Artigo das professoras Maria José Morais Honório (UERN) E Crígina Cibelle Pereira (UERN), apresentado no II SIMPÓSIO NACIONAL DE TEXTO E ENSINO (II SINATE) -
Pau dos Ferros, 12 a 14 de dezembro de 2012.
Edital de matrículas 2014 - EEEP MARIA CÉLIA (Pereiro)
USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO
1. USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO
ANO DO ENSINO MÉDIO
Maria José Morais Honório
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
Crígina Cibelle Pereira
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
1Considerações iniciais
Nos últimos anos, temos presenciado o surgimento de vários estudos
voltados para as questões textuais como (FÁVERO & KOCH, 1983, KOCH, 1999,
APOTHÉLOZ, 2003, dentre outros), os quais abrangem diversos assuntos acerca da
produção escrita, entre eles podemos citar a referenciação e a anáfora considerados
aspectos coesivos.
Nesse contexto, investigamos o uso de anáforas em produções textuais do
nível médio, objetivando, especificamente, identificar anáforas em produções
textuais escritas, bem como descrever o modo que os alunos utilizam essas
anáforas. Para tanto, subsidiamos nossa pesquisa em Andrade (1993), Antunes
(2005), Apothéloz (2003), Berti (2006), Costa Val (2000), Diógenes (2006), Fávero
(2002), Koch (2004), dentre outros. Nosso trabalho caracteriza-se como uma
pesquisa documental, de cunho qualitativo e quantitativo. Analisamos dezesseis
produções textuais escritas, nas quais encontramos cinquenta e nove ocorrências
anafóricas distribuídas em vários tipos de anáforas tais como: vinte e seis anáforas
pronominais; onze anáforas associativas; dez anáforas fiéis; três anáforas
conceituais; duas anáforas conceituais e uma anáfora rotuladora.
Efetivamente compreendemos que esse trabalho servirá de auxílio nas
atividades de produção e interpretação textual, por considerarmos de fundamental
importância a referenciação anafórica nos textos escritos.
2 Considerações teóricas
2.1 O recurso da anáfora na produção textual
2. Discutiremos a questão da anáfora, iniciando por algumas noções essenciais
ao entendimento desse processo, sejam elas, a noção de antecedente, de
correferente e de co-significação. Posteriormente, conceituamos tipos de anáforas e
tecemos um breve comentário acerca da atividade de produção escrita no ambiente
escolar à luz de diversos autores da área, a saber: Apothéloz (2003), Haag e Othero
(2003), Zamponi (2003), Diógenes (2006), Silva (2004), Silva (2008), Sant’anna
(2000) Koch (2004b), Koch (2006).
No contexto da referenciação, destacamos, em particular, o caso da anáfora
que será analisada no último capítulo do presente trabalho, nas produções textuais
de alunos do ensino médio. Segundo Apothéloz (2003), a anáfora abrange
propriedades diferentes quanto ao fato da ocorrência do antecedente. Segundo ele a
anáfora pode ser controlada sintaticamente por um antecedente, ganhando, dessa
forma, status de interpretação sintática, ou então depender de fatores contextuais e
pragmáticos.
Apothéloz (2003) afirma que, quando um pronome é sintaticamente ligado,
não necessariamente ele será uma expressão referencial e dois fatores corroboram
com essa afirmação. O primeiro diz que em um pronome ligado sintaticamente a seu
antecedente pode ser uma expressão não referencial. O outro é que em situação
semelhante o pronome não poderá ser substituído por uma palavra sinônima sem
destruir o processo anafórico. Por isso, para que um pronome possua o caráter
referencial é preciso que haja a possibilidade dele ser substituído por outra
expressão que identifique o mesmo referente. Nessa linha de pensamento,
Apothéloz (2003) complementa que os pronomes reflexivos são sempre
sintaticamente ligados ao seu antecedente, por isso, não referênciais, ao passo que
os pessoais, possessivos e relativos comportam os dois funcionamentos. No geral, a
idéia de anáfora designa alguma forma de retomada, seja a um antecedente
lingüístico, ou a um antecedente presente no contexto. Nos dois casos de ocorrência
do pronome podemos obter o processo anafórico.
De acordo com Apothéloz (2003), em se tratando da anáfora vale ressaltar
duas noções básicas à sua conceituação. A primeira é a de correferência, entendida
como a relação entre duas expressões que no discurso representam o mesmo
referente. A segunda é a co-significação, quando uma expressão designa o mesmo
conceito, porém não possui o mesmo referente. Assim, podemos ter co-significação
sem correferência. Estas noções são de fundamental importância na construção e
3. recepção de textos, pois, no momento em que elas são utilizadas no processamento
textual fica mais fácil reconstruir o sentido do texto.
Nas palavras de Haag e Othero (2003), o termo anáfora provém do grego e
significa carregar para trás. Segundo Haag e Othero (2003), um elemento coesivo
que auxilia na construção do sentido do texto é o processo da anáfora, pois o
mesmo funciona mostrando ou sinalizando o local em que devemos encontrar o
referente indispensável à compreensão do texto.
Com relação à anáfora, Silva (2008) complementa que no início a anáfora foi
vista como uma espécie de substituta de uma expressão antecedente que fazia
retomada no texto, mas, ao longo dos estudos percebeu-se que há casos de
anáforas que não possuem referentes já inseridos no texto. A partir daí passou-se a
ter uma visão mais abrangente sobre a anáfora.
Apothéloz (2003) define cinco tipos de anáfora, fiel, infiel, por nomeação, por
silepse e associativa: (i) a anáfora fiel é aquela em que uma expressão introduzida
anteriormente no texto é repetida e antecedida por um definido ou demonstrativo; (ii)
a anáfora infiel, na qual a expressão que retoma o antecedente não se repete
literalmente, é utilizado um sinônimo ou hiperônimo; (iii) a anáfora por nomeação
ocorre quando um sintagma nominal transforma uma seqüência de enunciados
precedentes ao item anafórico em referente. Esse tipo de anáfora não se resume a
retomada de informação, mas aos aspectos específicos do discurso; (iv) a anáfora
por silepse consiste em adequar a concordância das expressões segundo o sentido
e não segundo a gramática; (v) a anáfora associativa é aquela em que os
conhecimentos compartilhados são de fundamental importância para a retomada,
pois, como o próprio nome diz, o sentido será construído com base nas associações
semânticas e inferências supostamente realizáveis pelo interlocutor.
Com relação à anáfora associativa Zamponi (2003) expõe que ela tem as
seguintes características: os objetos-de-discurso são criados devido às informações
que já constam no contexto anterior; não são expressões correferentes a um
antecedente e inserem um objeto novo como se ele já fosse conhecido.
Zamponi (2003) argumenta que a relação existente entre anáfora associativa
e anáfora indireta ocorre sob duas visões conceituais: a anáfora indireta se configura
como um processo mais abrangente e a anáfora associativa faria parte desse
processo, sendo assim, a interpretação depende de inferenciação, transformando os
termos relacionados em quase sinônimos.
4. Segundo Koch (2006, p. 107) nos traz a seguinte definição sobre anáforas
indiretas: “trata-se de uma configuração discursiva em que se tem um anafórico sem
antecedente literal explícito cuja ocorrência pressupõe um denotatum implícito, que
pode ser reconstruído, por inferência, a partir do co-texto precedente”. Assim,
percebemos que o antecedente que será o referente no discurso está na situação
extralingüística, configurando a referência exofórica. A questão associativa seria
uma estratégia referencial, na qual as expressões anafóricas que não contém o
referente explícito no texto, passam a ser compreendidas graças inferenciação
possibilitada pelos elementos explícitos no texto
Koch (2006) vai ao encontro do posicionamento de que a anáfora associativa
é um subtipo das anáforas indiretas. No entanto, nos diz que as anáforas indiretas
têm recebido denominações diversificadas e de certa forma desconexa quanto aos
conceitos que postulam. Segundo Koch (2006) esse tipo de anáfora também é
chamada de inferenciais, mediatas, profundas e semânticas
Diógenes (2006) é tributária da concepção de anáfora associativa como
subtipo das anáforas indiretas e expõe que nas anáforas associativas há uma
relação de “ingrediência” entre os termos que se associam. Segundo ela, na anáfora
associativa é preciso localizar expressões que pertençam ao mesmo campo
semântico, e a partir disso os referentes poderão ser construídos.
Outro tipo de anáfora é a anáfora conceitual. De acordo com Silva (2004, p.
44) “entendemos anáfora conceitual como aquela que não se refere diretamente a
um antecedente textual, mas cujo referente é estabelecido a partir de uma relação
conceitual, entre ela e seu antecedente”. Nesses termos, Silva (2004) nos apresenta
que a resolução dessa anáfora acontece quando os leitores realizam inferências e
buscam reconhecer o referente que estar presente no co-texto, ou no conhecimento
de mundo que o produtor do texto julgou compartilhado entre ele e seu interlocutor.
Silva (2004) aponta as propriedades que essa anáfora deve apresentar.
Segundo a autora deve ser representada por um pronome em número plural; ter
como base um sintagma nominal antecedente no singular que permita ao
interlocutor relacionar os conceitos necessários à interpretação; não ter um
correferente.
Nas conceituações de anáfora pronominal, Haag e Othero (2003, p. 68)
afirmam que esse é o tipo de anáfora mais comum. De acordo com eles, “ela
acontece quando um pronome (pessoal ou demonstrativo) retoma um sintagma
5. nominal”. Dessa forma, sempre que um pronome retomar um sintagma nominal,
independente de sua extensão, estaremos diante de uma anáfora pronominal.
Sobre esse tipo de anáfora Sant’anna (2000) esclarece que pronomes
pessoais, e pronomes possessivos por serem descrições definidas têm como
possibilidade preferencial de antecedente os sintagmas nominais. No tocante às
anáforas pronominais demonstrativas além dessa possibilidade, elas podem também
referir ao predicado de uma sentença, a sentença inteira, a uma junção de
sentenças ou até mesmo ao texto na íntegra. Por esse motivo, as anáforas
pronominais demonstrativas possuem um grau de dificuldade maior para sua
resolução com relação aos outros tipos de pronomes.
Encontramos em Koch (2004b) a anáfora rotuladora definida pela utilização
de uma forma nominal para recategorizar seqüências lingüísticas precedentes no
texto, resumindo-as sob um determinado rótulo. Dessa forma a autora expõe que
esse processo mobiliza tanto a informação dada como a informação nova.
Koch (2004b) também discorre acerca das anáforas metadiscursivas que não
sumariza a informação precedente, mas centraliza a enunciação, caracterizando a
informação precedente como uma forma de atividade metadiscursiva.
Charaudeau e Mainguneau (2004 apud DIÓGENES 2006) postulam a
definição da anáfora adverbial, realizada quando uma palavra do texto é referida
através de um advérbio.
O recurso da anáfora é utilizado na atividade de produção escrita. Nesse
sentido, acreditamos que o trabalho de produção escrita quando bem
orientado/direcionado influencia diretamente na qualidade da produção escrita e no
uso adequado da anáfora. Nossas discussões ajudaram a compreender as
dificuldades vivenciadas pelos alunos nas produções, principalmente no tocante ao
uso anafórico.
3 Anáforas em produções textuais: análise dos dados
Gostaríamos de, inicialmente destacar que as anáforas retiradas das
produções textuais foram analisadas observando a seguinte característica: (i)
freqüência da ocorrência e tipo de anáfora. Foi criado um código para cada
produção, o qual é composto pela letra P que representa o termo produção, pela
letra A que significa aluno, e por um número em ordem crescente que indica a
6. ordem de análise dos textos. Nesse sentido teremos: PA1, PA2, PA3, etc. Quanto ao
gênero a produção é inserida no relato pessoal.
Apresentamos os diferentes tipos de anáforas encontradas no nosso corpus.
QUANTIDADES DE ANÁFORAS
30 26
ANÁFORA PRONOMINAL
25
ANÁFORA ASSOCIATIVA
20
15 ANÁFORA FIEL
11 10
10 ANÁFORA ROTULADORA
5 3 2 ANÁFORA CONCEITUAL
1
0 ANÁFORA ADVERBIAL
Gráfico 01: Quantidades de anáforas
Em nossa pesquisa foram localizadas cinqüenta e três anáforas, divididas
entre tipos diferentes. Nesses termos, nossa escolha pelas anáforas pronominal,
associativa e fiel deu-se em virtude do número de ocorrências nas produções
textuais dos alunos.
4.1 Anáfora pronominal
Nesse primeiro momento, analisamos as anáforas pronominais, apresentando
as ocorrências desse tipo de anáfora. Percebemos que as anáforas pronominais
ocorrem com a utilização de dois tipos de pronome: o pessoal e o demonstrativo. O
pronome pessoal refere à pessoa no discurso e o demonstrativo refere porções
maiores do texto. Isso significa que os alunos que produziram os textos utilizaram os
dois tipos de pronomes, escolhendo o que no momento mais se aproximava da sua
intenção comunicativa.
A presença frequente da anáfora pronominal pode ser atribuída às
características do próprio pronome. Por ser uma classe de palavra vista como
categoremática, o seu entendimento depende da referência que deve ser realizada
entre o pronome e o significado lexical presente no contexto. Por essa característica,
7. constatamos que a utilização do pronome configura-se como processo anafórico por
natureza.
Vale destacar que nem todos os pronomes são utilizados anaforicamente, ou
pelo menos em todas as situações. Nesse contexto, relembremos as palavras de
Koch (2008) que nos expõe que a referência pode ser realizada sob três aspectos:
pessoal, demonstrativa e comparativa. Diante desse posicionamento, percebemos
que os pronomes citados são propícios ao uso anafórico, e ao relacionarmos à
nossa análise, percebemos que foram os mesmos que ocorreram nas produções.
As anáforas pronominais ocorrem com o uso de diferentes pronomes.
Observamos a presença de pronomes pessoais (ele, ela, nós, elas, elas) e
pronomes demonstrativos (isso, aquela, naquele, esse, desse, dele) realizando o
processo anafórico. Percebemos também, que há produções escritas que
contemplam um ou outro tipo de pronome, ao passo de outras produções que
contemplam os dois tipos, pessoal e demonstrativa. Há também as que não
apresentam uso delas. Diante desse fato, observamos que o relato pessoal facilita a
utilização de pronomes pessoais de primeira e de terceira pessoa do singular e do
plural. Há produções que uma única pessoa discorre sobre um fato vivido, mas
também teve produções que contemplaram pronomes de terceira pessoa do plural
por estar envolvido em vários relatos a presença de outras pessoas que viveram o
fato relatado.
Nos relatos pessoais analisados não há a ocorrência de pronomes de outra
natureza, além do pessoal e demonstrativo. No texto, esse fato implica na
manutenção das características do relato, ou seja, as informações do texto estão
interligadas apenas as pessoas que participaram da ação e aos lugares nos quais a
ação ocorreu.
Constatamos que 100% dos alunos referem pronominalmente identificando o
referente. Isso significa que no tocante as anáforas pronominais os alunos do 1º ano
do Ensino Médio souberam realizar a referência de maneira adequada. Isso significa
que os alunos no momento da escrita utilizaram adequadamente a função sintática
do pronome. Compreendemos, conforme Koch (2008), que os pronomes pessoais e
demonstrativos podem ter funções diferentes dentro do texto e é isso que acontece
nas produções analisado.
8. A anáfora pronominal com o uso de pronome pessoal acontece quando o
pronome refere a sintagmas nominais que representavam pessoas. Observemos os
exemplos abaixo retirados de PA4 e de PA6:
Exemplo 1
Que fui para uma festa e voutei muito tarde meu pai brigou muito e não gostou do que eu
fiz, ele começou a da bronca em mim [...]
Exemplo 2
Uma vez Quando eu era muito pequeno ia segurando do lado do carro da minha mãe numa
bicicleta e ela no carro [...]
No exemplo 1, o pronome ele se refere ao termo pai. No exemplo 2, o
pronome ela se refere ao termo mãe. As anáforas pronominais referiram a um
sintagma nominal do contexto precedente. Como já vimos, o pronome tem essa
função de retomar sintagmas nominas que representam pessoas, mesmo porque ele
não possui significado lexical, nesses termos os pronomes pessoais referem
diretamente às pessoas envolvidas no discurso.
Os pronomes demonstrativos sempre se referem a porções maiores do texto,
não apenas a uma palavra. Comprovamos essa afirmação com os seguintes
exemplos retirados da PA1 e PA6 respectivamente.
Exemplo 03
Tem dias que se acordo disposto, mas tem dias que não da vontade nem de se levantar da
cama. Minha mãe diz que isso faz mal, [...]
Exemplo 04
Uma vez Quando eu era muito pequeno ia segurando do lado do carro da minha mãe numa
bicicleta e ela no carro [...]
Então esse é o meu relato.
9. No exemplo 03, percebemos que o pronome isso se refere ao fato da pessoa
acordar-se com vontade de não levantar da cama. No exemplo 04, esse se refere a
todo o texto construído, que seria o fato de uma pessoa viajar segurando ao lado de
um carro e ter acontecido um imprevisto, a pessoa ter caído, quebrado o nariz e ter
sido levado para um hospital. Nesses exemplos, percebemos que o referente de
cada pronome não se resume a uma palavra, mas a uma proposição anterior ou ao
próprio texto completo.
O uso do pronome seja ele pessoal ou demonstrativo nos textos analisados
contribuíram para tornar o texto mais conciso e aceitável pelo fato de não haver
repetições exagerada de termos. Os referentes são sintagmas retomados pelo uso
do pronome, o que origina a anáfora pronominal.
4.2 Anáfora associativa
Descrevemos as ocorrências anafóricas associativas, realizando a análise de
suas ocorrências. As anáforas associativas ocorrem quando um termo é retomado
a partir de outros termos que se associam semanticamente no decorrer do texto.
Nesse sentido, percebemos que são vários os contextos que ocorrem as anáforas
associativas.
Os textos analisados nos mostram que as anáforas associativas são bastante
contempladas nas produções textuais. Os alunos fazem uso de diversas palavras
que se associam semanticamente para efetuar esse tipo de retomada anafórica.
Percebemos que os produtores dos textos relatam múltiplas situações de seu
cotidiano e para tanto se utilizam de anáforas associativas para manter a progressão
textual, reavivando de forma indireta os referentes do texto. Esse fato também
possibilita a coesão nos textos analisados, pois ao buscar resgatar o referente o
interlocutor percebe as relações existentes entre os enunciados.
O uso frequente da anáfora associativa deve-se ao fato da necessidade que o
produtor de texto tem de certa forma relembrar de que se estar falando. Nossos
posicionamentos vão ao encontro de Koch (2006) que nos diz que as anáforas
indiretas são formas nominais que possuem dependência interpretativa em relação a
outras expressões no texto e seus referentes são ativados através de processos
inferenciais, possibilitando a utilização dos conhecimentos armazenados na memória
do interlocutor.
10. Nesse sentido as anáforas associativas se configuram como um processo que
exige certo grau de inferências para a percepção da associação entre os termos que
estão distribuídos nas sequências textuais.
Percebemos que uma expressão linguística desencadeia a ocorrência de
outras expressões que se associam semanticamente. Constatamos também que as
circunstâncias ou contextos que as anáforas associativas ocorrem são variados
(escola, festa, menstruação, jogo de futebol, etc) e esse tipo de anáfora favorece a
introdução de novos objetos-de-discurso.
Como já dissemos anteriormente, as anáforas associativas ocorrem com a
utilização de um termo (um nome) que serve de base para a interpretação semântica
dos termos que ao longo do texto vão lhe fazer referência. Nesse sentido,
observamos a ocorrência de um determinante, expressão que acompanha o nome
fornecendo-lhes informações. Observamos que foram variados os tipos de
determinantes encontrados nas produções dos alunos (de, os, a, as, no, deu, ao,
uma, o, do, da, minhas, meu). Por se relacionarem a contextos diferentes os
determinantes são também diversificados.
Vimos que a anáfora associativa acontece quando os chamados objetos-de-
discurso são introduzidos no texto com uma acepção de novo, porém é considerado
como conhecido por referir associativamente a elementos já introduzidos no texto.
Essa característica possibilitou nos textos analisados os dois movimentos de
construção textual: a progressão e a retroação. Nestes termos, os textos se
desenvolveram quando os objetos-de-discurso foram introduzidos com caráter de
novo, enquanto que a retroação se realizou pela retomada através de palavras
pertencentes ao mesmo campo semântico.
Como já mencionamos anteriormente 20,75 % das ocorrências encontradas
nos textos analisados foram anáforas associativas, ocupando o segundo lugar em
quantidade das ocorrências. Percebemos várias situações em que um termo se
relaciona com outros termos no decorrer da produção escrita. Vejamos alguns
exemplos de anáforas extraída da PA2 em que o produtor utiliza anáforas
associativas.
Exemplo 05
Em um certo dia de festa, namorado e amigos combinaram de beber, comprar litros e
litros de wisck [...].
11. Exemplo 06
[...] De noite em plena festa minha menstruação simplesmente desceu, me deu cólicas e
eu estava revoltada, contra tudo e contra todos. Um dos motivos era que eu estava
ajudando meu irmão no bar e o namorado não chegava, depois de muito tempo, tentei curtir
a festa, mas não consegui pois a cólica falava mais alto naquele momento. Fui dar uma
volta, e por incrível que pareça uma coisa absurda me aconteceu, fui queimada com um
cigarro. Bom, como eu já não agüentava de dor fui ao hospital tomar uma injeção e pra
variar meu dedo já estava enxado e roxo da queimadura, mas no final deu tudo certo!
Esses exemplos nos mostram que o referente festa no exemplo 05 e
menstruação no exemplo 06 dão margem interpretativa aos elementos anafóricos,
ou seja, a partir da informação semântica contida em uma determinada expressão
introduzida no início do discurso, podemos relacionar e compreender outras que se
seguem por pertencerem ao mesmo campo semântico. Em festa temos beber, litros,
wisck; relacionando-se semanticamente, em menstruação temos cólicas, dor,
hospital, e injeção realizando a associação.
O uso de mais de uma anáfora associativa na mesma produção atribuiu ao
texto um caráter de informações diferentes desenvolvidas em paralelo. Observamos
que o produtor do texto conseguiu conduzir duas temáticas ao mesmo tempo. E
nessa circunstância as associações semânticas conduziam ao leitor a distinção dos
temas que foram tratados nas produções.
Nesses termos, percebemos que de maneira geral o termo anafórico não
correfere a nenhum antecedente e são instruções novas tidas como dadas, fato
coerente com o posicionamento de Zamponi (2003) em relação às anáforas
associativas.
Essa estratégia de construção do sentido através do uso de palavras que
pertencem ao mesmo campo semântico é pertinente nas produções de textos no
ambiente escolar. No momento que os alunos do Ensino Médio nos textos
analisados utilizaram a anáfora associativa, conseguiram construir sentido para a
produção escrita, pois essas anáforas realizaram as ligações necessárias entre as
seqüências linguísticas.
4.3 Anáfora fiel
12. Analisamos a anáfora fiel, considerando a ocorrência da anáfora. Vimos que
esse tipo de anáfora também foi significativa nas produções escritas dos alunos.
Esse fato pode ser relacionado à intenção que o produtor de texto tem em reativar
no desenvolver do discurso o mesmo referente. Assim como nas anáforas
pronominais e associativas, as fiéis também possibilitam elos coesivos entre
seqüências do texto porque reafirmam frequentemente o referente do texto.
Percebemos uma semelhança nos motivos que desencadearam as anáforas
associativas e fiéis, que é a necessidade de relembrar o referente o qual se fala,
configurando o movimento de retomada textual e, por conseguinte, fazer o texto
prosseguir. No entanto, se diferenciam pelo uso de nomes diferentes que se
associam semanticamente nas anáforas associativas e pelo uso do mesmo nome
nas anáforas fiéis.
A anáfora fiel ocorre com a repetição do mesmo item lexical, apresentando
variação de determinante, palavra que acompanha o termo anafórico passando-lhes
informações de número e gênero. Nos textos analisados esse tipo de anáfora gerou
facilidade em compreender o sentido do que se estar falando, pois a repetição literal
possibilitou a retomada a referentes explícitos previamente de modo muito claro (o
campinho – do campinho, o pé – meu pé, do carro - o carro, dentre outros) e sem
resoluções anafóricas complexas.
As anáforas fiéis, segundo Apothéloz (2003), se configuram pela repetição do
mesmo item lexical antecedido por um determinante que geralmente varia. Diante
dessa afirmação, constatamos que o fato da anáfora fiel estar bastante presente nas
produções dos alunos se deve a própria repetição de termo, correspondendo a
18,86 % do total das anáforas encontradas. Essa porcentagem revela que as
anáforas fiéis são formas de referir e produzir coesão nos textos dos alunos do 1º
ano do Ensino Médio e esse fato deve ser visto como uma possibilidade de
aprimorar os estudos de referencia dos alunos porque elas já usam esse tipo de
retomada.
Torna-se mais compreensível e simplificado a resolução anafórica que
apresenta o mesmo item lexical. Esse fato não se aplica apenas a quem produz o
texto, mas também, a quem vai recebê-lo. Nessa anáfora não há necessidade de
inferências ou cálculos mentais complexos para entender quem é o referente, pois,
ele já estar dito literalmente, como podemos observar nos exemplos que seguem e
13. apresentam também a necessidade que os produtores do texto tiverem em resgatar
a informação principal do texto.
Exemplo 09
Eu estudo, quando estou em casa eu assisto televisão ou vou para o campinho jogar bola
quando eu chego do campinho [...]
Exemplo 10
Aconteceu que eu furei o pé, com um toquo, e esse acontecido, furou o meu pé e pegou 6
pontos [...]
O exemplo 09, apresenta-nos as expressões o campinho e do campinho.
Podemos observar que o termo que se repete (campinho) tem apenas uma
mudança de determinante, a primeira expressão campinho no exemplo 09 é
acompanhada pelo determinante o e a segunda expressão campinho é
acompanhada pelo determinante do. E nesse caso a referência é feita através da
repetição literal. No exemplo 10, constatamos o mesmo fenômeno. A primeira
expressão pé é acompanhada pelo determinante o e a segunda expressão pé é
acompanhada pelo determinante meu. A referência é feita por meio de repetições.
Nossos exemplos, bem como, as ocorrências que não destacamos na análise
seguem essa mesma característica.
No contexto do ensino de língua a resolução anafórica pode ser um tema
para ser desenvolvido em sala de aula. A anáfora quando empregada
adequadamente contribui para o desenvolvimento e compreensão do texto, ao
passo que se for utilizada de maneira inadequada prejudica a coerência do texto.
Dessa forma, a anáfora tem sua aplicabilidade ao ensino de língua por estar
presente na produção escrita.
Nas produções analisadas percebemos que todas as anáforas analisadas
foram utilizadas adequadamente. Nesses termos, o uso de anáfora pelos alunos
contribuiu para a coesão do texto e conseqüentemente, no que diz respeito aos
processos de referenciação anafóricos, contribuíram para a coerência textual.
Almejamos que nossa pesquisa possa acrescentar qualitativamente ao ensino
de língua materna, ao disponibilizar aos profissionais da área um estudo detalhado
14. sobre o uso da anáfora. Nossa contribuição se relaciona diretamente com a
produção e interpretação de textos, fato que inclui a questão da referenciação. De
posse dos nossos resultados os profissionais da área poderão encontrar auxílio na
exploração da atividade textual.
4 Considerações finais
Considerando a problemática do estudo da anáfora na presente pesquisa,
buscamos investigar o uso de anáforas em produções textuais do primeiro ano do
Ensino Médio. Para tanto, identificamos nas produções o uso das anáforas
pronominais, associativas, fiéis, rotuladora, conceitual e adverbial.
Quanto a recorrência, obtivemos como resultado que a anáfora pronominal foi
a mais freqüente nas produções textuais escritas dos alunos. As anáforas
associativas também foram bastante presentes, como também houve a presença
significativa das anáforas fiéis, por serem as anáforas que mais ocorreram as
analisamos.
Com base nesses posicionamentos, observamos a ocorrência de vários tipos
de anáforas e analisamos o uso dessas anáforas dentro das produções textuais
escritas, atendendo dessa forma aos objetivos propostos.
Nossa pesquisa apresentou algumas limitações como o fato de termos
pesquisado somente uma turma do Ensino Médio e não termos analisados as
anáforas menos ocorrentes dos textos analisados. Nesse sentido, seria também
interessante um estudo mais abrangente, contemplando mais turmas analisadas e
desenvolvendo uma análise que contemplasse todas as anáforas encontradas.
Outra possibilidade seria comparar as ocorrências anafóricas nos gêneros relato
pessoal e outro gênero textual, buscando refletir se há diferenças nas ocorrências
anafóricas entre os dois gêneros.
A problematização da anáfora está relacionada à produção e compreensão
textual. Nesse sentido, entendemos que nossas discussões sobre a anáfora podem
contribuir qualitativamente com a prática docente na atividade de produção textual
escrita, visando explorar nos alunos o mecanismo de referenciação anafórica, para
que possam produzir textos escritos com qualidade. Os dados aqui obtidos e
analisados devem servir de base para direcionamentos de trabalhos com textos,
15. pois ao conhecer as regularidades e usos de anáforas, as práticas de ensino
ganham qualitativamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APOTHÉLOZ, D. Papel e funcionamento da anáfora na dinâmica textual. In.:
CAVALCANTI, M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (org.) Referenciação. São
Paulo: Contexto, 2003. p. 53-84.
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