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Roteiro – “Venha ver o por do Sol”
Raquel e Ricardo tiveram um relacionamento mal resolvido no passado eram
dois namorados quando jovens. Mas ela trocou o por um homem mais velho,
porém mais rico. Ricardo nunca se conformou, e agora voltam a se encontrar,
em um cemitério da cidade, para uma conversa definitiva. Ela vai de táxi, anda
diversos metros, pois o chão é um barro e o carro não chega até lá. Ele a
esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão
azul marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinha um jeito jovial de
estudante.
Ricardo: Minha querida Raquel.
Raquel: Veja que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes.
Que ideia, Ricardo, que ideia! Tive que descer do táxi lá longe, jamais ele chegaria
aqui em cima.
Ricardo: Jamais? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece
nessa elegância! Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete léguas,
lembra?
Raquel: Foi para me dizer isso que você me fez subir até aqui?
Ricardo: Ah, Raquel...
Raquel: Podia ter escolhido outro lugar, não? E que é isso aí? Um cemitério?
Ricardo: Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos desertaram todos. Nem os
fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo.
Raquel: Ricardo e suas ideias. E agora? Qual o programa?
Ricardo: Conheço bem tudo isso, minha gente está, enterrada aí. Vamos entrar um
instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo.
Raquel: Ver o pôr do sol!... Ali, meu Deus... Fabuloso, fabuloso!... Me implora um
último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta
buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num
cemitério...
Começam a conversar e Ricardo leva a para dentro do cemitério, de braços
dados. Raquel tem medo e se assusta constantemente com os barulhos
sombrios que predominam o local. Enquanto caminham pelo lugar, à espera do
pôr do sol mais lindo do mundo, relembram assuntos passados, resolvem
questões pendentes, trocam alfinetadas e confissões.
Raquel: Quer dizer que o programa... E não podíamos tomar alguma coisa num bar?
Ricardo: Estou sem dinheiro, meu anjo, vê se entende.
Raquel: Mas eu pago.
Ricardo: Com o dinheiro dele? Prefiro beber formicida. Escolhi este passeio porque é
de graça e muito decente, não pode haver um passeio mais decente, não concorda
comigo? Até romântico.
Raquel: Foi um risco enorme, Ricardo. Ele é ciumentíssimo.
Ricardo: Mas me lembrei deste lugar justamente porque não quero que você se
arrisque meu anjo. Não tem lugar mais discreto do que um cemitério abandonado,
veja, completamente abandonado.
Raquel: É um risco enorme, já disse. Não insista nessas brincadeiras, por favor. E se
vem um enterro? Não suporto enterros.
Ricardo: Mas enterro de quem? Raquel, Raquel, quantas vezes preciso repetir a
mesma coisa?! Há séculos ninguém mais é enterrado aqui, acho que nem os ossos
sobraram.
Juntos eles se aprofundam cada vez mais no velho cemitério e por mais que
Raquel peça para que ele desista da ideia, Ricardo quer chegar ao túmulo de sua
família. No caminho os dois mantêm uma conversa nostálgica e mórbida.
Raquel: Este cemitério é deprimente, é miserável.
Ricardo: Ali, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei
onde foi que eu li, a beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da noite,
está no crepúsculo, nesse meio tom, nessa ambiguidade. Estou lhe dando um
crepúsculo numa bandeja, e você se queixa.
Raquel: Não gosto de cemitério, já disse. E ainda mais cemitério pobre.
Ricardo: Você prometeu dar um fim de tarde a este seu escravo.
Raquel: É, mas fiz mal. Pode ser muito engraçado, mas não quero me arriscar mais.
Ricardo: Ele é tão rico assim?
Raquel: Riquíssimo. Vai me levar agora numa viagem fabulosa até o Oriente. Já ouviu
falar no Oriente? Vamos até o Oriente, meu caro...
Ricardo: Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra?
Raquel: Sabe Ricardo, acho que você é mesmo meio tantã... Mas apesar de tudo,
tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele! Quando penso, não entendo
como aguentei tanto, imagine, um ano!
O ódio o consome, mas ele se controla. Ele diz a ela então que nada tema por
que com ele não há problema, e lhe conta a história de uma prima, apaixonada
por ele, que ela o amou, ele não, e morreu quando tinha 15 anos.
Raquel: Está bem, mas agora vamos embora que já me diverti muito, faz tempo que
não me divirto tanto, só mesmo um cara como você podia me fazer divertir assim.
Chega Ricardo, quero ir embora.
Ricardo: Mais alguns passos...
Raquel: Mas este cemitério não acaba mais, já andamos quilômetros! Nunca andei
tanto, Ricardo, vou ficar exausta.
Ricardo: A boa vida te deixou preguiçosa? Que feio Raquel! Dobrando esta via, fica o
jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol.
Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já
estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí,
de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas.
Raquel: Sua prima também?
Ricardo: Também. Morreu quando completou quinze anos. Não era propriamente
bonita, mas tinha uns olhos... Eram assim verdes como os seus, parecidos com os
seus. Extraordinário, Raquel, extraordinário como vocês duas... Penso agora que toda
a beleza dela residia apenas nos olhos, assim meio oblíquos, como os seus.
Raquel: Vocês se amaram?
Ricardo: Ela me amou. Foi à única criatura que... Enfim, não tem importância.
Raquel: Eu gostei de você, Ricardo.
Ricardo: E eu te amei. E te amo ainda. Percebe agora a diferença?
Até que finalmente chegam ao mausoléu. Chegando ao túmulo, Ricardo pede
para que Raquel observe o quanto à prima era bonita, compara ambas, para logo
depois irem embora. Raquel entra na capelinha que dá acesso ao túmulo, arrepia
se toda treme de frio. O lugar é medonho e escuro, mas ela acende um fósforo.
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Raquel: Que triste que é isto, Ricardo. Nunca mais você esteve aqui?
Ricardo: Sei que você gostaria de encontrar tudo limpinho, flores nos vasos, velas,
sinais da minha dedicação, certo? Mas já disse que o que mais amo neste cemitério é
precisamente este abandono, esta solidão.
Raquel: Vamos, Ricardo, vamos.
Ricardo: A priminha Maria Emília. Lembro-me até do dia em que tirou esse retrato,
duas semanas antes de morrer. Não é que fosse bonita, mas os olhos... Venha ver,
Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus.
Raquel: Mas está tão desbotado, mal se vê que é uma moça...
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menti...
Uma pancada metálica partiu a palavra pelo meio. Olhou em redor. O lugar
estava deserto. Voltou o olhar para a escada. No topo, Ricardo a observava por
detrás da portinhola fechada. Tinha seu sorriso meio inocente, meio malicioso.
Vendo Ricardo com as chaves do túmulo na mão e rindo. Um sinistro
pressentimento passa por sua cabeça. Ricardo fecha as portas do túmulo. Ela
grita enquanto ele chacoalha as chaves e vai embora.
Raquel: Isto nunca foi o jazigo da sua família, seu mentiroso! Brincadeira mais cretina!
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devagarzinho, bem devagarzinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo.
Raquel: Ricardo chega, já disse! Chega! Abre imediatamente, imediatamente!
Sacudiu a portinhola com mais força ainda, agarrou se a ela, dependurando se
por entre as grades. Ficou ofegante, os olhos cheios de lágrimas. Ele já não
sorria. Estava sério, os olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as
rugazinhas abertas em leque.
Ricardo: Boa noite, Raquel.
Raquel: Chega Ricardo! Você vai me pagar!...
Ricardo: Boa noite, meu anjo.
Os lábios dela se pregavam um ao outro, como se, entre eles houvesse cola. Os
olhos rodavam pesadamente numa expressão embrutecida. Guardando a chave
no bolso, ele retomou o caminho percorrido. No breve silêncio, o som dos
pedregulhos se entrechocando úmidos sob seus sapatos. E, de repente, o grito
medonho, inumano:
Raquel: Não, Não, Nããããããããããããão.
Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram,
semelhantes aos de, um animal sendo, estraçalhado. Depois, os uivos foram
ficando mais remotos abafados como se viessem das profundezas da terra.
Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar mortiço.
Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora, qualquer chamado. A
reconciliação, porém, já não é possível e o encontro está destinado a ter um fim
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Roteiro -Venha ver o por do sol.pdf

  • 1. Roteiro – “Venha ver o por do Sol” Raquel e Ricardo tiveram um relacionamento mal resolvido no passado eram dois namorados quando jovens. Mas ela trocou o por um homem mais velho, porém mais rico. Ricardo nunca se conformou, e agora voltam a se encontrar, em um cemitério da cidade, para uma conversa definitiva. Ela vai de táxi, anda diversos metros, pois o chão é um barro e o carro não chega até lá. Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinha um jeito jovial de estudante. Ricardo: Minha querida Raquel. Raquel: Veja que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que ideia, Ricardo, que ideia! Tive que descer do táxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima. Ricardo: Jamais? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece nessa elegância! Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete léguas, lembra? Raquel: Foi para me dizer isso que você me fez subir até aqui? Ricardo: Ah, Raquel... Raquel: Podia ter escolhido outro lugar, não? E que é isso aí? Um cemitério? Ricardo: Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo. Raquel: Ricardo e suas ideias. E agora? Qual o programa? Ricardo: Conheço bem tudo isso, minha gente está, enterrada aí. Vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo. Raquel: Ver o pôr do sol!... Ali, meu Deus... Fabuloso, fabuloso!... Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério... Começam a conversar e Ricardo leva a para dentro do cemitério, de braços dados. Raquel tem medo e se assusta constantemente com os barulhos sombrios que predominam o local. Enquanto caminham pelo lugar, à espera do pôr do sol mais lindo do mundo, relembram assuntos passados, resolvem questões pendentes, trocam alfinetadas e confissões. Raquel: Quer dizer que o programa... E não podíamos tomar alguma coisa num bar? Ricardo: Estou sem dinheiro, meu anjo, vê se entende. Raquel: Mas eu pago.
  • 2. Ricardo: Com o dinheiro dele? Prefiro beber formicida. Escolhi este passeio porque é de graça e muito decente, não pode haver um passeio mais decente, não concorda comigo? Até romântico. Raquel: Foi um risco enorme, Ricardo. Ele é ciumentíssimo. Ricardo: Mas me lembrei deste lugar justamente porque não quero que você se arrisque meu anjo. Não tem lugar mais discreto do que um cemitério abandonado, veja, completamente abandonado. Raquel: É um risco enorme, já disse. Não insista nessas brincadeiras, por favor. E se vem um enterro? Não suporto enterros. Ricardo: Mas enterro de quem? Raquel, Raquel, quantas vezes preciso repetir a mesma coisa?! Há séculos ninguém mais é enterrado aqui, acho que nem os ossos sobraram. Juntos eles se aprofundam cada vez mais no velho cemitério e por mais que Raquel peça para que ele desista da ideia, Ricardo quer chegar ao túmulo de sua família. No caminho os dois mantêm uma conversa nostálgica e mórbida. Raquel: Este cemitério é deprimente, é miserável. Ricardo: Ali, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei onde foi que eu li, a beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio tom, nessa ambiguidade. Estou lhe dando um crepúsculo numa bandeja, e você se queixa. Raquel: Não gosto de cemitério, já disse. E ainda mais cemitério pobre. Ricardo: Você prometeu dar um fim de tarde a este seu escravo. Raquel: É, mas fiz mal. Pode ser muito engraçado, mas não quero me arriscar mais. Ricardo: Ele é tão rico assim? Raquel: Riquíssimo. Vai me levar agora numa viagem fabulosa até o Oriente. Já ouviu falar no Oriente? Vamos até o Oriente, meu caro... Ricardo: Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra? Raquel: Sabe Ricardo, acho que você é mesmo meio tantã... Mas apesar de tudo, tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele! Quando penso, não entendo como aguentei tanto, imagine, um ano! O ódio o consome, mas ele se controla. Ele diz a ela então que nada tema por que com ele não há problema, e lhe conta a história de uma prima, apaixonada por ele, que ela o amou, ele não, e morreu quando tinha 15 anos. Raquel: Está bem, mas agora vamos embora que já me diverti muito, faz tempo que não me divirto tanto, só mesmo um cara como você podia me fazer divertir assim. Chega Ricardo, quero ir embora.
  • 3. Ricardo: Mais alguns passos... Raquel: Mas este cemitério não acaba mais, já andamos quilômetros! Nunca andei tanto, Ricardo, vou ficar exausta. Ricardo: A boa vida te deixou preguiçosa? Que feio Raquel! Dobrando esta via, fica o jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol. Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí, de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas. Raquel: Sua prima também? Ricardo: Também. Morreu quando completou quinze anos. Não era propriamente bonita, mas tinha uns olhos... Eram assim verdes como os seus, parecidos com os seus. Extraordinário, Raquel, extraordinário como vocês duas... Penso agora que toda a beleza dela residia apenas nos olhos, assim meio oblíquos, como os seus. Raquel: Vocês se amaram? Ricardo: Ela me amou. Foi à única criatura que... Enfim, não tem importância. Raquel: Eu gostei de você, Ricardo. Ricardo: E eu te amei. E te amo ainda. Percebe agora a diferença? Até que finalmente chegam ao mausoléu. Chegando ao túmulo, Ricardo pede para que Raquel observe o quanto à prima era bonita, compara ambas, para logo depois irem embora. Raquel entra na capelinha que dá acesso ao túmulo, arrepia se toda treme de frio. O lugar é medonho e escuro, mas ela acende um fósforo. Ricardo: Já chegamos meu anjo. Aqui estão meus mortos Raquel: Que triste que é isto, Ricardo. Nunca mais você esteve aqui? Ricardo: Sei que você gostaria de encontrar tudo limpinho, flores nos vasos, velas, sinais da minha dedicação, certo? Mas já disse que o que mais amo neste cemitério é precisamente este abandono, esta solidão. Raquel: Vamos, Ricardo, vamos. Ricardo: A priminha Maria Emília. Lembro-me até do dia em que tirou esse retrato, duas semanas antes de morrer. Não é que fosse bonita, mas os olhos... Venha ver, Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus. Raquel: Mas está tão desbotado, mal se vê que é uma moça... Ricardo: Mas esta não podia ser sua namorada, morreu há mais de cem anos! Seu menti... Uma pancada metálica partiu a palavra pelo meio. Olhou em redor. O lugar estava deserto. Voltou o olhar para a escada. No topo, Ricardo a observava por detrás da portinhola fechada. Tinha seu sorriso meio inocente, meio malicioso. Vendo Ricardo com as chaves do túmulo na mão e rindo. Um sinistro
  • 4. pressentimento passa por sua cabeça. Ricardo fecha as portas do túmulo. Ela grita enquanto ele chacoalha as chaves e vai embora. Raquel: Isto nunca foi o jazigo da sua família, seu mentiroso! Brincadeira mais cretina! Ricardo: Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta. Depois vai se afastando devagarzinho, bem devagarzinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo. Raquel: Ricardo chega, já disse! Chega! Abre imediatamente, imediatamente! Sacudiu a portinhola com mais força ainda, agarrou se a ela, dependurando se por entre as grades. Ficou ofegante, os olhos cheios de lágrimas. Ele já não sorria. Estava sério, os olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em leque. Ricardo: Boa noite, Raquel. Raquel: Chega Ricardo! Você vai me pagar!... Ricardo: Boa noite, meu anjo. Os lábios dela se pregavam um ao outro, como se, entre eles houvesse cola. Os olhos rodavam pesadamente numa expressão embrutecida. Guardando a chave no bolso, ele retomou o caminho percorrido. No breve silêncio, o som dos pedregulhos se entrechocando úmidos sob seus sapatos. E, de repente, o grito medonho, inumano: Raquel: Não, Não, Nããããããããããããão. Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes aos de, um animal sendo, estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos abafados como se viessem das profundezas da terra. Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora, qualquer chamado. A reconciliação, porém, já não é possível e o encontro está destinado a ter um fim que deixará ambos devastados.