1. MARÍLIA DA PIEDADE MARINHO SILVA
A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA ESCRITA DO
SUJEITO SURDO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO NA ÁREA DE PSICOLOGIA EDUCACIONAL
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
1999
2. MARÍLIA DA PIEDADE MARINHO SILVA
A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NA ESCRITA DO
SUJEITO SURDO
Dissertação apresentada como exigência
parcial para a obtenção do Título de
MESTRE em EDUCAÇÃO, na Área de
Concentração: Psicologia Educacional, à
Comissão Julgadora da Universidade
Estadual de Campinas, sob a orientação da
Profª. Drª. Luci Banks Leite.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
1999
3. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NA ESCRITA DO SUJEITO SURDO
AUTORA: MARÍLIA DA PIEDADE MARINHO SILVA
ORIENTADORA: Profª. Drª. LUCI BANKS LEITE
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À
REDAÇÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO
DEFENDIDA POR MARÍLIA DA PIEDADE
MARINHO SILVA E APROVADA PELA
COMISSÃO JULGADORA EM ___/___/____.
ASSINATURA:________________________
COMISSÃO JULGADORA:
________________________________________
________________________________________
________________________________________
1999
4. Aquele que aprende a enunciação de outrem
não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao
contrário um ser cheio de palavras interiores.
Toda a sua atividade mental (...) é mediatizada
para ele pelo discurso interior e é por aí que se
opera a junção com o discurso apreendido do
exterior. A palavra vai à palavra.
Mikhail Bakhtin
5. Para o Majela, pelo amor, carinho,
paciência e colaboração em todos
os momentos deste estudo.
Para Daniel e Carolina, as criações
mais belas de nossas vidas.
Para os meus pais, “in memorian”
Raimundo e Conceição, que, embora
ausentes, sempre serão “presença”
em minha vida.
6. AGRADECIMENTOS
À Professora Dra. Luci Banks Leite, por sua orientação, paciente e respeitosa, meus sinceros
agradecimentos.
Às professoras: Dra. Maria Cecília Rafael de Góes, pelas sugestões valiosas durante a minha
qualificação, e a Dra. Inghedore Vilhaça Koch, pelos momentos de discussões, amizade,
disponibilidade, na realização deste estudo. A vocês, o meu carinho.
Aos professores do Grupo de Pesquisa “Pensamento e Linguagem” da Faculdade de
Educação, especialmente aos Professores: Professora Dra. Ana Luíza B. Smolka, Professora
Dra. Regina Maria de Souza, Professor Dr. Angel Pino Sirgado e a Professora Roseli A. C.
Fontana (Grupo de Pesquisa GEPEC), por todas as oportunidades de diálogo, pelo carinho e
receptividade, a minha gratidão.
Aos professores do IEL, Instituto de Linguagem, Professora Dra. Maria Bernadette Abaurre,
Professora Edwiges Morato, pelas sugestões seguras em momentos distintos deste trabalho, a
vocês, o meu carinho.
Aos professores da UFMG, Dr. Marco Antônio de Oliveira, e Iria Melgaço, pelas
interlocuções iniciais desta pesquisa e pelo incentivo que impulsionou este trabalho, a vocês, a
minha gratidão.
Às minhas queridas irmãs: Marli, Marise, Marta, Mary e Magda, que me apoiaram na
realização desse estudo e me incentivaram sempre nas horas de frustações. Com o carinho de
vocês, a caminhada ficou menos árdua.
Aos meus amigos: Adriane Giugni, Eleanor Palhano, Ivana, Luciana, Wladimir Miotello,
Ivone Martins, pela solidariedade em me acolher, participar e discutir comigo questões
específicas referentes a esta pesquisa. A vocês, um grande beijo.
Às professoras das Salas de Recurso da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, Mônica
e Rosângela Elmiro, amigas e colegas de trabalho que contribuíram para que os dados desta
pesquisa fossem coletadas em seus recintos de trabalho. Muito obrigado pelo apoio e
colaboração.
Aos amigos do Grupo de Estudos sobre a Surdez da Faculdade de Educação – UNICAMP,
meus agradecimentos pelas sugestões apresentadas à este estudo.
Aos amigos e colegas de trabalho da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, que me
incentivaram de uma forma, ou de outra na realização deste estudo.
À Maria de Lourdes Faleiros, pela presença amiga, um grande beijo.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível – CAPES, pelo financiamento da
bolsa de estudos.
Aos alunos surdos que participaram com seus textos escritos, o meu agradecimento, pois sem
vocês este trabalho não teria realizado.
À todos que contribuíram de diferentes maneiras para a finalização deste
trabalho, um beijo carinhoso.
7. SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .........................................................................................10
CAPÍTULO 1: A EDUCAÇÃO DOS SURDOS E QUESTÕES DE
LINGUAGEM .................................................................................................15
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................16
1.2 DA ESCOLA NORMATIZADORA AOS DESAFIOS ATUAIS ........17
1.3 AS QUESTÕES DA LINGUAGEM E AS CONTRIBUIÇÕES DE
VYGOTSKY E BAKHTIN ...................................................................21
CAPÍTULO 2: LÍNGUA(GEM) ESCRITA DO SUJEITO SURDO: O SEU
USO COMO LUGAR DE CONSTRUÇÃO DOS RECURSOS
LINGÜÍSTICOS ............................................................................................36
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................37
2.2 ESCRITA E SURDEZ NO CONTEXTO ESCOLAR ..........................38
2.3 DIFICULDADES DE APRENDER, OU DIFICULDADES DE
ESCREVER ...........................................................................................40
2.4 REFLEXÃO SOBRE COESÃO TEXTUAL ........................................50
8. 2.5 A LINGÜÍSTICA DO TEXTO – PRINCIPAIS MECANISMOS E
COESÃO TEXTUAL ............................................................................51
2.6 PRINCIPAIS FORMAS DE COESÃO TEXTUAL TOMANDO COMO
REFERENCIAL A LINGUA PORTUGUESA .....................................53
CAPÍTULO 3: A PESQUISA E O OBJETO DA INVESTIGAÇÃO ........63
3.1 PROPOSTA DE TRABALHO ..............................................................64
3.2 A CONSTITUIÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA ............................65
3.3 A COLETA DE DADOS E PROCEDIMENTOS GERAIS .................67
CAPÍTULO 4: ANÁLISE DOS DADOS .....................................................70
4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................71
4.2 ANÁLISE DAS REDAÇÕES ...............................................................71
4.3 CONSIDERAÇÕES GERAIS EM RELAÇÃO AO CORPUS DA
PESQUISA ............................................................................................88
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................98
9. RESUMO
Este trabalho discute a importância da lingua(gem) escrita na educação do sujeito surdo
no contexto escolar, focalizando os aspectos coesivos nas produções escritas desses sujeitos e
apontando a relação de sentidos contida nos enunciados de suas produções textuais. Partindo-
se de uma reflexão sobre a educação dos surdos, discute-se a questão da lingua(gem)
baseando-se nas proposições de Vygotsky e Bakhtin, assumindo-se que somente por meio da
lingua(gem) e da relação social é possível a significação do mundo pelo sujeito. Nesse sentido,
a lingua(gem) tem um papel fundamental na construção da subjetividade desses sujeitos e no
seu processo de construção de conhecimentos. Tomando a escrita como objeto de estudo, são
analisadas oito redações de surdos em nível de escolaridade de 5a à 8a série, entre a faixa
etária de 16 à 21 anos com o objetivo de observar os aspectos coesivos e o sentido da
produção textual, conforme a teoria de Koch. Com base nas análises, percebe-se a
interferência do português nas redações e a condição bilingüe do surdo, intervindo de modo
significativo na instância interativa monolingüe através dos textos escritos. Neste estudo, há a
preocupação de chamar a atenção dos professores e dos profissionais que trabalham com
surdos para a necessidade de reavaliar e tecer considerações a respeito da escrita, de modo a
re-significar o trabalho pedagógico realizado nas instituições escolares. Finalmente aponta,
sumariamente, as hipóteses levantadas em relação ao texto escrito, assumindo que o surdo
aprendiz de português não apresenta as mesmas características de escrita de um ouvinte e que
a aprendizagem da lingua(gem) escrita faz-se necessária de modo a possibilitar a esses sujeitos
a ampliação das condições de indivíduos singulares e sujeitos plurais no convívio social.
10. ABSTRACT
This research discusses the importance of the written language in the education of the
deaf person in the school context, focusing mainly on the cohesive aspects of their writings
and pointing out to the relation of meaning contained in the statements of their textual
production. Starting from a reflection about the deaf’s education, the language question is
discussed based on Vygotsky and Bakhtin proposals, assuming that only through language in
social relationship this subject matter can be inserted in the world. In this way, language has a
fundamental role in the construction of subjectivity of these people and in their process of
knowledge construction. Taking writing as an object of study, it is analysed eight
compositions of deaf person of 5th
to 8th
series of fundamental education, aged 16 to 21 years
old. The aim of the research is to launch hypothesis and to observe the cohesive aspects of the
composition and the sense of textual production according to Koch’s theory.
Based on the analysis made, it is noticed the Portuguese interference in composition
and the bilingual condition of deaf person intervening in a significant way in the monolingual
interative aspects through written texts. This research calls the attention of teachers and of the
professionals who work with deaf person to the necessity of reappraisal and to formulate
considerations referring to the writing, so that the pedagogical work made in the school
institutions is improved. Finally, this research points out to hypothesis formulated in relation
to written texts, assuming that the deaf apprentice of Portuguese language doesn’t express the
same characteristics of writing as the one who has no deafness problem, and that the writing
language achievement is needed to make possible to them the enlargement of their condition
of singular individuals and plural subjects in the social life.
11.
12. APRESENTAÇÃO
Assim como os instrumentos de
trabalho mudam historicamente, os
instrumentos do pensamento também se
transformam historicamente. E assim
como novos instrumentos de trabalho
dão origem a novas estruturas sociais,
novos instrumentos do pensamento dão
origem a novas estruturas mentais.
L. S. Vygotsky
13. 11
APRESENTAÇÃO
A convivência e o trabalho com alunos surdos, desde a sua fase inicial de escolarização
até a vida adulta, levou-me a uma série de questionamentos e reflexões sobre a linguagem
escrita do sujeito surdo. Em minha experiência cotidiana de trabalho com professores de
surdos, tenho percebido a grande dificuldade dos mesmos, em lidar com as questões ligadas à
linguagem escrita. Esse fato converte-se rotineiramente, em objeto de discussões nas
atividades de ensino, gerando, via de regra, reflexões/ações pouco satisfatórias.
Tenho observado, tomando por base o trabalho educacional com o sujeito surdo, que
um dos grandes desafios ao lidar com a questão da linguagem escrita repousa ainda em uma
compreensão limitada a respeito da linguagem e de sua importância em relação ao processo
corretivo de qualquer pessoa.
Atualmente, tem crescido o interesse pela pesquisa na área da surdez, principalmente
entre linguístas, educadores, psicólogos, etc., visto que este tema representa um campo fértil
de discussões. A discussão destacada nessa pesquisa é sobre a escrita atípica dos surdos em
contexto escolar, investigando qual a questão inserida na construção dos aspectos coesivos
dos enunciados desses sujeitos, já que interagem no plano visuo-gestual. Como tenho
observado, sua escrita não segue as mesmas construções dos ouvintes, que se apoiam na
linguagem oral para produzir a escrita. Algumas singularidades do texto e já apontado por
autores brasileiros, à exemplo, Gesueli (1988), Fernandes (1989), Brito (1993), Góes (1994),
Sousa (1998). Apesar da relevância desses estudos há ainda muito a compreender. O modo
pelo qual eles criam sentidos para os diferentes signos merece aprofundamento teórico mais
consistente em pesquisas que demandariam outro espaço.
Toma-se, como objetivo deste estudo, refletir sobre como o surdo articula a escrita
textual, já que o sujeito surdo (em questão nesta pesquisa) interage no plano visuo-gestual,
mas precisa integrar-se ao mundo da linguagem escrita, que possui interfaces com a oralidade.
14. 12
Este estudo também tem o propósito de apontar os aspectos coesivos em seus textos,
observando como são construídas as relações de sentido por intermédio da escrita desses
sujeitos.
Os trabalhos de Góes constituem o referencial inicial para essa pesquisa. Em sua tese
de livre docência, Góes (1994), analisando a escrita de sujeitos surdos estudantes do supletivo
do 1o
grau, identifica a ausência de reflexibilidade como uma das principais características dos
textos do sujeito surdo. Em sua análise, a autora observou que os alunos não identificavam
autonomamente problemas em seus textos, e mesmo quando eram alertados para o fato ou
ainda auxiliados na refacção, os enunciados permaneciam apresentando, freqüentemente novos
impedimentos para a construção de sentidos. A autora ainda afirma que as sessões de
reescritura propiciavam, ainda que rudimentarmente, ações reflexivas dos alunos, as quais
apresentavam como dificuldade mais evidente o domínio parcial da lingua portuguesa. Esse
trabalho, por sua vez, acarretava longos intercâmbios para esclarecimentos relativos ao sentido
pretendido e ao vocabulário desconhecido, desviando a atenção do sujeito produtor do
enunciado em si para outros aspectos da situação textual. A autora aponta ainda para a
experiência bilingüe dos alunos. Essa tarefa propiciaria uma escrita baseada em sinais e daí
decorria, em grande parte, das características dos textos produzidos pelos alunos surdos. Ainda
nessa direção ela afirma: "muito embora as línguas de sinais não possuam registro escrito, os
alunos estariam poduzindo uma escrita com alternância e justaposições das duas línguas
envolvidas" (Góes,1994:48), quais sejam: a língua portuguesa e a língua brasileira de sinais.
De acordo com ela, há também a questão relativa às condições de interlocução. Os alunos de
sua pesquisa endereçavam seus textos a um interlocutor bimodal – a professora. Nesse sentido,
"é bastante procedente o fato de construir o texto com instância interativa bimodal, por uma
consideração de ordem dialógica em que o interlocutor é tomado como igualmente bimodal"
(Góes,1994: 49).
Em função da discussão destacada nessa pesquisa, sobre a produção textual de sujeitos
surdos, o trabalho da autora constituiu um referencial excelente para minhas reflexões iniciais.
A escolha da análise dos aspectos coesivos na estruturação textual deve-se ao fato de
reconhecer que esse fenômeno é um dos fatores que garantem a inteligibilidade do texto
15. 13
escrito, e, também, por reconhecer a importância da linguagem escrita para os surdos
interagirem com os ouvintes, sendo a escola a instância principal para esta aprendizagem.
Partindo das observações feitas através da análises textuais, verifica-se que é possível
construir o sentido do texto dos alunos surdos por meio das hipóteses levantadas e a coesão é
um dos recursos que fazem parte desse processo, (re)construindo sentidos.
Considerando a hipótese de que a língua de sinais é a língua natural dos surdos, este
estudo se baseará nos seguintes princípios: se o surdo for usuário da língua de sinais, a Libras
assumirá um caráter mediador e de apoio na aprendizagem do português, pois aprender a
escrever, para o surdo, é aprender em tal caso, uma segunda língua; assim sendo, a língua de
sinais pode interferir na escrita do sujeito surdo, isto é, na sua estrutura superficial do texto
(uso de conectivos, preposição, tempo verbal, concordância nominal e verbal, etc), mas não na
sua estrutura profunda, pois como observa Koch (1997:20), "Na atividade de produção textual,
social individual, alteridade, subjetividade, cognitivo/discursivo coexistem e condicionam-se
mutuamente, sendo responsáveis, em seu conjunto, pela ação dos sujeitos empenhados nos
jogos de atuação comunicativa ou sócio - interativa".
Direcionei, então, minha pesquisa para uma análise da produção textual do sujeito
surdo, reexaminando os dados e construindo reflexões, no próprio percurso do trabalho. Com
base nas análises das redações, espero que esta reflexão contribua para que os professores
reconheçam o sentido no texto de seus alunos surdos e possam refletir sobre seu próprio
trabalho.
O presente estudo foi organizado da seguinte maneira: - no primeiro capítulo, teço
considerações sobre o aspecto normatizador da escola, no qual discuto os desafios atuais da
educação dos surdos, e sobre a questão da linguagem, tomando como referencial algumas
contribuições de Vigotsky e Bakhtin; no segundo capítulo, procuro aprofundar as questões da
linguagem escrita do sujeito surdo no cenário atual, fazendo também uma reflexão sobre os
aspectos coesivos, baseada na concepção teórica de Koch; no terceiro capítulo, apresento as
considerações metodológicas, com as descrições dos principais aspectos de estudo de campo;
no quarto capítulo, aponto a análise dos dados, observando os aspectos coesivos nas redações
dos surdos, e qual o sentido que é dado a produção escrita; nas considerações finais,
16. 14
apresento as considerações finais, com uma reflexão sobre pontos em aberto pelas análises,
enfatizando o trabalho com a segunda língua.
17. 15
CAPÍTULO 1
A EDUCAÇÃO DOS SURDOS E QUESTÕES DE LINGUAGEM
A pedagogia que me toca é a
pedagogia que escuta, provoca e vive a
difícil experiência da liberdade,
reconhecendo que há também uma
distorção, o autoritarismo. Minha opção
é por uma pedagogia livre para a
liberdade, brigando contra a concepção
autoritária de Estado, de sociedade
Paulo Freire
18. 16
CAPÍTULO 1
A EDUCAÇÃO DOS SURDOS E QUESTÕES DE LINGUAGEM
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A pesquisa sobre a educação dos surdos vem tomando um espaço cada vez maior nas
reflexões teóricas dos que trabalham com o sujeito surdo. Encontro-me, há anos, realizando,
junto aos professores e alunos surdos da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, um
trabalho de coordenação e orientação, onde a ação pedagógica se faz presente a todo
momento.
Durante muitos anos, estive inserida na proposta educacional dos sujeitos surdos, na
qual a dicotomia entre o trabalho prático e as questões teóricas sempre me inquietou.
Constantemente estive voltada para a grande dificuldade dos surdos em construir
conhecimentos no interstício entre a Língua Portuguesa e a LIBRAS1
, nas instituições
escolares.
Convivo há anos com os anseios dos professores em lidar com o ensino da Língua
Portuguesa em sala de aula e as dificuldade encontradas na escrita e leitura pelo surdo acabam
por gerar grandes entraves no processo educativo.
As idéias predominantes entre pesquisadores, isto é, que a educação dos surdos
fracassa pela falta de significados de sua língua, o que gera, em larga escala, um
analfabetismo, e que existe uma mínima proporção de surdos que chega ao ensino superior,
faltando-lhes qualificação profissional, são na verdade, questões decorrentes do
engendramento das relações de poder e conhecimento de ouvintes presentes nas instituições
educacionais, por meio de práticas ouvintististas. Por ouvintismo e suas derivações
ouvintização , ouvintistas, etc, Skliar (1999:7) explica que “ sugerem uma forma particular e
específica de colonização dos ouvintes sobre os surdos. Supõem representações práticas de
1
Língua brasileira de sinais, segundo a Federação Nacional de Educação de Surdos (FENEIS) – Denominação
estabelecida em Assembléia, convocada pela FENEIS, em outubro de 1993, tendo sido adotada pela World Fed.
Ass. of Deaf e pelo MEC.
19. 17
significações, dispositivos pedagógicos, etc., em que os surdos são vistos como sujeitos
inferiores, primitivos, incompletos”.
Em relação às idéias citadas , e nos estudos atuais sobre a surdez, as significações do
que se denomina oralismo e ouvintismo, não se referem às mesmas questões. As práticas
oralistas se fundem no discurso clínico sobre a surdez, sendo que a ênfase dada à oralização,
centra-se na fala, com o propósito de se normatizar as crianças surdas para, pretensamente
integrá-las à comunidade ouvinte. Embora não sendo sinônimas, as duas práticas, o oralismo e
o ouvintismo, interrelacionam-se, porque se constituem como relações de poder e trazem no
seu “cerne”, o interesse em legitimar e centralizar as decisões que norteiam a educação dos
surdos. Portanto, o processo de escolarização dos surdos no contexto atual, reflete uma escola
normatizadora, atendendo aos princípios legais de uma legislação excludente.
1.2 DA ESCOLA NORMATIZADORA AOS DESAFIOS ATUAIS
Atualmente tem-se falado muito em mudanças educacionais dos surdos. Repensar esta
proposta, na verdade, é uma tarefa desafiadora. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB
– Lei 9394/1996), em seu artigo 58, capítulo V, define a Educação Especial “como
modalidade escolar para educandos portadores de necessidades especiais, preferencialmente
na rede regular de ensino. (...) Estabelece também que os sistemas de ensino deverão
assegurar, entre outras coisas, professores especializados ou devidamente capacitados para
atuar com qualquer ‘pessoa especial’ em sala de aula. Admite também que, nos casos em que
necessidades especiais do aluno impeçam que se desenvolva satisfatoriamente nas classes
existentes, este teria o direito de ser educado em classe ou serviço especializado.” (Souza,
R.M. & Góes, M.C. 1999:171).
Em relação à Educação Especial, os discursos atuais evidenciam uma urgência em
incluir qualquer aluno, independente de sua singularidade (surdo, cego, paralisado cerebral,
etc) na escola regular. O argumento mais invocado é a Declaração de Salamanca junto com
mais 87 outros governos. Na verdade, o que fica no esquecimento é o que diz seu artigo 19,
assumido pelos nossos órgãos oficiais: “Políticas educacionais deveriam levar em total
20. 18
consideração as diferenças e situações individuais. A importância da linguagem de sinais
como meio de comunicação entre surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida”.
O fato é que os órgãos governamentais legitimam o compromisso com a inclusão
social, mas não provém de recursos para o atendimento educacional das escolas públicas. O
caso do uso da língua de sinais pelo surdo é um exemplo significativo, pois afirma-lhes o
direito de uso, mas há apenas uma recomendação para que pais, professores aprendam essa
língua. Ou seja, como cita Souza & Góes (1999:171), “o surdo pode ser bilíngüe por conta de
suas próprias experiências, mas o ensino pode ou não se fundar na concepção bilíngüe da
pessoa surda”.
Outra consideração importante em relação à Educação Especial, em que as
pesquisadoras citadas fazem menção à Declaração de Salamanca em seu artigo 19 enfatiza
que:
... a educação especial deveria ser escrita ela também em um
movimento transformador, e oportuno, da educação como um
todo, transformado por dentro, não seria assimilada pela
educação comum, nem reduzida a um depósito de vidas
improdutivas. (...) Portanto não se trata de optar pela inclusão na
escola regular atual, ou pela escola especial atual. Trata-se na
verdade de compor alternativas institucionais que sugerem essa
formula simplificadora ( ainda que cheia de controvérsias) de
configurar o problema. (pág.176).
Decorre dessas afirmações que, a inclusão do aluno surdo, não deve se norteada pela
igualdade em relação ao ouvinte, e sim em suas diferenças sócio-histórico-culturais, às quais
o ensino se ancore em fundamentos lingüísticos, pedagógicos, políticos, históricos, implícitos
nas novas definições e representações sobre a surdez. Em outras palavras, que cumpra a
proposta de Salamanca e que seja estabelecida uma educação bilingüe para surdos,
politicamente construída quanto sócio lingüisticamente justificada. Portanto, que se tenha um
currículo em sinais e uma pedagogia centrada no ensino da escrita, no caso dos surdos
brasileiros o português. Todavia selecionar uma língua, traz uma série de tensões,
principalmente por se inscreverem um grupo majoritário de ouvintes, a um outro grupo
minoritário daqueles que não ouvem. A escola ao considerar o surdo como ouvinte, numa
21. 19
lógica de igualdade lida com a pluralidade desses sujeitos de uma forma contraditória, ou seja,
nega-lhe sua singularidade de indivíduo surdo. Tais inconsistências reivindicam uma revisão
educacional, que trace uma nova visão curricular com base no próprio surdo. Em relação à
polêmica discussão acerca da educação dos surdos, configura-se a questão curricular, pois as
escolas encontram-se atreladas a uma ideologia oralista, conveniente aos padrões dos órgãos
de poder. Lunardi coloca esta questão da seguinte maneira:
Como política curricular, como macrodiscurso, o
currículo tanto expressa as visões e os significados do projeto
dominante quanto ajuda a reforçá-las, a dar-lhes legitimidade e
autoridade. Como microtexto, como prática de significação em
sala de aula, o currículo tanto expressa essas visões e
significados quanto contribui para formar as identidades sociais
que lhes sejam convenientes. (Silva In: Lunardi, 1998: 8)
Quando se discute as questões curriculares, dentro das instituições educacionais, tanto
regulares ou especiais, nunca estão presentes os atores do cenário da discussão. O grupo de
pessoas nunca se faz representar em sua plenitude. Ou seja, ele é sempre constituído por
sujeitos que primam pelos "padrões normais", o ouvinte, letrado, branco, sem ser convidado o
surdo, o índio, o negro.
Nesse cenário, tem-se a fabricação de um currículo que reflete uma forma hegemônica
de representar esses sujeitos, nos espaços escolares e fora deles, criando tensões entre os
grupos. No caso da educação dos surdos, o currículo faz parte de práticas educativas e é efeito
de um discurso dominante nas concepções pedagógicas dos ouvintes. Estas ações
materializam-se na afirmação que o currículo é um espaço contestado de relações de
poder/saber, o que significa dizer que nas práticas escolares, estas questões estão literalmente
veiculadas, não sobre uma oposição, mas em uma ordem necessária, como afirma Mc. Laren
(1997), " não é a escola que reflete a ideologia dominante, mas a constitui".
Esse modo de entender a educação dos surdos por intermédio de um viés logocêntrico
provoca uma rede de lutas e de conflitos nos contextos social e educacional e um afastamento
curricular relacionado a técnicas e metodologias, por conta das ambigüidades existentes nos
textos dos surdos. O que a escola discute atualmente, por meio de seu currículo, é como se
22. 20
organizam os saberes e o conhecimento dentro do espaço escolar para se ter uma educação de
qualidade. Mas, para que estas questões passem a ser legítimas, é necessário ir além delas,
olhando o currículo não apenas como organização de conteúdos, pois a educação não é
politicamente opaca, nem neutra em seus valores. Com um olhar mais atento, verifica-se que o
currículo é uma arena de lutas e conflitos na compreensão do papel da escola em uma
sociedade fragmentada do ponto de vista racial, étnico e lingüísticamente. É preciso, neste
contexto, assumir uma perspectiva sociolingüística/antropológica na educação dos surdos,
dentro a instituição escolar, considerando a condição bilingüe do sujeito surdo.
Entretanto, nessa discussão, vale reconhecer que não se trata de optar pela inclusão, ou não,
na escola regular ou especial, do sujeito surdo, mas sim chamar a atenção para as alternativas
simplificadas às quais esses sujeitos são expostos, em que as crises etnocentradas ainda se
fazem presentes por meio de uma política lingüística monolingüe. A falta de clareza de não
se ter uma política bilingüe no trabalho pedagógico, acaba por negligenciar o papel central da
lingua(gem) em relação ao conhecimento e à subjetividade da criança.
O propósito, nessa discussão, em dar ênfase à reflexão sobre uma Nova Escola,
ancora-se nas questões em que considera a língua viva, e marcada por muitas vozes, ou seja,
de uma classe que controla o ensino, numa relação de poder e de assujeitamento do indivíduo.
Sendo a língua(gem) uma função cognitiva privilegiada por sua natureza auto-reflexiva e
mediadora, que se constitui na relação com o mundo social (Morato, 1996:31), há de se
considerar como essencial na educação dos surdos a transformação de uma política
pedagógica crítica por meio do ensino bilingüe. A desconsideração por parte da instituição
escolar em relação à questão lingüística desses sujeitos, provém de um "ensino" que privilegia
a língua majoritária, mediante saberes e poderes instaurados nas representações e significações
dos ouvintes, sobre a surdez e os sujeitos surdos.
Em relação às proposições de uma escola normatizadora, tendo em vista os desafios
atuais, as questões refletidas poderão ser reavaliadas por meio de uma política crítica
curricular, e efeitos transformadores serão obtidos mediante uma mudança da prática
pedagógica. Nesse sentido, os estudos sobre a surdez, ou seja, sobre uma "escola nova
possível" podem ser investigados por meio de um conjunto de concepções lingüísticas,
23. 21
culturais, comunitárias e de identidades que definem uma proximidade e não uma "forma" de
aproximação com os discursos sobre a surdez.
O problema apresentado na presente pesquisa insere-se nessa lógica de uma “educação
possível”, ou seja, de uma “nova escola”. A discussão a ser destacada problematiza a escrita
do sujeito surdo no âmbito educacional e como são consideradas as produções textuais desses
sujeitos, tomando como base a língua de sinais.
Para fundamentar a concepção de língua(gem) procuro, no próximo tópico, discutir os
postulados vygostkianos e bakhtinianos, chamando a atenção para a compreensão daquilo que
é primordial: assumir uma concepção de língua(gem) nos estudos sobre a surdez.
1.3 AS QUESTÕES DA LINGUAGEM E AS CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY E
BAKHTIN.
Recorrendo aos fundamentos da abordagem histórico-cultural, estarei, nesse momento,
olhando o indivíduo surdo como sujeito que se constitui nas relações sociais, assumindo com
Morato (1996:20) “que o cerne da concepção da linguagem é sua atividade constitutiva do
sujeito”.
Tomando - se por base este propósito, busco contribuições em Vygotsky e Bakhtin e
outros autores que se aproximam da abordagem sócio-histórica, destacando pontos mais
próximos dos estudos em relação ao objeto de pesquisa. Embora esses pesquisadores estejam
inscritos em postos de observações diferentes, não são antagônicos e suas contribuições vêm
ao encontro desse estudo. Vygotsky deteve-se em estudar a natureza da gênese e processos
sociais humanos; Bakhtin, em depurar e propor uma teoria de linguagem vinculada à
constituição da subjetividade humana.
Vygotsky desenvolveu seus trabalhos no período de 1924 a 1934, tendo, inicialmente,
o propósito de elaborar uma psicologia baseada nas idéias marxistas. O mestre bielorusso
começa seus trabalhos em psicologia, opondo-se às duas correntes da época: o behaviorismo,
que não considera os aspectos da “consciência humana”, mas apenas as funções mentais
24. 22
inferiores, e o idealismo, que tem como metodologia a introspeção e limitava-se a descrever os
fenômenos psíquicos sem explicá-los. Esse autor passa, então, a pesquisar a relação entre
pensamento, linguagem e suas origens.
A concepção histórico – cultural, discutindo questões referentes aos trabalhos de
Vygotsky, reserva à linguagem um papel constitutivo, central, presente no desenvolvimento
psicológico. Daí, a importância desse referencial para este trabalho. Segundo Vygotsky
(1989), é por meio da linguagem que o sujeito ingressa em uma sociedade, internaliza
conhecimento e modos de ação, organiza e estrutura seu pensamento. Nesse sentido, o signo é
considerado como fruto da necessidade de organização social, e transforma-se juntamente com
a evolução da sociedade.
Bakhtin, por sua vez, propõe uma teoria acerca da linguagem vinculada à constituição
da subjetividade e da consciência humana, opondo-se a correntes vigentes naquela época: o
objetivismo abstrato e o subjetivismo idealista. Seus estudos trazem à tona uma clara noção da
relação dialética entre ideologia e psiquismo, mostrando, assim, que o indivíduo é formado a
partir do contexto ideológico ao qual ele está exposto. O autor aborda, também, o papel do
meio social e da língua, e a importância das interações verbais, postulando a “dialogia” como
núcleo que as fundamenta e enfatizando sua importância na construção da consciência
humana. Ao se referir à dialogia, ele afirma “que não basta a presença física de dois seres
humanos para que a palavra ganhe vida no diálogo; é indispensável que o locutor e o ouvinte
pertençam à mesma comunidade lingüística, a uma sociedade organizada, sendo indispensável
que estes dois indivíduos estejam integrados na unicidade da situação social, ou seja, que
tenham uma relação de pessoa para pessoa, bem determinada, definida”. Bakhtin (1992).
Conforme afirma Souza & Góes (1997:22), “o terreno lingüístico que o autor nos fala, é a
partilha de um sistema lingüístico comum”.
Segundo as autoras citadas, isto não significa que a língua se caracterize como um
código transparente, mas que ela oferece sistematicidades, a partir das quais o trabalho dos
sujeitos tece sentidos sempre únicos em cada situação dialógica. Bakhtin aborda as diferenças
culturais que são refletidas nas línguas e as conseqüências que existem em relação às classes
menos privilegiadas. Finalmente, defende a necessidade de estudar os aspectos lingüísticos a
25. 23
partir dos diálogos em seu contexto social, pois de acordo com sua proposta teórica, é apenas
através desse contexto social que as palavras ganham sentido.
Os dois estudiosos, no início de seus trabalhos, rompem com o objetivismo e
subjetivismo da época, sendo que Vygotsky o faz, através da psicologia histórico-cultural, e
Bakhtin na área dos estudos da filosofia da linguagem. Ambos tecem suas teorizações com os
fios do materialismo dialético, compreendendo o homem como ser histórico conferindo à
linguagem um lugar central na constituição da consciência.
Bakhtin, por sua vez, ao criticar o subjetivismo idealista aponta que o objeto de estudo
desta concepção “é o ato da fala”, visto como algo que é produzido individualmente pelo
falante, segundo as leis de uma psicologia individualista.
O pesquisador opta por um caminho diferente; ao invés de privilegiar a “langue” como
fez Sassure2
, seus elementos possíveis de formação e repetição, tomou como objeto de análise
a “heterogeneidade da “parole”, a complexidade “dos múltiplos modos de ocorrência da
linguagem que engendram sentidos novos e não repetíveis” (Bakhtin, 1992: 35). Entretanto,
quando o autor fala de “múltiplos modos de ocorrência que acontecem através da linguagem”
(Bakhtin, 1992:36), ele situa este fenômeno na interação verbal, mas que a mesma necessita da
presença de um locutor, de um interlocutor, em uma situação social dada, em contexto
historicamente determinado, e um objeto de discurso.
Por isso é que não basta que dois indivíduos se encontrem para que a palavra ou o
signo se constitua. É necessário que pertençam a uma mesma comunidade lingüística, a um
grupo de pessoas com alguma organização social, ou que formem uma unidade social. Para o
pesquisador russo, a palavra, como fenômeno social, liga-se às condições e às formas de
comunicação social, condicionada pela organização social na qual a interação acontece,
trazendo marcas sociais, e se desdobrando entre seus usuários, tornando-se plurivalente e
aberta para evoluir.
2
O termo social utilizado por Sassure se refere apenas a condição de a lingua ser compartilhada por toda a
comunidade lingüística, não tendo o indivíduo condições de modificá-la.
26. 24
As diferentes sociedades criam especificidades lingüísticas de acordo com suas
necessidades. Por exemplo, de acordo com Goldfeld (1997:49), “os índios que vivem na selva
nomeiam a cor verde de diversos nomes, dependendo da tonalidade; os esquimós possuem
diversas palavras para denominar a cor branca da água, em estado sólido”. A realidade sócio -
histórica e a língua constituem num mesmo momento dialético a consciência individual e
social de uma comunidade. Por exemplo, crianças de classe média ou baixa percebem com
muita naturalidade o uso da comunicação através de um aparelho de TV, como se esse fosse
parte de um lazer indispensável em suas vidas. A forma de comunicar e o valor que é atribuído
à mensagem são determinados pelo momento sócio - histórico em que estão inseridos.
Para Bakhtin (1992), os valores sociais, a ideologia3
, as características singulares dos
sujeitos não se separam, e os signos agem como mediadores desta relação, uma vez que não é
a realidade material que é internalizada pelo homem, e sim o material semiótico. Ao afirmar
que sem o signo não há consciência4
, Bakhtin, revela a importância dada à linguagem e à
semiótica na constituição da subjetividade. Por isso, importa desnudar a relação da linguagem
na comunicação verbal concreta e socialmente determinada. Ao atribuir tal importância à
linguagem e ao signo lingüístico, o autor afirma:
Os signos só emergem, decididamente, do processo de
interação entre uma consciência individual e outra. E a própria
consciência individual está repleta de signos. A consciência só
se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico
(semiótico) e consequentemente, somente no processo de
interação verbal. (...) todo fenômeno que funciona como sujeito
ideológico tem uma encarnação material, seja com o som, massa
física, cor, movimentos do corpo ou outra coisa qualquer”
(Bakhtin,1992:34)
3
Espaço de contradição e não de ocultamento. Um produto ideológico faz parte de uma realidade, portanto a
ideologia é uma forma de representação do real (B.M. Volochinov, 1992: 31)
4
Para Bakhtin a consciência individual nada pode explicar, a única definição possível é de ordem sociológica. A
consciência, assim não deriva diretamente da natureza como é vista pelo materialismo mecanicista e pela
psicologia objetivista, nem a ideologia deriva da consciência como quer o idealismo e a psicologia subjetivista
(B.M. Volochinov,1995:35)
27. 25
Bakhtin referencia um sujeito ativo configurado por uma ideologia e, como filósofo da
linguagem, procura desvelar e problematizar a linguagem, em situação de comunicação verbal
e social, concreta. Portanto, seu sujeito é participante, atuante, faz parte de uma cadeia viva de
enunciados, da qual é integrante e membro, ou seja, é sujeito da ação do outro. O sujeito
bakhtiniano faz parte de uma determinada classe social, que encontra, no uso da língua, lugar
responsivo integrado numa determinada coletividade organizada, possuindo, assim, espaço
para se compor como agente de transformação.
Sobre esse sujeito, Smolka & Góes (1993) e Pino (1990) realizam a seguinte reflexão
citada por Costa Val (1996:3): “o indivíduo se torna sujeito configurado pelo outro, pela
palavra, pelo discurso”. Essa compreensão não implica a negação da individualidade, nem da
criatividade subjetiva, ao contrário, reafirma o indivíduo em suas condições históricas,
culturais e ideológicas. “Só a localização histórica e social torna um homem real e determina o
conteúdo de sua criação pessoal e cultural” (Bakhtin, 1992:31). Desta noção de indivíduo
constituído historicamente, Costa Val afirma:
A noção de uma consciência individual, configurada na
e pela relação com o outro, povoada por muitas e diferentes
“vozes” ou palavras dos outros, abre para o sujeito a
possibilidade de uma constituição muito singular, como lugar
único de articulação de tais vozes. O sujeito povoado de outras
vozes emite sua própria voz no “coro” polifônico: conceito,
embora harmônico, caracterizado tanto por movimentos
sincrônicos, quanto por vozes distintivas, conflitivas e
dissonantes”. (Costa Val, 1984:3)
Para Bakhtin (1992:108), os “sujeitos não ‘adquirem’ sua língua materna; é nela, e por
meio dela, que ocorre o primeiro despertar da consciência”; e o processo pelo qual a criança
assimila sua língua materna é um processo de integração progressiva da criança na
comunicação verbal. À medida que esta integração se realiza sua consciência é formada e
adquire conteúdo.
28. 26
Citando Geraldi (1998),
... os recursos lingüísticos disponíveis pelo trabalho social e
histórico de produção de discursos constituem-se em ‘recursos’
para a produção de discursos contemporâneos, mas por esta
produção estes recursos não passam incólumes, como se
estivessem sendo usados. O trabalho contemporâneo, por seu
turno, se faz história e como história reinveste os signos
lingüísticos de novos significados, cria novos signos lingüísticos
para novas realidades sociais, rearticula as formas gramaticais
de estruturação de enunciados e produz novos gêneros de
discursos, já que a complexidade destes corresponde o das
relações sociais. ( Geraldi, 1998:51)
Voltemos às seguintes questões: os processos interativos produzem novos recursos e
elementos lingüísticos no contexto social. Por exemplo:
a) através de mudanças de significados e expressões; nesta perspectiva, os significados
de nossas falas somente se definem no contexto da situação em que elas ocorrem, porque seus
temas não são determinados somente pelas formas lingüísticas, mas também pelos elementos
não verbais presentes nas interações, em que os papéis de nossos interlocutores5
, o assunto, o
lugar de conversação, os outros sujeitos envolvidos, etc, estão em jogo.
No entanto, a radicalidade desta posição poderia levar a uma defesa de pontos que,
muitas vezes, não pode ser aceita. Parece-me compreensível que o significado único dos
nossos enunciados dependem sempre das situações, mas os recursos lingüísticos que usamos
nestes contextos trazem, em seu cerne, a história de seus usos anteriores, por isso, não fixa,
nem permite uma mobilidade estável. Observa-se, assim, que as línguas são quase - estruturas,
e seus elementos não têm relações biunívocas, correspondendo a cada recurso um significado,
sendo que as “expressões lingüísticas”, impregnadas de mudanças, variam muito seus
significados. Em razão disso, que a comunicação é possível, pois a língua fornece recursos
maleáveis, cuja compreensão não se dá pelo seu reconhecimento, mas pela articulação de seus
significados a cada diferente situação. Um exemplo interessante dessa situação pode ser
5
Uma pessoa muito próxima de nós, um amigo, um familiar, apenas um mero olhar ou uma só palavra podem
expressar inúmeros significados.
29. 27
encontrado nas gírias de jovens adolescentes. Barzotto (1997) analisa a incorporação, pelas
propagandas da revista Realidade [no período de 1966 a 1976], da linguagem da Jovem
Guarda, em que as palavras “morou?”, “brasa”, etc, têm significados totalmente diferentes
daqueles encontrados nos dicionários. Atualmente, o sujeito que utiliza esses termos
pertencentes à Jovem Guarda pode ser identificado como um indivíduo que pertenceu a esta
geração.
b) na criação de novos signos lingüísticos; interessante observar nesta área alguns
exemplos relacionados ao léxico na linguagem computacional: acessar, deletar, printar,
justificar; estes itens lexicais são novos na lingua portuguesa, mas já adquiriram “seu lugar”
garantido entre os usuários dos computadores.
c) na elaboração de novos gêneros;
Na verdade, os gêneros do discurso são relativamente estáveis e apresentam
determinadas formas composicionais. Em uma carta, por exemplo, espera-se uma saudação de
despedida, pois o sujeito que domina este tipo de gênero reconhece os elementos que
constituem essa forma composicional. Ao longo da história, as atividades vão se tornando
mais complexas e os gêneros discursivos saem selecionados e reestruturados em novos tipos.
A linguagem da propaganda é um exemplo típico, pois exige uma dinamicidade, com
elementos enfatizadores para uma leitura rápida, mas, ao mesmo tempo, produtiva. Neste
sentido, a propaganda bem sucedida é aquela que fixa no leitor o nome do produto da
propaganda.
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas
que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é
de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam
tão variados como as próprias esferas da atividade humana[...] O
enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de
cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e
por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos
da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais- mas
também, e sobretudo, por sua construção composicional .
(Bakhtin, 1992:179)
30. 28
Esses exemplos citados dão uma visão clara de como no processo interativo, ou seja,
através do uso da linguagem, vai-se reconstruindo os recursos lingüísticos que servem de base
aos sujeitos falantes. O que se pretende, por intermédio dessa reflexão, é mostrar como o
movimento dialético, reiteração/mudança, estabilidade/instabilidade, é constante na
constituição das línguas naturais.
Aceitando o ponto de vista bakhtiniano, mais uma vez reiteramos que a consciência se
constitui materialmente por meio dos signos, nos processos de interação social. Prosseguindo a
reflexão proposta, é possível realizarmos um encadeamento das idéias de Bakhtin sobre a
linguagem e os estudos realizados por Vygotsky sobre pensamento e linguagem, reafirmando
pontos essenciais, e concebendo a linguagem na constituição dos sujeitos, em suas relações
sociais.
A essência dos estudos de Vygotsky está na proposta de uma visão social da
linguagem, tanto na sua função, como em sua gênese. Embora suas idéias se reportem às
formas de comunicação e ao pensamento, em seus últimos trabalhos ele aponta para a idéia de
que o indivíduo não significa o mundo para representá-lo, mas sim, para construir sua própria
significação pela linguagem. Em seus trabalhos em psicologia, ele vincula a linguagem à
formação das funções psicológicas superiores, abordando-a nesse contexto como instrumento
no processo de trabalho ou, atividade consciente o que difere o homem dos demais animais.
Baseado nas idéias marxistas e hegelianas sobre o uso dos instrumentos, ele estende a noção
de mediação instrumental aplicando-a à “ferramentas psicológicas” (signos). Para ele, os
instrumentos são dirigidos ao mundo externo, conduzindo o homem para o objeto de sua
atividade, transformando a natureza, enquanto signo (ferramenta psicológica), além de
construir relação do homem com o outro, influi psicologicamente na conduta do próprio
sujeito, alterando-a e configurando-a como meio de atividade interna dirigida.
O mestre bielorusso aponta os signos como um fenômeno capaz de alterar por
completo o fluxo e a organização das funções psicológicas superiores, considerando que a
participação da linguagem em uma função psicológica é que causa uma transformação
fundamental nessa função. Sendo assim, os signos não são considerados como meramente
meios auxiliares que facilitam uma função psicológica superior existente, deixando-a
31. 29
qualitativamente inalterada, mas, ao contrário, os signos são capazes de transformar o
funcionamento mental. Para o autor “o desenvolvimento das funções mentais superiores não é
visto como algo linear, que sofre incrementos quantitativos, mas como processo que sofre
transformações qualitativamente associadas às mudanças nos signos” (Lacerda, 1996:65)
Assim, as formas de mediação permitem ao ser humano realizar operações mais complexas
sobre os objetos. Vygotsky (1993) vê o signo como um instrumento originalmente usado com
fins sociais, um instrumento para influir sobre os demais, e que só mais tarde se converte em
instrumento para influir sobre si mesmo. Com base nesses pressupostos desse contexto,
Vygotsky aponta a linguagem como a ferramenta psicológica mais importante do
desenvolvimento psicológico; a mesma tem como função principal a comunicação social e o
contato entre os sujeitos, tanto adultos como crianças, enfim, a influência entre indivíduos que
estão em uma mesma esfera social. Sendo assim, entende-se que os instrumentos de mediação
se formam de acordo com as demandas da comunicação. No entanto, as afirmações de
Vygotsky sobre a mediação semiótica passaram por várias transformações.
As formulações iniciais remetem às categorias do ato
instrumental, estímulo auxiliar, parcialmente emprestados da
reflexologia da época. A noção de signo-instrumento apoia os
estudos de “dupla estimulação”, em que o sujeito é exposto ao
estímulo-tarefa e a um recurso semiótico auxiliar (daí o caráter
“duplo”da estimulação). Depois, a alusão às categorias de
estímulo e resposta vai sendo abandonada, em, decorrência de
mudanças na noção de mediação. O caráter mediador deixa de
ser interpretado em termos da participação de um “estímulo a
mais” (ainda que fundamental) (Góes, 1994:94).
Vygotsky, em seu artigo Pensamento e Palavra, avança no sentido de perceber que,
além da instrumentalidade, a palavra é sentido/significação, anunciando aspectos que hoje se
configuram como discursividade. Enfatiza, também, o estudo da formação dos significados
das palavras, considerando-a como um “microcosmo”. De acordo com a citação acima, o que
se observa é o fato de a linguagem passar de uma instância de significação a outra na relação
dos sujeitos com outras culturas. A noção de instrumento “cognitivo ou comunicativo” evolui
32. 30
e o autor busca explicar a formação da consciência através do papel que a palavra exerce
sobre ela.
A consciência está refletida na palavra como o sol numa
gota d’água. A palavra é um microcosmo da consciência, é
relacionada à consciência como uma célula viva a um
organismo, como um átomo ao cosmos. (Vygotsky, 1989:285).
Esta afirmação traz a idéia de que a relação dos sujeitos consigo mesmos é mediada
pelo signo, não sendo portanto, direta. Alguns pesquisadores tem fundamentado suas
pesquisas nas idéias de Vygotsky e atribuem à linguagem lugar central em seus construtos
teóricos. Por exemplo, Smolka (1993):
... uma característica fundamental (da linguagem) é a
reflexividade isto é, a propriedade/ possibilidade que a
linguagem apresenta de remeter a si mesma. Ou seja, fala-se da
linguagem com e pela linguagem. Ainda, o homem fala de si,
(re) conhece-se, volta-se sobre si mesmo pela linguagem, a qual
pode falar de seu próprio acontecimento.[...] usamos a
língua/linguagem para configurar, estudar, analisar a própria
atividade na qual estamos imersos, da qual não podemos
desprender e que circunscrevemos como objeto de estudo. Se é
possível um certo distanciamento, se a reflexividade é possível,
não podemos nos situar “fora” da linguagem. Mais do que
objeto e meio/modo de abordagem, a linguagem é constitutiva
dos processos cognitivos e do próprio conhecimento, ima vez
que a apropriação social da linguagem, é condição fundamental
do desenvolvimento mental. Isso permite conceber a linguagem
como condição de cognição, e leva-nos a indagar sobre a
linguagem como origem da conduta simbólica. (Smolka,
1993:41-42).
Assim, os indivíduos de uma mesma cultura partilham de um sistema de signos, ou
seja, a mesma língua, permitindo que eles interajam entre si. Essa língua, esses signos, ou
palavras, têm um significado mais ou menos comum para os membros dessa comunidade, mas
teriam sentidos diferentes de pessoa para pessoa. Por exemplo, quando se fala “família”,
todos tem em mente um significado razoavelmente comum. Contudo, para cada membro dessa
comunidade esse mesmo significado pode suscitar diferentes fatos psicológicos em relação à
33. 31
situação familiar. Alguém pode, pensando em família associá-la com desunião, solidão,
separação, brigas, segundo suas referências em relação a suas experiências. Assim, ao
significado “família” podem ser atribuídos múltiplos sentidos que tornam as interlocuções
ricas em trocas, não completamente transparentes. Em suma, aquilo que é falado, pensado pelo
indivíduo e generalizado pelos outros em diferentes situações, gera a construção de conceitos,
que serão resignificados nas novas experiências desses indivíduos.
Entretanto, esses processos geram um continuum de transformações e
desenvolvimentos, pois os indivíduos se transformam, por meio dos conhecimentos
construídos, em seu modo de lidar com o mundo e com a cultura. A linguagem é a chave para
a compreensão do modo pelo qual ocorre o processo de construção e desenvolvimento do
conhecimento por meio dos conceitos. E, na concepção de Vygotsky o estudo dos diferentes
sentidos atribuídos a palavra é o caminho para a realização concreta da compreensão de
relação pensamento/linguagem.
Importa observar conforme Morato (1996:45) a forma como Vygotsky postula a
linguagem, não inserindo-a apenas como forma de comunicação, mas como uma função
reguladora do pensamento. Seu conceito de fala, refere-se à linguagem em ação, a produção
lingüística do falante do discurso. Ao referir-se à fala, o autor a divide em três tipos: a
comunicativa , a egocêntrica e a interior. Assim, em seus estudos sobre pensamento e
linguagem, o autor afirma que na fase inicial da vida do bebê, estas funções se encontram
dissociados e tem raízes genéticas distintas. Pode-se afirmar através de uma perspectiva
vygotskyana que nos momentos iniciais de vida, o bebê possui apenas reações instintivas.
Quando ele chora, balbucia ou tenta apanhar objetos, sua mãe cria um significado para estes
atos. Por exemplo: quando o bebê chora, a mãe amamenta-o, criando assim um significado de
fome para o choro do bebê, o que na verdade é um reflexo desencadeado pela situação
fisiológica da criança. Diante de tais elementos significativos que a mãe confere, a criança
começa a compartilhar desses significados; assim todas as sua ações, como o choro, o
balbucio, passam a ter uma função comunicativa para a criança. Estas ações, resignificadas
pela mãe, marcam um início dos processos mentais possibilitando as formas de raciocínio
desenvolvidas através da linguagem. A partir da fala do adulto e de todos os outros inseridos
34. 32
na comunidade, a criança começa a desenvolver sua própria fala desenvolvendo a
comunicação da criança, favorecendo-a no seu desenvolvimento intelectual, ajudando-a nas
tarefas que não realiza sozinha. Vygotsky configura esse momento como o início do
desenvolvimento cognitivo (interpsíquico), surgido na relação entre o psiquismo do adulto e
da criança.
A etapa seguinte do desenvolvimento, deriva da diferenciação das funções da fala
exterior em fala social e fala egocêntrica. Para Vygotsky, a criança começa a utilizar a fala
social com fins de comunicação por volta dos dois anos de idade. Entretanto, esta mesma fala
se desenvolve de duas maneiras; em relação a estruturas lingüísticas utilizadas na
comunicação, e em relação a sua internalização, ou seja, a criança passa a substituir a fala do
adulto na sua própria fala.
Nessa mesma direção, ao observarmos crianças, na faixa etária entre dois a seis anos,
podemos encontrá-las brincando e falando sozinhas. É o que se costuma chamar de fala
egocêntrica, termo empregado primeiro por Piaget e retornado e discutido por Vygotsky. Dá-
se o início da função cognitiva da linguagem em nível intrapsíquico. Nesse momento, os
fenômenos, pensamento e linguagem passam a ser interdependentes, possibilitando a criança,
através da linguagem, organizar o pensamento, ou seja, “pensar consigo mesma”. Sabe-se que,
no início da fala egocêntrica, sua estrutura assemelha-se à fala social, e seu desenvolvimento
se modifica. Por exemplo: sua estrutura gramatical se torna gradativamente diferente,
abreviada, já que o interlocutor da criança é ela mesma, não havendo necessidade de ela
explicitar todos os significados da palavra. A fala egocêntrica adquire tendências predicativas
sendo que o sujeito não precisa ser mencionado. Durante esse processo em que a criança é
envolvida em uma atividade, ela ainda utiliza a fala relativa à ação. A ação passa a ser
dominada e a fala refere-se àquilo que já foi feito. Quando a fala se desenvolve, ela passa a
ocupar o meio da atividade até anteceder a ela, surgindo, assim, a fala como função
planejadora, sendo a ação dirigida pela fala. A criança então passa a planejar conscientemente,
através da fala, suas próximas ações. Com o desenvolvimento da criança, ela passa a utilizar
menos a fala egocêntrica, pois está interiorizando-se; com a evolução da fala interior, a criança
organiza suas atividades, planejado-as internamente, utilizando o pensamento verbal.
35. 33
Por meio de suas próprias leis gramaticais, sua sintaxe, a fala interior gera uma cadeia
de significados, e o aspecto fonético adquire um aspecto secundário, sem importância. A
aquisição da linguagem dentro da abordagem vygotskiana, segue a orientação do exterior para
o interior, passando de social, a comunicativa, à fala egocêntrica até se tornar a principal
forma de se pensar por meio da fala, ou seja, por intermédio do pensamento lingüístico.
Nessa perspectiva, a gênese da linguagem é vista como um processo gradual de
construção através do qual a criança vai pouco a pouco assumindo papéis dialógicos
desempenhados pelo adulto e, portanto, convertendo o discurso do outro em discurso próprio.
Na abordagem sócio – cultural em psicologia, seus defensores conferem à linguagem
não apenas uma função comunicativa, mas também organizadora e planejadora do
pensamento. A aquisição da linguagem interfere e muda qualitativamente o desenvolvimento
cognitivo da criança. As funções mentais inferiores, tais como a percepção natural, a atenção
involuntária, a memória natural, transformam-se em funções mediadas. Assim, a cognição
passa a ser determinada pela linguagem.
Mas especificamente no que diz respeito à criança surda, Vygotsky, em seus textos
intitulados "Fundamentos da Defectologia" (1989) aponta mudanças na sua maneira de
pensar o desenvolvimento da criança, que é vista, em conseqüência do seu contato com esses
sujeitos, em seu processo de aprendizagem. Em seu texto inicial, "Princípios da educação
social para crianças surdas" (1925), ele se apresenta favorável à oralização. Neste momento
dos seus construtos teóricos, ao se referir à educação dos surdos, ele afirma que a mesma deve
se iniciar desde a pré - escola, pois isto seria uma forma de estímulo para o surdo incorporar-se
à linguagem oral do ouvinte.
Em torno de 1931, o pesquisador publicou o texto "O Coletivo como fator no
desenvolvimento da criança anormal", e faz uma revisão da relação entre os diferentes
tipos de linguagens do surdo, destacando a mímica (como se referia à Língua de Sinais, pois
ela ainda não tinha esta denominação), e propõe, ainda, poliglossia, ou seja, a utilização de
múltiplos recursos para que o surdo tenha acesso à linguagem. Percebe-se, desse modo, que
ele já não defendia mais o método oral e sim sua substituição. Assim, ele afirmava:
36. 34
A linguagem devora como parasita todos os demais
aspectos da educação, se converte em objetivo próprio, por isto
perde sua vitalidade, a criança surda (...) aprende a falar, a
utilizar a linguagem como um meio de comunicação do
pensamento (...) A luta da linguagem oral contra a mímica,
apesar de todas as boas intenções dos pedagogos, como regra
geral, sempre termina com a vitória da mímica, não porque
precisamente a mímica, desde o ponto de vista psicológico, seja
a linguagem verdadeira do surdo, nem porque a mímica seja
mais fácil, como dizem muitos pedagogos, mas sim, porque a
mímica é uma linguagem verdadeira cheia de riquezas e de sua
importância funcional e a pronúncia oral das palavras, formadas
artificialmente, está desprovida da riqueza vital é só uma cópia
sem vida da linguagem viva. (Vygotsky,1989:190)
Vygotsky, em dado momento de seus estudos, pensou que a educação dos surdos
deveria estar voltada exclusivamente para uma educação social, ou seja, inserindo esse
indivíduo na sociedade, devido às experiências lingüísticas dessas crianças . Só mais tarde
percebeu que esta inserção ficaria prejudicada se não fosse dado um lugar básico ao
desenvolvimento lingüístico desses sujeitos, premissa psicológica fundamental, tendo como
solução a utilização da Língua de Sinais.
No conjunto das análises de Vygotsky, pode-se constatar mudanças nas convicções do
autor. Para ele, "os sinais passam a ser uma instância da linguagem, já que esta pode se
realizar sob forma não vocal” (Góes, 1994:100). A autora ainda afirma que “as análises da
atribuição do estatuto da língua de sinais, e as proposições daí decorrentes, são sistematizadas
na literatura a partir da década de 60, e não é explorada a participação dos sinais no
desenvolvimento psicológico, e as proposições educacionais permanecem orientadas ao
propósito primordial de propiciar ao surdo o domínio da língua falada” (Góes, 1994:100).
Vygotsky também aponta que não existe uma psicologia específica para os casos de
deficiência e sim particularidades que deverão ser investigadas no desenvolvimento
educacional desses sujeitos. Nesse aspecto, percebe-se através dos pressupostos vygotskyanos,
que o professor que trabalha com deficiência deve estar atuando através da “zona de
desenvolvimento proximal”, ou seja, interatuando em um contexto de construções, em que se
possa buscar caminhos para uma educação de qualidade.
37. 35
Nesta mesma lógica, especialmente no caso das deficiências sensoriais, é a partir da
linguagem de sinais que o sujeito surdo irá construir significados para sua aprendizagem.
Importa também mencionar a questão da plasticidade do funcionamento mental humano, que
objetiva mostrar que as leis de desenvolvimento de crianças normais e de deficientes são as
mesmas, e a presença de um déficit, não significa uma patologia. De fato, para se chegar a
alguma proposta pedagógica, deve-se conhecer a lei da transformação do “menos” da
deficiência para o “mais” da compensação que proporciona a chave para chegar a essa
peculiaridade (Vygotsky, 1989c). Poder-se-ia dizer que esta visão aponta para a importância
da língua de sinais, nas interações ou nas relações sociais para a construção da subjetividade
do sujeito surdo.
Com base nas discussões apresentadas, observa-se que Vygotsky e Bakhtin transitam
por caminhos diferentes, mas possuem similaridades em seus pressupostos filosóficos e
lingüísticos.
Bakhtin e Vygotsky apontam a necessidade de uma nova postura pedagógica, enquanto
nos orientam para uma concepção de lingua(gem) do surdo: o seu uso e o lugar de construção
dos recursos lingüísticos.
Em relação à prática, temos a língua de sinais, como língua “natural” responsável pela
mediação e resignificando a construção do trabalho com a segunda língua , a escrita do
português. Muitos pesquisadores, já apontam que não se pode ser ingênuo em relação ao
sujeito surdo, considerando que a língua de sinais resolvera todos os problemas que
encontramos em sala de aula (ver Souza & Góes, 1996 e Skliar, 1997). Portanto dentro dessa
lógica, é necessário assumir uma dimensão sócio-política-antropológica na educação dos
surdos, entendendo que a Libras não seja apenas tolerada, e que a fala não seja seu objetivo
principal na instituição escolar. O ideal seria que houvesse uma linguagem comum entre
professor e aluno.
38. 36
CAPÍTULO 2
LINGUA(GEM) ESCRITA DO SUJEITO SURDO: O SEU USO
COMO LUGAR DE CONSTRUÇÃO DOS RECURSOS LINGÜÍSTICOS
Então escrever é modo de quem
tem a palavra como isca: a palavra
pescando o que não é palavra.
Quando essa não palavra morde a isca,
alguma coisa se escreveu. Uma vez que
se pescou a entrelinha, podia-se com
alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa
a analogia: a não palavra, ao morder a
isca, incorporou. O que se salva então é
ler “distraidamente”.
Clarisce Lispector
39. 37
CAPÍTULO 2
LINGUA(GEM) ESCRITA DO SUJEITO SURDO: O SEU USO COMO
LUGAR DE CONSTRUÇÃO DOS RECURSOS LINGÜÍSTICOS
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presente pesquisa trata da questão da lingua(gem) escrita do sujeito surdo. São
abordadas algumas questões relativas à escrita desses sujeitos no contexto escolar, partindo da
hipótese de que a Língua de Sinais é a língua natural dos surdos. A partir dessa hipótese geral,
apresento as questões principais que orientaram o percurso desta investigação:
. os surdos que possuem uma língua de sinais, incluindo os que são oralizados,
escrevem melhor, produzindo um texto mais coeso?
. qual o sentido reconstruído na escrita desses sujeitos, levando-se em consideração o
seu uso como lugar de construção dos recursos lingüísticos?
Tendo em vista esse propósito, acredito ser necessário que se faça uma reflexão teórica
em relação à escrita desses sujeitos e que aponte pesquisas atuais envolvendo a temática.
Relativamente à produção textual e aos aspectos coesivos, busco contribuição no referencial
teórico de Koch, que é importante para essa pesquisa.
Koch aponta uma (re)classificação dos recursos de coerência e coesão textual (1990),
na linguagem escrita, propondo que se olhe o discurso ou o texto como linguagem em uso; é o
trabalho realizado por sujeitos ativos, que constróem sentidos.
“Poder-se-ia, assim conceituar texto como uma
manifestação verbal, constituída de elementos lingüísticos
selecionados e ordenados pelos falantes, durante atividade
verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não
apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em
decorrência da ativação de processos e estratégias de
ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de
acordo com práticas socioculturais”. (Koch, 1990:22)
40. 38
Em relação aos aspectos citados, a opção foi destacar pontos mais próximos dos
estudos em relação ao objeto de pesquisa, que constitui o referencial deste capítulo.
2.2 –ESCRITA E SURDEZ NO CONTEXTO ESCOLAR
Tomando-se por base a noção de linguagem que se constitui na relação do homem com
o meio social, ou seja, num sentido bastante amplo, podemos concluir que a linguagem é tudo
que envolve significação, que tem valor semiótico e não se restringe apenas a uma forma de
comunicação. É por meio da linguagem que se constitui o pensamento, embora não possa ser
reduzida a ela. Assim, a linguagem está sempre presente no sujeito, mesmo quando ele não
está se comunicando, pois a mesma significa a forma como este sujeito recorta e percebe o
mundo e a si próprio. Ao mesmo tempo, linguagem e pensamento estão indissoluvelmente
unidas na prática social sob a forma de pensamento verbal.
Poder-se-ia argumentar também, como aspecto relevante, que a lingua(gem) é
fundamentalmente constituída pelo contexto social, que se dá entre indivíduos reais em
momentos singulares e históricos, trazendo marcas e significações. É importante destacar que
é por meio das interações desses indivíduos que a língua se desenvolve, evolui ou até mesmo
morre.
Em relação às práticas pedagógicas e ao ensino apenas com o concreto, ou mesmo com
a terapia de fala a que o surdo vem sendo exposto, essas ações pedagógicas tendem a reforçar
a “deficiência” do sujeito surdo. Nas diversas instituições pedagógicas encontram-se situações
que evidenciam isso. Um modelo exemplar desse fato é o que evidencia relações concretas
com objetos do mundo físico, em práticas escolares em que, para escrever ou falar do objeto, é
necessário ter uma experiência sensível com ele. É o que ocorre em sala de ouvintes. As
crianças ensaiam, escrevem o nome dos objetos, depois a professora apresenta o objeto. A
maneira como a professora conduz o trabalho impede a conversão desse momento em
atividade interacional de experiências partilhadas, não permitindo ao aluno lançar hipótese
sobre o objeto lingüístico. A preocupação da docente é de “facilitar” o aprendizado, servindo-
se do objeto físico para o aluno compreender o significado da palavra escrita. Ao assumir o
41. 39
trabalho dessa maneira, a docente não oportuniza a construção de significação do aprendizado
que leva em conta a relação do sujeito com o mundo e com o outro.
Assim, neste último aspecto, podemos concluir com Franchi (1988), que a linguagem
caracteriza-se por seus três momentos constitutivos: os que dizem respeito à construção da
significação, quer pela remissão ao próprio sistema lingüístico (atividade metalingüística),
quer pelo fato da linguagem ser um exercício pessoal e intersubjetivo (atividades
epilingüísticas e lingüísticas). Neste texto, Franchi sugere que as atividades escolares nas
séries iniciais deveriam ser voltadas às atividades lingüísticas e epilingülísticas, mas na
verdade o que se observa são os exercícios voltados para a metalinguagem (conceitos, regras,
exceções).
De fato, há uma grande controvérsia: as informações sobre a linguagem acabam se
confundindo com a própria linguagem. Otimizando uma variedade culta (sempre), ensina-se
primeiramente uma metalinguagem dessa variedade, com exercícios de descrição gramatical
ou estudo de regras. As instituições escolares dedicam os primeiros anos de vida escolar à
atividade de metalinguagem, em detrimento das duas outras, descaracterizando o momento
propício até para o exercício metalingüístico.
A partir de uma visão crítica desse tipo de prática pedagógica, o ensino da língua
(escrita) para surdos não deveria estar desvinculado do uso da linguagem. Os exercícios de
linguagem (gramática, textos, formação de frases) poderiam constituir-se em um momento de
produção e significação, tornando o sujeito imbuído do fenômeno social da interação. Nessa
lógica, estariam presentes as condições de produção e significação, de representação do
interlocutor e o valor social da linguagem.
Como afirma Souza (1998:47), “a linguagem pode ser expressa através da escrita,
através da fala, através dos gestos. Então existem línguas orais e gestuais. Muitas línguas
orais, talvez a maioria, como não ocorre com as gestuais, possuem uma escrita própria. Nesses
casos, o surdo pode se valer da escrita do País em que fixe residência”. Prossegue ainda a
autora:
42. 40
“a escrita da pessoa surda reflete, em certa medida, os
conhecimentos que possui, ou não, da comunidade ouvinte. Ou,
o quanto a escrita tem função em sua vida, ou ainda reflete o
próprio processo de alfabetização a que foi submetida. Nesse
contexto, o ensino da Língua Portuguesa é freqüentemente
levado a termo como uma língua morta, pois ao ensinar apenas
substantivos, adjetivos, advérbios na produção de textos,
esquece-se de se considerar uma premissa básica: o intercâmbio
entre o papel do autor e do leitor para esse aprendizado.”
(Souza, 1998:147)
Isto torna-se ainda mais relevante no caso da surdez, pois esses sujeitos são detentores
de uma linguagem visuo gestual, que se apresenta com possibilidades limitadas de se
constituir na linguagem oral. Ao me posicionar frente a estas questões, levo em consideração o
objetivo dessa pesquisa, que consiste em refletir sobre as produções de escrita “atípicas” do
sujeito surdo, abordando como são construídas as relações de sentido e discutindo aspectos da
coesão textual desses sujeitos.
2.3 DIFICULDADES DE APRENDER, OU DIFICULDADES DE ESCREVER....
As questões relativas à linguagem de surdos e desenvolvimento cognitivo são muito
controversas. A idéia mais corrente, em Psicologia, é a que assinala a perturbação
psicofisiológica global que afeta o surdo e acaba provocando um retardo, relacionando a
impossibilidade de alcançar um pensamento abstrato. A surdez é motivo de retardo da
linguagem ou da perturbação que ela provoca no desenvolvimento geral, indiretamente, pois,
lembrando Morato (1996:54), “acreditar que o surdo não desenvolva o pensamento abstrato
(ou que o ensino seja pobre) é acreditar que o pensamento chinês, pelo fato de ter inventado
categorias (espirituais?) lingüísticas como o yin e o yan, não seja capaz de assimilar conceitos
da dialética materialista”.
É possível dizer que as dificuldades dos surdos acontecem pelo fato de que as línguas
orais serem as únicas utilizadas pela grande maioria das comunidades, sendo que, no caso do
surdo não há a possibilidade de adquiri-las espontaneamente. Assim, Luria (1986:94), refere-
se ao desenvolvimento filogenético; - “no início do desenvolvimento da espécie humana a
43. 41
comunicação era feita através de gestos; com a evolução da espécie humana, o sistema fonador
passou a ser utilizado na comunicação entre as pessoas”. De fato, vários pesquisadores
afirmam que a qualidade comunicativa dos surdos e a constituição do pensamento está nas
mãos (e em todo esquema corporal), pois os mesmos podem executar com perfeição o mesmo
papel atribuído ao sistema fonador por meio da língua de sinais.
Vygotsky, em seus trabalhos sobre a defectologia, atribui os problemas da surdez às
questões socioculturais. A tarefa da educação consiste precisamente em trabalhar estas
questões. É evidente que toda a gravidade e todas as limitações criadas pela surdez não têm
sua origem na falta de audição por si mesma, mas sim nas conseqüências, nas complicações
secundárias provocadas pela surdez. A surdez, por si mesma, poderia não ser obstáculo tão
penoso para o desenvolvimento intelectual da criança surda, mas causa a mudez e a falta de
linguagem é um obstáculo muito grande nesta via. Por isso, a linguagem é posta como núcleo
do problema onde se encontram todas as particularidades do desenvolvimento da criança
surda. (Vygotsky, 1984:89)
É necessário enfatizar, que, as condições de aprendizagem de leitura e escrita no
processo de escolarização do sujeito surdo, dependem, via de regra, do modo pelo qual são
encaradas suas dificuldades e as diferenças ocorridas no processo educacional pelas
instituições, levando-o a adquirir confiabilidade nas dificuldades encontradas. Nessa mesma
ótica é preciso destacar que o surdo, antes de ter dificuldades na escola, apresenta dificuldades
de aquisição da língua, instalando-se a grande diferença de escolarização entre o surdo e o
ouvinte. Também afirma-se, de maneira bastante equivocada, que o surdo apresenta
dificuldades de compreensão em História, Geografia ou Português, porque ele tem atraso de
aprendizagem. Na verdade, suas dificuldades, em quaisquer disciplinas, estão relacionadas às
estruturas lingüísticas pouco desenvolvidas (pela dificuldade de acesso à “língua oral”, ou
mesmo à “língua de sinais”) repercutindo na sua educação de modo geral.
Entre as pesquisas salientam esta realidade, estão aquelas que apontam os sujeitos
surdos, filhos de pais ouvintes, como a maioria da população surda. O grande problema
enfrentado pelos pais ouvintes é a comunicação, com as crianças surdas. Outra questão
sintomática são os profissionais que lidam com a surdez, com a linguagem, dos surdos,
44. 42
tomando a língua como se esta fosse um código totalmente artificial, que pudesse ser ensinado
em circunstâncias totalmente artificiais, agravando mais esse problema.
De fato, outra situação referente aos problemas de educação do sujeito surdo seria a
falta de condições ambientais, importantes para facilitar o acesso desse indivíduo ao “mundo
letrado”. Ouve-se muito o “discurso” nas instituições escolares, e até mesmo entre pais de
alunos, sobre as dificuldades desses indivíduos na aprendizagem da escrita, como um
problema secundário em relação à aquisição da linguagem oral. Entretanto, percebe-se que,
por trás dessas “falas”, o que se espera é que o indivíduo aprenda primeiro a “falar”, para
depois escrever. É o “poder do colonizador”, em detrimento do indivíduo “a ser colonizado”.
Desse modo, o que acaba acontecendo, na maioria dos casos, é que esses sujeitos, além de não
aprenderem a falar, o que é esperado, aprendem apenas a ler pequenos textos, frases simples,
apresentando inúmeras dificuldades na escola. Assim, a instituição escolar, para recuperar
essas dificuldades, estrategicamente tenta trabalhar a escrita por meios de exercícios de
repetição, usando tais exercícios, como se o fato de “repetir” pudesse fazer esses sujeitos
aprenderem a ler e escrever. Em toda esta situação, percebe-se que um dos maiores problemas
da educação dos surdos é a maneira como é concebida a linguagem pelos professores e a
maneira como são apresentadas as atividades de leitura e escrita, grande responsável pelas
dificuldades desses indivíduos.
Notadamente, em nossos dias, milhares de docentes, presos às “amarras
institucionais”6
ou até mesmo por acreditarem que a educação dos surdos está restrita ao
acesso da fala, continuam afirmando que o surdo oralizado tem menos dificuldades na escola.
Percebe-se, por trás dessa lógica, a perpetuação de um discurso já cristalizado, no qual a
preocupação dos educadores é o da transmissão de conhecimentos, ensino por meio de
exercícios de memorização e práticas de tarefas solicitadas pela escola.
Focalizando a educação da pessoa surda, Behares (1995) propõe que a surdez seja vista
como um “déficit de audição que apresenta diferença com relação ao modelo esperado”, e não
mais como patologia. O surdo que utiliza Libras, segundo o autor, deve ser visto como
6
Refiro-me a currículos impostos pelas instituições particulares e públicas, à nível micro ou macro.
45. 43
pertencente a uma minoria lingüística e cultural, que se utiliza de uma outra modalidade de
linguagem.
Neste sentido, é preciso lembrar que a criança surda, filha de pais ouvintes ou também
filha de pais surdos, não adquire a linguagem da mesma maneira que a criança ouvinte, pois a
linguagem oral que a criança adquire de forma natural, “nos casos dos surdos” é ensinada nas
clínicas, escolas, num processo longo, podendo ter resultados decepcionantes. A melhor
maneira de se trabalhar com o surdo, deve ser por meio de uma língua que pode ser adquirida
naturalmente por intermédio dos membros da comunidade.
Muitas vezes as crianças surdas não participam inicialmente do processo de leitura, em
virtude do fato de os pais ou mesmo os adultos acabarem por rotulá-las como sujeitos
incapazes de compreender o código escrito, ou até mesmo por sentimento de superproteção.
Como exemplo, temos: os pais e irmãos sempre estão prontos a executar a tarefa de leitura
para as crianças surdas, e isto vem impedir o crescimento das mesmas de exercitar a função
social da escrita, de levantar hipóteses, de perceber diferenças entre a fala (no caso dos surdos,
os sinais) e a escrita, o que os faria crescer. Este fato vem acarretar várias complicações. Esses
indivíduos, mesmo estando vários anos na instituição escolar, desconhecem a função social da
produção escrita, não conseguem perceber que, para produzir um texto, não basta a
justaposição de palavras ou sentenças soltas, mas que o mesmo exige operações complexas,
como a de manipular recursos para articular, de forma coesa e adequada, de modo a produzir
sentido.
Além disso, é necessário explicitar que na atividade discursiva, seja oral (gestual) ou
escrita, o interlocutor é o sujeito ativo, e os participantes dessa interlocução tendem a dividir o
contexto temporal e espacial, reelaborando este discurso. Sendo assim, os sujeitos têm
possibilidades de voltar a uma questão anterior e reorganizar os recursos utilizados na sua
própria língua, como a utilização de recursos faciais e gestos que auxiliam na compreensão da
expressão dos seus discursos.
Entretanto, o mesmo não acontece na escrita, pois a linguagem escrita não dispõe dos
dados do contexto e da situação interativa, em que a voz (audição) se faz presente. Para
46. 44
atenuar ou mesmo suprir esta falta, em que os elementos extratextuais são subsídios para
garantir a inteligibilidade do texto, o texto escrito deve apresentar mecanismos lingüísticos
que permitam uma leitura coerente para se extrair um significado.
Deste modo, é necessário salientar que a tarefa de escrever não se reduz apenas à
tradução da fala em sinais gráficos, pois existem especificidades próprias de cada modalidade.
A escrita não é a transposição da fala e o fato de as crianças (ouvintes) terem dificuldades na
produção de textos escritos não significa que tenham dificuldades na língua oral. A linguagem
escrita tem sua próprias regras, e os recursos da linguagem necessitam ser revistos para
garantir seu desenvolvimento.
Outra observação importante, no processo de educação do sujeito surdo, é a
expectativa dos pais em relação ao sucesso dos filhos nesse processo. Todavia, com um olhar
atento sobre este cenário, percebe-se que a maioria desses pais pertence à classe menos
privilegiada, tendo um poder aquisitivo muito baixo, e os mesmos muitas vezes não são nem
alfabetizados. Assim a aceitação de uma baixa escolarização se faz presente, pois os mesmos
nem ao menos sabem avaliar quais os problemas inerentes à surdez de seus filhos. Os mais
esclarecidos, geralmente, ainda fazem essa discussão, de modo que os filhos surdos consigam
chegar ao menos ao segundo grau, embora não discutam a qualidade dessa promoção.
Silva destaca em seus estudos que
... esta [questão acima citada] parece ser a segunda etapa da
negação da surdez que as famílias enfrentam, desde o
nascimento do filho (a primeira é aquela que sentem ao
descobrirem a surdez), e por isso fica tão difícil de explicar para
essas famílias que o processo escolar do surdo pode ser
diferente, e que a falta da linguagem pode acarretar sérias
conseqüências na vida de seus filhos. (Silva, I. R. 1998:27)
Para Silva I. R. (1998:27), “a contraparte que eles conhecem é sempre comunicativa,
esquecendo-se ou desconhecendo que a cognitiva (ação sobre o mundo) é a própria atividade
epilingüística da criança sobre a língua, tão importante quanto a comunicação. Prossegue,
ainda, afirmando que, para os pais e professores que lidam com esses sujeitos, a comunicação
é a parte mais afetada pela surdez. Esquecem-se que ela é apenas parte do “iceberg”, a parte
47. 45
mais visível, e, talvez por isso mesmo, aquela com a qual pais e professores mais se
preocupam”.
Outros estudos feitos por vários pesquisadores assinalam que os surdos, a exemplo dos
ouvintes, podem se desenvolver lingüisticamente, desde que sejam expostos à Língua de
Sinais o mais cedo possível; se isto não acontecer, o desenvolvimento global do sujeito surdo
poderá ser afetado de modo significativo.
Tomando-se por base essa lógica, nota-se que não se pode separar as dificuldades que
o surdo apresenta com a escrita, sem estar atento àquilo que aconteceu com o processo de
aquisição da lingua(gem) que ele faz uso, e o que ocorreu com o processo da alfabetização. É
necessário lembrar que, até recentemente, entre meados de 60 e 80, a questão da escolarização
do sujeito surdo só teria sentido se ele conseguisse falar, ou seja, dominar os sons da língua.
Comprovada a ineficácia desta abordagem, tanto em relação à escrita quanto em relação à fala,
a pesquisa de Lacerda (1996:101) traz questões importantes, entre elas apontando para
entender que “não é preciso falar bem, para escrever bem”. Começam, então, a surgir várias
pesquisas com questionamentos diversos. Nesse cenário, o surdo passou a ser visto como um
indivíduo em condições de obter um desenvolvimento global, não mais como um sujeito com
déficit clínico interpelado pela falta de audição.
Em relação às pesquisas, na década de 60, muitas questões eram observadas . Merece
destaque a ênfase dada aos estudos das diferenças observadas entre crianças surdas de pais
ouvintes. Os estudos demonstraram que os surdos, filhos de pais surdos, tinham melhor
capacidade para o desempenho na escola, tanto nas atividades orais e escritas, quanto ao serem
oralizados, ao contrário dos surdos de pais ouvintes, que demonstravam maior dificuldade. Os
surdos, filhos de pais surdos, logicamente conseguiam avançar mais, fazer ou lançar hipóteses,
pois eram expostos a uma mesma língua, promovendo, assim, mais eficazmente, sua
aprendizagem. Em razão destas citações, chega-se à seguinte lógica: os filhos e pais surdos são
mais bem preparados, emocional, social e culturalmente, pois tem uma identidade que é dada
pela sua língua.
48. 46
Também no exame da produção escrita, alguns pesquisadores, na década de 80,
detiveram-se em apontar o atraso do surdo em relação ao ouvinte na aquisição e
desenvolvimento da estrutura sintática da língua oral.
Brown, (1984), fez um estudo comparativo sobre os morfemas gramaticais presentes
na linguagem dos surdos. O objetivo de seus trabalhos foi verificar se a criança surda difere
das ouvintes, em relação à sua competência gramatical, em usar morfemas, desde que as
mesmas estejam no mesmo nível do desenvolvimento da linguagem. Observou, também, como
os morfemas eram utilizados pelos surdos, pois o uso correto desses elementos contribui para
a produção de um maior número de sentenças adequadas. Ao observar como eram utilizados
esses morfemas, verificou-se que eles poderiam favorecer ou não a escrita dos surdos. Foi
também observada a ordem dessa aquisição com o intuito de constatar se eram iguais nos dois
grupos. Os sujeitos surdos estavam em desvantagem em relação aos ouvintes, embora a ordem
de aquisição fosse a mesma.
Powers & Wilgus (1985) tiveram como propósito relatar a complexidade lingüística da
produção escrita, inseridos em um programa na área educacional que trabalhava com a
Comunicação Total. Nessa pesquisa, os autores analisaram amostras de textos escritos por
alunos surdos do 1º grau com a idade de 7 anos até 12 anos. O “corpus” foi obtido através de
desenho animado, que serviu de pré-texto para sua escritura. Os dados, estatisticamente
comprovados, revelaram um aumento significativo da complexidade lingüística7
. Dentre os
resultados obtidos, os pesquisadores apontaram também que a complexidade sintática estava
relacionada ao aumento da idade cronológica dos sujeitos surdos: quanto mais velhos, melhor
sabiam usar os recursos da lingua(gem) em uso. Outro detalhe importante é que os sujeitos
pertenciam à classe econômica e sociocultural alta, possibilitando o contato desses sujeitos
com recursos importantes no desenvolvimento da aprendizagem, sendo que os pais estavam
envolvidos com a educação dos seus filhos. A meu ver, este fato muda provavelmente o status
lingüístico desses sujeitos.
7
Segundo o autor, são categorias de difícil domínio, para o indivíduo surdo, o uso de negação, pronominalização,
conjunção e, principalmente o uso de sentenças subordinadas.
49. 47
Outras pesquisas se fazem presentes nesse novo cenário educacional, mas importa
destacar que muitas das que foram citadas anteriormente apontavam para aspectos ligados à
correção da linguagem, tais como ensinar o surdo a escrever; igual ou semelhante ao ouvinte.
Como exemplo deste fato, ainda estão em evidência os programas de terapia de fala, que
ensinam o aluno a falar, depois a formar palavras, sentenças curtas, etc. Dessa forma, o ensino
assume um caráter paliativo, pouco eficaz, pois não se formula hipóteses, nem se busca
compreender porque surdo escreve de forma atípica em relação às usuais.
De fato, para dominar toda a complexidade da linguagem escrita, o sujeito surdo
precisa fazer uso da língua de sinais, pois a aprendizagem precoce da mesma favorece seu
desenvolvimento na aprendizagem. Acontece, porém, que, para um grande número desses
sujeitos, isto não ocorre. Como exemplo, é possível observar que crianças que freqüentam
desde cedo programas de estimulação precoce8
chegam às instituições escolares com
problemas de escrita. Estes aspectos mencionados evidenciam mais ainda o pressuposto já
mencionado de que a escrita envolve uma relação dinâmica entre o sujeito que aprende e o
mundo.
Gesueli (1988) relata em sua pesquisa, ancorada em uma visão construtivista, a
experiência sobre o processo de alfabetização de crianças não ouvintes cuja fala não estava
desenvolvida, contrariando a tradição oralista de que é preciso “oralizar antes da criança entrar
em contato com a escrita”. A pesquisadora ainda observa que a criança não ouvinte, mesmo
quando não “oralizada”, é capaz de pensar sobre a escrita, levantando hipóteses, muitas vezes
semelhantes àquelas observadas em crianças ouvintes. Os sujeitos da pesquisa mostravam-se
capazes de lidar com a escrita produzindo e interpretando textos. Nesse trabalho através dos
fatos observados a autora aponta para a necessidade de se repensar o trabalho com o “não
ouvinte”, respeitando-se suas diferenças e recusando-se a uma rotulação de “deficiência” e
“incapacidade”. A esse respeito, outra pesquisa que merece ser citada é de Fernandes (1989),
na qual a autora constata a falta de raciocínios analógicos por parte dos sujeitos surdos,
evidenciado pela pouca experiência que os mesmos tinham com atividades escolares que
beneficiam esse tipo de raciocínio. Ao coletar dados, a autora solicitou que os surdos
8
Estimulação Precoce -Trabalho voltado para a produção e compreensão dos sons antes mesmo da alfabetização.
50. 48
reproduzissem, com suas próprias palavras, o texto lido. Alguns informantes se negavam a
realizar tal tarefa. Entretanto, esse fato se deve não a problemas de ordem cognitiva, mas de
afinidade com o tipo de linguagem usada.
Nessa mesma pesquisa, a autora citada destaca, de uma maneira geral, a omissão ou a
dificuldade dos sujeitos surdos de usarem categorias gramaticais. Segundo ela, esse problema
não se restringe apenas ao surdo, mas também aos ouvintes quando aprendem uma língua
estrangeira. Dessa maneira, ela conclui que os surdos têm consideráveis limitações na
utilização das estruturas da língua portuguesa, que podem ser comprovadas pela dificuldade
com o léxico, falta de consciência no processo de formação da palavra, uso inadequado de
verbos e das preposições, omissão de conectores em geral, e que podem ser evidenciados
como resultado da falta da língua de sinais.
Já em 1993, Rampelotto apresenta, em sua pesquisa, uma análise das abordagens
metodológicas usadas no ensino de surdos. Nessa análise, a autora se baseia num trabalho
experimental que investigou a compreensão de produção de textos por adolescentes surdos.
Os dados obtidos foram analisados com base em gravações de histórias simples e complexas
contadas em Língua Brasileira de Sinais e em Português oral e em Comunicação Bimodal.
Essas histórias eram recontadas em Língua Brasileira de Sinais e em língua portuguesa escrita.
Entre os aspectos examinados, as histórias narradas em Comunicação Bimodal foram as que
os sujeitos apresentaram maior dificuldades em reproduzir, tanto em Língua Brasileira de
Sinais como em português escrito. As histórias narradas em Língua de Sinais foram as que os
sujeitos reproduziam melhor. Relata, ainda, a pesquisadora que os sujeitos surdos ao
reproduzirem as histórias, o fizeram melhor em Língua Brasileira de Sinais do que em língua
portuguesa escrita. As histórias simples, em geral, ofereceram menor dificuldade para serem
lembradas e reproduzidas do que as complexas. Os resultados obtidos diante dos dados
reiteram a importância da Língua de Sinais na educação da criança surda, apontando para o
fracasso da abordagem oralista e a ineficácia da comunicação bimodal (uso simultâneo de
sinais e fala), no desenvolvimento da competência lingüística do estudante surdo.
Outra pesquisa que traz indicações nessa área é a de Góes (1994:3). A autora verificou
que as dificuldades de escrita dos alunos surdos podiam ser entendidas pelo uso híbrido e
51. 49
indiferenciado das duas línguas, ou seja, se relacionavam estreitamente com as condições de
interlocução em sala de aula. Importa ainda enfatizar, na pesquisa de Góes, que muitas de suas
constatações se aplicam aos dados desta pesquisa, em razão da proposta deste estudo em
verificar a produção de escritura dos sujeitos surdos em ambiente escolar, e como é
considerado o sentido textual, diante de tal tarefa, abordando os aspectos coesivos. Nessa
ótica, procuro chamar a atenção do professor para esse aprendizado, considerado nessa
pesquisa como de uma segunda língua.
Outra pesquisa que redimensiona o trabalho com o aluno surdo, a escola e a linguagem
é o de Souza (1998). A autora enfatiza os aspectos constitutivos da linguagem na construção
do conhecimento, ou sistemas de referências sobre si próprio, sobre o outro e sobre sua própria
linguagem. No seu trabalho, ela desmistifica valores cristalizados sobre a língua dos surdos,
apontando o trabalho social como premissa básica para a instalação da linguagem, na qual o
sujeito se constitui em sistemas de referência sobre si próprio, sobre o outro, por meio da
lingua(gem).
Todas as pesquisas citadas merecem destaque, para que se observe que a língua escrita
é um objeto lingüístico que se constrói a partir de seu lugar social. Assim, tanto o surdo quanto
o ouvinte, terão como pressuposto a língua que já dominam para ter acesso à linguagem
escrita. Como já foi destacado, nas discussões anteriores, a língua que o surdo tem como
legítima e usa não é a mesma que serve como base ao sistema escrito, por ser um sistema
visuo-manual, e não oral-auditivo, ambos com poucas semelhanças estruturais.
Os problemas dos surdos com a aquisição da modalidade escrita da língua oral estão
mais relacionados com a aquisição e desenvolvimento de uma língua efetiva que lhes permita
uma identidade social e cultural, em que as diferenças devem ser destacadas como em
qualquer outra língua.
Outro fato a ser destacado é que as pesquisas relacionadas com a escrita são escassas.
Há trabalhos que apontam para questões do letramento, no processo da escrita, outros para as
dificuldades encontradas pelos surdos com a escrita, outros para as diferenças encontradas nas
suas produções.
52. 50
Interessa-me nesse trabalho levantar hipóteses em relação à coesão textual desses
sujeitos, frente às suas produções escritas, observando a relação de sentido em seus textos. A
meu ver a questão é bastante complexa e requer amplas discussões, instigando ainda muitas
pesquisas. Dando prosseguimento a essa reflexão, faço interlocução com Koch, onde a autora
problematiza a relação da escrita e dos aspectos coesivos, no fenômeno textual, aspecto
constatado nos textos dos surdos.
2.4 REFLEXÃO SOBRE COESÃO TEXTUAL
As investigações sobre relações textuais e os aspectos coesivos não são poucas e nem
unânimes, tanto no que diz respeito aos critérios adotados pelos autores para sua definição e
particularização, quanto à seleção de seus aspectos. Consequentemente, as diferentes linhas de
trabalho propostas nem sempre apresentam resultados convergentes. Apresentá-las, portanto,
implica em confrontá-las com estudos mais em evidência. Importa destacar, neste trabalho, a
fundamentação teórica sobre a temática, abordando aspectos essenciais relativos à coesão,
segundo a perspectiva de Koch, ponto essencial para este estudo.
No entanto, não podemos perder de vista que esta pesquisa pretende chamar a atenção
para a necessidade de reconhecer a existência das formas de expressão, tanto sinalizadas
(Língua de Sinais), quanto de língua escrita, observando quais os seus critérios de produção.
Existem formas variadas de manifestação de um sistema lingüístico subjacente comum
às modalidades oral e escrita da linguagem que apresentam configurações específicas que as
definem e particularizam. A tentativa de apreensão das similaridades e dessemelhança entre
elas, contudo, exige que se tenha em conta a natureza da atividade e os recursos lingüísticos,
paralinguísticos e contextuais disponíveis em cada uma dessas variantes. Interessa-nos,
sobretudo, examinar a estruturação do texto e dos enunciados que o compõem, abordando a
coesão textual, as habilidades que o usuário da língua de sinais dispõe para a produção do
texto. Enfim, nosso objetivo é verificar o papel da escrita do sujeito surdo e a construção de
sentido do seu texto.