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1
Inês Raphaelian, ‘Museum Cowllection’, 2000, Coleção Ox Marrow (Fig. 1)
2
Esta dissertação foi defendida perante a seguinte banca examinadora:
Prof. Dr. _____________________________________________________
Prof. Dr. _____________________________________________________
Prof. Dr. _____________________________________________________
em São Paulo, _______ de ________________________ de 2006.
3
MARIA INÊS RAPHAELIAN SODRÉ CARDOSO
Processos da poética:
o paradoxo como paradigma - o museu como idéia.
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Artes Visuais da
Faculdade Santa Marcelina,
como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Mestre
em Artes Visuais.
COORDENADORA: Profª. Drª. MIRTES MARINS DE OLIVEIRA
ORIENTADORA: Profª. Drª. MIRTES MARINS DE OLIVEIRA
4
Agradecimentos
Primeiramente, agradeço minha grande mestra e
amiga, REGINA SILVEIRA, quem das mais
variadas formas, abriu caminho e continua
colaborando para meu percurso de artista etc.
Para MARTIN GROSSMANN, quem primeiro
apreciou ‘B. C. Byte series’, ainda embrionária,
em seu preciso texto crítico. Agradeço também
às nossas frutíferas conversas, aos nossos
projetos realizados e aos futuros e,
principalmente, àqueles utópicos.
Para STELLA TEIXEIRA DE BARROS, quem
sempre manifestou com carinho sua satisfação e
reconhecimento ao meu trabalho de artista e de
administradora cultural.
Para MIRELLA BENTIVOGLIO e RONALD CHRIST
que carinhosamente presentearam-me com seus
textos sobre meu trabalho ‘B. C. series’.
SÉRGIO ROMAGNOLO, quem iniciou a orientação
desta dissertação procedida por MIRTES
MARINS, quem compartilha com entusiasmo
meus projetos e nossas ‘idéias que existem’.
Para os amigos que colaboraram para o
desenvolvimento de minha pesquisa indicando
bibliografia e compartilhando projetos e idéias:
AMELIA TOLEDO, ANGÉLICA DE MORAES, GERTY
SARUÊ, TICA MACEDO, HENRIQUE SIQUEIRA
SIDNEY PHILOCREON, JULIETA MACHADO,
TAYLOR VAN HORNE, CARLOS ESTEVEZ, MITCH
LOCK, PABLO HELGUERA, ANTONI MUNTADAS,
PADMA VISWANATHAM, VINCI AGUSTINOVICH,
IHOR HOLUBISKY e meu irmão, SÉRGIO
CARDOSO.
Agradeço de forma especial e postumamente,
JULIO PLAZA e meu pai, ANTÔNIO SODRÉ
CARDOSO, que marcaram forte influência em
meu processo criativo.
Para a FACULDADE SANTA MARCELINA que deu
apoio para a realização desta dissertação e
proporciona, desde 1989, o meu prazer de
ministrar com seriedade e autonomia.
E finalmente, para minha mãe, MYRIAN ROSE
RAPHAELIAN, quem mesmo silenciosamente,
acredita e compartilha de meus ideais.
5
RESUMO
O foco desta pesquisa é o museu como objeto de investigação no
processo criativo do artista. É um apanhado histórico, porém não
historicista, um recorte conceitual que tem como objetivo reconhecer
o percurso dos museus de artistas a partir do início do século XX,
elegendo alguns artistas como exemplos daqueles que se apropriam
da forma museográfica de apresentação, em suas obras ou na
construção de sua poética, com o intuito de colocar em questão o
modus operandi do museu e seu significado na construção da cultura
e da história.
ABSTRACT
The focus of this research is the museum as object of inquiry in the
creative process of the visual artist. It’s an historical summary,
however not historicist, a conceptual cut with the objective to
recognize the trajectory of the museums by artists from the
beginning of 20th century, choosing some artists as examples of that
appropriate of the museographic form of presentation, in their works
or in the construction of their poetic, with the intention to put in
question the modus operandi of the museum and its meaning in the
construction of the culture and history.
6
Processos da poética:
o paradoxo como paradigma - o museu como idéia.
ÍNDICE
Parte I
Introdução ............................................................................ pág. 07
Capítulo 1
Museus de artistas ................................................................ pág. 14
Capítulo 2
O artista contemporâneo e o museu ..................................... pág. 52
2.1. As ações/obras de Mark Dion ........................................ pág. 63
2.2. David Wilson e ‘The Museum of Jurassic Technology’ .... pág. 76
2.3. ‘B. C. Byte series’ de Inês Raphaelian ............................ pág. 87
Referências das Ilustrações ................................................ pág. 102
Bibliografia ........................................................................ pág. 105
Parte II
CD Room anexo - versão off line do site on line, hospedado no site
do Fórum Permanente - http://www.forumpermanente.org
7
Processos da poética:
o paradoxo como paradigma - o museu como idéia.
Introdução
"Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo."
Ludwig Wittgenstein
Criatividade (ou como muitos preferem chamar – inventividade),
como puro ato mental, é a capacidade de combinar elementos de
forma subjetiva, independente de qualquer conexão lógica com o
mundo exterior. Desestruturar a realidade e reestruturá-la de outras
maneiras.
O estudo sobre a criatividade é um campo de estudo em
desenvolvimento, um ponto de encontro entre a ciência e a arte.
Criatividade é um processo cognitivo que leva à solução de um
problema complexo. O processo criativo caminha em direção à
solução do problema, mas o alvo não é assim tão claro.
O processo criativo opera nos dois campos do pensamento: o
pensamento criador - desinibido, subjetivo, fluido; e o pensamento
reflexivo - estruturado, impessoal e formalista. O processo criativo
para o artista é permeado de operações sensíveis e caminha em
direção a uma proposição estética.
8
"O artista opera entre método e modo, entre caminho e modalidade
operativa, isto é, uma poética." Julio Plaza
Para compreender o método no processo de criação artística, a partir
da crítica genética, Cecília Almeida Salles parte de dois pontos de
partida: a rotina de trabalho - como e quando a obra é construída; e
os procedimentos lógicos de investigação - uma série de operações
lógicas responsáveis pelo desenvolvimento da obra. Na arte, estas
operações não têm a consciência e a explicitação da ciência. A arte
vive um encontro de método que não implica, necessariamente, uma
busca consciente 1
.
Em contraposição, a criação realiza-se na tensão entre: liberdade -
possibilidade infinita de métodos; e limite - associado ao
enfrentamento de leis, que podemos reconhecer aqui como modo (ou
técnica).
Como aponta Julio Plaza, o artista opera entre o método e o modo em
seu processo criativo, e é aí onde o artista irá desenvolver a sua
poética. A poética de um artista, associada ao universo da crítica,
atua no campo estrutural da percepção como um rever de conteúdo e
de forma.
A poética remete diretamente a uma ação consciente do autor a priori
ou à constatação reflexiva desta ação a posteriori. Toda poética torna
visível o invisível, como descobertas - "coisas subitamente vistas, que
sempre estiveram ali" 2
- o artista como um explorador da existência.
Toda poética contamina atitudes posteriores, propõe reflexão.
1
Cecília Almeida Salles in “Gesto Inacabado: processo de criação artística”.
2
Susanne Langer apud Kneler
9
O projeto poético é um projeto pessoal, singular e único, porém,
parte de interesses e objetos comuns a muitos, e mesmo coletivos.
Na percepção criativa reconhece-se a ação transformadora, onde o
filtro perceptivo processa o mundo para uma nova realidade.
Cada olhar traz consigo a percepção com uma perspectiva específica,
e este olhar não será idêntico ao objeto observado, este já o será sob
uma interpretação e o objeto é então, transfigurado.
No processo de transformação/transfiguração deste objeto reside a
poeticidade.3
Podemos dizer que o projeto poético surge como uma reorganização
criativa da realidade e está localizado em um espaço e tempo
determinados, afetando o artista e provocando estímulos que serão
trazidos para o espaço da criação.
Nesta dissertação o foco é apresentar um objeto que irá afetar e
provocar estímulos em momentos da história recente - o museu -
como objeto e ponto de partida para a reflexão que irá permear o
processo de criação.
Johan Van Geluwe, ‘The Museum of Museums’, 1975 (Fig. 2)
3
Batkin apud Cecília Almeida Salles in “Gesto Inacabado: processo de criação artística”.
10
"The structure within which artist produces will always determine the
artistic event created under the circumstances, and it is always the
latter that will win… As a result, I am against the museum as a center
of research for avant gard art. The museum should emphasize its role
as being strictly a place of conservation. The centers of contemporary
research are enterprises of ideological confusion, destined to transform
art into some kind of Olympic Games… Long live the art fair, there at
least things are clear and evident." Marcel Broodthaers 4
A imagem do museu como representante de um velho mundo, uma
síntese de valores conservadores, o baluarte contra o progresso e o
novo e assim como uma instituição que merece ser destruída, ao
menos simbolicamente, como sugeriu Marinetti5
, está fora de
consideração.
Nesta dissertação o museu é apresentado como idéia e forma,
conceito e espaço, objeto e local da ação. Apropriando-se ou
aplicando princípios museológicos em seus trabalhos, alguns artistas
tornaram-se interessados também em explorar a amplitude da
estrutura institucional do museu e o papel do museu na construção
da cultura.
Esta dissertação faz um recorte e elege os artistas que se apropriam
do modus operandi do museu para a construção de sua poética tendo
como foco principal de referência a minha proposta pessoal. Sendo
assim estão presentes, como conceitos no processo criativo e como
forma na apresentação dos trabalhos, os princípios seguidos pelos
museus para ordenar suas coleções: os sistemas de classificação,
4
"A estrutura dentro da qual o artista produz sempre irá determinar o evento artístico criado
sob as circunstâncias, e é sempre a última que ganhará... Como conseqüência, eu estou de
encontro ao museu como um centro da pesquisa para a arte de vanguarda. O museu deve
enfatizar seu papel estritamente como um lugar de conservação. Os centros de pesquisa
contemporâneos são empresas da confusão ideológica, destinadas a transformar a arte em
algum tipo de Jogos Olímpicos... Vive por muito tempo a arte justa, lá ao menos as coisas
são claras e evidentes." Marcel Broodthaers in “The Museum as Muse Artists Reflect”, MoMA,
NY, 1999.
5
“Bibliotecas e museus servem para o trabalho de picaretas e martelos. Um automóvel de
corrida é mais belo que a vitória de Samatrácia”. Filippo Tommaso Marinetti in “Manifesto
Futurista” publicado no jornal francês Le Figaro em 1909.
11
disposição, arquivamento e armazenamento, enfim, os métodos
museológicos e museográficos.
Primeiramente apresento uma pesquisa histórico-crítica, apresentada
na forma de texto acompanhado de imagens ilustrativas e
referenciais. É um apanhado histórico, porém não historicista, trata-
se de um recorte conceitual que tem como objetivo reconhecer
poéticas afins para contextualizar a produção artística que realizo.
O objetivo desta pesquisa é promover o foco de atenção para este
objeto de interesse – o museu – na história da arte recente. A idéia
de museus de artistas é uma tendência essencialmente da arte do
séc. XX, vários artistas criaram obras com referência ao tema, dentre
estes: Kurt Schwitters e seu Merzbau, Joseph Cornell, O grupo
Fluxus, Lothar Baumgarten, Yves Klein, Christian Boltanski, Annette
Messager, Joseph Beuys, Andy Warhol, Michael Asher, Johan Van
Geluwe, Giuseppe Penone, Hans Haacke e Daniel Buren; porém tomei
a liberdade de eleger como exemplos aqueles que recorrem
diretamente à forma museográfica de apresentação em suas obras
para por em questão o modus operandi do museu, com o intuito de
reconhecer um percurso histórico.
Desta forma, na primeira parte da dissertação, no capítulo 1,
apresento alguns destes artistas precursores que se apropriaram da
concepção e estrutura do museu como objeto de investigação em seu
processo criativo: Marcel Duchamp, Robert Filliou, Cales Oldenburg,
Daniel Spoerri, Philippe Thomas, Herbert Distel e, com uma atenção
especial, Marcel Broodthaers.
Dentre os artistas contemporâneos pesquisados, destaco: os
americanos Allan MacCollum, Bárbara Bloom, Sherrie Levine, Andréa
Fraser e Fred Wilson, o grupo canadense General Idea, o italiano
12
Maurizio Cattelan, o mexicano Pablo Helguera, o coreano Cho Duck-
Hyun e os brasileiros Jac Leirner e Walmor Correa. Porém, um recorte
pontual é necessário, sendo assim, no capítulo 2 desta primeira
parte, apresento a produção dos artistas contemporâneos Mark Dion
e David Wilson que têm o museu como objeto e idéia para a
construção de sua poética. Estes dois artistas, ambos americanos,
são apresentados especialmente porque suas propostas apontam
afinidades diretas ao trabalho plástico que desenvolvo e que é
apresentado na seqüência, ‘farol’ desta pesquisa com olhar de artista.
As relações entre as várias atividades profissionais que desenvolvo na
área das artes plásticas (artista, professora, administradora e
produtora cultural e curadora) permeiam minha poética - a ‘artista
etc’, como definiu Ricardo Basbaum6
: artista-professor, artista-crítico,
artista-curador, artista-escritor, artista-colecionador, artista-ativista,
artista-produtor, artista-agente capaz de uma ação cultural
transformadora ou 'provocadora de tensão'.
Reconheci que meus principais interesses nas diversas áreas de
atuação profissional que desempenho, convergem-se como uma
‘reflexão’ em meu trabalho plástico. Com a série 'B. C. Byte' (work in
progress que realizo desde 1993), crio um museu particular fictício
que dialoga com muitos outros. As obras, quando apresentadas
publicamente configuram-se como instalações museográficas, parte
integrante de meu processo criativo. A partir desta percepção surgiu
o interesse em pesquisar, reconhecer e apresentar quais seriam estes
'outros museus'. Vejo a obra de um artista como um 'museu' em
potencial, no momento em que cria uma realidade a partir de seu
ponto de vista, interesses e objetivos.
6
Ricardo Basbaum in Catálogo Exposição “Mistura+Confronto” e
http://www.fundacionstart.org/home/anunciantes/interferencia/basbaum.html
13
O artista elabora um universo particular, com suas características,
organização, dinâmica e configuração. Os mesmos temas foram e
serão tratados de muitas maneiras e, realidades diversas são
elaboradas a partir do mesmo objeto, a única referência
físico/temporal que possuímos - o homem e o universo - a partir daí,
inúmeros 'museus/memória', museus imaginários7
, ficções e
bibliotecas8
, são criados.
‘A Biblioteca de Babel’ de Borges imaginada de forma concreta e apresentada no site
http://jubal.westnet.com/hyperdiscordia/library_of_babel.html (Fig. 3)
Procurei reconhecer e apresentar aqui, alguns destes ‘museus
paralelos’ ao meu próprio arriscando apontá-los em um confronto
para uma análise crítico/investigativa que os relacionem.
A segunda parte da dissertação é um trabalho plástico configurado
como um site na WWW. Neste site apresento um sítio arqueológico
fictício - os trabalhos plásticos sob o título ‘B. C. Byte Series’,
tornam-se ‘achados arqueológicos’. O CD Room do site off line está
anexado à esta dissertação. Assim, a presente dissertação, pela
característica de natureza artística da pesquisa, é apresentada
utilizando o recurso metalingüístico com o intuito de evidenciar o
modo de objetivar exigido pelas instituições acadêmicas e culturais.
7
Com referência a André Malraux.
8
Com referência a Jorge Luis Borges.
14
Museus de artistas.
"Art is what makes life more interesting than art."
Robert Filliou
Museus são ao mesmo tempo muito antigos e muito novos. O
complexo museu contemporâneo difere-se substancialmente de sua
origem grega Mouseion9
- Templo das Musas e do primeiro Museum
“Coleção do Capitol” do Papa Sixtus IV (1471-Roma).
Hall 'Capitolle Museum', Roma, Itália (Fig. 4)
O museu como conhecemos hoje é primariamente uma criação do
Iluminismo no final do século XVIII e assim como outras instituições,
o museu foi constituído para ser fundamentalmente educacional, um
9
“Na Grécia Antiga, mouseion designava uma instituição filosófica, lugar de contemplação
onde o pensamento, livre de outras preocupações, poderia dedicar-se às artes e à ciência,
um ponto de convergência para a pesquisa, o discurso e o estudo” - Teixeira Coelho, Martin
Grossmann, Patrícia T. Raffaini, ‘Museu’ in “Dicionário Crítico de Política Cultural”.
15
local para a organização sistemática e apresentação dos fenômenos
artísticos e naturais10
. Inerente nesta concepção está a idéia de uma
instituição como um espaço público, dedicado a difusão do
conhecimento como uma grande enciclopédia.
"Um museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, em
construção contínua, a serviço da sociedade e de seu
desenvolvimento, e aberta ao público, que adquire, conserva,
pesquisa, comunica e expõe, para finalidades de estudo, de
instrução e de apreciação, material da evidência dos povos e do
seu ambiente." ICOM, International Council of Museums, 1974.11
“Museum is a public or private non-profit agency or institution
organized on a permanent basis for essentially educational or
aesthetical purposes which, utilizing a professional staff, owns or
utilizes objects, cares for them, and exhibits them to the public
on a regular basis.”12
Cartazes que apresentam algumas das atividades desenvolvidas pelo ICOM (Fig. 5)
10
Os pensadores iluministas acreditavam no progresso social e nas capacidades libertadoras
do conhecimento racional e científico.
11
“O conselho internacional dos museus (ICOM) é dedicado ao desenvolvimento dos museus
e da profissão do museu, e opera de maneira global para a preservação do heritage cultural.
Cometido à promoção e a facilitação da cooperação profissional, ICOM é uma rede worldwide
para profissionais do museu de todas as disciplinas e especializações. Criado em 1946, ICOM
é uma organização não governamental que mantém relações formais com UNESCO e que
tem um status consultivo com as nações unidas econômicas e o conselho social“. ICOM,
1974.
12
Museum Services Act of 1977. U.S Code, American Association of Museums, Museum
Acreditation: Professional Standarts (Washington D.C., 1973).
16
A partir destas definições, podemos constatar que museus são
considerados a ‘chave’ cultural, locais onde são construídas narrativas
públicas comuns, onde são contadas estórias sobre as histórias e
nações, quando organizadamente são separados os fatos materiais
dos objetos das ficções estéticas da arte.
Escola para crianças no Museu de Arte de Toledo, Ohio (Fig. 6)
A palavra ‘museu’ é entendida para definir uma coleção de objetos
com valor intrínseco de significados, porém ainda carrega a força
histórica refletida pelo uso metafórico da palavra ‘museu’ quando
evoca associações conflitantes como o sagrado e o bárbaro, a ordem
e o caos, o raro e o precioso, o estranho e o exótico.
‘Mexican Arts Exhibition’, Metropolitan Museum of Art, New York, 1930 (Fig. 7)
17
A descontextualização do objeto artístico, a perda da sua função
social, o modo como este viaja de um contexto profano para um
outro sagrado, desligando-se do real quotidiano e procurando uma
autonomia e auto referencialidade, abre um vasto campo para a
inspiração e a crítica dos artistas.
Ad Reinhardt, ‘How Modern Is The Museum of Modern Art ?’, 1940
Coleção The Museum of Modern Art Library, New York (Fig. 8)
18
O ideal Iluminista foi acrescentado ao ideal moderno de olhar a arte
como uma experiência. Esta nova postura abriu caminho para o
questionamento sobre o espaço museu e o modo que a instituição
utiliza das ferramentas intelectuais e curatoriais para recortar e
estruturar a experiência de olhar a arte.
A idéia de museus de artistas é essencialmente uma tendência na
arte do séc. XX que tem paralelos com curiosos museus pessoais
criados no século XIX.
Em Londres, o arquiteto Sir John Soane, designou um espaço de sua
casa para esculturas e fragmentos arquitetônicos e no centro colocou
seu próprio busto. A coleção é composta por peças originais e cópias.
Museu particular na casa do arquiteto Sir John Soane, exterior e interior (Figs. 9 e 10)
19
Na Pensilvânia, o pintor Charles Wilson Peale, criou o primeiro museu
americano. Grandes vitrines com coleções de espécimes da história
natural, animais, vegetais e minerais, seguindo o método iluminista
de classificação, é registrado em sua pintura ‘The Artist in His
Museum‘, de 1822.
Charles Wilson Peale, ‘The Artist and His Museum’, 1822
Coleção Pennsylvania Academy of the Fine Arts, Philadelphia (Fig. 11)
Desde o início do século XX surgem propostas poéticas questionando,
negando ou proclamando as idéias e valores da arte por meio da
cultura do museu. Alguns artistas a partir de sua obra e de suas
atitudes colocam em xeque as verdades, as estratégias e as
dinâmicas geradas pelo sistema de produção cultural e apresentadas
pelo museu.
Coleções e 'museus autorais' criados por artistas, de uma forma ou
de outra, questionam o modo de institucionalização da obra de arte -
deixaram de ser encaradas como objetos, para objetos pertencentes
a um determinado espaço, não um espaço sem identidade, mas o
supremo espaço do museu.
20
Dentre estes artistas podemos reconhecer primeiramente Marcel
Duchamp, quem em 1917, ao assinar um urinol com o pseudônimo
de R. Mutt (próximo ao nome das louças sanitárias - J.L. Mott & Son
e Mutt de calado) e enviar 'Fontaine' para a exposição, questiona
duplamente o objeto de arte e o local da obra de arte.
Marcel Duchamp, 'Fontaine', 1917 (Fig. 12)
"Through his principle of the ’Readymade’, Duchamp was able to
demonstrate in 1917 that something as ordinary as a standard
urinal could be accorded the title Fountain and transformed at will
into an art object. He claimed to have chosen mass-produced
objects like the urinal, bottle-rack and snow shovel in moments of
‘aesthetic amnesia’ and to have displayed them, alone and empty
of aesthetic presumption, precisely to ridicule the ‘aura’ of value
and prestige that traditionally accrues the art object. Through his
readymades Duchamp had indirectly mocked the museum
concept and challenged the uniqueness of genuine works of art -
an idea that has continued to inspire succeeding generations of
artists." 13
13
"Com seu princípio do ‘Readymade', Duchamp pôde demonstrar em 1917 que algo tão
ordinário como um urinol padrão com o título ‘Fountain’ poderia ser transformado em um
objeto da arte. Reivindicou ter escolhido objetos produzidos em massa como o urinol, o
porta-garrafas e a pá de neve nos momentos de ‘amnésia estética’ e tê-los apresentado,
sozinhos e vazios da presunção estética, precisamente do ridículo da ‘aura' do valor e do
prestígio que tradicionalmente resulta o objeto da arte. Através de seus readymades
Duchamp ridicularizou indiretamente o conceito do museu e desafiou a idéia de unicidade
dos genuínos trabalhos de arte - uma idéia que continua a inspirar gerações sucessivas de
artistas". James Putnam in “Art and Artifact -The Museum as Medium”.
21
De 1935 a 1941, Duchamp constrói a ‘Boîte-en-valise’14
, espécie de
museu portátil que comporta miniaturas das suas obras - seus
readymades, assumem uma verdadeira tomada de posição teórica.
Ao realizar uma série, Duchamp reforça a questão da obra única
apresentada nos readymades, com a possibilidade contemporânea de
reprodutibilidade da obra de arte acrescentada à idéia da 'mercadoria
museológica'.
Marcel Duchamp com seu museu portátil ‘Boîte-en-valise’ (Fig. 13)
Podemos reconhecer uma atitude benjaminiana de criação - uma
mala contendo uma pequena coleção de citações das próprias obras
do autor/curador/colecionador.
14
‘Boîte-en-valise’ é uma caixa-maleta, um monógrafo portátil contendo 69 reproduções em
miniatura de suas obras. Entre 1935 e 1940, Duchamp criou uma edição de luxo de 20
caixas, cada uma em couro marrom com pequenas variações no design e conteúdo.
22
Marcel Duchamp, ‘Boîte-en-valise’ (Figs. 14 e 15)
Uma edição posterior de seis séries diferentes foi criada entre os anos
50 e 60, estas séries eliminavam a caixa e foram utilizadas diferentes
cores para fabricar a capa, também foi alterado o número de itens
que continha.
Pode-se dizer que Duchamp cria uma metáfora metalingüística com
sua ‘Boîte-en-valise’ - um museu portátil - trás o museu no nível dos
mortais retirando sua aura e tornando-o acessível e, o mesmo, pode
ser adquirido e comercializado pelo próprio museu.
Marcel Duchamp, ‘Boîte-en-valise’. Todo o conteúdo da ‘edição de luxo’, 1935-40 (Fig. 16)
23
André Malraux com as pranchas de fotografia para o ‘Museu sem Paredes’ (Fig. 17)
"O mundo pôs-se a se parecer com meus livros". André Malraux
Por outro lado, André Malraux com seu 'Museu Imaginário'15
apresenta conceitos que caracterizam sua reflexão: o caminho da
experiência com a criação, da realidade com a ficção, do saber das
grandes obras com os saberes singulares que delas nascem em um
processo de contínua metamorfose. A arte é antidestino, um não fim,
somente possibilidades, sem respostas, só perguntas. O que ele faz é
buscar não só a experiência do real, como também a da imaginação,
para aprisionar a realidade e torná-la sua.
15
MALRAUX, André, “O Museu Imaginário” (Trad. Isabel Saint-Aubyn), Lisboa: Edições 70,
2000.
24
A história do museu apresenta reformulações de suas funções,
suscitadas pelas mudanças de paradigma da sociedade e da cultura.
Banquete na Royal Academy of Arts, 1933. O presidente, Sir William Llewellyn, discursando
(Fig. 18)
Muitas têm sido as estratégias que o museu investiu na tentativa de
'democratização da arte', mesmo que ainda na maior parte de modo
conservador e de certa forma como resposta às reivindicações que os
próprios artistas colocaram, mais fortemente nas décadas de 1960 e
70, quando as palavras de ordem por parte das vanguardas era "A
Morte da Arte" e "A Morte do Museu".
“O artista é a matéria-prima de um museu de arte, posto que as
obras constituem o ‘núcleo’ do museu, assim como o autor é a
matéria-prima de uma editora. Suas obras devem ser alvo de
estudo, de acordo com esta direção de pensamento sobre uma
concepção de museu e, tratando-se de um artista
contemporâneo, desde que possível deve ser trazido ao encontro
do povo para contatos diretos informais – emissor-mensagem-
receptor – o que sempre constitui esplêndida oportunidade para o
público sentir a motivação, conhecer, em testemunho pessoal, o
processo da concepção/realização da obra, o que poderá
aproximá-lo mais do objeto artístico.” 16
16
Aracy Amaral, ‘Função do Museu’ in "Arte e Meio Artístico: Entre a Feijoada e o X-burger".
25
Anteriormente aos anos 1960, as características das atividades
artísticas eram mais nacionais, ou até mesmo regionais, localizadas:
arte francesa de artistas franceses, arte americana de artistas
americanos. Após esta década este aspecto foi alterado pelas
facilidades de locomoção e uma arte mais internacionalizada emerge.
Este novo quadro e os meios de comunicação promovem mudanças
de atitudes em relação à arte, e ao objeto de arte, que ao mesmo
tempo tornara-se mais conceitual.
Paulo Brusky, ‘Confirmado: é arte’, 1977 (Fig. 19)
A arte conceitual com suas novas propostas e noções do objeto
artístico, promoveu mudanças nas práticas tradicionais dos museus17
.
Em muitos casos, objetos impalpáveis ou efêmeros, de propostas que
lançam a noção de arte como processo decorrente de uma idéia para
os quais o sistema de classificação dos museus não oferece lugar.
A ambigüidade e o paradoxo são palavras permanentes da arte
conceitual no contexto do museu. O ato de expor é uma prática
natural de comunicação para o artista, "...ao mesmo tempo que o
museu é contestado, ele é necessário como lugar de exibição."18
17
Cristina Freire in "Poéticas do Processo - Arte Conceitual no Museu”.
18
idem anterior.
26
Reflexões sobre as definições da arte, não só como é criada como
também apresentada e recebida pelo público resultou em uma maior
liberdade dos artistas no relacionamento com o museu e muitas das
práticas de arte contemporânea não solicitam necessariamente o aval
da autoridade da instituição e atuando numa forma quase
independente podem estabelecer o deslocamento da prática cultural.
Mudanças significativas das práticas artísticas, como as
performances, happenings e manifestações, não cabem mais nas
instituições convencionais que mantém uma definição conservadora
de cultura.
"An art museum is a host and a potential collaborator. Certain
projects are helped by this relationship, but not all. Ideally, a
museum is intrigued by the artistic production and hoping to spur
or to fuel it. A museum gives to the artwork by supporting it
institutionally, and the artist in return, modifies production to fit
within the museum designated parameters. If these parameters
are too limiting, the exchange is not fruitful and the work should
be done outside of the museum." 19
Seleção dos trabalhos para a Exposição da Royal Academy, 1939. O presidente, Sir Edwin
Lutyens, está levantando a letra ‘D’ para indicar que a decisão é deferida (deferred) (Fig. 20)
19
"Um museu de arte é um anfitrião e um colaborador potencial. Determinados projetos são
ajudados por este relacionamento, mas não por tudo. Idealmente, um museu instiga a
produção artística e espera estimulá-la ou abastecê-la. Um museu dá ao trabalho de arte
suporte institucional e o artista em troca modifica a produção para caber dentro parâmetros
designados pelo museu. Se estes parâmetros estiverem limitando demasiadamente, a troca
não é frutífera e o trabalho deve ser feito fora do museu." Christine Hill in Preliminary
Dialogues "The Museums as Medium". Christine Hill é artista radicada em New York, sua obra
transgride e desafia os territórios convencionais do espaço de exposição e a forma de
apresentar arte. Em Tourguide? (1999), ofereceu 'tours' a partir dos escritórios de New York
e o projeto Volksboutique é um híbrido de espaço de exposições e loja comercial apresentado
na Documenta X.
27
No entanto, a legitimação (ou não) destas ações continua submetida
às instituições culturais que estabelecem relacionamentos de poder e
resultam muitas vezes em conflitos de interesses.
Embora os meios com que os artistas negociam com o museu em
seus trabalhos vão muito além de qualquer consideração puramente
pragmática, seus interesses, evidentemente, é parte profissional.
Alguns artistas conscientes do que o museu significa em termos de
aceitação pública os deixam ansiosos para serem representados nas
coleções, outros, entretanto, questionam porque seus trabalhos
devem estar no museu, pois ser incluído representa sucumbir à
instituição.
Artistas têm um relacionamento duplo com os museus: eles são
visitantes e usuários e criadores dos objetos que constituem a
instituição - o museu é um local para a estimulação de idéias e
depositário dos resultados destas inspirações e idéias. Muito da
formação do artista envolve o hábito de visitar museus e refletir
sobre o que está sendo visto neles, podendo os provocar a pensar
sobre as práticas dos museus, questionarem e provocarem o museu,
engajarem-se e reagirem a ele. Os artistas estarão sempre
negociando um balanço delicado entre ser o observador e o
observado.
‘Egyptian Gallery’, British Museum, 1996 (Fig. 21)
28
"O museu é um espelho colossal no qual o homem finalmente
contempla a si mesmo em todos os aspectos...” Georges Bataille20
O Museu é paradoxalmente ‘adversário’ e objeto de desejo para o
artista. O Museu é meio e linguagem, método e modo, processo e
fim. O museu é um paradigma/paradoxo 21
.
"In the visual arts, my only engagement is with my adversaries.
Architects are in the same position whenever they work for
themselves". Marcel Broodthaers 22
Detalhe da Instalação do ‘Musée d’Art Moderne, Départament des Aigles, Section des
Figures’, Städtische Kunsthalle, Düsseldorf, 1972 (Fig. 22)
Marcel Broodthaers tinha um interesse particular por museus e
desenvolve uma série complexa de trabalhos especificamente com o
assunto ‘museu’.
20
Georges Bataille, ‘Musée’ in “Documents”, 1930, num.5.
21
Martin Grossmann propõe o museu como um paradigma/paradoxo in “O Anti-Museu”,
Revista Comunicações e Artes, São Paulo, 1990.
22
"Nas artes visuais, meu engajamento é somente com meus adversários. Arquitetos estão
na mesma posição todo o tempo que trabalham para eles mesmos".
29
Broodthaers funda em 1968 o ‘Museé d’Art Moderne, Département
des Aigles’, trabalho fundamental de sua carreira, uma sinopse
histórica da arte em um quadro ficcional, um museu conceitual
apresentado de várias formas e localizações entre 1968 e 1972. A
imagem heráldica da águia simboliza o poder e a autoridade do
museu e a forma como apresenta o trabalho - séries em doze seções
- aponta a tendência de o museu ser dividido em vários
departamentos categorizados e rotulados.
Marcel Broodthaers, ‘Musée D'Art Moderne, Département des Aigles, Section des Figures’,
detalhe (Fig. 23)
O ‘Museé d’Art Moderne, Département des Aigles’ surgiu devido às
circunstâncias casuais, como ele mesmo conta em uma conversa com
Freddy de Vree23
. Um grupo de amigos: donos de galerias,
colecionadores e artistas iniciaram encontros para discutir e analisar
as relações entre a arte e a sociedade no contexto Belga, o controle
governamental da produção cultural e o crescimento descontrolado
da comercialização de arte.
23
Marcel Broodthaers, ‘Conversation with Freddy de Vees - 1969’, in “The Museum as Arena
- Institution-critical, Statements by Artists”.
30
O grupo de pessoas interessadas nestas discussões chegou a
sessenta, setenta pessoas e não havia cadeiras para todos.
Broodthaers, Johannes Cladders e outros, na abertura do museu (Fig. 24)
Broodthaers contatou uma companhia de transporte e pediu algumas
caixas para as pessoas sentarem. Quando viu todas aquelas caixas
com estampas relacionadas ao transporte de obras de arte, disse a
ele mesmo: “Mas realmente, o museu está exatamente aqui. Existe
alguma coisa para fazer com o conceito de museu”. Fixou cartões
postais com obras de arte do século XIX e escreveu a palavra ‘Museu’
na janela, ‘Departamento da Águia’ no jardim e ‘Seção Século XIX’ na
porta que dava para o jardim.
Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne Département des Aigles-
Section XVII Siècle’, Anversa, 1969 (Fig. 25)
31
‘Thus, the museum was born, not via concept, but by way of
circumstance; the concept came later. And as Marcel Duchamp
once said, “This is a work of art“, all I was saying was, “This is a
museum“...’24
Broodthaers produz o simulacro de um verdadeiro museu - o
paradoxo como paradigma - nas suas múltiplas relações, desde o
armazenamento até ao transporte de obras, passando pela
exposição. Mostram-se reproduções de postais de obras originais -
aplicação prática da desconstrução aurática iniciada por Benjamin - o
resto é apenas sugerido: caixotes de armazenamento de quadros
com as típicas inscrições de "Não tocar", "frágil", "obra de arte" ou o
caminhão que pertence ao museu (o real) estacionado à porta do seu
apartamento.
Várias aberturas foram realizadas e convites enviados a cada nova
seção do museu que era inaugurada: Seção Século XIX, Seção Século
XVII, Seção Arte Moderna, Seção Arte Antiga etc.
Marcel Broodthaers e Jürgen Harten, ‘Section XIXe Siècle (bis)’,
Städtische Kunsthalle, Düsseldorf, 1970 (Fig. 26)
24
'Assim, o museu nasceu, não via conceito, mas por meio da circunstância; o conceito veio
mais tarde. E como Marcel Duchamp uma vez disse, "este é um trabalho de arte", tudo o
que eu estava dizendo era, "este é um museu"... ' Marcel Broodtrhaers in “The Museum as
Muse Artists Reflect”.
32
'La section des Figures' abrange mais de 300 objetos diversos,
representando águias, emprestados de vários museus e coleções
particulares. Estes objetos foram apresentados em vitrines com
etiquetas em francês, alemão ou inglês com os dizeres "Isto não é
uma obra de arte". A instalação pareceu-se com uma exibição de um
museu convencional, porém a disposição arbitrária e as etiquetas
com a advertência, revelam a qualidade subversiva do display - tanto
para as questões relacionadas ao processo de ordenamento e seleção
dos museus, como à apresentação de exposições de arte.
Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne, Département des Aigles, Section des Figures’,
Städtische Kunsthalle, Düsseldorf, 1972 (Fig. 27)
A linguagem é um fator essencial para o trabalho de Broodthaers: “a
linguagem das formas deve ser unida à das palavras”. Broodthaers
reconhece o significado do relacionamento entre a etiqueta do museu
e o objeto que esta descreve e seu trabalho transmite um estímulo
para libertar as formas escritas deste papel tradicional das quais
estão subordinadas.
33
Marcel Broodthaers, ‘Musée D'Art Moderne, Département des Aigles, Section des Figures’,
detalhe (Fig. 28)
A frase "This is not a work of art" refere-se ao objeto, à ligação entre
a etiqueta e o objeto, à exposição e à etiqueta propriamente - uma
referência/homenagem a Magritte: "Ceci nést pas une pipe", para
apontar a complexidade entre o objeto e sua descrição e no modo
como eles descrevem o objeto, porém dirigem-se ao observador.
Duchamp afirma a função do museu com seus readymades indicando
“This is a work of art”, Broodthaers questiona invertendo esta
posição, através da aplicação da fórmula de Magritte, seu museu
torna-se um museu de não-arte. O significado da etiqueta pode ser
um alerta ao público e ilustra as idéias de Duchamp e Magritte.
Renné Magritte, ‘A Traição das Imagens’ de 1929,
mais conhecida como ‘Ceci n'est pas une pipe’ (Fig. 29)
34
A primeira tentativa de comercializar seu museu foi com a abertura
de um novo departamento, ironicamente, a ‘Seção Financeira’.
Anunciou no catálogo de uma feira de artes: “Museé d'Art Moderne a
vendre pour cause de faillite”25
. Seu museu fictício parodiava
diretamente o mercado da arte e parte da publicidade anunciava a
venda de um lingote de ouro com uma águia estampada de edição
ilimitada para angariar fundos para o museu.
Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne,Département des Aigles, Section Financière’, 1971
Capa do Catálogo para a feira de Colônia e lingote de ouro para a operação da
'Section Financière' (Fig. 30)
O museu não existia como uma coleção ou localização permanente,
Broodthaers era seu diretor, curador chefe, designer e promotor
publicitário. Um artista etc, como define Ricardo Basbaum 26
.
25
“Museu de Arte Moderna à venda por causa de falência”.
26
Ricardo Basbaum in “Mistura+Confronto”.
35
Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne,
Département des Aigles, Section Publicité’ 1968-72 (Fig. 31)
‘Section Publicité du Musée d’Art Moderne, Département des Aigles’, 1972, detalhe (Fig. 32)
Em uma radicalização teórica de atitude, Broodthaers convida um
verdadeiro curador para a inauguração deste museu fictício, que
desta forma é legitimado, subvertendo o verdadeiro museu.
A investigação de Broodthaers joga com o discurso da complexidade
das práticas modernas de arte e ganha força política com suas
numerosas instalações das várias versões e segmentos do seu
museu, os objetos adquirem valor tanto ideológico quanto de
mercado.
36
Construindo uma narrativa de ficção baseada em estratégias de
colecionar e exibir, Broodthaers envolve público em um circuito sem
fim, revelando e obscurecendo redes subjacentes de poder e
controle.
Broodthaers antecipa e celebra a opção pelo museu e sistema da
arte. Como escreveu em um texto publicado na ocasião da versão do
‘Departamento das Águias’ na Documenta: "This museum is a fiction.
In one moment it plays the role of a political parody of artistic events,
in another that of an artistic parody of political events." 27
Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne, Département des Aigles, Section Folklorique /
Cabinet des Curiosités’, Folkloric Departament,
Zeeuws Museum, Middelburg, the Netherlands, 1970 (Fig. 33)
Broodthaers no momento que assume a posição de criador de uma
coleção, também assume todas as premissas e critérios que o museu
estabelece para formar esta coleção - nada é isento de avaliação e
adequação aos objetivos propostos, portanto, uma subversão irônica
que deixa o artista em ambas as posições: adversário (questionando
os valores estabelecidos pelo museu) e cúmplice (apropriando-se das
estratégias e modos operandi das instituições em sua poética).
27
"Este museu é uma ficção. Em um momento joga com o papel de uma paródia política de
eventos artísticos, em outro de um paródia artística de eventos políticos."
37
“In art exhibitions I often mused....Finally I would try to change
into an art lover. I would revel in my bad faith...Since I couldn’t
build a collection of my own, for lack of minimum of financial
means, I had to find another way of dealing with the bad faith
that allowed me to indulge in so many string emotions. So I said
to myself, I’ll be a creator”. Marcel Broodthaers 28
‘Musée d’Art Moderne, Section Financière’, 1970-71 (Fig. 34)
Marcel Broodthaers, lingote de ouro, 10 x 5 cm. (segunda versão) (Figs. 35 e 36)
Salle # 9 - ARTISTE: Marcel BROODTHAERS
OEUVRE PRÉSENTÉE:
"Musée d'Art Moderne, département des Aigles, section financière" - 1971
Lingot d'or No 579838 (estampillé d'un aigle) Collection Galerie Beaumont, Luxembourg.
http://crac.lr.free.fr/negoc/neg15.html (acesso em 23 de fevereiro de 2006)
28
"Em exposições de arte eu medito frequentemente... Finalmente tentaria transformar-me
em um amante da arte. Eu revelo em minha má fé... desde que eu não poderia construir
uma coleção com meus próprios meios, pela falta no mínimo de meios financeiros, tive que
encontrar uma outra maneira de tratar da má fé que me permitiu favorecer uma cadeia de
emoções. Assim eu disse para mim mesmo, serei um criador".
38
Na mesma linha de pensamento está Robert Filliou, que em 1961
fundou a ‘Galerie Légitime’29
- seu próprio chapéu que no seu interior
“sedia” exposições miniatura. Filliou andava pelas ruas de Paris com
seu chapéu (museu) e apresentava o conteúdo (exposição) para os
transeuntes que encontrava pelo caminho. O artista acompanha as
exposições "itinerantes" e desta forma evita a normalização
discursiva que se legitima num determinado lugar.
Robert Filliou, 'Galerie Legitime', 1962-63 (Fig. 37)
Robert Filliou, 'The Frozen Exhibition', 1962-72 (Fig. 38)
Em 1972 Filliou realiza a versão ‘The Frozen Exhibition’30
, o chapéu é
agora chapado, feito em cartão rígido em escala natural e o conteúdo
distribuído de modo aleatório – uma adaptação para a natureza
estática do museu – e que volta a fazer parte de sua estrutura e
critérios.
Robert Filliou, 'The Frozen Exhibition', Oct. 1962 - Oct. 1972, Remscheid, Alemanha (Fig. 39)
29
. 'Galerie Legitime' é uma assemblage de sete pequenos objetos: um chapéu preto, 2
caixas alaranjadas contendo 2 francos, 1 caixa plástica redonda contendo uma folha
amarrotada de papel em que é datilografada a história da obra seguida pela assinatura do
artista, 1 caixa branca "Hommage a Rimbaud" contendo vogais coloridas, 1 envelope branco
com selo falso, 1 envelope branco com folhas de jornal. Cada peça com 26,5 cm ou menos.
30
'The Frozen Exhibition' - Quarenta e cinco pequenos gráficos contidos numa pasta
confeccionada como um chapéu de duas dimensões colocado dentro de uma sacola plástica e
congelado por dez anos, descongelado e aberto. A descrição da obra/exposição pelo artista
está no verso do chapéu bidimensional.
39
Claes Oldenburg com suas instalações 'The Street' de 1960 e 'The
Store' de 1961, quebrou as barreiras entre perfomance, instalação e
exposição - estas obras foram local para exposição, arte ao vivo e
venda de trabalho. Durante um ano de realização do trabalho 'The
Store' fez anotações em um livro onde escreveu: 'I am for art that’s
is political- erotical-mystical, that does something other than sit on its
ass in a museum’.31
Cartaz da instalação (Fig. 40) de Claes Oldenburg: 'The Store', New York, de 1961 (Fig. 41)
'The Store', como descreve em um inventário de dezembro de 1961,
continha uma lista 107 ítens que Oldenburg refere-se como ‘charged
objects’ (objetos achados e transformados para exposição e arte
comestível). Estes objetos eram alterados não somente pelo artista
como pela participação na instalação pelo público.
31
'Eu sou para a arte o que é político-erótico-místico, que faz algo diferente que sentar seu
traseiro em um museu'. Claes Oldenburg in James Putnam, “Art and Artifact - The Museum
as Médium”.
40
Depois de fundar sua loja em 1961, Oldenburg fundou o ‘Mouse
Museum’, um museu ficcional do qual se proclama diretor oficial. A
forma do ‘Mouse Museum’ é baseada em uma combinação da
geometrização da forma estereotipada dos ratos de desenhos
animados com a forma da mais primitiva câmera de filmar.
Estudo (Fig. 42) e Poster (Fig. 43) para o ‘Mouse Museum’,1972.
Coleção de Claes Oldenburg e Coosje van Bruggen, New York
Claes Oldenburg, ‘Mouse Museum’
Modelo para o ‘Mouse Museum’, Documenta 5, 1972.
Coleção de Claes Oldenburg e Coosje van Bruggen, New York (Fig. 44)
41
Claes Oldenburg, ‘Mouse Museum’, 1965-77
Estrutura de alumínio corrugado e vitrines de plexiglass contendo 385 objetos
Museum moderner Kunst, Stiftung Ludwig, Viena (Fig. 45)
O ‘Mouse Museum’ “coleciona” três tipos de objetos: studio-objects –
pequenos modelos/maquetes de trabalhos do próprio Oldenburg
como fragmentos de trabalhos em construção, objetos transformados
e alterados pelo artista e ‘objetos puros’, isto é objetos coletados,
encontrados ou comprados, e apresentados sem qualquer alteração
na sua forma.
Claes Oldenburg, ‘Mouse Museum’, 1965-77
Detalhes das vitrines de objetos. Museum moderner Kunst, Stiftung Ludwig, Viena (Fig. 46)
42
Uma breve história do ‘Mouse Museum’ durante o período de 1965 a
1977 é relatada por Coosje van Bruggen32
. O museu foi fruto do
desenvolvimento de uma idéia e confluência de fatos: Oldenburg
mudou-se para um grande loft na 14th Street e First Avenue, em
New York; objetos encontrados pelas ruas como, brinquedos,
souveniers de viagem, armas de plástico etc. foram acumulados de
estúdio em estúdio; notas em um caderno contendo planos de um
‘museu de objetos populares’ e o estímulo de uma exposição de
1966, no Institute of Contemporary Art em Boston, com objetos
colecionados por artistas entitulada ‘As Found’.
....”The collection of objects is the visualization of a process in
time, which represents not only Oldenburg’s working method but
also his perception of American society. The world of the Mouse
Museum....is populated only by objects. Human beings in this
“city nature” are objectified as stereotypes (such as a “Campus
Cutie”), as part of the body, or as tiny figures used to indicate
scale. Within this microcosm, separated from reality by a
plexiglass wall, the unaltered objects and studio objects remain in
their on worlds despite the link provide by the altered
objects.”....At the same time each object is isolated in space and
treated in a nonhierarchical way. In its insular position it can
maintain its own identity.”33
Claes Oldenburg, ‘Mouse Museum’, 1965-77 (detalhes das vitrines de objetos)
Museum moderner Kunst, Stiftung Ludwig, Viena (Fig. 47)
32
Coosje van Bruggen in “The Museum as Muse - Artists Reflect”.
33
...“A coleção de objetos é a visualização de um processo no tempo, que representa não
somente o método de trabalho de Oldenburg, mas também sua percepção da sociedade
americana. O mundo do Mouse Museum...é povoado somente por objetos. Os seres
humanos estando nesta "natureza cidade" são objetificados como estereótipos (tais como um
"Campus Cutie"), como parte do corpo, ou como figuras minúsculas usadas para indicar a
escala. Dentro deste microcosmo, separado da realidade por uma parede de plexiglas, os
objetos inalterados e os objetos do estúdio remanescem em seus mundos apesar da ligação
fornecida pelo objetos alterados....Ao mesmo tempo onde cada objeto é isolado no espaço e
tratado de maneira não hierárquica. Em sua posição insular pode manter sua própria
identidade." Coosje van Bruggen in “The Museum as Muse - Artists Reflect”.
43
‘Mouse Museum’ constituído por 385 objetos, é um museu
exclusivamente criado para as obras de Oldenburg, e refere-se
diretamente a ‘Boîte-en-valise’ de Duchamp (com exceção da
característica de museu portátil). A estrutura orgânica assemelha-se
a um museu real destinado a acolher obras de outros artistas.
Imediatamente após sua criação, a obra vê-se absorvida por uma
lógica museológica fictícia. Ao ser curador do espaço onde se
produzem e expõem as suas obras, Oldenburg reúne todas as etapas
de produção e recepção num mesmo ato e na mesma pessoa, não
delegando nenhuma decisão e atrofiando a lógica hierarquizante do
museu. Mas como a maioria das obras dos artistas da Por Art
Americana depois do enorme sucesso que alcançaram, as obras de
Oldenburg acabaram também ‘sit on its ass in a museum’ 34
.
Daniel Spoerri apresenta uma idéia similar: criou uma mercearia que
continha todo o tipo de pacotes com a estampa “Attention - work of
Art”35
, onde cada item era oferecido para venda com o mesmo preço
de um 'artigo genuíno', o mesmo produto vendido em qualquer loja.
Daniel Spoerri, 'Eat Art Gallery', 1973 (Fig. 48)
34
“Sentando seus traseiros em um museu”. Claes Oldenburg in James Putnam, “Art and
Artifact -The Museum as Médium”.
35
“Atenção – Trabalho de Arte”. Em alguns textos consta a frase "Cauttion - Work of Art"
(“Cuidado – Trabalho de Arte”).
44
Obviamente estes trabalhos dependem de um registro na história
para sua legitimação, baseado nas mesmas premissas e fundações
propostas por Marcel Duchamp com seus readymades.
‘Eat-Art’ de Spoerri teve continuidade e foi resgatada em formatos
mais tradicionais em outras mostras, dentre estas: “Daniel Spoerri
presents Eat-art” no Aktionsforum Praterinsel em Munique em 2001,
quando foi lançado o livro de mesmo título de Elisabeth Hartung,
“Restaurant Spoerri” na Galerie Nationale du Jeu de Paume em Paris,
em 2002 e mais uma vez “Daniel Spoerri presents Eat-art” na Galerie
Fraîch’attitude, também em Paris em 2004.
capa do livro “Daniel Spoerri presents Eat-art” de Elisabeth Hartung, Munich, 2001 (Fig. 49)
Exposição “Daniel Spoerri presents Eat-art”, Aktionsforum Praterinsel, Munich, 2001 (Fig. 50)
Daniel Spoerri, assim como Broodtrhaes, cria o seu museu fictício -
'Musée Sentimental' - um museu que continha objetos pessoais do
passado do artista, uma coleção não permanente e sem sede que
aconteceu em quatro diferentes formas e locais entre 1977 e 1989. O
museu de Spoerri foi inspirado em um museu que conheceu em
Barcelona em meados dos anos 1960, com o mesmo nome.
45
No ‘Musée Sentimental’ de Spoerri a hierarquia e a categorização
tradicional são abolidas e história, memória, ciência e mito, são
reunidos. A configuração apropria a forma museológica, mas o
critério curatorial não é conformado pelo valor histórico e artístico dos
objetos das várias cidades que recolheu e sim como uma tentativa de
compilar um inventário do que foi significativo. Os objetos são
apresentados com um modo natural de objetos de uso diário e
estabelecem uma ressonância particular por associação.
Para Jean-Hubert Martin, o ‘Musée Sentimental’ de Spoerri usa a
forma convencional de exposição para justapor objetos cujo poder e
significado comunitário é outorgado pela história e não simplesmente
pela decisão individual do artista36
, apontando a intenção do uso
desta forma pelo seu significado pré-estabelecido.
Daniel Spoerri, 'Musée Sentimental', Kunstverein, Cologne, 1979
Nesta mostra, o museu de Spoerri continha uma vasta coleção de objetos diversos
relacionados à cidade (Fig. 51)
36
Jean-Hubert Martin, 'Beyond Belief: The Museum as Metaphor' in "Visual Display: Culture
Beyond Appearances".
46
Philippe Thomas, autor oculto de 'Readymades Belong To Everyone'
não se apresenta como artista, mas como curador dos trabalhos que
constituem-se em um gabinete de curiosidades com obras suas e de
outros autores.
O projeto de Philippe Thomas questiona o estado do criador, o museu
como instituição e o papel do espectador. Thomas desloca o conceito
de autoria e questiona as características associadas com a função do
autor que desde o século XIX tem sido associada com autonomia,
liberdade e gênio individual - o nome do autor como o sujeito criador
dá lugar a uma agência que multiplica a atribuição da autoria
ironizando o valor da carga autoral romântica fortemente
caracterizadora da modernidade, assunto também detonado por
Marcel Duchamp com seus readymades.
Em 1987 Philippe Thomas transformou o espaço de Nova Iorque
'Cable Gallery' em uma agência de relações públicas com o nome de
'readymades belong to everyone ®'. O jogo consiste em emprestar
sua identidade para um colecionador que compra a obra,
convertendo-se em proprietário e autor da mesma, coloca em
questão a idéia de autor e do valor econômico da obra de arte.
Phillipe Thomas, 'Readymades Belong To Everyone', exposição retrospectiva no MACBA,
Museu de arte contemporânea de Barcelona, Espanha, 2000 (Figs. 52 e 53)
47
Philippe Thomas propõe uma reflexão sobre os limites da História da
Arte Moderna e os mecanismos do mercado de arte - sendo
substituído pela figura do colecionador, o artista revela o
relacionamento entre ambos, persistindo assim, em seu intercâmbio
natural como uma crítica da situação especulativa que emergiu nos
anos 1980 e propõe uma crítica radical tirando proveito de seus
mecanismos muito próprios: valor de mercado, o domínio da mídia e
a propaganda.
Desta maneira ele adaptou os modos de produção da arte aos
métodos da propaganda contemporânea e para as relações públicas,
a propaganda entendida como um meio de apresentar um objeto
para benefício comercial. Em 1988, um ramo francês da agência foi
aberto: 'les ready-made appartiennent à tout le monde'.
Phillipe Thomas, 'Readymades Belong To Everyone - Creative use for Leftovers'
vista da instalação, CAPC, Museé d'Art Contemporain, Bordeaux, 1990 (Fig. 54)
Comissionada pelo 'capcMusée d´art contemporain' em Bordeaux, a
agência respondia ofertas de mostras em museus como sendo uma
48
instituição. Os trabalhos que Philippe Thomas produziu foram
assinados com o nome de um comprador - Feux Pâles - inspirado
pela novela 'Pale Fire' de Nabakov. Thomas foi mais a frente em
considerar a proposta de exibição de um único trabalho de arte
assinado por um código de barras e o museu como o criador. Thomas
elaborava ficções em seu próprio trabalho.
Philippe Thomas, detalhe da instalação
Museu d´Art Contemporani de Barcelona, 2000 (Fig. 55)
'Readymades Belong To Everyone – Backstage’, MAMCO, Geneva, 1994 (Fig. 56)
49
"Museums, especially museums of fine art, are places where we
become conscious of time. Like a preserving jar, they have the task of
conserving and presenting a subject curdled with time -the artwork.
But through and behind these works the artists appear, falling out of
the screen of time, as it were, and become immortal." Herbert Distel 37
Herbert Distel, ‘Museum of Drawers’, 1970-77 (Fig. 57)
Com ênfase no trabalho praticado pelo curador, Herbert Distel
constrói o ‘Museum of Drawers’. Distel convidou artistas para
contribuir com miniaturas de obras de arte. O ‘museu’ foi construído
como um grande gaveteiro, feito por Ed Kienholz, continha vinte
gavetas, frontalmente de vidro, compartimentadas em 25 partes.
37
"Museus, especialmente museus de arte, são lugares onde nos tornamos conscientes do
tempo. Como um frasco preservando, têm a tarefa de conservar e de apresentar um assunto
coagulado no tempo – a obra de arte. Mas através e atrás destes trabalhos os artistas
aparecem, caindo fora da tela do tempo, como eram, e tornam-se imortais."
50
Em um total de 500 compartimentos estavam apresentadas obras de
artistas conhecidos como Picasso a artistas totalmente obscuros com
a intenção de criar uma visita miniaturizada pela história da arte.
Herbert Distel, ‘Museum of Drawers’, 1970-77, detalhe gaveta número oito. Da esquerda
para a direita, obras de: Paul Thenk, Larry Rivers, Richard Estes, Peter Nagel, Alfred
Hrdlicka; Billy Al Bergston, On Kawara, De Wain Valentin, Mark Tobey, Moshe Gershuni;
Annette Messager, Stephen Posen, Giuseppe Penone, Christian Vogt, Philip King; Manfred
Mohr, Jacques Hérold, Lucio Sel Pezzo, A. R. Penck, Eugenio Miccini; Dieher Roth, John
Latham, Nam June Paik, Markus Raetz, Franz Eggenschwiler. (Fig. 58)
Herbert Distel, ‘Museum of Drawers’, 1970-77, detalhes (Fig. 59 e 60)
51
Podemos reconhecer também o museu pensado como um espaço
para 'construção do saber', um instrumento para aprendizagem,
diálogo e pensamento crítico ou, um museu/universidade como
proposto por Joseph Beuys:
“...the museum will no longer be a museum, but a university. And
that's what I want. I want to make museums into universities, with a
department for objects”...”our concept of art must be universal and
have the interdisciplinary nature of the university, and there must be a
university department with a new concept of art and science”. 38
Com esta proposta, podemos dizer que Beuys elege o museu como o
local ideal e potencial de processos criativos.
A imaginação como instrumento de elaboração da realidade, pertence
ao universo lúdico que se mostra como um jogo sem regras. Uma
nova realidade elaborada pelo artista (ou pelo museu), passa a ter
características que lhe são próprias e que contém suas próprias leis.
Apresentei neste capítulo apenas alguns artistas, das primeiras
gerações do século XX, que figuram o museu como protagonista,
evidenciando seu conceito e forma, dentre muitos que poderíamos
citar estão: Kurt Schwitters e seu Merzbau, Joseph Cornell, O grupo
Fluxus, Lothar Baumgarten, Yves Klein, Hans Haacke e Daniel Buren.
Todos os assuntos relacionados ao conceito e à dinâmica do museu
são mais ou menos pertinentes no processo criativo e/ou na poética
destes artistas; de uma maneira ou de outra, como personagem ou
contexto deste processo, o museu está presente.
38
"... o museu não será mais por muito tempo um museu, mas uma universidade. E é o que
eu quero. Eu quero transformar museus em universidades, com um departamento para
objetos"... “nosso conceito de arte deve ser universal e ter a natureza interdisciplinar da
universidade, e deve haver um departamento na universidade com um novo conceito de arte
e ciência ". Joseph Beuys - Interview with Frans Haks, December 17, 1975, Düsseldorf,
Drakeplatz 4, ‘Museum. The Modern Art Museum at Issue’ in Christian Kravagna, "Museum
as Arena - Institution-critical, Statements by Artists".
52
O artista contemporâneo e o museu.
Um aspecto da arte contemporânea, devido às transformações
históricas que ocorrem com muita rapidez, é o da possibilidade do
artista, auxiliado pelo desenvolvimento da crítica científica,
compreender sua obra em relação com a sociedade em que ele vive e
atua. Outro aspecto é marcado por novas formas de produção
artística, como resultado das possibilidades abertas com a obra de
arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Sem lugar para a crença
na imortalidade e originalidade da obra, no dom criador e no gênio
artístico - com as técnicas modernas de reprodução a mesma obra
alcança milhares de pessoas.
"A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se
orientar em função da reprodutibilidade e, portanto, quanto
menos colocar em seu centro a obra original" 39
Com as condições apresentadas pela sociedade industrial, a
possibilidade da reprodução da obra de arte modifica sua natureza
abrindo novas possibilidades de criação, ao mesmo tempo em que
estabelece limites. Assim, forma e conteúdo estão associados de
maneira bastante coesa. O avanço das técnicas industriais não serve
somente para a reprodução de um valor artístico estabelecido, mas
permite o desenvolvimento de novos conceitos para ‘o fazer’ da arte.
O artista, assim como a Arte, renunciou de sua auto-imagem ilusória
de uma força revolucionária fora do contrato social e assumiu uma
posição crítica e uma consciência plena de que é parte da estrutura
da crítica.
39
Walter Benjamin, ‘A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica’ in "Textos
Escolhidos - Magia e Técnica - Arte e Política".
53
O artista auto gerencia sua obra - é um artista-empresa, um artista-
instituição - desde as instâncias de produtor, administrador,
divulgador, educador, captador de recursos e muitas vezes também
patrocinador de sua produção - o artista-etc como colocou Ricardo
Basbaum que incorpora o artista como produtor de Walter
Benjamin40
, é prática corrente na atualidade.
O ensaio de Bryan O’Doherty, “Inside the White Cube - The Ideology
of the Gallery Space”, publicado inicialmente como um artigo na
revista Artforum em 1976 e posteriormente em edição expandida
pela Universidade da California e, recentemente publicado no Brasil
com o título "No Interior do Cubo Branco - A Ideologia do Espaço de
Arte", explicita a crise do “espaço da obra de arte”, quando procura
examinar as premissas nas quais, a galeria moderna e o museu
foram baseadas, com um relacionamento complexo entre a
economia, o contexto social, e o estético. O ensaio levanta a
pergunta de como os artistas devem interpretar seu trabalho com
relação ao espaço e ao sistema da galeria/museu. A partir do
momento em que o artista e seu processo de criação estão mais
presentes no museu irá provocar outras percepções perante este
espaço de institucionalização da arte e conseqüentemente críticas
contundentes.
A idéia do artista como produtor está diretamente relacionada com a
concepção moderna de sociedade industrial de relacionamento
político e social. Benjamin aproxima a noção de arte à de prática
cultural ideológica, politizar a arte não é criar uma obra de tendência,
mas descobrir e refletir sobre sua posição no processo de produção
capitalista.
40
Walter Benjamin, ‘O autor como Produtor’, conferência proferida em Paris, 27 de abril de
1934 in Flávio R. Kothe (trad. e org.), "Walter Benjamin".
54
Pierre Bourdieu chamou atenção para a noção de arte como prática
social. Apresenta o processo de legitimação de uma obra de arte
como um campo de forças políticas mediadoras, formado por escolas,
academias, clubes, editores, jornalistas e críticos literários. Essa rede
de legitimação interfere na obra desde o instante da criação até a sua
recepção, ela não pode mais ser analisada sem levarmos em conta os
determinantes históricos e políticos de seu entorno41
. Obras de arte
carregam tanto valores simbólicos como econômicos.
A estes conceitos é somada a reflexão de Brian O'Doherty sobre o
espaço de apresentação da obra de arte, pois não mais podemos
considerar a arte como forma pura, desconsiderando contextos e
significados mais amplos. O significado de uma obra não é inerente à
obra, não está centrado em seus objetos permanentes, é resultado
de um status que ocupa em relação a um determinado sistema de
valores e representações.
Conscientes do papel que desempenham neste sistema de produção
cultural e da arte como prática cultural e social (e diferentemente da
posição e desejo mais rebeldes dos artistas da década de 1970 de
'sair fora do museu', apesar que nunca tenham realmente saído)
podemos reconhecer alguns artistas contemporâneos que, sem perda
na qualidade poética de sua obra, uniram-se a ele - o Museu - e
usufruem de sua estrutura e significado para questioná-lo,
apropriando-se ou aplicando os princípios museológicos em seus
trabalhos de forma crítica. Conseqüentemente estes artistas
tornaram-se interessados também em explorar a amplitude da
estrutura institucional do museu e o papel do museu na construção
da cultura.
41
Pierre Bordieu in "As Regras da Arte".
55
Algumas obras que provocam reflexões sobre o museu
freqüentemente adotam a forma crítica apropriando-se da linguagem
museográfica ou por meio de experimentos indagadores, que em
alguns casos tem ajudado a redefinir o papel e a direção do museu.
Vários destes artistas contemporâneos trabalharam e/ou trabalham
dentro da estrutura do museu, como Andréa Fraser, Fred Wilson e
Pablo Helguera, reconhecem suas falhas e contradições, porém
reconhecem também o fascínio que ele provoca sem nenhuma
ingenuidade, que não tem lugar na arte contemporânea e,
conscientes deste sentimento dialético que o museu suscita, tem
como tema central de sua poética este paradoxo que é o museu como
paradigma.
...."Being critical may also be just another way to love these
museums. That contradiction is what I try to explore through my
production of art work. I don't lose sleep over the fact that the
contradiction may be irresolvable. Work should be a pleasure." 42
A forma de classificação e de apresentação das coleções dos museus
carrega uma qualidade estética que estabelecem paralelos e
influências na prática da arte contemporânea, tanto estética como
conceitualmente, de forma direta ou subliminar. Alguns artistas
contemporâneos, como Mark Dion e David Wilson, evidenciam estas
questões não somente em algumas atitudes ou obras, mas
construindo sua poética a partir dos conteúdos propostos dos
museus, apresentando algumas preocupações vitais, como o status
do criador, do objeto de arte, do museu como instituição, e da função
do espectador. Os artistas exploram tudo: a estrutura teórica e
conceitual da instituição, sua ética e prática financeira e política
interna; investigam também os métodos utilizados pelos museus para
42
...."Sendo crítico pode ser também apenas uma outra maneira de amar estes museus.
Essa contradição é o que tento explorar com minha produção de arte. Eu não perco o sono
pelo fato da contradição poder ser insolúvel. O trabalho deve ser um prazer." Mark Dion in
"Museum as Muse - Artists Reflect".
56
a apresentação de uma visão histórica e cultural “oficial” - a
potencialidade evocada pela forma como os objetos são expostos
pode ser equivalente a uma autenticidade histórica.
No relacionamento com materiais históricos, museus freqüentemente
tentam regularizar certas idéias, construindo opiniões que são
altamente discutíveis para mostrar uma suposta realidade.
Como resultado, artistas e teóricos têm procurado intervir nestas
estruturas museológicas, desafiando ou provocando seus
fundamentos e presunções político-sócio-econômicos e produzindo
um tipo de ‘espaço escorregadio’ que aponta para a ambivalência da
qualidade das verdades ‘científicas’ que os museus aspiram.
James Putman aponta esta tendência na arte contemporânea
marcada pelo uso de museus tradicionais como locais para
intervenções de artistas. Alguns destes projetos acontecem em
museus que não são especificamente de arte e são pouco conhecidos
no circuito artístico. Estes projetos, dentre outros, são apresentados
no livro publicado em 2001: "Art and Artifact - Museum as Medium”.
"What is the most intriguing is the way in which the museum
concept has developed into an expression of multiple
commitments and roles, which have in turn become increasingly
conflicting and ambiguous. Although the nineteenth-century
encyclopedic approach represents the very antithesis of methods
of display in the modern art museum, the two types are the fact
connected, not merely through the process of museological
evolution but also because, many contemporary artists have been
inspired by the wider notion of museum which such places
embody - that is to say as an institution, an idea and a
practice."43
43
"O que é o mais intrigante é a maneira em que o conceito do museu se tornou uma
expressão dos múltiplos compromissos e papéis, que por sua vez se tornaram cada vez mais
conflitantes e ambíguos. Embora a aproximação enciclopédica do século dezenove represente
a grande antítese dos métodos da exposição no museu de arte moderna, os dois tipos são de
fato conectados, não meramente com o processo da evolução museológica mas também
porque, muitos artistas contemporâneos foram inspirados pela noção mais ampla do museu
como estes lugares personificados - quer dizer como uma instituição, uma idéia e uma
prática".
57
Putman aponta que para presenciar este fenômeno é preciso
compartimentá-lo em sistemas de classificação, um processo que
ironicamente alude às próprias necessidades dos museus de sistemas
ordenatórios e propõem certas categorias onde estes artistas estão
inseridos.
Para examinar a relação entre artistas e museus um ponto de partida
natural é o “Gabinete de Curiosidades” 44
, nome dado na Europa a
partir dos séculos XVI ao XVIII (naturalia, artificialia e mirabilia) aos
primeiros depositários de toda a espécie de objetos colecionados na
tentativa de uma maior compreensão da natureza e do homem. No
“Gabinete de Curiosidades” a natureza universal torna-se privada.
‘Museum Wormianum’, Copenhagen, 1655 (Fig. 61)
44
“Gabinete de Curiosidades” é o nome dado aos primeiros depositários de toda a espécie de
objetos colecionados na tentativa de uma maior compreensão da natureza e do homem.
Existiu na Europa a partir do séculos XVI ao XVIII (naturalia, artificialia e mirabilia).
58
Este ancestral do museu possuía uma qualidade especial de
imaginação criativa, uma busca para explorar o racional e o irracional
e com uma excêntrica liberdade de arranjo. Os artistas ao
confrontarem-se com este aspecto miraculoso do 'gabinete de
curiosidades', com a falta de classificação racional e com este senso
bizarro de acumulação e justaposição, reconhece neste conceito uma
atração estética contagiante.
O artista por natureza é um colecionista, os ateliês geralmente são
repletos de objetos e imagens de todas as procedências e qualidades,
um universo de referência visual e poética construído pelo desejo
primal de colecionar, porém com um caráter distinto do colecionador
em geral, pois está ligado ao processo criativo e motivado pelo
interesse e desejo instintivo em reconhecer o relacionamento de um
objeto a um outro ou, de acordo com Walter Benjamin, colecionar
como uma forma de memória.
‘Museum Francesco Calceolari’, Verona, 1622 (Fig. 62)
59
“Every passion borders on the chaotic, but the collectors passion
borders the chaos of memorie”. David Wilson45
Os gabinetes de curiosidade freqüentemente são 'invocados' por
artistas e o renascimento deste interesse acompanha os discursos
atuais sobre a retórica e a natureza dos museus, e o poder e ordens
de conhecimento que eles representam. Este papel propõe que o
gabinete de curiosidades, o assim chamado ‘irracional’ gabinete, seja
um modelo apropriado para os artistas para a representação da
cultura material visual com liberdade plena de interpretações. Como
tal, pode operar como uma metonímia da idéia de ordenações
incompatíveis de conhecimento, o que nos faz cientes da natureza
discursiva do museu.
‘Ferrante Imperato Museum’, Nápoles, 1599 (Fig. 63)
45
“Toda paixão está a beira do caos, mas a paixão do colecionador limita o caos da
memória”. 'David Wilson in Lawrence Welchler, “Mr. Wilson's Cabinet of Wonder”.
60
Também conhecido como Wunderkammer, o gabinete de curiosidades
possuía a característica de um local privado e de devoção
especialmente criado com uma profunda crença que a natureza
estava ligada com a arte e a forma não científica destes
colecionadores pré-Iluministas de alguma forma contribuiu com a
difusão de seus conteúdos e com o nascimento do museu que
conhecemos hoje.
Estas coleções eram dispostas em vitrines e compartimentos
organizados com o intuito de inspirar o desejo de saber e estimular o
pensamento criativo. Continham objetos naturais exóticos que
cruzaram as barreiras racionais de animais, vegetais e minerais,
como fósseis, formações de corais e criaturas compostas, como o
basilisco (réptil lendário de oito pernas em forma de serpente) e o
tritão (deus marinho mitológico).
A vitrine era originalmente adotada pelas igrejas para preservar e
venerar as relíquias dos santos - uma prática que ajuda a aumentar a
presença forte do sacro e sagrado. Isso incorpora uma estética
particular de mostra que tem uma habilidade singular de transformar
magicamente o mais humilde objeto em algo especial, único e
geralmente mais atraente ou fascinante.
Relíquias de Santa Restitude de Calinzana, Córsega, e de seus companneiros:
Veranus, Dominisius, Parthée, Prathénopée e Pargoire (Fig. 64)
e o patriarca ecumênico Bartholomew, líder da igreja Cristã Ortodoxa admirando as relíquias
dos Santos Gregory Nazianzen e John Chrysostom, preservadas em vitrines
na Igreja Aya Gorgi antes de retornarem a Istanbul em Novembro de 2004 (Fig. 65)
61
O uso da vitrine na ciência e na medicina é aliado à necessidade de
manter um espécime de uma forma visível, detido em seu estado de
existência. A prática dos museus de exposições de taxidermia
(empalhamento de animais) ilustra o desejo de suspender o tempo,
impedindo o processo de decomposição. É uma visão mais
'confortável', com uma distância voyerista sem o contato direto de
uma dissecação de anatomia.
Damien Hirst, ‘The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living’
Exposição “Sensation”, Royal Academy, London, 1997 (Fig. 66)
Damien Hirst, ‘The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living’
Exposição “Sensation”, Royal Academy, London, 1997 (Fig. 67)
62
A associação da vitrine pode ser percebida, tanto na ciência como na
Igreja como este contentor de materiais, o uso da vitrine para conter
seus trabalhos é uma das estratégias de exposição utilizadas pelos
artistas desde o final dos anos 1960 e um grande número de artistas
têm exibido pessoas vivas ou eles mesmos em vitrines como parte
desta trama da fascinação e de suas explorações da natureza dos
materiais ou do corpo.
Uma vez colocado em uma vitrine, um objeto é percebido em um
modo completamente diferente pelo espectador, comparado ao qual
quando é visto em seu contexto original. A vitrine do museu divide
com a vitrine das lojas o poder de atrair a atenção de quem passa ao
seu lado.
Tim Ulrichs, ‘The First Living Work of Art’, Jeff Koons,
1961 (Fig. 68) ‘New Shelton Wet/Dry Tripledecker’, 1981 (Fig. 69)
O "Gabinete de Curiosidades" também adota a noção de que o mundo
existe para ser contido em uma sala, um ambiente pessoal pré-
programado - processo paralelo pode ser percebido no modo como
alguns artistas criam e orquestram seus próprios espaços estéticos,
isolados do mundo externo, assim como também são os 'white
cubes'.
63
As ações/obras de Mark Dion
O artista contemporâneo Mark Dion apropria-se do modus operandi
do museu na construção de sua poética e elabora estratégias para o
questionamento sobre a representação dos objetos na cultura
apoiado no conceito de "Gabinete de Curiosidades".
Mark Dion, ‘Curiosity Cabinet for the Wexner Center for the Arts’, 1996 (Fig. 70)
64
O objeto (em alguns casos também o local) eleito por Dion para a
exploração de tais estratégias e técnicas é o museu de história
natural. Local este, onde objetos incompatíveis estão dispostos juntos
para competir a atenção e estabelecer um conhecimento da natureza
por meio dos objetos apresentados, os museus de história natural
não diferem muito de sua origem - os gabinetes de curiosidades.
Dion é ao mesmo tempo fascinado como crítico aos sistemas de
classificação dos cientistas e enciclopedistas do século XVIII, nas
tentativas de sistematizar o caos da natureza e construir um todo
homogêneo. Suas 'coleções de curiosidades', provocam
questionamentos aos métodos que os museus normalmente
classificam e apresentam objetos constituindo seus significados.
Mark Dion e o time de voluntários perto da Tate Gallery em Londres fazendo escavações
para a instalação ‘Tate Thames Digs’ (Fig. 71)
Mark Dion, ‘Tate Thames Digs’, Tate Gallery, Londres, 1999-2000. Detalhe (Fig. 72)
65
Um dos primeiros estímulos para Mark Dion partiu de conversas com
Gregg Bordowitz sobre a arte e suas possibilidades, paralelamente ao
interesse em debates sobre documentários - o comprometimento e as
problemáticas de contar a 'verdade' (da mesma forma como os
museus se propõem). Desenvolvia seu trabalho artístico e
paralelamente estudava ciências naturais e colecionava insetos e
curiosidades.
..."I began reading a lot of nature writing and scientific journalism
that I stumbled onto Stephen Jay Gould, who opened up a huge
window for me. Here was someone apllying the same critical
criterion implicit in the art I aspired to make - wich can loosely be
discrebed as Foulcautian - to problems in the reception of
evolucionary biology. it became very clear to me that nature is
one of the most sophisticated arenas for the production of
ideology. Once I realized that, the wall between my two worlds
dissolved."46
Mark Dion, ‘Collectors Collected’, Reina Sofia, Madri, 1994 (Fig. 73)
46
...”Eu comecei a ler tanto sobre estudos da natureza e jornalismo científico que tropecei
em Stephen Jay Gould, quem abriu uma janela enorme para mim. Estava ali alguém
aplicando o mesmo critério crítico implícito na arte que eu aspirava fazer - o que pode ser
frouxamente descrito como ‘Foulcautiano’ - aos problemas na recepção da biologia
evolucionária. Isso tornou muito claro para mim que a natureza é uma das arenas mais
sofisticadas para a produção de ideologia. Assim que percebi isto, a parede entre meus dois
mundos dissolveu-se." Mark Dion in Grazione Corrin, Liza et alli, 'Mark Dion'.
66
Mark Dion refere-se às ciências naturais em seu trabalho para
apontar como nossas idéias sobre a natureza são determinadas pela
ciência e ideologia. Como um explorador que viaja pelas florestas do
Amazonas e América Central, percebe que os interesses políticos e
econômicos freqüentemente são antagônicos: o progresso econômico
raramente se preocupa diretamente com o progresso do meio
ambiente ou da natureza.
Mark Dion, ‘The Project for the Antwerp Zoo and The Library for the Birds of Antewerp’,
Antewerp Zoo, 1993 (Fig. 74 e 75)
67
Dion não é um artista de fácil compreensão. Seu trabalho não
apresenta imediatamente uma série de objetos estéticos
semelhantes. Dion utiliza meios heterogêneos e diferentes: o trabalho
pode ser tanto uma entrevista com o artista sobre uma árvore
descascada na selva, como uma coleção de doces teddybear, ou uma
revista, uma instalação de lixo.
Mark Dion e assistente, ‘The Great Munich Bug Hunt’, 1993 (Fig. 76)
Como ornitologista, projetou uma barraca para observar pássaros
para o mostra 'Insite' em San Diego e em 1997, como bioquímico,
deu uma aula de anatomia - 'Theatrum Anatomicum' - uma
demonstração da dissecação de um bode que aconteceu no local onde
Rembrandt realizou sua pintura "Lição de Anatomia de Dr. Tulp". O
video desta performance foi apresentado no pavilhão De Verbeelding.
Mark Dion com ‘The Chicago Urban Action Group’,
para o trabalhoo ‘Culture in action, Sculpture Chicago’, 1993 (Fig. 77 e 78)
68
Dion acrescenta humor e ironia em suas apresentações, que podem
ser ouvidas como uma nota crítica em termos de como lidamos com a
natureza.
Mark Dion, ‘Daily Planet, from “Frankstein in the Age of Biotechnology”’
(jornal de 4 páginas), 1991 (Fig. 79)
69
Mark Dion é um destes artistas etc e também artista/aeroporto,
realiza seu trabalho em diferentes locais do mundo, voa de exposição
a exposição, de museu a museu.
A segunda de quarto semanas de viagem ao Rio Orinoco
na Venezuela coletando material para ‘On Tropical Nature’, 1991 (Fig. 80)
Mark Dion coletando material para ‘On Tropical Nature’,
na montanha Atunua, divisa do Amazonas com Venezuela, 1991 (Fig. 81)
Dion joga com o papel do arqueólogo para os quais ordem e
hierarquia são importantes.
Mark Dion e assistente, ‘The Great Munich Bug Hunt’, 1993 (Fig. 82)
70
Fez coletas em uma floresta tropical da Venezuela divisa com o
Amazonas e recolheu peixes em Nova York.
Mark Dion, ‘On Tropical Nature’, 1991 (Fig. 83)
Mark Dion, ‘’The Department of Marine Animal Identification
of the City of New York (Chinatown Division)’, 1992 (Fig. 84)
Para a Bienal de Veneza de 1997, Dion elaborou um trabalho que
exemplifica sua prática. Quando as águas dos lagos e canais da
cidade estavam baixas, ou completamente secos - expondo o famoso
odor das fundações da cidade, 'colecionou' o que permanecia nestes
locais. Dion foi recolhendo tudo que encontrou neste lixo, limpou e
organizou seus achados. Dragou aproximadamente três metros
cúbicos de lixo do canal, analisou e categorizou tudo que achou.
71
O resultado foi um lugar cheio de todos os tipos de potes de vidro,
cerâmicas, pedaços de ferro, ossos, botões, pregos etc, com a
aparência de uma coleção arqueológica.
Imagens da coleta de materiais da escavação (Fig. 85)
Analogamente ao procedimento e métodos de um arqueólogo,
descreveu a origem destes pedaços achados - país, ano, material e
pormenores específicos. Colocou os que eram mais ou menos do
mesmo tamanho próximo um ao outro em vitrines, formando grupos
de 10 em 10 cm de diferença aproximadamente. As partes desta
coleção - um boné velho da Coca Cola ao lado de um prato do século
XVII e botões de ametista, configurou-se em uma harmonia
surpreendente.
Mark Dion é um artista empenhado em fazer arte para fazer
declarações sobre nossa realidade, uma realidade que parece, em
grande extensão, determinada pelas forças da economia e da política.
Não faz nenhum sentido tentar definir seu ponto de vista sob
conceitos de esquerda ou direita. Dion ocupa uma posição crítica que
distancia-se disto. Assim como ele remove o barro e revela seus
tesouros, investiga realidade a fim de penetrar em camadas mais
profundas.
72
Enquanto Dion estava ocupado com seu trabalho em Veneza,
despertou as suspeitas da polícia veneziana. De acordo com leis
italianas do período fascista é proibido remover objetos achados
ilegalmente na água ou na terra. Alguns objetos que ele tinha
encontrado eram valiosos, e o trabalho de Dion foi confiscado.
Etiquetas com a frase “propriedade do estado italiano” foram coladas
sobre as caixas. Não foi permitido mostrar o trabalho na Bienal. Emi
Fontana, diretor da Galeria Fontana em Milão, foi chamado para
ajudar na mediação. Finalmente entendeu-se que era um projeto de
arte e com sua própria qualidade inerente foi considerado um projeto
excelente. Uma das vitrines foi doada ao estado italiano.
Mark Dion, ‘Extinction Series: Black Rino with Head’, 1989 (Fig. 86)
Observando estes fragmentos não é fácil fazer um julgamento crítico
da parte (o específico trabalho) ao total (o corpo inteiro do projeto).
Cada trabalho, a cada momento, é um trabalho novo resultando em
uma colagem que para cada observador constitui um discurso - Mark
Dion para um será diferente de Mark Dion para outros. Isto pode ser
propositalmente provocado como uma metáfora do museu - para
73
cada observador resulta uma experiência e significado específico e
único, cada um constrói a sua realidade ('história') a partir de suas
percepções particulares a partir da observação dos fragmentos.
"Definir é matar; sugerir é criar." Mallarmé
Mark Dion, ‘The N.Y. State Bureau of Tropical Conservation’, 1992 (Fig. 87)
74
"O museu é um confronto de metamorfoses". André Malraux
A heterogeneidade e a totalidade enciclopédica é o museu. O museu
e a biblioteca foram as heterotopias acumulativas do tempo típicas da
cultura ocidental do século XIX, segundo Foucault, estes arquivos-
enciclopédias correspondiam a uma idéia próxima de uma totalidade
arqueológica, fechando num só lugar todos os tempos, épocas,
formas e gostos, através da construção de um lugar de todos os
tempos fora do tempo.47
Douglas Crimp coloca que “a história da museologia é uma história de
todas as várias tentativas de negar a heterogeneidade do museu,
reduzi-lo a um sistema homogêneo ou a uma série”. 48
Lothar Baumgarten, ‘Unsettled Objects, 1968-69’, Pitt Rivers Museum, Oxford (Fig. 88)
47
Michel Foucault in “De Outros Espaços”, conferência proferida no Cercle d'Études
Architecturales, 1967. Trad. Pedro Moura. www.virose.pt/vector/periferia/foucault_pt.html
48
Douglas Crimp in “On the Museum's Ruins”.
75
A partir da premissa de que o museu é apoiado por sua capacidade
de homogeneizar elementos heterogêneos num todo coerente,
Eugenio Donato defende que o museu é uma ficção:
"The set of objects the Museum displays is sustained only by the
fiction that they somehow constitute a coherent representational
universe. The fiction is that a repeated metonymic displacement
of fragment for totality, object to label, series of objects to series
of labels, can still produce a representation which is somehow
adequate to a nonlinguistic universe. Such a fiction is the result of
an uncritical belief in the notion that ordering and classifying, that
is to say, the spatial juxtaposition of fragments, can produce a
representational understanding of the world. Should the fiction
disappear, there is nothing left of the Museum but "bric-a-brac," a
heap of meaningless and valueless fragments of objects which are
incapable of substituting themselves either metonymically for the
original objects or metaphorically for their representations."(...)
(…)"The museum' project is doomed from the start because
representation within the concept of the museum is intrinsically
impossible. The museum can only display objects metonymically
at least twice removed from that which they are originally
supposed to represent or signify. The objects displayed as a
series are of necessity only part of the totality to which they
originally belonged. Spatially and temporally detached from their
origin and function, they signify only by arbitrary and derived
associations. The series in which the individual pieces and
fragments are displayed is also arbitrary and incapable of
investing the particular object with anything but irrelevant
fabulations."49
49
"O conjunto dos objetos nos displays do museu é sustentado somente pela ficção que de
algum modo constitui um universo representacional coerente. A ficção está no deslocamento
metonímico repetido do fragmento da totalidade, objeto a etiquetar, série de objetos para
séries das etiquetas, pode ainda produzir uma representação que seja de algum modo
adequada a um universo não lingüístico. Tal ficção é o resultado de uma opinião acrítica na
noção que ordenando e classificando, quer dizer, a justaposição espacial dos fragmentos,
pode produzir uma compreensão representacional do mundo. Se a ficção desaparecer, não
há nada no museu além do "bric-a-brac", um montão de fragmentos sem sentido e objetos
sem valor que são incapazes de substituir eles mesmos nem metonimicamente para objetos
originais ou metaforicamente para suas representações."
... O projeto do museu é condenado desde o início porque representação dentro do conceito
do museu é intrinsecamente impossível. O museu pode somente indicar os objetos
metonimicamente removidos pelo menos duas vezes daquele que são supostos
originalmente para representar ou significar. Os objetos exibidos como uma série são
necessariamente apenas parte da totalidade a qual pertenceram originalmente. Destacado
espacialmente e temporalmente de sua origem e função, significam somente por associações
deduzidas e arbitrárias. As séries que expõem peças individuais e fragmentos, também são
arbitrárias e incapazes de investir no objeto particular com qualquer coisa além de
fabulações irrelevantes." Eugenio Donato, 'The Museum's Furnace: Notes Toward a
Contextual Reading of Bouvard and Pécuchet' in “Textual Strategies: Perspective in Post-
Structuralist Criticims”.
76
David Wilson e ‘The Museum of Jurassic Technology’
O museu é uma ficção? A ficção do museu estará na forma de
sacralização dos objetos? Estará na ilusão de que a parte possa
representar o todo? O museu pode constituir um todo coerente em
um só lugar, todos os tempos, todas as épocas, todas as formas? O
museu é um lugar de todos os tempos que nos coloca fora do tempo?
Provavelmente todas estas questões inspiraram David Wilson para a
criação de ‘The Museum of Jurassic Technology’. Visitar ‘The Museum
of Jurassic Technology’ ou navegar em seu referido site -
www.mjt.org - provoca sensações de reconhecimento e de
estranhamento simultaneamente, ficção e realidade são
equivalentes50
.
David Wilson na entrada de ‘The Museum of Jurassic Technology’ (Fig. 89)
Este museu fictício criado pelo artista David Wilson ‘The Museum of
Jurassic Technology’ está presente nos roteiros de visitas turísticas
em Los Angeles, nos Estados Unidos da América.
50
"Um site sugestivo sobre a civilização humana que reúne muitos achados provenientes do
mundo todo" - esta é a descrição do MJT como uma sugestão para acesso de links do site
www.marmoresitalianos.com.br/bonassa_italia_museus.html
77
"The city of Santa Monica is located on Santa Monica Bay, an inlet
of the Pacific Ocean. Incorporated in 1886, it was and is both a
seaside resort and a residential city well-known for its shopping
districts, parks, and beaches. Many art galleries, artists’ studios,
bookstores, and acclaimed restaurants are located within the city.
Our tour begins with a stop at the Museum of Jurassic Technology
located in a modest building in an unlikely neighborhood on
Venice Boulevard. Subject of a Pulitzer Prize-winning book by
Lawrence Weschler (Mr. Wilson’s Cabinet of Wonder, New York:
Vintage, 1996), visitors expecting dinosaurs will instead be
confronted with a quirky display devoted to the radar-equipped
Deprong Mori bat, a horn that grew from a woman’s head,
miniature dioramas of RV parks, and many other arcane artifacts.
It is simultaneously a critique of, and a paean to museums, the
founder is former movie miniaturist David Wilson."51
localização ‘The Museum of Jurassic Technology’ em Los Angeles, CA, USA (Fig. 90)
Fachada ‘The Museum of Jurassic Technology’ (Fig. 91)
51
"A cidade de Santa Monica é situada na baía de Santa Monica, uma entrada do oceano
pacífico. Incorporada em 1886, era e é um resort ao lado do mar e uma cidade residencial
bem conhecida por suas áreas de comércio, parques e praias. Muitas galerias de arte,
estúdios de artistas, livrarias e restaurantes aclamados estão localizados na cidade.
“Nossa excursão começa com uma parada no Museum of Jurassic Technology situado em um
edifício modesto em uma vizinhança improvável no Venice Boulevard. Assunto de um livro
de Lawrence Weschler, ganhador do Prêmio Pulitzer (Mr. Wilson’s Cabinet of Wonder, New
York: Vintage, 1996), visitantes que esperam dinossauros, em vez disso, serão confrontados
com uma exposição ardilosa devotada ao equipado radar do morcego Deprong Mori, um
chifre que cresceu na cabeça de uma mulher, dioramas miniatura de parques RV, e muitos
outros artefatos arcaicos. É simultaneamente uma crítica e um elogio aos museus, o
fundador é, o anteriormente miniaturista de cinema, David Wilson."
http://arlis2001.ucsd.edu/schedule/tours/10.html
78
Similarmente a Philippe Thomas, David Wilson não se apresenta
como artista ou autor e sim como o diretor do museu onde investe
desde a abertura em 1996 e assim, semelhante ao museu, David
Wilson também é um paradigma/paradoxo. Não está disposto a
discutir a veracidade ou não do museu: "Some people have asked us
if this is a joke, and that's galling. We're enormously sincere about
what we're doing."52
O museu também possui uma loja onde você poderá adquirir objetos
de marca ‘The Museum of Jurassic Technology’, como camisetas,
‘optical devices’ e publicações associadas ao “Society for the Diffusion
of Useful Information”, e contar com descontos caso associar-se
como membro do museu.
Wilson excluindo-se da autonomia do museu, sempre expressa em
termos de nós: ‘nossa meta’, ‘nossos interesses’, ‘estamos
planejando para a próxima exposição’...
“The Museum of Jurassic Technology in Los Angeles, California is
an educational institution dedicated to the advancement of
knowledge and the public appreciation of the Lower Jurassic.”53
O uso de 'tecnologia' no nome do museu refere-se 'às tecnologias de
exposição' e 'Jurassic' como uma homenagem a uma doação prévia
ao museu constituída em grande parte de fósseis.
Um dos fósseis doados para o museu (Fig. 92)
52
"algumas pessoas têm-nos perguntado se isto é uma piada, e isso está irritando. Nós
somos enormemente sinceros sobre o que estamos fazendo". declaração de David Wilson na
entrevista com Lawrence Wechsler, “Mr. Wilson's Cabinet of Wonder”.
53
“The Museum of Jurassic Technology em Los Angeles, Califórnia é uma instituição
educacional dedicada ao avanço do conhecimento e da apreciação pública do Baixo
Jurássico”. Apresentação do museu no site www.mjt.org
79
Like a coat of two colors, the Museum serves dual functions. On
the one hand the Museum provides the academic community with
a specialized repository of relics and artifacts from the Lower
Jurassic, with an emphasis on those that demonstrate unusual or
curious technological qualities. On the other hand the Museum
serves the general public by providing the visitor a hands-on
experience of "life in the Jurassic"....
...The public museum as understood today, is a collection of
specimens and other objects of interest to the scholar, the man of
science as well as the more casual visitor, arranged and displayed
in accordance with the scientific method. In its original sense, the
term "museum" meant a spot dedicated to the muses- "a place
where man's mind could attain a mood of aloofness above
everyday affairs." 54
Wilson diz que utiliza a linguagem museográfica porque é capaz de
apresentar as coisas que são negligenciadas pelas vias oficiais da
cultura e a potencialidade evocada pela forma como os objetos são
expostos pode ser equivalente a uma autenticidade histórica.
Logotipo do MJT (Fig. 93)
54
Como um casaco de duas cores, o museu serve a funções duplas. Em uma mão o museu
fornece a comunidade acadêmica um repositório especializado de relíquias e artefatos do
Baixo Jurássico, com uma ênfase naqueles que demonstram qualidades tecnológicas
incomuns ou curiosas. Na outra mão o museu serve ao público geral fornecendo ao visitante
uma experiência interativa da "vida no Jurássico"....
... O museu público como compreendido hoje, é uma coleção de espécimes e outros objetos
de interesse do estudante, do homem da ciência assim como do visitante mais ocasional,
organizada e exibida de acordo com o método científico. Em seu sentido original, o termo
"museu" significou um ponto dedicado às musas - "um lugar onde a mente do homem
poderia alcançar um estado distante física ou emocionalmente, acima dos casos diários."
Continuação da apresentação www.mjt.org
80
Wilson em seu museu também recorre à idéia do gabinete de
curiosidades, incorpora elementos de associações livres onde a mente
pode vagar de acordo com a sua vontade, porém acrescenta um dado
didático ao incluir textos explicativos relacionados às 'teorias' e aos
objetos na forma dos atuais museus de ciências e história natural.
Detalhes de vitrines de exposições, ‘The Museum of Jurassic Technology’ (Figs. 94 e 95)
Objeto da exposição no MJT de Hagop Sandaldjian, ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ sobre a
cabeça de uma agulha de costura (Fig. 96)
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Processos da poética: o paradoxo como paradigma - o museu como ideia

  • 1. 1 Inês Raphaelian, ‘Museum Cowllection’, 2000, Coleção Ox Marrow (Fig. 1)
  • 2. 2 Esta dissertação foi defendida perante a seguinte banca examinadora: Prof. Dr. _____________________________________________________ Prof. Dr. _____________________________________________________ Prof. Dr. _____________________________________________________ em São Paulo, _______ de ________________________ de 2006.
  • 3. 3 MARIA INÊS RAPHAELIAN SODRÉ CARDOSO Processos da poética: o paradoxo como paradigma - o museu como idéia. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Artes Visuais. COORDENADORA: Profª. Drª. MIRTES MARINS DE OLIVEIRA ORIENTADORA: Profª. Drª. MIRTES MARINS DE OLIVEIRA
  • 4. 4 Agradecimentos Primeiramente, agradeço minha grande mestra e amiga, REGINA SILVEIRA, quem das mais variadas formas, abriu caminho e continua colaborando para meu percurso de artista etc. Para MARTIN GROSSMANN, quem primeiro apreciou ‘B. C. Byte series’, ainda embrionária, em seu preciso texto crítico. Agradeço também às nossas frutíferas conversas, aos nossos projetos realizados e aos futuros e, principalmente, àqueles utópicos. Para STELLA TEIXEIRA DE BARROS, quem sempre manifestou com carinho sua satisfação e reconhecimento ao meu trabalho de artista e de administradora cultural. Para MIRELLA BENTIVOGLIO e RONALD CHRIST que carinhosamente presentearam-me com seus textos sobre meu trabalho ‘B. C. series’. SÉRGIO ROMAGNOLO, quem iniciou a orientação desta dissertação procedida por MIRTES MARINS, quem compartilha com entusiasmo meus projetos e nossas ‘idéias que existem’. Para os amigos que colaboraram para o desenvolvimento de minha pesquisa indicando bibliografia e compartilhando projetos e idéias: AMELIA TOLEDO, ANGÉLICA DE MORAES, GERTY SARUÊ, TICA MACEDO, HENRIQUE SIQUEIRA SIDNEY PHILOCREON, JULIETA MACHADO, TAYLOR VAN HORNE, CARLOS ESTEVEZ, MITCH LOCK, PABLO HELGUERA, ANTONI MUNTADAS, PADMA VISWANATHAM, VINCI AGUSTINOVICH, IHOR HOLUBISKY e meu irmão, SÉRGIO CARDOSO. Agradeço de forma especial e postumamente, JULIO PLAZA e meu pai, ANTÔNIO SODRÉ CARDOSO, que marcaram forte influência em meu processo criativo. Para a FACULDADE SANTA MARCELINA que deu apoio para a realização desta dissertação e proporciona, desde 1989, o meu prazer de ministrar com seriedade e autonomia. E finalmente, para minha mãe, MYRIAN ROSE RAPHAELIAN, quem mesmo silenciosamente, acredita e compartilha de meus ideais.
  • 5. 5 RESUMO O foco desta pesquisa é o museu como objeto de investigação no processo criativo do artista. É um apanhado histórico, porém não historicista, um recorte conceitual que tem como objetivo reconhecer o percurso dos museus de artistas a partir do início do século XX, elegendo alguns artistas como exemplos daqueles que se apropriam da forma museográfica de apresentação, em suas obras ou na construção de sua poética, com o intuito de colocar em questão o modus operandi do museu e seu significado na construção da cultura e da história. ABSTRACT The focus of this research is the museum as object of inquiry in the creative process of the visual artist. It’s an historical summary, however not historicist, a conceptual cut with the objective to recognize the trajectory of the museums by artists from the beginning of 20th century, choosing some artists as examples of that appropriate of the museographic form of presentation, in their works or in the construction of their poetic, with the intention to put in question the modus operandi of the museum and its meaning in the construction of the culture and history.
  • 6. 6 Processos da poética: o paradoxo como paradigma - o museu como idéia. ÍNDICE Parte I Introdução ............................................................................ pág. 07 Capítulo 1 Museus de artistas ................................................................ pág. 14 Capítulo 2 O artista contemporâneo e o museu ..................................... pág. 52 2.1. As ações/obras de Mark Dion ........................................ pág. 63 2.2. David Wilson e ‘The Museum of Jurassic Technology’ .... pág. 76 2.3. ‘B. C. Byte series’ de Inês Raphaelian ............................ pág. 87 Referências das Ilustrações ................................................ pág. 102 Bibliografia ........................................................................ pág. 105 Parte II CD Room anexo - versão off line do site on line, hospedado no site do Fórum Permanente - http://www.forumpermanente.org
  • 7. 7 Processos da poética: o paradoxo como paradigma - o museu como idéia. Introdução "Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo." Ludwig Wittgenstein Criatividade (ou como muitos preferem chamar – inventividade), como puro ato mental, é a capacidade de combinar elementos de forma subjetiva, independente de qualquer conexão lógica com o mundo exterior. Desestruturar a realidade e reestruturá-la de outras maneiras. O estudo sobre a criatividade é um campo de estudo em desenvolvimento, um ponto de encontro entre a ciência e a arte. Criatividade é um processo cognitivo que leva à solução de um problema complexo. O processo criativo caminha em direção à solução do problema, mas o alvo não é assim tão claro. O processo criativo opera nos dois campos do pensamento: o pensamento criador - desinibido, subjetivo, fluido; e o pensamento reflexivo - estruturado, impessoal e formalista. O processo criativo para o artista é permeado de operações sensíveis e caminha em direção a uma proposição estética.
  • 8. 8 "O artista opera entre método e modo, entre caminho e modalidade operativa, isto é, uma poética." Julio Plaza Para compreender o método no processo de criação artística, a partir da crítica genética, Cecília Almeida Salles parte de dois pontos de partida: a rotina de trabalho - como e quando a obra é construída; e os procedimentos lógicos de investigação - uma série de operações lógicas responsáveis pelo desenvolvimento da obra. Na arte, estas operações não têm a consciência e a explicitação da ciência. A arte vive um encontro de método que não implica, necessariamente, uma busca consciente 1 . Em contraposição, a criação realiza-se na tensão entre: liberdade - possibilidade infinita de métodos; e limite - associado ao enfrentamento de leis, que podemos reconhecer aqui como modo (ou técnica). Como aponta Julio Plaza, o artista opera entre o método e o modo em seu processo criativo, e é aí onde o artista irá desenvolver a sua poética. A poética de um artista, associada ao universo da crítica, atua no campo estrutural da percepção como um rever de conteúdo e de forma. A poética remete diretamente a uma ação consciente do autor a priori ou à constatação reflexiva desta ação a posteriori. Toda poética torna visível o invisível, como descobertas - "coisas subitamente vistas, que sempre estiveram ali" 2 - o artista como um explorador da existência. Toda poética contamina atitudes posteriores, propõe reflexão. 1 Cecília Almeida Salles in “Gesto Inacabado: processo de criação artística”. 2 Susanne Langer apud Kneler
  • 9. 9 O projeto poético é um projeto pessoal, singular e único, porém, parte de interesses e objetos comuns a muitos, e mesmo coletivos. Na percepção criativa reconhece-se a ação transformadora, onde o filtro perceptivo processa o mundo para uma nova realidade. Cada olhar traz consigo a percepção com uma perspectiva específica, e este olhar não será idêntico ao objeto observado, este já o será sob uma interpretação e o objeto é então, transfigurado. No processo de transformação/transfiguração deste objeto reside a poeticidade.3 Podemos dizer que o projeto poético surge como uma reorganização criativa da realidade e está localizado em um espaço e tempo determinados, afetando o artista e provocando estímulos que serão trazidos para o espaço da criação. Nesta dissertação o foco é apresentar um objeto que irá afetar e provocar estímulos em momentos da história recente - o museu - como objeto e ponto de partida para a reflexão que irá permear o processo de criação. Johan Van Geluwe, ‘The Museum of Museums’, 1975 (Fig. 2) 3 Batkin apud Cecília Almeida Salles in “Gesto Inacabado: processo de criação artística”.
  • 10. 10 "The structure within which artist produces will always determine the artistic event created under the circumstances, and it is always the latter that will win… As a result, I am against the museum as a center of research for avant gard art. The museum should emphasize its role as being strictly a place of conservation. The centers of contemporary research are enterprises of ideological confusion, destined to transform art into some kind of Olympic Games… Long live the art fair, there at least things are clear and evident." Marcel Broodthaers 4 A imagem do museu como representante de um velho mundo, uma síntese de valores conservadores, o baluarte contra o progresso e o novo e assim como uma instituição que merece ser destruída, ao menos simbolicamente, como sugeriu Marinetti5 , está fora de consideração. Nesta dissertação o museu é apresentado como idéia e forma, conceito e espaço, objeto e local da ação. Apropriando-se ou aplicando princípios museológicos em seus trabalhos, alguns artistas tornaram-se interessados também em explorar a amplitude da estrutura institucional do museu e o papel do museu na construção da cultura. Esta dissertação faz um recorte e elege os artistas que se apropriam do modus operandi do museu para a construção de sua poética tendo como foco principal de referência a minha proposta pessoal. Sendo assim estão presentes, como conceitos no processo criativo e como forma na apresentação dos trabalhos, os princípios seguidos pelos museus para ordenar suas coleções: os sistemas de classificação, 4 "A estrutura dentro da qual o artista produz sempre irá determinar o evento artístico criado sob as circunstâncias, e é sempre a última que ganhará... Como conseqüência, eu estou de encontro ao museu como um centro da pesquisa para a arte de vanguarda. O museu deve enfatizar seu papel estritamente como um lugar de conservação. Os centros de pesquisa contemporâneos são empresas da confusão ideológica, destinadas a transformar a arte em algum tipo de Jogos Olímpicos... Vive por muito tempo a arte justa, lá ao menos as coisas são claras e evidentes." Marcel Broodthaers in “The Museum as Muse Artists Reflect”, MoMA, NY, 1999. 5 “Bibliotecas e museus servem para o trabalho de picaretas e martelos. Um automóvel de corrida é mais belo que a vitória de Samatrácia”. Filippo Tommaso Marinetti in “Manifesto Futurista” publicado no jornal francês Le Figaro em 1909.
  • 11. 11 disposição, arquivamento e armazenamento, enfim, os métodos museológicos e museográficos. Primeiramente apresento uma pesquisa histórico-crítica, apresentada na forma de texto acompanhado de imagens ilustrativas e referenciais. É um apanhado histórico, porém não historicista, trata- se de um recorte conceitual que tem como objetivo reconhecer poéticas afins para contextualizar a produção artística que realizo. O objetivo desta pesquisa é promover o foco de atenção para este objeto de interesse – o museu – na história da arte recente. A idéia de museus de artistas é uma tendência essencialmente da arte do séc. XX, vários artistas criaram obras com referência ao tema, dentre estes: Kurt Schwitters e seu Merzbau, Joseph Cornell, O grupo Fluxus, Lothar Baumgarten, Yves Klein, Christian Boltanski, Annette Messager, Joseph Beuys, Andy Warhol, Michael Asher, Johan Van Geluwe, Giuseppe Penone, Hans Haacke e Daniel Buren; porém tomei a liberdade de eleger como exemplos aqueles que recorrem diretamente à forma museográfica de apresentação em suas obras para por em questão o modus operandi do museu, com o intuito de reconhecer um percurso histórico. Desta forma, na primeira parte da dissertação, no capítulo 1, apresento alguns destes artistas precursores que se apropriaram da concepção e estrutura do museu como objeto de investigação em seu processo criativo: Marcel Duchamp, Robert Filliou, Cales Oldenburg, Daniel Spoerri, Philippe Thomas, Herbert Distel e, com uma atenção especial, Marcel Broodthaers. Dentre os artistas contemporâneos pesquisados, destaco: os americanos Allan MacCollum, Bárbara Bloom, Sherrie Levine, Andréa Fraser e Fred Wilson, o grupo canadense General Idea, o italiano
  • 12. 12 Maurizio Cattelan, o mexicano Pablo Helguera, o coreano Cho Duck- Hyun e os brasileiros Jac Leirner e Walmor Correa. Porém, um recorte pontual é necessário, sendo assim, no capítulo 2 desta primeira parte, apresento a produção dos artistas contemporâneos Mark Dion e David Wilson que têm o museu como objeto e idéia para a construção de sua poética. Estes dois artistas, ambos americanos, são apresentados especialmente porque suas propostas apontam afinidades diretas ao trabalho plástico que desenvolvo e que é apresentado na seqüência, ‘farol’ desta pesquisa com olhar de artista. As relações entre as várias atividades profissionais que desenvolvo na área das artes plásticas (artista, professora, administradora e produtora cultural e curadora) permeiam minha poética - a ‘artista etc’, como definiu Ricardo Basbaum6 : artista-professor, artista-crítico, artista-curador, artista-escritor, artista-colecionador, artista-ativista, artista-produtor, artista-agente capaz de uma ação cultural transformadora ou 'provocadora de tensão'. Reconheci que meus principais interesses nas diversas áreas de atuação profissional que desempenho, convergem-se como uma ‘reflexão’ em meu trabalho plástico. Com a série 'B. C. Byte' (work in progress que realizo desde 1993), crio um museu particular fictício que dialoga com muitos outros. As obras, quando apresentadas publicamente configuram-se como instalações museográficas, parte integrante de meu processo criativo. A partir desta percepção surgiu o interesse em pesquisar, reconhecer e apresentar quais seriam estes 'outros museus'. Vejo a obra de um artista como um 'museu' em potencial, no momento em que cria uma realidade a partir de seu ponto de vista, interesses e objetivos. 6 Ricardo Basbaum in Catálogo Exposição “Mistura+Confronto” e http://www.fundacionstart.org/home/anunciantes/interferencia/basbaum.html
  • 13. 13 O artista elabora um universo particular, com suas características, organização, dinâmica e configuração. Os mesmos temas foram e serão tratados de muitas maneiras e, realidades diversas são elaboradas a partir do mesmo objeto, a única referência físico/temporal que possuímos - o homem e o universo - a partir daí, inúmeros 'museus/memória', museus imaginários7 , ficções e bibliotecas8 , são criados. ‘A Biblioteca de Babel’ de Borges imaginada de forma concreta e apresentada no site http://jubal.westnet.com/hyperdiscordia/library_of_babel.html (Fig. 3) Procurei reconhecer e apresentar aqui, alguns destes ‘museus paralelos’ ao meu próprio arriscando apontá-los em um confronto para uma análise crítico/investigativa que os relacionem. A segunda parte da dissertação é um trabalho plástico configurado como um site na WWW. Neste site apresento um sítio arqueológico fictício - os trabalhos plásticos sob o título ‘B. C. Byte Series’, tornam-se ‘achados arqueológicos’. O CD Room do site off line está anexado à esta dissertação. Assim, a presente dissertação, pela característica de natureza artística da pesquisa, é apresentada utilizando o recurso metalingüístico com o intuito de evidenciar o modo de objetivar exigido pelas instituições acadêmicas e culturais. 7 Com referência a André Malraux. 8 Com referência a Jorge Luis Borges.
  • 14. 14 Museus de artistas. "Art is what makes life more interesting than art." Robert Filliou Museus são ao mesmo tempo muito antigos e muito novos. O complexo museu contemporâneo difere-se substancialmente de sua origem grega Mouseion9 - Templo das Musas e do primeiro Museum “Coleção do Capitol” do Papa Sixtus IV (1471-Roma). Hall 'Capitolle Museum', Roma, Itália (Fig. 4) O museu como conhecemos hoje é primariamente uma criação do Iluminismo no final do século XVIII e assim como outras instituições, o museu foi constituído para ser fundamentalmente educacional, um 9 “Na Grécia Antiga, mouseion designava uma instituição filosófica, lugar de contemplação onde o pensamento, livre de outras preocupações, poderia dedicar-se às artes e à ciência, um ponto de convergência para a pesquisa, o discurso e o estudo” - Teixeira Coelho, Martin Grossmann, Patrícia T. Raffaini, ‘Museu’ in “Dicionário Crítico de Política Cultural”.
  • 15. 15 local para a organização sistemática e apresentação dos fenômenos artísticos e naturais10 . Inerente nesta concepção está a idéia de uma instituição como um espaço público, dedicado a difusão do conhecimento como uma grande enciclopédia. "Um museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, em construção contínua, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, e aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe, para finalidades de estudo, de instrução e de apreciação, material da evidência dos povos e do seu ambiente." ICOM, International Council of Museums, 1974.11 “Museum is a public or private non-profit agency or institution organized on a permanent basis for essentially educational or aesthetical purposes which, utilizing a professional staff, owns or utilizes objects, cares for them, and exhibits them to the public on a regular basis.”12 Cartazes que apresentam algumas das atividades desenvolvidas pelo ICOM (Fig. 5) 10 Os pensadores iluministas acreditavam no progresso social e nas capacidades libertadoras do conhecimento racional e científico. 11 “O conselho internacional dos museus (ICOM) é dedicado ao desenvolvimento dos museus e da profissão do museu, e opera de maneira global para a preservação do heritage cultural. Cometido à promoção e a facilitação da cooperação profissional, ICOM é uma rede worldwide para profissionais do museu de todas as disciplinas e especializações. Criado em 1946, ICOM é uma organização não governamental que mantém relações formais com UNESCO e que tem um status consultivo com as nações unidas econômicas e o conselho social“. ICOM, 1974. 12 Museum Services Act of 1977. U.S Code, American Association of Museums, Museum Acreditation: Professional Standarts (Washington D.C., 1973).
  • 16. 16 A partir destas definições, podemos constatar que museus são considerados a ‘chave’ cultural, locais onde são construídas narrativas públicas comuns, onde são contadas estórias sobre as histórias e nações, quando organizadamente são separados os fatos materiais dos objetos das ficções estéticas da arte. Escola para crianças no Museu de Arte de Toledo, Ohio (Fig. 6) A palavra ‘museu’ é entendida para definir uma coleção de objetos com valor intrínseco de significados, porém ainda carrega a força histórica refletida pelo uso metafórico da palavra ‘museu’ quando evoca associações conflitantes como o sagrado e o bárbaro, a ordem e o caos, o raro e o precioso, o estranho e o exótico. ‘Mexican Arts Exhibition’, Metropolitan Museum of Art, New York, 1930 (Fig. 7)
  • 17. 17 A descontextualização do objeto artístico, a perda da sua função social, o modo como este viaja de um contexto profano para um outro sagrado, desligando-se do real quotidiano e procurando uma autonomia e auto referencialidade, abre um vasto campo para a inspiração e a crítica dos artistas. Ad Reinhardt, ‘How Modern Is The Museum of Modern Art ?’, 1940 Coleção The Museum of Modern Art Library, New York (Fig. 8)
  • 18. 18 O ideal Iluminista foi acrescentado ao ideal moderno de olhar a arte como uma experiência. Esta nova postura abriu caminho para o questionamento sobre o espaço museu e o modo que a instituição utiliza das ferramentas intelectuais e curatoriais para recortar e estruturar a experiência de olhar a arte. A idéia de museus de artistas é essencialmente uma tendência na arte do séc. XX que tem paralelos com curiosos museus pessoais criados no século XIX. Em Londres, o arquiteto Sir John Soane, designou um espaço de sua casa para esculturas e fragmentos arquitetônicos e no centro colocou seu próprio busto. A coleção é composta por peças originais e cópias. Museu particular na casa do arquiteto Sir John Soane, exterior e interior (Figs. 9 e 10)
  • 19. 19 Na Pensilvânia, o pintor Charles Wilson Peale, criou o primeiro museu americano. Grandes vitrines com coleções de espécimes da história natural, animais, vegetais e minerais, seguindo o método iluminista de classificação, é registrado em sua pintura ‘The Artist in His Museum‘, de 1822. Charles Wilson Peale, ‘The Artist and His Museum’, 1822 Coleção Pennsylvania Academy of the Fine Arts, Philadelphia (Fig. 11) Desde o início do século XX surgem propostas poéticas questionando, negando ou proclamando as idéias e valores da arte por meio da cultura do museu. Alguns artistas a partir de sua obra e de suas atitudes colocam em xeque as verdades, as estratégias e as dinâmicas geradas pelo sistema de produção cultural e apresentadas pelo museu. Coleções e 'museus autorais' criados por artistas, de uma forma ou de outra, questionam o modo de institucionalização da obra de arte - deixaram de ser encaradas como objetos, para objetos pertencentes a um determinado espaço, não um espaço sem identidade, mas o supremo espaço do museu.
  • 20. 20 Dentre estes artistas podemos reconhecer primeiramente Marcel Duchamp, quem em 1917, ao assinar um urinol com o pseudônimo de R. Mutt (próximo ao nome das louças sanitárias - J.L. Mott & Son e Mutt de calado) e enviar 'Fontaine' para a exposição, questiona duplamente o objeto de arte e o local da obra de arte. Marcel Duchamp, 'Fontaine', 1917 (Fig. 12) "Through his principle of the ’Readymade’, Duchamp was able to demonstrate in 1917 that something as ordinary as a standard urinal could be accorded the title Fountain and transformed at will into an art object. He claimed to have chosen mass-produced objects like the urinal, bottle-rack and snow shovel in moments of ‘aesthetic amnesia’ and to have displayed them, alone and empty of aesthetic presumption, precisely to ridicule the ‘aura’ of value and prestige that traditionally accrues the art object. Through his readymades Duchamp had indirectly mocked the museum concept and challenged the uniqueness of genuine works of art - an idea that has continued to inspire succeeding generations of artists." 13 13 "Com seu princípio do ‘Readymade', Duchamp pôde demonstrar em 1917 que algo tão ordinário como um urinol padrão com o título ‘Fountain’ poderia ser transformado em um objeto da arte. Reivindicou ter escolhido objetos produzidos em massa como o urinol, o porta-garrafas e a pá de neve nos momentos de ‘amnésia estética’ e tê-los apresentado, sozinhos e vazios da presunção estética, precisamente do ridículo da ‘aura' do valor e do prestígio que tradicionalmente resulta o objeto da arte. Através de seus readymades Duchamp ridicularizou indiretamente o conceito do museu e desafiou a idéia de unicidade dos genuínos trabalhos de arte - uma idéia que continua a inspirar gerações sucessivas de artistas". James Putnam in “Art and Artifact -The Museum as Medium”.
  • 21. 21 De 1935 a 1941, Duchamp constrói a ‘Boîte-en-valise’14 , espécie de museu portátil que comporta miniaturas das suas obras - seus readymades, assumem uma verdadeira tomada de posição teórica. Ao realizar uma série, Duchamp reforça a questão da obra única apresentada nos readymades, com a possibilidade contemporânea de reprodutibilidade da obra de arte acrescentada à idéia da 'mercadoria museológica'. Marcel Duchamp com seu museu portátil ‘Boîte-en-valise’ (Fig. 13) Podemos reconhecer uma atitude benjaminiana de criação - uma mala contendo uma pequena coleção de citações das próprias obras do autor/curador/colecionador. 14 ‘Boîte-en-valise’ é uma caixa-maleta, um monógrafo portátil contendo 69 reproduções em miniatura de suas obras. Entre 1935 e 1940, Duchamp criou uma edição de luxo de 20 caixas, cada uma em couro marrom com pequenas variações no design e conteúdo.
  • 22. 22 Marcel Duchamp, ‘Boîte-en-valise’ (Figs. 14 e 15) Uma edição posterior de seis séries diferentes foi criada entre os anos 50 e 60, estas séries eliminavam a caixa e foram utilizadas diferentes cores para fabricar a capa, também foi alterado o número de itens que continha. Pode-se dizer que Duchamp cria uma metáfora metalingüística com sua ‘Boîte-en-valise’ - um museu portátil - trás o museu no nível dos mortais retirando sua aura e tornando-o acessível e, o mesmo, pode ser adquirido e comercializado pelo próprio museu. Marcel Duchamp, ‘Boîte-en-valise’. Todo o conteúdo da ‘edição de luxo’, 1935-40 (Fig. 16)
  • 23. 23 André Malraux com as pranchas de fotografia para o ‘Museu sem Paredes’ (Fig. 17) "O mundo pôs-se a se parecer com meus livros". André Malraux Por outro lado, André Malraux com seu 'Museu Imaginário'15 apresenta conceitos que caracterizam sua reflexão: o caminho da experiência com a criação, da realidade com a ficção, do saber das grandes obras com os saberes singulares que delas nascem em um processo de contínua metamorfose. A arte é antidestino, um não fim, somente possibilidades, sem respostas, só perguntas. O que ele faz é buscar não só a experiência do real, como também a da imaginação, para aprisionar a realidade e torná-la sua. 15 MALRAUX, André, “O Museu Imaginário” (Trad. Isabel Saint-Aubyn), Lisboa: Edições 70, 2000.
  • 24. 24 A história do museu apresenta reformulações de suas funções, suscitadas pelas mudanças de paradigma da sociedade e da cultura. Banquete na Royal Academy of Arts, 1933. O presidente, Sir William Llewellyn, discursando (Fig. 18) Muitas têm sido as estratégias que o museu investiu na tentativa de 'democratização da arte', mesmo que ainda na maior parte de modo conservador e de certa forma como resposta às reivindicações que os próprios artistas colocaram, mais fortemente nas décadas de 1960 e 70, quando as palavras de ordem por parte das vanguardas era "A Morte da Arte" e "A Morte do Museu". “O artista é a matéria-prima de um museu de arte, posto que as obras constituem o ‘núcleo’ do museu, assim como o autor é a matéria-prima de uma editora. Suas obras devem ser alvo de estudo, de acordo com esta direção de pensamento sobre uma concepção de museu e, tratando-se de um artista contemporâneo, desde que possível deve ser trazido ao encontro do povo para contatos diretos informais – emissor-mensagem- receptor – o que sempre constitui esplêndida oportunidade para o público sentir a motivação, conhecer, em testemunho pessoal, o processo da concepção/realização da obra, o que poderá aproximá-lo mais do objeto artístico.” 16 16 Aracy Amaral, ‘Função do Museu’ in "Arte e Meio Artístico: Entre a Feijoada e o X-burger".
  • 25. 25 Anteriormente aos anos 1960, as características das atividades artísticas eram mais nacionais, ou até mesmo regionais, localizadas: arte francesa de artistas franceses, arte americana de artistas americanos. Após esta década este aspecto foi alterado pelas facilidades de locomoção e uma arte mais internacionalizada emerge. Este novo quadro e os meios de comunicação promovem mudanças de atitudes em relação à arte, e ao objeto de arte, que ao mesmo tempo tornara-se mais conceitual. Paulo Brusky, ‘Confirmado: é arte’, 1977 (Fig. 19) A arte conceitual com suas novas propostas e noções do objeto artístico, promoveu mudanças nas práticas tradicionais dos museus17 . Em muitos casos, objetos impalpáveis ou efêmeros, de propostas que lançam a noção de arte como processo decorrente de uma idéia para os quais o sistema de classificação dos museus não oferece lugar. A ambigüidade e o paradoxo são palavras permanentes da arte conceitual no contexto do museu. O ato de expor é uma prática natural de comunicação para o artista, "...ao mesmo tempo que o museu é contestado, ele é necessário como lugar de exibição."18 17 Cristina Freire in "Poéticas do Processo - Arte Conceitual no Museu”. 18 idem anterior.
  • 26. 26 Reflexões sobre as definições da arte, não só como é criada como também apresentada e recebida pelo público resultou em uma maior liberdade dos artistas no relacionamento com o museu e muitas das práticas de arte contemporânea não solicitam necessariamente o aval da autoridade da instituição e atuando numa forma quase independente podem estabelecer o deslocamento da prática cultural. Mudanças significativas das práticas artísticas, como as performances, happenings e manifestações, não cabem mais nas instituições convencionais que mantém uma definição conservadora de cultura. "An art museum is a host and a potential collaborator. Certain projects are helped by this relationship, but not all. Ideally, a museum is intrigued by the artistic production and hoping to spur or to fuel it. A museum gives to the artwork by supporting it institutionally, and the artist in return, modifies production to fit within the museum designated parameters. If these parameters are too limiting, the exchange is not fruitful and the work should be done outside of the museum." 19 Seleção dos trabalhos para a Exposição da Royal Academy, 1939. O presidente, Sir Edwin Lutyens, está levantando a letra ‘D’ para indicar que a decisão é deferida (deferred) (Fig. 20) 19 "Um museu de arte é um anfitrião e um colaborador potencial. Determinados projetos são ajudados por este relacionamento, mas não por tudo. Idealmente, um museu instiga a produção artística e espera estimulá-la ou abastecê-la. Um museu dá ao trabalho de arte suporte institucional e o artista em troca modifica a produção para caber dentro parâmetros designados pelo museu. Se estes parâmetros estiverem limitando demasiadamente, a troca não é frutífera e o trabalho deve ser feito fora do museu." Christine Hill in Preliminary Dialogues "The Museums as Medium". Christine Hill é artista radicada em New York, sua obra transgride e desafia os territórios convencionais do espaço de exposição e a forma de apresentar arte. Em Tourguide? (1999), ofereceu 'tours' a partir dos escritórios de New York e o projeto Volksboutique é um híbrido de espaço de exposições e loja comercial apresentado na Documenta X.
  • 27. 27 No entanto, a legitimação (ou não) destas ações continua submetida às instituições culturais que estabelecem relacionamentos de poder e resultam muitas vezes em conflitos de interesses. Embora os meios com que os artistas negociam com o museu em seus trabalhos vão muito além de qualquer consideração puramente pragmática, seus interesses, evidentemente, é parte profissional. Alguns artistas conscientes do que o museu significa em termos de aceitação pública os deixam ansiosos para serem representados nas coleções, outros, entretanto, questionam porque seus trabalhos devem estar no museu, pois ser incluído representa sucumbir à instituição. Artistas têm um relacionamento duplo com os museus: eles são visitantes e usuários e criadores dos objetos que constituem a instituição - o museu é um local para a estimulação de idéias e depositário dos resultados destas inspirações e idéias. Muito da formação do artista envolve o hábito de visitar museus e refletir sobre o que está sendo visto neles, podendo os provocar a pensar sobre as práticas dos museus, questionarem e provocarem o museu, engajarem-se e reagirem a ele. Os artistas estarão sempre negociando um balanço delicado entre ser o observador e o observado. ‘Egyptian Gallery’, British Museum, 1996 (Fig. 21)
  • 28. 28 "O museu é um espelho colossal no qual o homem finalmente contempla a si mesmo em todos os aspectos...” Georges Bataille20 O Museu é paradoxalmente ‘adversário’ e objeto de desejo para o artista. O Museu é meio e linguagem, método e modo, processo e fim. O museu é um paradigma/paradoxo 21 . "In the visual arts, my only engagement is with my adversaries. Architects are in the same position whenever they work for themselves". Marcel Broodthaers 22 Detalhe da Instalação do ‘Musée d’Art Moderne, Départament des Aigles, Section des Figures’, Städtische Kunsthalle, Düsseldorf, 1972 (Fig. 22) Marcel Broodthaers tinha um interesse particular por museus e desenvolve uma série complexa de trabalhos especificamente com o assunto ‘museu’. 20 Georges Bataille, ‘Musée’ in “Documents”, 1930, num.5. 21 Martin Grossmann propõe o museu como um paradigma/paradoxo in “O Anti-Museu”, Revista Comunicações e Artes, São Paulo, 1990. 22 "Nas artes visuais, meu engajamento é somente com meus adversários. Arquitetos estão na mesma posição todo o tempo que trabalham para eles mesmos".
  • 29. 29 Broodthaers funda em 1968 o ‘Museé d’Art Moderne, Département des Aigles’, trabalho fundamental de sua carreira, uma sinopse histórica da arte em um quadro ficcional, um museu conceitual apresentado de várias formas e localizações entre 1968 e 1972. A imagem heráldica da águia simboliza o poder e a autoridade do museu e a forma como apresenta o trabalho - séries em doze seções - aponta a tendência de o museu ser dividido em vários departamentos categorizados e rotulados. Marcel Broodthaers, ‘Musée D'Art Moderne, Département des Aigles, Section des Figures’, detalhe (Fig. 23) O ‘Museé d’Art Moderne, Département des Aigles’ surgiu devido às circunstâncias casuais, como ele mesmo conta em uma conversa com Freddy de Vree23 . Um grupo de amigos: donos de galerias, colecionadores e artistas iniciaram encontros para discutir e analisar as relações entre a arte e a sociedade no contexto Belga, o controle governamental da produção cultural e o crescimento descontrolado da comercialização de arte. 23 Marcel Broodthaers, ‘Conversation with Freddy de Vees - 1969’, in “The Museum as Arena - Institution-critical, Statements by Artists”.
  • 30. 30 O grupo de pessoas interessadas nestas discussões chegou a sessenta, setenta pessoas e não havia cadeiras para todos. Broodthaers, Johannes Cladders e outros, na abertura do museu (Fig. 24) Broodthaers contatou uma companhia de transporte e pediu algumas caixas para as pessoas sentarem. Quando viu todas aquelas caixas com estampas relacionadas ao transporte de obras de arte, disse a ele mesmo: “Mas realmente, o museu está exatamente aqui. Existe alguma coisa para fazer com o conceito de museu”. Fixou cartões postais com obras de arte do século XIX e escreveu a palavra ‘Museu’ na janela, ‘Departamento da Águia’ no jardim e ‘Seção Século XIX’ na porta que dava para o jardim. Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne Département des Aigles- Section XVII Siècle’, Anversa, 1969 (Fig. 25)
  • 31. 31 ‘Thus, the museum was born, not via concept, but by way of circumstance; the concept came later. And as Marcel Duchamp once said, “This is a work of art“, all I was saying was, “This is a museum“...’24 Broodthaers produz o simulacro de um verdadeiro museu - o paradoxo como paradigma - nas suas múltiplas relações, desde o armazenamento até ao transporte de obras, passando pela exposição. Mostram-se reproduções de postais de obras originais - aplicação prática da desconstrução aurática iniciada por Benjamin - o resto é apenas sugerido: caixotes de armazenamento de quadros com as típicas inscrições de "Não tocar", "frágil", "obra de arte" ou o caminhão que pertence ao museu (o real) estacionado à porta do seu apartamento. Várias aberturas foram realizadas e convites enviados a cada nova seção do museu que era inaugurada: Seção Século XIX, Seção Século XVII, Seção Arte Moderna, Seção Arte Antiga etc. Marcel Broodthaers e Jürgen Harten, ‘Section XIXe Siècle (bis)’, Städtische Kunsthalle, Düsseldorf, 1970 (Fig. 26) 24 'Assim, o museu nasceu, não via conceito, mas por meio da circunstância; o conceito veio mais tarde. E como Marcel Duchamp uma vez disse, "este é um trabalho de arte", tudo o que eu estava dizendo era, "este é um museu"... ' Marcel Broodtrhaers in “The Museum as Muse Artists Reflect”.
  • 32. 32 'La section des Figures' abrange mais de 300 objetos diversos, representando águias, emprestados de vários museus e coleções particulares. Estes objetos foram apresentados em vitrines com etiquetas em francês, alemão ou inglês com os dizeres "Isto não é uma obra de arte". A instalação pareceu-se com uma exibição de um museu convencional, porém a disposição arbitrária e as etiquetas com a advertência, revelam a qualidade subversiva do display - tanto para as questões relacionadas ao processo de ordenamento e seleção dos museus, como à apresentação de exposições de arte. Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne, Département des Aigles, Section des Figures’, Städtische Kunsthalle, Düsseldorf, 1972 (Fig. 27) A linguagem é um fator essencial para o trabalho de Broodthaers: “a linguagem das formas deve ser unida à das palavras”. Broodthaers reconhece o significado do relacionamento entre a etiqueta do museu e o objeto que esta descreve e seu trabalho transmite um estímulo para libertar as formas escritas deste papel tradicional das quais estão subordinadas.
  • 33. 33 Marcel Broodthaers, ‘Musée D'Art Moderne, Département des Aigles, Section des Figures’, detalhe (Fig. 28) A frase "This is not a work of art" refere-se ao objeto, à ligação entre a etiqueta e o objeto, à exposição e à etiqueta propriamente - uma referência/homenagem a Magritte: "Ceci nést pas une pipe", para apontar a complexidade entre o objeto e sua descrição e no modo como eles descrevem o objeto, porém dirigem-se ao observador. Duchamp afirma a função do museu com seus readymades indicando “This is a work of art”, Broodthaers questiona invertendo esta posição, através da aplicação da fórmula de Magritte, seu museu torna-se um museu de não-arte. O significado da etiqueta pode ser um alerta ao público e ilustra as idéias de Duchamp e Magritte. Renné Magritte, ‘A Traição das Imagens’ de 1929, mais conhecida como ‘Ceci n'est pas une pipe’ (Fig. 29)
  • 34. 34 A primeira tentativa de comercializar seu museu foi com a abertura de um novo departamento, ironicamente, a ‘Seção Financeira’. Anunciou no catálogo de uma feira de artes: “Museé d'Art Moderne a vendre pour cause de faillite”25 . Seu museu fictício parodiava diretamente o mercado da arte e parte da publicidade anunciava a venda de um lingote de ouro com uma águia estampada de edição ilimitada para angariar fundos para o museu. Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne,Département des Aigles, Section Financière’, 1971 Capa do Catálogo para a feira de Colônia e lingote de ouro para a operação da 'Section Financière' (Fig. 30) O museu não existia como uma coleção ou localização permanente, Broodthaers era seu diretor, curador chefe, designer e promotor publicitário. Um artista etc, como define Ricardo Basbaum 26 . 25 “Museu de Arte Moderna à venda por causa de falência”. 26 Ricardo Basbaum in “Mistura+Confronto”.
  • 35. 35 Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne, Département des Aigles, Section Publicité’ 1968-72 (Fig. 31) ‘Section Publicité du Musée d’Art Moderne, Département des Aigles’, 1972, detalhe (Fig. 32) Em uma radicalização teórica de atitude, Broodthaers convida um verdadeiro curador para a inauguração deste museu fictício, que desta forma é legitimado, subvertendo o verdadeiro museu. A investigação de Broodthaers joga com o discurso da complexidade das práticas modernas de arte e ganha força política com suas numerosas instalações das várias versões e segmentos do seu museu, os objetos adquirem valor tanto ideológico quanto de mercado.
  • 36. 36 Construindo uma narrativa de ficção baseada em estratégias de colecionar e exibir, Broodthaers envolve público em um circuito sem fim, revelando e obscurecendo redes subjacentes de poder e controle. Broodthaers antecipa e celebra a opção pelo museu e sistema da arte. Como escreveu em um texto publicado na ocasião da versão do ‘Departamento das Águias’ na Documenta: "This museum is a fiction. In one moment it plays the role of a political parody of artistic events, in another that of an artistic parody of political events." 27 Marcel Broodthaers, ‘Musée d'Art Moderne, Département des Aigles, Section Folklorique / Cabinet des Curiosités’, Folkloric Departament, Zeeuws Museum, Middelburg, the Netherlands, 1970 (Fig. 33) Broodthaers no momento que assume a posição de criador de uma coleção, também assume todas as premissas e critérios que o museu estabelece para formar esta coleção - nada é isento de avaliação e adequação aos objetivos propostos, portanto, uma subversão irônica que deixa o artista em ambas as posições: adversário (questionando os valores estabelecidos pelo museu) e cúmplice (apropriando-se das estratégias e modos operandi das instituições em sua poética). 27 "Este museu é uma ficção. Em um momento joga com o papel de uma paródia política de eventos artísticos, em outro de um paródia artística de eventos políticos."
  • 37. 37 “In art exhibitions I often mused....Finally I would try to change into an art lover. I would revel in my bad faith...Since I couldn’t build a collection of my own, for lack of minimum of financial means, I had to find another way of dealing with the bad faith that allowed me to indulge in so many string emotions. So I said to myself, I’ll be a creator”. Marcel Broodthaers 28 ‘Musée d’Art Moderne, Section Financière’, 1970-71 (Fig. 34) Marcel Broodthaers, lingote de ouro, 10 x 5 cm. (segunda versão) (Figs. 35 e 36) Salle # 9 - ARTISTE: Marcel BROODTHAERS OEUVRE PRÉSENTÉE: "Musée d'Art Moderne, département des Aigles, section financière" - 1971 Lingot d'or No 579838 (estampillé d'un aigle) Collection Galerie Beaumont, Luxembourg. http://crac.lr.free.fr/negoc/neg15.html (acesso em 23 de fevereiro de 2006) 28 "Em exposições de arte eu medito frequentemente... Finalmente tentaria transformar-me em um amante da arte. Eu revelo em minha má fé... desde que eu não poderia construir uma coleção com meus próprios meios, pela falta no mínimo de meios financeiros, tive que encontrar uma outra maneira de tratar da má fé que me permitiu favorecer uma cadeia de emoções. Assim eu disse para mim mesmo, serei um criador".
  • 38. 38 Na mesma linha de pensamento está Robert Filliou, que em 1961 fundou a ‘Galerie Légitime’29 - seu próprio chapéu que no seu interior “sedia” exposições miniatura. Filliou andava pelas ruas de Paris com seu chapéu (museu) e apresentava o conteúdo (exposição) para os transeuntes que encontrava pelo caminho. O artista acompanha as exposições "itinerantes" e desta forma evita a normalização discursiva que se legitima num determinado lugar. Robert Filliou, 'Galerie Legitime', 1962-63 (Fig. 37) Robert Filliou, 'The Frozen Exhibition', 1962-72 (Fig. 38) Em 1972 Filliou realiza a versão ‘The Frozen Exhibition’30 , o chapéu é agora chapado, feito em cartão rígido em escala natural e o conteúdo distribuído de modo aleatório – uma adaptação para a natureza estática do museu – e que volta a fazer parte de sua estrutura e critérios. Robert Filliou, 'The Frozen Exhibition', Oct. 1962 - Oct. 1972, Remscheid, Alemanha (Fig. 39) 29 . 'Galerie Legitime' é uma assemblage de sete pequenos objetos: um chapéu preto, 2 caixas alaranjadas contendo 2 francos, 1 caixa plástica redonda contendo uma folha amarrotada de papel em que é datilografada a história da obra seguida pela assinatura do artista, 1 caixa branca "Hommage a Rimbaud" contendo vogais coloridas, 1 envelope branco com selo falso, 1 envelope branco com folhas de jornal. Cada peça com 26,5 cm ou menos. 30 'The Frozen Exhibition' - Quarenta e cinco pequenos gráficos contidos numa pasta confeccionada como um chapéu de duas dimensões colocado dentro de uma sacola plástica e congelado por dez anos, descongelado e aberto. A descrição da obra/exposição pelo artista está no verso do chapéu bidimensional.
  • 39. 39 Claes Oldenburg com suas instalações 'The Street' de 1960 e 'The Store' de 1961, quebrou as barreiras entre perfomance, instalação e exposição - estas obras foram local para exposição, arte ao vivo e venda de trabalho. Durante um ano de realização do trabalho 'The Store' fez anotações em um livro onde escreveu: 'I am for art that’s is political- erotical-mystical, that does something other than sit on its ass in a museum’.31 Cartaz da instalação (Fig. 40) de Claes Oldenburg: 'The Store', New York, de 1961 (Fig. 41) 'The Store', como descreve em um inventário de dezembro de 1961, continha uma lista 107 ítens que Oldenburg refere-se como ‘charged objects’ (objetos achados e transformados para exposição e arte comestível). Estes objetos eram alterados não somente pelo artista como pela participação na instalação pelo público. 31 'Eu sou para a arte o que é político-erótico-místico, que faz algo diferente que sentar seu traseiro em um museu'. Claes Oldenburg in James Putnam, “Art and Artifact - The Museum as Médium”.
  • 40. 40 Depois de fundar sua loja em 1961, Oldenburg fundou o ‘Mouse Museum’, um museu ficcional do qual se proclama diretor oficial. A forma do ‘Mouse Museum’ é baseada em uma combinação da geometrização da forma estereotipada dos ratos de desenhos animados com a forma da mais primitiva câmera de filmar. Estudo (Fig. 42) e Poster (Fig. 43) para o ‘Mouse Museum’,1972. Coleção de Claes Oldenburg e Coosje van Bruggen, New York Claes Oldenburg, ‘Mouse Museum’ Modelo para o ‘Mouse Museum’, Documenta 5, 1972. Coleção de Claes Oldenburg e Coosje van Bruggen, New York (Fig. 44)
  • 41. 41 Claes Oldenburg, ‘Mouse Museum’, 1965-77 Estrutura de alumínio corrugado e vitrines de plexiglass contendo 385 objetos Museum moderner Kunst, Stiftung Ludwig, Viena (Fig. 45) O ‘Mouse Museum’ “coleciona” três tipos de objetos: studio-objects – pequenos modelos/maquetes de trabalhos do próprio Oldenburg como fragmentos de trabalhos em construção, objetos transformados e alterados pelo artista e ‘objetos puros’, isto é objetos coletados, encontrados ou comprados, e apresentados sem qualquer alteração na sua forma. Claes Oldenburg, ‘Mouse Museum’, 1965-77 Detalhes das vitrines de objetos. Museum moderner Kunst, Stiftung Ludwig, Viena (Fig. 46)
  • 42. 42 Uma breve história do ‘Mouse Museum’ durante o período de 1965 a 1977 é relatada por Coosje van Bruggen32 . O museu foi fruto do desenvolvimento de uma idéia e confluência de fatos: Oldenburg mudou-se para um grande loft na 14th Street e First Avenue, em New York; objetos encontrados pelas ruas como, brinquedos, souveniers de viagem, armas de plástico etc. foram acumulados de estúdio em estúdio; notas em um caderno contendo planos de um ‘museu de objetos populares’ e o estímulo de uma exposição de 1966, no Institute of Contemporary Art em Boston, com objetos colecionados por artistas entitulada ‘As Found’. ....”The collection of objects is the visualization of a process in time, which represents not only Oldenburg’s working method but also his perception of American society. The world of the Mouse Museum....is populated only by objects. Human beings in this “city nature” are objectified as stereotypes (such as a “Campus Cutie”), as part of the body, or as tiny figures used to indicate scale. Within this microcosm, separated from reality by a plexiglass wall, the unaltered objects and studio objects remain in their on worlds despite the link provide by the altered objects.”....At the same time each object is isolated in space and treated in a nonhierarchical way. In its insular position it can maintain its own identity.”33 Claes Oldenburg, ‘Mouse Museum’, 1965-77 (detalhes das vitrines de objetos) Museum moderner Kunst, Stiftung Ludwig, Viena (Fig. 47) 32 Coosje van Bruggen in “The Museum as Muse - Artists Reflect”. 33 ...“A coleção de objetos é a visualização de um processo no tempo, que representa não somente o método de trabalho de Oldenburg, mas também sua percepção da sociedade americana. O mundo do Mouse Museum...é povoado somente por objetos. Os seres humanos estando nesta "natureza cidade" são objetificados como estereótipos (tais como um "Campus Cutie"), como parte do corpo, ou como figuras minúsculas usadas para indicar a escala. Dentro deste microcosmo, separado da realidade por uma parede de plexiglas, os objetos inalterados e os objetos do estúdio remanescem em seus mundos apesar da ligação fornecida pelo objetos alterados....Ao mesmo tempo onde cada objeto é isolado no espaço e tratado de maneira não hierárquica. Em sua posição insular pode manter sua própria identidade." Coosje van Bruggen in “The Museum as Muse - Artists Reflect”.
  • 43. 43 ‘Mouse Museum’ constituído por 385 objetos, é um museu exclusivamente criado para as obras de Oldenburg, e refere-se diretamente a ‘Boîte-en-valise’ de Duchamp (com exceção da característica de museu portátil). A estrutura orgânica assemelha-se a um museu real destinado a acolher obras de outros artistas. Imediatamente após sua criação, a obra vê-se absorvida por uma lógica museológica fictícia. Ao ser curador do espaço onde se produzem e expõem as suas obras, Oldenburg reúne todas as etapas de produção e recepção num mesmo ato e na mesma pessoa, não delegando nenhuma decisão e atrofiando a lógica hierarquizante do museu. Mas como a maioria das obras dos artistas da Por Art Americana depois do enorme sucesso que alcançaram, as obras de Oldenburg acabaram também ‘sit on its ass in a museum’ 34 . Daniel Spoerri apresenta uma idéia similar: criou uma mercearia que continha todo o tipo de pacotes com a estampa “Attention - work of Art”35 , onde cada item era oferecido para venda com o mesmo preço de um 'artigo genuíno', o mesmo produto vendido em qualquer loja. Daniel Spoerri, 'Eat Art Gallery', 1973 (Fig. 48) 34 “Sentando seus traseiros em um museu”. Claes Oldenburg in James Putnam, “Art and Artifact -The Museum as Médium”. 35 “Atenção – Trabalho de Arte”. Em alguns textos consta a frase "Cauttion - Work of Art" (“Cuidado – Trabalho de Arte”).
  • 44. 44 Obviamente estes trabalhos dependem de um registro na história para sua legitimação, baseado nas mesmas premissas e fundações propostas por Marcel Duchamp com seus readymades. ‘Eat-Art’ de Spoerri teve continuidade e foi resgatada em formatos mais tradicionais em outras mostras, dentre estas: “Daniel Spoerri presents Eat-art” no Aktionsforum Praterinsel em Munique em 2001, quando foi lançado o livro de mesmo título de Elisabeth Hartung, “Restaurant Spoerri” na Galerie Nationale du Jeu de Paume em Paris, em 2002 e mais uma vez “Daniel Spoerri presents Eat-art” na Galerie Fraîch’attitude, também em Paris em 2004. capa do livro “Daniel Spoerri presents Eat-art” de Elisabeth Hartung, Munich, 2001 (Fig. 49) Exposição “Daniel Spoerri presents Eat-art”, Aktionsforum Praterinsel, Munich, 2001 (Fig. 50) Daniel Spoerri, assim como Broodtrhaes, cria o seu museu fictício - 'Musée Sentimental' - um museu que continha objetos pessoais do passado do artista, uma coleção não permanente e sem sede que aconteceu em quatro diferentes formas e locais entre 1977 e 1989. O museu de Spoerri foi inspirado em um museu que conheceu em Barcelona em meados dos anos 1960, com o mesmo nome.
  • 45. 45 No ‘Musée Sentimental’ de Spoerri a hierarquia e a categorização tradicional são abolidas e história, memória, ciência e mito, são reunidos. A configuração apropria a forma museológica, mas o critério curatorial não é conformado pelo valor histórico e artístico dos objetos das várias cidades que recolheu e sim como uma tentativa de compilar um inventário do que foi significativo. Os objetos são apresentados com um modo natural de objetos de uso diário e estabelecem uma ressonância particular por associação. Para Jean-Hubert Martin, o ‘Musée Sentimental’ de Spoerri usa a forma convencional de exposição para justapor objetos cujo poder e significado comunitário é outorgado pela história e não simplesmente pela decisão individual do artista36 , apontando a intenção do uso desta forma pelo seu significado pré-estabelecido. Daniel Spoerri, 'Musée Sentimental', Kunstverein, Cologne, 1979 Nesta mostra, o museu de Spoerri continha uma vasta coleção de objetos diversos relacionados à cidade (Fig. 51) 36 Jean-Hubert Martin, 'Beyond Belief: The Museum as Metaphor' in "Visual Display: Culture Beyond Appearances".
  • 46. 46 Philippe Thomas, autor oculto de 'Readymades Belong To Everyone' não se apresenta como artista, mas como curador dos trabalhos que constituem-se em um gabinete de curiosidades com obras suas e de outros autores. O projeto de Philippe Thomas questiona o estado do criador, o museu como instituição e o papel do espectador. Thomas desloca o conceito de autoria e questiona as características associadas com a função do autor que desde o século XIX tem sido associada com autonomia, liberdade e gênio individual - o nome do autor como o sujeito criador dá lugar a uma agência que multiplica a atribuição da autoria ironizando o valor da carga autoral romântica fortemente caracterizadora da modernidade, assunto também detonado por Marcel Duchamp com seus readymades. Em 1987 Philippe Thomas transformou o espaço de Nova Iorque 'Cable Gallery' em uma agência de relações públicas com o nome de 'readymades belong to everyone ®'. O jogo consiste em emprestar sua identidade para um colecionador que compra a obra, convertendo-se em proprietário e autor da mesma, coloca em questão a idéia de autor e do valor econômico da obra de arte. Phillipe Thomas, 'Readymades Belong To Everyone', exposição retrospectiva no MACBA, Museu de arte contemporânea de Barcelona, Espanha, 2000 (Figs. 52 e 53)
  • 47. 47 Philippe Thomas propõe uma reflexão sobre os limites da História da Arte Moderna e os mecanismos do mercado de arte - sendo substituído pela figura do colecionador, o artista revela o relacionamento entre ambos, persistindo assim, em seu intercâmbio natural como uma crítica da situação especulativa que emergiu nos anos 1980 e propõe uma crítica radical tirando proveito de seus mecanismos muito próprios: valor de mercado, o domínio da mídia e a propaganda. Desta maneira ele adaptou os modos de produção da arte aos métodos da propaganda contemporânea e para as relações públicas, a propaganda entendida como um meio de apresentar um objeto para benefício comercial. Em 1988, um ramo francês da agência foi aberto: 'les ready-made appartiennent à tout le monde'. Phillipe Thomas, 'Readymades Belong To Everyone - Creative use for Leftovers' vista da instalação, CAPC, Museé d'Art Contemporain, Bordeaux, 1990 (Fig. 54) Comissionada pelo 'capcMusée d´art contemporain' em Bordeaux, a agência respondia ofertas de mostras em museus como sendo uma
  • 48. 48 instituição. Os trabalhos que Philippe Thomas produziu foram assinados com o nome de um comprador - Feux Pâles - inspirado pela novela 'Pale Fire' de Nabakov. Thomas foi mais a frente em considerar a proposta de exibição de um único trabalho de arte assinado por um código de barras e o museu como o criador. Thomas elaborava ficções em seu próprio trabalho. Philippe Thomas, detalhe da instalação Museu d´Art Contemporani de Barcelona, 2000 (Fig. 55) 'Readymades Belong To Everyone – Backstage’, MAMCO, Geneva, 1994 (Fig. 56)
  • 49. 49 "Museums, especially museums of fine art, are places where we become conscious of time. Like a preserving jar, they have the task of conserving and presenting a subject curdled with time -the artwork. But through and behind these works the artists appear, falling out of the screen of time, as it were, and become immortal." Herbert Distel 37 Herbert Distel, ‘Museum of Drawers’, 1970-77 (Fig. 57) Com ênfase no trabalho praticado pelo curador, Herbert Distel constrói o ‘Museum of Drawers’. Distel convidou artistas para contribuir com miniaturas de obras de arte. O ‘museu’ foi construído como um grande gaveteiro, feito por Ed Kienholz, continha vinte gavetas, frontalmente de vidro, compartimentadas em 25 partes. 37 "Museus, especialmente museus de arte, são lugares onde nos tornamos conscientes do tempo. Como um frasco preservando, têm a tarefa de conservar e de apresentar um assunto coagulado no tempo – a obra de arte. Mas através e atrás destes trabalhos os artistas aparecem, caindo fora da tela do tempo, como eram, e tornam-se imortais."
  • 50. 50 Em um total de 500 compartimentos estavam apresentadas obras de artistas conhecidos como Picasso a artistas totalmente obscuros com a intenção de criar uma visita miniaturizada pela história da arte. Herbert Distel, ‘Museum of Drawers’, 1970-77, detalhe gaveta número oito. Da esquerda para a direita, obras de: Paul Thenk, Larry Rivers, Richard Estes, Peter Nagel, Alfred Hrdlicka; Billy Al Bergston, On Kawara, De Wain Valentin, Mark Tobey, Moshe Gershuni; Annette Messager, Stephen Posen, Giuseppe Penone, Christian Vogt, Philip King; Manfred Mohr, Jacques Hérold, Lucio Sel Pezzo, A. R. Penck, Eugenio Miccini; Dieher Roth, John Latham, Nam June Paik, Markus Raetz, Franz Eggenschwiler. (Fig. 58) Herbert Distel, ‘Museum of Drawers’, 1970-77, detalhes (Fig. 59 e 60)
  • 51. 51 Podemos reconhecer também o museu pensado como um espaço para 'construção do saber', um instrumento para aprendizagem, diálogo e pensamento crítico ou, um museu/universidade como proposto por Joseph Beuys: “...the museum will no longer be a museum, but a university. And that's what I want. I want to make museums into universities, with a department for objects”...”our concept of art must be universal and have the interdisciplinary nature of the university, and there must be a university department with a new concept of art and science”. 38 Com esta proposta, podemos dizer que Beuys elege o museu como o local ideal e potencial de processos criativos. A imaginação como instrumento de elaboração da realidade, pertence ao universo lúdico que se mostra como um jogo sem regras. Uma nova realidade elaborada pelo artista (ou pelo museu), passa a ter características que lhe são próprias e que contém suas próprias leis. Apresentei neste capítulo apenas alguns artistas, das primeiras gerações do século XX, que figuram o museu como protagonista, evidenciando seu conceito e forma, dentre muitos que poderíamos citar estão: Kurt Schwitters e seu Merzbau, Joseph Cornell, O grupo Fluxus, Lothar Baumgarten, Yves Klein, Hans Haacke e Daniel Buren. Todos os assuntos relacionados ao conceito e à dinâmica do museu são mais ou menos pertinentes no processo criativo e/ou na poética destes artistas; de uma maneira ou de outra, como personagem ou contexto deste processo, o museu está presente. 38 "... o museu não será mais por muito tempo um museu, mas uma universidade. E é o que eu quero. Eu quero transformar museus em universidades, com um departamento para objetos"... “nosso conceito de arte deve ser universal e ter a natureza interdisciplinar da universidade, e deve haver um departamento na universidade com um novo conceito de arte e ciência ". Joseph Beuys - Interview with Frans Haks, December 17, 1975, Düsseldorf, Drakeplatz 4, ‘Museum. The Modern Art Museum at Issue’ in Christian Kravagna, "Museum as Arena - Institution-critical, Statements by Artists".
  • 52. 52 O artista contemporâneo e o museu. Um aspecto da arte contemporânea, devido às transformações históricas que ocorrem com muita rapidez, é o da possibilidade do artista, auxiliado pelo desenvolvimento da crítica científica, compreender sua obra em relação com a sociedade em que ele vive e atua. Outro aspecto é marcado por novas formas de produção artística, como resultado das possibilidades abertas com a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Sem lugar para a crença na imortalidade e originalidade da obra, no dom criador e no gênio artístico - com as técnicas modernas de reprodução a mesma obra alcança milhares de pessoas. "A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos colocar em seu centro a obra original" 39 Com as condições apresentadas pela sociedade industrial, a possibilidade da reprodução da obra de arte modifica sua natureza abrindo novas possibilidades de criação, ao mesmo tempo em que estabelece limites. Assim, forma e conteúdo estão associados de maneira bastante coesa. O avanço das técnicas industriais não serve somente para a reprodução de um valor artístico estabelecido, mas permite o desenvolvimento de novos conceitos para ‘o fazer’ da arte. O artista, assim como a Arte, renunciou de sua auto-imagem ilusória de uma força revolucionária fora do contrato social e assumiu uma posição crítica e uma consciência plena de que é parte da estrutura da crítica. 39 Walter Benjamin, ‘A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica’ in "Textos Escolhidos - Magia e Técnica - Arte e Política".
  • 53. 53 O artista auto gerencia sua obra - é um artista-empresa, um artista- instituição - desde as instâncias de produtor, administrador, divulgador, educador, captador de recursos e muitas vezes também patrocinador de sua produção - o artista-etc como colocou Ricardo Basbaum que incorpora o artista como produtor de Walter Benjamin40 , é prática corrente na atualidade. O ensaio de Bryan O’Doherty, “Inside the White Cube - The Ideology of the Gallery Space”, publicado inicialmente como um artigo na revista Artforum em 1976 e posteriormente em edição expandida pela Universidade da California e, recentemente publicado no Brasil com o título "No Interior do Cubo Branco - A Ideologia do Espaço de Arte", explicita a crise do “espaço da obra de arte”, quando procura examinar as premissas nas quais, a galeria moderna e o museu foram baseadas, com um relacionamento complexo entre a economia, o contexto social, e o estético. O ensaio levanta a pergunta de como os artistas devem interpretar seu trabalho com relação ao espaço e ao sistema da galeria/museu. A partir do momento em que o artista e seu processo de criação estão mais presentes no museu irá provocar outras percepções perante este espaço de institucionalização da arte e conseqüentemente críticas contundentes. A idéia do artista como produtor está diretamente relacionada com a concepção moderna de sociedade industrial de relacionamento político e social. Benjamin aproxima a noção de arte à de prática cultural ideológica, politizar a arte não é criar uma obra de tendência, mas descobrir e refletir sobre sua posição no processo de produção capitalista. 40 Walter Benjamin, ‘O autor como Produtor’, conferência proferida em Paris, 27 de abril de 1934 in Flávio R. Kothe (trad. e org.), "Walter Benjamin".
  • 54. 54 Pierre Bourdieu chamou atenção para a noção de arte como prática social. Apresenta o processo de legitimação de uma obra de arte como um campo de forças políticas mediadoras, formado por escolas, academias, clubes, editores, jornalistas e críticos literários. Essa rede de legitimação interfere na obra desde o instante da criação até a sua recepção, ela não pode mais ser analisada sem levarmos em conta os determinantes históricos e políticos de seu entorno41 . Obras de arte carregam tanto valores simbólicos como econômicos. A estes conceitos é somada a reflexão de Brian O'Doherty sobre o espaço de apresentação da obra de arte, pois não mais podemos considerar a arte como forma pura, desconsiderando contextos e significados mais amplos. O significado de uma obra não é inerente à obra, não está centrado em seus objetos permanentes, é resultado de um status que ocupa em relação a um determinado sistema de valores e representações. Conscientes do papel que desempenham neste sistema de produção cultural e da arte como prática cultural e social (e diferentemente da posição e desejo mais rebeldes dos artistas da década de 1970 de 'sair fora do museu', apesar que nunca tenham realmente saído) podemos reconhecer alguns artistas contemporâneos que, sem perda na qualidade poética de sua obra, uniram-se a ele - o Museu - e usufruem de sua estrutura e significado para questioná-lo, apropriando-se ou aplicando os princípios museológicos em seus trabalhos de forma crítica. Conseqüentemente estes artistas tornaram-se interessados também em explorar a amplitude da estrutura institucional do museu e o papel do museu na construção da cultura. 41 Pierre Bordieu in "As Regras da Arte".
  • 55. 55 Algumas obras que provocam reflexões sobre o museu freqüentemente adotam a forma crítica apropriando-se da linguagem museográfica ou por meio de experimentos indagadores, que em alguns casos tem ajudado a redefinir o papel e a direção do museu. Vários destes artistas contemporâneos trabalharam e/ou trabalham dentro da estrutura do museu, como Andréa Fraser, Fred Wilson e Pablo Helguera, reconhecem suas falhas e contradições, porém reconhecem também o fascínio que ele provoca sem nenhuma ingenuidade, que não tem lugar na arte contemporânea e, conscientes deste sentimento dialético que o museu suscita, tem como tema central de sua poética este paradoxo que é o museu como paradigma. ...."Being critical may also be just another way to love these museums. That contradiction is what I try to explore through my production of art work. I don't lose sleep over the fact that the contradiction may be irresolvable. Work should be a pleasure." 42 A forma de classificação e de apresentação das coleções dos museus carrega uma qualidade estética que estabelecem paralelos e influências na prática da arte contemporânea, tanto estética como conceitualmente, de forma direta ou subliminar. Alguns artistas contemporâneos, como Mark Dion e David Wilson, evidenciam estas questões não somente em algumas atitudes ou obras, mas construindo sua poética a partir dos conteúdos propostos dos museus, apresentando algumas preocupações vitais, como o status do criador, do objeto de arte, do museu como instituição, e da função do espectador. Os artistas exploram tudo: a estrutura teórica e conceitual da instituição, sua ética e prática financeira e política interna; investigam também os métodos utilizados pelos museus para 42 ...."Sendo crítico pode ser também apenas uma outra maneira de amar estes museus. Essa contradição é o que tento explorar com minha produção de arte. Eu não perco o sono pelo fato da contradição poder ser insolúvel. O trabalho deve ser um prazer." Mark Dion in "Museum as Muse - Artists Reflect".
  • 56. 56 a apresentação de uma visão histórica e cultural “oficial” - a potencialidade evocada pela forma como os objetos são expostos pode ser equivalente a uma autenticidade histórica. No relacionamento com materiais históricos, museus freqüentemente tentam regularizar certas idéias, construindo opiniões que são altamente discutíveis para mostrar uma suposta realidade. Como resultado, artistas e teóricos têm procurado intervir nestas estruturas museológicas, desafiando ou provocando seus fundamentos e presunções político-sócio-econômicos e produzindo um tipo de ‘espaço escorregadio’ que aponta para a ambivalência da qualidade das verdades ‘científicas’ que os museus aspiram. James Putman aponta esta tendência na arte contemporânea marcada pelo uso de museus tradicionais como locais para intervenções de artistas. Alguns destes projetos acontecem em museus que não são especificamente de arte e são pouco conhecidos no circuito artístico. Estes projetos, dentre outros, são apresentados no livro publicado em 2001: "Art and Artifact - Museum as Medium”. "What is the most intriguing is the way in which the museum concept has developed into an expression of multiple commitments and roles, which have in turn become increasingly conflicting and ambiguous. Although the nineteenth-century encyclopedic approach represents the very antithesis of methods of display in the modern art museum, the two types are the fact connected, not merely through the process of museological evolution but also because, many contemporary artists have been inspired by the wider notion of museum which such places embody - that is to say as an institution, an idea and a practice."43 43 "O que é o mais intrigante é a maneira em que o conceito do museu se tornou uma expressão dos múltiplos compromissos e papéis, que por sua vez se tornaram cada vez mais conflitantes e ambíguos. Embora a aproximação enciclopédica do século dezenove represente a grande antítese dos métodos da exposição no museu de arte moderna, os dois tipos são de fato conectados, não meramente com o processo da evolução museológica mas também porque, muitos artistas contemporâneos foram inspirados pela noção mais ampla do museu como estes lugares personificados - quer dizer como uma instituição, uma idéia e uma prática".
  • 57. 57 Putman aponta que para presenciar este fenômeno é preciso compartimentá-lo em sistemas de classificação, um processo que ironicamente alude às próprias necessidades dos museus de sistemas ordenatórios e propõem certas categorias onde estes artistas estão inseridos. Para examinar a relação entre artistas e museus um ponto de partida natural é o “Gabinete de Curiosidades” 44 , nome dado na Europa a partir dos séculos XVI ao XVIII (naturalia, artificialia e mirabilia) aos primeiros depositários de toda a espécie de objetos colecionados na tentativa de uma maior compreensão da natureza e do homem. No “Gabinete de Curiosidades” a natureza universal torna-se privada. ‘Museum Wormianum’, Copenhagen, 1655 (Fig. 61) 44 “Gabinete de Curiosidades” é o nome dado aos primeiros depositários de toda a espécie de objetos colecionados na tentativa de uma maior compreensão da natureza e do homem. Existiu na Europa a partir do séculos XVI ao XVIII (naturalia, artificialia e mirabilia).
  • 58. 58 Este ancestral do museu possuía uma qualidade especial de imaginação criativa, uma busca para explorar o racional e o irracional e com uma excêntrica liberdade de arranjo. Os artistas ao confrontarem-se com este aspecto miraculoso do 'gabinete de curiosidades', com a falta de classificação racional e com este senso bizarro de acumulação e justaposição, reconhece neste conceito uma atração estética contagiante. O artista por natureza é um colecionista, os ateliês geralmente são repletos de objetos e imagens de todas as procedências e qualidades, um universo de referência visual e poética construído pelo desejo primal de colecionar, porém com um caráter distinto do colecionador em geral, pois está ligado ao processo criativo e motivado pelo interesse e desejo instintivo em reconhecer o relacionamento de um objeto a um outro ou, de acordo com Walter Benjamin, colecionar como uma forma de memória. ‘Museum Francesco Calceolari’, Verona, 1622 (Fig. 62)
  • 59. 59 “Every passion borders on the chaotic, but the collectors passion borders the chaos of memorie”. David Wilson45 Os gabinetes de curiosidade freqüentemente são 'invocados' por artistas e o renascimento deste interesse acompanha os discursos atuais sobre a retórica e a natureza dos museus, e o poder e ordens de conhecimento que eles representam. Este papel propõe que o gabinete de curiosidades, o assim chamado ‘irracional’ gabinete, seja um modelo apropriado para os artistas para a representação da cultura material visual com liberdade plena de interpretações. Como tal, pode operar como uma metonímia da idéia de ordenações incompatíveis de conhecimento, o que nos faz cientes da natureza discursiva do museu. ‘Ferrante Imperato Museum’, Nápoles, 1599 (Fig. 63) 45 “Toda paixão está a beira do caos, mas a paixão do colecionador limita o caos da memória”. 'David Wilson in Lawrence Welchler, “Mr. Wilson's Cabinet of Wonder”.
  • 60. 60 Também conhecido como Wunderkammer, o gabinete de curiosidades possuía a característica de um local privado e de devoção especialmente criado com uma profunda crença que a natureza estava ligada com a arte e a forma não científica destes colecionadores pré-Iluministas de alguma forma contribuiu com a difusão de seus conteúdos e com o nascimento do museu que conhecemos hoje. Estas coleções eram dispostas em vitrines e compartimentos organizados com o intuito de inspirar o desejo de saber e estimular o pensamento criativo. Continham objetos naturais exóticos que cruzaram as barreiras racionais de animais, vegetais e minerais, como fósseis, formações de corais e criaturas compostas, como o basilisco (réptil lendário de oito pernas em forma de serpente) e o tritão (deus marinho mitológico). A vitrine era originalmente adotada pelas igrejas para preservar e venerar as relíquias dos santos - uma prática que ajuda a aumentar a presença forte do sacro e sagrado. Isso incorpora uma estética particular de mostra que tem uma habilidade singular de transformar magicamente o mais humilde objeto em algo especial, único e geralmente mais atraente ou fascinante. Relíquias de Santa Restitude de Calinzana, Córsega, e de seus companneiros: Veranus, Dominisius, Parthée, Prathénopée e Pargoire (Fig. 64) e o patriarca ecumênico Bartholomew, líder da igreja Cristã Ortodoxa admirando as relíquias dos Santos Gregory Nazianzen e John Chrysostom, preservadas em vitrines na Igreja Aya Gorgi antes de retornarem a Istanbul em Novembro de 2004 (Fig. 65)
  • 61. 61 O uso da vitrine na ciência e na medicina é aliado à necessidade de manter um espécime de uma forma visível, detido em seu estado de existência. A prática dos museus de exposições de taxidermia (empalhamento de animais) ilustra o desejo de suspender o tempo, impedindo o processo de decomposição. É uma visão mais 'confortável', com uma distância voyerista sem o contato direto de uma dissecação de anatomia. Damien Hirst, ‘The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living’ Exposição “Sensation”, Royal Academy, London, 1997 (Fig. 66) Damien Hirst, ‘The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living’ Exposição “Sensation”, Royal Academy, London, 1997 (Fig. 67)
  • 62. 62 A associação da vitrine pode ser percebida, tanto na ciência como na Igreja como este contentor de materiais, o uso da vitrine para conter seus trabalhos é uma das estratégias de exposição utilizadas pelos artistas desde o final dos anos 1960 e um grande número de artistas têm exibido pessoas vivas ou eles mesmos em vitrines como parte desta trama da fascinação e de suas explorações da natureza dos materiais ou do corpo. Uma vez colocado em uma vitrine, um objeto é percebido em um modo completamente diferente pelo espectador, comparado ao qual quando é visto em seu contexto original. A vitrine do museu divide com a vitrine das lojas o poder de atrair a atenção de quem passa ao seu lado. Tim Ulrichs, ‘The First Living Work of Art’, Jeff Koons, 1961 (Fig. 68) ‘New Shelton Wet/Dry Tripledecker’, 1981 (Fig. 69) O "Gabinete de Curiosidades" também adota a noção de que o mundo existe para ser contido em uma sala, um ambiente pessoal pré- programado - processo paralelo pode ser percebido no modo como alguns artistas criam e orquestram seus próprios espaços estéticos, isolados do mundo externo, assim como também são os 'white cubes'.
  • 63. 63 As ações/obras de Mark Dion O artista contemporâneo Mark Dion apropria-se do modus operandi do museu na construção de sua poética e elabora estratégias para o questionamento sobre a representação dos objetos na cultura apoiado no conceito de "Gabinete de Curiosidades". Mark Dion, ‘Curiosity Cabinet for the Wexner Center for the Arts’, 1996 (Fig. 70)
  • 64. 64 O objeto (em alguns casos também o local) eleito por Dion para a exploração de tais estratégias e técnicas é o museu de história natural. Local este, onde objetos incompatíveis estão dispostos juntos para competir a atenção e estabelecer um conhecimento da natureza por meio dos objetos apresentados, os museus de história natural não diferem muito de sua origem - os gabinetes de curiosidades. Dion é ao mesmo tempo fascinado como crítico aos sistemas de classificação dos cientistas e enciclopedistas do século XVIII, nas tentativas de sistematizar o caos da natureza e construir um todo homogêneo. Suas 'coleções de curiosidades', provocam questionamentos aos métodos que os museus normalmente classificam e apresentam objetos constituindo seus significados. Mark Dion e o time de voluntários perto da Tate Gallery em Londres fazendo escavações para a instalação ‘Tate Thames Digs’ (Fig. 71) Mark Dion, ‘Tate Thames Digs’, Tate Gallery, Londres, 1999-2000. Detalhe (Fig. 72)
  • 65. 65 Um dos primeiros estímulos para Mark Dion partiu de conversas com Gregg Bordowitz sobre a arte e suas possibilidades, paralelamente ao interesse em debates sobre documentários - o comprometimento e as problemáticas de contar a 'verdade' (da mesma forma como os museus se propõem). Desenvolvia seu trabalho artístico e paralelamente estudava ciências naturais e colecionava insetos e curiosidades. ..."I began reading a lot of nature writing and scientific journalism that I stumbled onto Stephen Jay Gould, who opened up a huge window for me. Here was someone apllying the same critical criterion implicit in the art I aspired to make - wich can loosely be discrebed as Foulcautian - to problems in the reception of evolucionary biology. it became very clear to me that nature is one of the most sophisticated arenas for the production of ideology. Once I realized that, the wall between my two worlds dissolved."46 Mark Dion, ‘Collectors Collected’, Reina Sofia, Madri, 1994 (Fig. 73) 46 ...”Eu comecei a ler tanto sobre estudos da natureza e jornalismo científico que tropecei em Stephen Jay Gould, quem abriu uma janela enorme para mim. Estava ali alguém aplicando o mesmo critério crítico implícito na arte que eu aspirava fazer - o que pode ser frouxamente descrito como ‘Foulcautiano’ - aos problemas na recepção da biologia evolucionária. Isso tornou muito claro para mim que a natureza é uma das arenas mais sofisticadas para a produção de ideologia. Assim que percebi isto, a parede entre meus dois mundos dissolveu-se." Mark Dion in Grazione Corrin, Liza et alli, 'Mark Dion'.
  • 66. 66 Mark Dion refere-se às ciências naturais em seu trabalho para apontar como nossas idéias sobre a natureza são determinadas pela ciência e ideologia. Como um explorador que viaja pelas florestas do Amazonas e América Central, percebe que os interesses políticos e econômicos freqüentemente são antagônicos: o progresso econômico raramente se preocupa diretamente com o progresso do meio ambiente ou da natureza. Mark Dion, ‘The Project for the Antwerp Zoo and The Library for the Birds of Antewerp’, Antewerp Zoo, 1993 (Fig. 74 e 75)
  • 67. 67 Dion não é um artista de fácil compreensão. Seu trabalho não apresenta imediatamente uma série de objetos estéticos semelhantes. Dion utiliza meios heterogêneos e diferentes: o trabalho pode ser tanto uma entrevista com o artista sobre uma árvore descascada na selva, como uma coleção de doces teddybear, ou uma revista, uma instalação de lixo. Mark Dion e assistente, ‘The Great Munich Bug Hunt’, 1993 (Fig. 76) Como ornitologista, projetou uma barraca para observar pássaros para o mostra 'Insite' em San Diego e em 1997, como bioquímico, deu uma aula de anatomia - 'Theatrum Anatomicum' - uma demonstração da dissecação de um bode que aconteceu no local onde Rembrandt realizou sua pintura "Lição de Anatomia de Dr. Tulp". O video desta performance foi apresentado no pavilhão De Verbeelding. Mark Dion com ‘The Chicago Urban Action Group’, para o trabalhoo ‘Culture in action, Sculpture Chicago’, 1993 (Fig. 77 e 78)
  • 68. 68 Dion acrescenta humor e ironia em suas apresentações, que podem ser ouvidas como uma nota crítica em termos de como lidamos com a natureza. Mark Dion, ‘Daily Planet, from “Frankstein in the Age of Biotechnology”’ (jornal de 4 páginas), 1991 (Fig. 79)
  • 69. 69 Mark Dion é um destes artistas etc e também artista/aeroporto, realiza seu trabalho em diferentes locais do mundo, voa de exposição a exposição, de museu a museu. A segunda de quarto semanas de viagem ao Rio Orinoco na Venezuela coletando material para ‘On Tropical Nature’, 1991 (Fig. 80) Mark Dion coletando material para ‘On Tropical Nature’, na montanha Atunua, divisa do Amazonas com Venezuela, 1991 (Fig. 81) Dion joga com o papel do arqueólogo para os quais ordem e hierarquia são importantes. Mark Dion e assistente, ‘The Great Munich Bug Hunt’, 1993 (Fig. 82)
  • 70. 70 Fez coletas em uma floresta tropical da Venezuela divisa com o Amazonas e recolheu peixes em Nova York. Mark Dion, ‘On Tropical Nature’, 1991 (Fig. 83) Mark Dion, ‘’The Department of Marine Animal Identification of the City of New York (Chinatown Division)’, 1992 (Fig. 84) Para a Bienal de Veneza de 1997, Dion elaborou um trabalho que exemplifica sua prática. Quando as águas dos lagos e canais da cidade estavam baixas, ou completamente secos - expondo o famoso odor das fundações da cidade, 'colecionou' o que permanecia nestes locais. Dion foi recolhendo tudo que encontrou neste lixo, limpou e organizou seus achados. Dragou aproximadamente três metros cúbicos de lixo do canal, analisou e categorizou tudo que achou.
  • 71. 71 O resultado foi um lugar cheio de todos os tipos de potes de vidro, cerâmicas, pedaços de ferro, ossos, botões, pregos etc, com a aparência de uma coleção arqueológica. Imagens da coleta de materiais da escavação (Fig. 85) Analogamente ao procedimento e métodos de um arqueólogo, descreveu a origem destes pedaços achados - país, ano, material e pormenores específicos. Colocou os que eram mais ou menos do mesmo tamanho próximo um ao outro em vitrines, formando grupos de 10 em 10 cm de diferença aproximadamente. As partes desta coleção - um boné velho da Coca Cola ao lado de um prato do século XVII e botões de ametista, configurou-se em uma harmonia surpreendente. Mark Dion é um artista empenhado em fazer arte para fazer declarações sobre nossa realidade, uma realidade que parece, em grande extensão, determinada pelas forças da economia e da política. Não faz nenhum sentido tentar definir seu ponto de vista sob conceitos de esquerda ou direita. Dion ocupa uma posição crítica que distancia-se disto. Assim como ele remove o barro e revela seus tesouros, investiga realidade a fim de penetrar em camadas mais profundas.
  • 72. 72 Enquanto Dion estava ocupado com seu trabalho em Veneza, despertou as suspeitas da polícia veneziana. De acordo com leis italianas do período fascista é proibido remover objetos achados ilegalmente na água ou na terra. Alguns objetos que ele tinha encontrado eram valiosos, e o trabalho de Dion foi confiscado. Etiquetas com a frase “propriedade do estado italiano” foram coladas sobre as caixas. Não foi permitido mostrar o trabalho na Bienal. Emi Fontana, diretor da Galeria Fontana em Milão, foi chamado para ajudar na mediação. Finalmente entendeu-se que era um projeto de arte e com sua própria qualidade inerente foi considerado um projeto excelente. Uma das vitrines foi doada ao estado italiano. Mark Dion, ‘Extinction Series: Black Rino with Head’, 1989 (Fig. 86) Observando estes fragmentos não é fácil fazer um julgamento crítico da parte (o específico trabalho) ao total (o corpo inteiro do projeto). Cada trabalho, a cada momento, é um trabalho novo resultando em uma colagem que para cada observador constitui um discurso - Mark Dion para um será diferente de Mark Dion para outros. Isto pode ser propositalmente provocado como uma metáfora do museu - para
  • 73. 73 cada observador resulta uma experiência e significado específico e único, cada um constrói a sua realidade ('história') a partir de suas percepções particulares a partir da observação dos fragmentos. "Definir é matar; sugerir é criar." Mallarmé Mark Dion, ‘The N.Y. State Bureau of Tropical Conservation’, 1992 (Fig. 87)
  • 74. 74 "O museu é um confronto de metamorfoses". André Malraux A heterogeneidade e a totalidade enciclopédica é o museu. O museu e a biblioteca foram as heterotopias acumulativas do tempo típicas da cultura ocidental do século XIX, segundo Foucault, estes arquivos- enciclopédias correspondiam a uma idéia próxima de uma totalidade arqueológica, fechando num só lugar todos os tempos, épocas, formas e gostos, através da construção de um lugar de todos os tempos fora do tempo.47 Douglas Crimp coloca que “a história da museologia é uma história de todas as várias tentativas de negar a heterogeneidade do museu, reduzi-lo a um sistema homogêneo ou a uma série”. 48 Lothar Baumgarten, ‘Unsettled Objects, 1968-69’, Pitt Rivers Museum, Oxford (Fig. 88) 47 Michel Foucault in “De Outros Espaços”, conferência proferida no Cercle d'Études Architecturales, 1967. Trad. Pedro Moura. www.virose.pt/vector/periferia/foucault_pt.html 48 Douglas Crimp in “On the Museum's Ruins”.
  • 75. 75 A partir da premissa de que o museu é apoiado por sua capacidade de homogeneizar elementos heterogêneos num todo coerente, Eugenio Donato defende que o museu é uma ficção: "The set of objects the Museum displays is sustained only by the fiction that they somehow constitute a coherent representational universe. The fiction is that a repeated metonymic displacement of fragment for totality, object to label, series of objects to series of labels, can still produce a representation which is somehow adequate to a nonlinguistic universe. Such a fiction is the result of an uncritical belief in the notion that ordering and classifying, that is to say, the spatial juxtaposition of fragments, can produce a representational understanding of the world. Should the fiction disappear, there is nothing left of the Museum but "bric-a-brac," a heap of meaningless and valueless fragments of objects which are incapable of substituting themselves either metonymically for the original objects or metaphorically for their representations."(...) (…)"The museum' project is doomed from the start because representation within the concept of the museum is intrinsically impossible. The museum can only display objects metonymically at least twice removed from that which they are originally supposed to represent or signify. The objects displayed as a series are of necessity only part of the totality to which they originally belonged. Spatially and temporally detached from their origin and function, they signify only by arbitrary and derived associations. The series in which the individual pieces and fragments are displayed is also arbitrary and incapable of investing the particular object with anything but irrelevant fabulations."49 49 "O conjunto dos objetos nos displays do museu é sustentado somente pela ficção que de algum modo constitui um universo representacional coerente. A ficção está no deslocamento metonímico repetido do fragmento da totalidade, objeto a etiquetar, série de objetos para séries das etiquetas, pode ainda produzir uma representação que seja de algum modo adequada a um universo não lingüístico. Tal ficção é o resultado de uma opinião acrítica na noção que ordenando e classificando, quer dizer, a justaposição espacial dos fragmentos, pode produzir uma compreensão representacional do mundo. Se a ficção desaparecer, não há nada no museu além do "bric-a-brac", um montão de fragmentos sem sentido e objetos sem valor que são incapazes de substituir eles mesmos nem metonimicamente para objetos originais ou metaforicamente para suas representações." ... O projeto do museu é condenado desde o início porque representação dentro do conceito do museu é intrinsecamente impossível. O museu pode somente indicar os objetos metonimicamente removidos pelo menos duas vezes daquele que são supostos originalmente para representar ou significar. Os objetos exibidos como uma série são necessariamente apenas parte da totalidade a qual pertenceram originalmente. Destacado espacialmente e temporalmente de sua origem e função, significam somente por associações deduzidas e arbitrárias. As séries que expõem peças individuais e fragmentos, também são arbitrárias e incapazes de investir no objeto particular com qualquer coisa além de fabulações irrelevantes." Eugenio Donato, 'The Museum's Furnace: Notes Toward a Contextual Reading of Bouvard and Pécuchet' in “Textual Strategies: Perspective in Post- Structuralist Criticims”.
  • 76. 76 David Wilson e ‘The Museum of Jurassic Technology’ O museu é uma ficção? A ficção do museu estará na forma de sacralização dos objetos? Estará na ilusão de que a parte possa representar o todo? O museu pode constituir um todo coerente em um só lugar, todos os tempos, todas as épocas, todas as formas? O museu é um lugar de todos os tempos que nos coloca fora do tempo? Provavelmente todas estas questões inspiraram David Wilson para a criação de ‘The Museum of Jurassic Technology’. Visitar ‘The Museum of Jurassic Technology’ ou navegar em seu referido site - www.mjt.org - provoca sensações de reconhecimento e de estranhamento simultaneamente, ficção e realidade são equivalentes50 . David Wilson na entrada de ‘The Museum of Jurassic Technology’ (Fig. 89) Este museu fictício criado pelo artista David Wilson ‘The Museum of Jurassic Technology’ está presente nos roteiros de visitas turísticas em Los Angeles, nos Estados Unidos da América. 50 "Um site sugestivo sobre a civilização humana que reúne muitos achados provenientes do mundo todo" - esta é a descrição do MJT como uma sugestão para acesso de links do site www.marmoresitalianos.com.br/bonassa_italia_museus.html
  • 77. 77 "The city of Santa Monica is located on Santa Monica Bay, an inlet of the Pacific Ocean. Incorporated in 1886, it was and is both a seaside resort and a residential city well-known for its shopping districts, parks, and beaches. Many art galleries, artists’ studios, bookstores, and acclaimed restaurants are located within the city. Our tour begins with a stop at the Museum of Jurassic Technology located in a modest building in an unlikely neighborhood on Venice Boulevard. Subject of a Pulitzer Prize-winning book by Lawrence Weschler (Mr. Wilson’s Cabinet of Wonder, New York: Vintage, 1996), visitors expecting dinosaurs will instead be confronted with a quirky display devoted to the radar-equipped Deprong Mori bat, a horn that grew from a woman’s head, miniature dioramas of RV parks, and many other arcane artifacts. It is simultaneously a critique of, and a paean to museums, the founder is former movie miniaturist David Wilson."51 localização ‘The Museum of Jurassic Technology’ em Los Angeles, CA, USA (Fig. 90) Fachada ‘The Museum of Jurassic Technology’ (Fig. 91) 51 "A cidade de Santa Monica é situada na baía de Santa Monica, uma entrada do oceano pacífico. Incorporada em 1886, era e é um resort ao lado do mar e uma cidade residencial bem conhecida por suas áreas de comércio, parques e praias. Muitas galerias de arte, estúdios de artistas, livrarias e restaurantes aclamados estão localizados na cidade. “Nossa excursão começa com uma parada no Museum of Jurassic Technology situado em um edifício modesto em uma vizinhança improvável no Venice Boulevard. Assunto de um livro de Lawrence Weschler, ganhador do Prêmio Pulitzer (Mr. Wilson’s Cabinet of Wonder, New York: Vintage, 1996), visitantes que esperam dinossauros, em vez disso, serão confrontados com uma exposição ardilosa devotada ao equipado radar do morcego Deprong Mori, um chifre que cresceu na cabeça de uma mulher, dioramas miniatura de parques RV, e muitos outros artefatos arcaicos. É simultaneamente uma crítica e um elogio aos museus, o fundador é, o anteriormente miniaturista de cinema, David Wilson." http://arlis2001.ucsd.edu/schedule/tours/10.html
  • 78. 78 Similarmente a Philippe Thomas, David Wilson não se apresenta como artista ou autor e sim como o diretor do museu onde investe desde a abertura em 1996 e assim, semelhante ao museu, David Wilson também é um paradigma/paradoxo. Não está disposto a discutir a veracidade ou não do museu: "Some people have asked us if this is a joke, and that's galling. We're enormously sincere about what we're doing."52 O museu também possui uma loja onde você poderá adquirir objetos de marca ‘The Museum of Jurassic Technology’, como camisetas, ‘optical devices’ e publicações associadas ao “Society for the Diffusion of Useful Information”, e contar com descontos caso associar-se como membro do museu. Wilson excluindo-se da autonomia do museu, sempre expressa em termos de nós: ‘nossa meta’, ‘nossos interesses’, ‘estamos planejando para a próxima exposição’... “The Museum of Jurassic Technology in Los Angeles, California is an educational institution dedicated to the advancement of knowledge and the public appreciation of the Lower Jurassic.”53 O uso de 'tecnologia' no nome do museu refere-se 'às tecnologias de exposição' e 'Jurassic' como uma homenagem a uma doação prévia ao museu constituída em grande parte de fósseis. Um dos fósseis doados para o museu (Fig. 92) 52 "algumas pessoas têm-nos perguntado se isto é uma piada, e isso está irritando. Nós somos enormemente sinceros sobre o que estamos fazendo". declaração de David Wilson na entrevista com Lawrence Wechsler, “Mr. Wilson's Cabinet of Wonder”. 53 “The Museum of Jurassic Technology em Los Angeles, Califórnia é uma instituição educacional dedicada ao avanço do conhecimento e da apreciação pública do Baixo Jurássico”. Apresentação do museu no site www.mjt.org
  • 79. 79 Like a coat of two colors, the Museum serves dual functions. On the one hand the Museum provides the academic community with a specialized repository of relics and artifacts from the Lower Jurassic, with an emphasis on those that demonstrate unusual or curious technological qualities. On the other hand the Museum serves the general public by providing the visitor a hands-on experience of "life in the Jurassic".... ...The public museum as understood today, is a collection of specimens and other objects of interest to the scholar, the man of science as well as the more casual visitor, arranged and displayed in accordance with the scientific method. In its original sense, the term "museum" meant a spot dedicated to the muses- "a place where man's mind could attain a mood of aloofness above everyday affairs." 54 Wilson diz que utiliza a linguagem museográfica porque é capaz de apresentar as coisas que são negligenciadas pelas vias oficiais da cultura e a potencialidade evocada pela forma como os objetos são expostos pode ser equivalente a uma autenticidade histórica. Logotipo do MJT (Fig. 93) 54 Como um casaco de duas cores, o museu serve a funções duplas. Em uma mão o museu fornece a comunidade acadêmica um repositório especializado de relíquias e artefatos do Baixo Jurássico, com uma ênfase naqueles que demonstram qualidades tecnológicas incomuns ou curiosas. Na outra mão o museu serve ao público geral fornecendo ao visitante uma experiência interativa da "vida no Jurássico".... ... O museu público como compreendido hoje, é uma coleção de espécimes e outros objetos de interesse do estudante, do homem da ciência assim como do visitante mais ocasional, organizada e exibida de acordo com o método científico. Em seu sentido original, o termo "museu" significou um ponto dedicado às musas - "um lugar onde a mente do homem poderia alcançar um estado distante física ou emocionalmente, acima dos casos diários." Continuação da apresentação www.mjt.org
  • 80. 80 Wilson em seu museu também recorre à idéia do gabinete de curiosidades, incorpora elementos de associações livres onde a mente pode vagar de acordo com a sua vontade, porém acrescenta um dado didático ao incluir textos explicativos relacionados às 'teorias' e aos objetos na forma dos atuais museus de ciências e história natural. Detalhes de vitrines de exposições, ‘The Museum of Jurassic Technology’ (Figs. 94 e 95) Objeto da exposição no MJT de Hagop Sandaldjian, ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ sobre a cabeça de uma agulha de costura (Fig. 96)