Teatro dialético na Educação: libertação do pensamento
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FACULDADE POLIS DAS ARTES
CRISTINA AKEMI MUNEHISA
TEATRO PARA COMUNICAÇÃO EM ARTE EDUCAÇÃO
Embu das Artes
2015
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FACULDADE POLIS DAS ARTES
CRISTINA AKEMI MUNEHISA
TEATRO PARA COMUNICAÇÃO EM ARTE EDUCAÇÃO
Embu das Artes
2015
Trabalho final apresentado à disciplina
“Teatro para comunicação em arte
educação” como exigência parcial para a
obtenção do curso de Pós (CURSO)– Turma
“E-43”, sob a supervisão do Professor (a) Ms
Jane Nogueira dos Santos. Pólo: Taboão da
Serra!
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Introdução
O presente trabalho trata-se de uma reflexão acerca da importância do
corpo e do teatro e de que maneira a forma como avalia-se e utiliza-se isso é
determinante no processo educativo. Considerando as diversas linhas de atuação
na educação que se observam atualmente, e que ainda há uma separação muito
clara entre as mais libertárias e as mais conservadoras. Sendo que a base de
ambas sofre influência, por vezes até inconscientemente, de como se dá e se
absorve o entendimento ambíguo do conceito de corpo. Consequentemente todo
esse processo desencadeia na contenda sobre a importância da utilização do
teatro como ferramenta de comunicação e na interpretação do porque é tão pouco
utilizada em arte-educação nas escolas de Ensino Fundamental I, e as disciplinas
de arte ainda são mais voltadas para as artes visuais, mais especificamente o
desenho e a reprodução. Para fomentar ainda mais a discussão seguiu-se a
pesquisa bibliográfica dos autores como Michel Foucaut, Roberto Freire, Paulo
Freire, Augusto Boal, adicionando embasamento teórico dos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Arte e alguns artigos sobre o assunto, e assim foi
possível traçar e registrar uma visão que leva em consideração os momentos
históricos e as motivações políticas que ajudaram a formar o cenário da educação
hoje, tendo em vista o recorte proposto da arte-educação, além de apresentar
alternativas pedagógicas que visam a utilização do teatro dialético como
importante ferramenta de desenvolvimento de cidadãos críticos desde a idade
escolar.
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Desenvolvimento
Historicamente o corpo vem sendo analisado, retratado e seu conceito
constituído de maneiras diversas e até antagônicas, de acordo com hábitos e
convenções sociais de cada época. A arte acompanha de certa forma, isso
quando não é vanguarda nas mudanças, os determinismos dessa construção
estética.
É fundamental para se analisar o teatro em geral como o teatro em arte-
educação da atualidade entender como o corpo vem sendo interpretado do século
XVIII em diante e as principais transformações que ocorreram a partir disso.
Segundo Foucault no início do século XVII já a figura do “soldado” nos
rituais militares, com sua força física exuberante, postura em alerta, coragem
indiscriminada, era considerada o símbolo da honra. Passa-se então no século
XVIII a treinar massivamente esses homens a fim de transformar corpos de
camponeses em corpos de soldados, tornando seus hábitos calculados para
serem eficazes e dóceis a serviço.
Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto
interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez,
certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos
e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior
de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações,
proibições ou obrigações. Muitas coisas entretanto são novas
nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se
trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse
uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente; de
exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível
mesmo da mecânica — movimentos, gestos atitude, rapidez:
poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do
controle: não, ou não mais, os elementos significativos do
comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a
eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz
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mais sobre as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que
realmente importa é a do exercício. A modalidade enfim: implica
numa coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os
processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce
de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o
tempo, o espaço, os movimentos. Esses métodos que permitem o
controle minucioso das operações do corpo, que realizam a
sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”.
(FOUCAUT, 1987, p.163)
“As disciplinas”, termo até hoje utilizado nas escolas tendem a considerar o
corpo como sendo adestrável, e o modelo de educação que se seguiu a partir
dessa época confere essa lógica. O objetivo do ensino, portanto, por esse
parâmetro é o de moldar o indivíduo de acordo com a necessidade da sociedade,
tal como os soldados.
Trata-se então, no âmbito da educação em preparar, pelo treinamento, as
forças de trabalho a serem dominadas e exploradas, fazendo com que cada vez
mais seus corpos fossem “eficientes”. A própria arquitetura das escolas seguem a
mesma rigidez das prisões e hospitais, salas pequenas como celas, ou seja,
ambientes de encarceramento, igualmente para a organização dos grupos
utilizando fileiras, mesmo principio militar, intervalos regulares determinando as
ações pedagógicas.
A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos
“dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos
econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em
termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o
poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma
“capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a
energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma
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relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a
força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar
estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada
e uma dominação acentuada. (FOUCAULT, 1987, p.164)
Esse conceito apresentado por Foucault revela o quanto a classe
dominante se utilizou da disciplina dos corpos para domesticar o livre
pensamento. Durante muito tempo e até hoje ainda depara-se a educação com
um dilema aparentemente inexpugnável. Pois como esperar que indivíduos
treinados ao encarceramento de seus próprios corpos dóceis desenvolvam
consciência da necessidade de se libertar e orientar as próximas gerações a fazê-
lo?
Ainda sobre as disciplinas, Paulo Freire elucida bem essa questão trazendo
à discussão sua proposta de “Educação Problematizadora” contraponto este
modelo rígido que denominou “Educação Bancária”, considerada por ele alienada
e alienante. Seu objetivo com isso é justamente produzir essa consciência através
da educação, ao invés de continuar reproduzindo mecanismos de dominação
dentro das escolas.
Nesse viés, manifestações artísticas como o teatro servem tanto a um
propósito quanto ao outro, na área da educação ou fora dela. Se por um lado é
financiada e utilizada para a manutenção do “status quo”, por outro serve de mote
para transformações sociais importantes.
Augusto Boal (1991) afirma que o teatro é sempre carregado de uma
atitude política. A classe dominante utiliza-se dele como ferramenta de dominação
(teatro coercitivo), porém seu poder é igualmente eminente se utilizada pelo
oprimido sua força de libertação (teatro dialético). Portanto é um importante
instrumento de movimentação da consciência sociedade e na escola.
O teatro dialético é consequentemente libertador a medida que permite ao
ator e ao expectador comunicar-se e conscientizar-se de sua própria condição,
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promovendo uma crítica reflexiva e não estática,
reconhecendo e atuando contra a opressão.
Nesse sentido o uso do teatro problematizador na educação é
revolucionário. Mas a experiência geral observada, quando o teatro é de fato
utilizado no Ensino Fundamental I, pende muito mais para um teatro coercitivo,
representado por uma reprodução rasa, do que para o dialético, pois deveria ser
construído coletivamente e não imposto, levado em consideração o processo e
não apenas o produto final, trazer a reflexão do ator e do público e não ser
utilizado apenas como exposição mecânica dos corpos dóceis coreografados.
O trabalho pedagógico em Artes desenvolvido nas escolas atualmente não
confere ao exigido pelos Parâmetros curriculares que indicam que o educando
deve vivenciar plenamente as quatro modalidades: artes visuais, dança, teatro e
música. Isso significa que deve estar envolvido não somente com as produções
de sua época, como também dentro de um contexto histórico e em contrapartida
desenvolver mecanismos, estratégias e técnicas para elaborar suas próprias
produções artísticas.
Sobre as escolas tradicionalistas que mecanizam a arte em contraponto
com a liberdade do individuo, que deveria ser o objetivo de toda e qualquer
manifestação artística.
Essa educação é reforçada na escola e se estende às outras
relações sociais, havendo sempre algum tipo de controle e
regulação externa. Nas sociedades autoritárias, o poder substitui o
prazer. Assim, a heterorregulação é determinada pelo exercício do
autoritarismo...
...A pessoa saudável é aquela que vive sua originalidade, se
autorregulando e buscando sua unicidade. Essa seria a finalidade
biológica de cada vida. Toda vez que alguém não consegue
expressar sua originalidade, a nossa espécie e o ecossistema em
que vivemos perdem uma contribuição ao seu desenvolvimento,
tornando-se, então, essa vida uma experiência inútil. (FREIRE,
p.12).
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Roberto Freire apregoou fortemente em sua ideologia de “Somaterapia”
que os indivíduos devem se desbloquear e devem deixar de representar papéis
que correspondem as expectativas alheias, pois é isso inclusive que leva a
frustração e a sensação de incompetência. Pois não é justamente o contrário que
espera-se dos educandos atualmente? Que representem papéis aos quais não
estão aptos, pois nem todos são capazes de representar os mesmos papéis, para
que depois sejam rotulados de incapazes? Sem levar em conta sua
individualidade e sobretudo sua vontade?
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Conclusão
A partir dessa pesquisa é importante observar algo que não é senso
comum e ainda espantosamente tão pouco discutido pelo corpo docente das
escolas, que é a concepção de corpo e sua importância.
Não se desenvolveu ainda a consciência coletiva que deveria existir da
própria condição humana e seu papel social, principalmente no tocante ao ser
dominado. Obviamente que as posições atualmente se confundem um pouco e a
condição de dominador também por vezes passa desapercebida. Repetidas
vezes ora um individuo é opressor, ora é oprimido. A dinâmica social mudou e
não estão mais claramente demarcadas tais posições.
Talvez justamente por esse motivo, as escolas que se propõe a serem
mais libertárias, sócio-interacionistas, construtivistas e afins vivam um conflito tão
gritante, pois em verdade não o são.
No âmbito da arte educação por exemplo, na tentativa de promoverem a
plenitude da experiência de apreciação e produção artísticas, ainda se utilizam de
mecanismos parecidos com o do teatro coercitivo. Suas aulas e dinâmicas estão
mais voltadas ao exercício funcional, o mesmo utilizado na formação dos corpos
dóceis, do que para o processo de auto conhecimento, reflexão e libertação.
Basta dizer que as áreas de conhecimento ainda são separadas em “Disciplinas”
que atendem a conteúdos pertencentes a uma “Grade curricular”. Grade, a
mesma utilizada nas prisões, aquela que encarcera.
Essa analogia vem bem a calhar nesta avaliação, pois conclui os autores
vão salientar em seus estudos, a necessidade do individuo de se libertar dessa
organização imposta pelo sistema político econômico.
E nesse caminho o ensino da arte é uma das vias mais eficazes, na sua
plenitude e na sua interpretação mais libertária e o teatro talvez a vivência mais
completa por ser capaz de aglutinar todas as outras modalidades de arte.
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Referências bibliográficas
BRASIL, Ministério da secretaria de educação básica. Parâmetros curriculares
nacionais - arte . Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica:
Brasília (DF), 1997 v.l; il.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 27ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1987.
FREIRE, Roberto. Soma – uma terapia anarquista vol I - A alma é o corpo. Rio
de Janeiro: Editora Guanabara.
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido – e outras poéticas políticas. 6ª Ed. Rio
de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1991.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora
Paz e Terra, 1967.