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ÍNDICE
1. Teorias sobre a existência de Deus..................................03
2. Podemos conhecer Deus?................................................06
3. Os Nomes de Deus...........................................................10
4. O que são atributos de Deus?...........................................13
5. As classificações dos atributos........................................16
6. A Pessoalidade de Deus...................................................18
7. Infinitude e Eternidade......................................................20
8. Imutabilidade e Unidade...................................................22
9. Santidade e Justiça...........................................................25
10. Ira e Bondade..................................................................28
11. A Imanência de Deus......................................................32
12. A Transcendência de Deus.............................................35
13. As vontades de Deus......................................................37
14. A glória de Deus..............................................................40
15. A Trindade - Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito.........42
16. Trindade Ontológica e Trindade Econômica...................48
17. As Primeiras Polêmicas quanto à Trindade....................50
18. Podemos chamar Deus de mãe?....................................52
19. As Obras de Deus...........................................................54
20. Jeová e Allah são o mesmo Deus?.................................59
Bibliografia utilizada.............................................................61
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3
1. TEORIAS SOBRE A EXISTÊNCIA DE DEUS
E
xistem muitas teorias acerca da existência de Deus, as chamadas Teorias de Divindade, ideias sobre a existência ou não-
existência de Deus e, no caso de sua existência, como ele existe.
A primeira delas é o teísmo. “Teísmo” vem da palavra grega θεός [theós], “deus”. Teísmo significa acreditar que existe um
deus, qualquer deus que seja. O teísmo manifesta-se de muitas formas, como no teísmo cristão, no teísmo islâmico, no teísmo
indígena etc. Existe um teísmo para cada divindade adorada pelos homens.
4
É justamente do termo “teísmo” que surge a segunda
posição, que é o ateísmo. A partícula “a-” aparece
geralmente como uma negação. Ateísmo seria a negação de
Deus. Tecnicamente, todo ser humano é meio ateu. Se sou
teísta com relação ao Deus cristão, sou ateu em relação a
deuses hindus, por exemplo. Quem é teísta para um deus
é, geralmente, ateu para outros deuses. Mesmo assim,
geralmente alguém se apresenta como ateu ou fala do termo
ateísmo em referência a uma negação de toda e qualquer
divindade.
Próximo disso, encontra-se o agnosticismo. No grego,
γνοσκω [gnosko] significa conhecimento. O agnóstico é
alguém que nega o conhecimento – mas não o conhecimento
absoluto. Mais apropriadamente, o agnóstico nega a
possibilidade do conhecimento a respeito de Deus. O
agnóstico nega que é possível conhecer se Deus existe ou
não. Esse termo foi usado pela primeira vez por um biólogo
e filósofo inglês chamado Thomas Huxley. Ele utilizou esse
termo para manifestar a ideia de uma crença suspensa.
Muito chateado com os dogmas da igreja, decidiu que não
valia mais a pena fazer alegações a respeito da divindade.
Há quem diga que o agnóstico é o ateu covarde, alguém
que não acredita em Deus, mas não tem muita coragem
de falar a respeito. Não é uma forma muito correta (nem
muito educada) de se referir aos agnósticos. Agnósticos
são pessoas que duvidam da possibilidade de discutir o
metafísico e de chegar a conclusões válidas a respeito
daquilo que, segundo eles, está fora do campo normal da
argumentação. Nós podemos argumentar sobre assuntos
científicos, coisas que podem ser provadas no laboratório,
aquilo que é sensível. Questões metafísicas, para além da
matéria, são assuntos que não poderiam chegar, de forma
alguma, à mente do ser humano. São assuntos sobre os
quais seria ineficaz discutir e tentar debater.
Dentro dos teísmos mais comuns, há o politeísmo. No grego,
o termo πόλυς [pólus] significa “muitos”. Assim, politeísmo
seria a ideia de que existem várias divindades, talvez em
competição, talvez em harmonia, à nossa volta. Dentro do
politeísmo, existem a monolatria e a polilatria. Uma vez que
existam vários deuses dentro do politeísmo, pode-se adorar
apenas um deles, o que implica monolatria, na qual “mono”
vem de “único” e “latria” vem de “adoração”, no sentido
de adorar vários deuses, o que configuraria polilatria. Um
politeísta monólatra é alguém que acredita em vários deuses,
mas adora um único deus contra os outros, enquanto um
politeísta que comete polilatria é um politeísta que acredita
na adoração de vários deuses. A monolatria também
é conhecida como henoteísmo, com hen- significando
“um”, em grego. Foi Max Miller, um historiador alemão das
religiões, que cunhou esse termo para caracterizar pessoas
que vivem no contexto da existência de vários deuses, mas
5
que escolhem um único deus para adorar.
Existe também o panteísmo. No grego, παντα [panta],
πας [pas] e πασιν [pasin], muitas vezes, são usados para
expressar “tudo” e “todos”, de alguma forma. Falar de
panteísmo é falar que deus é tudo, que deus se manifesta
através de tudo, que as coisas são deus de alguma forma. Ou
seja, acredita-se numa íntima relação entre a existência e a
identidade de deus e a existência e identidade das coisas. O
que as coisas são, o que somos e o que deus é confundido
numa coisa só.
O panteísmo apresenta uma variação chamada panenteísmo,
que é a ideia de que deus está em tudo. Por mais que não
exista uma confusão tão profunda de identidade entre quem
é deus e o que são as coisas, ainda assim deus está contido
em todas as coisas.
Muito próximo da ideia de panteísmo, está o que é chamado
de monismo, que vem do termo grego “apenas”, “só” ou
“único”. O termo foi cunhado pela primeira vez por um
filósofo alemão chamado Christian von Wolff, sendo uma
prática e uma visão muito comuns no hinduísmo, por
exemplo, além de ser muito próximo do panteísmo como
conhecemos.
Por fim, há o deísmo. O deísmo é a perspectiva de que
existe um deus e esse deus criou tudo e mesmo assim se
afastou do universo. Ele deu o pontapé inicial, colocou as
engrenagens do relógio para funcionar, mas então não se
envolve mais com a criação. O deísta é um teísta. Ele acredita
em deus, mas um deus que está distante, longe e que não
pode ser alcançado.
6
D
aremos início ao nosso curso falando sobre aquilo onde
tudo começa: a pessoa de Deus. Tudo começa com esse
Senhor que criou tudo, segundo a teologia cristã, e deu
sentido a todas as coisas. Quem é Deus? Como percebemos Deus?
Como é que Deus cuida de tudo? Como é que Deus se revela? Esse
é o assunto da teontologia, ou da teologia propriamente dita.
O termo teologia significa, basicamente, o estudo de Deus.
“Theos” [θεος], do grego, significa “Deus”, e logia [λόγος] vem de
palavra, estudo, razão, conhecimento. Teologia tornou-se o nome
de todo o estudo sobre Deus, de tudo aquilo que se fala a respeito
de quem é o Senhor. Então, dentro da teologia sistemática, quando
se monta as várias doutrinas que compõem o cristianismo, seja
bibliologia – o estudo da Bíblia – ou cristologia – o estudo de
Cristo –, se chamarmos teologia de "o estudo de Deus", estaremos
afirmando que outras coisas não são teologia. Por isso, muitos
teólogos tiveram de buscar uma alternativa para nomear a matéria
que estuda o nome do Senhor.
Enquanto Teologia lida com tudo aquilo concernente a Deus,
Teontologia tornou-se uma maneira de denominar essa doutrina
dentro da sistemática, ou o que os teólogos também denominam
2. PODEMOS CONHECER DEUS?
7
Deus deu-nos uma revelação e uma mente para compreender
as coisas, mas, ainda assim, não conseguimos compreender
tudo de forma completa. Quando lemos I Coríntios 13,
ouvimos Paulo dizer que hoje vemos as coisas como que
por um espelho. Nós vemos as coisas reveladas num
momento pequeno, breve, suficiente, mas haverá um dia em
que conheceremos a Deus como hoje somos conhecidos.
Por mais que haja polêmicas interpretativas em torno de
1Coríntios 13 – e certamente abordaremos isso em algum
momento do curso –, a ideia do texto é a de que nós, hoje,
mesmo através da revelação da Escritura, vemos Deus por
meio de um material de bronze que, por ser bem polido e
brilhoso, permite-nos perceber algum reflexo, mas ainda
assim não nos deixa ver Deus em sua grandeza e totalidade.
Isso evoca uma das grandes polêmicas da teologia
sistemática e da revelação de Deus, que diz respeito à
teologia positiva e à teologia negativa – respectivamente,
a teologia catafática e teologia apofática. Apofático
deriva de aposfemi, do grego, que significa basicamente
negar. Portanto, a teologia apofática, também conhecida
como teologia negativa, é a ideia de que fazemos teologia
basicamente por meio de negações. É um estudo de Deus,
principalmente, por meio de suas diferenças. Ela recusa-
se a interpretar Deus a partir da realidade e simplesmente
necessita entender o que Deus não é antes de entender o que
Deus é. Ao contrário disso, situa-se a teologia catafática, que
de teologia propriamente dita – teologia como o estudo de
Deus diretamente. Neste primeiro módulo, abordaremos
justamente a teontologia, a teologia propriamente dita, do
estudo do nome do nosso Senhor.
É possível conhecermos, de fato, Deus? É possível
entendermos e compreendermos o Senhor? Canções
populares chegam a declarar que ninguém explica Deus. De
fato, em nível último e absoluto, nunca conseguiremos obter
um conhecimento exaustivo do Senhor. É impossível que
consigamos entender Deus em sua completude e totalidade.
Ele é eterno, ele é imutável, ele é transcendente, ele é aquilo
que teólogos do século XX chamavam de totalmente outro.
Ele não é completamente acessível pela mente humana. É
comum que na teologia tenhamos dúvidas e terminemos com
certas questões não respondidas, o que demostra o fato de
que Deus é muito maior que nós. É normal não termos todas
as respostas porque Deus é a verdade acima de qualquer
coisa e está muito acima das nossas compreensões.
Calangos não entendem seres humanos da mesma forma
que seres humanos entendem os calangos (aqui no Ceará,
calango é o nome dado para aquelas lagartixas que correm
pelas paredes). Se alguém tentar imaginar um inseto, uma
pulga, por exemplo, tentando compreender o ser humano,
logo perceberá que essa cena não é verossímil, mas que o
sentido inverso é totalmente plausível.
8
forma positiva, de forma proposicional, entendendo aquilo
que a revelação fala sobre o nosso Senhor. É claro que Deus
se revela a nós fora da Bíblia (falaremos melhor disso em
bibliologia). Temos um Deus que se revela na natureza, que
se mostra através das coisas criadas e podemos percebê-
lo por intermédio da criação. Porém, esse mesmo Deus
revela-se de forma extensiva, mais clara, justamente na sua
revelação especial. Essas são as diferenças de termos que
iremos estudar em Bibliologia. Revelação geral é a revelação
de Deus na natureza e a revelação especial é a revelação de
Deus na Palavra.
Esse Deus que se revela na Palavra permite que o
conheçamos para além de sua simples manifestação na
natureza. Se olharmos para a natureza, de fato perceberemos
algumas coisas sobre Deus. Na carta de Paulo aos romanos,
no primeiro capítulo, a partir do verso 18, diz-se que Deus
se revela de alguma forma nos céus e na coisa criada,
mostrando o seu imenso poder. Se olharmos à nossa volta,
perceberemos que existe uma divindade, que existe um
Senhor, um Deus que criou tudo e que formou todas as
coisas. Ele é criativo por causa da criatividade da criação. Ele
é poderoso por causa do poder dos fenômenos naturais. Ele
é bondoso por causa de todas as coisas maravilhosas que
encontramos na criação. Ele possui uma ira que se manifesta
na coisa criada por causa de todo furor que nós encontramos
à nossa volta. Há um Deus que é revelado na criação, mas
é própria da tradição ocidental. Ela intenta encontrar Deus
justamente a partir daquilo que é dito sobre ele, seus nomes
e atributos.
A teologia negativa, por mais que reúna alguns intelectuais
como seguidores no ocidente, é muito próxima de teologias
místicas e de pessoas que geralmente não seguem uma
perspectiva próxima do cristianismo. A teologia positiva é
a ideia de que há um Deus que se revela, que se manifesta,
que se mostra, que se dá a conhecer através de alguma
revelação, revelação essa que os cristãos acreditam ser
a Palavra de Deus. Nós estudamos teologia propriamente
dita antes de estudar bibliologia porque a revelação é uma
revelação de um Deus. Cometemos um erro metodológico,
por assim dizer, porque a Escritura é a base do que vamos
discutir acerca de Deus, mas cometemos uma coerência
lógica, no sentido de que entendemos que Deus vem antes
de sua própria revelação. Ao ler a Bíblia, lemos sobre
um Deus que se revela positivamente. Fazemos teologia
propositiva, sim, cremos em uma teologia positiva, mas sem
desconsiderar a grande lição da teologia negativa de que não
conseguimos nunca entender Deus em sua completude e em
sua totalidade.
É claro que ninguém explica Deus de forma extensiva e
absoluta. Mesmo assim, Deus revela-se, explica-se, mostra-
se, apresenta-se, e nisso podemos construir teologia de
9
deixar o púlpito sabendo que fracassou na sua missão em
algum nível. Se a missão dele é mostrar como Deus é grande,
como Deus é bom, justo, maravilhoso, ele pode até falar por
horas e ainda assim não terá conseguido mostrar como Deus
é grandioso, bondoso e incrível.
O teólogo, pastor e missionário americano Paul Washer
afirma que o pregador não é um microscópio que focacaliza
coisas pequenas e as aumenta para os outros verem. Pelo
contrário, ele é um telescópio que mira os astros, estrelas
enormes e os deixa pequenos para que nossos olhos
entendam. A teologia é uma tentativa de apreender Deus em
sua grandeza. É um trabalho fracassado, mas é maravilhoso,
porque Deus se revelou em um nível que podemos
compreender.
C. S. Lewis, famoso autor protestante escritor de As Crônicas
de Nárnia, disse que Deus não se faz de doutor diante de
uma lavadeira. Deus não se fez de doutor diante de homens
pequenos como nós e deixou que nós o compreendêssemos.
Ele deixou que nós o entendêssemos. Nesse módulo de
teologia propriamente dita, entraremos nessa jornada de
olhar para aquilo que Deus revelou sobre si mesmo.
não de forma total, completa. Na Escritura, encontramos
muito mais a respeito de quem é esse Deus e nela podemos
fazer uma teologia positiva, uma teologia que se baseia em
fazer proposições acerca do Senhor.
Claro que toda verdade sobre Deus é uma verdade diminuta.
Existe um nível de humildade que tem que nos fazer acreditar
que de fato não iremos conseguir, mesmo por meio das
revelações teológicas, entender Deus em sua grandeza.
É bom entender que Deus, ao falar na Palavra, balbucia a
respeito de si mesmo. Ainda que leiamos que ele é soberano,
bom, justo, isso ou aquilo, no fim das contas estamos
ouvindo uma aproximação da nossa mente daquilo que
Deus é. Ele é tão poderoso, incrível e tão além de nós que de
fato ele se diminui para que possamos compreendê-lo. De
fato, quando ele se revela, ele balbucia acerca de si mesmo.
É como explicar para uma criança a complexidade do ser
humano: é uma verdade o que é dito, mas é uma verdade dita
numa linguagem infantil. Deus se revela e nos apegamos a
essa revelação como verdade porque ela já é elevada para
nosso raciocínio. A doutrina da Trindade é elevadíssima para
nossa compreensão humana e, ainda assim, é uma verdade
mesmo que não consigamos sequer tocar nas profundidades
da grandeza de quem é o Senhor.
Todo pregador, no fim das contas, é um fracassado. Quando
um pastor prega num domingo, por exemplo, ele precisa
10
D
eus é chamado de muitas formas na Bíblia. O nome mais
simples usado para representar Deus na Bíblia é ’el (‫ֵא‬‫ל‬), do
hebraico. De acordo com a maioria dos filólogos (aqueles
que estudam línguas e palavras), essa palavra significa “O
SENHOR MAIS PREEMINENTE OU PRIMÁRIO”, ou “AQUELE QUE
É FORTE E PODEROSO”. O nome ’eloah (‫ֶא‬‫ל‬ֹ‫ה‬ַ), singular de ’elohim
(‫ֶא‬‫ל‬ֹ‫ה‬ִ‫י‬‫)ם‬, procede da mesma raiz que ’el e aponta para Deus como
o Deus-Forte ou como OBJETO DE TEMOR. O nome no singular é
mais poético e raramente usado. O plural, por sua vez, é o nome
comum de Deus.
Alguns argumentam que se referir a Deus no plural, 'elohim,
evidenciaria o uso hebraico chamado de “plural de majestade”,
o qual configura-se como um plural para se referir a alguém
muito importante. Entretanto, vários teólogos argumentam que
isso nunca é usado na Escritura e que esse argumento é só uma
tentativa de fazer parecer que a Trindade já não estava manifesta
no Antigo Testamento e que não existia nenhuma pluralidade na
pessoa de Deus nas Escrituras hebraicas. 'Elohim, o termo plural
para se referir a Deus, evidencia a Trindade e essa pluralidade
na figura divina. Outros argumentam que como 'Elohim aparece
muitas vezes com um adjetivo ou com um verbo no singular, seria
3. OS NOMES DE DEUS
11
uso salienta essa característica mais plural da pessoa divina,
evidenciando já no Antigo Testamento uma Trindade.
A palavra ’elyon (‫ֶע‬‫ל‬ִ‫י‬‫)ןֹו‬ também é utilizada para se referir a
Deus, apresentando o prefixo ’el, significando “AQUELE QUE
É EXALTADO ACIMA DE TODAS AS COISAS” (Gn 14.18; Nm
24.16; Is 14.14). Porém, esse nome não é usado para se
referir somente a Deus no Antigo Testamento. Essa palavra
também é usada para remeter falsos deuses, e ídolos,
quando as pessoas cometem idolatria e adoram essas falsas
divindades (Gn 33.12; Êx 7.1; 4.16) e autoridades (Êx 12.12;
21.5-6; 22.7; Lv 19.32; Nm 33.4; Jz 5.8; 1 Sm 2.25; Sl 58.1;
82.1), mas também é um nome pelo qual Deus é designado
usualmente.
El Shaddai (‫ֶא‬‫ל‬ ‫ׂש‬ַ‫ד‬ַ‫י‬) caracteriza Deus como aquele que
generosamente supre todas as coisas (Gn 17.1; 28.3; 35.11;
43.14; 48.3; 49.25; Êx 6.3; Nm 24.4). El Shaddai é o Deus que
faz com que todos os poderes da natureza sejam sujeitos
e subservientes à obra da Graça no mundo. Esse nome
evidencia Deus como aquele que se dá ao seu povo e garante
o cumprimento de suas promessas. É a palavra usada para
referenciar o Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Gn 24.12; 28.13;
Êx 3.6), o Deus dos patriarcas (Êx 3.13, 15), dos hebreus (Êx
3.18) e de Israel (Gn 33.20). Significa, literalmente, “DEUS
TODO PODEROSO”.
melhor interpretá-lo como um plural de abstração ou como
um plural de quantidade, que é usado para se referir a uma
entidade ilimitada, ou como plural intensivo, que serviria
para expressar a plenitude de poder de Deus. De fato, poucas
vezes 'Elohim aparece na Escritura com um adjetivo ou verbo
no plural (Gn 20.13; 28.13; 35.7; Êx 32.4, 8; Js 24.19; 1 Sm
4.8; 17.26; 2 Sm 7.23; 1 Rs 12.28; Sl 58.11 [12 TM]; 121.5;
Jó 35.10; Jr 10.10). No singular, aparece apenas 57 vezes
no Antigo Testamento hebraico, sendo 41 só no livro de Jó,
enquanto no plural é encontrado 2.570 vezes.
Referências a Deus no plural também ocorrem com outras
palavras, como qedoshim (‫ְק‬‫ד‬‫ׂשֹו‬ִ‫י‬‫ם‬ Pv 9.10; Os 11.12), em
’osim (‫ׂשע‬ִ‫י‬‫ם‬, Jó 35.10; Sl 149.2; Is 54.5), em bôr’îm (‫ְרֹוב‬‫א‬ִ‫י‬‫ם‬, Ec
12.1) em Adonai (‫ְא‬ַ‫ד‬ֹ‫נ‬ָ‫י‬). Este último nome é muito importante
para se referir a Deus no Antigo Testamento. A palavra
aparece exatamente 449 vezes no Antigo Testamento como
referência ao Senhor. Em 134 vezes, aparece sozinho e,
em conexão com YHWH, 3I5 vezes. Por essa razão, alguns
teólogos argumentam que Adonai é um dos nomes de Deus,
nome que expressa soberania e senhorio sobre o universo,
não sendo apenas um título a ele atribuído. O termo Adonai,
no hebraico, significa, literalmente, “MEU SENHOR”, e
nunca é usado como pronome de tratamento. Para isso, o
hebraico usa Adoni ou Adon, nunca Adonai. Todas essas
construções plurais evidenciam Deus como completo, como
a plenitude da vida e do poder. Para muitos teólogos, esse
12
Por mais que existam essas nomenclaturas usadas para se
referir a Deus e falar sobre ele, o nome pelo qual ele é mais
conhecido no Antigo Testamento é o famoso tetragrama
(‫)הוהי‬. Tetragrama porque são quatro letras que compõem
o nome próprio de Deus. A pronúncia desse nome foi
perdida. Como os antigos judeus não escreviam as vogais
das palavras, mas apenas as consoantes, com o tempo as
pessoas pararam de falar o nome de Deus, por causa do
medo de enunciá-lo, ao ponto de a tradição oral perder a
pronúncia do nome de Deus. Há quatro consoantes, mas não
há vogais. Essas consoantes, se fossem transliteradas para o
português, seriam YHWH.
Um grupo de judeus denominado “Massoretas” começou a
criar grafias para representar o som das vogais no hebraico.
Se abrirmos o texto massorético, notaremos pequenas
marcações, abaixo das consoantes, que representam o som
das vogais. O motivo pelo qual aparecem acentos nas vogais
no hebraico é a falta de espaço nos manuscritos antigos,
que permitiam apenas o uso de pequenos diacríticos. O que
aconteceu é que, como ninguém sabia quais eram as vogais
do tetragrama, adicionaram as vogais da palavra Adonai, um
nome muito utilizado para se referir a Deus. Por essa razão, o
nome comum do Senhor é pronunciado como Jeová, Javé ou
Yeowah e algumas derivações que seguem essa tendência
de reconstruir o nome de Deus. Muitas Bíblias traduzem
simplesmente como “SENHOR”, representando Deus como o
Senhor Adonai sobre tudo e sobre todos.
Muitos interpretam que o nome de Deus tem um significado
compreensível, encontrado na Escritura. Significaria Deus
como aquele que é ontem, hoje e sempre. Deus revelou-
se a Moisés por meio desse nome, afirmando ser aquele
que é. Para Abraão, esse nome significou provisão para
o sacrifício do seu filho Isaque. Ele apareceu como Jeová
Jireh – O SENHOR QUE PROVÊ (Gn 22.14). Prometendo
livrar os filhos de Israel das pragas e das enfermidades que
sobrevinham dos egípcios, ele manifestou-se como Jeová
Rafá – O SENHOR QUE SARA/CURA (Ex 15.26). Na época de
angústia dos juízes de Israel, ele apareceu a Gideão como
Jeová Shalom – O SENHOR É A PAZ (Jz 6.24). A todos que
peregrinaram na terra, ele se apresentou como Jeová Ra’a
– O SENHOR É MEU PASTOR (Sl 23.1). Yahweh Tskednu
significa SENHOR, JUSTIÇA NOSSA (Jr 23. 6). e Jeová Nissi
significa o SENHOR é a Minha Bandeira (Ex 17.15). Ele assim
revela-se na batalha contra o mal e contra o pecado. E no
futuro – talvez já no Novo Céu e Nova Terra, segundo os
aliancistas, ou no milênio, segundo os dispensacionalistas
(assunto para o módulo de escatologia), ele será chamado
Jeová Shamá, O SENHOR ESTÁ AQUI (Ez 48.35).
13
Q
uando falamos sobre quem é Deus, geralmente estamos discutindo os atributos de Deus. Para definir quem é o Senhor,
iremos defini-lo a partir de suas características. Quando se define alguém, é necessário trazer à tona características
a respeito dele ou dela. Ele é alto, baixo, loiro, negro, branco, feio, gordo como eu, magro como você etc. As pessoas
possuem características e o que difere uma pessoa de outra é aquilo que as pessoas são. Quando discutimos quem Deus
é, estamos ressaltando os atributos de Deus, esse é o nome que é dado na teologia, quem Deus é e quais são as suas
características. Definindo atributos de Deus, Erickson (2015) define como “aquelas qualidades de Deus que constituem o
4. O QUE SÃO ATRIBUTOS DE DEUS?
14
Trindade – aqueles que são próprios de quem a Trindade
é, mas também existe uma economia da Trindade – suas
manifestações em contato com a realidade.
Em seus atributos, Pai, Filho e Espírito Santo são idênticos.
Já em suas propriedades, como disse Erickson acima
(2015), eles manifestam atuações distintas. Ele afirma
que essas propriedades são funções, atividades ou atos
de cada membro da Trindade e continua dizendo que
“os atributos são essas qualidades intrínsecas, que não
podem ser adquiridas nem perdidas” (p. 257). Já o teólogo
Norman Geisler (2003, p. 17) argumenta que atributo é a
“característica que pode ser atribuída à natureza de Deus
– um traço essencial de Deus. Outros termos para atributo
são ‘propriedade’, ‘perfeição’, ou ‘nome’”, em que o que é
dito sobre o nome de Deus é dito sobre a pessoa em si, a
característica de quem é a pessoa. Quando digo que louvo o
nome de Deus, estou louvando quem Deus é por aquilo pelo
qual ele se manifesta.
Já Louis Berkhof não gosta muito desse tipo de
nomenclatura. O teólogo presbiteriano, que possui uma
sistemática muito famosa no Brasil, diz:
O nome “atributos” não é ideal, desde que transmite
a noção de acrescentar ou consignar alguma coisa a
alguém, e, portanto, pode criar a impressão de alguma
que ele é – as características exatas de sua natureza”. Ele
continua:
Os atributos são qualidades como um todo. Não devem ser
confundidos com propriedades, que, falando tecnicamente,
são as características distintivas das diversas pessoas da
Trindade. As propriedades são funções (gerais), atividades
(mais específicas) ou atos (os mais específicos) de cada
membro da divindade. (p. 256-257).
Isto é, o Deus-Pai teria uma característica, o Filho, outra
característica, o Espírito Santo, outra característica. Essas
características mais distintas não são atributos, mas
propriedades. Por exemplo: quem morreu na cruz? Quem
morreu na cruz foi o Deus-Filho. Quem foi enviado depois
do Deus-Filho para a terra? Foi o Espírito Santo. Não foi o
Espírito Santo que morreu na cruz, foi Jesus. Não foi Jesus
que foi enviado depois que Jesus subiu, afinal, ele disse
que enviaria o outro Consolador (o Espírito Santo) depois de
sua ascensão. Esses detalhes serão trabalhados melhor em
cristologia e pneumatologia.
Cada pessoa da Trindade possui características, atos e ações
na realidade diferentes umas das outras. Não são atributos
distintos, mas propriedades distintas. Isso está atrelado ao
que falaremos posteriormente sobre Trindade econômica
e Trindade ontológica. Existem os atributos ontológicos da
15
Isso é bem diferente daquilo que somos como seres
humanos. Temos amor, mas não somos amor. Temos
misericórdia, mas não somos misericórdia. Temos santidade,
mas não somos santidade. Deus, por outro lado, é aquilo que
possui, segundo Herman Bavinck, porque revela justamente
essa grandeza e esse relacionamento absoluto entre as
características que Deus tem e o próprio ser que Deus é.
Tanto que o autor chega a afirmar que “tudo o que Deus é,
ele o é completa e simultaneamente” (2015, 121). Um jeito
muito bonito de se referir ao Senhor. Considerando o que são
esses atributos, temos que falar sobre as classificações dos
atributos, os tipos de atributos de Deus, mas isso é assunto
para a próxima aula.
coisa é acrescentada ao ser divino. Indubitavelmente o
termo “propriedade” é melhor, no sentido de indicar algo
que é próprio de Deus e de Deus somente[...] Os atributos
de Deus podem ser definidos como as perfeições que
constituem predicados do Ser divino na Escritura, ou que
são visivelmente exercidas por ele em suas obras de criação,
providência e redenção. (BERKHOF, 2007, p. 51).
Herman Bavinck (2012, p. 121), que escreveu uma coleção
de quatro volumes de sistemática– um texto bem longo
e denso acerca do Senhor e dos temas da teologia –,
traduzidas, inclusive, para o português, argumenta: “cada
atributo é idêntico ao ser de Deus; ele é aquilo que possui” .
Não é como se Deus tivesse atributos, como se tivesse amor,
santidade, paciência e misericórdia. De fato, um atributo que
Deus possui é um atributo que Deus é, de forma que, ao ser
definido como alguém amoroso, ele é amor. Quando Deus é
definido como alguém misericordioso, ele é misericórdia.
É interessante que 1João enuncia justamente isso, que Deus
é amor. Há até igrejas que adotaram exatamente esse nome.
A ideia não só é que Deus manifesta amor, mas que ele é
o amor que ele possui. Então para Bavinck não existe uma
divisão muito clara entre aquilo que Deus tem como atributo
e aquilo que ele é como ser.
16
A
ntes de definirmos quais são os atributos de Deus, precisamos discutir as suas classificações. Vamos utilizar o termo
atributo porque ele é o mais comum dentro da teologia, mas já explicamos sobre terminologias na aula passada. Esses
atributos de Deus também têm sido classificados em tipos dentro da teologia. Geralmente existem quatro tipos de
classificações comuns. Dessas quatro, escolheremos uma.
A primeira classificação – a mais comum e mais conhecida – diz respeito a atributos comunicáveis e atributos incomunicáveis.
Segundo Millard Erickson (2015, p. 258), “atributos comunicáveis são aquelas qualidades de Deus para as quais se pode
encontrar ao menos uma correlação parcial em suas criaturas humanas”. Ou seja, são atributos que se podem encontrar
também naquilo que é criado por Deus. Segundo Franklin Ferreira e Alan Myatt (2007, p. 216), “os atributos comunicáveis
5. AS CLASSIFICAÇÕES DOS ATRIBUTOS
17
Uma terceira divisão está entre atributos absolutos e
atributos relativos. Atributos absolutos pertencem à
existência de Deus, em si mesma, e atributos relativos
pertencem à essência divina, em relação à sua criação
(BERKHOF, 2007, p. 54). Os absolutos seriam eternidade,
imensidade, auto-existência etc. Os relativos seriam
onipresença, onisciência e tudo aquilo que faz referência
diretamente à coisa criada.
A quarta classificação está ligada aos atributos imanentes
ou intransitivos e aos emanentes ou transitivos. Os primeiros
são aqueles que não se expõem nem operam fora da
essência divina, mas permanecem imanentes (BERKHOF,
2007, p. 52), ou seja, pertencem à própria natureza de
Deus (ERICKSON, 2015, p. 258) e estão contidos nele (e.g.,
imensidade, simplicidade, eternidade etc.). Ou outros são os
que se expõem e produzem efeitos externos quanto a Deus
(BERKHOF,2007, p. 52), isto é, emanam dele (ERICKSON,
2015, p. 258) – por exemplo, onipotência, benignidade,
justiça etc.
revelam a condescendência de Deus, e são as virtudes
divinas que se refletem, de forma derivada e limitada,
em suas criaturas”. Berkhof refere-se aos atributos
comunicáveis como “os quais as propriedades do espírito
humano têm alguma analogia como poder, bondade,
misericórdia, retidão etc” (2007, p. 54).
Logo, os atributos incomunicáveis são aqueles que não
podem ser atribuídos a nenhuma criatura. São “aquelas
qualidades singulares para as quais não se encontra
qualquer correlação nos seres humanos” (ERICKSON, 2015,
p. 258). São aqueles “aos quais nada análogo existe na
criatura” (2007, p.54), atributos que só Deus possui e que
nós não possuímos.
Outros criam distinções entre atributos naturais e atributos
morais. Os primeiros seriam os atributos pertencentesà
natureza constitutiva de Deus, de maneira distinta de sua
vontade (BERKHOF, 2007, p. 53). São os “superlativos
não morais de Deus” (ERICKSON, 2015, p. 258). Os outros
o qualificam como um ser moral. O problema dessa
classificação é que os atributos ditos naturais também têm
características morais. Os atributos naturais seriam auto-
existência, simplicidade, infinidade etc., e os morais seriam
bondade, misericórdia, justiça, santidade etc.
18
P
essoalidade é certamente um dos principais atributos de
Deus, de forma que os vários outros acabam tangenciando
o tema da pessoalidade. A ideia é que Deus é pessoal.
Ele não é uma força, não é uma energia. Deus é uma pessoa.
Existem vários cenários na Escritura que apresentam justamente
essa ideia de um Deus que se relaciona, que fala, que conversa,
que vê, que usa constantemente linguagens antropomórficas
para falar a respeito de si mesmo e que se identifica com o ser
humano das mais variadas formas. O fato de Deus ser relacional
e viver interagindo com o ser humano apresenta essa ideia de que
estamos nos relacionando com um ser autoconsciente, pessoal,
que possui individualidade e uma autoconsciência.
É importante relacionarmos isso com o modo com que nos
enxergamos e nos relacionamos com o Deus cristão. Ele não
é um totem, uma pedra ou um item de barro. Ele é um ser que
interage porque tem autoconsciência. Ele possui ciência da sua
própria consciência. Ele conhece a si mesmo, assim como o ser
humano se conhece e se entende de alguma forma. Ele apresenta
identidade, ele sabe quem ele é e o que ele é em diferença ao
que os outros são. Essa identidade é distintiva. Ela não é uma
identidade que se confunde com as outras coisas, mas uma
6. A PESSOALIDADE DE DEUS
19
Podemos nos referir a Deus como criador, como alguém
criativo, como alguém consciente, como alguém pessoal.
Imagens antigas de um deus totêmico, animalesco, ou um
deus que não tem consciência, raciocínio ou identidade são
imagens que não correspondem ao Deus cristão, a quem
chamamos de pessoa. Por isso que afirmamos que existem
três pessoas na Trindade. A ideia de pessoa não é uma
ideia errada, mas é muito coerente com esses traços de
pessoalidade que aplicamos a Deus. Não que ele seja um
ser humano como somos, mas uma divindade com quem
podemos nos relacionar, porque ele é um ser senciente,
inteligente, que compreende as coisas, que entende tudo,
que tem uma identidade própria. E esse é um atributo que
faz com que seja possível nos relacionarmos pessoalmente
com esse Deus, orarmos e falarmos com Deus, sabendo que
estamos nos dirigindo a uma pessoa que nos entende e que
nos responde.
identidade que é própria dele. Ele tem raciocínio, inteligência,
criatividade, comunicação. Temos um Deus que fala e se
revela na Escritura constantemente.
Quando Moisés questiona quem ele é, ele responde “eu sou
o que sou”, porque ele é o ser perfeito, a ontologia última.
Nós somos em referência a algo. Eu sou homem, sou isso,
sou aquilo. Deus é o único que é, porque Deus é a própria
existência. E, sendo a própria existência de quem todas as
outras existências derivam, ele é aquele ser pessoal que
organizou tudo de acordo com a sua vontade.
Tanto que a expressão “imagem e semelhança”, que se
refere à criação do homem – isso será tratado melhor em
antropologia – é usada para descrever como nós, enquanto
seres humanos, nos assemelhamos a Deus, como refletimos
Deus. Imagem e semelhança são termos intercambiáveis e
significam basicamente a mesma coisa. Ser imagem de Deus
significa que somos parecidos com Deus e refletimos Deus.
Ser a semelhança de Deus significa justamente que temos
essa imagem assemelhada à dele. Uma vez que somos
imagem e semelhança, podemos, por analogia, entender que
Deus carrega algum traço de humanidade. Não que ele seja
homem, mas que ele tem algumas características que nós
possuímos de forma derivada.
20
O
primeiro bloco sobre os atributos de Deus de que devemos tratar são aqueles chamados por
Millard Erickson de atributos de grandeza. O primeiro atributo de grandeza é a infinitude ou
infinidade. Para Berkhof (2007, p. 59): “É a perfeição de Deus pela qual ele é isento de toda e
qualquer limitação. Ao atribuí-la a Deus, negamos que haja ou que possa haver quaisquer limitações
do Ser divino e dos seus atributos”. Ou seja, ninguém pode restringir, controlar e limitar quem Deus é.
Erickson (2015, p. 264) continua argumentando que “Isso não significa que é somente ilimitado, mas
é ilimitável [...]. Deus é diferente de tudo o que experimentamos. Mesmo aquilo que o senso comum,
antes, afirmava ser infinito ou sem limites, agora é considerado limitado”, porque Deus é a ilimitação
em sua grandeza e totalidade. Bavinck (2012, p. 164) diz o seguinte:
Trata-se de uma infinitude de essência. Deus é infinito em sua essência característica,
absolutamente perfeito, infinito em um sentido intensivo, qualitativo e positivo [...] a infinitude de
Deus é sinônima de perfeição e não tem de ser discutida separadamente.
Nós percebemos a infinitude de Deus em certas características que são ressaltadas na Escritura
distinguindo Deus como alguém incontrolável, alguém que não pode ser contido, alguém que está
em todos os lugares. A infinitude é um atributo derivado logicamente de outros atributos de Deus.
Se buscarmos bases bíblicas para demonstrar que Deus é infinito, encontraremos bases bíblicas
manifestando outras características de Deus que, quando juntas, revelam esse aspecto de Deus ser
maior do que tudo e de não ser possível contê-lo e limitá-lo de forma alguma.
Um desses atributos é o atributo da eternidade. A Escritura não apresenta um começo ou mesmo
7. INFINITUDE E ETERNIDADE
21
alguém que nunca ouviu nada tentando compreender o
que é ouvir. É como se tentássemos assimilar cores com
frequência acima do ultravioleta ou abaixo do infravermelho.
São tentativas que estão além de nossa capacidade e Deus é
alguém que está além do tempo. Bavinck (2012, p. 166) diz:
A natureza essencial do tempo não diz respeito à finitude
ou infinitude do antes ou do depois, mas que ele abrange
uma sucessão de momentos, que há nele um período que é
passado, um período que é presente e um período que vem
depois. Mas, daí, segue-se que o tempo – tempo intrínseco – é
o modo de existência que é característico de todos os seres
criados e finitos [...] Tempo é duração da existência da criatura
[...] Deus não é um processo de tornar-se, mas um ser eterno
[...] Ele não pode ser submetido à medida ou à contagem de sua
duração [...] A eternidade de Deus, portanto, deve ser imaginada
como um presente eterno, sem passado nem futuro.
Ele reitera que Deus “continua sendo eterno e habita
a eternidade, mas usa o tempo para manifestar seus
pensamentos e perfeições eternas. Ele faz que o tempo seja
subserviente à eternidade e, assim, prova ser o Rei das eras (1
Tm 7.17)” (2012, p. 167). Em Cristo, Deus encarnou no tempo.
Em Cristo, Deus não somente recebeu a natureza humana,
mas em Cristo, Deus tornou-se temporal. Uma vez que ele se
encarnou, cresceu e viveu como homem como nós.
de um fim para Deus. E muitas pessoas, opondo-se ao
cristianismo, questionam: quem criou Deus? A resposta
simples é: ninguém. Se tudo o que é criado possui uma
causa, como diz o famoso argumento cosmológico, torna-se
necessária a existência de algo não-criado, a fim de dar início
a tudo. Esse algo não-criado tem de ser algo que faça parte
da infinidade passada, que está fora dos nossos conceitos de
tempo e que sempre existiu.
A Escritura declara diversas vezes que ele é “O Primeiro e
o Último” (Is 44.6), que ele existia antes de o mundo existir
(Gn 1.1), que ele é Deus de eternidade a eternidade (Sl 90.2;
93.2), eterno (Is 40.28; Rm 16.26), habita na eternidade (Is
57.15) e é imortal (Rm 1.23; 1 Tm 6.15). Sobre a eternidade,
Bavinck (2012, p. 165) afirma que “entre eternidade e tempo
há uma distinção não somente em quantidade, e em grau,
mas também em qualidade e essência”. Deus ser eterno não
significa simplesmente dizer que ele existe há muito tempo.
Por outro lado, significa dizer que ele tem um relacionamento
diferente com o tempo em nível qualitativo. Ele apresenta
outra essência de relacionamento, além do próprio tempo –
coisas que nem conseguimos entender.
Quando nascemos e vivemos, surgimos presos ao tempo. É
impossível compreender-se e interpretar-se fora do tempo.
É difícil imaginarmos como seria esse tipo de existência.
É como um cego de nascença tentando enxergar. É como
22
C
ontinuando com os atributos de grandeza, o atributo da vez
é imutablidade, ou constância. A Bíblia declara que Deus
permanece o mesmo para sempre, que ele foi e sempre será
o mesmo. Diz a Escritura que ele não é homem para que minta ou
se arrependa. O que promete, cumpre (Nm 23.19; 1 Sm 15.29).
Seus dons e chamado são irrevogáveis (Rm 11.29). Nele não há
sombra de variação (Tg 1.17). Ele não muda (Ml 3.6).
Há um longo testemunho na Escritura em favor disso. Porém,
existem certas passagens que parecem atribuir a Deus atitude
de arrependimento (Gn 6.6; 1 Sm 15.11; Am 7.3; Jl 2.3; Jo 3.9;
4.2), mudança de planos (Êx 32.10-14; Jn 3.10). Algumas dão a
entender que ele pode ficar irado (Nm 11.1, 10; Sl 106.40; Zc 10.3)
e desviar sua ira (Dt 13.17; 2 Cr 12.12; 30.8; Jr 30.8; Jr 18.8, 10;
26.3, 19; 26.3).
Essas passagens, muitas vezes, são mal compreendidas. Alguns
desses textos sofrem com péssimas traduções que, muitas
vezes, não respeitam os melhores contextos de cada palavra.
Por exemplo, a palavra usada para arrependimento no Antigo
Testamento é uma palavra que pode ser traduzida para outros
vocábulos. O campo semântico é mais vasto e a palavra pode
8. IMUTABILIDADE E UNIDADE
23
de Deus para com as coisas criadas, sempre em termos
humanos e de uma perspectiva humana. Isso incluiria as
manifestações de Deus experimentando dor e pesar. “Se
a Escritura fala do seu arrependimento, de sua mudança
de intenção, e da alteração que faz de sua relação com
pecadores quando esses arrependem, devemos lembrar-
nos de que se trata apenas de um modo antropopático
de falar. Na realidade, a mudança não é em Deus, mas
no homem e nas relações e nas relações do homem com
Deus” (BERKHOF, 2007, p.59).
- O que pode parecer mudança de ideia, na verdade, pode
ser um novo estágio na concretização do plano de
Deus. Exemplo disso é a oferta da salvação aos gentios.
Percebemos que no Antigo Testamento a salvação era
oferecida ao povo de Israel como povo escolhido de Deus.
Os gentios eram salvos ao sujeitarem-se ao povo de
Israel. A conversão de fé no Antigo Testamento também
era uma conversão étnica em algum nível. A pessoa
sujeitava-se a Israel para se sujeitar ao povo de Deus.
É como disse Rute a Noemi: “Seu povo será meu povo
e o seu Deus será o meu Deus”. No Novo Testamento,
a salvação é entregue e ofertada aos gentios sem uma
submissão ao povo de Israel. Então, Deus mudou de
ideia? De forma nenhuma. Deus apenas concretizou
um novo aspecto do seu plano eterno. Já era plano
de Deus que no avançar das eras os povos tivessem
significar apenas tristeza, como também lamento. Traduzir
essa palavra como arrependimento e relacioná-la a Deus,
exclui outras possibilidades de tradução mais adequadas
ao intentar expressar que Deus lamentou algo. É Berkhof
(2007, p. 58) que elucida a questão de que afirmar que
Deus é imutável não quer dizer que ele é imóvel, como se
não houvesse qualquer movimento em relação à criatura.
"Imutabilidade não é imobilidade rígida. A própria Escritura
nos leva a descrever Deus nas relações mais variadas com
todas as suas criaturas” (BAVINCK, 2012, p. 161). E, nesse
processo, Deus manifesta-se em contato e em adaptação a
elas. Uma vez que Deus escolheu ser um ser relacional, ele
escolheu, de alguma forma, em sua manifestação econômica,
em sua manifestação com aqueles com quem estão falando
e se envolvendo, não se portar estático, ainda que seja
estável. Ele é ativo e dinâmico, mas de um modo estável e
consistente com sua natureza” (ERICKSON, 2015, p. 271).
Ou seja, ainda que Deus tenha um núcleo formativo que é
imóvel – ele não muda –, pois, sendo perfeito, não involui
nem decresce em nada, Erickson propõe três alternativas de
percepção a essa ideia de Deus mudar de alguma forma.
- Alguns textos bíblicos que dão entender que Deus
muda devem ser interpretados como alusores
ao antropomorfismo ou ao antropopatismo. São
simplesmente descrições das ações e dos sentimentos
24
relacionamentos distintos com ele, de acordo com o
beneplácito da sua boa vontade.
- Algumas aparentes mudanças de ideia são alterações de
orientações resultantes do avanço dos seres humanos
para um relacionamento diferente com Deus. Uma vez
que os homens mudam, aquilo que Deus manifesta aos
homens também muda.
Muito próximo da ideia de imutabilidade, está o atributo
da unidade, a ideia de que Deus é uno. A unidade de
Deus manifesta-se em sua unidade de singularidade
(unitas singularitatis) e unidade de simplicidade (unitas
simplicitatis). Unidade de singularidade (Dt 6.4; 1 Rs 8.60; 1
Co 8.6) quer dizer que:
[...] há apenas um ser divino, que em virtude da natureza
desse ser, Deus não pode ser mais que um ser e,
consequentemente, que todos os outros seres existem
somente dele, por ele e para ele. Portanto, esse atributo
ensina a absoluta unicidade e exclusividade de Deus, sua
unicidade interior ou qualitativa (BAVINCK, 2012, p. 174).
Isso, atrelado à ideia de imanência e transcedência que ainda
vamos ver, é o que revela que Deus é distinto de sua criação.
Ele não pode ser confundido com nada na coisa criada, o que
é uma crítica séria ao panteísmo e ao panenteísmo, duas
doutrinas muito famosas que assumem que Deus é tudo ou
que Deus está em tudo – o que não é verdade. Nós temos
também essa unidade de simplicidade, o que quer dizer
que, por causa de sua absoluta perfeição, cada atributo de
Deus é idêntico à sua essência (BAVINCK, 2012, p. 177). É
exatamente a ideia de que já falamos, que Deus é exatamente
o que ele possui, sendo:
[...] o estado ou qualidade que consiste em ser simples, a
condição de estar livre de divisão em partes e, portanto,
composição. Quer dizer que Deus não é composto e não
é suscetível de divisão em nenhum sentido da palavra.
Isso implica, entre outras coisas, que as três pessoas da
Divindade não são outras tantas partes das quais se compõe
a essência divina, que não há distinção entre essência e as
perfeições de Deus, e que os atributos não são adicionados à
sua essência (BERKHOF, 2007, p. 61).
Os atributos são a própria essência de quem Deus é, ou
seja, Deus não é uma composição de partes. Ele não é um
organismo que pode ser dissecado. Deus é. E ele é o todo de
tudo que ele é.
25
9. SANTIDADE E JUSTIÇA
A
palavra hebraica para “ser santo”, qadosh (‫ָק‬‫ד‬‫)ׂשֹו‬,
deriva da raiz qad, que significa cortar ou separar”
(BERKHOF, 2007, p. 70). Essa palavra é utilizada em
associação a elementos que são separados para um fim
específico, como, por exemplo, itens santificados para uso
no templo. Alguns objetos no Antigo Testamento eram coisas
santas e por serem santas não poderiam ser usadas na vida
comum. Eram separadas apenas para o serviço no templo de
Deus. (Êx 3.5; 12.16; 19.6; 29;31; 30.25; Lv 16.4; 25.12; 27.14,
30; Nm 5.17; 16.37; 27.30; Dt 23.14; Js 16.37; 2 Cr 35.3; Ed
9.2; Ne 11.1; Dn 11.28 etc). Em primeiro lugar, dizer que Deus
é santo significa dizer que Deus está totalmente separado
de toda a criação (Êx 15.11). Significa que ele é separado do
pecado e do mal moral (ERICKSON, 2015, p. 277).
Certamente, a expressão mais clara e mais profunda da
santidade de Deus é encontrada em Isaías 6.1-4, em que o
profeta vislumbra Deus no seu alto e sublime trono e os anjos
em sua volta proclamam “Santo, Santo, Santo”, indicando
um superlativo de santidade. Esse atributo de Deus possui
tanto uma qualidade relacional quanto uma qualidade moral.
Essa separação do mal, do pecado e da própria criação
revela sua glória e sua majestade acima de tudo e de todos.
Está intimamente relacionada com a bondade, fidelidade e
sabedoria de Deus (BAVINCK, 2012, p. 222). Norman Geisler
(2003, p. 314) afirma que a santidade de Deus representa
uma total separação de toda criação e de todo mal. Ou seja, a
santidade expressa a relação de Deus com o mundo.
Mas essa relação é interpretada de formas diferentes,
dependendo do teólogo que a comenta. Herman Bavinck
nomeia vários teólogos que entraram na discussão e expõe
26
suas opiniões. Menken associou a santidade de Deus com
sua bondade condescendente e com sua graça. Baudissin,
porém, cria que era transcendência total de Deus, e foi
apoiado, nessa interpretação, por Ritschl e por outros, que
recorreram a Números 20.13; Isaías 5.16; Ezequiel 20.41;
28.25; 36.20-24; e à relação entre glória e santidade em
textos como Isaías 63.15; 64.11; Jeremias 17.12; Ezequiel
20.40 e assim por diante. Estreitamente relacionada a
essa posição está a de Schultz, que, baseado em Êxodo
15.11; 1 Samuel 2.2; 6.20 e Isaias 6.3; 8.13; 10.17, associa
a santidade de Deus com sua majestade ardente, sua
inacessibilidade, a distância infinita que o separa de todas as
criaturas.
Na batalha para descobrir qual atributo de Deus
poderia representar melhor a ideia de santidade, muitos
interpretaram a questão como mero relacionamento com
a criatura e explicaram esse ponto como um mero termo
relacional, e não como um atributo divino de fato, algo que
aponta diretamente para sua essência interior. Diestel foi um
dos teólogos famosos que defendeu essa posição.
Apesar das diferentes interpretações acerca da santidade
de Deus e de como isso pode ser percebido no seu
relacionamento com as criaturas, todos concordam que Deus
é separado da criação e que Deus é separado do pecado.
Dessa forma, por ser santo, Deus está separado de suas
criaturas e do mal, e Deus nos santifica. Por mais que essa
santidade seja considerada por muitos teólogos como um
atributo incomunicável, Deus ainda assim nos concede algo
de santificação, à medida que cremos no nome do Messias e
seguimos o caminho do Salvador.
Por causa de sua santidade, Deus não é manchado nem
tocado pelo mal do mundo e não tem nenhuma participação
nesse mal. Deus é totalmente diferente de nós e não procede
de forma má. E tal perfeição é o padrão, o horizonte que
seguimos como base moral para o povo de Deus. Bavinck
(2012, p. 224) comenta que a
santificação de pessoas e coisas pelo Senhor ocorre de duas
maneiras: negativamente, pela escolha de um povo, pessoa,
lugar, dia ou objeto e sua separação de todos os outros; e
positivamente, consangrando essas pessoas ou coisas e
fazendo-as viver de acordo com normas específicas.
Bavinck (p. 225) então considera que a santificação é algo
além do que mera separação. Ela consiste em, “por meio
da lavagem, da unção, do sacrifício, do aspergir do sangue
(etc.), privar uma coisa do caráter que ela tem em comum
com todas as outras coisas e imprimir sobre ela outro selo,
um selo exclusivamente seu, que ela deve portar e exibir em
toda parte”. Ou seja, é algo propriamente da pessoa ou coisa
santificada. A santidade diz respeito à plenitude num sentido
27
“religioso, ético, cerimonial, interno e externo” (p. 226).
É por isso que Jesus é a manifestação final, última e perfeita
da santidade de Deus. A ideia de santidade está intimamente
relacionada com a ideia de justiça e retidão. Berkhof (2007, p.
72) afirma que “a ideia fundamental de justiça é a de estrito
apego à lei”. Significa, é claro, a lei de Deus manifestando
sua verdadeira natureza, revelando que a natureza de Deus
é tão perfeita quando ele e que a lei de Deus é tão perfeita
quanto a natureza de Deus.
A justiça é o seu instrumento para reger o reino. Sua justiça
durará para sempre. Deus é o juiz de toda Terra e não
permitirá que a injustiça permaneça. Por causa dessa justiça,
Deus não toma por culpado o inocente (Ex 20.7; Ne 1.3ss).
Ele nunca punirá alguém que não apresenta culpa do seu mal
e do seu erro. E, porque é justo, ele não poupa o ímpio (Ez 7.4,
9, 27; 8.18; 9.10). Porque é justo, ele traz a justa condenação
sobre aqueles que escolheram praticar a maldade. Porque
é justo, Deus não faz acepção de pessoas, nem aceita
suborno (Dt 10.17). Ele nunca corromperá sua moral e justiça
por causa de qualquer coisa. Ele é reto em todos os seus
caminhos (Sl 119.37; 129.4). Por isso que a punição do ímpio
é mera consequência da justiça e da retidão do Senhor.
Um dos grandes debates teológicos diz respeito ao que é
justiça de Deus, como interpretamos a palavra justiça no
Antigo e Novo Testamento. É muito difícil dimensionar a
questão com clareza. Muitos teólogos afirmam que justiça
nada mais é que a preocupação de Deus com a sua glória.
Outros falam que ela exprime um resultado justo a partir de
um padrão criacional que Deus planeja seguir. Outros alegam
que justiça se refere a procedimentos corretos. Apesar de
não ser o assunto de que queremos tratar aqui, torna-se
conveniente entender que o conceito de justiça pode mudar
dependendo do teólogo que debate a questão, e que isso
afeta o modo como interpretamos o fato de Deus ser justo
e o modo como interpretamos a justificação – algo do qual
trataremos na doutrina da salvação, sotereologia.
O que importa neste momento é entender que Deus não é
alguém que se corrompe. Ele é alguém que anda de forma
reta, justa, correta. Ele não torcerá o que é o certo por causa
de nada. Ele age com justiça, ele pune os ímpios, traz graça
aos justos e corresponde em sua retidão àquilo que a sua lei,
aliança e bondade promovem aos seus filhos, aos perdidos e
a toda coisa criada, que um dia estarão plenamente sujeitos
à justiça do Senhor.
28
10. IRA E BONDADE
D
ois outros atributos muito importantes para debatermos quem é o Senhor são sua ira e sua bondade. Geralmente, as
pessoas costumam olhar para um desses e ignorar o outro. Alguns integrantes de uma religião mais severa e com o olhar
mais duro para vida interpretam que a ira de Deus é muito importante e exergam um Deus que está sempre com raiva
de todos. Há também outros que interpretam Deus como uma divindade sempre boazinha, semelhante ao Papai Noel, de barba
longa, no trono do céu, um Deus que mais parece com a Hello Kitty. Enxergam um Deus que é bondoso, amoroso e que tudo
concede, tudo libera e tudo permite, porque ele é “bonzinho” para conosco.
29
Todavia, aprendemos a partir do autor de Hebreus que
devemos considerar tanto a bondade quanto a severidade
de Deus. Temos um Senhor que, sim, é bondoso, mas que
também é severo, e o mesmo Deus que criou um céu de
glória criou um inferno eterno para punir aqueles que vão
contra o caminho do bem e da justiça. Falaremos melhor
sobre o inferno em sotereologia, mas vale antecipar que a ira
de Deus é um atributo típico de seu relacionamento com a
criação. Wayne Grudem (1999) afirma que a ira de Deus está
relacionada à sua santidade e sua justiça, de forma que ele
define a ira de Deus da seguinte maneira: “dizer que a ira é
atributo de Deus é dizer que ele odeia intensamente todo o
pecado”. Portanto, a ira é nada mais do que uma conclusão
lógica de sua santidade e de sua justiça.
Com isso, entramos em um dos grandes debates da teologia:
“Deus odeia o pecado e ama o pecador”. Isso é verdade?
Há um Deus que odeia o pecado de forma abstrata, mas
que ama o pecador que comete o pecado? Isso é uma
verdade, mas não é toda a verdade. Por mais que Deus
odeie e somente odeie o pecado, ele tem um relacionamento
complexo com o homem que escolhe o caminho do pecado.
Nós encontramos na Escritura declarações que expressam
uma manifestação de amor, por parte de Deus, que se dá a
todos os homens. Percebemos essa atitude em passagens
como João 3.16, que diz que Deus amou o mundo e,
porque amou o mundo, entregou o seu Filho. “Mundo”, ali
no contexto de João, parece referir-se ao mundo caído, ao
mundo pecador. Quando Jesus ordena que amemos nossos
inimigos, a base que ele fornece é a de que Deus faz cair
chuva e sol sobre justos e injustos. Há um Deus que ama
o mundo e, porque ama o mundo, ordena que o amemos
também.
Porém, ao mesmo tempo, há um Deus que manifesta ira
contra o homem pecador. Isso é confirmado nos Salmos 5 e 7
e João 3. 36, no qual é afirmado que “aquele que tem o filho,
tem a vida, mas aquele que rejeita o filho já está condenado e
a ira de Deus permanece sobre ele”. Isso é visto em Romanos
9, que diz que ele “amou Jacó, mas odiou Esaú”. Há um Deus
que, sim, manisfesta-se não apenas contra o pecado, mas
contra aquele que peca. Deus não externa ira apenas contra
a figura abstrata do pecado, mas também contra o agente do
pecado.
“Ora, Yago, mas se Deus ama a todos, como pode odiar
alguns?” A ideia é que de fato Deus é um ser mais complexo
do que nós. Até mesmo nós, seres humanos, possuímos
sentimentos complexos em relação à existência e a muitas
outras coisas. Podemos dizer que amamos e odiamos
algumas coisas. Deus, sim, tem um amor por seus filhos
que é muito especial. Também possui um amor que se dá
por toda criação e ama também aqueles que criou. Ainda
30
assim, Deus apresenta um ódio santo e uma ira justa contra
aqueles que praticam o pecado. Essa ira deve se manifestar
em punição contra eles. Porque Deus ama, ele os traz e
os convida a saírem do caminho do pecado e andarem no
caminho do arrependimento e, por outro lado, porque Deus
tem uma ira, ele trará justiça contra aqueles que rejeitarem a
sua bondade.
A bondade de Deus é o conjunto total de todas as perfeições
(bondade metafísica). Todas as virtudes estão presentes
nele em um sentido absoluto” (BAVINCK, 2012, p. 217). Deus
“é o parâmetro definitivo do que é bom, e que tudo o que
Deus é e faz é digno de aprovação” (GRUDEM, 1999, p. 143).
Ele é a base do que é moral, do que é certo e errado. Ele é a
própria bondade e justiça. É por isso que várias vezes a Bíblia
declara que Deus é bom (Sl 34.8; 36.6; 104.21; Mt 5.45; Mc
10.18; Lc 18.19; At 14.17).
Isso significa que o padrão de avaliação do que é bom e
do que não é, é o que Deus determina que é bom ou não.
Deus é bom e, por causa disso, aquilo que ele julga bom é,
de fato, bom para aqueles que encontram em Deus a base
moral e epistemológica de toda a existência. Se Deus não
existe, se não há um padrão moral absoluto, a moralidade
não transcende o homem. Ela passa a ser uma mera escolha
arbitrária, ou um fruto de padrões evolutivos. Se Deus existe,
há uma moralidade acima de todos nós, e essa moralidade
é baseada totalmente em quem Deus é e naquilo que ele
considera justo e correto para nossas vidas.
A respeito disso, Deus deu-nos um reflexo do seu próprio
padrão de bondade, de modo que podemos avaliar as coisas
a partir de um padrão colocado por Deus em nosso coração.
Romanos 1-2 diz que Deus pôs no coração do homem algum
senso da lei de Deus, de forma que temos alguns padrões
do que é certo, justo, bom, o que perpassa todos os seres
humanos, sejam religiosos ou não. Essa realidade está
intimamente relacionada ao fato de que todos fomos feitos à
imagem de Deus.
Por isso, devemos aprovar o que Deus aprova e encontrar
prazer nas coisas que Deus diz que são boas. A graça e a
misericórdia de Deus manisfestam-se como parte da sua
bondade. A ideia de misericórdia está em não dar algo ruim
que merecemos. Merecíamos ser punidos, mas Deus não o
fez – isso é misericórdia. É o oposto negativo de graça. Graça
é entregar algo bom que você não merece. Deus é gracioso e
misericordioso. Por isso que a graça divina é bondade para
com aqueles que só merecem castigo, e paciência divina é
a sua bondade para com aqueles que continuam por muito
tempo no pecado.
A ideia de um amor leal da parte de Deus, ou de um amor
permanente, significado do termo hebraico hesed [‫ֶה‬‫ס‬ֶ‫ד‬] muito
31
usado na Escritura para mostrar essa aliança que Deus faz
com o homem e que permanece em aliança por causa desse
amor, também é uma das manifestações da sua bondade
para conosco. É um ato de compromisso para com aqueles
que participam do seu favor e é o princípio do perdão, o qual
foi revelado plenamente em Cristo Jesus.
Por isso que várias passagens bíblicas abordam a
misericórdia também abordam a graça de Deus (Gn 6.8; Ex
15.13, 16; 19.4; 33.12, 17, 19; 34.9; Pv 3.34; Is 35.10; 42.10;
43.1, 15, 21; 54.5; 63.9; Jr 3.4, 19; 31.9, 20; Ez 16; Os 8.14;
11.1; Dn 4.27), de forma que a graça é constantemente
louvada (2 Cr 30.9; Ne 9.17; Sl 86.15; Jn 4.12. Zc 12.10). No
Novo Testamento, ela mostra-se mais rica e mais profunda
(Lc 4.22; Cl 4.6; Ef 1.6-7; 2.7-9;4.29; Tt 2.11; 3.4-7). É a graça
que se manifesta como algo que nos salva (At 18.27; Ef 2.8),
que nos justifica, fazendo-nos justos diante de Deus (Rm
3.24; 4.16; Tt 3.7).
“O amor é uma expressão da bondade de Deus na qual ele
se doa eternamente aos outros” (GRUDEM, 1999, p. 145).
Essa definição que é dada por Grudem apresenta o amor
como uma doação de si mesmo, em benefício dos outros.
Mostra que faz parte da natureza de Deus doar-se e distribuir
bençãos. A própria Bíblia declara que Deus é amor e que o
amor de Deus é eterno (Sl 136, Jo 17.24). Seu amor é um
modelo do nosso amor (1 Jo 4.10-11), e mostra, além disso,
que Cristo é a prova do amor de Deus ao morrer numa cruz
em nosso lugar (Jo 3.16; 15.13; Rom 5.8).
Deus amou o mundo, Deus amou a igreja e Deus amou os
homens de forma individual (Jo 14.23; 16.27; 17.23). O amor
dele não é só ao grupo, mas é também a indivíduo que vive
sobre a terra. O amor dele é por mim e é por você.
A longanimidade também é um atributo de Deus que está
intimamente relacionado com a sua bondade. É através dela
que ele tolera homens rebeldes e maus a despeito de sua
prolongada desobediência.
32
V
amos falar um pouco sobre imanência e transcendência
de Deus. O que isso significa? Já foi falado acerca de
Trindade imanente e transcendente. Essas palavras
talvez sejam novidade para você. A ideia é que o Cristianismo
sempre apresentou Deus como imanente, como transcendente.
Muitas religiões têm visões diferentes a respeito disso. Religiões
mais panteístas ou panenteístas interpretam que a divindade é
totalmente imanente, tão imanente que a divindade se confunde
com a própria criação, porque deus é tudo ou está em tudo. Já
movimentos mais deístas interpretam Deus como algo totalmente
distinto da criação ao ponto de não mais participar da coisa
criada. É alguém que criou tudo, empurrou todas as coisas, girou
o motor e então saiu e desapareceu. O cristianismo apresenta um
Deus que tanto é transcendente como é imanente. Primeiramente,
começaremos por imanência.
Por imanência referimo-nos ao contato de Deus com toda a
criação, com a natureza, com a história daquilo que ele formou na
Terra. Por ser imanente, estando em contato com a coisa criada,
ele também é providente – outro termo que é comumente usado
na teologia para fazer referência ao controle de Deus na natureza,
na criação e nos corações dos homens, nos governos e em tudo
11. A IMANÊNCIA DE DEUS
33
que está à nossa volta. Deus está em contato com a criação
e a está guiando de acordo com a sua vontade e de acordo
com o poder de sua Palavra. Nisso podemos acreditar que
tudo que acontece à nossa volta é devido ao fato de haver um
Deus imanente cuidando de tudo. Ele é o Deus da natureza,
da lei natural. Ele é o Deus que criou as regras do universo e
sustenta tudo com o poder de sua Palavra. Por isso que até
mesmo os eventos naturais podem ser vistos como atuação
de Deus. Não existe acaso, não existem atos aleatórios. Tudo
que existe é por causa de um Deus providente, imanente,
próximo de nós, guiando todas as coisas. Deus está presente
em todos os lugares, não apenas naquilo que é espetacular.
Deus está lá naquilo que é comum. Norman Geisler afirma
que a imanência fala diretamente a respeito do modo como
Deus se relaciona com a sua criação, no sentido de que Deus
não está somente sobre ela, mas que Deus está nela. Ele é
tanto Deus de longe quanto de perto. Geisler também coloca
que Deus, sendo infinito, precisa estar além da criação. No
entanto, como sua causa sustentadora, ele deve estar na
criação.
Teologicamente, então, a ideia de imanência significaria que
Deus está presente no universo inteiro. A imanência estaria
próxima, por definição, da onipresença. A ideia de que Deus
está em todos os lugares também traz a ideia de que Deus
está presente em todos os lugares e se faz conhecido e
acessível em todos os lugares. Novamente, isso não pode ser
confundido com panteísmo/panenteísmo. Deus está em todo
lugar, fazendo-se presente. Ele faz-se acessível às criaturas,
mas ele não se confunde com a coisa criada. Deus não está
no universo no sentido de ser parte dele. É como coloca
Geisler: “ele está no universo como sua causa sustentadora,
mas não no sentido de ser parte de sua natureza” (2003, p.
527).
A Bíblia sustenta a imanência de Deus em muitas passagens
(Jr 23.23-24; Sl 104.29-30; 139.7-10; At 17.27-28; 27.3;
33.4; Cl 1.17; Hb 4.13; Ap 4.11). Pense na ideia de que Deus
é aquele que sustenta o universo e também em tantos outros
textos que evidenciam um Deus próximo, que pode ser
encontrado pelo seu povo.
Millard Erickson nos dá cinco aplicações práticas a respeito
da ideia de existir um Deus imanente. (1) Ele não está
limitado a agir diretamente para realizar seus propósitos.
Ele pode usar toda a criação e natureza para fazer isso
acontecer, porque ele está controlando e sustentando toda
a natureza. (2) Deus pode usar pessoas e organizações
que não são declaradamente cristãs (Is 44.28; Ed 1.1-4).
Pense na história do rei Ciro no Antigo Testamento. Era um
rei ímpio usado por Deus para fazer seu nome conhecido e
para cumprir a sua vontade. Mesmo homens que não servem
a Deus são usados por ele, porque há um Deus providente
e imanente organizando todas as coisas. (3) Significa que
podemos apreciar o que Deus criou. Podemos receber a
34
benção de tudo aquilo que está à nossa volta porque há um
Deus que se revela e usa aquilo que nos rodeia. (4) Podemos
aprender algo de Deus por meio da criação. Lemos em
Romanos 1 que há um Deus que se manifesta por meio da
coisa criada e que, sim, há algumas características a respeito
do Senhor que nos são acessíveis através da sua revelação
na natureza. (5) A imanência representa o ponto de contato
entre o crente e o descrente. Aquele que acredita em Deus e
o que não acredita estão diante de um Deus que está perto.
E, porque ele está perto, é possível que apontem de alguma
forma para aquilo que é maior do que eles. (ERICKSON, 2015,
p. 304-305).
Uma vez que Deus não está longe, mas próximo, existe
um ponto de contato ali. Até mesmo o homem caído, o
qual ainda tem um senso do divino, como dizia Calvino,
e o homem que encontrou a revelação do Senhor. Muitos
modelos de imanência surgiram ao longo da história da
igreja. Agostinho (GEISLER, 2003, p. 530), por exemplo, um
grande teólogo do século IV, Dizia que “a presença de Deus
está em todo canto, mas não é confinada por fronteiras nem
limitações, ela é indivisível e imutável. Sua presença não
tem necessidade dos céus nem da terra, mas ele preenche
ambos com sua presença e seu poder”. Thomás de Aquino
(GEISLER, p. 531), mais à frente, na teologia medieval, fala
que costumeiramente se comenta que “Deus está em todas
as coisas por essência, não de fato pela essência de todas
as coisas em si mesmas, como se ele fosse da sua essência,
mas pela sua própria essência; porque sua substância está
presente a todas as coisas como a causa de sua existência”.
Deus é aquele que criou tudo, então ele se manifesta ainda
através de tudo. Mais à frente, com a Reforma Protestante,
Martinho Lutero (GEISLER, p. 541) declara: “Deus não
descansa, mas trabalha sem cessar, como Cristo diz em
João 5, “Meu pai continua trabalhando até hoje e eu continuo
trabalhando”. A ideia da Reforma é a de que havia um Deus
que não havia cessado de sustentar a sua criação e por
isso ainda se fazia presente nela. João Calvino, nas suas
Institutas (1.16.1), dizia que a imanência de Deus “não
significa apenas acionar, mediante determinado movimento
universal, tanto a máquina do orbe, quanto cada uma de
suas partes, como também a sustentar, nutrir, assistir, com
determinada providência singular, a cada uma dessas coisas
até o mais insignificante pardal” (Mt 10.29) . A imanência
de Deus é uma doutrina maravilhosa, mas na aula seguinte
abordaremos a transcendência de Deus.
35
O
que significa a transcendência de Deus? O fato
de Deus ser além da criação. Ele é maior que
qualquer coisa que encontramos à nossa volta. Por
transcendência queremos dizer que Deus é maior que a
natureza e a humanidade, além de ser independente delas.
Ele não está necessariamente ligado à criação ou envolvido
com ela. Ele é também superior à criação nas mais diversas
formas. Por isso, muitos teólogos não consideram a
transcendência como uma característica inerente de Deus,
mas uma característica mais relacional. Inerentemente,
Deus é infinito e, em suas relações com a criação, ele é
transcendente. A Bíblia testifica a transcendência das mais
variadas formas (Gn 1.1; 1 Rs 8.27; Sl 57.5; 113.5-6; Is 6.1-5;
40.12; 55.8-9; 57.15; Jo 8.23; Ef 4.6).
Agostinho, no século IV, apresentou um modelo de
transcendência que mostrava um Deus que não criou nada
fora da sua própria vontade. Seu conhecimento da coisa
criada nunca sofreu alteração ou mesmo adição (GEISLER,
2003, p. 522). Deus não fez as criaturas por causa de alguma
nova vontade de seu coração que indicava que ele precisava
de algo ou alguém. Ele é transcendente porque é superior e
criou tudo de forma deliberada e amorosa. Da mesma forma,
Thomás de Aquino dizia que “Deus está acima de todas as
coisas pela excelência de sua natureza” (GEISLER, 2003,
p. 522). Na Reforma Protestante, Martinho Lutero afirmava
que “Deus não deve ser excluído de, ou limitado a qualquer
lugar. Ele está em todos os lugares e em lugar nenhum”,
porque Deus não pode ser contido nem mesmo no tudo. E
acrescenta ainda que Deus estaria em todos os lugares por
causa do exercício do seu poder para isso, ou de acordo com
12. A TRANSCENDÊNCIA DE DEUS
36
a sua essência de estar em todo lugar. Diz que “Deus não
opera através de seu atributo, mas através de sua essência”.
É da essência de Deus transcender tudo. Calvino, de forma
semelhante, acusa algumas concepções grosseiras acerca
de Deus que desconsideram que Deus é muito maior que as
suas criaturas. Ele argumenta que mesmo que mar, terra, que
tudo pareça vasto em sua extensão, não é nada comparado
a Deus. Ainda hoje, quando nos atentamos às canções,
músicas e tratamentos que damos ao Senhor, percebemos
que às vezes o tratamos como se ele fosse muito pequeno,
ou muito próximo de nós. Aqui no Ceará, dizemos que fazer
isso é tratar Deus como se fosse nosso “pariceiro”, é “levar
Deus a pagode”. Todavia, não o fazemos com o Senhor que é
transcendente e que está acima de todos nós.
Foi um teólogo do século XX chamado Karl Barth que afirmou
que Deus é totalmente outro, chamando atenção para a sua
transcendência. Ele alegava que “Deus não é um aspecto
da natureza humana. Ele está separado da humanidade por
uma distinção qualitativa infinita”. A qualidade de Deus é
infinitamente maior que a nossa. Mas Karl Barth é conhecido
por seus exageros acerca da transcendência de Deus. Ele
chega a colocar que:
[...] nos seres humanos, não há centelha de afinidade com
o divino, nenhuma capacidade de produzir revelação divina,
nenhum resíduo de semelhança com Deus. Além disso, Deus
não está envolvido na natureza, tampouco condicionado
a ela. Ele é o que se oculta, não pode ser descoberto
pelos nossos esforços, demonstrado pelas nossas provas
intelectuais, nem compreendido em termos de nossos
conceitos (ERICKSON, 307).
Essa resposta extremada de Karl Barth foi uma resposta
aos imanentistas do século XIX. A partir do século XIX e em
parte do XX, houve muitos movimentos que deram ênfase
exagerada à imanência de Deus. O Liberalismo Teológico
chegou a postular que não há âmbito sobrenatural fora do
âmbito natural e que Deus está na natureza, não além ou
fora dela. O Liberalismo, então, perceberia Deus atuando
apenas nos fenômenos naturais, excluindo até mesmo a
possibilidade de milagres. Para eles, Jesus era diferente dos
seres humanos apenas em grau, não em espécie. Jesus,
para eles, era um homem melhor do que nós, com um senso
mais elevado do divino, não um homem diferente, superior e
realmente divino, realmente Deus. Uma visão que certamente
não representa aquilo que o cristianismo apresenta sobre
Jesus.
37
D
eus tem vontade. Talvez mais de uma. Esse é um assunto
que tem chamado atenção de teólogos. O que aprendemos
teologicamente é que tudo deriva da vontade de Deus.
Criação e preservação (Ap 4.11), governo (Pv 21.1; Dn 4.35; Ef
1.11), eleição e reprovação (Rm 9.15-16), os sofrimentos de Cristo
(Lc 22.42; At 2.23) e dos crentes (1 Pe 3.17), a vida e o destino
do homem (At 18.21) e os menores detalhes da vida (Mt 10.29)
estão debaixo da vontade do Senhor. Esse é o atributo pelo qual
ele decide praticar todo e qualquer ato, seja para si mesmo ou
para a criação. Nós vivemos sujeitos à vontade de Deus e não
temos como viver fora dela. Ele é aquele que tem controle e
soberania sobre tudo. Mas essa vontade possui alguns aspectos
comumente descritos na teologia. Muitos teólogos falam da
vontade necessária. Wayne Grudem explica isso muito bem
quando diz que “a vontade necessária de Deus abarca tudo o que
ele tem obrigatoriamente de desejar conforme a sua natureza. E
o que Deus necessariamente deseja? Deseja a si próprio. Deus
eternamente deseja ser, ou quer ser, quem ele é e o que ele é”
(1999, p. 156).
Deus não tem conflitos de identidade. Ele é um ser completamente
satisfeito em si mesmo. Ele diz: “Eu Sou o que Sou” ou “Eu Serei
13. AS VONTADES DE DEUS
38
o que Serei” (Êx 3.14). Ele está convicto de quem é. “Deus
não pode decidir ser diferente do que é, nem deixar de
existir” (GRUDEM, 1999, p. 156). Não por uma questão de
possibilidades, mas uma questão moral. Ele simplesmente
não precisa disso e não quer isso, porque a sua vontade
corresponde à plenitude da sua natureza. Por isso que
Bavinck fala de uma vontade de Deus com relação a si
mesmo como uma propensão em relação a si mesmo como
“objetivo[...] Deus não pode fazer outra coisa a não ser amar
a si mesmo. Ele, eternamente e com necessidade divina,
tem prazer em si mesmo. Portanto, sua vontade é isenta de
arbitrariedade, mas não é sujeita a coerção” (BAVINCK, 2012,
p. 239). Deus tem prazer em si mesmo e glorifica o próprio
nome para sempre.
O teólogo e pastor americano John Piper, no seu livro Em
busca de Deus, descreve a paixão de Deus pela sua glória e
o interesse de Deus em glorificar o seu nome para sempre.
A vontade livre de Deus, ou até mesmo o livre-arbítrio de
Deus, encerra todas as coisas que Deus decidiu desejar
sem ter que desejá-las de forma necessária por causa de
sua vontade. Aqui temos que enquadrar a decisão divina de
criar o universo, além de toda decisão ligada aos detalhes
da criação, sem mencionar todos os esforços redentivos
de Deus. Não era necessário que ele assim agisse, mas
escolheu livremente agir dessa forma em nosso favor.
Outra divisão comum com relação à vontade de Deus diz
respeito a uma vontade secreta e uma vontade revelada,
também conhecidas como vontade decretiva e vontade
preceptiva. A vontade secreta é a vontade de decreto de
Deus. Já a vontade preceptiva é a vontade revelada, a
vontade dos mandamentos de Deus, ou seus preceitos. A
vontade preceptiva diz respeito diretamente à nossa conduta
moral, também conhecida como vontade de mandamento.
É a vontade declarada acerca do que devemos ou não
devemos fazer. Basicamente, é a vontade da Lei de Deus.
É o que Deus espera que façamos ou não a partir do que
é ordenado por ele. Segundo Berkhof, a vontade revelada/
preceptiva é justamente a regra moral que Deus deu aos seus
filhos e a regra de vida que ele entregou às suas criaturas
morais, indicando os deveres que lhes impõe. E essa vontade
é desobedecida com frequência (BERKHOF, 2007, p. 74).
Muitas vezes fugimos e abandonamos a vontade de Deus.
Não vivemos como Deus ordena que vivamos. Bavinck
ainda nomeia essa vontade preceptiva/revelada como
vontade expressa/sinalizada. Ele defende que essa vontade
é o “preceito de Deus, concretamente afirmada na lei e no
evangelho, o preceito que serve como regra de conduta”
(2012, p. 250).
A vontade decretiva, vontade secreta ou vontade de
beneplácito é a vontade de Deus que inclui seus decretos
ocultos, o modo como Deus guia a história e organiza tudo
39
para seguir o rumo que ele determinou desde o princípio. É
uma vontade que diz respeito à soberania de Deus e ao modo
como ele organiza todo o universo, de acordo com a sua
vontade. Ele não nos revela normalmente quais são esses
decretos e como funciona sua vontade, a não ser por meios
de profecias acerca do futuro. É por isso que ela é conhecida
como vontade secreta de Deus. O modo como Deus decidiu
organizar todo o mundo é um mistério para nós. A vontade
revelada, que é da Lei de Deus, é conhecida, mas não
conhecemos a vontade do decreto de Deus e do modo como
ele organizou todas as coisas. A vontade decretiva é aquela
da qual não podemos fugir. Podemos fugir dos mandamentos
de Deus, mas não podemos fugir do decreto de Deus. Há uma
soberania do Senhor que guia todas as coisas, montando
toda a história para um rumo específico. Não temos como
fugir da organização do mundo feita por Deus.
Se nos for questionado: “é possível fugir da vontade de
Deus?”, torna-se necessário ser dito: “Depende. A qual
vontade você se refere? - À vontade do mandamento. - Nesse
caso, sim. Porém, fugir do decreto de Deus e da soberania
de Deus, de forma nenhuma”. Nenhum de nós pode fugir da
vontade desse Senhor.
Os Luteranos geralmente rejeitam a divisão entre essas
duas vontades, apesar de Lutero em The bondage of the will,
publicado em português como Nascido escravo, fazer uma
distinção entre as duas coisas. Entretanto, sua compreensão
não é bem a compreensão reformada, a qual apresentamos
aqui.
Os teólogos católicos mantiveram formalmente essa
distinção, mas falam em termos de vontade antecedente e
consequente. Teólogos reformados geralmente rejeitam esse
tipo de pensamento.
40
V
ocê já deve ter ouvido alguém gritar em um culto
protestante: “Glória a Deus!”. No entanto, o que isso
realmente significa? O que a palavra “glória” representa?
Podemos falar de uma glória atribuída a Deus e uma que é
inerente a Deus. A glória atribuída a Deus é a que lhe entregamos,
é a glorificação do nome de Deus. A glória que lhe é inerente é a
que ele já possui. Porém, para entender a divisão entre esses dois
conceitos, temos que entender o que a palavra glória significa.
O teólogo americano John Piper diz que a glória é o resplandecer
dos atributos de Deus. Aquilo que Deus é, aparece a nós por meio
da sua glória. Se uma lâmpada ou uma vela têm a característica
de ser luminescente, a glória é aquilo que enxergamos ao olhar
para elas. A glória é o emanar dos atributos de Deus. A palavra
hebraica para glória [kavod, ‫ָכ‬‫ב‬‫]דֹו‬ também é utilizada para
expressar peso. Para os autores do Antigo Testamento, a ideia
de glória era justamente um peso que aparecia e que enchia
o ambiente quando Deus estava presente. Esse peso sentido
emocionalmente também poderia ser sentido fisicamente diante
da majestade de quem Deus é. “A perfeição de Deus, então, que
é inerentemente o fundamento da sua bem-aventurança, traz,
por assim dizer, a sua glória consigo” (BAVINCK, 2012, p. 259). O
14. A GLÓRIA DE DEUS
41
equivalente no NT é δοζα, que transmite subjetivamente uma
ideia do reconhecimento que alguém recebe ou é designado
para receber. Doxologia é justamente palavras de adoração
ao Senhor. Deriva das palavras doxa e logia, que significam
“palavra”.
Objetivamente, a glória de Deus é sua aparência, seu
esplendor, sua forma e seu prestígio. Essa glória é manifesta
em todas as atividades de Deus (1 Cr 16.27; Sl 29.4;96.6;
104.1; 111.3; 113.4 etc), na sua criação (Sl 8; Is 6.3). Quando
apareceu para Israel (Ex 16.7, 10; 24.16; 33.18ss; lv 9.6,
23; Nm 14.10; 16.19; Dt 5.24) ela encheu o tabernáculo e o
templo (Ex 40.34; 1 Rs 8.11) e foi comunicada ao povo (Ex
29.43; Ez 16.14ss). Ela é manifesta ultimanente em Cristo
(Jo 1.14) e, por meio dele, à igreja (Rm 15.7; 2 Co 3.18) que
aguarda a sua volta, a manifestação da sua glória (Tt 2.13).
Sua glória é descrita como fogo (Ex 24.17; Lv 9.24).
Então essa glória intrínseca ao ser de Deus é exatamente
essa característica de emanação de todos os seus atributos.
Dar glória a Deus é aumentar essa glória que Deus possui.
Seria propagar a sua fama. Seria fazer seu nome glorificado
no mundo ao mostrar para as outras pessoas como ele é
grandioso. É como espalhar a fama de alguém, como se diz
em inglês sobre espalhar o nome de Jesus. Nós espalhamos
a fama de Deus. Falamos sobre Deus para as outras pessoas
porque queremos que ele receba mais glória, que os corações
que ainda não o glorificam deem a ele a honra e o nome
que ele merece. Porque ele é grande e bondoso e porque
ele possui todas essas características e atributos sobre as
quais conversamos. Nada é mais glorioso do que pararmos
para estudar os atributos de Deus, sabermos quem Deus é,
conhecermos profundamente o nome do Senhor e sermos
tocados por isso.
42
C
ertamente, uma das doutrinas mais importantes é a doutrina da Trindade. Com certeza, uma doutrina muito disputada,
que sofre muitos ataques de pessoas de teologias variadas, mas que é seguramente um dos temas mais claros que
a Escritura utiliza para falar de Deus. Sem medo de exagero, podemos afirmar que a doutrina da Trindade é uma das
15. A TRINDADE - DEUS-PAI,
DEUS-FILHO, DEUS-ESPÍRITO
43
doutrinas mais fundamentais da fé cristã. Trindade vem do
latim trinitas, que significa tríade. É a doutrina que postula
que há um único Deus que se manifesta em três pessoas:
Pai, Filho e Espírito Santo, de forma que cada um dos três é
totalmente Deus, mas não são o que o outro é. Ou seja, o Pai
não é o Filho, o Filho não é o Pai, o Pai não é o Espírito e o
Espírito não é o Filho, mas cada um deles é completamente
Deus e um está contido no outro. “O Pai está em mim e
eu estou no Pai”, diz Jesus. O Espírito está no Pai e o Pai,
no Espírito. O Espírito está no Filho e o Filho, no Espírito.
Eles não são confudidos, mas não são separáveis. A forma
mais simples de definir a doutrina é dizer que o único Deus
existe em três pessoas distintas. Embora constituam uma
única essência divina, uma substância unificada. É o tipo
de coisa com a qual não há nada que se possa comparar
na realidade. Com o que compararemos a Trindade? Com a
água, que tem três estados? Com o ovo, que tem clara, gema
e casca? Nenhuma dessas ilustrações é suficiente para
expressar quem Deus realmente é. Não há nada na criação
em que uma parte sozinha represente o todo,uma vez que
Jesus é totalmente Deus, o Espírito é totalmente Deus, o Pai
é totalmente Deus; mesmo assim, os três são totalmente
o próprio Deus. Um não é o outro, mas um está contido no
outro. Como isso funciona na criação? Não existe nada a que
assemelhar Deus em sua triunidade.
É por isso que muitos teólogos sistemáticos afirmam que a
doutrina da trindade é aquela que nos faz perder a cabeça se
a tentarmos entender, mas que, se a negarmos, perdemos a
alma. É uma doutrina muito bem descrita na Escritura, mas
certamente confunde mentes que não se dão por satisfeitas
ao não entender todas as profundidades e os mistérios
daquilo que é possível entender sobre Deus. Já falamos que
não podemos conhecer Deus extensivamente. Os detalhes
da Trindade são uma questão que está além da nossa
capacidade humana de compreensão, mas que a Escritura
defende com muita clareza.
O Credo Atanasiano, um documento antigo da história da
Igreja, diz que a fé católica consiste em venerar um só
Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir
as pessoas e sem dividir a substância. O famoso teólogo
do século XX, Karl Barth, escreveu contrapondo um filósofo
rival, Scheleimacher - que postulava que a Trindade era a
última coisa que deveria ser dita sobre Deus - afirmando que
a Trindade era a primeira doutrina que deveria ser exposta
a respeito do Senhor. Era a primeira palavra que deveria
ser dita até mesmo antes da possibilidade de revelação, de
forma que 220 páginas de sua dogmática são dedicadas
a descrever a Trindade. É de se esperar que Karl Barth,
assim como Thomás de Aquino, tratasse a Trindade como
o primeiro assunto de sua obra, uma vez que, segundo
Karl Barth, é a Trindade que torna a dogmática possível.
Berkhof (2007) afirma que “a forma original da pessoalidade
44
não está no homem, mas em Deus; sua personalidade
é arquetípica, ao passo que a do homem é ectípica”. Ou
seja, a personalidade de Deus é o que forma o padrão de
nossa personalidade. A personalidade do homem é apenas
derivada da personalidade de Deus. Somos feitos à imagem
e semelhança de Deus, e não o contrário. Assim, é o ser de
Deus que provê a base do que somos. Nossa identidade
“não é idêntica à identidade do Senhor, mas contém tênues
traços de similaridade com ela” (BERKHOF, 2007, p. 81).
Dessa forma, também espelhamos algo do caráter relacional
de Deus. A Trindade, como algo que existe eternamente,
apresenta um Deus que desde antes da fundação do mundo
se relacionava consigo mesmo. Vemos, desde a eternidade, o
Pai amando o Filho, o Filho amando o Pai, o Espírito amando
a ambos. Toda a Trindade estava naquilo que chamamos de
pericorese. Esse termo vem do grego e significa “dança”. É a
ideia de que a Trindade está dançando em volta um do outro.
Foi C.S. Lewis que usou muito esse termo para se referir ao
fato de que o Pai gira em torno do Filho, o Filho, em torno do
Pai, o Espírito, em torno no Pai e do Filho. Eles permanecem
nessa centralidade um do outro por toda a eternidade. Deus
não teve que aprender a amar com o ser humano, porque o
amor interno da Trindade já se manifestou eternamente.
Nós somos seres relacionais justamente porque a Trindade
é relacional. A própria divindade nunca esteve sozinha e
isolada. Ela é autossuficiente até na sua multiplicidade.
Esse fato revela uma das grandes belezas dessa doutrina.
Claro, antes de falar de Trindade, temos que considerar a
unicidade de Deus. A Trindade não é a ideia de que existem
três deuses, mas que há três manifestações pessoais visíveis
de autoconsciência nessa divindade que é uma.
Deus é único (Dt 6.4). A Bíblia declara que não há outros
deuses (Êx 20.2,3; Dt 32;37; Is 40,13. Jr 29.8). Israel não
seguia um tipo de monolatria, como seguiam os outros povos
à sua volta, onde, entre os vários deuses que os rodiavam,
eles escolhiam o seu. Eles eram monoteístas acreditando
em um único Deus. Os outros deuses eram deuses falsos
que não eram poderosos nem tinham função nenhuma no
mundo. Eram apenas deuses de pedra e de barro. É por isso
que Deus zomba dos deuses que os homens criam. Porque
Deus zomba dos deuses que os homens criam (Is 44), não
há outros com quem ele compartilhe sua glória (42.8) E
antes dele nenhum existia (Is 43.10). Não há outro deus (Is
45.6). Deus é primeiro e o último (Is 48.12-16). Jesus cita
Deuteronômio 6.4 para relembrar que Deus é um (Mc 12.29) e
que só há um que é bom (Mt 19.16-22; Mc 10.17-22). Paulo
afirma a unidade de Deus diante dos deuses gregos (1 Co
8.4-6). É por isso que tudo aquilo que concerne à natureza
divina deve ser expresso de forma exata no singular, já que
a natureza de Deus é única. A Trindade possui “uma única e
indivisível ação e uma única vontade” (FERREIRA e MYATT,
2007, p. 180), um único e indivisível ato na eternidade e na
45
história onde ele se coloca.
Essa unidade também apresenta uma diversidade. As
pessoas da Trindade são distinguíveis. O Pai não é o Filho,
o Filho não é o Pai e assim por diante. No batismo de
Jesus, o Pai fala ao Filho e o Espírito Santo se mostra como
distinto ao Pai ou ao Filho. Existe uma manifestação nas
três pessoas da Trindade ao mesmo tempo em três lugares
diferentes executando três atividades distintas. Na grande
comissão, Jesus cita as três pessoas da Trindade ao explicar
o batismo. Pessoas estas que também estão na atuação
da igreja. O Filho é tratado como unigênito do Pai (Jo 3.16),
o Espírito Santo é enviado pelo Pai e pelo Filho (Jo 15.26).
No Antigo Testamento, YHWH é revelado como Redentor e
Salvador (Jó 19.25; Sl 19.14; 78.35; Is 41.14; 43.3, 11, 14; Jr
14.3; 50.14; Os 13.3). No Novo Testamento, o Filho recebe
essas atribuições (Mt 1.21; Lc 1.76-79; 2.17; Jo 4.42; At 5.3;
Gl 3.13; 4.5; Fp 3.30; Tt 2.13-14). No Antigo Testamento,
YHWH é aquele que habita em Israel e nos corações dos que
o temem (Sl 74.2; 135.21; Is 8.18; 57.15; Ez 43.7-9; Jl 3.17,
21; Zc 2.10-11). No Novo Testamento, o Espírito Santo habita
na Igreja (At 2.4; Rm 8.9,11; 1 Co 3.16; Gl 4.6; Ef 2.22). Deus
envia seu Filho ao mundo (Jo 3.16; Gl 4.4; Hb 1.6; 1 Jo 4.9). O
Pai e o Filho enviam o Espírito (Jo 14.26; 15.26; 16.7; Gl 4.6).
O Pai dirige-se ao Filho (Mc 1.11; Lc 3.22), o Filho comunica-
se com o Pai (Mt 11.25-26; 26.39; Jo 11.41; 12.27-28) e o
Espírito ora ao Pai no coração dos crentes (Rm 8.26).
É impossível que Pai, Filho e Espírito sejam a mesma pessoa,
o mesmo, ser pura e simplesmente de forma indistinguível.
Existe, sim, uma unidade na Trindade, mas existe também
uma diversidade de pessoas e de autoconsciências. Se Jesus
e o Pai fossem a mesma pessoa, quando Jesus orou no
Getsemani, ele estaria apenas falando consigo. Se o Espírito
e o Filho fossem a mesma pessoa, o Filho não prometeria o
outro Consolador. Os termos bíblicos usados para se referir a
essas três pessoas é “Pai”, “Filho” e “Espírito”.
Vamos falar primeiro do Deus-Pai. O termo Deus-Pai é usado
para descrever Deus como criador de todas as coisas e da
humanidade (Nm 16.22; Mt 7.11; Lc 3.38; Jo 4.21; At 17.28; 1
Co 8.6; Ef 3.15; Hb 12.9). No Antigo Testamento, esse nome
carrega significado teocrático. Deus é Pai de Israel porque
criou e preservou o seu povo (Dt 32.6; Is 63.16; 64.8; Ml 1.6;
2.10; Jr 3.19; 31.9; Sl 193.13; Rom 9.4). No Novo Testamento,
isso possui um significado ético na relação em que Deus é o
Pai de uma multitude de filhos (Mt 6.4, 8, 9; Rm 8.15 etc). Em
um sentido metafísico, Deus-Pai tem por filho único Jesus,
que é seu primogênito, seu primeiro filho, o filho principal do
Pai. Dessa forma, percebemos o estabelecimento de uma
distinção entre Pai e Filho. Jesus o chamou de Pai (Jo 5.18)
O nome Pai é visto em primeiro lugar em relação a Jesus
(Jo 14.6-13; 17.25,26). O Pai ama o Filho (Jo 5.19ss; 10.17;
17.24, 26), e esse amor ao Filho é trasmitido aos outros (Jo
46
16.27; 17.26), tanto que o Pai entregou o Filho. A relação
Pai-Filho é eterna (Jo 1.14; 8.38; 17.5, 24). Deus é chamado
“Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 15.6; 1 Co 15.24; 2
Co 1.3; Gl 1.1; Ef 1.3). Tratá-lo por Deus-Pai é nada mais que
considerar importante aquilo que a Escritura diz. Do Pai é o
reino e poder (Mt 6.13; Rm 1.20; Ef 1.19), o beneplácito (Mt
11.26, Ef 1.9), propósito (At 4.28; Ef 1.11), justiça (Gn 18.25;
Dt 32.4; Jo 17.25; Rm 3.26; 2 Tm 4.8), bondade, sabedoria,
imortalidade, luz inacessível (Mt 19.17; Rm 16.27; 1 Tm
6.16). Ele é Elohim, YHWH, El-Elyon, El-Shadai, o único Deus
verdadeiro (Jo 17.3), o único Deus (1 Co 8.6; 1 Tm 2.5). Ele
possui muitos nomes. É chamado de muitas formas e é o
Deus Salvador. Ele é o Pai do nosso Senhor Jesus Cristo. Ele
que enviou seu Filho em nosso lugar.
Se temos o Deus-Pai, temos também o Deus-Filho.
O apóstolo João chama Cristo de Logos porque é por
intermédio dele que todo mundo é criado e sustentado. O
termo Logos era um termo muito usado na filosofia pré-
socrática, que retornara com os estóicos na região de Éfeso,
onde João escrevia o seu livro. E vem de Heráclito a ideia
de que o Logos é aquilo que dá força para tudo. João diz
Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος – “no princípio era o Logos”. Na criação
de todas as coisas, o Logos eterno existia e esse Logos era
Deus e dava sustentação e sentido para todas as coisas.
Esse Logos era Deus e esse Logos estava com Deus. João
1.1 já nos passa a ideia de unidade e diversidade entre Pai
e Filho. O Filho era Deus e o Filho estava com Deus. Para
ele, “estar com” precisa estar separado. Mas, para ele,
ele também era Deus. A doutrina da Trindade não é uma
formulação posterior do Cristianismo, mas algo que salta de
forma ululante das páginas da Escritura. Esse Filho estava
no início de todas as coisas. Ele é o próprio Deus e é o objeto
de amor e autocomunicação eterna dentro da Trindade. Ele
é o Filho amado em quem o Pai se apraz (Mt 3.17; Mc 1.11),
ele mantém uma relação exclusiva com Deus (Mt 11.27), é
o Filho Unigênito (Jo 1.18; 3.16; 1 Jo 4.9), o Filho eterno (Jo
17.5, 24; Hb 1.5ss; 5.5-6), a quem o Pai concede vida em
si mesmo (Jo 5.26). Tem poder criador e recriador (Jo 1.3;
5.21, 27) e domínio (Lc 10.22; 22.29; Jo 16.15; 17.10) e foi
condenado à morte por causa da sua filiação (Jo 10.33; Mt
26.63ss), como sacrifício de Deus em nosso lugar. O Filho
também é “a imagem de Deus” em sentido absoluto. Antes
de encarnar, o Filho já existia na forma de Deus (Fp 2.6), era
rico (2 Co 8.9), vestido de glória (Jo 17.5) e retornou a esse
estado depois da ressurreição e ascensão. Jesus é a imagem
do Deus invisível (Cl 1.15; 2 Co 4.4), o reflexo de sua glória
e “a expressão exata do seu ser” (Hb 1.3), o primogênito
de toda criação (Cl 1.15) em quem todas as coisas foram
criadas (Cl 1.16), preeminente sobre todas as coisas (Cl 1.18
cf Ap 1.5-6). À sua imagem, os crentes são transformados
(2 Co 3.18; Fp 3.21). Ele está acima de todos e é bendito
para sempre (Jo 1.1; 20, 28; Rm 9.5; Hb 1.8-9; 2 Pe 3.18; 1
Jo 5.20; Ap 1.8, 17, 18). Seu papel na Trindade econômica é
47
ocupar o lugar de redimir as pessoas que o Pai elegeu. Ele
executa isso na encarnação, sofrimentos e morte (Ef 1.3-14).
O Antigo Testamento geralmente emprega o termo ‘espírito’
sem qualificativos, ou fala do ‘Espírito de Deus’ ou ‘Espírito
do Senhor’, e utiliza a expressão ‘Espírito Santo’ somente em
Sl 51.11 e Is 63.10-11, enquanto, no Novo Testamento, esta
veio a ser uma designação da terceira pessoa da Trindade”
(BERKHOF, 2007, p. 90). Não que isso não pudesse ser
percebido no Antigo Testamento, mas torna-se mais claro no
Novo Testamento, nesse progresso da revelação de Deus.
O Espírito Santo falou por meio dos profetas (Mt 22.43; Mc
12.36; At 1.16; 28.25; Hb 3.7; 10.15; 1 Pe 1.10-11; 2 Pe 1.21),
testificou nos dias de Noé (1 Pe 3.19-20), sofreu resistência
por parte de Israel (At 7.51) e produziu fé (2 Co 4.13). O
Espírito desceu sobre o Messias e habita na igreja (Mt 12.18;
Lc 4.18-19; At 2.16-18). Ele está diante do Trono de Deus e
do Cordeiro (Ap 1.4; 3.1; 4.5; 5.6). Ele é dado por Deus e por
Cristo (Nm 11.29; Ne 9.20; Is 42.1; Jo 3.34; 1 Jo 3.24; 4.13).
O Espírito capacitou Cristo para o ofício (Is 11.2; 61.1; Mt
3.16; 12.18, 28; Rm 1.4; Hb 9.14), capacitou os apóstolos
para sua missão especial (Mt 10.20; Lc 12.12; 21.15; 24.49;
Jo 14.16ss; 15.26 etc), distribui dons aos crentes (1 Co
12.4-11), é instrumento para que a plenitude de Cristo habite
na igreja (Ef 5.18). Ele dá convicção do pecado (Jo 16.8-
11), regeneração (Jo 3.3), selagem (Rm 8.23; 2 Co 1.22;
5.5; Ef 1.13; 4.30). Ele é o próprio Deus vivendo em nós (Jo
14.23ss; 1 Co 3.16; 6.19; 2 Co 6.16; Gl 2.20; Cl 3.11; Ef 3.17;
Fp 1.8, 21). Em nome dele somos batizados (Mt 28.19), e a
blasfêmia contra ele é imperdoável (Mt 12.31,32). Isso será
mais bem explicado no nosso módulo sobre pneumatologia,
a doutrina do Espírito.
48
N
as conversas acerca da Trindade, surge um tema já
mencionado anteriormente, mas importante de ser
revisitado:a diferença entre Trindade econômica e
imanente. Karl Rahner, um teólogo do século 20, escreveu o livro
The Trinity, em 1970. Nele o autor traz, talvez, uma das grandes
contribuições à teologia moderna, que é a divisão denominada
Trindade econômica e Trindade essencial, ou Trindade econômica
e Trindade imanente. Alguns teólogos usam essa terminologia
de forma um pouco diferente, até mesmo oposta. Eles utilizam
Trindade transcendente e Trindade imanente. Porém, o que
significa Trindade imanente em contraposição à Trindade
transcendente não é a mesma coisa da Trindade imanente
em oposição à Trindade econômica. Ou seja, quando falamos
de Trindade imanente, podemos estar falando de duas coisas
completamente diferentes e precisamos saber a que o termo
imanente está se opondo, se a Trindade imanente se opõe à
transcendente, ou se a Trindade imanente, opõe-se à econômica.
Outros usam o termo Trindade econômica e Trindade ontológica,
sendo a Trindade ontológica a Trindade em si e a Trindade
econômica, a que está em contato com a sua criação. No fim
16. TRINDADE ONTOLÓGICA
E TRINDADE ECONÔMICA
TEONTOLOGIA
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TEONTOLOGIA

  • 1. 1
  • 2. 2 ÍNDICE 1. Teorias sobre a existência de Deus..................................03 2. Podemos conhecer Deus?................................................06 3. Os Nomes de Deus...........................................................10 4. O que são atributos de Deus?...........................................13 5. As classificações dos atributos........................................16 6. A Pessoalidade de Deus...................................................18 7. Infinitude e Eternidade......................................................20 8. Imutabilidade e Unidade...................................................22 9. Santidade e Justiça...........................................................25 10. Ira e Bondade..................................................................28 11. A Imanência de Deus......................................................32 12. A Transcendência de Deus.............................................35 13. As vontades de Deus......................................................37 14. A glória de Deus..............................................................40 15. A Trindade - Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito.........42 16. Trindade Ontológica e Trindade Econômica...................48 17. As Primeiras Polêmicas quanto à Trindade....................50 18. Podemos chamar Deus de mãe?....................................52 19. As Obras de Deus...........................................................54 20. Jeová e Allah são o mesmo Deus?.................................59 Bibliografia utilizada.............................................................61 Clique em um assunto, se quiser ir direto para a página.
  • 3. 3 1. TEORIAS SOBRE A EXISTÊNCIA DE DEUS E xistem muitas teorias acerca da existência de Deus, as chamadas Teorias de Divindade, ideias sobre a existência ou não- existência de Deus e, no caso de sua existência, como ele existe. A primeira delas é o teísmo. “Teísmo” vem da palavra grega θεός [theós], “deus”. Teísmo significa acreditar que existe um deus, qualquer deus que seja. O teísmo manifesta-se de muitas formas, como no teísmo cristão, no teísmo islâmico, no teísmo indígena etc. Existe um teísmo para cada divindade adorada pelos homens.
  • 4. 4 É justamente do termo “teísmo” que surge a segunda posição, que é o ateísmo. A partícula “a-” aparece geralmente como uma negação. Ateísmo seria a negação de Deus. Tecnicamente, todo ser humano é meio ateu. Se sou teísta com relação ao Deus cristão, sou ateu em relação a deuses hindus, por exemplo. Quem é teísta para um deus é, geralmente, ateu para outros deuses. Mesmo assim, geralmente alguém se apresenta como ateu ou fala do termo ateísmo em referência a uma negação de toda e qualquer divindade. Próximo disso, encontra-se o agnosticismo. No grego, γνοσκω [gnosko] significa conhecimento. O agnóstico é alguém que nega o conhecimento – mas não o conhecimento absoluto. Mais apropriadamente, o agnóstico nega a possibilidade do conhecimento a respeito de Deus. O agnóstico nega que é possível conhecer se Deus existe ou não. Esse termo foi usado pela primeira vez por um biólogo e filósofo inglês chamado Thomas Huxley. Ele utilizou esse termo para manifestar a ideia de uma crença suspensa. Muito chateado com os dogmas da igreja, decidiu que não valia mais a pena fazer alegações a respeito da divindade. Há quem diga que o agnóstico é o ateu covarde, alguém que não acredita em Deus, mas não tem muita coragem de falar a respeito. Não é uma forma muito correta (nem muito educada) de se referir aos agnósticos. Agnósticos são pessoas que duvidam da possibilidade de discutir o metafísico e de chegar a conclusões válidas a respeito daquilo que, segundo eles, está fora do campo normal da argumentação. Nós podemos argumentar sobre assuntos científicos, coisas que podem ser provadas no laboratório, aquilo que é sensível. Questões metafísicas, para além da matéria, são assuntos que não poderiam chegar, de forma alguma, à mente do ser humano. São assuntos sobre os quais seria ineficaz discutir e tentar debater. Dentro dos teísmos mais comuns, há o politeísmo. No grego, o termo πόλυς [pólus] significa “muitos”. Assim, politeísmo seria a ideia de que existem várias divindades, talvez em competição, talvez em harmonia, à nossa volta. Dentro do politeísmo, existem a monolatria e a polilatria. Uma vez que existam vários deuses dentro do politeísmo, pode-se adorar apenas um deles, o que implica monolatria, na qual “mono” vem de “único” e “latria” vem de “adoração”, no sentido de adorar vários deuses, o que configuraria polilatria. Um politeísta monólatra é alguém que acredita em vários deuses, mas adora um único deus contra os outros, enquanto um politeísta que comete polilatria é um politeísta que acredita na adoração de vários deuses. A monolatria também é conhecida como henoteísmo, com hen- significando “um”, em grego. Foi Max Miller, um historiador alemão das religiões, que cunhou esse termo para caracterizar pessoas que vivem no contexto da existência de vários deuses, mas
  • 5. 5 que escolhem um único deus para adorar. Existe também o panteísmo. No grego, παντα [panta], πας [pas] e πασιν [pasin], muitas vezes, são usados para expressar “tudo” e “todos”, de alguma forma. Falar de panteísmo é falar que deus é tudo, que deus se manifesta através de tudo, que as coisas são deus de alguma forma. Ou seja, acredita-se numa íntima relação entre a existência e a identidade de deus e a existência e identidade das coisas. O que as coisas são, o que somos e o que deus é confundido numa coisa só. O panteísmo apresenta uma variação chamada panenteísmo, que é a ideia de que deus está em tudo. Por mais que não exista uma confusão tão profunda de identidade entre quem é deus e o que são as coisas, ainda assim deus está contido em todas as coisas. Muito próximo da ideia de panteísmo, está o que é chamado de monismo, que vem do termo grego “apenas”, “só” ou “único”. O termo foi cunhado pela primeira vez por um filósofo alemão chamado Christian von Wolff, sendo uma prática e uma visão muito comuns no hinduísmo, por exemplo, além de ser muito próximo do panteísmo como conhecemos. Por fim, há o deísmo. O deísmo é a perspectiva de que existe um deus e esse deus criou tudo e mesmo assim se afastou do universo. Ele deu o pontapé inicial, colocou as engrenagens do relógio para funcionar, mas então não se envolve mais com a criação. O deísta é um teísta. Ele acredita em deus, mas um deus que está distante, longe e que não pode ser alcançado.
  • 6. 6 D aremos início ao nosso curso falando sobre aquilo onde tudo começa: a pessoa de Deus. Tudo começa com esse Senhor que criou tudo, segundo a teologia cristã, e deu sentido a todas as coisas. Quem é Deus? Como percebemos Deus? Como é que Deus cuida de tudo? Como é que Deus se revela? Esse é o assunto da teontologia, ou da teologia propriamente dita. O termo teologia significa, basicamente, o estudo de Deus. “Theos” [θεος], do grego, significa “Deus”, e logia [λόγος] vem de palavra, estudo, razão, conhecimento. Teologia tornou-se o nome de todo o estudo sobre Deus, de tudo aquilo que se fala a respeito de quem é o Senhor. Então, dentro da teologia sistemática, quando se monta as várias doutrinas que compõem o cristianismo, seja bibliologia – o estudo da Bíblia – ou cristologia – o estudo de Cristo –, se chamarmos teologia de "o estudo de Deus", estaremos afirmando que outras coisas não são teologia. Por isso, muitos teólogos tiveram de buscar uma alternativa para nomear a matéria que estuda o nome do Senhor. Enquanto Teologia lida com tudo aquilo concernente a Deus, Teontologia tornou-se uma maneira de denominar essa doutrina dentro da sistemática, ou o que os teólogos também denominam 2. PODEMOS CONHECER DEUS?
  • 7. 7 Deus deu-nos uma revelação e uma mente para compreender as coisas, mas, ainda assim, não conseguimos compreender tudo de forma completa. Quando lemos I Coríntios 13, ouvimos Paulo dizer que hoje vemos as coisas como que por um espelho. Nós vemos as coisas reveladas num momento pequeno, breve, suficiente, mas haverá um dia em que conheceremos a Deus como hoje somos conhecidos. Por mais que haja polêmicas interpretativas em torno de 1Coríntios 13 – e certamente abordaremos isso em algum momento do curso –, a ideia do texto é a de que nós, hoje, mesmo através da revelação da Escritura, vemos Deus por meio de um material de bronze que, por ser bem polido e brilhoso, permite-nos perceber algum reflexo, mas ainda assim não nos deixa ver Deus em sua grandeza e totalidade. Isso evoca uma das grandes polêmicas da teologia sistemática e da revelação de Deus, que diz respeito à teologia positiva e à teologia negativa – respectivamente, a teologia catafática e teologia apofática. Apofático deriva de aposfemi, do grego, que significa basicamente negar. Portanto, a teologia apofática, também conhecida como teologia negativa, é a ideia de que fazemos teologia basicamente por meio de negações. É um estudo de Deus, principalmente, por meio de suas diferenças. Ela recusa- se a interpretar Deus a partir da realidade e simplesmente necessita entender o que Deus não é antes de entender o que Deus é. Ao contrário disso, situa-se a teologia catafática, que de teologia propriamente dita – teologia como o estudo de Deus diretamente. Neste primeiro módulo, abordaremos justamente a teontologia, a teologia propriamente dita, do estudo do nome do nosso Senhor. É possível conhecermos, de fato, Deus? É possível entendermos e compreendermos o Senhor? Canções populares chegam a declarar que ninguém explica Deus. De fato, em nível último e absoluto, nunca conseguiremos obter um conhecimento exaustivo do Senhor. É impossível que consigamos entender Deus em sua completude e totalidade. Ele é eterno, ele é imutável, ele é transcendente, ele é aquilo que teólogos do século XX chamavam de totalmente outro. Ele não é completamente acessível pela mente humana. É comum que na teologia tenhamos dúvidas e terminemos com certas questões não respondidas, o que demostra o fato de que Deus é muito maior que nós. É normal não termos todas as respostas porque Deus é a verdade acima de qualquer coisa e está muito acima das nossas compreensões. Calangos não entendem seres humanos da mesma forma que seres humanos entendem os calangos (aqui no Ceará, calango é o nome dado para aquelas lagartixas que correm pelas paredes). Se alguém tentar imaginar um inseto, uma pulga, por exemplo, tentando compreender o ser humano, logo perceberá que essa cena não é verossímil, mas que o sentido inverso é totalmente plausível.
  • 8. 8 forma positiva, de forma proposicional, entendendo aquilo que a revelação fala sobre o nosso Senhor. É claro que Deus se revela a nós fora da Bíblia (falaremos melhor disso em bibliologia). Temos um Deus que se revela na natureza, que se mostra através das coisas criadas e podemos percebê- lo por intermédio da criação. Porém, esse mesmo Deus revela-se de forma extensiva, mais clara, justamente na sua revelação especial. Essas são as diferenças de termos que iremos estudar em Bibliologia. Revelação geral é a revelação de Deus na natureza e a revelação especial é a revelação de Deus na Palavra. Esse Deus que se revela na Palavra permite que o conheçamos para além de sua simples manifestação na natureza. Se olharmos para a natureza, de fato perceberemos algumas coisas sobre Deus. Na carta de Paulo aos romanos, no primeiro capítulo, a partir do verso 18, diz-se que Deus se revela de alguma forma nos céus e na coisa criada, mostrando o seu imenso poder. Se olharmos à nossa volta, perceberemos que existe uma divindade, que existe um Senhor, um Deus que criou tudo e que formou todas as coisas. Ele é criativo por causa da criatividade da criação. Ele é poderoso por causa do poder dos fenômenos naturais. Ele é bondoso por causa de todas as coisas maravilhosas que encontramos na criação. Ele possui uma ira que se manifesta na coisa criada por causa de todo furor que nós encontramos à nossa volta. Há um Deus que é revelado na criação, mas é própria da tradição ocidental. Ela intenta encontrar Deus justamente a partir daquilo que é dito sobre ele, seus nomes e atributos. A teologia negativa, por mais que reúna alguns intelectuais como seguidores no ocidente, é muito próxima de teologias místicas e de pessoas que geralmente não seguem uma perspectiva próxima do cristianismo. A teologia positiva é a ideia de que há um Deus que se revela, que se manifesta, que se mostra, que se dá a conhecer através de alguma revelação, revelação essa que os cristãos acreditam ser a Palavra de Deus. Nós estudamos teologia propriamente dita antes de estudar bibliologia porque a revelação é uma revelação de um Deus. Cometemos um erro metodológico, por assim dizer, porque a Escritura é a base do que vamos discutir acerca de Deus, mas cometemos uma coerência lógica, no sentido de que entendemos que Deus vem antes de sua própria revelação. Ao ler a Bíblia, lemos sobre um Deus que se revela positivamente. Fazemos teologia propositiva, sim, cremos em uma teologia positiva, mas sem desconsiderar a grande lição da teologia negativa de que não conseguimos nunca entender Deus em sua completude e em sua totalidade. É claro que ninguém explica Deus de forma extensiva e absoluta. Mesmo assim, Deus revela-se, explica-se, mostra- se, apresenta-se, e nisso podemos construir teologia de
  • 9. 9 deixar o púlpito sabendo que fracassou na sua missão em algum nível. Se a missão dele é mostrar como Deus é grande, como Deus é bom, justo, maravilhoso, ele pode até falar por horas e ainda assim não terá conseguido mostrar como Deus é grandioso, bondoso e incrível. O teólogo, pastor e missionário americano Paul Washer afirma que o pregador não é um microscópio que focacaliza coisas pequenas e as aumenta para os outros verem. Pelo contrário, ele é um telescópio que mira os astros, estrelas enormes e os deixa pequenos para que nossos olhos entendam. A teologia é uma tentativa de apreender Deus em sua grandeza. É um trabalho fracassado, mas é maravilhoso, porque Deus se revelou em um nível que podemos compreender. C. S. Lewis, famoso autor protestante escritor de As Crônicas de Nárnia, disse que Deus não se faz de doutor diante de uma lavadeira. Deus não se fez de doutor diante de homens pequenos como nós e deixou que nós o compreendêssemos. Ele deixou que nós o entendêssemos. Nesse módulo de teologia propriamente dita, entraremos nessa jornada de olhar para aquilo que Deus revelou sobre si mesmo. não de forma total, completa. Na Escritura, encontramos muito mais a respeito de quem é esse Deus e nela podemos fazer uma teologia positiva, uma teologia que se baseia em fazer proposições acerca do Senhor. Claro que toda verdade sobre Deus é uma verdade diminuta. Existe um nível de humildade que tem que nos fazer acreditar que de fato não iremos conseguir, mesmo por meio das revelações teológicas, entender Deus em sua grandeza. É bom entender que Deus, ao falar na Palavra, balbucia a respeito de si mesmo. Ainda que leiamos que ele é soberano, bom, justo, isso ou aquilo, no fim das contas estamos ouvindo uma aproximação da nossa mente daquilo que Deus é. Ele é tão poderoso, incrível e tão além de nós que de fato ele se diminui para que possamos compreendê-lo. De fato, quando ele se revela, ele balbucia acerca de si mesmo. É como explicar para uma criança a complexidade do ser humano: é uma verdade o que é dito, mas é uma verdade dita numa linguagem infantil. Deus se revela e nos apegamos a essa revelação como verdade porque ela já é elevada para nosso raciocínio. A doutrina da Trindade é elevadíssima para nossa compreensão humana e, ainda assim, é uma verdade mesmo que não consigamos sequer tocar nas profundidades da grandeza de quem é o Senhor. Todo pregador, no fim das contas, é um fracassado. Quando um pastor prega num domingo, por exemplo, ele precisa
  • 10. 10 D eus é chamado de muitas formas na Bíblia. O nome mais simples usado para representar Deus na Bíblia é ’el (‫ֵא‬‫ל‬), do hebraico. De acordo com a maioria dos filólogos (aqueles que estudam línguas e palavras), essa palavra significa “O SENHOR MAIS PREEMINENTE OU PRIMÁRIO”, ou “AQUELE QUE É FORTE E PODEROSO”. O nome ’eloah (‫ֶא‬‫ל‬ֹ‫ה‬ַ), singular de ’elohim (‫ֶא‬‫ל‬ֹ‫ה‬ִ‫י‬‫)ם‬, procede da mesma raiz que ’el e aponta para Deus como o Deus-Forte ou como OBJETO DE TEMOR. O nome no singular é mais poético e raramente usado. O plural, por sua vez, é o nome comum de Deus. Alguns argumentam que se referir a Deus no plural, 'elohim, evidenciaria o uso hebraico chamado de “plural de majestade”, o qual configura-se como um plural para se referir a alguém muito importante. Entretanto, vários teólogos argumentam que isso nunca é usado na Escritura e que esse argumento é só uma tentativa de fazer parecer que a Trindade já não estava manifesta no Antigo Testamento e que não existia nenhuma pluralidade na pessoa de Deus nas Escrituras hebraicas. 'Elohim, o termo plural para se referir a Deus, evidencia a Trindade e essa pluralidade na figura divina. Outros argumentam que como 'Elohim aparece muitas vezes com um adjetivo ou com um verbo no singular, seria 3. OS NOMES DE DEUS
  • 11. 11 uso salienta essa característica mais plural da pessoa divina, evidenciando já no Antigo Testamento uma Trindade. A palavra ’elyon (‫ֶע‬‫ל‬ִ‫י‬‫)ןֹו‬ também é utilizada para se referir a Deus, apresentando o prefixo ’el, significando “AQUELE QUE É EXALTADO ACIMA DE TODAS AS COISAS” (Gn 14.18; Nm 24.16; Is 14.14). Porém, esse nome não é usado para se referir somente a Deus no Antigo Testamento. Essa palavra também é usada para remeter falsos deuses, e ídolos, quando as pessoas cometem idolatria e adoram essas falsas divindades (Gn 33.12; Êx 7.1; 4.16) e autoridades (Êx 12.12; 21.5-6; 22.7; Lv 19.32; Nm 33.4; Jz 5.8; 1 Sm 2.25; Sl 58.1; 82.1), mas também é um nome pelo qual Deus é designado usualmente. El Shaddai (‫ֶא‬‫ל‬ ‫ׂש‬ַ‫ד‬ַ‫י‬) caracteriza Deus como aquele que generosamente supre todas as coisas (Gn 17.1; 28.3; 35.11; 43.14; 48.3; 49.25; Êx 6.3; Nm 24.4). El Shaddai é o Deus que faz com que todos os poderes da natureza sejam sujeitos e subservientes à obra da Graça no mundo. Esse nome evidencia Deus como aquele que se dá ao seu povo e garante o cumprimento de suas promessas. É a palavra usada para referenciar o Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Gn 24.12; 28.13; Êx 3.6), o Deus dos patriarcas (Êx 3.13, 15), dos hebreus (Êx 3.18) e de Israel (Gn 33.20). Significa, literalmente, “DEUS TODO PODEROSO”. melhor interpretá-lo como um plural de abstração ou como um plural de quantidade, que é usado para se referir a uma entidade ilimitada, ou como plural intensivo, que serviria para expressar a plenitude de poder de Deus. De fato, poucas vezes 'Elohim aparece na Escritura com um adjetivo ou verbo no plural (Gn 20.13; 28.13; 35.7; Êx 32.4, 8; Js 24.19; 1 Sm 4.8; 17.26; 2 Sm 7.23; 1 Rs 12.28; Sl 58.11 [12 TM]; 121.5; Jó 35.10; Jr 10.10). No singular, aparece apenas 57 vezes no Antigo Testamento hebraico, sendo 41 só no livro de Jó, enquanto no plural é encontrado 2.570 vezes. Referências a Deus no plural também ocorrem com outras palavras, como qedoshim (‫ְק‬‫ד‬‫ׂשֹו‬ִ‫י‬‫ם‬ Pv 9.10; Os 11.12), em ’osim (‫ׂשע‬ִ‫י‬‫ם‬, Jó 35.10; Sl 149.2; Is 54.5), em bôr’îm (‫ְרֹוב‬‫א‬ִ‫י‬‫ם‬, Ec 12.1) em Adonai (‫ְא‬ַ‫ד‬ֹ‫נ‬ָ‫י‬). Este último nome é muito importante para se referir a Deus no Antigo Testamento. A palavra aparece exatamente 449 vezes no Antigo Testamento como referência ao Senhor. Em 134 vezes, aparece sozinho e, em conexão com YHWH, 3I5 vezes. Por essa razão, alguns teólogos argumentam que Adonai é um dos nomes de Deus, nome que expressa soberania e senhorio sobre o universo, não sendo apenas um título a ele atribuído. O termo Adonai, no hebraico, significa, literalmente, “MEU SENHOR”, e nunca é usado como pronome de tratamento. Para isso, o hebraico usa Adoni ou Adon, nunca Adonai. Todas essas construções plurais evidenciam Deus como completo, como a plenitude da vida e do poder. Para muitos teólogos, esse
  • 12. 12 Por mais que existam essas nomenclaturas usadas para se referir a Deus e falar sobre ele, o nome pelo qual ele é mais conhecido no Antigo Testamento é o famoso tetragrama (‫)הוהי‬. Tetragrama porque são quatro letras que compõem o nome próprio de Deus. A pronúncia desse nome foi perdida. Como os antigos judeus não escreviam as vogais das palavras, mas apenas as consoantes, com o tempo as pessoas pararam de falar o nome de Deus, por causa do medo de enunciá-lo, ao ponto de a tradição oral perder a pronúncia do nome de Deus. Há quatro consoantes, mas não há vogais. Essas consoantes, se fossem transliteradas para o português, seriam YHWH. Um grupo de judeus denominado “Massoretas” começou a criar grafias para representar o som das vogais no hebraico. Se abrirmos o texto massorético, notaremos pequenas marcações, abaixo das consoantes, que representam o som das vogais. O motivo pelo qual aparecem acentos nas vogais no hebraico é a falta de espaço nos manuscritos antigos, que permitiam apenas o uso de pequenos diacríticos. O que aconteceu é que, como ninguém sabia quais eram as vogais do tetragrama, adicionaram as vogais da palavra Adonai, um nome muito utilizado para se referir a Deus. Por essa razão, o nome comum do Senhor é pronunciado como Jeová, Javé ou Yeowah e algumas derivações que seguem essa tendência de reconstruir o nome de Deus. Muitas Bíblias traduzem simplesmente como “SENHOR”, representando Deus como o Senhor Adonai sobre tudo e sobre todos. Muitos interpretam que o nome de Deus tem um significado compreensível, encontrado na Escritura. Significaria Deus como aquele que é ontem, hoje e sempre. Deus revelou- se a Moisés por meio desse nome, afirmando ser aquele que é. Para Abraão, esse nome significou provisão para o sacrifício do seu filho Isaque. Ele apareceu como Jeová Jireh – O SENHOR QUE PROVÊ (Gn 22.14). Prometendo livrar os filhos de Israel das pragas e das enfermidades que sobrevinham dos egípcios, ele manifestou-se como Jeová Rafá – O SENHOR QUE SARA/CURA (Ex 15.26). Na época de angústia dos juízes de Israel, ele apareceu a Gideão como Jeová Shalom – O SENHOR É A PAZ (Jz 6.24). A todos que peregrinaram na terra, ele se apresentou como Jeová Ra’a – O SENHOR É MEU PASTOR (Sl 23.1). Yahweh Tskednu significa SENHOR, JUSTIÇA NOSSA (Jr 23. 6). e Jeová Nissi significa o SENHOR é a Minha Bandeira (Ex 17.15). Ele assim revela-se na batalha contra o mal e contra o pecado. E no futuro – talvez já no Novo Céu e Nova Terra, segundo os aliancistas, ou no milênio, segundo os dispensacionalistas (assunto para o módulo de escatologia), ele será chamado Jeová Shamá, O SENHOR ESTÁ AQUI (Ez 48.35).
  • 13. 13 Q uando falamos sobre quem é Deus, geralmente estamos discutindo os atributos de Deus. Para definir quem é o Senhor, iremos defini-lo a partir de suas características. Quando se define alguém, é necessário trazer à tona características a respeito dele ou dela. Ele é alto, baixo, loiro, negro, branco, feio, gordo como eu, magro como você etc. As pessoas possuem características e o que difere uma pessoa de outra é aquilo que as pessoas são. Quando discutimos quem Deus é, estamos ressaltando os atributos de Deus, esse é o nome que é dado na teologia, quem Deus é e quais são as suas características. Definindo atributos de Deus, Erickson (2015) define como “aquelas qualidades de Deus que constituem o 4. O QUE SÃO ATRIBUTOS DE DEUS?
  • 14. 14 Trindade – aqueles que são próprios de quem a Trindade é, mas também existe uma economia da Trindade – suas manifestações em contato com a realidade. Em seus atributos, Pai, Filho e Espírito Santo são idênticos. Já em suas propriedades, como disse Erickson acima (2015), eles manifestam atuações distintas. Ele afirma que essas propriedades são funções, atividades ou atos de cada membro da Trindade e continua dizendo que “os atributos são essas qualidades intrínsecas, que não podem ser adquiridas nem perdidas” (p. 257). Já o teólogo Norman Geisler (2003, p. 17) argumenta que atributo é a “característica que pode ser atribuída à natureza de Deus – um traço essencial de Deus. Outros termos para atributo são ‘propriedade’, ‘perfeição’, ou ‘nome’”, em que o que é dito sobre o nome de Deus é dito sobre a pessoa em si, a característica de quem é a pessoa. Quando digo que louvo o nome de Deus, estou louvando quem Deus é por aquilo pelo qual ele se manifesta. Já Louis Berkhof não gosta muito desse tipo de nomenclatura. O teólogo presbiteriano, que possui uma sistemática muito famosa no Brasil, diz: O nome “atributos” não é ideal, desde que transmite a noção de acrescentar ou consignar alguma coisa a alguém, e, portanto, pode criar a impressão de alguma que ele é – as características exatas de sua natureza”. Ele continua: Os atributos são qualidades como um todo. Não devem ser confundidos com propriedades, que, falando tecnicamente, são as características distintivas das diversas pessoas da Trindade. As propriedades são funções (gerais), atividades (mais específicas) ou atos (os mais específicos) de cada membro da divindade. (p. 256-257). Isto é, o Deus-Pai teria uma característica, o Filho, outra característica, o Espírito Santo, outra característica. Essas características mais distintas não são atributos, mas propriedades. Por exemplo: quem morreu na cruz? Quem morreu na cruz foi o Deus-Filho. Quem foi enviado depois do Deus-Filho para a terra? Foi o Espírito Santo. Não foi o Espírito Santo que morreu na cruz, foi Jesus. Não foi Jesus que foi enviado depois que Jesus subiu, afinal, ele disse que enviaria o outro Consolador (o Espírito Santo) depois de sua ascensão. Esses detalhes serão trabalhados melhor em cristologia e pneumatologia. Cada pessoa da Trindade possui características, atos e ações na realidade diferentes umas das outras. Não são atributos distintos, mas propriedades distintas. Isso está atrelado ao que falaremos posteriormente sobre Trindade econômica e Trindade ontológica. Existem os atributos ontológicos da
  • 15. 15 Isso é bem diferente daquilo que somos como seres humanos. Temos amor, mas não somos amor. Temos misericórdia, mas não somos misericórdia. Temos santidade, mas não somos santidade. Deus, por outro lado, é aquilo que possui, segundo Herman Bavinck, porque revela justamente essa grandeza e esse relacionamento absoluto entre as características que Deus tem e o próprio ser que Deus é. Tanto que o autor chega a afirmar que “tudo o que Deus é, ele o é completa e simultaneamente” (2015, 121). Um jeito muito bonito de se referir ao Senhor. Considerando o que são esses atributos, temos que falar sobre as classificações dos atributos, os tipos de atributos de Deus, mas isso é assunto para a próxima aula. coisa é acrescentada ao ser divino. Indubitavelmente o termo “propriedade” é melhor, no sentido de indicar algo que é próprio de Deus e de Deus somente[...] Os atributos de Deus podem ser definidos como as perfeições que constituem predicados do Ser divino na Escritura, ou que são visivelmente exercidas por ele em suas obras de criação, providência e redenção. (BERKHOF, 2007, p. 51). Herman Bavinck (2012, p. 121), que escreveu uma coleção de quatro volumes de sistemática– um texto bem longo e denso acerca do Senhor e dos temas da teologia –, traduzidas, inclusive, para o português, argumenta: “cada atributo é idêntico ao ser de Deus; ele é aquilo que possui” . Não é como se Deus tivesse atributos, como se tivesse amor, santidade, paciência e misericórdia. De fato, um atributo que Deus possui é um atributo que Deus é, de forma que, ao ser definido como alguém amoroso, ele é amor. Quando Deus é definido como alguém misericordioso, ele é misericórdia. É interessante que 1João enuncia justamente isso, que Deus é amor. Há até igrejas que adotaram exatamente esse nome. A ideia não só é que Deus manifesta amor, mas que ele é o amor que ele possui. Então para Bavinck não existe uma divisão muito clara entre aquilo que Deus tem como atributo e aquilo que ele é como ser.
  • 16. 16 A ntes de definirmos quais são os atributos de Deus, precisamos discutir as suas classificações. Vamos utilizar o termo atributo porque ele é o mais comum dentro da teologia, mas já explicamos sobre terminologias na aula passada. Esses atributos de Deus também têm sido classificados em tipos dentro da teologia. Geralmente existem quatro tipos de classificações comuns. Dessas quatro, escolheremos uma. A primeira classificação – a mais comum e mais conhecida – diz respeito a atributos comunicáveis e atributos incomunicáveis. Segundo Millard Erickson (2015, p. 258), “atributos comunicáveis são aquelas qualidades de Deus para as quais se pode encontrar ao menos uma correlação parcial em suas criaturas humanas”. Ou seja, são atributos que se podem encontrar também naquilo que é criado por Deus. Segundo Franklin Ferreira e Alan Myatt (2007, p. 216), “os atributos comunicáveis 5. AS CLASSIFICAÇÕES DOS ATRIBUTOS
  • 17. 17 Uma terceira divisão está entre atributos absolutos e atributos relativos. Atributos absolutos pertencem à existência de Deus, em si mesma, e atributos relativos pertencem à essência divina, em relação à sua criação (BERKHOF, 2007, p. 54). Os absolutos seriam eternidade, imensidade, auto-existência etc. Os relativos seriam onipresença, onisciência e tudo aquilo que faz referência diretamente à coisa criada. A quarta classificação está ligada aos atributos imanentes ou intransitivos e aos emanentes ou transitivos. Os primeiros são aqueles que não se expõem nem operam fora da essência divina, mas permanecem imanentes (BERKHOF, 2007, p. 52), ou seja, pertencem à própria natureza de Deus (ERICKSON, 2015, p. 258) e estão contidos nele (e.g., imensidade, simplicidade, eternidade etc.). Ou outros são os que se expõem e produzem efeitos externos quanto a Deus (BERKHOF,2007, p. 52), isto é, emanam dele (ERICKSON, 2015, p. 258) – por exemplo, onipotência, benignidade, justiça etc. revelam a condescendência de Deus, e são as virtudes divinas que se refletem, de forma derivada e limitada, em suas criaturas”. Berkhof refere-se aos atributos comunicáveis como “os quais as propriedades do espírito humano têm alguma analogia como poder, bondade, misericórdia, retidão etc” (2007, p. 54). Logo, os atributos incomunicáveis são aqueles que não podem ser atribuídos a nenhuma criatura. São “aquelas qualidades singulares para as quais não se encontra qualquer correlação nos seres humanos” (ERICKSON, 2015, p. 258). São aqueles “aos quais nada análogo existe na criatura” (2007, p.54), atributos que só Deus possui e que nós não possuímos. Outros criam distinções entre atributos naturais e atributos morais. Os primeiros seriam os atributos pertencentesà natureza constitutiva de Deus, de maneira distinta de sua vontade (BERKHOF, 2007, p. 53). São os “superlativos não morais de Deus” (ERICKSON, 2015, p. 258). Os outros o qualificam como um ser moral. O problema dessa classificação é que os atributos ditos naturais também têm características morais. Os atributos naturais seriam auto- existência, simplicidade, infinidade etc., e os morais seriam bondade, misericórdia, justiça, santidade etc.
  • 18. 18 P essoalidade é certamente um dos principais atributos de Deus, de forma que os vários outros acabam tangenciando o tema da pessoalidade. A ideia é que Deus é pessoal. Ele não é uma força, não é uma energia. Deus é uma pessoa. Existem vários cenários na Escritura que apresentam justamente essa ideia de um Deus que se relaciona, que fala, que conversa, que vê, que usa constantemente linguagens antropomórficas para falar a respeito de si mesmo e que se identifica com o ser humano das mais variadas formas. O fato de Deus ser relacional e viver interagindo com o ser humano apresenta essa ideia de que estamos nos relacionando com um ser autoconsciente, pessoal, que possui individualidade e uma autoconsciência. É importante relacionarmos isso com o modo com que nos enxergamos e nos relacionamos com o Deus cristão. Ele não é um totem, uma pedra ou um item de barro. Ele é um ser que interage porque tem autoconsciência. Ele possui ciência da sua própria consciência. Ele conhece a si mesmo, assim como o ser humano se conhece e se entende de alguma forma. Ele apresenta identidade, ele sabe quem ele é e o que ele é em diferença ao que os outros são. Essa identidade é distintiva. Ela não é uma identidade que se confunde com as outras coisas, mas uma 6. A PESSOALIDADE DE DEUS
  • 19. 19 Podemos nos referir a Deus como criador, como alguém criativo, como alguém consciente, como alguém pessoal. Imagens antigas de um deus totêmico, animalesco, ou um deus que não tem consciência, raciocínio ou identidade são imagens que não correspondem ao Deus cristão, a quem chamamos de pessoa. Por isso que afirmamos que existem três pessoas na Trindade. A ideia de pessoa não é uma ideia errada, mas é muito coerente com esses traços de pessoalidade que aplicamos a Deus. Não que ele seja um ser humano como somos, mas uma divindade com quem podemos nos relacionar, porque ele é um ser senciente, inteligente, que compreende as coisas, que entende tudo, que tem uma identidade própria. E esse é um atributo que faz com que seja possível nos relacionarmos pessoalmente com esse Deus, orarmos e falarmos com Deus, sabendo que estamos nos dirigindo a uma pessoa que nos entende e que nos responde. identidade que é própria dele. Ele tem raciocínio, inteligência, criatividade, comunicação. Temos um Deus que fala e se revela na Escritura constantemente. Quando Moisés questiona quem ele é, ele responde “eu sou o que sou”, porque ele é o ser perfeito, a ontologia última. Nós somos em referência a algo. Eu sou homem, sou isso, sou aquilo. Deus é o único que é, porque Deus é a própria existência. E, sendo a própria existência de quem todas as outras existências derivam, ele é aquele ser pessoal que organizou tudo de acordo com a sua vontade. Tanto que a expressão “imagem e semelhança”, que se refere à criação do homem – isso será tratado melhor em antropologia – é usada para descrever como nós, enquanto seres humanos, nos assemelhamos a Deus, como refletimos Deus. Imagem e semelhança são termos intercambiáveis e significam basicamente a mesma coisa. Ser imagem de Deus significa que somos parecidos com Deus e refletimos Deus. Ser a semelhança de Deus significa justamente que temos essa imagem assemelhada à dele. Uma vez que somos imagem e semelhança, podemos, por analogia, entender que Deus carrega algum traço de humanidade. Não que ele seja homem, mas que ele tem algumas características que nós possuímos de forma derivada.
  • 20. 20 O primeiro bloco sobre os atributos de Deus de que devemos tratar são aqueles chamados por Millard Erickson de atributos de grandeza. O primeiro atributo de grandeza é a infinitude ou infinidade. Para Berkhof (2007, p. 59): “É a perfeição de Deus pela qual ele é isento de toda e qualquer limitação. Ao atribuí-la a Deus, negamos que haja ou que possa haver quaisquer limitações do Ser divino e dos seus atributos”. Ou seja, ninguém pode restringir, controlar e limitar quem Deus é. Erickson (2015, p. 264) continua argumentando que “Isso não significa que é somente ilimitado, mas é ilimitável [...]. Deus é diferente de tudo o que experimentamos. Mesmo aquilo que o senso comum, antes, afirmava ser infinito ou sem limites, agora é considerado limitado”, porque Deus é a ilimitação em sua grandeza e totalidade. Bavinck (2012, p. 164) diz o seguinte: Trata-se de uma infinitude de essência. Deus é infinito em sua essência característica, absolutamente perfeito, infinito em um sentido intensivo, qualitativo e positivo [...] a infinitude de Deus é sinônima de perfeição e não tem de ser discutida separadamente. Nós percebemos a infinitude de Deus em certas características que são ressaltadas na Escritura distinguindo Deus como alguém incontrolável, alguém que não pode ser contido, alguém que está em todos os lugares. A infinitude é um atributo derivado logicamente de outros atributos de Deus. Se buscarmos bases bíblicas para demonstrar que Deus é infinito, encontraremos bases bíblicas manifestando outras características de Deus que, quando juntas, revelam esse aspecto de Deus ser maior do que tudo e de não ser possível contê-lo e limitá-lo de forma alguma. Um desses atributos é o atributo da eternidade. A Escritura não apresenta um começo ou mesmo 7. INFINITUDE E ETERNIDADE
  • 21. 21 alguém que nunca ouviu nada tentando compreender o que é ouvir. É como se tentássemos assimilar cores com frequência acima do ultravioleta ou abaixo do infravermelho. São tentativas que estão além de nossa capacidade e Deus é alguém que está além do tempo. Bavinck (2012, p. 166) diz: A natureza essencial do tempo não diz respeito à finitude ou infinitude do antes ou do depois, mas que ele abrange uma sucessão de momentos, que há nele um período que é passado, um período que é presente e um período que vem depois. Mas, daí, segue-se que o tempo – tempo intrínseco – é o modo de existência que é característico de todos os seres criados e finitos [...] Tempo é duração da existência da criatura [...] Deus não é um processo de tornar-se, mas um ser eterno [...] Ele não pode ser submetido à medida ou à contagem de sua duração [...] A eternidade de Deus, portanto, deve ser imaginada como um presente eterno, sem passado nem futuro. Ele reitera que Deus “continua sendo eterno e habita a eternidade, mas usa o tempo para manifestar seus pensamentos e perfeições eternas. Ele faz que o tempo seja subserviente à eternidade e, assim, prova ser o Rei das eras (1 Tm 7.17)” (2012, p. 167). Em Cristo, Deus encarnou no tempo. Em Cristo, Deus não somente recebeu a natureza humana, mas em Cristo, Deus tornou-se temporal. Uma vez que ele se encarnou, cresceu e viveu como homem como nós. de um fim para Deus. E muitas pessoas, opondo-se ao cristianismo, questionam: quem criou Deus? A resposta simples é: ninguém. Se tudo o que é criado possui uma causa, como diz o famoso argumento cosmológico, torna-se necessária a existência de algo não-criado, a fim de dar início a tudo. Esse algo não-criado tem de ser algo que faça parte da infinidade passada, que está fora dos nossos conceitos de tempo e que sempre existiu. A Escritura declara diversas vezes que ele é “O Primeiro e o Último” (Is 44.6), que ele existia antes de o mundo existir (Gn 1.1), que ele é Deus de eternidade a eternidade (Sl 90.2; 93.2), eterno (Is 40.28; Rm 16.26), habita na eternidade (Is 57.15) e é imortal (Rm 1.23; 1 Tm 6.15). Sobre a eternidade, Bavinck (2012, p. 165) afirma que “entre eternidade e tempo há uma distinção não somente em quantidade, e em grau, mas também em qualidade e essência”. Deus ser eterno não significa simplesmente dizer que ele existe há muito tempo. Por outro lado, significa dizer que ele tem um relacionamento diferente com o tempo em nível qualitativo. Ele apresenta outra essência de relacionamento, além do próprio tempo – coisas que nem conseguimos entender. Quando nascemos e vivemos, surgimos presos ao tempo. É impossível compreender-se e interpretar-se fora do tempo. É difícil imaginarmos como seria esse tipo de existência. É como um cego de nascença tentando enxergar. É como
  • 22. 22 C ontinuando com os atributos de grandeza, o atributo da vez é imutablidade, ou constância. A Bíblia declara que Deus permanece o mesmo para sempre, que ele foi e sempre será o mesmo. Diz a Escritura que ele não é homem para que minta ou se arrependa. O que promete, cumpre (Nm 23.19; 1 Sm 15.29). Seus dons e chamado são irrevogáveis (Rm 11.29). Nele não há sombra de variação (Tg 1.17). Ele não muda (Ml 3.6). Há um longo testemunho na Escritura em favor disso. Porém, existem certas passagens que parecem atribuir a Deus atitude de arrependimento (Gn 6.6; 1 Sm 15.11; Am 7.3; Jl 2.3; Jo 3.9; 4.2), mudança de planos (Êx 32.10-14; Jn 3.10). Algumas dão a entender que ele pode ficar irado (Nm 11.1, 10; Sl 106.40; Zc 10.3) e desviar sua ira (Dt 13.17; 2 Cr 12.12; 30.8; Jr 30.8; Jr 18.8, 10; 26.3, 19; 26.3). Essas passagens, muitas vezes, são mal compreendidas. Alguns desses textos sofrem com péssimas traduções que, muitas vezes, não respeitam os melhores contextos de cada palavra. Por exemplo, a palavra usada para arrependimento no Antigo Testamento é uma palavra que pode ser traduzida para outros vocábulos. O campo semântico é mais vasto e a palavra pode 8. IMUTABILIDADE E UNIDADE
  • 23. 23 de Deus para com as coisas criadas, sempre em termos humanos e de uma perspectiva humana. Isso incluiria as manifestações de Deus experimentando dor e pesar. “Se a Escritura fala do seu arrependimento, de sua mudança de intenção, e da alteração que faz de sua relação com pecadores quando esses arrependem, devemos lembrar- nos de que se trata apenas de um modo antropopático de falar. Na realidade, a mudança não é em Deus, mas no homem e nas relações e nas relações do homem com Deus” (BERKHOF, 2007, p.59). - O que pode parecer mudança de ideia, na verdade, pode ser um novo estágio na concretização do plano de Deus. Exemplo disso é a oferta da salvação aos gentios. Percebemos que no Antigo Testamento a salvação era oferecida ao povo de Israel como povo escolhido de Deus. Os gentios eram salvos ao sujeitarem-se ao povo de Israel. A conversão de fé no Antigo Testamento também era uma conversão étnica em algum nível. A pessoa sujeitava-se a Israel para se sujeitar ao povo de Deus. É como disse Rute a Noemi: “Seu povo será meu povo e o seu Deus será o meu Deus”. No Novo Testamento, a salvação é entregue e ofertada aos gentios sem uma submissão ao povo de Israel. Então, Deus mudou de ideia? De forma nenhuma. Deus apenas concretizou um novo aspecto do seu plano eterno. Já era plano de Deus que no avançar das eras os povos tivessem significar apenas tristeza, como também lamento. Traduzir essa palavra como arrependimento e relacioná-la a Deus, exclui outras possibilidades de tradução mais adequadas ao intentar expressar que Deus lamentou algo. É Berkhof (2007, p. 58) que elucida a questão de que afirmar que Deus é imutável não quer dizer que ele é imóvel, como se não houvesse qualquer movimento em relação à criatura. "Imutabilidade não é imobilidade rígida. A própria Escritura nos leva a descrever Deus nas relações mais variadas com todas as suas criaturas” (BAVINCK, 2012, p. 161). E, nesse processo, Deus manifesta-se em contato e em adaptação a elas. Uma vez que Deus escolheu ser um ser relacional, ele escolheu, de alguma forma, em sua manifestação econômica, em sua manifestação com aqueles com quem estão falando e se envolvendo, não se portar estático, ainda que seja estável. Ele é ativo e dinâmico, mas de um modo estável e consistente com sua natureza” (ERICKSON, 2015, p. 271). Ou seja, ainda que Deus tenha um núcleo formativo que é imóvel – ele não muda –, pois, sendo perfeito, não involui nem decresce em nada, Erickson propõe três alternativas de percepção a essa ideia de Deus mudar de alguma forma. - Alguns textos bíblicos que dão entender que Deus muda devem ser interpretados como alusores ao antropomorfismo ou ao antropopatismo. São simplesmente descrições das ações e dos sentimentos
  • 24. 24 relacionamentos distintos com ele, de acordo com o beneplácito da sua boa vontade. - Algumas aparentes mudanças de ideia são alterações de orientações resultantes do avanço dos seres humanos para um relacionamento diferente com Deus. Uma vez que os homens mudam, aquilo que Deus manifesta aos homens também muda. Muito próximo da ideia de imutabilidade, está o atributo da unidade, a ideia de que Deus é uno. A unidade de Deus manifesta-se em sua unidade de singularidade (unitas singularitatis) e unidade de simplicidade (unitas simplicitatis). Unidade de singularidade (Dt 6.4; 1 Rs 8.60; 1 Co 8.6) quer dizer que: [...] há apenas um ser divino, que em virtude da natureza desse ser, Deus não pode ser mais que um ser e, consequentemente, que todos os outros seres existem somente dele, por ele e para ele. Portanto, esse atributo ensina a absoluta unicidade e exclusividade de Deus, sua unicidade interior ou qualitativa (BAVINCK, 2012, p. 174). Isso, atrelado à ideia de imanência e transcedência que ainda vamos ver, é o que revela que Deus é distinto de sua criação. Ele não pode ser confundido com nada na coisa criada, o que é uma crítica séria ao panteísmo e ao panenteísmo, duas doutrinas muito famosas que assumem que Deus é tudo ou que Deus está em tudo – o que não é verdade. Nós temos também essa unidade de simplicidade, o que quer dizer que, por causa de sua absoluta perfeição, cada atributo de Deus é idêntico à sua essência (BAVINCK, 2012, p. 177). É exatamente a ideia de que já falamos, que Deus é exatamente o que ele possui, sendo: [...] o estado ou qualidade que consiste em ser simples, a condição de estar livre de divisão em partes e, portanto, composição. Quer dizer que Deus não é composto e não é suscetível de divisão em nenhum sentido da palavra. Isso implica, entre outras coisas, que as três pessoas da Divindade não são outras tantas partes das quais se compõe a essência divina, que não há distinção entre essência e as perfeições de Deus, e que os atributos não são adicionados à sua essência (BERKHOF, 2007, p. 61). Os atributos são a própria essência de quem Deus é, ou seja, Deus não é uma composição de partes. Ele não é um organismo que pode ser dissecado. Deus é. E ele é o todo de tudo que ele é.
  • 25. 25 9. SANTIDADE E JUSTIÇA A palavra hebraica para “ser santo”, qadosh (‫ָק‬‫ד‬‫)ׂשֹו‬, deriva da raiz qad, que significa cortar ou separar” (BERKHOF, 2007, p. 70). Essa palavra é utilizada em associação a elementos que são separados para um fim específico, como, por exemplo, itens santificados para uso no templo. Alguns objetos no Antigo Testamento eram coisas santas e por serem santas não poderiam ser usadas na vida comum. Eram separadas apenas para o serviço no templo de Deus. (Êx 3.5; 12.16; 19.6; 29;31; 30.25; Lv 16.4; 25.12; 27.14, 30; Nm 5.17; 16.37; 27.30; Dt 23.14; Js 16.37; 2 Cr 35.3; Ed 9.2; Ne 11.1; Dn 11.28 etc). Em primeiro lugar, dizer que Deus é santo significa dizer que Deus está totalmente separado de toda a criação (Êx 15.11). Significa que ele é separado do pecado e do mal moral (ERICKSON, 2015, p. 277). Certamente, a expressão mais clara e mais profunda da santidade de Deus é encontrada em Isaías 6.1-4, em que o profeta vislumbra Deus no seu alto e sublime trono e os anjos em sua volta proclamam “Santo, Santo, Santo”, indicando um superlativo de santidade. Esse atributo de Deus possui tanto uma qualidade relacional quanto uma qualidade moral. Essa separação do mal, do pecado e da própria criação revela sua glória e sua majestade acima de tudo e de todos. Está intimamente relacionada com a bondade, fidelidade e sabedoria de Deus (BAVINCK, 2012, p. 222). Norman Geisler (2003, p. 314) afirma que a santidade de Deus representa uma total separação de toda criação e de todo mal. Ou seja, a santidade expressa a relação de Deus com o mundo. Mas essa relação é interpretada de formas diferentes, dependendo do teólogo que a comenta. Herman Bavinck nomeia vários teólogos que entraram na discussão e expõe
  • 26. 26 suas opiniões. Menken associou a santidade de Deus com sua bondade condescendente e com sua graça. Baudissin, porém, cria que era transcendência total de Deus, e foi apoiado, nessa interpretação, por Ritschl e por outros, que recorreram a Números 20.13; Isaías 5.16; Ezequiel 20.41; 28.25; 36.20-24; e à relação entre glória e santidade em textos como Isaías 63.15; 64.11; Jeremias 17.12; Ezequiel 20.40 e assim por diante. Estreitamente relacionada a essa posição está a de Schultz, que, baseado em Êxodo 15.11; 1 Samuel 2.2; 6.20 e Isaias 6.3; 8.13; 10.17, associa a santidade de Deus com sua majestade ardente, sua inacessibilidade, a distância infinita que o separa de todas as criaturas. Na batalha para descobrir qual atributo de Deus poderia representar melhor a ideia de santidade, muitos interpretaram a questão como mero relacionamento com a criatura e explicaram esse ponto como um mero termo relacional, e não como um atributo divino de fato, algo que aponta diretamente para sua essência interior. Diestel foi um dos teólogos famosos que defendeu essa posição. Apesar das diferentes interpretações acerca da santidade de Deus e de como isso pode ser percebido no seu relacionamento com as criaturas, todos concordam que Deus é separado da criação e que Deus é separado do pecado. Dessa forma, por ser santo, Deus está separado de suas criaturas e do mal, e Deus nos santifica. Por mais que essa santidade seja considerada por muitos teólogos como um atributo incomunicável, Deus ainda assim nos concede algo de santificação, à medida que cremos no nome do Messias e seguimos o caminho do Salvador. Por causa de sua santidade, Deus não é manchado nem tocado pelo mal do mundo e não tem nenhuma participação nesse mal. Deus é totalmente diferente de nós e não procede de forma má. E tal perfeição é o padrão, o horizonte que seguimos como base moral para o povo de Deus. Bavinck (2012, p. 224) comenta que a santificação de pessoas e coisas pelo Senhor ocorre de duas maneiras: negativamente, pela escolha de um povo, pessoa, lugar, dia ou objeto e sua separação de todos os outros; e positivamente, consangrando essas pessoas ou coisas e fazendo-as viver de acordo com normas específicas. Bavinck (p. 225) então considera que a santificação é algo além do que mera separação. Ela consiste em, “por meio da lavagem, da unção, do sacrifício, do aspergir do sangue (etc.), privar uma coisa do caráter que ela tem em comum com todas as outras coisas e imprimir sobre ela outro selo, um selo exclusivamente seu, que ela deve portar e exibir em toda parte”. Ou seja, é algo propriamente da pessoa ou coisa santificada. A santidade diz respeito à plenitude num sentido
  • 27. 27 “religioso, ético, cerimonial, interno e externo” (p. 226). É por isso que Jesus é a manifestação final, última e perfeita da santidade de Deus. A ideia de santidade está intimamente relacionada com a ideia de justiça e retidão. Berkhof (2007, p. 72) afirma que “a ideia fundamental de justiça é a de estrito apego à lei”. Significa, é claro, a lei de Deus manifestando sua verdadeira natureza, revelando que a natureza de Deus é tão perfeita quando ele e que a lei de Deus é tão perfeita quanto a natureza de Deus. A justiça é o seu instrumento para reger o reino. Sua justiça durará para sempre. Deus é o juiz de toda Terra e não permitirá que a injustiça permaneça. Por causa dessa justiça, Deus não toma por culpado o inocente (Ex 20.7; Ne 1.3ss). Ele nunca punirá alguém que não apresenta culpa do seu mal e do seu erro. E, porque é justo, ele não poupa o ímpio (Ez 7.4, 9, 27; 8.18; 9.10). Porque é justo, ele traz a justa condenação sobre aqueles que escolheram praticar a maldade. Porque é justo, Deus não faz acepção de pessoas, nem aceita suborno (Dt 10.17). Ele nunca corromperá sua moral e justiça por causa de qualquer coisa. Ele é reto em todos os seus caminhos (Sl 119.37; 129.4). Por isso que a punição do ímpio é mera consequência da justiça e da retidão do Senhor. Um dos grandes debates teológicos diz respeito ao que é justiça de Deus, como interpretamos a palavra justiça no Antigo e Novo Testamento. É muito difícil dimensionar a questão com clareza. Muitos teólogos afirmam que justiça nada mais é que a preocupação de Deus com a sua glória. Outros falam que ela exprime um resultado justo a partir de um padrão criacional que Deus planeja seguir. Outros alegam que justiça se refere a procedimentos corretos. Apesar de não ser o assunto de que queremos tratar aqui, torna-se conveniente entender que o conceito de justiça pode mudar dependendo do teólogo que debate a questão, e que isso afeta o modo como interpretamos o fato de Deus ser justo e o modo como interpretamos a justificação – algo do qual trataremos na doutrina da salvação, sotereologia. O que importa neste momento é entender que Deus não é alguém que se corrompe. Ele é alguém que anda de forma reta, justa, correta. Ele não torcerá o que é o certo por causa de nada. Ele age com justiça, ele pune os ímpios, traz graça aos justos e corresponde em sua retidão àquilo que a sua lei, aliança e bondade promovem aos seus filhos, aos perdidos e a toda coisa criada, que um dia estarão plenamente sujeitos à justiça do Senhor.
  • 28. 28 10. IRA E BONDADE D ois outros atributos muito importantes para debatermos quem é o Senhor são sua ira e sua bondade. Geralmente, as pessoas costumam olhar para um desses e ignorar o outro. Alguns integrantes de uma religião mais severa e com o olhar mais duro para vida interpretam que a ira de Deus é muito importante e exergam um Deus que está sempre com raiva de todos. Há também outros que interpretam Deus como uma divindade sempre boazinha, semelhante ao Papai Noel, de barba longa, no trono do céu, um Deus que mais parece com a Hello Kitty. Enxergam um Deus que é bondoso, amoroso e que tudo concede, tudo libera e tudo permite, porque ele é “bonzinho” para conosco.
  • 29. 29 Todavia, aprendemos a partir do autor de Hebreus que devemos considerar tanto a bondade quanto a severidade de Deus. Temos um Senhor que, sim, é bondoso, mas que também é severo, e o mesmo Deus que criou um céu de glória criou um inferno eterno para punir aqueles que vão contra o caminho do bem e da justiça. Falaremos melhor sobre o inferno em sotereologia, mas vale antecipar que a ira de Deus é um atributo típico de seu relacionamento com a criação. Wayne Grudem (1999) afirma que a ira de Deus está relacionada à sua santidade e sua justiça, de forma que ele define a ira de Deus da seguinte maneira: “dizer que a ira é atributo de Deus é dizer que ele odeia intensamente todo o pecado”. Portanto, a ira é nada mais do que uma conclusão lógica de sua santidade e de sua justiça. Com isso, entramos em um dos grandes debates da teologia: “Deus odeia o pecado e ama o pecador”. Isso é verdade? Há um Deus que odeia o pecado de forma abstrata, mas que ama o pecador que comete o pecado? Isso é uma verdade, mas não é toda a verdade. Por mais que Deus odeie e somente odeie o pecado, ele tem um relacionamento complexo com o homem que escolhe o caminho do pecado. Nós encontramos na Escritura declarações que expressam uma manifestação de amor, por parte de Deus, que se dá a todos os homens. Percebemos essa atitude em passagens como João 3.16, que diz que Deus amou o mundo e, porque amou o mundo, entregou o seu Filho. “Mundo”, ali no contexto de João, parece referir-se ao mundo caído, ao mundo pecador. Quando Jesus ordena que amemos nossos inimigos, a base que ele fornece é a de que Deus faz cair chuva e sol sobre justos e injustos. Há um Deus que ama o mundo e, porque ama o mundo, ordena que o amemos também. Porém, ao mesmo tempo, há um Deus que manifesta ira contra o homem pecador. Isso é confirmado nos Salmos 5 e 7 e João 3. 36, no qual é afirmado que “aquele que tem o filho, tem a vida, mas aquele que rejeita o filho já está condenado e a ira de Deus permanece sobre ele”. Isso é visto em Romanos 9, que diz que ele “amou Jacó, mas odiou Esaú”. Há um Deus que, sim, manisfesta-se não apenas contra o pecado, mas contra aquele que peca. Deus não externa ira apenas contra a figura abstrata do pecado, mas também contra o agente do pecado. “Ora, Yago, mas se Deus ama a todos, como pode odiar alguns?” A ideia é que de fato Deus é um ser mais complexo do que nós. Até mesmo nós, seres humanos, possuímos sentimentos complexos em relação à existência e a muitas outras coisas. Podemos dizer que amamos e odiamos algumas coisas. Deus, sim, tem um amor por seus filhos que é muito especial. Também possui um amor que se dá por toda criação e ama também aqueles que criou. Ainda
  • 30. 30 assim, Deus apresenta um ódio santo e uma ira justa contra aqueles que praticam o pecado. Essa ira deve se manifestar em punição contra eles. Porque Deus ama, ele os traz e os convida a saírem do caminho do pecado e andarem no caminho do arrependimento e, por outro lado, porque Deus tem uma ira, ele trará justiça contra aqueles que rejeitarem a sua bondade. A bondade de Deus é o conjunto total de todas as perfeições (bondade metafísica). Todas as virtudes estão presentes nele em um sentido absoluto” (BAVINCK, 2012, p. 217). Deus “é o parâmetro definitivo do que é bom, e que tudo o que Deus é e faz é digno de aprovação” (GRUDEM, 1999, p. 143). Ele é a base do que é moral, do que é certo e errado. Ele é a própria bondade e justiça. É por isso que várias vezes a Bíblia declara que Deus é bom (Sl 34.8; 36.6; 104.21; Mt 5.45; Mc 10.18; Lc 18.19; At 14.17). Isso significa que o padrão de avaliação do que é bom e do que não é, é o que Deus determina que é bom ou não. Deus é bom e, por causa disso, aquilo que ele julga bom é, de fato, bom para aqueles que encontram em Deus a base moral e epistemológica de toda a existência. Se Deus não existe, se não há um padrão moral absoluto, a moralidade não transcende o homem. Ela passa a ser uma mera escolha arbitrária, ou um fruto de padrões evolutivos. Se Deus existe, há uma moralidade acima de todos nós, e essa moralidade é baseada totalmente em quem Deus é e naquilo que ele considera justo e correto para nossas vidas. A respeito disso, Deus deu-nos um reflexo do seu próprio padrão de bondade, de modo que podemos avaliar as coisas a partir de um padrão colocado por Deus em nosso coração. Romanos 1-2 diz que Deus pôs no coração do homem algum senso da lei de Deus, de forma que temos alguns padrões do que é certo, justo, bom, o que perpassa todos os seres humanos, sejam religiosos ou não. Essa realidade está intimamente relacionada ao fato de que todos fomos feitos à imagem de Deus. Por isso, devemos aprovar o que Deus aprova e encontrar prazer nas coisas que Deus diz que são boas. A graça e a misericórdia de Deus manisfestam-se como parte da sua bondade. A ideia de misericórdia está em não dar algo ruim que merecemos. Merecíamos ser punidos, mas Deus não o fez – isso é misericórdia. É o oposto negativo de graça. Graça é entregar algo bom que você não merece. Deus é gracioso e misericordioso. Por isso que a graça divina é bondade para com aqueles que só merecem castigo, e paciência divina é a sua bondade para com aqueles que continuam por muito tempo no pecado. A ideia de um amor leal da parte de Deus, ou de um amor permanente, significado do termo hebraico hesed [‫ֶה‬‫ס‬ֶ‫ד‬] muito
  • 31. 31 usado na Escritura para mostrar essa aliança que Deus faz com o homem e que permanece em aliança por causa desse amor, também é uma das manifestações da sua bondade para conosco. É um ato de compromisso para com aqueles que participam do seu favor e é o princípio do perdão, o qual foi revelado plenamente em Cristo Jesus. Por isso que várias passagens bíblicas abordam a misericórdia também abordam a graça de Deus (Gn 6.8; Ex 15.13, 16; 19.4; 33.12, 17, 19; 34.9; Pv 3.34; Is 35.10; 42.10; 43.1, 15, 21; 54.5; 63.9; Jr 3.4, 19; 31.9, 20; Ez 16; Os 8.14; 11.1; Dn 4.27), de forma que a graça é constantemente louvada (2 Cr 30.9; Ne 9.17; Sl 86.15; Jn 4.12. Zc 12.10). No Novo Testamento, ela mostra-se mais rica e mais profunda (Lc 4.22; Cl 4.6; Ef 1.6-7; 2.7-9;4.29; Tt 2.11; 3.4-7). É a graça que se manifesta como algo que nos salva (At 18.27; Ef 2.8), que nos justifica, fazendo-nos justos diante de Deus (Rm 3.24; 4.16; Tt 3.7). “O amor é uma expressão da bondade de Deus na qual ele se doa eternamente aos outros” (GRUDEM, 1999, p. 145). Essa definição que é dada por Grudem apresenta o amor como uma doação de si mesmo, em benefício dos outros. Mostra que faz parte da natureza de Deus doar-se e distribuir bençãos. A própria Bíblia declara que Deus é amor e que o amor de Deus é eterno (Sl 136, Jo 17.24). Seu amor é um modelo do nosso amor (1 Jo 4.10-11), e mostra, além disso, que Cristo é a prova do amor de Deus ao morrer numa cruz em nosso lugar (Jo 3.16; 15.13; Rom 5.8). Deus amou o mundo, Deus amou a igreja e Deus amou os homens de forma individual (Jo 14.23; 16.27; 17.23). O amor dele não é só ao grupo, mas é também a indivíduo que vive sobre a terra. O amor dele é por mim e é por você. A longanimidade também é um atributo de Deus que está intimamente relacionado com a sua bondade. É através dela que ele tolera homens rebeldes e maus a despeito de sua prolongada desobediência.
  • 32. 32 V amos falar um pouco sobre imanência e transcendência de Deus. O que isso significa? Já foi falado acerca de Trindade imanente e transcendente. Essas palavras talvez sejam novidade para você. A ideia é que o Cristianismo sempre apresentou Deus como imanente, como transcendente. Muitas religiões têm visões diferentes a respeito disso. Religiões mais panteístas ou panenteístas interpretam que a divindade é totalmente imanente, tão imanente que a divindade se confunde com a própria criação, porque deus é tudo ou está em tudo. Já movimentos mais deístas interpretam Deus como algo totalmente distinto da criação ao ponto de não mais participar da coisa criada. É alguém que criou tudo, empurrou todas as coisas, girou o motor e então saiu e desapareceu. O cristianismo apresenta um Deus que tanto é transcendente como é imanente. Primeiramente, começaremos por imanência. Por imanência referimo-nos ao contato de Deus com toda a criação, com a natureza, com a história daquilo que ele formou na Terra. Por ser imanente, estando em contato com a coisa criada, ele também é providente – outro termo que é comumente usado na teologia para fazer referência ao controle de Deus na natureza, na criação e nos corações dos homens, nos governos e em tudo 11. A IMANÊNCIA DE DEUS
  • 33. 33 que está à nossa volta. Deus está em contato com a criação e a está guiando de acordo com a sua vontade e de acordo com o poder de sua Palavra. Nisso podemos acreditar que tudo que acontece à nossa volta é devido ao fato de haver um Deus imanente cuidando de tudo. Ele é o Deus da natureza, da lei natural. Ele é o Deus que criou as regras do universo e sustenta tudo com o poder de sua Palavra. Por isso que até mesmo os eventos naturais podem ser vistos como atuação de Deus. Não existe acaso, não existem atos aleatórios. Tudo que existe é por causa de um Deus providente, imanente, próximo de nós, guiando todas as coisas. Deus está presente em todos os lugares, não apenas naquilo que é espetacular. Deus está lá naquilo que é comum. Norman Geisler afirma que a imanência fala diretamente a respeito do modo como Deus se relaciona com a sua criação, no sentido de que Deus não está somente sobre ela, mas que Deus está nela. Ele é tanto Deus de longe quanto de perto. Geisler também coloca que Deus, sendo infinito, precisa estar além da criação. No entanto, como sua causa sustentadora, ele deve estar na criação. Teologicamente, então, a ideia de imanência significaria que Deus está presente no universo inteiro. A imanência estaria próxima, por definição, da onipresença. A ideia de que Deus está em todos os lugares também traz a ideia de que Deus está presente em todos os lugares e se faz conhecido e acessível em todos os lugares. Novamente, isso não pode ser confundido com panteísmo/panenteísmo. Deus está em todo lugar, fazendo-se presente. Ele faz-se acessível às criaturas, mas ele não se confunde com a coisa criada. Deus não está no universo no sentido de ser parte dele. É como coloca Geisler: “ele está no universo como sua causa sustentadora, mas não no sentido de ser parte de sua natureza” (2003, p. 527). A Bíblia sustenta a imanência de Deus em muitas passagens (Jr 23.23-24; Sl 104.29-30; 139.7-10; At 17.27-28; 27.3; 33.4; Cl 1.17; Hb 4.13; Ap 4.11). Pense na ideia de que Deus é aquele que sustenta o universo e também em tantos outros textos que evidenciam um Deus próximo, que pode ser encontrado pelo seu povo. Millard Erickson nos dá cinco aplicações práticas a respeito da ideia de existir um Deus imanente. (1) Ele não está limitado a agir diretamente para realizar seus propósitos. Ele pode usar toda a criação e natureza para fazer isso acontecer, porque ele está controlando e sustentando toda a natureza. (2) Deus pode usar pessoas e organizações que não são declaradamente cristãs (Is 44.28; Ed 1.1-4). Pense na história do rei Ciro no Antigo Testamento. Era um rei ímpio usado por Deus para fazer seu nome conhecido e para cumprir a sua vontade. Mesmo homens que não servem a Deus são usados por ele, porque há um Deus providente e imanente organizando todas as coisas. (3) Significa que podemos apreciar o que Deus criou. Podemos receber a
  • 34. 34 benção de tudo aquilo que está à nossa volta porque há um Deus que se revela e usa aquilo que nos rodeia. (4) Podemos aprender algo de Deus por meio da criação. Lemos em Romanos 1 que há um Deus que se manifesta por meio da coisa criada e que, sim, há algumas características a respeito do Senhor que nos são acessíveis através da sua revelação na natureza. (5) A imanência representa o ponto de contato entre o crente e o descrente. Aquele que acredita em Deus e o que não acredita estão diante de um Deus que está perto. E, porque ele está perto, é possível que apontem de alguma forma para aquilo que é maior do que eles. (ERICKSON, 2015, p. 304-305). Uma vez que Deus não está longe, mas próximo, existe um ponto de contato ali. Até mesmo o homem caído, o qual ainda tem um senso do divino, como dizia Calvino, e o homem que encontrou a revelação do Senhor. Muitos modelos de imanência surgiram ao longo da história da igreja. Agostinho (GEISLER, 2003, p. 530), por exemplo, um grande teólogo do século IV, Dizia que “a presença de Deus está em todo canto, mas não é confinada por fronteiras nem limitações, ela é indivisível e imutável. Sua presença não tem necessidade dos céus nem da terra, mas ele preenche ambos com sua presença e seu poder”. Thomás de Aquino (GEISLER, p. 531), mais à frente, na teologia medieval, fala que costumeiramente se comenta que “Deus está em todas as coisas por essência, não de fato pela essência de todas as coisas em si mesmas, como se ele fosse da sua essência, mas pela sua própria essência; porque sua substância está presente a todas as coisas como a causa de sua existência”. Deus é aquele que criou tudo, então ele se manifesta ainda através de tudo. Mais à frente, com a Reforma Protestante, Martinho Lutero (GEISLER, p. 541) declara: “Deus não descansa, mas trabalha sem cessar, como Cristo diz em João 5, “Meu pai continua trabalhando até hoje e eu continuo trabalhando”. A ideia da Reforma é a de que havia um Deus que não havia cessado de sustentar a sua criação e por isso ainda se fazia presente nela. João Calvino, nas suas Institutas (1.16.1), dizia que a imanência de Deus “não significa apenas acionar, mediante determinado movimento universal, tanto a máquina do orbe, quanto cada uma de suas partes, como também a sustentar, nutrir, assistir, com determinada providência singular, a cada uma dessas coisas até o mais insignificante pardal” (Mt 10.29) . A imanência de Deus é uma doutrina maravilhosa, mas na aula seguinte abordaremos a transcendência de Deus.
  • 35. 35 O que significa a transcendência de Deus? O fato de Deus ser além da criação. Ele é maior que qualquer coisa que encontramos à nossa volta. Por transcendência queremos dizer que Deus é maior que a natureza e a humanidade, além de ser independente delas. Ele não está necessariamente ligado à criação ou envolvido com ela. Ele é também superior à criação nas mais diversas formas. Por isso, muitos teólogos não consideram a transcendência como uma característica inerente de Deus, mas uma característica mais relacional. Inerentemente, Deus é infinito e, em suas relações com a criação, ele é transcendente. A Bíblia testifica a transcendência das mais variadas formas (Gn 1.1; 1 Rs 8.27; Sl 57.5; 113.5-6; Is 6.1-5; 40.12; 55.8-9; 57.15; Jo 8.23; Ef 4.6). Agostinho, no século IV, apresentou um modelo de transcendência que mostrava um Deus que não criou nada fora da sua própria vontade. Seu conhecimento da coisa criada nunca sofreu alteração ou mesmo adição (GEISLER, 2003, p. 522). Deus não fez as criaturas por causa de alguma nova vontade de seu coração que indicava que ele precisava de algo ou alguém. Ele é transcendente porque é superior e criou tudo de forma deliberada e amorosa. Da mesma forma, Thomás de Aquino dizia que “Deus está acima de todas as coisas pela excelência de sua natureza” (GEISLER, 2003, p. 522). Na Reforma Protestante, Martinho Lutero afirmava que “Deus não deve ser excluído de, ou limitado a qualquer lugar. Ele está em todos os lugares e em lugar nenhum”, porque Deus não pode ser contido nem mesmo no tudo. E acrescenta ainda que Deus estaria em todos os lugares por causa do exercício do seu poder para isso, ou de acordo com 12. A TRANSCENDÊNCIA DE DEUS
  • 36. 36 a sua essência de estar em todo lugar. Diz que “Deus não opera através de seu atributo, mas através de sua essência”. É da essência de Deus transcender tudo. Calvino, de forma semelhante, acusa algumas concepções grosseiras acerca de Deus que desconsideram que Deus é muito maior que as suas criaturas. Ele argumenta que mesmo que mar, terra, que tudo pareça vasto em sua extensão, não é nada comparado a Deus. Ainda hoje, quando nos atentamos às canções, músicas e tratamentos que damos ao Senhor, percebemos que às vezes o tratamos como se ele fosse muito pequeno, ou muito próximo de nós. Aqui no Ceará, dizemos que fazer isso é tratar Deus como se fosse nosso “pariceiro”, é “levar Deus a pagode”. Todavia, não o fazemos com o Senhor que é transcendente e que está acima de todos nós. Foi um teólogo do século XX chamado Karl Barth que afirmou que Deus é totalmente outro, chamando atenção para a sua transcendência. Ele alegava que “Deus não é um aspecto da natureza humana. Ele está separado da humanidade por uma distinção qualitativa infinita”. A qualidade de Deus é infinitamente maior que a nossa. Mas Karl Barth é conhecido por seus exageros acerca da transcendência de Deus. Ele chega a colocar que: [...] nos seres humanos, não há centelha de afinidade com o divino, nenhuma capacidade de produzir revelação divina, nenhum resíduo de semelhança com Deus. Além disso, Deus não está envolvido na natureza, tampouco condicionado a ela. Ele é o que se oculta, não pode ser descoberto pelos nossos esforços, demonstrado pelas nossas provas intelectuais, nem compreendido em termos de nossos conceitos (ERICKSON, 307). Essa resposta extremada de Karl Barth foi uma resposta aos imanentistas do século XIX. A partir do século XIX e em parte do XX, houve muitos movimentos que deram ênfase exagerada à imanência de Deus. O Liberalismo Teológico chegou a postular que não há âmbito sobrenatural fora do âmbito natural e que Deus está na natureza, não além ou fora dela. O Liberalismo, então, perceberia Deus atuando apenas nos fenômenos naturais, excluindo até mesmo a possibilidade de milagres. Para eles, Jesus era diferente dos seres humanos apenas em grau, não em espécie. Jesus, para eles, era um homem melhor do que nós, com um senso mais elevado do divino, não um homem diferente, superior e realmente divino, realmente Deus. Uma visão que certamente não representa aquilo que o cristianismo apresenta sobre Jesus.
  • 37. 37 D eus tem vontade. Talvez mais de uma. Esse é um assunto que tem chamado atenção de teólogos. O que aprendemos teologicamente é que tudo deriva da vontade de Deus. Criação e preservação (Ap 4.11), governo (Pv 21.1; Dn 4.35; Ef 1.11), eleição e reprovação (Rm 9.15-16), os sofrimentos de Cristo (Lc 22.42; At 2.23) e dos crentes (1 Pe 3.17), a vida e o destino do homem (At 18.21) e os menores detalhes da vida (Mt 10.29) estão debaixo da vontade do Senhor. Esse é o atributo pelo qual ele decide praticar todo e qualquer ato, seja para si mesmo ou para a criação. Nós vivemos sujeitos à vontade de Deus e não temos como viver fora dela. Ele é aquele que tem controle e soberania sobre tudo. Mas essa vontade possui alguns aspectos comumente descritos na teologia. Muitos teólogos falam da vontade necessária. Wayne Grudem explica isso muito bem quando diz que “a vontade necessária de Deus abarca tudo o que ele tem obrigatoriamente de desejar conforme a sua natureza. E o que Deus necessariamente deseja? Deseja a si próprio. Deus eternamente deseja ser, ou quer ser, quem ele é e o que ele é” (1999, p. 156). Deus não tem conflitos de identidade. Ele é um ser completamente satisfeito em si mesmo. Ele diz: “Eu Sou o que Sou” ou “Eu Serei 13. AS VONTADES DE DEUS
  • 38. 38 o que Serei” (Êx 3.14). Ele está convicto de quem é. “Deus não pode decidir ser diferente do que é, nem deixar de existir” (GRUDEM, 1999, p. 156). Não por uma questão de possibilidades, mas uma questão moral. Ele simplesmente não precisa disso e não quer isso, porque a sua vontade corresponde à plenitude da sua natureza. Por isso que Bavinck fala de uma vontade de Deus com relação a si mesmo como uma propensão em relação a si mesmo como “objetivo[...] Deus não pode fazer outra coisa a não ser amar a si mesmo. Ele, eternamente e com necessidade divina, tem prazer em si mesmo. Portanto, sua vontade é isenta de arbitrariedade, mas não é sujeita a coerção” (BAVINCK, 2012, p. 239). Deus tem prazer em si mesmo e glorifica o próprio nome para sempre. O teólogo e pastor americano John Piper, no seu livro Em busca de Deus, descreve a paixão de Deus pela sua glória e o interesse de Deus em glorificar o seu nome para sempre. A vontade livre de Deus, ou até mesmo o livre-arbítrio de Deus, encerra todas as coisas que Deus decidiu desejar sem ter que desejá-las de forma necessária por causa de sua vontade. Aqui temos que enquadrar a decisão divina de criar o universo, além de toda decisão ligada aos detalhes da criação, sem mencionar todos os esforços redentivos de Deus. Não era necessário que ele assim agisse, mas escolheu livremente agir dessa forma em nosso favor. Outra divisão comum com relação à vontade de Deus diz respeito a uma vontade secreta e uma vontade revelada, também conhecidas como vontade decretiva e vontade preceptiva. A vontade secreta é a vontade de decreto de Deus. Já a vontade preceptiva é a vontade revelada, a vontade dos mandamentos de Deus, ou seus preceitos. A vontade preceptiva diz respeito diretamente à nossa conduta moral, também conhecida como vontade de mandamento. É a vontade declarada acerca do que devemos ou não devemos fazer. Basicamente, é a vontade da Lei de Deus. É o que Deus espera que façamos ou não a partir do que é ordenado por ele. Segundo Berkhof, a vontade revelada/ preceptiva é justamente a regra moral que Deus deu aos seus filhos e a regra de vida que ele entregou às suas criaturas morais, indicando os deveres que lhes impõe. E essa vontade é desobedecida com frequência (BERKHOF, 2007, p. 74). Muitas vezes fugimos e abandonamos a vontade de Deus. Não vivemos como Deus ordena que vivamos. Bavinck ainda nomeia essa vontade preceptiva/revelada como vontade expressa/sinalizada. Ele defende que essa vontade é o “preceito de Deus, concretamente afirmada na lei e no evangelho, o preceito que serve como regra de conduta” (2012, p. 250). A vontade decretiva, vontade secreta ou vontade de beneplácito é a vontade de Deus que inclui seus decretos ocultos, o modo como Deus guia a história e organiza tudo
  • 39. 39 para seguir o rumo que ele determinou desde o princípio. É uma vontade que diz respeito à soberania de Deus e ao modo como ele organiza todo o universo, de acordo com a sua vontade. Ele não nos revela normalmente quais são esses decretos e como funciona sua vontade, a não ser por meios de profecias acerca do futuro. É por isso que ela é conhecida como vontade secreta de Deus. O modo como Deus decidiu organizar todo o mundo é um mistério para nós. A vontade revelada, que é da Lei de Deus, é conhecida, mas não conhecemos a vontade do decreto de Deus e do modo como ele organizou todas as coisas. A vontade decretiva é aquela da qual não podemos fugir. Podemos fugir dos mandamentos de Deus, mas não podemos fugir do decreto de Deus. Há uma soberania do Senhor que guia todas as coisas, montando toda a história para um rumo específico. Não temos como fugir da organização do mundo feita por Deus. Se nos for questionado: “é possível fugir da vontade de Deus?”, torna-se necessário ser dito: “Depende. A qual vontade você se refere? - À vontade do mandamento. - Nesse caso, sim. Porém, fugir do decreto de Deus e da soberania de Deus, de forma nenhuma”. Nenhum de nós pode fugir da vontade desse Senhor. Os Luteranos geralmente rejeitam a divisão entre essas duas vontades, apesar de Lutero em The bondage of the will, publicado em português como Nascido escravo, fazer uma distinção entre as duas coisas. Entretanto, sua compreensão não é bem a compreensão reformada, a qual apresentamos aqui. Os teólogos católicos mantiveram formalmente essa distinção, mas falam em termos de vontade antecedente e consequente. Teólogos reformados geralmente rejeitam esse tipo de pensamento.
  • 40. 40 V ocê já deve ter ouvido alguém gritar em um culto protestante: “Glória a Deus!”. No entanto, o que isso realmente significa? O que a palavra “glória” representa? Podemos falar de uma glória atribuída a Deus e uma que é inerente a Deus. A glória atribuída a Deus é a que lhe entregamos, é a glorificação do nome de Deus. A glória que lhe é inerente é a que ele já possui. Porém, para entender a divisão entre esses dois conceitos, temos que entender o que a palavra glória significa. O teólogo americano John Piper diz que a glória é o resplandecer dos atributos de Deus. Aquilo que Deus é, aparece a nós por meio da sua glória. Se uma lâmpada ou uma vela têm a característica de ser luminescente, a glória é aquilo que enxergamos ao olhar para elas. A glória é o emanar dos atributos de Deus. A palavra hebraica para glória [kavod, ‫ָכ‬‫ב‬‫]דֹו‬ também é utilizada para expressar peso. Para os autores do Antigo Testamento, a ideia de glória era justamente um peso que aparecia e que enchia o ambiente quando Deus estava presente. Esse peso sentido emocionalmente também poderia ser sentido fisicamente diante da majestade de quem Deus é. “A perfeição de Deus, então, que é inerentemente o fundamento da sua bem-aventurança, traz, por assim dizer, a sua glória consigo” (BAVINCK, 2012, p. 259). O 14. A GLÓRIA DE DEUS
  • 41. 41 equivalente no NT é δοζα, que transmite subjetivamente uma ideia do reconhecimento que alguém recebe ou é designado para receber. Doxologia é justamente palavras de adoração ao Senhor. Deriva das palavras doxa e logia, que significam “palavra”. Objetivamente, a glória de Deus é sua aparência, seu esplendor, sua forma e seu prestígio. Essa glória é manifesta em todas as atividades de Deus (1 Cr 16.27; Sl 29.4;96.6; 104.1; 111.3; 113.4 etc), na sua criação (Sl 8; Is 6.3). Quando apareceu para Israel (Ex 16.7, 10; 24.16; 33.18ss; lv 9.6, 23; Nm 14.10; 16.19; Dt 5.24) ela encheu o tabernáculo e o templo (Ex 40.34; 1 Rs 8.11) e foi comunicada ao povo (Ex 29.43; Ez 16.14ss). Ela é manifesta ultimanente em Cristo (Jo 1.14) e, por meio dele, à igreja (Rm 15.7; 2 Co 3.18) que aguarda a sua volta, a manifestação da sua glória (Tt 2.13). Sua glória é descrita como fogo (Ex 24.17; Lv 9.24). Então essa glória intrínseca ao ser de Deus é exatamente essa característica de emanação de todos os seus atributos. Dar glória a Deus é aumentar essa glória que Deus possui. Seria propagar a sua fama. Seria fazer seu nome glorificado no mundo ao mostrar para as outras pessoas como ele é grandioso. É como espalhar a fama de alguém, como se diz em inglês sobre espalhar o nome de Jesus. Nós espalhamos a fama de Deus. Falamos sobre Deus para as outras pessoas porque queremos que ele receba mais glória, que os corações que ainda não o glorificam deem a ele a honra e o nome que ele merece. Porque ele é grande e bondoso e porque ele possui todas essas características e atributos sobre as quais conversamos. Nada é mais glorioso do que pararmos para estudar os atributos de Deus, sabermos quem Deus é, conhecermos profundamente o nome do Senhor e sermos tocados por isso.
  • 42. 42 C ertamente, uma das doutrinas mais importantes é a doutrina da Trindade. Com certeza, uma doutrina muito disputada, que sofre muitos ataques de pessoas de teologias variadas, mas que é seguramente um dos temas mais claros que a Escritura utiliza para falar de Deus. Sem medo de exagero, podemos afirmar que a doutrina da Trindade é uma das 15. A TRINDADE - DEUS-PAI, DEUS-FILHO, DEUS-ESPÍRITO
  • 43. 43 doutrinas mais fundamentais da fé cristã. Trindade vem do latim trinitas, que significa tríade. É a doutrina que postula que há um único Deus que se manifesta em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo, de forma que cada um dos três é totalmente Deus, mas não são o que o outro é. Ou seja, o Pai não é o Filho, o Filho não é o Pai, o Pai não é o Espírito e o Espírito não é o Filho, mas cada um deles é completamente Deus e um está contido no outro. “O Pai está em mim e eu estou no Pai”, diz Jesus. O Espírito está no Pai e o Pai, no Espírito. O Espírito está no Filho e o Filho, no Espírito. Eles não são confudidos, mas não são separáveis. A forma mais simples de definir a doutrina é dizer que o único Deus existe em três pessoas distintas. Embora constituam uma única essência divina, uma substância unificada. É o tipo de coisa com a qual não há nada que se possa comparar na realidade. Com o que compararemos a Trindade? Com a água, que tem três estados? Com o ovo, que tem clara, gema e casca? Nenhuma dessas ilustrações é suficiente para expressar quem Deus realmente é. Não há nada na criação em que uma parte sozinha represente o todo,uma vez que Jesus é totalmente Deus, o Espírito é totalmente Deus, o Pai é totalmente Deus; mesmo assim, os três são totalmente o próprio Deus. Um não é o outro, mas um está contido no outro. Como isso funciona na criação? Não existe nada a que assemelhar Deus em sua triunidade. É por isso que muitos teólogos sistemáticos afirmam que a doutrina da trindade é aquela que nos faz perder a cabeça se a tentarmos entender, mas que, se a negarmos, perdemos a alma. É uma doutrina muito bem descrita na Escritura, mas certamente confunde mentes que não se dão por satisfeitas ao não entender todas as profundidades e os mistérios daquilo que é possível entender sobre Deus. Já falamos que não podemos conhecer Deus extensivamente. Os detalhes da Trindade são uma questão que está além da nossa capacidade humana de compreensão, mas que a Escritura defende com muita clareza. O Credo Atanasiano, um documento antigo da história da Igreja, diz que a fé católica consiste em venerar um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as pessoas e sem dividir a substância. O famoso teólogo do século XX, Karl Barth, escreveu contrapondo um filósofo rival, Scheleimacher - que postulava que a Trindade era a última coisa que deveria ser dita sobre Deus - afirmando que a Trindade era a primeira doutrina que deveria ser exposta a respeito do Senhor. Era a primeira palavra que deveria ser dita até mesmo antes da possibilidade de revelação, de forma que 220 páginas de sua dogmática são dedicadas a descrever a Trindade. É de se esperar que Karl Barth, assim como Thomás de Aquino, tratasse a Trindade como o primeiro assunto de sua obra, uma vez que, segundo Karl Barth, é a Trindade que torna a dogmática possível. Berkhof (2007) afirma que “a forma original da pessoalidade
  • 44. 44 não está no homem, mas em Deus; sua personalidade é arquetípica, ao passo que a do homem é ectípica”. Ou seja, a personalidade de Deus é o que forma o padrão de nossa personalidade. A personalidade do homem é apenas derivada da personalidade de Deus. Somos feitos à imagem e semelhança de Deus, e não o contrário. Assim, é o ser de Deus que provê a base do que somos. Nossa identidade “não é idêntica à identidade do Senhor, mas contém tênues traços de similaridade com ela” (BERKHOF, 2007, p. 81). Dessa forma, também espelhamos algo do caráter relacional de Deus. A Trindade, como algo que existe eternamente, apresenta um Deus que desde antes da fundação do mundo se relacionava consigo mesmo. Vemos, desde a eternidade, o Pai amando o Filho, o Filho amando o Pai, o Espírito amando a ambos. Toda a Trindade estava naquilo que chamamos de pericorese. Esse termo vem do grego e significa “dança”. É a ideia de que a Trindade está dançando em volta um do outro. Foi C.S. Lewis que usou muito esse termo para se referir ao fato de que o Pai gira em torno do Filho, o Filho, em torno do Pai, o Espírito, em torno no Pai e do Filho. Eles permanecem nessa centralidade um do outro por toda a eternidade. Deus não teve que aprender a amar com o ser humano, porque o amor interno da Trindade já se manifestou eternamente. Nós somos seres relacionais justamente porque a Trindade é relacional. A própria divindade nunca esteve sozinha e isolada. Ela é autossuficiente até na sua multiplicidade. Esse fato revela uma das grandes belezas dessa doutrina. Claro, antes de falar de Trindade, temos que considerar a unicidade de Deus. A Trindade não é a ideia de que existem três deuses, mas que há três manifestações pessoais visíveis de autoconsciência nessa divindade que é uma. Deus é único (Dt 6.4). A Bíblia declara que não há outros deuses (Êx 20.2,3; Dt 32;37; Is 40,13. Jr 29.8). Israel não seguia um tipo de monolatria, como seguiam os outros povos à sua volta, onde, entre os vários deuses que os rodiavam, eles escolhiam o seu. Eles eram monoteístas acreditando em um único Deus. Os outros deuses eram deuses falsos que não eram poderosos nem tinham função nenhuma no mundo. Eram apenas deuses de pedra e de barro. É por isso que Deus zomba dos deuses que os homens criam. Porque Deus zomba dos deuses que os homens criam (Is 44), não há outros com quem ele compartilhe sua glória (42.8) E antes dele nenhum existia (Is 43.10). Não há outro deus (Is 45.6). Deus é primeiro e o último (Is 48.12-16). Jesus cita Deuteronômio 6.4 para relembrar que Deus é um (Mc 12.29) e que só há um que é bom (Mt 19.16-22; Mc 10.17-22). Paulo afirma a unidade de Deus diante dos deuses gregos (1 Co 8.4-6). É por isso que tudo aquilo que concerne à natureza divina deve ser expresso de forma exata no singular, já que a natureza de Deus é única. A Trindade possui “uma única e indivisível ação e uma única vontade” (FERREIRA e MYATT, 2007, p. 180), um único e indivisível ato na eternidade e na
  • 45. 45 história onde ele se coloca. Essa unidade também apresenta uma diversidade. As pessoas da Trindade são distinguíveis. O Pai não é o Filho, o Filho não é o Pai e assim por diante. No batismo de Jesus, o Pai fala ao Filho e o Espírito Santo se mostra como distinto ao Pai ou ao Filho. Existe uma manifestação nas três pessoas da Trindade ao mesmo tempo em três lugares diferentes executando três atividades distintas. Na grande comissão, Jesus cita as três pessoas da Trindade ao explicar o batismo. Pessoas estas que também estão na atuação da igreja. O Filho é tratado como unigênito do Pai (Jo 3.16), o Espírito Santo é enviado pelo Pai e pelo Filho (Jo 15.26). No Antigo Testamento, YHWH é revelado como Redentor e Salvador (Jó 19.25; Sl 19.14; 78.35; Is 41.14; 43.3, 11, 14; Jr 14.3; 50.14; Os 13.3). No Novo Testamento, o Filho recebe essas atribuições (Mt 1.21; Lc 1.76-79; 2.17; Jo 4.42; At 5.3; Gl 3.13; 4.5; Fp 3.30; Tt 2.13-14). No Antigo Testamento, YHWH é aquele que habita em Israel e nos corações dos que o temem (Sl 74.2; 135.21; Is 8.18; 57.15; Ez 43.7-9; Jl 3.17, 21; Zc 2.10-11). No Novo Testamento, o Espírito Santo habita na Igreja (At 2.4; Rm 8.9,11; 1 Co 3.16; Gl 4.6; Ef 2.22). Deus envia seu Filho ao mundo (Jo 3.16; Gl 4.4; Hb 1.6; 1 Jo 4.9). O Pai e o Filho enviam o Espírito (Jo 14.26; 15.26; 16.7; Gl 4.6). O Pai dirige-se ao Filho (Mc 1.11; Lc 3.22), o Filho comunica- se com o Pai (Mt 11.25-26; 26.39; Jo 11.41; 12.27-28) e o Espírito ora ao Pai no coração dos crentes (Rm 8.26). É impossível que Pai, Filho e Espírito sejam a mesma pessoa, o mesmo, ser pura e simplesmente de forma indistinguível. Existe, sim, uma unidade na Trindade, mas existe também uma diversidade de pessoas e de autoconsciências. Se Jesus e o Pai fossem a mesma pessoa, quando Jesus orou no Getsemani, ele estaria apenas falando consigo. Se o Espírito e o Filho fossem a mesma pessoa, o Filho não prometeria o outro Consolador. Os termos bíblicos usados para se referir a essas três pessoas é “Pai”, “Filho” e “Espírito”. Vamos falar primeiro do Deus-Pai. O termo Deus-Pai é usado para descrever Deus como criador de todas as coisas e da humanidade (Nm 16.22; Mt 7.11; Lc 3.38; Jo 4.21; At 17.28; 1 Co 8.6; Ef 3.15; Hb 12.9). No Antigo Testamento, esse nome carrega significado teocrático. Deus é Pai de Israel porque criou e preservou o seu povo (Dt 32.6; Is 63.16; 64.8; Ml 1.6; 2.10; Jr 3.19; 31.9; Sl 193.13; Rom 9.4). No Novo Testamento, isso possui um significado ético na relação em que Deus é o Pai de uma multitude de filhos (Mt 6.4, 8, 9; Rm 8.15 etc). Em um sentido metafísico, Deus-Pai tem por filho único Jesus, que é seu primogênito, seu primeiro filho, o filho principal do Pai. Dessa forma, percebemos o estabelecimento de uma distinção entre Pai e Filho. Jesus o chamou de Pai (Jo 5.18) O nome Pai é visto em primeiro lugar em relação a Jesus (Jo 14.6-13; 17.25,26). O Pai ama o Filho (Jo 5.19ss; 10.17; 17.24, 26), e esse amor ao Filho é trasmitido aos outros (Jo
  • 46. 46 16.27; 17.26), tanto que o Pai entregou o Filho. A relação Pai-Filho é eterna (Jo 1.14; 8.38; 17.5, 24). Deus é chamado “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 15.6; 1 Co 15.24; 2 Co 1.3; Gl 1.1; Ef 1.3). Tratá-lo por Deus-Pai é nada mais que considerar importante aquilo que a Escritura diz. Do Pai é o reino e poder (Mt 6.13; Rm 1.20; Ef 1.19), o beneplácito (Mt 11.26, Ef 1.9), propósito (At 4.28; Ef 1.11), justiça (Gn 18.25; Dt 32.4; Jo 17.25; Rm 3.26; 2 Tm 4.8), bondade, sabedoria, imortalidade, luz inacessível (Mt 19.17; Rm 16.27; 1 Tm 6.16). Ele é Elohim, YHWH, El-Elyon, El-Shadai, o único Deus verdadeiro (Jo 17.3), o único Deus (1 Co 8.6; 1 Tm 2.5). Ele possui muitos nomes. É chamado de muitas formas e é o Deus Salvador. Ele é o Pai do nosso Senhor Jesus Cristo. Ele que enviou seu Filho em nosso lugar. Se temos o Deus-Pai, temos também o Deus-Filho. O apóstolo João chama Cristo de Logos porque é por intermédio dele que todo mundo é criado e sustentado. O termo Logos era um termo muito usado na filosofia pré- socrática, que retornara com os estóicos na região de Éfeso, onde João escrevia o seu livro. E vem de Heráclito a ideia de que o Logos é aquilo que dá força para tudo. João diz Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος – “no princípio era o Logos”. Na criação de todas as coisas, o Logos eterno existia e esse Logos era Deus e dava sustentação e sentido para todas as coisas. Esse Logos era Deus e esse Logos estava com Deus. João 1.1 já nos passa a ideia de unidade e diversidade entre Pai e Filho. O Filho era Deus e o Filho estava com Deus. Para ele, “estar com” precisa estar separado. Mas, para ele, ele também era Deus. A doutrina da Trindade não é uma formulação posterior do Cristianismo, mas algo que salta de forma ululante das páginas da Escritura. Esse Filho estava no início de todas as coisas. Ele é o próprio Deus e é o objeto de amor e autocomunicação eterna dentro da Trindade. Ele é o Filho amado em quem o Pai se apraz (Mt 3.17; Mc 1.11), ele mantém uma relação exclusiva com Deus (Mt 11.27), é o Filho Unigênito (Jo 1.18; 3.16; 1 Jo 4.9), o Filho eterno (Jo 17.5, 24; Hb 1.5ss; 5.5-6), a quem o Pai concede vida em si mesmo (Jo 5.26). Tem poder criador e recriador (Jo 1.3; 5.21, 27) e domínio (Lc 10.22; 22.29; Jo 16.15; 17.10) e foi condenado à morte por causa da sua filiação (Jo 10.33; Mt 26.63ss), como sacrifício de Deus em nosso lugar. O Filho também é “a imagem de Deus” em sentido absoluto. Antes de encarnar, o Filho já existia na forma de Deus (Fp 2.6), era rico (2 Co 8.9), vestido de glória (Jo 17.5) e retornou a esse estado depois da ressurreição e ascensão. Jesus é a imagem do Deus invisível (Cl 1.15; 2 Co 4.4), o reflexo de sua glória e “a expressão exata do seu ser” (Hb 1.3), o primogênito de toda criação (Cl 1.15) em quem todas as coisas foram criadas (Cl 1.16), preeminente sobre todas as coisas (Cl 1.18 cf Ap 1.5-6). À sua imagem, os crentes são transformados (2 Co 3.18; Fp 3.21). Ele está acima de todos e é bendito para sempre (Jo 1.1; 20, 28; Rm 9.5; Hb 1.8-9; 2 Pe 3.18; 1 Jo 5.20; Ap 1.8, 17, 18). Seu papel na Trindade econômica é
  • 47. 47 ocupar o lugar de redimir as pessoas que o Pai elegeu. Ele executa isso na encarnação, sofrimentos e morte (Ef 1.3-14). O Antigo Testamento geralmente emprega o termo ‘espírito’ sem qualificativos, ou fala do ‘Espírito de Deus’ ou ‘Espírito do Senhor’, e utiliza a expressão ‘Espírito Santo’ somente em Sl 51.11 e Is 63.10-11, enquanto, no Novo Testamento, esta veio a ser uma designação da terceira pessoa da Trindade” (BERKHOF, 2007, p. 90). Não que isso não pudesse ser percebido no Antigo Testamento, mas torna-se mais claro no Novo Testamento, nesse progresso da revelação de Deus. O Espírito Santo falou por meio dos profetas (Mt 22.43; Mc 12.36; At 1.16; 28.25; Hb 3.7; 10.15; 1 Pe 1.10-11; 2 Pe 1.21), testificou nos dias de Noé (1 Pe 3.19-20), sofreu resistência por parte de Israel (At 7.51) e produziu fé (2 Co 4.13). O Espírito desceu sobre o Messias e habita na igreja (Mt 12.18; Lc 4.18-19; At 2.16-18). Ele está diante do Trono de Deus e do Cordeiro (Ap 1.4; 3.1; 4.5; 5.6). Ele é dado por Deus e por Cristo (Nm 11.29; Ne 9.20; Is 42.1; Jo 3.34; 1 Jo 3.24; 4.13). O Espírito capacitou Cristo para o ofício (Is 11.2; 61.1; Mt 3.16; 12.18, 28; Rm 1.4; Hb 9.14), capacitou os apóstolos para sua missão especial (Mt 10.20; Lc 12.12; 21.15; 24.49; Jo 14.16ss; 15.26 etc), distribui dons aos crentes (1 Co 12.4-11), é instrumento para que a plenitude de Cristo habite na igreja (Ef 5.18). Ele dá convicção do pecado (Jo 16.8- 11), regeneração (Jo 3.3), selagem (Rm 8.23; 2 Co 1.22; 5.5; Ef 1.13; 4.30). Ele é o próprio Deus vivendo em nós (Jo 14.23ss; 1 Co 3.16; 6.19; 2 Co 6.16; Gl 2.20; Cl 3.11; Ef 3.17; Fp 1.8, 21). Em nome dele somos batizados (Mt 28.19), e a blasfêmia contra ele é imperdoável (Mt 12.31,32). Isso será mais bem explicado no nosso módulo sobre pneumatologia, a doutrina do Espírito.
  • 48. 48 N as conversas acerca da Trindade, surge um tema já mencionado anteriormente, mas importante de ser revisitado:a diferença entre Trindade econômica e imanente. Karl Rahner, um teólogo do século 20, escreveu o livro The Trinity, em 1970. Nele o autor traz, talvez, uma das grandes contribuições à teologia moderna, que é a divisão denominada Trindade econômica e Trindade essencial, ou Trindade econômica e Trindade imanente. Alguns teólogos usam essa terminologia de forma um pouco diferente, até mesmo oposta. Eles utilizam Trindade transcendente e Trindade imanente. Porém, o que significa Trindade imanente em contraposição à Trindade transcendente não é a mesma coisa da Trindade imanente em oposição à Trindade econômica. Ou seja, quando falamos de Trindade imanente, podemos estar falando de duas coisas completamente diferentes e precisamos saber a que o termo imanente está se opondo, se a Trindade imanente se opõe à transcendente, ou se a Trindade imanente, opõe-se à econômica. Outros usam o termo Trindade econômica e Trindade ontológica, sendo a Trindade ontológica a Trindade em si e a Trindade econômica, a que está em contato com a sua criação. No fim 16. TRINDADE ONTOLÓGICA E TRINDADE ECONÔMICA