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Tudo que você queria
saber sobre inovação e
não tinha a quem
perguntar
Se inovar é consequência de mudança de comportamento dos agentes no
mercado, e se até os brasileiros mais afastados dos centros mudam muito, por que
o Brasil inova tão pouco? Em entrevista exclusiva, o inovador Silvio Meira dá as
respostas.
A maioria das pessoas na Praia de Boa Viagem, no Recife (PE), olhará para o mare e
enxergará apenas as ondas quebrando ou os barquinhos de pesca depois da
correnteza. A vista de algumas talvez alcance mais longe, até a linha do horizonte.
Porém certamente uma verá a costa da África do outro lado do oceano Atlântico. Não
é que verá ao pé da letra, mas saberá imaginar.
Essa pessoa se chama Silvio Lemos Meira e é, além de uma das maiores autoridades
em tecnologia da informação e em inovação do Brasil nos dias atuais, um inovador ele
mesmo. De sua sala de professor titular na Universidade Federal de Pernambuco ou
de seu quartel-general de cientista-chefe do C.E.S.A.R., ele não precisa andar demais
para chegar até o mar. Saber imaginar é extremamente importante hoje e tem a ver
com saber aprender. Porque, como diz Meira nas próximas páginas, “o futuro vem do
futuro”. Mas as ideias são só uma parte pequena da equação da inovação que o Brasil
tanto tem de aprender. O capital empreendedor, com sua própria agenda de inovação,
é muito mais fundamental que essas ideias, de acordo com o especialista. E ele quase
inexiste por aqui.
Nesta entrevista exclusiva a Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM
Management,
Meira apresenta um ponto de vista original sobre inovação no Brasil e navega por
assuntos tão diversos como o empreendedorismo brasileiro do tipo “me too”, o fato de
a sociedade estar agora submetida às leis de Darwin e não mais às de Newton, a
informatização dos corpos, os efeitos da crise global sobre as perspectivas de
inovação do Brasil ou as oportunidades de empreender que começam a emergir com a
web 3.0 e que transformarão usuários em programadores, entre outros.
Além de revelar, com seu exemplo, do que é feito um inovador, fruto de inquietude,
curiosidade e aprendizado permanentes [veja quadro na página 22], Meira ainda
definiu a importância ampliada da globalização na sociedade pós-industrial, seja na
cultura, seja nos negócios–algo que as empresas brasileiras deveriam levar
particularmente a sério. Ele o fez ao analisar o batuque de maracatu, como cabe a um
percussionista que não perde um carnaval em Olinda: “Para o local sobreviver, precisa
ter um eco global–e foi o que aconteceu com o maracatu. Chico Science pôs os
tambores de maracatu dentro de uma banda de rock e conectou o passado com o
presente para criar o futuro”. Meira explica como: “Chico Science inovou ao achar a
batida ideal do maracatu, que, como acontece quase sempre com qualquer coisa
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ideal, é algo extremamente simples –‘tum-tum-tum-tum’. É o mesmo som do funk
original americano da época do Kool & The Gang, o mesmo ‘pá-pá-pá-pá’ dos
tambores primeiros da história da humanidade que você ouve no miolo da África. É o
coração batendo.
De uns quatro anos para cá, o arcabouço institucional para as empresas
inovarem no País evoluiu significativamente. Então, quero começar nossa
entrevista pedindo emprestada sua visão de inovador do dia-a-dia para poder
enxergar melhor o quadro: com isso, aumentou mesmo a capacidade de
inovação brasileira?
Não. É interessante começarmos por definir, realmente, o que é inovação: é a
mudança de comportamento, no mercado, de agentes, produtores e consumidores.
Então, chegamos ao que inovação não é: ela não é experimento de laboratório
subvencionado, não é um megapesquisador dizendo “Criei uma nova patente de
uma nova semente de uma nova planta”.
Houve mesmo essa evolução de que você fala, como a Lei de Inovação; com a
articulação maior entre universidades e empresas pela possibilidade de professores
das universidades estatais, que são as que concentram a maior quantidade de
pesquisadores, passarem um tempo nas empresas; com o aumento da subvenção,
com um megaedital anual –em 2008 foram quase R$ 500 milhões para as
empresas inovarem etc. Mas, como essas e outras mudanças se pautaram pela
visão de inovação como laboratório subvencionado que comentei, até agora não
gerou nenhum impacto na estruturação do que de fato poderia alimentar a
verdadeira inovação, que seria uma cadeia de valor de investimento empreendedor
que tenha inovação como seu alvo principal.
Quer dizer que não se faz inovação com dinheiro emprestado?
Não se faz! E, no Brasil, infelizmente ainda estamos no estágio de achar que sim!
Na verdade, a visão da inovação aqui é tão primária que, se você tiver uma padaria
e comprar um novo forno, isso contará como inovação. E o banco (de
desenvolvimento) que emprestou o dinheiro para o forno vai anunciar: “Estou
financiando inovação”.
Lembre que o dono da padaria tem um processo industrial que já está andando; o
que ele fez foi uma simples substituição para aumentar a eficiência. Essa padaria é
só uma empresa do tipo “me too”, “eu também”. Mais uma praticante do
empreendedorismo “me too” que predomina no Brasil e contamina tudo, inclusive a
área acadêmica.
E é esse tipo de empreendedorismo pobre, que tem a ver com ganho de
eficiência e não com inovação para valer, que acaba sendo alimentado pelo
novo arcabouço institucional...
Exatamente. Ele não reverte, em nada, a falta de ousadia do nosso País –inclusive
ousadia intelectual na área acadêmica– para fazer coisas novas e revolucionárias,
para empreender atrás de oportunidades, para falar “A gente não precisa fazer o
que estão fazendo ali, não; a gente precisa fazer essa outra coisa”.
Com o tamanho da oportunidade que temos em áreas absolutamente críticas para o
desenvolvimento e a sustentação do mundo, como o agronegócio –para ficar num
só exemplo–, é surpreendente que a quantidade de inovações brasileiras no
agronegócio seja pífia. Excetuando o trabalho fantástico e fundamental da
Embrapa, o que mais você tem de inovação nessa área?
O Brasil poderia estar produzindo, hoje, mais de duas vezes o que produz. Em vez
de 140 milhões de toneladas de grãos, poderíamos estar batendo nos 300 milhões
de toneladas, sem usar um metro quadrado a mais de chão. Fazendo o quê?
Modificando o comportamento de agentes no mercado, como produtores e
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consumidores, com novas tecnologias, processos, produtos e serviços. Mas a
Embrapa sozinha não fará isso. Temos um gap muito grande aí.
Um gap que teria de ser eliminado pela ousadia... O capital de risco daria conta
da tarefa?
Uma parte significativa desse gap corresponde exatamente ao papel do capital no
processo de inovação. Se ele existisse no Brasil. Mas não existe. Aqui, o capital
ainda tem remuneração muito alta e agradável nos títulos da dívida pública. Mas o
pior é o grau de ambição criado a partir daí. Se os títulos da dívida pública pagam
15% ao ano sem risco, quem tem o capital e tem de escolher entre investir nos
títulos e numa “empresa revolucionária de carrinhos de churros” vai querer 30% ou
mais de retorno sobre o capital, por ano, no negócio dos churros. Só o tráfico de
drogas dá um retorno assim![risos]
E olhe lá... [risos] Mas por que o dinheiro de risco seria melhor que o dinheiro
emprestado para inovar?
Não se cria empresa inovadora de tecnologia com tecnologia, mas com dinheiro. A
principal infraestrutura de inovação do Silicon Valley [Vale do Silício] não é a
universidade, nem os empreendedores de garagem ou de dormitório universitário,
mas a capacidade inovadora do capital empreendedor - não gosto de chamá-lo de
capital de risco.
E as ideias?
São, per se, um engano. O capital empreendedor tem uma agenda própria, não
segue agendas alheias.
Suponha que você tem uma ideia incrível e vem apresentar a mim, que sou
capitalista empreendedor.
Se minha agenda no momento for a melhoria da produção de cana-de-açúcar, você
pode vir conversar comigo sobre o que quiser que eu vou dizer: “Você é muito
legal, inteligente, competente; que tal fazer melhoria de cana-de-açúcar?”. Porquea
agenda é minha, não sua. A Sequoia Capital foi o capital que fundou a Apple, em
1975, a Cisco, o Google, o YouTube. Veja que track record! Agora, você acha que
os dois caras que estavam fazendo o mecanismo de busca do Google entraram lá e
convenceram o pessoal da Sequoia de que o algoritmo deles era imperdível de tão
bom? Não! A Sequoia é que disse: “Vamos investir nesse negócio porque sabemos
que existe um comportamento no mercado que, se conseguirmos mudar com essa
tecnologia dos meninos, nos fará acender charutos com notas de US$ 100”. Pouco
importava se o algoritmo era bom, embora ele fosse bom também.
Aí a Sequoia colocou os meninos no laboratório para fazer o que tinham de fazer e
transformou-os em acionistas para ficarem milionários e inspirar outras pessoas a
levar ideias e competência para a Sequoia. E não parou por aí: a Sequoia buscou,
na Sun Microsystems, Eric Schmidt, que é um megaprofissional, e o colocou para
tocar a operação. Quem fez isso foi o capital e não foram [Sergey]Brin e
[Larry]Page.
O problema é este: faltam Sequoias no Brasil, mais do que qualquer outra coisa.
Se entendi bem, esse capital empreendedor profissional faz mais do que
colocar dinheiro. Ele detecta a oportunidade para a inovação e a põe no
mercado. É isso?
Isso mesmo. A inovação precisa basicamente de quatro suportes. Dois foram mais
ou menos viabilizados pelo arcabouço institucional de que falamos: a infraestrutura
legal mais favorável e o financiamento básico dos development costs [custos de
desenvolvimento] – que ocorrem quando o negócio já está perto de ir para o
mercado. Os outros dois estão a cargo do capital empreendedor, que são a
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alocação do dinheiro para a oportunidade e uma maneira sistematizada de ir ao
mercado.
Uma incubadora não consegue ser nem uma sombra desse capital
empreendedor?
Não, porque a incubadora não joga golfe com o cara que precisa do negócio, não
está na festa, não faz o check-up no Hospital Sírio-Libanês. Aqui, como em todos os
lugares do mundo, o que move a inovação é a conexão, inclusive a do capital.
Os brasileiros com vontade de inovar podem ir bater na porta da Sequoia
Capital?
As portas não vão se abrir, porque o capital empreendedor é local. Pode até ser
global, mas a base de operação dele tem de ser local. Isso é uma regra que não
muda, porque o operador do capital precisa estar perto do empreendedor que usa
aquele capital, olhar no olho dele, desenvolver uma liga. Até a distância entre São
Paulo e Recife é muito grande para o capital empreendedor.
Mas existe algum capital empreendedor local no Brasil, certo? Lá no Porto
Digital, por exemplo...
Existe, mas ele precisa ser muito mais distribuído, geograficamente e na economia,
e muito mais profissionalizado.
Eu me lembro de um trio de capital empreendedor do Brasil bastante
profissional: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, Carlos Alberto Sicupira...
Isso, perfeito. Tem também a Votorantim Novos Negócios. Mas ambos estão em
um nível muito elevado. O capital empreendedor se organiza em uma
escadinha.Você tem gente que trabalha no patamar de investimento de US$ 100
mil, outros nos US$ 500 mil, terceiros em US$ 1 milhão, quartos em US$ 10
milhões e assim por diante. O Marcel Telles e os sócios estão no degrau das
dezenas de milhões de dólares para cima. Mas falta alguém que coloque US$ 100
mil para a empresa rodar durante nove meses. E outro que invista US$ 500 mil
para ela funcionar mais um ano. Você não pode chegar ao Marcel Telles e pedir
US$ 100 mil; ele não vai nem piscar o olho. Ele investe dezenas de milhões para
cima. E só pega empreendimentos que já passaram por muitos crivos e já tem a
engenharia redonda e o produto quase pronto; só faltam marketing, escala...A
questão nem é só o empreendedor não conseguir atrair o interesse do Marcel
Telles;é que você eleva demais o custo de transação para ele. Exatamente como
acontece com o transporte aéreo: você paga uma passagem muito cara em viagens
de curta distância, porque não há praticamente aviação regional e elas são feitas
por companhias e aviões de longa distância.
Precisamos de uma cadeia de valor do capital empreendedor no Brasil. Já vi a
Votorantim Novos Negócios descer ao nível da universidade para pegar alguma
coisa de lá e construir – o Fernando Reinach fez isso ao construir a Alellyx e a
CanaVialis do zero, há uns cinco anos–, mas isso é a exceção da regra.
A Votorantim vendeu sua participação nessas empresas para a Monsanto, numa
operação que também faz parte da lógica da cadeia de valor dos investidores,
porque antecipou o resultado esperado.
Aí você tocou em outro ponto sensível: a inovação ainda enfrenta a barreira da
falta de cultura de business no Brasil, não?
O Brasil ainda é um país com cultura de dono. Não tem a cultura de acionista, que
é absolutamente essencial para haver um ambiente empreendedor. Tanto que, na
bolsa brasileira, a maioria dos investidores não dá bola para as ações de empresas
boas pagadoras de dividendos; eles se interessam por ganhar comprando na baixa
e vendendo na alta. Lá fora, a ação da Microsoft tem seu preço parado há não sei
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quantos anos, mas o dividendo é espetacular, o que depende basicamente da
performance da empresa. Isso é cultura de acionista.
Você me deixou mais preocupada. Com essa crise financeira global iniciada no
mercado norte-americano, já tem muita gente no Brasil dizendo: “Olha como a
cultura de acionista deu errado”...
Não, não deu errado. Isso é uma interpretação tão primária... Isso aí são falas das
viúvas de um socialismo ingênuo que acham que o Estado tem de regular a
economia.
Mas não é só a mídia, onde talvez se alojem várias dessas viúvas, que diz isso.
Estou ouvindo de executivos, consultores e economistas também... [risos]
Também viúvas, só que de um estatismo primário. [risos] O Estado não deve nem
deixar as coisas completamente soltas, o que não dá certo, como comprova essa
crise, nem estatizar a economia tampouco, porque, fosse esse o caso, a China e a
Rússia seriam uma maravilha absoluta.
A China não é uma maravilha absoluta? [risos]
Não! Ela tem um megaproblema para resolver: precisa crescer muito,
desesperadamente, em alta velocidade. O governo chinês pressiona pelo
crescimento a taxas anuais de dois dígitos, rasgando o país em pedaços, porque,
com 80% da população abaixo da linha de pobreza, se não conseguir mudar muito
e rápido, os 800 milhões mais pobres comerão os outros 200 milhões. A China não
pode esperar. Isso não é sucesso de estatismo; é a luta pela sobrevivência.
E o Brasil também tem um desafio parecido, não? Estou me lembrando da última
entrevista que Peter Drucker deu à HSM Management antes de morrer. Ele era fã
do Brasil, por achar que formamos uma das poucas nações de verdade do mundo,
mas dizia que o maior obstáculo ao nosso êxito era o desencontro entre o Sul e o
Norte. Você concorda que precisamos enfrentar isso?
Drucker é um dos meus três grandes ídolos [veja quadro na página 22]. Não só
concordo com ele como vou além: o Sul e o Norte precisam se encontrar em cada
lugar do Brasil. Quando eu morava no interior do Nordeste, nas décadas de 1960 e
1970, uma população imensa desses lugares migrou para São Paulo e Rio com o
objetivo de construir essas cidades e ali viver definitivamente. Alguns desses
migrantes conseguiram sair do seu Norte para encontrar seu Sul em São Paulo. Por
exemplo, o cara que era pedreiro virou garçom e, depois, dono de restaurante.Mas
a maioria desse pessoal continua exilado em seu Norte, morando na periferia e não
integrado. Em São Paulo, há um Norte gigantesco, que ameaça o Sul da própria
metrópole, o que a torna uma das cidades mais desiguais e violentas do mundo.
Na China, isso não aconteceu porque não há mobilidade –as pessoas precisam de
autorização do governo para ir do ponto A ao ponto B. Mas no Brasil há mobilidade
e ninguém fica esperando a morte chegar.
Só que, com isso, empobreceram- se muito mais o Norte e o Nordeste do ponto de
vista de capital humano e, com isso, surgiram as favelas do Rio de Janeiro, de São
Paulo e do Brasil, porque o fenômeno se espalhou. Em cidades como Recife,
Salvador, Fortaleza e Maceió, acontece a mesma coisa.
Há um enorme grau de violência urbana, de um tipo quase aleatório –como se vê
em Bagdá–, e você não está seguro em lugar nenhum. O problema do Brasil, hoje,
é ter muita gente que não tem nada a perder. Quando você não tem nada a perder,
faz qualquer negócio. A solução, eu acho, passa por um mecanismo de criação de
oportunidades que devolva a esperança às pessoas, aliado à criação de uma
infraestrutura de educação que qualifique, efetivamente, as pessoas para o
trabalho.
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Então, estamos fechando o círculo: de alguma maneira, a solução passa pelo
empreendedorismo inovador e pela educação para empreender, não?
Sim e não. O não é porque não adianta criar mais empresas e, principalmente,
mais plantas industriais. O Brasil está passando por um processo de industrialização
tardio; já estamos saindo da era industrial! Ela foi robotizada. O sim é porque
precisamos capacitar as pessoas para empreender. Mas, para isso, temos de fazer
alguma coisa muito radical e nova com a escola brasileira.
O que seria muito radical? Tecnologia?
Não. Quer dizer, a tecnologia sustenta a transformação, porque está fazendo a
escola sair da escola. Você aprende, cada vez mais, fora da escola; a internet é a
maior biblioteca que jamais existiu –mesmo com as coisas estapafúrdias que
existem na rede, porque, com um mínimo de bom senso e, principalmente,
ormando redes, você separa o joio do trigo. E em cinco anos, quando todos tiverem
celulares 3G nas mãos, todos terão internet. Aí vão questionar os professores e
deixarão a escola se ela não mudar.
Mas o eixo da mudança é outro. A educação da escola é baseada em Newton –silos
de conhecimento, hierarquias, estruturas, disciplinas, organização hierárquica
estática, responsabilidade interna, os próprios professores dizendo o que tem de
ser aprendido etc. Agora, ela tem que se basear em Darwin: eu tenho um problema
e quero resolver –e não entendo nada disso.
E como a dinâmica do conhecimento hoje é completamente diferente, com as
pessoas aprendendo por fora do “sistema” e com a depreciação do conhecimento
muito mais acelerada do que em qualquer período da história, o principal papel da
escola passa a ser o de preparar as pessoas para três coisas: aprender,
desaprender e reaprender.
Existe um modo de transformar radicalmente a escola mantendo os
professores atuais?
O problema não é que as pessoas sejam intrinsecamente ruins; eu não acredito em
gente burra. Boa parte delas está desmotivada, despreparada. Você tem de criar
incentivos, e isso gasta muita coragem política estratégica. Tenho uma métrica
pessoal para mudança da escola, que até sugeri ao Todos Pela Educação, mas,
como é uma métrica meio doida, ficou fora do sistema. É o seguinte: a escola terá
mudado radicalmente quando nenhum professor primário do interior ganhar menos
do que motorista de ônibus na capital.
Juntando nosso gap de desenvolvimento e as medidas necessárias para
eliminá-lo com a crise global e essa mudança urgente na educação, o que
podemos fazer? O que me ocorre é sentar e chorar...
Não pense na crise. [risos] Sempre tem alguma crise em algum mercado. Ainda
agora havia uma megacrise no mercado de petróleo, outra no mercado de cobre,
uma terceira no mercado imobiliário norte-americano, e, de repente, elas se
combinaram e se sincronizaram. Qual é o problema?
A economia funciona em ciclos–micro e macrociclos. Estamos atualmente num
macrociclo. Tudo bem!
E tem vantagem nisso.
Qual?
Tomamos um megassusto e a economia financeira está se reencontrando com a
economia real elas tinham se descolado lá pelo começo da década, no pipoco das
ponto.com. Não se pode sair aumentando o preço das coisas sem melhorar os
fundamentos, como produtividade, competitividade, retorno sobre o investimento
etc. Todos sabem disso.
Sabem, mas esquecem sempre...
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Sim, mas daqui a pouco percebem que o mundo não vai acabar. Agora, isso tem a
forma de uma montanha-russa. O carrinho da economia financeira estava muito
acima do carrinho da economia real. Deram um freio e ele vai passar para bem
abaixo do da economia real. Então, as empresas que valiam muito mais do que
deviam talvez agora valham muito menos do que devem. Mas uma hora os dois
carrinhos ocuparão novamente a mesma parte da pista.
Então, o caso seria de chorar pelo fato de o Brasil viver uma industrialização
tardia exatamente quando o mundo começa a apagar as luzes da era
industrial?
Não, ainda dá tempo de pegar esse bonde. Só é preciso entendê-lo.
Você pode descrever o bonde?
Em 1984, se não me engano, Drucker disse que a era da informação havia
começado no fim da Segunda Guerra Mundial. Pouquíssima gente entendeu. A
explicação era a seguinte: quando nós criamos a estrela
Portátil (a bomba atômica), acabou a era da energia, que havia durado quase 300
anos desde a invenção da máquina a vapor pelo francês Denis Papin, em 1675. E
começou a era da informação, ou do conhecimento, ou da biologia, porque o
absolutamente essencial para a biologia funcionar é a informação.
O que vai acontecer agora, no bonde, é que a centralidade da biologia vai se
acentuar, ao redor da sobrevivência, como dizia Andy Grove [ex-CEO da Intel] em
relação aos negócios. Minha frase é que estamos saindo de um mundo newtoniano,
baseado em uma pirâmide organizada do conhecimento, e entrando num mundo
darwiniano, em rede, onde sobrevivem os mais aptos. A Intel entendeu que o
mercado é uma ecologia regulada por Darwin. Muitas outras empresas talvez ainda
precisem entender.
Vigora, portanto, a lógica do predador e da presa?
Sim! Mas não significa que o predador do topo da cadeia alimentar tenha a vida
garantida. Uma parábola africana ilustra isso. “Todo dia num lugar da savana o sol
nasce para uma gazela, que pensa:‘ Para chegar viva no final do dia, terei de correr
mais rápido que o leão mais rápido’. Em outro lugar, o sol nasce para um leão, que
pensa: ‘Tenho de ser mais rápido que a mais lenta das gazelas’.” E a parábola nem
inclui o importante fato de que esse leão também tem de correr mais rápido que
outro leão rápido.
Essa era da biologia, sua e do Drucker, é a mesma era pós-industrial de que o
Peter Senge vem falando, em que o resíduo de um será a matéria-prima do outro?
Sim. Empresas e pessoas não poderão mais jogar seu custo ambiental para a
sociedade, porque, assim, diminuirão a performance da sociedade como um todo.
Na verdade, isso acontecia até agora porque as cadeias de valor da sociedade
estavam desconectadas. Mas as cadeias começaram a se conectar graças à
tecnologia e o efeito é que, por exemplo, o excesso de energia produzido no Brasil
é aproveitado em outro país do Mercosul. É o mundo em rede. Vale acrescentar que
a motivação para inovar e abraçar a era da biologia é muito forte. Nós estamos em
guerra pela nossa própria sobrevivência.
Quais as implicações práticas disso para os negócios?
A mais prática talvez seja a de que todos terão de passar a administrar o ciclo de
vida de informação de seus produtos e seu negócio, o que será possível graças à
informaticidade. Bruce Sterling [escritor de ficção científica] diz que no futuro todas
as coisas serão spimes identificáveis, com história e endereço de internet únicos, e
Adam Greenfield, designer, criou o conceito de everyware, segundo o qual tudo
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passa a ser completamente rastreável, porque existe na rede, com interfaces
invisíveis e sem fio. Junte os dois e pense em spymeware...
Ou seja, você pegará uma banana e a etiquetinha dela, que hoje só serve para
mostrar a marca, reunirá computação, comunicação e controle. Assim, eu,
consumidor, poderei fazer perguntas para a banana: Quem é você?”. E ela
responderá: “Sou uma banana mulata, fui posta aqui no dia tal, entrei no contêiner
no dia tal e passei sete semanas ali; fui colhida no dia tal, depois de receber tantas
horas de sol, e o meu tempo de vida comestível se esgota em três semanas”. Aí eu
pergunto se ela me sugere alguma receita especial para aproveitá-la e vem a
resposta. É bem provável que eu possa “conversar” com a banana pelo meu
celular.
Muito louco isso. Mas, por outro lado, se pensarmos no rastreamento que a
FedEx já faz hoje, parece plausível também. Qual é o horizonte de tempo para
a informaticidade se espalhar?
Acho que levará três décadas para isso começar a acontecer. Vai começar pelas
economias centrais: primeiro a Finlândia vai exigir, a Noruega, aí o Japão, os
Estados Unidos – e a Califórnia vai sair na frente do Mississippi. Não vai acontecer
nem tudo de uma vez nem para todo mundo. Será paulatino.
Trinta anos é muito tempo para tecnologia. Você verá como, em cinco anos, a
maioria dos celulares no Brasil será 3G. As pessoas aprendem a usar as novidades
muito rápido. Basta viajar pelo interior do Brasil e ver como os cavalos foram
substituídos por motos. O pessoal percebeu que a moto é muito mais barata do que
o cavalo, para comprar e manter, e já aprendeu a usar.
Celular 3G nas mãos de todos significa internet nas mãos de todos. Em que
medida a rede é uma ferramenta de inovação?
Em grande medida, principalmente a web 3.0. Há três webs coexistindo. Na web
1.0, qualquer um pode fazer transações. Eu compro um livro da Amazon, por
exemplo. Na web 2.0, todo mundo pode participar. Eu monto o meu blog, certo? As
pessoas começam a se conectar. A web 3.0 é um passo muito maior: são as
empresas criando infraestruturas para que os usuários possam inovar.
Inovar como?
Um exemplo é a Ning, que foi capa da última revista de vocês; é uma infraestrutura
de redes sociais que possibilita a criação da minha rede social, não para participar
da rede dos outros. Outro caso é a Amazon Web Services, que eu posso usar para
criar coisas na internet, como Box.net, Twitter. E Salesforce, criando a noção e
implementação de platform as a service, que a DuPont, por exemplo, já usa para
fazer a interface do seu CRM– e “n” outras aplicações. Em todos esses casos, você
pode, sem “ter” qualquer software ou hardware, desenvolver uma inovação em
cima de uma plataforma existente. Os bancos na internet também vão chegar lá.
Imagine que eu possa escrever comandos para meu banco: “Pague a minha conta
do cartão de crédito se você receber uma chave digital do meu celular”. Isso em
vez do débito automático, que é muito burro, porque não leva em conta
imprevistos. Meu banco deveria ser um conjunto de serviços financeiros,
programados por mim mesmo.
O impacto disso no mundo dos negócios é...
... monumental. Serão negócios muito mais inteligentes, criativos e participativos,
porque permitirão que eu use a rede como plataforma de programação e, portanto,
de inovação. Seremos todos programadores; é o nascimento do “Homo
algorithmicus” –ou da pessoa como agente de mudança do meio. Espera lá, você
vai dizer, isso é Paulo Freire. Pois é. O que mudou foi o meio.
Você tem visto programadores brasileiros usando a web 3.0 para inovar?
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Quase nada. Revisei 47 aplicações sobre o Twitter e não tinha nenhuma made in
Brazil. O interessante é que nenhuma delas é um site físico; são todas combinações
de coisas –mas não simples mashups, do tipo que pega daqui e dali e cola lá,
porque existe algo radicalmente original em todas elas. Isso implica uma explosão
combinatória de possibilidades de criação.
Para terminar: nas palestras sobre inovação que faz Brasil afora, você sente
que as pessoas querem inovar?
MUITO! Elas estão desesperadas para inovar. Não sabem muito bem o que é isso,
mas sabem que precisam fazer. E estão no caminho, aprendendo... e rápido!
O FUTURO E AS ESCADASO FUTURO E AS ESCADASO FUTURO E AS ESCADASO FUTURO E AS ESCADAS
Silvio Meira diz não ter dúvida de que “o futuro vem do futuro”. E, segundo ele, o
melhor modo de aproveitar isso é com a teoria de presencing de Otto Scharmer.
“Eu traduzi a teoria de presencing com uma imagem. Quando você olha para o
passado, vê uma única escada, linear, contínua. Mas, quando olha para o futuro, são
muitas as escadas abstratas à sua frente, e é sua capacidade de convencer as
pessoas a pular para uma delas que vai concretizá-la. Quando um bocado de nós
resolve ir para um lugar que não existe, esse lugar passa a existir. Enxergar as
escadas que não existem é ter a capacidade de presencing.” Visionários e líderes
conseguem ver as múltiplas escadas do futuro, conforme Meira. Políticos e
estrategistas imaginam as escadas depois de alguém apontá-las. E o staff
operacional constrói as escadas.
HSM Management 72 janeiro-fevereiro 2009

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Inovação e empreendedorismo no Brasil

  • 1. www.florianoferreira.com.br Tudo que você queria saber sobre inovação e não tinha a quem perguntar Se inovar é consequência de mudança de comportamento dos agentes no mercado, e se até os brasileiros mais afastados dos centros mudam muito, por que o Brasil inova tão pouco? Em entrevista exclusiva, o inovador Silvio Meira dá as respostas. A maioria das pessoas na Praia de Boa Viagem, no Recife (PE), olhará para o mare e enxergará apenas as ondas quebrando ou os barquinhos de pesca depois da correnteza. A vista de algumas talvez alcance mais longe, até a linha do horizonte. Porém certamente uma verá a costa da África do outro lado do oceano Atlântico. Não é que verá ao pé da letra, mas saberá imaginar. Essa pessoa se chama Silvio Lemos Meira e é, além de uma das maiores autoridades em tecnologia da informação e em inovação do Brasil nos dias atuais, um inovador ele mesmo. De sua sala de professor titular na Universidade Federal de Pernambuco ou de seu quartel-general de cientista-chefe do C.E.S.A.R., ele não precisa andar demais para chegar até o mar. Saber imaginar é extremamente importante hoje e tem a ver com saber aprender. Porque, como diz Meira nas próximas páginas, “o futuro vem do futuro”. Mas as ideias são só uma parte pequena da equação da inovação que o Brasil tanto tem de aprender. O capital empreendedor, com sua própria agenda de inovação, é muito mais fundamental que essas ideias, de acordo com o especialista. E ele quase inexiste por aqui. Nesta entrevista exclusiva a Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM Management, Meira apresenta um ponto de vista original sobre inovação no Brasil e navega por assuntos tão diversos como o empreendedorismo brasileiro do tipo “me too”, o fato de a sociedade estar agora submetida às leis de Darwin e não mais às de Newton, a informatização dos corpos, os efeitos da crise global sobre as perspectivas de inovação do Brasil ou as oportunidades de empreender que começam a emergir com a web 3.0 e que transformarão usuários em programadores, entre outros. Além de revelar, com seu exemplo, do que é feito um inovador, fruto de inquietude, curiosidade e aprendizado permanentes [veja quadro na página 22], Meira ainda definiu a importância ampliada da globalização na sociedade pós-industrial, seja na cultura, seja nos negócios–algo que as empresas brasileiras deveriam levar particularmente a sério. Ele o fez ao analisar o batuque de maracatu, como cabe a um percussionista que não perde um carnaval em Olinda: “Para o local sobreviver, precisa ter um eco global–e foi o que aconteceu com o maracatu. Chico Science pôs os tambores de maracatu dentro de uma banda de rock e conectou o passado com o presente para criar o futuro”. Meira explica como: “Chico Science inovou ao achar a batida ideal do maracatu, que, como acontece quase sempre com qualquer coisa
  • 2. www.florianoferreira.com.br ideal, é algo extremamente simples –‘tum-tum-tum-tum’. É o mesmo som do funk original americano da época do Kool & The Gang, o mesmo ‘pá-pá-pá-pá’ dos tambores primeiros da história da humanidade que você ouve no miolo da África. É o coração batendo. De uns quatro anos para cá, o arcabouço institucional para as empresas inovarem no País evoluiu significativamente. Então, quero começar nossa entrevista pedindo emprestada sua visão de inovador do dia-a-dia para poder enxergar melhor o quadro: com isso, aumentou mesmo a capacidade de inovação brasileira? Não. É interessante começarmos por definir, realmente, o que é inovação: é a mudança de comportamento, no mercado, de agentes, produtores e consumidores. Então, chegamos ao que inovação não é: ela não é experimento de laboratório subvencionado, não é um megapesquisador dizendo “Criei uma nova patente de uma nova semente de uma nova planta”. Houve mesmo essa evolução de que você fala, como a Lei de Inovação; com a articulação maior entre universidades e empresas pela possibilidade de professores das universidades estatais, que são as que concentram a maior quantidade de pesquisadores, passarem um tempo nas empresas; com o aumento da subvenção, com um megaedital anual –em 2008 foram quase R$ 500 milhões para as empresas inovarem etc. Mas, como essas e outras mudanças se pautaram pela visão de inovação como laboratório subvencionado que comentei, até agora não gerou nenhum impacto na estruturação do que de fato poderia alimentar a verdadeira inovação, que seria uma cadeia de valor de investimento empreendedor que tenha inovação como seu alvo principal. Quer dizer que não se faz inovação com dinheiro emprestado? Não se faz! E, no Brasil, infelizmente ainda estamos no estágio de achar que sim! Na verdade, a visão da inovação aqui é tão primária que, se você tiver uma padaria e comprar um novo forno, isso contará como inovação. E o banco (de desenvolvimento) que emprestou o dinheiro para o forno vai anunciar: “Estou financiando inovação”. Lembre que o dono da padaria tem um processo industrial que já está andando; o que ele fez foi uma simples substituição para aumentar a eficiência. Essa padaria é só uma empresa do tipo “me too”, “eu também”. Mais uma praticante do empreendedorismo “me too” que predomina no Brasil e contamina tudo, inclusive a área acadêmica. E é esse tipo de empreendedorismo pobre, que tem a ver com ganho de eficiência e não com inovação para valer, que acaba sendo alimentado pelo novo arcabouço institucional... Exatamente. Ele não reverte, em nada, a falta de ousadia do nosso País –inclusive ousadia intelectual na área acadêmica– para fazer coisas novas e revolucionárias, para empreender atrás de oportunidades, para falar “A gente não precisa fazer o que estão fazendo ali, não; a gente precisa fazer essa outra coisa”. Com o tamanho da oportunidade que temos em áreas absolutamente críticas para o desenvolvimento e a sustentação do mundo, como o agronegócio –para ficar num só exemplo–, é surpreendente que a quantidade de inovações brasileiras no agronegócio seja pífia. Excetuando o trabalho fantástico e fundamental da Embrapa, o que mais você tem de inovação nessa área? O Brasil poderia estar produzindo, hoje, mais de duas vezes o que produz. Em vez de 140 milhões de toneladas de grãos, poderíamos estar batendo nos 300 milhões de toneladas, sem usar um metro quadrado a mais de chão. Fazendo o quê? Modificando o comportamento de agentes no mercado, como produtores e
  • 3. www.florianoferreira.com.br consumidores, com novas tecnologias, processos, produtos e serviços. Mas a Embrapa sozinha não fará isso. Temos um gap muito grande aí. Um gap que teria de ser eliminado pela ousadia... O capital de risco daria conta da tarefa? Uma parte significativa desse gap corresponde exatamente ao papel do capital no processo de inovação. Se ele existisse no Brasil. Mas não existe. Aqui, o capital ainda tem remuneração muito alta e agradável nos títulos da dívida pública. Mas o pior é o grau de ambição criado a partir daí. Se os títulos da dívida pública pagam 15% ao ano sem risco, quem tem o capital e tem de escolher entre investir nos títulos e numa “empresa revolucionária de carrinhos de churros” vai querer 30% ou mais de retorno sobre o capital, por ano, no negócio dos churros. Só o tráfico de drogas dá um retorno assim![risos] E olhe lá... [risos] Mas por que o dinheiro de risco seria melhor que o dinheiro emprestado para inovar? Não se cria empresa inovadora de tecnologia com tecnologia, mas com dinheiro. A principal infraestrutura de inovação do Silicon Valley [Vale do Silício] não é a universidade, nem os empreendedores de garagem ou de dormitório universitário, mas a capacidade inovadora do capital empreendedor - não gosto de chamá-lo de capital de risco. E as ideias? São, per se, um engano. O capital empreendedor tem uma agenda própria, não segue agendas alheias. Suponha que você tem uma ideia incrível e vem apresentar a mim, que sou capitalista empreendedor. Se minha agenda no momento for a melhoria da produção de cana-de-açúcar, você pode vir conversar comigo sobre o que quiser que eu vou dizer: “Você é muito legal, inteligente, competente; que tal fazer melhoria de cana-de-açúcar?”. Porquea agenda é minha, não sua. A Sequoia Capital foi o capital que fundou a Apple, em 1975, a Cisco, o Google, o YouTube. Veja que track record! Agora, você acha que os dois caras que estavam fazendo o mecanismo de busca do Google entraram lá e convenceram o pessoal da Sequoia de que o algoritmo deles era imperdível de tão bom? Não! A Sequoia é que disse: “Vamos investir nesse negócio porque sabemos que existe um comportamento no mercado que, se conseguirmos mudar com essa tecnologia dos meninos, nos fará acender charutos com notas de US$ 100”. Pouco importava se o algoritmo era bom, embora ele fosse bom também. Aí a Sequoia colocou os meninos no laboratório para fazer o que tinham de fazer e transformou-os em acionistas para ficarem milionários e inspirar outras pessoas a levar ideias e competência para a Sequoia. E não parou por aí: a Sequoia buscou, na Sun Microsystems, Eric Schmidt, que é um megaprofissional, e o colocou para tocar a operação. Quem fez isso foi o capital e não foram [Sergey]Brin e [Larry]Page. O problema é este: faltam Sequoias no Brasil, mais do que qualquer outra coisa. Se entendi bem, esse capital empreendedor profissional faz mais do que colocar dinheiro. Ele detecta a oportunidade para a inovação e a põe no mercado. É isso? Isso mesmo. A inovação precisa basicamente de quatro suportes. Dois foram mais ou menos viabilizados pelo arcabouço institucional de que falamos: a infraestrutura legal mais favorável e o financiamento básico dos development costs [custos de desenvolvimento] – que ocorrem quando o negócio já está perto de ir para o mercado. Os outros dois estão a cargo do capital empreendedor, que são a
  • 4. www.florianoferreira.com.br alocação do dinheiro para a oportunidade e uma maneira sistematizada de ir ao mercado. Uma incubadora não consegue ser nem uma sombra desse capital empreendedor? Não, porque a incubadora não joga golfe com o cara que precisa do negócio, não está na festa, não faz o check-up no Hospital Sírio-Libanês. Aqui, como em todos os lugares do mundo, o que move a inovação é a conexão, inclusive a do capital. Os brasileiros com vontade de inovar podem ir bater na porta da Sequoia Capital? As portas não vão se abrir, porque o capital empreendedor é local. Pode até ser global, mas a base de operação dele tem de ser local. Isso é uma regra que não muda, porque o operador do capital precisa estar perto do empreendedor que usa aquele capital, olhar no olho dele, desenvolver uma liga. Até a distância entre São Paulo e Recife é muito grande para o capital empreendedor. Mas existe algum capital empreendedor local no Brasil, certo? Lá no Porto Digital, por exemplo... Existe, mas ele precisa ser muito mais distribuído, geograficamente e na economia, e muito mais profissionalizado. Eu me lembro de um trio de capital empreendedor do Brasil bastante profissional: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, Carlos Alberto Sicupira... Isso, perfeito. Tem também a Votorantim Novos Negócios. Mas ambos estão em um nível muito elevado. O capital empreendedor se organiza em uma escadinha.Você tem gente que trabalha no patamar de investimento de US$ 100 mil, outros nos US$ 500 mil, terceiros em US$ 1 milhão, quartos em US$ 10 milhões e assim por diante. O Marcel Telles e os sócios estão no degrau das dezenas de milhões de dólares para cima. Mas falta alguém que coloque US$ 100 mil para a empresa rodar durante nove meses. E outro que invista US$ 500 mil para ela funcionar mais um ano. Você não pode chegar ao Marcel Telles e pedir US$ 100 mil; ele não vai nem piscar o olho. Ele investe dezenas de milhões para cima. E só pega empreendimentos que já passaram por muitos crivos e já tem a engenharia redonda e o produto quase pronto; só faltam marketing, escala...A questão nem é só o empreendedor não conseguir atrair o interesse do Marcel Telles;é que você eleva demais o custo de transação para ele. Exatamente como acontece com o transporte aéreo: você paga uma passagem muito cara em viagens de curta distância, porque não há praticamente aviação regional e elas são feitas por companhias e aviões de longa distância. Precisamos de uma cadeia de valor do capital empreendedor no Brasil. Já vi a Votorantim Novos Negócios descer ao nível da universidade para pegar alguma coisa de lá e construir – o Fernando Reinach fez isso ao construir a Alellyx e a CanaVialis do zero, há uns cinco anos–, mas isso é a exceção da regra. A Votorantim vendeu sua participação nessas empresas para a Monsanto, numa operação que também faz parte da lógica da cadeia de valor dos investidores, porque antecipou o resultado esperado. Aí você tocou em outro ponto sensível: a inovação ainda enfrenta a barreira da falta de cultura de business no Brasil, não? O Brasil ainda é um país com cultura de dono. Não tem a cultura de acionista, que é absolutamente essencial para haver um ambiente empreendedor. Tanto que, na bolsa brasileira, a maioria dos investidores não dá bola para as ações de empresas boas pagadoras de dividendos; eles se interessam por ganhar comprando na baixa e vendendo na alta. Lá fora, a ação da Microsoft tem seu preço parado há não sei
  • 5. www.florianoferreira.com.br quantos anos, mas o dividendo é espetacular, o que depende basicamente da performance da empresa. Isso é cultura de acionista. Você me deixou mais preocupada. Com essa crise financeira global iniciada no mercado norte-americano, já tem muita gente no Brasil dizendo: “Olha como a cultura de acionista deu errado”... Não, não deu errado. Isso é uma interpretação tão primária... Isso aí são falas das viúvas de um socialismo ingênuo que acham que o Estado tem de regular a economia. Mas não é só a mídia, onde talvez se alojem várias dessas viúvas, que diz isso. Estou ouvindo de executivos, consultores e economistas também... [risos] Também viúvas, só que de um estatismo primário. [risos] O Estado não deve nem deixar as coisas completamente soltas, o que não dá certo, como comprova essa crise, nem estatizar a economia tampouco, porque, fosse esse o caso, a China e a Rússia seriam uma maravilha absoluta. A China não é uma maravilha absoluta? [risos] Não! Ela tem um megaproblema para resolver: precisa crescer muito, desesperadamente, em alta velocidade. O governo chinês pressiona pelo crescimento a taxas anuais de dois dígitos, rasgando o país em pedaços, porque, com 80% da população abaixo da linha de pobreza, se não conseguir mudar muito e rápido, os 800 milhões mais pobres comerão os outros 200 milhões. A China não pode esperar. Isso não é sucesso de estatismo; é a luta pela sobrevivência. E o Brasil também tem um desafio parecido, não? Estou me lembrando da última entrevista que Peter Drucker deu à HSM Management antes de morrer. Ele era fã do Brasil, por achar que formamos uma das poucas nações de verdade do mundo, mas dizia que o maior obstáculo ao nosso êxito era o desencontro entre o Sul e o Norte. Você concorda que precisamos enfrentar isso? Drucker é um dos meus três grandes ídolos [veja quadro na página 22]. Não só concordo com ele como vou além: o Sul e o Norte precisam se encontrar em cada lugar do Brasil. Quando eu morava no interior do Nordeste, nas décadas de 1960 e 1970, uma população imensa desses lugares migrou para São Paulo e Rio com o objetivo de construir essas cidades e ali viver definitivamente. Alguns desses migrantes conseguiram sair do seu Norte para encontrar seu Sul em São Paulo. Por exemplo, o cara que era pedreiro virou garçom e, depois, dono de restaurante.Mas a maioria desse pessoal continua exilado em seu Norte, morando na periferia e não integrado. Em São Paulo, há um Norte gigantesco, que ameaça o Sul da própria metrópole, o que a torna uma das cidades mais desiguais e violentas do mundo. Na China, isso não aconteceu porque não há mobilidade –as pessoas precisam de autorização do governo para ir do ponto A ao ponto B. Mas no Brasil há mobilidade e ninguém fica esperando a morte chegar. Só que, com isso, empobreceram- se muito mais o Norte e o Nordeste do ponto de vista de capital humano e, com isso, surgiram as favelas do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Brasil, porque o fenômeno se espalhou. Em cidades como Recife, Salvador, Fortaleza e Maceió, acontece a mesma coisa. Há um enorme grau de violência urbana, de um tipo quase aleatório –como se vê em Bagdá–, e você não está seguro em lugar nenhum. O problema do Brasil, hoje, é ter muita gente que não tem nada a perder. Quando você não tem nada a perder, faz qualquer negócio. A solução, eu acho, passa por um mecanismo de criação de oportunidades que devolva a esperança às pessoas, aliado à criação de uma infraestrutura de educação que qualifique, efetivamente, as pessoas para o trabalho.
  • 6. www.florianoferreira.com.br Então, estamos fechando o círculo: de alguma maneira, a solução passa pelo empreendedorismo inovador e pela educação para empreender, não? Sim e não. O não é porque não adianta criar mais empresas e, principalmente, mais plantas industriais. O Brasil está passando por um processo de industrialização tardio; já estamos saindo da era industrial! Ela foi robotizada. O sim é porque precisamos capacitar as pessoas para empreender. Mas, para isso, temos de fazer alguma coisa muito radical e nova com a escola brasileira. O que seria muito radical? Tecnologia? Não. Quer dizer, a tecnologia sustenta a transformação, porque está fazendo a escola sair da escola. Você aprende, cada vez mais, fora da escola; a internet é a maior biblioteca que jamais existiu –mesmo com as coisas estapafúrdias que existem na rede, porque, com um mínimo de bom senso e, principalmente, ormando redes, você separa o joio do trigo. E em cinco anos, quando todos tiverem celulares 3G nas mãos, todos terão internet. Aí vão questionar os professores e deixarão a escola se ela não mudar. Mas o eixo da mudança é outro. A educação da escola é baseada em Newton –silos de conhecimento, hierarquias, estruturas, disciplinas, organização hierárquica estática, responsabilidade interna, os próprios professores dizendo o que tem de ser aprendido etc. Agora, ela tem que se basear em Darwin: eu tenho um problema e quero resolver –e não entendo nada disso. E como a dinâmica do conhecimento hoje é completamente diferente, com as pessoas aprendendo por fora do “sistema” e com a depreciação do conhecimento muito mais acelerada do que em qualquer período da história, o principal papel da escola passa a ser o de preparar as pessoas para três coisas: aprender, desaprender e reaprender. Existe um modo de transformar radicalmente a escola mantendo os professores atuais? O problema não é que as pessoas sejam intrinsecamente ruins; eu não acredito em gente burra. Boa parte delas está desmotivada, despreparada. Você tem de criar incentivos, e isso gasta muita coragem política estratégica. Tenho uma métrica pessoal para mudança da escola, que até sugeri ao Todos Pela Educação, mas, como é uma métrica meio doida, ficou fora do sistema. É o seguinte: a escola terá mudado radicalmente quando nenhum professor primário do interior ganhar menos do que motorista de ônibus na capital. Juntando nosso gap de desenvolvimento e as medidas necessárias para eliminá-lo com a crise global e essa mudança urgente na educação, o que podemos fazer? O que me ocorre é sentar e chorar... Não pense na crise. [risos] Sempre tem alguma crise em algum mercado. Ainda agora havia uma megacrise no mercado de petróleo, outra no mercado de cobre, uma terceira no mercado imobiliário norte-americano, e, de repente, elas se combinaram e se sincronizaram. Qual é o problema? A economia funciona em ciclos–micro e macrociclos. Estamos atualmente num macrociclo. Tudo bem! E tem vantagem nisso. Qual? Tomamos um megassusto e a economia financeira está se reencontrando com a economia real elas tinham se descolado lá pelo começo da década, no pipoco das ponto.com. Não se pode sair aumentando o preço das coisas sem melhorar os fundamentos, como produtividade, competitividade, retorno sobre o investimento etc. Todos sabem disso. Sabem, mas esquecem sempre...
  • 7. www.florianoferreira.com.br Sim, mas daqui a pouco percebem que o mundo não vai acabar. Agora, isso tem a forma de uma montanha-russa. O carrinho da economia financeira estava muito acima do carrinho da economia real. Deram um freio e ele vai passar para bem abaixo do da economia real. Então, as empresas que valiam muito mais do que deviam talvez agora valham muito menos do que devem. Mas uma hora os dois carrinhos ocuparão novamente a mesma parte da pista. Então, o caso seria de chorar pelo fato de o Brasil viver uma industrialização tardia exatamente quando o mundo começa a apagar as luzes da era industrial? Não, ainda dá tempo de pegar esse bonde. Só é preciso entendê-lo. Você pode descrever o bonde? Em 1984, se não me engano, Drucker disse que a era da informação havia começado no fim da Segunda Guerra Mundial. Pouquíssima gente entendeu. A explicação era a seguinte: quando nós criamos a estrela Portátil (a bomba atômica), acabou a era da energia, que havia durado quase 300 anos desde a invenção da máquina a vapor pelo francês Denis Papin, em 1675. E começou a era da informação, ou do conhecimento, ou da biologia, porque o absolutamente essencial para a biologia funcionar é a informação. O que vai acontecer agora, no bonde, é que a centralidade da biologia vai se acentuar, ao redor da sobrevivência, como dizia Andy Grove [ex-CEO da Intel] em relação aos negócios. Minha frase é que estamos saindo de um mundo newtoniano, baseado em uma pirâmide organizada do conhecimento, e entrando num mundo darwiniano, em rede, onde sobrevivem os mais aptos. A Intel entendeu que o mercado é uma ecologia regulada por Darwin. Muitas outras empresas talvez ainda precisem entender. Vigora, portanto, a lógica do predador e da presa? Sim! Mas não significa que o predador do topo da cadeia alimentar tenha a vida garantida. Uma parábola africana ilustra isso. “Todo dia num lugar da savana o sol nasce para uma gazela, que pensa:‘ Para chegar viva no final do dia, terei de correr mais rápido que o leão mais rápido’. Em outro lugar, o sol nasce para um leão, que pensa: ‘Tenho de ser mais rápido que a mais lenta das gazelas’.” E a parábola nem inclui o importante fato de que esse leão também tem de correr mais rápido que outro leão rápido. Essa era da biologia, sua e do Drucker, é a mesma era pós-industrial de que o Peter Senge vem falando, em que o resíduo de um será a matéria-prima do outro? Sim. Empresas e pessoas não poderão mais jogar seu custo ambiental para a sociedade, porque, assim, diminuirão a performance da sociedade como um todo. Na verdade, isso acontecia até agora porque as cadeias de valor da sociedade estavam desconectadas. Mas as cadeias começaram a se conectar graças à tecnologia e o efeito é que, por exemplo, o excesso de energia produzido no Brasil é aproveitado em outro país do Mercosul. É o mundo em rede. Vale acrescentar que a motivação para inovar e abraçar a era da biologia é muito forte. Nós estamos em guerra pela nossa própria sobrevivência. Quais as implicações práticas disso para os negócios? A mais prática talvez seja a de que todos terão de passar a administrar o ciclo de vida de informação de seus produtos e seu negócio, o que será possível graças à informaticidade. Bruce Sterling [escritor de ficção científica] diz que no futuro todas as coisas serão spimes identificáveis, com história e endereço de internet únicos, e Adam Greenfield, designer, criou o conceito de everyware, segundo o qual tudo
  • 8. www.florianoferreira.com.br passa a ser completamente rastreável, porque existe na rede, com interfaces invisíveis e sem fio. Junte os dois e pense em spymeware... Ou seja, você pegará uma banana e a etiquetinha dela, que hoje só serve para mostrar a marca, reunirá computação, comunicação e controle. Assim, eu, consumidor, poderei fazer perguntas para a banana: Quem é você?”. E ela responderá: “Sou uma banana mulata, fui posta aqui no dia tal, entrei no contêiner no dia tal e passei sete semanas ali; fui colhida no dia tal, depois de receber tantas horas de sol, e o meu tempo de vida comestível se esgota em três semanas”. Aí eu pergunto se ela me sugere alguma receita especial para aproveitá-la e vem a resposta. É bem provável que eu possa “conversar” com a banana pelo meu celular. Muito louco isso. Mas, por outro lado, se pensarmos no rastreamento que a FedEx já faz hoje, parece plausível também. Qual é o horizonte de tempo para a informaticidade se espalhar? Acho que levará três décadas para isso começar a acontecer. Vai começar pelas economias centrais: primeiro a Finlândia vai exigir, a Noruega, aí o Japão, os Estados Unidos – e a Califórnia vai sair na frente do Mississippi. Não vai acontecer nem tudo de uma vez nem para todo mundo. Será paulatino. Trinta anos é muito tempo para tecnologia. Você verá como, em cinco anos, a maioria dos celulares no Brasil será 3G. As pessoas aprendem a usar as novidades muito rápido. Basta viajar pelo interior do Brasil e ver como os cavalos foram substituídos por motos. O pessoal percebeu que a moto é muito mais barata do que o cavalo, para comprar e manter, e já aprendeu a usar. Celular 3G nas mãos de todos significa internet nas mãos de todos. Em que medida a rede é uma ferramenta de inovação? Em grande medida, principalmente a web 3.0. Há três webs coexistindo. Na web 1.0, qualquer um pode fazer transações. Eu compro um livro da Amazon, por exemplo. Na web 2.0, todo mundo pode participar. Eu monto o meu blog, certo? As pessoas começam a se conectar. A web 3.0 é um passo muito maior: são as empresas criando infraestruturas para que os usuários possam inovar. Inovar como? Um exemplo é a Ning, que foi capa da última revista de vocês; é uma infraestrutura de redes sociais que possibilita a criação da minha rede social, não para participar da rede dos outros. Outro caso é a Amazon Web Services, que eu posso usar para criar coisas na internet, como Box.net, Twitter. E Salesforce, criando a noção e implementação de platform as a service, que a DuPont, por exemplo, já usa para fazer a interface do seu CRM– e “n” outras aplicações. Em todos esses casos, você pode, sem “ter” qualquer software ou hardware, desenvolver uma inovação em cima de uma plataforma existente. Os bancos na internet também vão chegar lá. Imagine que eu possa escrever comandos para meu banco: “Pague a minha conta do cartão de crédito se você receber uma chave digital do meu celular”. Isso em vez do débito automático, que é muito burro, porque não leva em conta imprevistos. Meu banco deveria ser um conjunto de serviços financeiros, programados por mim mesmo. O impacto disso no mundo dos negócios é... ... monumental. Serão negócios muito mais inteligentes, criativos e participativos, porque permitirão que eu use a rede como plataforma de programação e, portanto, de inovação. Seremos todos programadores; é o nascimento do “Homo algorithmicus” –ou da pessoa como agente de mudança do meio. Espera lá, você vai dizer, isso é Paulo Freire. Pois é. O que mudou foi o meio. Você tem visto programadores brasileiros usando a web 3.0 para inovar?
  • 9. www.florianoferreira.com.br Quase nada. Revisei 47 aplicações sobre o Twitter e não tinha nenhuma made in Brazil. O interessante é que nenhuma delas é um site físico; são todas combinações de coisas –mas não simples mashups, do tipo que pega daqui e dali e cola lá, porque existe algo radicalmente original em todas elas. Isso implica uma explosão combinatória de possibilidades de criação. Para terminar: nas palestras sobre inovação que faz Brasil afora, você sente que as pessoas querem inovar? MUITO! Elas estão desesperadas para inovar. Não sabem muito bem o que é isso, mas sabem que precisam fazer. E estão no caminho, aprendendo... e rápido! O FUTURO E AS ESCADASO FUTURO E AS ESCADASO FUTURO E AS ESCADASO FUTURO E AS ESCADAS Silvio Meira diz não ter dúvida de que “o futuro vem do futuro”. E, segundo ele, o melhor modo de aproveitar isso é com a teoria de presencing de Otto Scharmer. “Eu traduzi a teoria de presencing com uma imagem. Quando você olha para o passado, vê uma única escada, linear, contínua. Mas, quando olha para o futuro, são muitas as escadas abstratas à sua frente, e é sua capacidade de convencer as pessoas a pular para uma delas que vai concretizá-la. Quando um bocado de nós resolve ir para um lugar que não existe, esse lugar passa a existir. Enxergar as escadas que não existem é ter a capacidade de presencing.” Visionários e líderes conseguem ver as múltiplas escadas do futuro, conforme Meira. Políticos e estrategistas imaginam as escadas depois de alguém apontá-las. E o staff operacional constrói as escadas. HSM Management 72 janeiro-fevereiro 2009