusações dos pagãos, tal como São Justino, Taciano e Teófilo de Antioquia. O autor cita outros inúmeros padres e seus grandes feitos: Santo Irineu: Asiático de Gálias, bispo de Lião desde 177, consagrou o tratado Contra as Heresias ao combate da Gnose, perigosa heresia que se resolvia num sincretismo estapafúrdio de doutrina cristã, filosofia, fábulas e mitologia que desorientava os espíritos. Santo Ambrósio: é um dos quatro doutores da Igreja originais e é notável por sua influência sobre o pensamento de Santo Agostinho. Papa São Leão Magno: Viveu bem no fim do período patrístico na Antiguidade (440-461). Também considerado um Doutor da Igreja, lembrado teologicamente por seu "Tomo de Leão", um documento que foi fundamental durante os debates do Concílio de Calcedônia. Santo Irineu Santo Ambrósio Papa São Leão Magno
  • 9. Heresias Heresias enfrentadas durante o período patrístico: Donatismo: Surgiu com Donato, o Grande, bispo de Cartago. Foi no começo do séulo IV no reinado de Constantino e espalhou-se pelo norte da África. Ensinava que a eficácia dos sacramentos dependia do estado de graça do ministro. Foi condenado em Roma em 313 pelo Papa Milcíades e em Arles em 314. Arianismo: Foi uma das piores heresias que já afetaram a Igreja. Ário ensinou a distinção entre o Pai e o Filho, afirmando que o Filho, criado do nada no tempo, era pura criatura, mais excelente que as outras, mas diferente do Pai por natureza, pois não é Deus. Consequentemente, Ário negou a divindade de Cristo. Sua heresia se espalhou por todo Ocidente, e foi condenada em 321 por um Sínodo de Alexandria e no Primeiro Concílio de Nicéa, em 325, cujo grande campeão foi Santo Atanásio. Nestorianismo: Defendida em Antioquia por Deodoro de Tarso, Teodoro de Mopsuéstia e por Nestório. Este último, o seu principal representante, ensinou que a natureza humana e a natureza divina de Cristo eram tão completas que formavam duas pessoas, a divina e a humana, unidas de modo acidental. Consequentemente, Nestório impugnou o título de Mãe de Deus outorgado a Nossa Senhora, considerando-a apenas Mãe de Cristo. Foi combatido por São Cirilo de Alexandria, e o Papa São Celestino, no Sínodo de Roma, em 430, proclamou a doutrina católica de uma só pessoa em Cristo, Deus e homem verdadeiro, assim como a legitimidade do título Mãe de Deus, dado à Santíssima Virgem. Arianismo Nestorianismo Agostinho de Hipona discutindo com os donatistas
  • 10.
  • 11. Constantino, O Grande, e a nova política religiosa No período do Império de Constantino foi concedido à Igreja Católica a liberdade de profissão de fé, de culto e de ensino. Isso abriu uma nova era na história da Igreja no período patrístico. Ele transformou o Cristianismo em religião perseguida em religião de Estado. Disso surgiram boas e más consequências. Boas, porque ficou permitido aos cristãos a liberdade de crença, e o Cristianismo passou a estar nas leis e a influenciar a vida pública. Más, porque a aliança com o poder político afetou muitas vezes as consciências e prejudicou a própria vida espiritual e os negócios eclesiásticos. O Cristianismo e a filosofia O autor explicita que o Cristianismo não é uma filosofia, pois não resulta das reflexões humanas e do poder intelectual que distingue o homem dos animais irracionais. Todavia, o Cristianismo contém uma concepção da vida e do destino humano, concepção garantida pela revelação divina. Essa doutrina vinha dissipar as trevas do paganismo, e surgiu como o aperfeiçoamento do judaísmo, uma vez que a Revelação, iniciada com os Patriarcas e os Profetas, terminou com a Boa Nova, o Evangélio anunciado por Jesus Cristo. Constantino
  • 12. O ensino da filosofia no fim do mundo antigo Os romanos nunca foram grandes entusiastas da filosofia e, exceto Cícero, que estudou nos mestres gregos e a divulgou nas suas obras, ela não teve cultores de nomeada em Roma e só aparece no currículo das escolas como disciplina auxiliar qie devia ministrar conhecimentos variados, especialmente moral, aos futuros oradores que se exercitavam nas declamações com os professores de retórica. A filosofia em Roma foi ensinada por mestres estrangeiros, principalmente os gregos. Além disso, os filósofos que se salientaram em Roma não eram romanos, pois Sêneca era espanhol, e Plotino, egípcio. As grandes escolas do período patrístico A primeira a ser citada, e que foi a mais excelente e meritória, é a Escola de Alexandria. Esta cidade egípcia foi o centro da ciência helenística, e rivalizou com Atenas, chegando a superá-la. A partir do século II ela se tornou centro da cultura cristã e abrigou uma escola superior de Teologia que, segundo Vaccari, “foi o primeiro berço da universidade cristã da Idade Média”. No didascaleion, nome da escola, etudava-se disciplinas filosóficas, doutrina cristã e a sua utilização no estudo da teologia. Outras escolas conhecidas da época também eram: Escola de Cesaréia da Palestina, Escola dos Persas, Nísibe e Edessa
  • 13. 2. O catecumenato ou a escola de catequese batismal Antes de subir ao céu, no dia da Ascenção, disse Jesus Cristo aos seus Apóstolos: "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo". (Evangelho de São Mateus - mt 28 18-20) Neste trecho o autor destaca do Evangelho palavras na tradução original onde diz claramente que N. S. Jesus Cristo ordenou aos seus Apóstolos que instruíssem todas as pessoas ou povos, ensinando-lhes a observar tudo quanto lhes ordenou e passando, em seguida, a administrar o santo Batismo, o sacramento que serve de porta de entrada para o reino de Deus. Ele também cita o Evangelho de São Marcos (mc 16 15-16) para reforçar a ordem de Jesus: "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado". Na sequência afirma que, na tradução do grego original, fica claro que a condição inicial para ser cristão é conhecer a doutrina ensinada por Cristo, crer na sua Pessoa e na sua Palavra e é, enfim, ser batizado. Isso indica de modo patente que Jesus Cristo prescreveu para os seus futuros discípulos uma fase de preparação doutrinária anterior ao Batismo. (Catequese)
  • 14. Entretanto, as informações deixadas pelos Apóstolos e pelos mais antigos Padres da Igreja, a respeito da preparação para o Batismo, podem ser consideradas bem escassas. Depois da "Didaqué" ou "Doutrina dos Apóstolos", uma das fontes mais antigas da catequese, e que remontaria aos anos de 90-100, o primeiro testemunho claro sobre o catecumenato, a preparação para o Batismo, cabe a São Justino, que lhe atesta a prática em Roma por volta do ano 150. A "Didaqué" apresenta-se como um catecismo bem resumido, no qual os primeiros seis capítulos constituem uma instrução moral para os catecúmenos, o sétimo dá instruções sobre o Batismo, enquanto os oito restantes tratam do jejum, da oração, da Eucaristia, da hospitalidade, da santificação do domingo, do bispo e do diácono, e da vinda do Senhor. São Justino Os 12 Apóstolos 2. São Justino e a Didaqué
  • 15. São Basílio Magno Além desses testemunhos, só no século III vamos deparar com indicações claras a respeito do catecumenato e do rito batismal. Qual seria a razão dessa raridade de informações dobre esse tema nos tempos apostólicos e no segundo século da era cristã? São Basílio Magno, em 375, escreve o seguinte sobre isso: "Nós não nos contentamos com as palavras referidas pelo Apóstolo e pelo Evangélio; antes e depois, por exemplo, da consagração da eucarística, nós pronunciamos outras palavras recebidas do ensino não escrito, porque elas têm uma grande importância para o mistério. Nós abençoamos, também, a água do batismo, o óleo da unção e, além disso, o próprio batizado. Em virtude de que escritos? Não é em virtude da tradição guardada secreta e oculta? Assim, a unção do óleo, a tríplice imersão, a renúncia a Satã e aos seus anjos. De que Escritura provém tudo isso? Por fim, que nossos pais guardaram num silência isento de inquietação e de curiosidade, sabendo bem que, ao se calar, salvaguardava-se o caráter sagrado dos mistérios e, se não é permitido aos não-batizados contemplar tais verdades, como se iria razoavelmente propalar tudo isso por escrito?". Está claro, por conseguinte, de acordo com esse depoimento de São Basílio, que as informações sobre o catecumenato e sobre o ritual do Batismo eram conservadas em segredo, para que não se divulgasse entre os pagãos e os descrentes. A primeira descrição importante do catecumentato e do santo Batismo surge-nos através da Tradição Apostólica de Hipólito de Roma, no século III, em 215.
  • 16.
  • 17. São Cirilo de Jerusalém Nascido em Jerusalém pelo ano 313, Cirilo foi monge e ordenou-se sacerdote em 343 ou 345, e foi sagrado bispo de Jerusalém em 348, dendo pregado nessa época as suas 24 Catequeses na basílica do Santo Sepulcro. Foi deposto e exilado, devido a questões religiosas, por três vezes, vindo a falecer em 386. As suas Catequeses são instruções teológicas para os catecúmenos durante a Quaresma e para os recém-batizados. Cirilo escreveu, ainda, uma Carta ao Imperador Constâncio, atinente à aparição de uma cruz luminosa em Jerusalém, a 7 de maio de 351; uma Homilia sobre Paralítico da Pscina, e quatro Pequenos Fragmentos de Homilias. Segundo estudiosos, as Catequeses de São Cirilo de Jerusalém não foram escritas por ele, mas redigidas taquigraficamente por um dos seus ouvintes, e essas conferências catequéticas constituem um dos mais apreciados tesouros da Antiguidade Cristã. São João Crisóstomo Um dos bispos mais notáveis do século IV, nasceu em Antioquia entre 344 e 354. Teve uma alta educação e formação, tendo os melhores mestres de retórica e filosofia. Deixou uma obra vastíssima, comparável apenas à de Santo Agostinho. Foi o maior Doutor da Escola de Antioquia. Entre suas obras, destacam-se as pérolas das Oito Catequeses Batismais que pregou durante doze anos em que exerceu o ministério de orador, tendo sido encarregado de preparar os catecúmenos para o Batismo. São Cirilo de Jerusalém São João Crisóstomo
  • 18. Santo Agostinho Um dos maiores Doutores da Igreja, nasceu em 354 em Tasgaste, na Numídia (Argélia). Conforme ele mesmo conta no fim do Livro V das Confissões, tornou-se catecúmeno adulto, uma vez que sua mãe, já o inscrevera quando criança. No Livro 12 das Confissões declara que se inscreveu e foi Batizado em Milão juntamente com o seu amigo Alípio e o seu filho Adeodato. Na obra de Santo Agostinho destacam-se os ensinamentos de ordem catequética. No livro De fide et operibus refere-se ao catecumenato, como curso de preparação para o Batismo, mediante instruções sobre a fé e reforma dos costumes, sinal da vera conversão interior. Diz Santo Agostinho que os catecúmenos, no período de preparação para o Batismo, se chamavam de "competentes", e se submetiam às catequeses, aos exorcismos e aos escrutínios, e que esse período era, com efeito, tempo de aprender. Num dia de Páscoa, Santo Agostinho pronunciou um belo sermão ao povo e aos batizados. Diz ele que os neófitos (pagãos recém-convertidos ao cristianismo) se tornaram, pela graça divina, membros de Cristo e filhos de Deus, e acrescenta preocupado: "Temo por vós. Não só por causa dos pagãos, dos judeus e dos hereges, como principalmente, por causa dos maus católicos. Por isso, escolhei para vós no povo de Deus aqueles aos quais imitareis". Trata-se de um belo sermão que estimula o novo cristão a abandonar o pecado e a fugir das ocasiões perigosas, especialmente do adultério. Santo Agostinho
  • 19. O depoimento de Etéria Etéria foi uma senhora de alta linhagem, talvez monja e de origem incerta. Movida pelo amor a Sagrada Escritura e pelo espírito de piedade, resolveu empreender uma peregrinação pela Terra Santa, da qual nos deixou uma vívido relato, já conhecido em português por Peregrinação de Etéria. Na obra ela relata claramente sobre o Batismo da época. Os catecúmenos, diz ela, inscreviam-se antes do primeiro dia da Quaresma, que durava 8 semanas, com um presbítero encarregado de anotar os nomes. No primeiro dia da Quaresma, a cátedra episcopal era colocada no centro da Igreja Maior. Dos lados estavam os presbíteros assentados, e os clérigos ficavam de pé e os homens eram acompanhados pelos padrinhos e as mulheres pelas madrinhas. Em resumo, de acordo com o testemunho de Etéria, a catequese consistia no ensinamento dado pelo bispo a respeito da doutrina cristã junto com a vida de oração e as práticas ascéticas, como jejum, a conversão de vida, acompanhadas de ritos especiais, como o exorcismo.
  • 20. Síntese Procuramos até agora caracterizar o que foi a instituição educacional do catecumentato nos primeiros tempos da Igreja, especialmente através dos ensinamentos e das informações prestadas pelos escritores eclesiásticos ou leigos mais antigos fidedignos. Os dados que apresentamos parece-nos suficientes para iluminar a questão do ponto de vista da História da Educação, embora restem muitas particularidades que podiam ser expostas e analisadas do ângulo da História da Liturgia ou da História Dogmática. A palavra catecumenato deriva do termo grego catêcheim, que significa instruir de viva voz, oralmente. Designou a instituição educacional criada pela Igreja nos primeiros séculos de nossa era, a partir da metade do século II, tendo atingido o seu apogeu de 350 ao século V. A partir do século VI, começou a decadência da instituição, uma vez que o Batismo se administrava quase só às crianças, tendo praticamente cessado o batismo dos adultos, de forma que os ritos e as fórmulas permaneceram apenas nos livros litúrgicos. O conteúdo abordado nos catecumenatos era constituido pelo conhecimento do Antigo e do Novo Testamento, pelo comentário do Símbolo apostólico (Credo) e dos Mandamentos. A duração do curso variava conforme as regiões e as ciscunstâncias como, por exemplo, as perceguições. A instituição educacional do catecumenato incluía, portanto, uma escola de catequese, curso de preparação doutrinária para o Batismo de adultos, embora muitas vezes houvesse entre os ouvintes, escola que funcionava habitualmente num santuário, mas que, de acordo com a necessidade, podia estar estabelecida numa catacumba, em tempo de perseguição, em residências particulares ou simplesmente na própria casa do professor.
  • 21. 3. Clemente de Alexandria e a educação Clemente de Alexandria, ao contrário de São Basílio de Cesaréia ou de São João Crisóstomo, não escreveu nenhum tratado particularmente consagrado à educação das crianças ou à instrução dos jovens. No entanto, seu conhecimento reveste-se do mais alto significado educacional, como uma de suas obras, O Pedagogo. No conjunto dos trabalhos de Clemente, esta pode ser considerada como uma das peças fundamentais da sua grandiosa concepção educacional e cultural. Foi em Alexandria que Clemente se encontrou com Panteno e resolveu a sua inquietação intelectual com a profissão de fé católica e a total conversão ao Cristianismo. Ele foi discípulo, assistente e sucessor de Panteno, tornando-se, após a sua morte, o diretor da escola de catecúmenos. O autor cita inúmeras obras de Clemente sobre os mais variados assuntos da Igreja como: Sobre Páscoa, Cânon Eclesiástico, Sobre a Providência, Exortação à Paciência e Aos Recém-Batizados. Além destas, deixou uma homilia: Que rico se salvará?, comentário da passagem de São Marcos (10, 17-31). Clemente procura demonstrar que os ricos podem salvar-se usando bem suas riquezas e não lhes apegando o coração.
  • 22. O termo paidéia sugere de imediato o conceito de ideal formativo do homem, descoberto e formulado pelos gregos. A paidéia seria, então, o ideal de educação do homem completo, bem desenvolvido física e espiritualmente, isto é, amadurecido com auxílio da arte e a colaboração dos adultos experientes no pleno exercício das suas potencialidades físicas, intelectuais e morais. Porém, todo esse ideal formativo, formulado de modo clássico e com valor perene, por se assentar na realidade e no conceito da personalidade humana acabou sendo manchada com o tempo por causa dos vícios que degradaram o povo. Por isso, quando o Cristianismo surgiu, houve de início um choque entre os representantes da paidéia clássica e os mensageiros da Boa Nova anunciada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Os discípulos do Verbo Salvador receberam do Mestre divino uma ideia muito superior quando tomaram consciência de que o homem não é só imagem de Deus pela sua inteligência e liberdade, mas sim por ter sido elevado ao plano da vida sobrenatural mediante a posse da graça divida que lhe foi dada com a criação. Paidéia grega Paidéia cristianizada Cristianismo e Paidéia
  • 23. Cristianismo e Paidéia Logo, a concepção de homem criado íntegro, decaído e redimido, vinha impor novas condições para a educação do ser humado, sobre ser a nova pandéia inteiramente refratária aos desvarios da fantasia, que permitia construir o mundo lúcido e livre dos vícios e mitos sem consistência real. Dito isso, o feito educacional extraordinário de Clemente de Alexandria foi o de hamonizar a paidéia grega com o espírito cristão, a filosofia pagã com o Evangelho, procurando demonstrar que a filosofia não é "pagã" por natureza, mas uma decorrência da natureza intelectual do ser humano, como pode ser também para as artes e ciências. Com essa convicção, Clemente de Alexandria aprofunda a idéia de São Justino quando ao Logos que se fez homem e é o princípio de toda sabedoria, e procura demonstrar que a plenitude da razão e da vida espiritual só se encontram na vida cristã. Clemente de Alexandria
  • 24. Logos e a Cultura Nesta passagem o autor fala sobre o pensamento de Clemente a respeito da relação entre o Logos (Jesus) e a Cultura. Clemente nutre a convicção profunda de que tudo que existe e tudo que se pode saber neste mundo é obra do Logos, o Verbo eterno que se fez homem. Essa convicção é tão racional que encontra sustentação no próprio Evangelho de São João Evangelista: "No princípio era o Verbo (Logos) e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava, no princípio, com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele e, sem ele, coisa alguma foi feita de quanto existe. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens. E a luz brilha nas trevas, mas as travas não a receberam".
  • 25. Logos e a Cultura No século II, o filósofo e mártir São Justino ficou arrebatado pela contemplação da idéia e da pessoa do Logos de Deus. Ensina São Justino na sua Segunda Apologia, escrita lá pelo ano de 155, em Roma, que tudo o que os homens pensaram, ensinaram e escreveram, desde o início do mundo, eles o fizeram em virtude do logos spermaticós, da razão seminal, inserida de forma parcial em todos os homens pelo ato criador de Deus, e que faculta aos homens poderem conhecer a verdade por meio da razão. Quem procurasse viver de acordo com o Logos, necessariamente viveria segundo a retidão e a justiça. Ora, diz São Justino, os demônios sempre se empenharam em tornar odiosos a todos os que quiseram viver conforme o Logos e fugir da maldade. Os gentios, no entando, só puderam viver conforme uma parte do logos spermaticós, da razão seminal, enquanto os cristão podem viver de acordo com o conhecimento (gnósis) e a contemplação (theoria) do Logos total que é Cristo. Por esse motivo, não é de admirar que os demônios, uma vez desmascarados, tentem ainda com maior empenho tornar odiosos os que vivem de acordo com o Verbo total. Clemente de Alexandria prolonga as reflexões de São Justino, amplia as suas declarações sobre o papel iluminador do Logos na constituição da cultura. Entre todos os animais, só o homem, devido à sua natureza racional e à sua alma espiritual, é capaz de criar e desenvolver a cultura. Ora, a flor da cultura é a filosofia. Por isso, desde que o homem começou a filosofar e a compor poesias e a fabricar instrumentos para satisfazer as suas necessidades, ele participou da iluminação do Logos eterno que presidiu a criação. Por isso, segundo Clemente de Alexandria, não pode haver discrepância entre a autêntica filosofia e a revelação cristã e, por essa razão, nenhuma educação será completa se, ao lado do empenho em cultivar as potências naturais pelo estudo, não se tratar de suscitar e desenvolver a gnose, o conhecimento das verdades da fé, e a caridade, que é a vida da graça e do amor divino, quando é dado ao homem fruir neste mundo.
  • 26. O Protréptico ou Exortação aos Gentios É uma obra de Clemente de Alexandria que convida os pagãos a fé cristã, depois de demonstrar a vacuidade (vazio de conteúdo) e os absurdos das crendices mitológicas e dos enganos dos filósofos. O Pedagogo Dizia Platão que os rebanhos não podem viver sem o pastor nem os escravos sem um senhor, assim como as crianças não poderiam viver sem o pedagogo. De acordo com a etimologia, e segundo a História da Educação, o pedagogo era, entre os gregos, o escravo encarregado de levar as crianças à escola. Era responsável pela educação moral da criança e não apenas um simples acompanhante que carregava bagagem do seu pupilo de dia ou lanterna de noite. Além disso, o pedagogo protegia o menino dos perigos da rua e ensinava-lhes as boas maneiras e formava-lhe o caráter. Clemente de Alexandria faz uma admirável transposição semântica do termo, aplicando-o ao próprio Logos, o Filho de Deus feito homem. Conforme o início do livro Pedagogo, o Logos quer salvar-nos e conduzir-nos à perfeição e realiza um belo e eficaz programa educacional: "Primeiro converte-nos; em seguida, educa-nos como um pedagogo e, por fim, ensina-nos".
  • 27. 4. Orígenes, o mestre de Alexandria O propósito do autor neste capítulo é analisar e considerar atentamente o que Eusébio de Cesaréia deixou escrito no Livro VI da sua História Eclesiástica sobre a vida de Orígenes de Alexandria. O autor explica que no século II o pai de Orígenes, Leônidas, foi perseguido e decapitado sob o império de Septímio Severo. Desde então, Orígenes viveu sob inspiração do martírio, vindo a falecer em 253 em consequência das torturas sofridas como confessor da fé cristã. Ele viveu em plena era de grandes perseguições aos cristãos. No século II, as perseguições aos cristãos foram locais e estimuladas pela manifestação do povo. No século III, quando viveu Orígenes, elas foram organizadas pelo Estado, ordenadas pelos imperadores em várias ocasiões. A primeira grande perseguição foi decretada por Nero (54-68), as culminantes deram-se sob Décio (249-51) e Diocleciano (284-305). Só em abril de 311 foi que Galério, com doença terminal, publicou junto com os seus três co-regentes o decreto de tolerância para os cristãos e, em 313, Constantino concedeu aos cristãos a liberdade de culto.
  • 28. O Mestre de Catequese Diz Eusébio, que Orígenes havia sido discípulo de Clemente de Alexandria, a quem, aliás, veio a suceder, por ordem do bispo, na direção da escola catequética que se destinava exclusivamente a ensinar a doutrina cristã aos catecúmenos e neófitos. Por fim, o historiador Eusérbio explica por que Orígenes se tornou eunuco por amor do reino dos céus, ao tomar ao pé da letra, "com ânimo juvenil", as palavras de Jesus sobre os que se castram por amor do reino dos céus, e querendo evitar, a todo custo, "qualquer suspeita e calúnia vergonhosa", já que, sendo tão jovem, tratava das coisas de Deus, tanto com os homens como com as mulheres. O bispo admirou a façanha e estimulou o jovem professor na obra da catequese, para, mais tarde, utilizar o ato juvenil de Orígenes como motivo de impedimento canônico, depois que este havia sido ordenado sacerdote, fora da diocese de Alexandria. Antes, porém, desse dissabor, Orígenes viveu entregue em Alexandria "ao ensino divino ministrado a todos os que o procuravam, sem reservas, durante a noite, e inclusive de dia, dedicando todo o seu tempo às ciências divinas e aos discípulos que conviviam com ele".
  • 29. Orígenes, o mestre de Alexandria Para avaliarmos melhor o talento e sabedoria teológica de Orígenes, Eusébio narra sobre as relações de Firmiliano, bispo de Cesaréia, com Orígenes: "Tão grande era o seu interesse por ele, que uma vez o chamou à sua própria região para proveito das igrejas e outra vez foi ter com Orígenes em sua casa na Judéia, convivendo algum tempo com ele para o seu melhoramento nas coisas divinas". Alexandre, bispo de Jerusalém, e Teocristo, de Cesaréia, escutavam-no constantemente como o único mestre, e lhe recomendaram que se ocupasse da interpretação da Sagrada Escritura e do resto do ensino eclesiástico. Aí temos, portando, a informação sobre a vida de Orígenes depois que ele se viu constrangido a abandonar a Escola de Alexandria devido à sua perseguição malévola de Demétrio. A morte de Orígenes No ano de 249, durante o reinado do imperador Décio, desencadeou-se a perseguição contra os cristãos, e uma das suas mais ilustres vítimas foi Orígenes, alvo de ferrenha oposição. Houve de suportar cadeias e torturas, suplícios pelo ferro e pelo cepo em obscuros calabouços, tendo ficado com as pernas estendidas no potro até o quarto agulheiro e, depois de ter sido ameaçado com o fogo, suportou muitos outros tormentos, já que o juiz fazia de tudo para que o torturasse mas sem lhe tirarem a vida. De tudo isso e dos seus pensamentos consoladores nesse período o mártir fez um relato nas suas cartas, que infelizmente se perderam! Embora Pânfilo e muitas outras testemunhas oculares tenham dito que Orígenes morreu em Cesaréia durante a perseguição, São Jerônimo informa que ele faleceu e foi sepultado na cidade de Tiro.
  • 30. O Cristianismo surgiu no fim do mundo antigo, nos primórdios do Império Romano, quando a Idade Clássica já produzira seus melhores frutos na seara cultural. Os Apóstolos difundira a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo através do Império, servindo-se da língua grega para as suas pregações e epístolas. Os pregadores da Boa Nova eram pescadores e pessoas humildes que angariaram discípulos e simpatizantes nas cidades portuárias, nos bairros judeus dos centros helenísticos e romanos, entre artesãos e escravos, de tal forma que São Paulo podia escrever aos coríntios, pouco depois da metade do primeiro século de nossa era: "Irmãos, considerai a vossa vocação: não há entre vós muitos homens sábios segundo a carne nem muitos poderosos nem muitos nobres", mas, ao contrário, Deus escolheu os fracos e os ignorantes, para que ninguém se possa gloriar diante de Deus". Quando gregos, romanos, egípcios, sírios ou quaisquer pagãos se convertiam, tratavam de pautar a sua vida pela doutrina cristã, e cuidavam de organizar a sua existência conforme a moral evangélica consubstanciada nos dois mandamentos fundamentais: "Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento. O segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. A estes dois mandamentos reduz-se toda a lei e os profetas". 5. Orígenes e o ensino
  • 31. Orígenes e o ensino No tocante à educação dos filhos, os cristãos continuavam a formá-los de acordo com as condições da sua classe social, enviando-os às escolas oficiais ou particulares mas dando- lhes, desde pequenos, sólida orientação espiritual no lar sob a assistência dos ministros religiosos. Por volta do século III, quando se elaborou a última grande doutrina filosófica da Antiguidade, o neoplatismo, muitos intelectuais se converteram ao Cristianismo, ao mesmo passo que se propalaram heresias com o desvirtuamento da doutrina cristã, perpetuada com o auxílio da filosofia. Esses fatos - a conversão dos intelectuais ao Cristianismo, e a difusão das heresias - levaram os cristãos a se aproximarem da filosofia a fim de que, bem informados sobre os ensinamentos das escolas antigas e conteporâneas, pudessem, de um lado, estabelecer um proveitoso diálogo com os intelectuais e, de outro, pudessem enfrentar com vigor e competência os ataques dos heresiarcas. Orígenes refere-se a esse uso ancilar da filosofia como aos "despojos dos egípcios", reportando-se ao passo do Êxodo em que Deus ordena aos israelitas que empreguem os vasos de ouro e prata e as vestimentas tomadas aos egípcios para a organização do culto divino. Ele reconhecia que o perigo dessa operação estava em que é uma infidelidade ter de habitar entre os egípcios, isto é, nas ciências do mundo, depois de se ter sido alimentado com a lei de Deus e com o verdadeiro culto, havendo sempre o risco de se tornar um irmão do idumeu Ader, ou seja, alguém que se aproveitaria dos conhecimentos helênicos para engendrar heresias. Por isso, Orígenes recomenda a Gregório: "Aplica-te principalmente à leitura das divinas Escrituras; aplica-te bem a isso" e procura com reta intenção e com inabalável confiança em Deus, finaliza, o sentido dos divinos Escritos, batendo à porta do Senhor com insistência mas, sobretudo, implorando-lhe as luzes por meio da oração.
  • 32. 6. São Basílio e a leitura dos autores profanos São Basílio nasceu na cidade de Cesaréia, capital da Capadócia, por volta de 329-330. Recebeu a primeira educação no seio da família, tendo frequentado, em seguida, a escola de Cesaréia. Estudou em Constantinopla e Atenas. Nesta cidade dedicou-se à poesia, à retórica e à filosofia. Aos 27 anos recebeu o batismo de Dianios, bispo de Cesaréia, movido aos exemplos de sua mãe e sua irmã. Viajou para o Egito, Palestina e Síria, a fim de conhecer a vida dos monges. Ao voltar, vendeu os seus bens e retirou- se para a sua propriedade de Annesi, numa região solitária às margens do Iris. Passava os dias em oração, leitura e trabalho manual. Em 360 acompanhou até Constantinopla o bispo de Cesaréia, Eusébio, sucessor de Dianios, que o ordenou sacerdote em 364. Basílio foi eleito bispo de Cesaréia em 370. Durante seu episcopado organizou a vida monástica, combateu os hereges, regulamentou a liturgia, fundou estabelecimentos de beneficência, tendo morrido a 10 de janeiro de 379 com 49 anos. São Basílio escreveu tratados dogmáticos: o Tratado Contra Eunômio (herege do arianismo) e o Tratado sobre o Espírito Santo, dirigidos contra o arianismo de feição eunomiana. Também escreveu homilias, liturgias e cartas. São Basílio, seu irmão Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzo
  • 33. São Basílio e a leitura dos autores profanos São Basílio escreveu um opúsculo (livro curto) sobre a literatura profana a fim de orientar dois sobrinhos que estavam a frequentar a escola pública, mas a importância desse escrito fez com que fosse submetido a uma revisão, a fim de poder ficar ao alcance da juventude em geral. Essa obra de São Basílio fala sobre os autores clássicos da época, e revela a sua intenção de colaborar para a educação moral dos jovens, servindo- se das próprias obras adotadas nas escolas. Os jovens cristãos eram enviados pelos pais às escolas públicas para que se instruíssem da mesma forma que os jovens pagãos. O valor da educação clássica era indiscutível e, ao mesmo tempo, impressindível para a carreira de um cidadão exemplar. O perigo para os jovens cristãos residia nos enredos e nos temas das obras, de fundo mitológico, de matéria moralmente leviana ou imoral. São Basílio advertiu os jovens quanto a isso. Confessa que a idade alcançada por ele, as mil provações passadas, lhe deram a experiência das coisas humanas, permitindo-lhe indicar aos que começam a estabelecer a própria vida o caminho mais seguro. De início, aconselhava os jovens a não abandonarem aos autores pagãos o leme do próprio pensamento, e a não segui-los a qualquer lugar, só aceitando deles o que oferecerem de útil.
  • 34. São Basílio e a leitura dos autores profanos Uma vez estabelecido o princípio de que vale a pena aplicar-se às ciências externas, passa Basílio a examinar o devido modo dessa aplicação. Primeiramente, ele considera as obras dos poetas, e diz que só se devem ler os que são homens de bem. Eles merecem amor e imitação por referirem ações e palavras condignas. Os que se agradam, entretando, com o enaltecimento de personagens viciosas devem ser evitados, porque "quem se acostuma às palavras más, encaminha-se aos atos correspondentes". Não se deve permitir que o encanto da linguagem nos leve, a contragosto, a admitir maus princípios, à semelhança dos que tomam veneno misturado com mel. Por isso, evitem-se os poemas em que se decantam os vícios ou as imoralidades dos falsos deuses. Depois dessas considerações gerais e básicas sobre a atitude do jovem estudioso perante as obras literárias, São Basílio consagra o resto do tratado a ponderações da educação moral e a aquisição da virtude. Aconselha que se leiam principalmente as obras dos poetas, prosadores e filósofos que tenham exaltado a virtude, "pela qual devemos acumular para nós um tesouro para a outra vida". A virtude, esclarece, é entre os bens a única coisa inexpugnável, pois permanece durante a vida e após a morte. Por isso, convém escutar os escritores que elogiaram a virtude e tratar de que a nossa vida seja a realização das suas palavras. Todavia, é preciso ser coerente quando se aplaude a virtude, para não se transformar num hipócrita, de duas caras, que em público tece longos discursos de elogia à virtude enquanto se entrega em particular à prática dos vícios; à volúpia, mais que a temperança; e à cupidez mais que à justiça.
  • 35. São Basílio e a leitura dos autores profanos Por fim, as considerações de São Basílio, no pequeno tratado Aos jovens sobre a maneira de tirar proveito das letras pagãs, procedem "de um espírito extraordinariamente largo e aberto para o seu tempo, e exerceram decisiva influência sobre a posição da Igreja em face do patrimônio cultural da Antiguidade". Podemos acrescentar, em conclusão, que esse tratado de São Basílio possui valor perene para os estudiosos cristãos, especialmente para os jovens que começam a explorar na adolescência, com o seu espírito crítico e inquieto, o mundo maravilhoso das letras e o repousante jardim da cultura.
  • 36. 7. São João Crisóstomo, a vanglória e a educação dos filhos O grande Doutor de Antioquia, intitulado de Boca de Ouro, deixou entre as suas obras um pequeno tratado sobre a educação das crianças que permaneceu desconhecido durante muito tempo. A obra divide-se em duas partes. A primeira é consagrada à consideração da vanglória (sinônimo de imodéstia, vaidade e ostentação), vício que campeava triunfante em Antioquia e que, segundo o santo doutor, é a raíz da má educação das crianças. Quando lemos as homilias em que São João Crisóstomo alude à educação das crianças, percebemos logo que duas são as idéias dominantes nas suas considerações. Primeiramente ele insiste sobre o dever dos pais quanto à educação cristã dos filhos, e depois conclama os pais a cuidarem da preservação da castidade das crianças.
  • 37. Na Homilia sobre as viúvas, São João Crisóstomo denomina parricidas (aquele que mata um parente próximo) dos filhos aqueles que não castigam severamente os filhos negligentes. Em seguida, ele descreve certos fatos lamentáveis e tristes ocorridos nos filhos censuráveis pela má conduta, e acabaram por vê- los, devido aos crimes cometidos, arrastados perante os tribunais e por fim decapitados. Além disso, esses pais tiveram de passar, ainda, pela humilhação de se verem apontados a dedo à execração pública. Por isso, afirma o Boca de Ouro, "digo e repito que devemos ter grande cuidado com os filhos e procurar sempre a salvação da sua alma. Devemos tratar de deixar-lhes a piedade que permanece e nunca lhes é tirada, e não as riquezas perecíveis". A desonestidade dos filhos, acrescenta, nasce da nossa negligência, por não havermos tratado de formá-los, desde pequenos, para a piedade. 7. São João Crisóstomo, a vanglória e a educação dos filhos
  • 38. 7. São João Crisóstomo, a vanglória e a educação dos filhos Diz São João Crisóstomo que é preciso ter o máximo cuidado em proteger a castidade dos filhos. Uma criada, por exemplo, não ascende uma lâmpada e vai colocá-la perto do feno ou da palha. Assim, também, os jovens não devem ter contato com as servas lascivas (imorais), as mocinhas devassas ou com escravas imprudentes. Eles nem sequer devem olhá-las. Além disso, é preciso que evitem os espetáculos teatrais e as cantigas dissolutas (depravadas) e voluptuosas (luxuriosas), para que não lhe fascinem a alma. Se alguém chega casto ao matrimônio, acrescenta, a coroa mais adequada a essa idade é a pudicícia (descência, correção, integridade). Para com um jovem assim coroado, as esposas serão amáveis. O seu amor será mais ardente, a amizade mais sincera e forte, e os esposos poderão desfrutar de um ambiente de paz e concórdia. O que atualmente acontece, observa São João Crisóstomo, não são núpcias, mas negócios, com a única preocupação do dinheiro. E com grande experiência pastoral dos dramas matrimoniais acrescenta que a falta da castidade antes do matrimônio é a causa das brigas, das discussões entre os esposos, da destruição dos lares e, depois essa mesma falta persistente faz com que o amor à esposa diminua e desapareça devido ao hábito do marido de frequentar bordéis. Ora, diz o santo doutor, os pais devem aplicar todos os esforços para que os seus filhos possam viver bem neste mundo e alcançar a salvação eterna. A lascívia (propensão para a luxúria, sensualidade exagerada), diz São João Crisóstomo, é a pior doença que acomete a adolescência. Precisamos combatê-la por todos os meios. Usemos dos conselhos, das exortações, da intimidação, das ameaças. Se nossos filhos vencerem essa má tendência, então eles poderão triunfar da tentação do dinheiro, da embriaguez, e serão amáveis para com os seus pais e superiores. E, nesse caso, quem não gostará de confiar a própria filha a um jovem casto, ainda que ele seja paupérrimo?
  • 39. 7. São João Crisóstomo, a vanglória e a educação dos filhos São João Crisóstomo, cita diversas vezes a história de Ana, esposa de Elcana e que era vítima de zombarias por sua esterelidade, mas amada por seu esposo. Ela então, rogou a Deus que lhe desse um filho, e a sua prece foi ouvida. Nascido o filho, chamou-o Samuel e consagrou-o a Ele no templo, conforme a sua promessa. Dito isso, no Sermão III sobre Ana, São João Crisóstomo dirige-se às mães, e exorta-as à imitação de Ana. Consagra teu filho a Deus, recomenda. A negligência deste templo provoca a ira de Deus. Toma cuidado para que seu filho não se transforme numa espelunca de ladrões, o que acontece quando permitimos que as baixas paixões e a luxúria se instalem na alma dos jovens. Esses sentimentos são mais perniciosos que ladrões, pois transformam a ingenuidade dos adolescentes em escravidão à concupciência (cobiça aos bens materiais ou prazeses sensuais) brutal que lhes fere a mente, causando terríveis feridas. Por isso, diz o santo doutor, desprezemos tudo isso, e velemos pelos filhos, para que participem conosco da cidade celestial, educando-os, desde os primeiros anos, na disciplina do céu. Se agirmos deste modo, conseguiremos a felicidade eterna e mereceremos não só os aplausos perpétuos dos anjos, mas o louvor do seu próprio Senhor. Para obter esta glória, a probreza não constitui empecilho, mas ajuda, pois a educação cristã não requer dinheiro, não acarreta despesas, mas só exige alma pura e mente sóbria.
  • 40. A educação nas homilias sobre São Mateus Na Homilia 6, 7, sobre São Mateus, ensina São João Crisóstomo que a vida do cristão é de combate e luta incessante e não de diversão e prazer. Aliás, é bom lembrar, desde logo, que São João Crisóstomo pensa exatamente como São Basílio de Cesaréia: esta vida não tem valor algum, só nos deve interessar alcançar a vida eterna. Porém, existem valores seculares dignos de consideração, e nem tudo o que é terreno é vil e despresível, já que, através das criaturas, podemos chegar até Deus. São João Crisóstomo, no entanto, não leva em conta esse aspecto do mundo, e só o toma no sentido negativo de conjunto de elementos e disposições contrários à vida cristã. Acrescenta o grande mestre de Antioquia nesse mesmo sermão que devemos sustentar um duro combate contra as potências invisíveis, ao que considera um dos piores males e perigosos para a vida cristã: o teatro. Segundo ele, oficinas dos demônios, onde se representam os dramas do adultério e se ridiculariza a mulher. Não se tolera que uma mulher ande nua pelas ruas e praças, mas admira-se com o prazer a que se representa desnuda no teatro.
  • 41.
  • 42. A educação nas homilias sobre São Mateus Na Homilia 59, 7, sobre o Evangelho de São Mateus, retoma São João Crisóstomo as suas ponderações educacionais. A maior parte dos nossos jovens, afirma, é pior do que os onocentauros que vivem no deserto e, denominados por uma grande busca aos prazeres sensuais e cobiças aos bens materiais, insultam a torto e a direito, correndo desenfreados sem a mais leve idéia dos seus deveres. Os grandes culpados são os pais, que cuidam muito bem dos seus cavalos mas deixam os filhos perderem a pureza, manchando-se com desonestidades e malbaratando o tempo no jogo e nos teatros da iniquidade. O seu dever de pais seria confiá-los a uma esposa casta e prudente, que serviria de freio para esse potro da juventude, pois a fornicação, os adultérios, não têm outra origem senão a soltura da juventude. Ora, o bem do matrimônio é concorrer para preservar a pureza do corpo. Sem esse objetivo, o matrimônio não tem razão de ser. E se atentarmos para essa negligência dos pais, pondera São João Crisóstomo, verificaremos que a sua causa é o descuido pela salvação dos nossos filhos e de nós mesmos devido ao amor pelo dinheiro e ao apego às riquezas. Cuidamos mais dos nossos asnos e cavalos do que dos nossos filhos. Quem tem uma mula, procura arranjar um bom arrieiro que não seja tonto, ladrão nem borracho, mas conheça bem o seu ofício. No entanto, quando se trata de dar um mestre para a alma do menino, apanhamos o primeiro que se apresenta. Ora, não há arte superior à educação, pois o que há de comparável a formar uma alma a plasmar a inteligência e o espírito de um jovem?
  • 43. A educação dos filhos no comentário sobre a primeira epístola a Timóteo Na Primeira Epístola a Timóteo, no capítulo 3, São Paulo recomenda ao bispo que saiba governar bem a sua casa, conserve os filhos submissos e mantenha perfeita honestidade. São João Crisóstomo na Homilia IX do comentário à Primeira Epístola a Timóteo discorre sobre a educação dos filhos. Começa a dizer que não é de pouca importância consagrar a Deus os filhos que Ele nos concede. Lembra a responsabilidade dos pais perante Deus quanto à educação dos filhos. Não se pode desleixar no dever dessa educação. Se os pais o exercerem desde que tiverem os filhos, e lançarem alicerces seguros e bons fundamentos na sua formação, receberão de Deus grande recompensa; mas, se forem negligentes, espera-os o suplício. São João Crisóstomo não se cansa de lembrar quão difícil é lidar com os jovens, que trabalhos impõe a sua educação. Coisa áspera e difícil é a juventude, diz ele, que precisa de muitos preceptores, doutores, pedagogos, assistentes e orientadores. A juventude assemelha-se a um cavalo indômito; fera intratável. O importante é dar início seguro à educação. Se isso for conseguido, não se precisará depois de muito trabalho, já que o costume se tornará lei para o jovem, e os bons hábitos torna-seão, como se diz, uma segunda natureza. CITAÇÃO 1
  • 44. Notas pedagógicas no opúsculo contra os impugnadores da vida monástica Os três livros da obra Contra os Impugnadores da Vida Monástica constituem uma acusação contra os inimigos do monaquismo e procuram incultar nos pais o propósito de confiarem aos monges a educação dos filhos. No Discurso III, São João Crisóstmo demonstra que o cristão não deve dar preferência ao estudo da eloquência (oratória, letras, redação), assegurando que o mundo não foi convertido por meio da arte. "A verdadeira instrução e a verdadeira sabedoria, diz ele, não é outra coisa senão o temor (respeito e submissão) de Deus". CITAÇÃO 2
  • 45. A vanglória, mau princípio da educação A responsabilidade dessa educação defeituosa dos filhos para a vanglória é inteiramente dos pais, que os habituam ao rebuscamento dos trajes desde a infância, revenstindo- os com roupas douradas, ajeitando-lhes a cabeleira de forma efeminada, chegando alguns até a colocar-lhes brincos de ouro nas orelhas. Não se trata de coisas pequenas, mas de casos sérios da educação. A menina acostumada aos enfeites e ao luxo será mais tarde indomável, arrebatada e mais pesada ao marido que os cobradores de impostos. A educação começa no berço. Todo mundo cuida de instruir os filhos nas artes, nas letras e na eloquência (oratória, expressar-se com desenvoltura), mas ninguém se preocupa em lhes formar a alma. Para formar bem o filho não é preciso enviá-lo ao deserto para que abrace a vida dos monges, mas é preciso torná-lo um atleta para Cristo. Assim, embora ele permaneça no mundo, "ensina-lhe a ser piedoso desde a primeira idade". É preciso usar o pátrio poder (poder familiar) para inclucar na alma da criança os bons princípios, especialmente porque nos primeiros anos ela é semelhante à cera maleável que guarda as primeiras impressões, tornando-as indeléveis (duráveis, permanente) depois que endurece. CITAÇÃO 3
  • 46. Aqui, São João Crisóstomo cita o que seriam as 5 portas da alma. A primeira porta é a língua. As palavras que atravessarem essa porta deverão ser de ações de graças, hinos sagrados, conversas sobre Deus e a filosofia do céu. Para alcançar esse objetivo educacional, cumpre ser rigoroso com a criança. E isso é fácil de conseguir com ela, pois o menino ainda não luta por riquezas e pela glória, nem por mulher, filhos ou casa. Efetue logo uma lei, diz São João Crisóstomo, que impeça o menino de insultar os outros, de falar mal de alguém, de jurar ou procurar discussões. Se ele infringir a lei, castiga-o com olhar severo, com palavras e censuras. Não permitas, porém, que se acostume com o castigo, pois do contrário este perde todas a sua força. Por isso é preferível ficar na ameaça, para que a criança permaneça no temor. Esse, entretanto, é o lado negativo da educação. É preciso ensinar o menino a ser modesto e caridoso. "Costura-lhe a boca para a maldade", aconselha o santo. Mas São João Crisóstomo é otimista, pois acha que bastam dois meses para os educadores conseguirem alcançar o seu objetivo, tornando a honestidade tão firme para a língua como se lhe fosse natural. As leis das cinco portas
  • 47. As leis das cinco portas A segunda porta é a do ouvido. É preciso evitar que a criança seja atordoada com histórias da carochinha. Esse cuidado implica a presença ao lado da criança de pessoas ponderadas e honestas. Em lugar de histórias fantásticas e ilusórias, narrem-se às crianças as histórias de Caim e Abel e, em seguida, Esaú e Jacó. Depois de contadas essas histórias, deve-se pedir à criança que as repita e demonstre que as entendeu. Ademais, o pai deve levar o filho à igreja, onde este se alegrará ao ouvir a narração bíblica que já conhece. Quando o rapazinho tiver mais idade, as histórias devem ser mais graves para infundir mais temor do pecado. Aos quinze anos deve ouvir falar do inferno, e com menos de dezoito aprender a respeito do dilúvio, do castigo de Sodoma e das pragas do Egito. Quanto às moças, não devem aproximar-se dos jovens para não atear o fogo. Perto deles permaneçam apenas as velhas que nada têm para os perturbar. A terceira porta da cidade da alma é o olfato. Sua lei é simples: evitar os bons aromas, os perfumes, pois estes habituam o jovem ao prazer, enquanto a função do olfato é respirar o ar e não receber o bom odor. Esta norma, diz São João Crisóstomo, pode parecer irrelevante, mas é importante, pois são tais minúcias que constituem o fundamento da boa educação.
  • 48. As leis das cinco portas A quarta porta é a mais bonita e a mais difícil de guardar: é a porta dos olhos. Suas leis precisam ser muito enérgicas. A primeira é de não enviar jamais o menino ao teatro, a fim de que a peste não se lhe intrometa na alma através dos ouvidos e dos olhos. Para que o garoto não seja objeto de olhares insistentes é preciso apelar para muitos expedientes como, por exemplo, tirar-lhe a maior parte da beleza, cortando-lhe os cabelos. Ele precisa aprender que parecer feio é a maior formosura. Neste ponto, diz São João Crisóstomo, o pedagogo e o acompanhante precisam ter o máximo cuidado. "Eles devem revelar ao menino outras belezas: o céu, o sol, as estrelas, as flores da terra, os livros famosos. Aí é o que se deve recrear a vista". É preciso que a educação para a castidade comece bem cedo. O menino não deve acostumar-se com palavrões nem com as conversas desonestas. Fala-se- lhe bem sobre a beleza da alma. A quinta porta, que se estende por todo o corpo, é a do sentido do tato. Nosso primeiro cuidado é não permitir que se comunique com roupas ou com corpos delicados. Devemos sempre pensar que estamos a educar um atleta.
  • 49. Leis sobre a concupiscência Chegou agora o momento de enfrentar a terrível fera da concupiscência (cobiça ou apreço por bens materiais, assim como os prazeres sexuais e a ganância por poder e/ou dinheiro), diz São João Crisóstomo. Ela costuma atacar com violência desde os quinze anos. Esse vício só pode ser combatido pela aquisição da virtude da temperança (qualidade de quem é moderado, comedido), que deve exercer dupla função: primeiro, o menino não deve ser em si mesmo objeto de fornicação e, depois, não fornique com as mulheres. Mas que freio colocar nessa fera, como acorrentá-la? "Não conheço outro, diz o santo, senão o pensamento do inferno". Mais uma vez o São João Crisóstomo adverte sobre a castidade e o quanto o teatro pode corromper o imaginário do jovem. É frequente entre os Santos Padres essa condenação absoluta dos espetáculos teatrais, devido a sua grosseria e imoralidade, fonte de tentações e pecados. Por fim, é preciso não esquecer o meio principal de combater a conscupicência e de triunfar dos ataques contra a castidade: a oração devota. Cite-lhe os exemplo antigos de Daniel e José, Jacó e Jeremias, Salomão e Samuel. O menino precisa aprender a rezar com grande devoção e a fazer vigílias, tanto quanto possível.
  • 50. Epílogo Só no fim de sua obra, é que São João Crisóstomo se lembra de aludir à educação das meninas. Isso, entretando, não deriva da sua antipatia pelas mulheres. Pensa o santo pregador que as instruções a respeito da educação dos jovens valem igualmente para as moças. Assim ele afirma que "a mãe há de aprender a educar desse modo a sua filha, afastando-a do luxo, dos adornos e de todas as vaidades, coisas próprias das mulheres perdidas". Então, aconselha o nosso zeloso educador, a mãe deve seguir a regra recomendada do pai para a educação dos filhos: afaste a menina da gula e da embriaguez. Desperte nela o amor a virtude e o gosto pelas coisas de Deus. Agindo dessa maneira, estaremos criando atletas para Deus. Como pudemos verificar, São João Crisóstomo, apresenta uma obra de educação moral e religiosa dedicada aos pais, que são os primeiros e principais educadores. Ele não se preocupa com a questão dos estudos, não acena importância da seleção das leituras, como fez São Basílio de Cesaréia. Desta forma, ele está convencido de que o tempo é curto, e a coisa mais importante da nossa existência é poder assegurar a salvação eterna pois, conforme o ensinamento de Jesus, de que vale ao homem levar uma vida fácil e confortável se vier a ser condenado eternamente?
  • 51. 8. São Jerônimo e a educação feminina Sofrônio Eusébio Jerônimo nasceu em Stridon, na Dalmácia (possívelmente na Croácia ou Eslovênia nos tempos de hoje). Estudou com afinco e entusiasmo as letras e a filosofia e, desde cedo, cuidou de formar a sua biblioteca. Por influência de companheiros levianos, cometeu certas faltas e delizes, levado, também, pelo ardor juvenil, mas, batizando-se aos 23 anos em 364 ou 365. Viajou para o Oriente e viveu no deserto de Cálcis, onde aprofundou o estudo grego, estudou o hebraico e renunciou à leitura dos livros profanos, depois do famoso sonho que ainda vamos referir. Foi ordenado sacerdote em 378, mas não quis ficar ligado a nenhuma igreja particular, a fim de poder consagrar-se à vida monástica e aos estudos bíblicos.
  • 52. Foi discípulo de São Gregório de Nazianzo em Constantinopla. Depois, veio para Roma como secretário do Papa São Dâmaso, e fez a revisão da Ítala, a antiga versão da Sagrada Escritura. Tornou-se mentor espiritual e o mestre exegese (estudo da interpretação gramatical e sistemática das Escrituras Sagradas) de um círculo de piedosas senhoras da alta aristocracia romana. O seu estilo de vida e as suas críticas aos clérigos romanos atraíram-lhe o ódio de muitas pessoas. Com o auxílio de Santa Paula, São Jerônimo construiu um mosteiro de homens, três para mulheres e um albergue para peregrinos. Jerônimo dirigiu uma escola monástica onde ensinava as letras clássicas aos pequenos, e organizou uma notável biblioteca. Como se vê, amava o estudo. Por isso, diz Altaner com toda razão: "Sem dúvida alguma, foi o mais erudito dos Padres latinos da Igreja, e legou uma herança insubstituivel por muitos séculos ao Ocidente e à Idade Média". 8. São Jerônimo e a educação feminina
  • 53. A perícia literária de São Jerônimo Quem lê as obras de São Jerônimo, percebe logo estar diante de um mestre do estilo na língua latina (latim). Não foi atoa que no famoso sonho ocorrido no deserto de Cálcis foi chamado de "ciceroniano". Ele narrou da seguinte forma: Há muitos anos abandonou a sua casa, os pais, a irmã, os parentes e, "o que foi mais difícil", o costume de comer lautamente (abundantemente), e seguiu para Jerusalém, mas sem conseguir separar-se da sua biblioteca que formara com tando desvelo e esforço em Roma. Jejuava, para se entregar logo à leitura de Cícero, ou depois de longas vigílias ou de muitas lágrimas de arrependimento, por causa dos pecados da vida passada, punha- se a ler as comédias de Plauto. E se, caindo em si, resolvia ler um profeta, aborrecia- se com o estilo desataviado (simples, natural, singelo) da Escritura. Ficou doente durante a Quaresma, de beribéri (deficiência nutricional de vitamina B1), diz José Janini. "Arrebatado em espírito, conta Jerônimo, sou arrastado perante o tribunal do juiz, onde havia tanta luz e tanto resplendor dos circunstantes que, prostrado por terra, não me atrevia a levantar os olhos. A caveira que aparece muitas vezes simboliza a morte física e o desapego material em prol da vida espiritual.
  • 54. A perícia literária de São Jerônimo Interrogado a respeito da minha condição, respondi que era cristão, pois "onde está o teu tesouro, ali está, também, o teu coração (Mt 6, 21). Emudeci prontamente, e entre os açoites, pois o juiz ordenava que me açoitassem, atormentava-me o fogo da consciência, enquanto pensava no versículo: "No inferno, quem te confessará?" (Sl 6, 6). Todavia, comecei a gritar e a dizer entre gemidos: "Tem compaixão de mim, Senhor, tem compaixão de mim" (Sl 56, 2). Então, os que estavam ao redor, prostrados diante do juiz, suplicaram por Jerônimo, pedindo perdão para ele. Jerônimo conta que estava disposto a tudo e, por isso, começou a jurar, dizendo: "Senhor, se alguma vez eu tiver livros seculares e os ler, é que eu te reneguei". Diante desse juramento, diz ele, soltaram-me e voltei à região dos vivos. Jerônimo atesta que não foi um mero sonho e que, daí em diante, passou a ler com tanto afinco os livros divinos como jamais fizera com as obras profanas. Não resta dúvidas de que São Jerônimo, depois desse sonho simbólico, ocorrido na solidão do deserto de Cálcis, se desapegou das obras puramente literárias, aplicando-se com ardor ao estudo dos Livros Sagrados. Ainda dando aula de latim em Belém, São Jerônimo começa a citar escritores cristãos mais famosos entre os orientais, realçando-lhes a cultura literária e dizendo: "Todos eles encheram a tal ponto os seus livros de doutrinas e de sentenças de filósofos, que não se sabe o que admirar mais neles, se a erudição profana ou a ciência das Escrituras".
  • 55.
  • 56. O elogio a virgindade Em 384, São Jerônimo escreveu a famosa Carta 22 à jovem Eustóquia, então com dezesseis anos, filha de Santa Paula. Confessa à jovem, candidata à vida monástica, que o matrimônio é honroso, e que as mulheres casadas têm a sua dignidade, mas pretende adverti-la contra as armadilhas que espreitam a existência de uma virgem. "Carregada de ouro, lembra Jerônimo, então deve acautelar-te contra os ladrões". E a carta inteira constitui um tratado em forma sobre a virgindade, a sua beleza, a sua honra e o seu altíssimo significado para a vida espiritual, ao mesmo tempo que fornece à jovem Eustóquia um completo opúsculo (livreto) premonitório a respeito dos perigos que salteiam as virgens e que elas deverão enfrentar vitoriosamente, por amor ao reino dos céus. É nessa carta sobre a virgindade que ele narra o sonho que teve no deserto de Cálcis, e o que levou a rejeitar os livros pagãos e as obras da literatura profana, a fim de se dedicar inteiramente à Sagrada Escritura. Nesse sentido ele aconselha Eustóquia: "lê com muita frequência e aprende o máximo. Surpreenda-te o sono com o livro na mão, e caia o teu rosto sobre a página santa". Eis um conselho admirável! Um dos meios de que se há de valer Eustóquia para crescer espiritualmente, para vencer as tentações do demônio e defender a castidade, assim como para se aprofundar na doutrina sagrada, será ler continuamente e aprender o máximo.
  • 57. 9. Santa Marcelina, virgem e mestra Uma das notáveis características da religião cristã é o apreço pela virgindade, como estado de vida agradável a Deus e recomendado à título de conselho evangélico e não de mandamento. Sabe-se da ampliação e do destaque que a imoralidade ganhou nas sociedades do mundo antigo e do grau incrível que atingiu nelas a corrupção dos costumes, de tal modo que as vestais de Roma (sacerdotisas consagradas ao culto da deusa Vesta) chegaram a ser objeto de espanto e mereciam veneração. Jesus Cristo aconselhou a virgindade tanto aos homens como às mulheres, propondo-a como estado de vida através de um conselho que Ele sabia ser difícil de entender, porque não se tratava de uma norma para um grupinho de vestais, mas de convite a inúmeras legiões de pessoas que, através dos tempos, se resolveriam a segui-lo de todo o coração, dispostas às renúncias e sacrifícios que Ele impõe.
  • 58. Assim, no Evangelho de São segundo São Mateus (19,10), depois que Jesus promulgou a proibição do divórcio, os discípulos retrucaram que, se tal era a condição do homem em relação à mulher, então era melhor não casar. Jesus respondeu, por sua vez: "Nem todos compreendem esta doutrina, mas só aqueles aos quais foi concedido", aludindo, com efeito, à revelação do reino de Deus e ao poder e à influência da graça sobrenatural. Foi logo em seguida que ele deu aos homens o conselho da virgindade, ao dizer que sobre haver eunucos por determinação da natureza ou por intervenção dos homens, existem os que se fazem tais a si mesmos por amor ao reino dos céus. E Jesus, prevendo não só a reação dos discípulos, que se haviam escandalizado com a proibição do divórcio, mas a de todos os céticos e descrentes no decurso das idades, acrescentou: "Quem for capaz de compreender, compreenda", advertência evidentemente imbricada na anterior, a de que só pode compreender tal doutrina aquele ao qual isso foi concedido. Os Santos Padres da Igreja foram incansáveis no elogio e nas recomendações sobre a preservação da castidade para todos os cristãos, e da virgindade para os que tiverem optado por esse conselho evangélico. Tanto que o primeiro tratado sistemático nesse sentido entre os Padres Latinos foi escrito pelo grande bispo de Cartago, São Cipriano. 9. Santa Marcelina, virgem e mestra
  • 59.
  • 60. Táscio Cecílio Cipriano, o bispo e mártir de Cartago São Cipriano nasceu em Cartago por volta de 210 ou 211. Pertencia a uma família aristocratica e recebeu primorosa educação nas letras, tendo sido professor de retórica e exercido a advocacia, além de estar ligado às pessoas mais distintas da cidade. Levado pelo exemplo dos bons cristãos, influenciado pela leitura de obras de Tertuliano e de Minúcio Félix, renunciou à idolatria e ao paganismo, convertendo-se à fé cristã. Foi batizado cerca de 245 ou 246 e sagrado bispo em 249. No processo de conversão descreveu a maravilhosa transformação que o Batismo nele operou e lutou valorosamente pela fé em época de martírio, quando procurou agir com prudência e bondade. Foi um paladino da ortodoxia e da obediência ao sumo Pontífice de Roma e morreu gloriosamente pela fé, tendo sofrido o martírio a 14 de setembro de 258. No tratado sobre A unidade da Igreja Católica encontramos a chave da personalidade cristã e episcopal de São Cipriano. A sua convicção firme e profunda é a de que o cristão deve permanecer na única Igreja verdadeira, a Igreja Católica, edificada sobre Pedro, o Papa.
  • 61. Táscio Cecílio Cipriano, o bispo e mártir de Cartago O seu opúsculo dirigido ao amigo Donato, a respeito da sua conversão, é uma pequena jóia literária que prenuncia o gênero das Confissões de Santo Agostinho. O neoconvertido convida o seu amigo Donato a subir com ele, através da imaginação, ao cume de um alto monte donde pudessem descortinar o espetáculo do mundo. E Cipriano vai descrevendo as misérias da vida profana, dos que vivem afogados na idolatria e na cegueira da superstição, depois de haver descrito, no início do opúsculo, as maravilhas da sua conversão operadas pelo Batismo. Do alto do monte, Cipriano vai apontando a Donato os horrores das guerras, os descalabros das lutas de gladiadores, a imoralidade do teatro, onde o espectador não pode permanecer íntegro e puro, os abusos e as injustiças do fórum, onde o advogado prevarica e engana, enquanto o juiz vende sentença, chegando- se a tal ponto de descaramento que vinha a constituir crime ser alguém inocente entre os maus, a ponto de os ofender quem não os imitasse. A descrição das misérias do mundo encerra-se com a referêcnia aos poderosos, aos governantes que vivem rodeados de guardas "e, no entanto, têm mais medo que os outros". Em contraposição a essa triste e mísera vida pagã, Cipriano apresenta a existência pura e tranquila dos cristãos, que não têm ilusões com a vida presente e suportam com paciência os sofrimentos, unidos a Cristo, na expectativa das alegrias eternas. Por isso, recomenda a seu amigo Donato: "Reza e lê continuamente, e fala, ora com Deus, ora contigo". A Carta-monólogo, esse pequeno tratado, dirigido a Donato e escrito logo após a conversão, vem servir-nos de prólogo para a consideração do tratado que São Cipriano dedicou às virgens.
  • 62. Depois da sua conversão, São Cripriano alimentava-se espiritualmente e fortalecia-se culturalmente apenas com a Bíblia e com as obras de Tertuliano. Uma vez bispo passou a preocupar-se com todas as questões referentes à vida espiritual do seu rebanho, e entre elas estava a da conduta das virgens. No opúsculo Carta de Leta, os três primeiros capítulos são consagrados ao elogio da virgindade, baseado nos ensinamentos da Sagrada Escritura. No capítulo terceiro, o bispo de Cartago dirige-se francamente às virgens, dizendo-lhes que a sua glória "é a flor das primícias da Igreja, honra e ornamento da graça espiritual, venturosa disposição, obra íntegra e incorruptiva, digna de honra e louvor, imagem de Deus que corresponde à sua santidade, e que elas constituem a porção mais ilustre do rebanho de Cristo". São Cipriano e o tratado sobre a conduta das virgens
  • 63. São Cipriano e o tratado sobre a conduta das virgens No capítulo vinte e um, São Cipriano resume os seus conselhos, recomendando às virgens que se trajem com modéstia, evitem os cosméticos, frequentem os banhos só com as pessoas do próprio sexo, fujam das festas deploráveis e desprezem jóias de ouro. Lembra o santo que apertado e estreito é o caminho da salvação, dura e áspera o rumo que leva à glória, mas é essa estrada palmilhada pelos mártires, pelas virgens e pelos justos. E assim como não é fácil galgar montanhas, assim também é difícil ganhar o céu. Se contemplarmos, no entanto, o prêmio prometido, as fadigas nada representam. As virgens escolheram o melhor caminho e a melhor morada na casa do Pai. As de maior experiência e de idade avançada devem auxiliar as mais jovens, e estas devem animar as companheiras com o estímulo do próprio exemplo, e todas devem ser perseverantes para alcançar um dia o prêmio merecido, com a eterna salvação.
  • 64. Santo Ambrósio, bispo de Milão Santa Marcelina foi a irmã mais velha de São Sátiro e de Santo Ambrósio, o grande bispo de Milão. Família abençoada essa que deu três santos irmãos. Ambrósio trazia o nome do pai, Aurelius Ambrósio, e descendia de família aristocrática, talvez de origem grega. O pai foi prefeito do pretório da Gália, sob o imperador Constantino II. Ambrósio nasceu, talvez, cerca de 339-340, em Tréveris, quando o pai era prefeito. Quando este morreu, a esposa voltou para Roma com os filhos, antes de 353, uma vez que no Natal desse ano Marcelina fez a sua profissão solene de virgindade na basílica de São Pedro, diante do Papa Libério. Na sua atividade pastoral dedicou-se especialmente à propaganda da virgindade, com grande êxito, certamente movido pelo exemplo tão próximo da sua santa irmã Marcelina. A eficácia da sua palavra era tão grande que muitas mães impediam as filhas de lhe ouvirem os sermões. O tratado Sobre as virgens foi composto por Santo Ambrósio em três livros, a pedido da irmã Marcelina, em 377. Além dessa obra fundamental, muito apreciada por São Jerônimo, o bispo de Milão escreveu ainda mais três obras sobre a virgindade. Veremos a seguir a essência dos seus ensinamentos na primeira obra, escrita a pedido de sua irmã.
  • 65. Santa Marcelina, virgem e mestra No mosteiro de Pávia há uma pintura de Ambrogio di Fossano em que Santa Marcelina aparece de pé, ao lado de São Sátiro e dos santos mártires Gervásio e Protásio, patronos de Milão, diante do trono episcopal no qual se assenta Santo Ambrósio. De acordo com Antonio Rimoldi, a pintura destaca o papel exercido pela santa junto a seus irmãos, ou seja, o de educadora dos dois irmãos menores. A interpretação de Rimoldi é perfeitamente válida, uma vez que a Santa Marcelina não apenas foi santa como os seus dois irmão mais novos, como também foi educadora, auxiliar de sua mãe, quando os meninos ficaram órfãos de pai. A dor de Marcelina foi profunda quando morreu seu irmão São Sátiro, e a Santo Ambrósio sempre a prenderam os laços de profunda união e de extremado afeto. Marcelina viveu em Roma, mas depois seguiu para Milão em companhia dos irmãos de que foi colaboradora e aos quais sobreviveu, tendo morrido a 17 de julho, por volta do ano 400 e tendo sido sepultada na basílica de Santo Ambrósio perto do túmulo do irmão.
  • 66. Santa Marcelina, virgem e mestra Em honra de Santa Marcelina, em 1838, Monsenhor Luigi Biraghi, diretor espiritual do seminário maior de Milão, com auxílio da Irmã Marina Videmari, fundou em Cernusco sul Naviglio (Milão) a Congregação feminina das Marcelinas, "para a educação cultural e moral da juventude feminina, sobretudo de condição distinta, mas com a obrigação de educar também, gratuitamente, as meninas pobres". Parece-me que Santa Marcelina representa indubitavelmente a patrona das virgens educadoras, que haveriam de ter uma descendência tão vasta e benéfica na vida da Igreja Católica. Sabe-se, através das obras de São Cipriano e de um São Jerônimo, que as virgens deviam conservar-se recolhidas no mosteiro e deviam viver de modo recatado, que se desaconselhavam terminantemente as relações com o mundo profano, pleno de ameaças e de perigos para a sua integridade e para a sua virtude. Esse ideal, entretanto, não impedia que as virgens se consagrassem à formação de outras virgens e, mais tarde, de meninas que as famílias lhes confiavam para serem educadas e, finalmente, na idade moderna vieram a tornar- se educadoras não só de meninas como, também, de meninos. No desempenho desta última tarefa, as freiras, monjas ou irmãs, passam a desempenhar tarefa semelhante à que desenvolveu Santa Marcelina com os seus dois irmãos menores. Pelo que Santo Ambrósio nos confessa com as palavras rápidas e pelo que se pode interferir da vida dessa família de santos, Santa Marcelina foi um modelo de mestra e virgem, razão pelo qual foi bem lembrada para servir de patrona a uma congregação consagrada à educação feminina.
  • 67. 10. Santo Agostinho e a educação Santo Agostinho, grande Doutor da Igreja, foi o último grande pensador do fim do mundo antigo. Ele cresceu como um pagão e imbuiu-se da cultura romana tendo sido exímio humanista, mestre de retórica e, por fim, teólogo. Depois de convertido à filosofia e ao Cristianismo, Agostinho, movido por imensas inquietudes espirituais, aprofundou a meditação dos magnos problemas que aflingem o espírito humano, escreveu muitas obras em elegante linguagem latina, e deixou em herança à posteridade obras filosóficas e teológicas vazadas em tratados, sermões e cartas. Antes da sua conversão, Santo Agostinho, profissionalmente, era mestre de retórica, orador e tinha muitos conhecimentos sobre literatura. Tendo-se em mente o seu ardor pelos estudos, a sua experiência do magistério, o gosto das artes liberais e da filosofia, pode se imaginar que o grande bispo de Hipona havia de se preocupar com a questão educacional entre os cristãos. Ademais, se Santo Agostinho representava, de um lado, a maior figura da cultura latina no fim do mundo antigo, ele constituía, por outro lado, o lugar onde os ensinamentos dos Santos Padres se encontrariam com os rios de conhecimento abundante. Daí podemos deparar nas obras do santo doutor como uma mina inexurável de ensinamentos, conselhos e sugestões a respeito de assuntos educacionais.
  • 68. Traços biográficos Agostinho nasceu em Tagaste, na Numídia proconsular (hoje norte da África, na Argélia), a 13 de novembro de 354, e morreu em Hipona a 28 de agosto de 430, com 76 anos. Seu pai era soldado e pagão, enquanto sua mãe, Mônica, era mulher cristã e muito piedosa. Fez os estudos de gramática e de retórica em Cartago e em Tagaste e, conforme as Confissões, foi um brilhante aluno. Durante esse período da juventude, deixou-se arrastar pelos maus exemplos e pelo temperamento ardente, entregando-se à luxúria. Ele mesmo confessa arrependido os pecados da adolescência. Segundo seu próprio depoimento, Agostinho se manteve fiel à mulher com a qual vivia amancebado. Terminou o curso de retórica em Cartago em 374 e foi nessa época que arranjou a amante de quem teve o filho Adeodato, tendo aderido, outrossim, à seita dos maniqueus (maniqueísmo). Voltou para Tagaste e ensinou gramática durante dois anos, retirando-se, em seguida, para Cartago, onde abriu uma escola de retórica. Em 384 estava em Roma, tendo, por fim, atingido o ápice da carreira de professor de retórica em Milão em 385, quando se distinguiu como orador oficial da Corte Imperial. Aí ouviu os sermões de Santo Ambrósio e leu os escritos de Plotino, o fundador do neoplatonismo. Converteu-se à religião católica em 386, tendo recebido o Batismo na noite de 24 ou 25 de abril, na vigília de Páscoa de 387, juntamente com seu amigo Alípio e o seu filho Adeodato. Em 388 regressou à África, e no ano seguinte morreu-lhe o filho. Agostinho foi ordenado e aclamado como bispo de Hipona, cidade em que permaneceu até o fim da vida como pastor diligente, consagrado à evangelização por meio da palavra oral e escrita, tendo deixado um vasto acervo de obras que se lêem e estudam com proveito até os dias de hoje. Ele foi inegavelmente o mentor espiritual da Idade Média, máxime até o século XIII, e a sua concepção educacional influenciou e modelou a educação medieval, só vindo a surgir algo de equivalente durante o século XIII, com o aparecimento das grandes obras da Escolástica, principalmente de Santo Tomás de Aquino, que estudou com carinho e aprofundou a doutrina do Mestre de Hipona.
  • 69. Santo Agostinho não foi apenas o último grande representante do pensamento latino da África do Norte romana, mas foi igualmente o último grande professor de retórica a deixar um legado respeitável de idéias pedagógicas. Ele lecionou gramática em Tagaste e retórica em Cartago e Roma. Quando retornou definitivamente à África, organizou em Tagaste, e mais tarde em Hipona, comunidades de estudiosos que se preparavam para ser professores cristãos bem adestrados. Foi exatamente com a intenção de orientar esses jovens estudiosos que Santo Agostinho redigiu o seu precioso tratado Sobre a Doutrina Cristã, iniciado em 397 e completado em 426. Segundo Agostinho, os três primeiros livros ajudam a compreender a Escritura, e o quarto ensina como é preciso expor aquilo que se compreendeu. Passemos agora a analisar com breviedade alguns dos pontos mais salientes do tratado Sobre a Doutrina Cristã. O Tratado sobre a Doutrina Cristã: de Doctrina Christiana
  • 70. O primeiro livro abrange três partes, nas quais Santo Agostinho discorre sobre as verdades dogmáticas da fé cristã, sobre as verdades morais e sobre os verdadeiros princípios da dissertação, sempre de acordo com o título do Livro I: Verdades a descobrir na Sagrada Escritura. Santo Agostinho começa a expor, em primeiro lugar, as verdades dogmáticas, a saber: a Santíssima Trindade, o caráter inefável do Ser Divino, a sua grandeza e a sua sabedoria; a Encarnação do Verbo, a Redenção, a Ressurreição e a Ascenção, a Igreja e a ressurreição dos corpos. No capítulo X dessa primeira parte do Livro I, deparamos com certa observação que resume só por si a diferença profunda entre o espírito da pedagogia pagã e a mentalidade cristã. Sabe-se que os influenciadores da concepção educacional que ainda hoje rege o mundo ocidental foram os gregos. Sabe-se que juntamente com a sua elevada concepção de filosofia, com a sua reta noção de personalidade humana, e com seu maravilhoso senso estético da vida, os gregos mesclaram a prática dos vícios mais sórdidos que macularam as relações educacionais no plano concreto, como o uso da pederastia e do lesbianismo na educação grega, na sua História da Educação na Antiguidade. Primeiro livro do De Doctrina Christiana
  • 71. Primeiro livro do De Doctrina Christiana Esses mesmo gregos brilhantes e eloquentes sempre gostaram de discutir e ouvir falar a respeito dos deuses, tanto que São Paulo, ao fazer seu famoso discurso em Atenas, declarou: "Atenienses, vejo que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens". Acontece, porém, que a verdadeira vida religiosa não se compadece, de maneira alguma com a imoralidade. Por isso, o próprio São Paulo declara aos coríntios que o corpo da pessoa batizada é templo do Espírito Santo, e aos romanos indica o grau de corrupção em que vivem os gentios esquecidos de Deus. Levando tudo isso em conta, podemos avaliar o alcance da observação feita por Santo Agostinho. "Devemos purificar o nosso espírito, a fim de nos tornarmos capazes de ver a luz divina e de a ela aderirmos. Julgamos que essa purificação é uma espécie de marcha e de navegação no rumo da pátria, pois não podemos dirigi-los Áquele que se acha em toda a parte, pois meio de mudanças locais, mas por meio de bons desejos e de bons costumes". Sim, eis a nota importante dessa observação agostiniana: não basta ler e estudar a respeito de Deus. É preciso que o estudioso se purifique, se esfoce para melhorar de vida, pois só pode buscar a Deus quem se anima por santo desejo e pela prática das virtudes. Na última parte do Primeiro Livro, discorre Santo Agostinho sobre as verdadeiras regras da interpretação da Escritura, demonstrando que a idéia capital é compreender que a plenitude e o fim da Lei e de todas as Escrituras é o amor, isto é, o amor de Deus.
  • 72. Segundo Livro do De Doctrina Christiana O objetivo da Educação Cristã, título pelo qual se pode traduzir o De Doctrina Christiana, é apresentar um manual de intruções para o professor cristão, leigo ou clérigo. Pode ser que o santo doutor tenha tido, de fato, esse propósito. Parece-nos, entretanto, que o seu objetivo central foi o de orientar os jovens, os adolescentes cristãos, quanto ao ideal da vida de estudos sob a perspectiva da Revelação consevada e transmitida pela Igreja Católica. Assim, a certa altura da obra, Santo Agostinho dirige-se aos jovens estudiosos e inteligentes que teme a Deus e buscam a vida feliz, dando-lhes o seguinte conselho: "Não se atrevam a consagrar-se sem inquietação às ciências liberais professadas fora da Igreja, como se elas fossem indispensáveis para alcançar a vida feliz. Os jovens devem submetê-las a exame criterioso e sereno, pois as ciências profanas só lhe devem interessar enquanto servirem de auxílio para o estudo da Sagrada Escritura e para tarefa de interpretação das suas passagens obscuras". Aliás, Santo Agostinho trata as artes liberais em vários passos de suas obras e, afirma que lhe desagrada ter dado excessiva importância às "disciplinas liberais" que "muitos santos ignoram completamente, enquanto outros que as conhecem não são santos".
  • 73. Segundo Livro do De Doctrina Christiana A partir do capítulo IX, Santo Agostinho passa a demonstrar que o estudo da Sagrada Escritura exige o conhecimento dos sinais próprios e figurados. A fim de conhecer os primeiros, o remédio é o conhecimento das línguas: latim grego, hebraico, conhecimento que faculta resolver as ambiguidades dos textos, bem como corrigir os erros de tradução. O conhecimento das línguas também ajuda a interpretar os sinais figurados que também exigem o conhecimento das coisas. Santo Agostinho recomenda expressamente que se fuja da astrologia, prática supersticiosa, assim como quaisquer outras superstições, como as artes mágicas, que podem ser proscritas e abominadas, uma vez que "é supersticioso tudo o que foi instituído pelos homens para fabricar e cultuar os ídolos". Ele também recomenda que os jovens intelectuais preparados com esses estudos preliminares, ao começarem a aprofundar a investigação na Sagrada Escritura, não se esqueçam do conselho do Apóstolo Paulo: "A ciência incha e a caridade edifica" (1Cor 8,1). Firmados na caridade, poderão aprender com os santos a largura, o comprimento, a altura e a profundidade da Cruz de Cristo, e descobrirão, por fim, que "os despojos dos egípcios" representaram quantidade ínfima em comparação com as riquezas que o povo obteve em Jerusalém, principalmente sob o rei Salomão, tal como é ínfima a ciência recolhida nos livros pagãos, quando comparada com a ciência guardada nas divinas Escrituras. Ora, convém sempre lembrar que "tudo o que o homem aprendeu de prejudicial nelas é condenado, e tudo que aprendeu de útil, aí é ensinado". A ciência, por conseguinte, tem por objetivo as verdades da fé que servem de instrução ao homem para alcançar a vida eterna.
  • 74. No terceiro livro do De Doctrina Christiana explica Santo Agostinho os princípios que devem orientar o estudioso quanto à interpretação da Sagrada Escritura mas nem por isso deixa de revestir grande alcance pedagógico, uma vez que até mesmo nas relações educacionais, ao falar, ao escrever, e durante a leitura, a pessoa avisada deve ter em mente a medula desses ensinamentos agostinianos. Nesse Livro III Santo Agostinho a maneira de dissipar as ambiguidades dos termos oriundas da má pontuação, da má pronúncia, do modo de expressão, bem como da apreensão em sentido literal das expressões figuradas. Terceiro Livro do De Doctrina Christiana
  • 75. No início deste quarto livro da sua obra, observa Santo Agostinho que os três primeiros foram escritos com a preocupação de descobrir a verdade na Sagrada Escritura, de compreendê-la com a mente e de amar essa eterna verdade com todo o coração. Agora, na última parte do tratado a sua atenção volta-se exclusivamente para a questão da expressão do pensamento, para a importância da eloquência (persuação) como instrumento de difusão da verdade. Santo Agostinho orienta aos homens mais maduros não recorrer muito à eloquência, uma vez que sobre eles já se faz sentir o peso dos anos. Quanto aos adolescentes, só vem aplicar-se à arte retórica os que dispuserem de tempo para fazer. O ideal do estudante deve ser aduiquirir a sabedoria na Sagrada Escritura e possuir habilidade retórica para transmiti-la aos ouvintes de modo conveniente. Embora recomende com empenho aos clérigos a obrigação de procurar falar com eloquência, Agostinho não se esquece de preveni-los quanto à condição fundamental do êxito, que é o espírito de oração. O orador, diz ele, deve crer mais no poder da oração do que nos recursos de retórica e deve rezar por si mesmo e pelos ouvintes. Desse modo, antes do sermão, deve mergulhar na oração para que Deus lhe abençoe as palavras, uma vez que ninguém progride no conhecimento de Deus ou na prática da virtude por meio dos homens santos ou através do ministério dos anjos, a não ser que seja dócil ao próprio Deus, doador de todo o bem. Segundo esses parâmetros, será orador eloquente aquele que procurar incultar o bem por meio da instrução, da satisfação e da comoção, depois de ter implorado o auxílio de Deus através da oração, e será orador eloquente, ainda que não consiga a anuencia do ouvinte. Quarto Livro do De Doctrina Christiana
  • 76. Quarto Livro do De Doctrina Christiana Santo Agostinho, em seguida, faz uma importante advertência aos pregadores, ao ensinar que o clérigo nos sermões só trata de grandes assuntos, já que todos estes dizem a respeito da salvação eterna. Por isso, ele deve ter sempre em mente que os seus temas são grandes e capitais, em qualquer lugar em que deva tratar deles, como qualquer espécie de público, por exemplo, perante uma ou mais pessoas, diante de amigos ou inimigos; e em qualquer situação, isto é, tanto num sermão como numa conversa, em tratados ou livros, como em cartas longas ou breves. Por conseguinte, a missão do orador não se cumpre apenas através de discursos, mas estende-se a todos os gêneros literários de que se pode valer para anunciar a palavra de Deus e promover a conversão das pessoas. Todavia, lembra Agostinho que convém empregar ora um ora outro estilo, conforme a natureza do assunto tratado. Com a prática da oratória e a ciência a ela pertinente, o santo bispo de Hipona orienta o estudioso a respeito do emprego das modalidades da eloquência, recomendando-lhe que recorra ora a este ora àquele estilo, conforme as conveniências do assunto e do público, e para completar o seu pensamento aduz exemplos de estilos simples, moderado e sublime em São Paulo, São Cipriano e em Santo Ambrósio.
  • 77. Quando se procura expor o pensamento de um autor como Santo Agostinho, é preciso resistir à tentação de querer esmiuçar o seu pensamento, máxime quando se trata de apresentar apenas a sua concepção educacional. É claro que, muitas vezes, as idéias pedagógicas estão de tal modo misturadas nas concepções filosóficas que não é possível expor umas sem tratar das outras. Todavia, é preciso se atentar para não transformar a história da pedagogia em história da filosofia. Afinal, não foi à toa que a necessidade de clareza do pensamento levou os estudiosos à divisão do trabalho intelectual em áreas disciplinares. Quando rastreamos os textos agostinianos à procura do seu pensamento a respeito da aprendizagem, três conclusões, parece-nos, acabam por se nos impor. Primeiro, advertimos que o santo doutor evoluiu intelectualmente quanto a esse tema, tendo de início se deixado enlevar pela doutrina platônica, mas sem a haver adotado jamais em toda a amplitude, uma vez que depois do Batismo renunciou definitivamente à admissão da preexistência da alma. A segunda conclusão que se nos impõe é a de que a doutrina da iluminação já se insinuava para Agostinho através dos textos bíblicos, patrísticos e filosóficos, sendo esta influência filosófica marcantemente neoplatônica. Por fim, a terceira conclusão a que se chega naturalmente é a de que para Santo Agostinho só Deus é Mestre e que os profesores, na realidade, nada ensinam, limitando-se a provocar os estudantes, a motivar os alunos para o conhecimento. A aprendizagem e a iluminação
  • 78. Normas didáticas segundo o De Catechizandis Rudibus O pequeno tratado de Santo Agostinho, De Catechizandis Rudibus, é uma verdadeira jóia doutrinária e pedagógica. Um cristão alegrar- se-á com certeza, e muito aproveitará, se o ler e meditar. Qualquer estudioso da pedagogia, no entanto, e todo professor, terão motivos de júbilo e grande recompensa se compulsarem esse opúsculo com a máxima atenção. Feita essa recomendação de leitura, atenhamo-nos ao que nos parece essencial nesse tratado à reflexão pedagógica. Santo Agostinho dirige-se ao catequista desejoso de ministrar ensino profícuo aos catecúmenos da fé cristã. Ele era professo experiente e grande orador familiarizado com os mais variados tipos de auditório. Por bem, o que ele diz a respeito do ensino da doutrina cristã pode ser perfeitamente transposto para o ensino de qualquer disciplina, ao se levar em conta o valor e o alcance dos seus parceiros didáticos.
  • 79. Normas didáticas segundo o De Catechizandis Rudibus Segundo Agostinho, o êxito do ensino depende em boa parte do professor que deve trabalhar com alegria, pois isso ajuda os alunos a se tornarem receptivos, e torna a exposição mais agradável. Mas a parte mais interessante, todavia, é a que se acha nos capítulos X e e XV, onde o grande Doutor explica como deve agir o professor em classe para não aborrecer os alunos com aulas monótonas ou desinteressantes. Santo Agostinho, portanto, apresenta algumas regras a respeito do modo de dar aulas, ressaltando que o nó do problema está em conseguir o professor promover uma válida motivação dos alunos por meio da alegria. Ora isso exige arte, ou, pelo menos, jeito e habilidade. Pelo que vimos, a metodologia contemporânea pode perfeitamente endossar e justificar os preceitos didáticos abordados por Santo Agostinho no início do século V, tal é a permanência da natureza humana, através dos fluxos acidentais da maré histórica em que os homens se debatem no curso da idades.
  • 80. Depois de havermos examinado as concepções educacionais dos Santos Padres, podemos fazer idéia mais completa da influência do Cristianismo sobre a educação, e teremos travado relações com o pensamento educacional que norteará a atividade da Idade Média, e contribuiu para formar o patrimônio da pedagogia cristã. A história da educação na Antiguidade Cristã é marcada por uma profunda interação entre fé, filosofia e pedagogia, que teve um papel significativo no desenvolvimento cultural e intelectual do Ocidente. Neste período, os Santos Padres, figuras espirituais e teológicas proeminentes, como Santo Agostinho, São Jerônimo e São Gregório Magno, estabeleceram as bases para a educação cristã. Eles se dedicaram não só à defesa da fé contra as heresias, mas também à formação moral e intelectual dos fiéis, demonstrando a importância da educação na transmissão e na sustentação dos valores cristãos. Paralelamente, a missão pedagógica dos apóstolos enfatizou a transmissão dos ensinamentos de Cristo e a formação de comunidades baseadas em valores cristãos, estabelecendo um modelo inicial de educação cristã que se expandiria significativamente nos séculos subsequentes. Este modelo foi consolidado através da criação das primeiras escolas cristãs durante o período patrístico, como a Escola Catequética de Alexandria. Lideradas por intelectuais cristãos como Clemente de Alexandria e Orígenes, essas escolas foram cruciais na formação teológica dos cristãos e na defesa da fé contra interpretações heréticas. Conclusão Batismo Santos Padres Período Helenístico
  • 81. As heresias, ao desafiarem as interpretações ortodoxas do cristianismo, indiretamente incentivaram a Igreja a clarificar e sistematizar suas crenças. A resposta a esses desafios incluiu a integração da filosofia grega na teologia cristã, um esforço para formular uma defesa coerente da fé que também enriqueceu a educação cristã, incorporando elementos da reflexão filosófica aos fundamentos da fé. Um aspecto central da educação na Antiguidade Cristã foi o catecumenato, um período de preparação e instrução na fé cristã para os novos convertidos, que culminava com o Batismo. Este processo de iniciação enfatizava o ensino das Escrituras, dos credos e dos princípios morais cristãos, desempenhando um papel vital na formação da identidade cristã e na integração dos convertidos na comunidade de fé. Além dos Santos Padres já mencionados, figuras como São Basílio Magno, São João Crisóstomo e Santo Ambrósio também contribuíram significativamente para a educação cristã. Eles enfatizaram a importância da educação clássica para a formação cristã, a eloquência na pregação e a integração da sabedoria clássica com a doutrina, respectivamente. Essas contribuições refletem a riqueza e a diversidade dos esforços educacionais na Antiguidade Cristã, que não apenas fortaleceram a fé diante dos desafios internos e externos, mas também lançaram as bases para o desenvolvimento futuro da educação e do pensamento no Ocidente. Conclusão Catecumenato Arianismo São João Crisóstomo
  • 82. Ao tratar das relações do humanismo grego com a concepção cristã da vida, conseguimos ver que a pregação evangélica ao mundo culturalmente helênico pode ser perfeitamente caracterizada pela fórmula Paideia Christi, expressão muito mais significativa e precisa do que a de helenização da religião cristã, uma vez que, de fato, o que houve foi a recepção da paidéia grega pela religião cristã e a sua tranformação em Paideia Christi. Isso nos parece um critério aceitável, já que, se Jesus Cristo não propôs aos homens sistemas novos de filosofia ou novas práticas escolares, a sua doutrina religiosa é eminentemente pedagógica, pois tem por fim educar o homem para a vida eterna e para a posse do reino celeste. Por conseguinte, a religião cristã tem índole educacional, e a sua fusão com os elementos ideais da paidéia grega resultou inegavelmente na constituição de uma Paideia Christi, suma do saber humano e divino em que os conhecimentos filosóficos cooperam para a ordenação e o aprofundamento das verdades religiosas, e em que a pregação das verdades da fé pode receber o auxílio das letras e das ciências, tal como Santo Agostinho concebeu o serviço das artes liberais à teologia na sua obra Sobre a Doutrina Cristã. Em suma, os Santos Padres procederam à constituição da Paideia Christi, contribuíram para a formação da pedagogia cristã, enquanto síntese filosófico-religiosa do Cristianismo com a cultura antiga. Restaria, ainda, a tarefa de aperfeiçoar essa obra, ressaltando os contornos cognitivos da filosofia e da teologia, e desenvolvendo e aprofundando as questões mais árduas e elevadas dos seus respectivos patrimônios, empreendendo que será levado a cabo quase no fim do período medieval. Conclusão