Open Design: compartilhamento de idéias e produção colaborativa
1. Open Design
Heloisa Neves a (heloisaneves@usp.br); Dorival Rossi b (bauruhaus@yahoo.com.br)
a
Open Lab, Universidade de São Paulo, SP – BRASIL
b
Open Lab, Universidade Estadual Paulista, SP – BRASIL
Resumo
O presente artigo discorre a respeito do Open Design, uma possibilidade de criação, produção e
distribuição de produtos de design realizados através de co-criação de idéias, permitindo a livre
distribuição, modificação e derivação da mesma, inserindo o design dentro da crescente realidade de
troca e compartilhamento por que vem passando o mundo atual. Verifica-se através da história que o
cerne do conceito é recorrente e antigo e que se mostra relacionado com processos de inovação em
diversas áreas. No entanto, é incontestável que o Open Design foi influenciado pela revolução da
informação e comunicação e teve possibilidades de existir graças ao surgimento de máquinas de
produção digitais. Especificamente no campo do design a grande alteração é no compartilhamento do
próprio processo criativo e na possibilidade de produção local e customizada. O objetivo deste artigo é
pensar sobre este processo aberto aplicado ao design ao mesmo tempo em que ele acontece, buscando
assim uma união entre academia e mundo profissional. Por fim, apresenta dois experimentos que
possibilitam uma tentativa de visualização prática do conceito através do compartilhamento de
informação, produção personalizada e local.
Palavras-chave: open design, colaboração, compartilhamento, inovação, open source
1 Introdução
O conceito de Open Design é antigo e evoca projetos em que idéias, melhorias ou descobertas
experimentais sobre um processo de produção ou ferramentas são regularmente compartilhadas,
permitindo sua livre distribuição. A diferença mais marcante entre um processo tradicional e um
processo open é a escolha pela co-criação ao invés da originalidade. Segundo Carolien Hummels
(2009), o Open Design é uma frente específica para o design, onde um grupo de pessoas de diversas
áreas desenvolvem oportunidades e soluções juntas em uma comunidade aberta, baseada no respeito
pelas habilidades e expertises individuais. Paul Atkinson (2006) complementa dizendo que o Open
Design vai além da criação via um grupo de especialistas por ser um exercício criativo que promove
troca de conhecimento entre profissionais e designers amadores, quebrando barreiras desnecessárias.
Esta forma de trabalho pode ser encontrado em projetos desenvolvidos desde o século XIX (MEYER,
2003), mas que tomaram força considerável a partir da revolução da informação e comunicação no
final do século XX. O Open Design, segundo Troxler (2011), recebeu influência desta revolução
principalmente por causa do movimento open source, termo utilizado dentro do campo dos softwares
para designar um produto de código aberto. Open source é uma abordagem criada pelos
desenvolvedores de software na década de 80 na qual o código-fonte é disponibilizado numa rede de
computadores e seu uso, modificações e redistribuição por outros são bem vindos. Segundo Troxler
(2011), o Open Design segue o conceito de código aberto na medida em que os criadores e fabricantes
permitem a distribuição gratuita dos códigos e sua documentação, além de modificações e derivações.
A primeira grande diferença entre os modelos é de que no Open Design distribuímos acima de tudo a
1
2. idéia, o conhecimento sobre o produto e não mais somente um produto fechado e finalizado que se
mostra avesso a participação efetiva do usuário. Juntamente com a idéia, também se distribui a licença
de uso, derivação e alteração; já que esta dará embasamento legal ao processo.
Este tipo de compartilhamento de idéias permite maior rapidez ao processo, ao mesmo tempo em que
busca maior fluidez, frescor às idéias e compartilhamento com o usuário. Ou seja, quando uma idéia se
torna coletiva logo no começo de sua vida, ela pode ser discutida por mais pessoas. Segundo Troxler
(2011), esta abertura traz benefícios ao projeto se apostarmos na premissa de que quanto maior o
número de mentes colaborando, maior a possibilidade de boas soluções aos problemas; visto que cada
um dos envolvidos irá perceber e interagir com o objeto de acordo com sua realidade e referências
objetivando um acordo final coletivo. Neste processo, que busca quantidade em um primeiro
momento, a internet e a tecnologia digital vem colaborando e abrindo caminhos por possuir o poder de
alcançar grande quantidade de pessoas em diferentes lugares. Com relação a qualidade dos produtos,
procedimentos de curadoria também vêem sendo pensados e realizados, visto que se tornam
extremamente relevantes para que a quantidade não se sobreponha à qualidade dos projetos. A figura
do curador ou do editor continua existindo através de um processo diferenciado.
Este processo de compartilhamento de idéias não vem acontecendo somente no campo do design.
Muitos outros campos já vêem há algum tempo trabalhando com práticas colaborativas. Cada um a sua
maneira porém seguindo conceitos semelhantes. Empresas vêem se abrindo ao usuário,
compartilhando e criando ações diretamente com seus clientes (TAPSCOT, 2006), escritores e
músicos vêem criando novos mecanismos de distribuição de seus produtos, pessoas isoladas vêem
desequilibrando relações políticas no mundo. Existe um pensamento global e uma vontade local de
compartilhar. No entanto, como este processo é inegavelmente recente estamos em tempo de repensar
formas de projeto, produção e distribuição satisfatórios que contemplem qualidade de produto, direitos
de propriedade e modelos de negócio diretamente pensados para este tipo de processo. Este artigo,
assim como a pesquisa em que ele se insere, busca contribuir com o objeto enquanto ele ainda possui
poder de mudança, já que acreditamos que a universidade deva se conectar com a sociedade no fervor
dos movimentos, ajudando-a a construir suas bases teóricas e se beneficiando de discussões recentes e
atualizadas.
2 De onde vem o Open Design?
Segundo MEYER (2003), a história não oficial da criação de produtos possui alguns episódios onde se
pode reconhecer princípios ideológicos e estruturais do que hoje estamos chamando de Open Design.
Em seu artigo “Episodes of Collective Invention”, cita três casos que são definidos por ele como
fundamentais para o entendimento histórico do que hoje se apresenta como um processo
compartilhado ou, em suas palavras, um processo de invenção coletiva: os alto-fornos do distrito de
Cleveland na Grã-Bretanha (1850-1870), a discussão dos motores a vapor no Lean’s Engine Repórter
(1811-1904) e o desenvolvimento do open source software (por volta de 1980).
De 1850 a 1870 as companhias de ferro do nordeste do distrito de Cleveland na Inglaterra permitiram
que visitantes e consultores vissem os desenhos e escrevessem sobre a maneira como seus fornos
feitos a partir de minério de ferro eram utilizados. Conhecidos pesquisadores desta época publicaram
então informações sobre o projeto, tamanho, temperatura e conteúdo dos alto-fornos. Estas
informações não vieram de pesquisa formal, mas de observação da produção. Publicações e
consultores bem-informados ajudaram a estabelecer um projeto de alto-forno mais eficiente, alterando
o próprio desenho deles. E isto foi possível graças ao motivo de na época o design deste tipo de
tecnologia não ser passível de patente. ALLEN (1984) concluiu então em seus estudos que com o
processo de partilha de informação, a empresa obteve informações mais valiosas do que se tivessem
simplesmente patenteado e fechado a informação.
Outro estudo importante citado por Meyer (2003) foi o da discussão pública acerca dos motores a
vapor. Motores a vapor vêem sendo feitos desde 1712, mas em 1769 houve o processo de patente de
um novo e mais eficiente projeto. Esta patente foi mantida até 1800, apesar de alguns ataques legais.
Proprietários de minas na região de Cornwall da Inglaterra utilizavam motores a vapor para bombear
2
3. água para fora das minas e às vezes usavam cópias ilegais do projeto patenteado e acima referido. Eles
usavam a licença ilegalmente porque ela era extremamente cara. No entanto, depois que ela expirou,
eles puderam fazer mudanças em seu desenho. Houve então um debate explícito nas formas
alternativas de propriedade intelectual na engenharia de motores a vapor e houve poucas patentes
registradas nesta época. No entanto, é comprovado que houve uma discussão aberta sobre o tema,
comprovada através das publicações chamadas Leans`s Engine Reporter através do editor Jel Lean
(MEYER, 2003). Estas publicações comparavam tecnicamente a operação dos sistemas de engenharia
de motores. Segundo NUVOLARI (2001) há uma possibilidade de indicar uma relação entre a
substancial melhora da engenharia de motores em Cornwall com as inovações e descobertas dos
engenheiros de motores a vapor publicadas neste período por este editor.
Fechando o contexto histórico, Meyer o desenvolvimento do Open Source por volta da década de
1980. Este é o exemplo contemporâneo que possibilitou diretamente a existência do termo Open
Design. O termo Open Source está intrincado com a área de softwares. Se antes, os softwares
continham códigos legíveis e mutáveis somente por seus criadores e detentores, o movimento Open
Source decidiu compartilhar o código e não mais somente disponibilizar a interface. Este
compartilhamento é útil na medida em que possibilita melhorias continuas através de vários
programadores. Ou seja, os usuários dos programas podem fazer alterações específicas neles. Algumas
regras e instruções dos projetos open source são: servidores web são locais de armazenamento e
distribuição de tecnologia, existem licenças autorais específicas na maioria dos projetos open source,
os programadores mais relevantes possuem ferramentas similares de desenvolvimento e habilidades,
moderadores decidem e controlam quais mudanças permanecerão no código fonte e, acima de tudo,
experimentação é sempre bem-vinda e os desenvolvedores não as restringem.
Dentre os casos históricos apresentados, o último é o que possui maior ligação com nossa pesquisa por
ser contemporâneo e trabalhar diretamente num meio de grande velocidade e facilidade de reunir
grande número de pessoas. Esta facilidade de disseminação de dados e idéias auxilia muito no
processo de consolidação do Open Design. No entanto, no caso do open source, em se tratando de
softwares estamos trabalhando somente com códigos e códigos são mais fáceis de serem transportados
por serem imateriais. No design, temos o desenho do projeto (que se inicia como código, mas em
algum momento precisa se tornar imagem), a produção material e a sua distribuição. Isto complexifica
o processo de descentralização, mas não o torna inviável.
Paul Atkinson (2011) cita que na maior parte da história o design e a produção têm sido realizadas
através de trabalhos individuais com processos verticais e fechados principalmente porque o design
sempre foi pensado enquanto uma produção seriada e em larga escala, impossível de ser
compartilhada, produzida pelo próprio usuário ou mesmo em pequena escala, acarretando a
necessidade da grande fábrica e do criador único. No entanto, as tecnologias mais recentes de
comunicação e fabricação (como as 3D Printings e a internet) vêem botando em cheque este processo
e o próprio conceito de design enquanto produção seriada de peças idênticas. Ou seja, a tecnologia
atual de comunicação e manufatura de produtos vem aproximando o processo de design do modelo de
open source por realocar algumas etapas do processo e por tornar sua linguagem mais próxima do
código em grande parte do processo. Estas alterações implicam na rediscussão de conceitos como a
customização em massa, o “do it yourself” (faça você mesmo) e a originalidade.
3 O que é exatamente o Open Design?
Open Design é ainda um termo nebuloso e difícil de ser definido por ser muito recente. No entanto,
como seu próprio conceito busca, é um termo que vem sendo formado através da colaboração entre
indivíduos interessados no assunto. Pode-se dizer que é um termo que ainda se encontra em versão
beta1 e que se construirá através de sua discussão e utilização em processos de design. No entanto, por
1
Em alusão ao termo “versão beta” utilizado principalmente por desenvolvedores de softwares e aplicativos para
internet. A versão beta é uma versão que ainda se encontra em fase de desenvolvimento e testes. O lançamento
de um produto em versão beta busca a opinião do usuário sobre aquele produto, busca que o usuário experimente
3
4. motivos metodológicos, nos guiaremos neste artigo pela visão de Open Design dos seguintes
acadêmicos e designers: Paul Atkinson, Peter Troxler, Carolien Hummels e Ronen Kadushi2.
Segundo TROXLER (2011), Open Design segue os princípios do Open Source, sendo um projeto
aberto de design cujos criadores e fabricantes permitem a sua distribuição gratuita e documentação
além de modificações e derivações. Ou seja, o projeto é distribuído e não mais o produto, juntamente
com a licença de uso, derivação e alteração. Para ele, compartilhar pode ajudar a mover a tecnologia
frente a aplicações mais rápidas porque um desenvolvedor ajuda no desenvolvimento dos outro e se
beneficia disto. Este processo olha para o futuro do design utilizando mecanismos bastante arraigados
em nossa cultura contemporânea.
Paul Atkinson (2011) teoriza o Open Design sob o viés da história, definindo-o como uma processo da
era pós-industrial que se utiliza de diferentes ferramentas e processos de fabricação e se caracteriza
pela diminuição da barreira entre design e usuário.
Carolien Hummels (2011) repensa o papel da própria universidade e da possibilidade de sua estrutura
também ser mais descentralizada, aberta e construída coletivamente. Segundo Hummels (2011), os
princípios estruturadores do pensamento pedagógico deveriam ser influenciados pela idéia de troca e
compartilhamento de idéias e pelo questionamento do conceito de originalidade.
O Open Design é filosoficamente a aceitação de que a criatividade e a inovação brotam mais
fluentemente das estruturas que abrigam novas formas de percepção e ação. É adotar o sentido de co-
criação ao invés de originalidade porque se acredita que as idéias pertencem ao mundo e que somente
podemos dividir seus créditos. Estruturalmente, e como já foi dito acima, este termo surge pela união
do Design (entendido enquanto desenho ou projeto) + open source (código aberto). É a tentativa de
fazer do processo de Design um processo mais colaborativo, inteligente e aberto, de forma que o
conhecimento seja disseminado de forma igualitária (incluindo o usuário), com a finalidade de se
construir um processo mais complexo e mais acessível.
Além da estrutura, o Open Design retrabalha paradigmas e barreiras culturais como por exemplo o
compartilhamento, que é sem dúvida o cerne do projeto. Para tanto, se faz necessário que os membros
confiem cada vez mais nos outros para fazer suas próprias contribuições e re-construir o que foi
compartilhado. Responsabilidade, confiança e reciprocidade são ingredientes importantes em uma
cultura aberta. Aliás, para haver qualquer ação colaborativa é necessário que o sentimento de
confiança mútua exista em maior ou menor escala entre as pessoas, sendo necessário que os membros
se tornem aptos a reconhecer no outro (dando valor a este outro) uma característica que não existia
dentro do campo de sua percepção tradicional.
Estas questões não se encontram totalmente resolvidas e ainda encontram muitos empecilhos e
questionamentos. Afinal, o que anima os membros deste novo modelo de equipe a dividir informações
antes tratadas como sigilosas ou particulares e confiar na rede de colaboração, abrindo seus processos
de trabalho sem saber que resultados obterão? RHEINGOLD (2004, p. 57) diz que por hora o que
anima estes membros “é a confiança na rede, em maiores quantidade de conhecimento e oportunidades
de sociabilidade.” No entanto, a partir de um modelo de negócios bem estruturado, o retorno tende a
aumentar.
Falando mais abertamente sobre o processo produtivo, e na tentativa de começarmos a estruturar estes
questionamentos acima dispostos, entendemos que um dos parceiros fundamentais do Open Design é
sem dúvida a tecnologia de fabricação digital. São através de máquinas de prototipagem, corte a laser
e fresagem que os objetos se materializarão porque a produção e distribuição será feita de outra
e teste características e detalhes, retornando aos desenvolvedores informações que possam auxiliar sobremaneira
no aprimoramento do produto.
2
Peter Troxler é diretor da Waag Society (Holanda) e pesquisador independente, Paul Atkinson é professor na
Sheffield University (Inglaterra), Carolien Hummels é professora na TU Eidhoven (Holanda) e Ronen Kadushi é
designer e trabalha em Berlim.
4
5. maneira. Se antes os produtos eram fabricado em massa, dentro de fábricas e sem direito a alteração
alguma pelo usuário; no Open Design distribuiremos códigos e os usuários produzirão localmente seus
produtos, consolidando o que hoje chamamos de customização em massa.
Ronen Kadushi, designer industrial israelense que atualmente mora e trabalha em Berlim,
complementa a discussão através da prática, já que ele comanda um escritório3 que utiliza o Open
Design enquanto modelo de negócio. Para Kadushi, o Open Design é um método baseado nos
princípios do open source, inserindo o processo de design dentro de um movimento social e
colaborativo, legitimando maneiras de compartilhar criatividade. O Open Design possui uma
dimensão diferente do design tradicional que é a informação digital. Ela faz toda a diferença porque
permite a troca em escala mundial. Através da internet é possível publicar, distribuir e copiar os
produtos. Esta facilidade, acoplada a flexibilidade dos métodos de produção CNC (computer
numerical control) tornam o design compartilhável, acessível e economicamente viável tanto para o
designer, quanto para o usuário e o pequeno produtor local.
Através destes teóricos e designers podemos constatar que o Open Design está atrelado a uma cultura
de relacionamentos e quebra de centralidade e poder. Além disto, temos hoje no mundo uma
quantidade de informação ilimitada, o que também impossibilita o conhecimento complexo em
pequenos grupos fechados. O mundo contemporâneo é aberto, globalizado e colaborativo. Por lógica,
e porque o design é um produto diretamente atrelado à economia, este processo começou a ser
repensado.
Considerando o cenário atual e os efeitos da revolução da informação e tecnologia, podemos indagar
que o modo de trabalho vem buscando uma readequação à tecnologia disponível e ao modo de vida
contemporâneo, cada vez mais compartilhado e dirigido a experiências. Muito vem sendo falado sobre
capital social e capital cognitivo (GRANOVETTER, 1995; GROOTAERT e BASTELAER, 2010),
modelos estes que poderiam estar mais adequados a nossa realidade de trabalho. Tais modelos
privilegiam o modelo de trabalho estruturado via conhecimento. Diferentemente do termo informação,
que basicamente se baseia em dados; o conhecimento se baseia em experiência.
Segundo Don Tapscott e Anthony D. Williams (2006):
Embora as hierarquias não estejam desaparecendo, mudanças profundas na
natureza da tecnologia, da demografia e da economia global estão fazendo
emergir novos e poderosos modelos de produção baseados em comunidade,
colaboração e auto-organização, e não em hierarquia e controle.”
Estes novos modelos, considerados colaborativos, ganharam força com a revolução das tecnologias da
informação e da comunicação; que por sua vez fizeram emergir uma era em que o conhecimento tem
destaque sobre a informação. De acordo com COSTA (2000) o conhecimento, sendo vivência e não
acúmulo de dados, não pode ser acessado através de espaços fechados, grupos restritos e privados
porque o conhecimento, diferentemente dos dados acessados em banco de dados, se encontra em
lugares abertos e comunicáveis. Este fato faz com que os grupos de trabalho e as estruturas necessitem
se transdisciplinarizar, desafiando toda a organização hierárquica e criando sistemas de conhecimento
e poder (COSTA, 2000). Este fator influencia e modifica os processos, forçando-os a se tornarem mais
colaborativas para serem mais fortes ou simplesmente para existirem.
Michael Serres, filósofo contemporâneo criticou o governo francês pela construção da grande
Biblioteca Central em Paris, alegando se tratar de um velho sonho de estado imperial querendo
ostentar uma Biblioteca de Babel, onde todo o saber da humanidade poderia ser reunido. Para ele,
nosso tempo não permite tal façanha porque não se pode mais reunir todo o conhecimento em um
espaço fora da rede. Hoje, nenhuma pessoa ou estrutura pode pensar em dominar a totalidade do saber
e do fazer sozinho. “Nesse cenário de complexidade, é preciso, portanto, ao procurarmos estabelecer
vínculos e conexões ainda por se firmarem, promover modelos aproximativos para reafirmar uma
ordem possível.” (MORAES, 2010). É neste contexto que este projeto se torna relevante, na medida
3
http://www.ronen-kadushin.com/index.asp
5
6. em que pretende pesquisar e experimentar processos de design que se encaixem nos conceitos e
possibilidades desta nova forma de se criar e produzir.
Este fato altera paradigmas que já se pensavam consolidados. Surgem conceitos que distorcem a
lógica do próprio Desenho Industrial. Ao invés de uma produção seriada com alto número de peças
iguais, tem-se uma produção seriada que não pede mais um molde nem tampouco necessita de um
grande número de cópias. Surgem, portanto, os conceitos de “do it yourself” (faça você mesmo) e
“local production” (produção local) (GERSHENFELD, 2000). Do it Yourself é a preferência pela
prática acima da teoria (preferir fazer com as mãos, customizando o objeto) e o local production são
projetos que podem ser fabricados em qualquer lugar do mundo (porque não são mais projetos
fechados e sim códigos). Estes dois conceitos mudam completamente a gestão do projeto e se mostram
como os novos pilares do processo para um mundo realmente colaborativo e aberto. As máquinas
também passam do ambiente restritivamente fabril para o ambiente residencial ou de serviço.
Possivelmente, podemos no futuro ter em nossas cidades pequenas fábricas que constroem quase tudo
através de um arquivo digital disponibilizado na internet, pensamento este que já vem sendo
desenvolvido por Neil Gershenfeld no seu curso “How To Make (almost) Anything" dentro do Center
for Bits and Atoms do MIT, laboratório este que criou os laboratórios Fab Lab, que são laboratórios de
fabricação digital espalhados por todo o mundo e que buscam ensinar a crianças e adultos como
trabalhar com este novo conceito de fabricação aberta.
Pelo acima exposto, concluímos que se a era industrial foi motivada principalmente pela concepção de
produtos para as massas, na era pós-industrial digital as massas aproveitarão a oportunidade de
projetar, fabricar e distribuir produtos por si mesmas.
4 Experimentos em Open Design
Mostraremos neste momento duas experimentações sobre o assunto. A primeira trata-se da descrição
de um projeto da Waag Society Holanda, o (Un)Limited Design Contest. A segunda experimentação
conta com a participação dos autores deste artigo e foram por eles concebida como uma tentativa de
aproximação do Open Design à prática. Tal projeto se chamou Playground Workshop e foi
desenvolvida entre universidades de design brasileiras (UNESP Bauru + Universidade Nove de Julho)
e os laboratórios Fab Lab (laboratórios coordenados pela central no MIT-EUA). As duas tentativas são
ainda iniciais e não possuem outra finalidade senão a tentativa de uma metodologia projetual
amparada no compartilhamento e troca de informações buscando sempre um aumento da
complexidade dos projetos. O que se procura é a compreensão das inter-relações que se dão na
realidade sem a pré-determinação dos resultados ou o controle de um líder através de um processo
holístico que ajude a romper as dificuldades dos sistemas de categorização, assim como diminui a
dicotomia teoria-método. Portanto, mais do que analisar, o objetivo destas experimentações é verificar
na própria ação se o objeto é eficiente, passível de quebrar paradigmas e se contribui para a formação
de um novo processo de design.
4.1 Playground Workshop
Data: abril e maio de 2010
Participantes: Open LAB (Laboratório Visionário de Experimentação em Design, liderado pelo Prof.
Dr. Dorival Rossi da UNESP Bauru) + Fab Lab Barcelona/Lima + alunos de Design
Princípio: Experimentar o processo colaborativo através de duas estratégias de produção – “do it
yourself” (faça você mesmo) e “local production” (produção local) em Design de Produto. “Do it
yourself” é a preferência pela prática acima da teoria (preferir fazer com suas próprias mãos e não
mais comprar o produto pronto) e “local production” são projetos que podem ser fabricados em
qualquer lugar do mundo (porque não são mais projetos fechados e sim códigos a serem redefinidos a
cada novo momento). Estes dois conceitos mudam completamente a noção de projeto e se mostram
como os novos pilares do processo de projeto para um mundo realmente colaborativo e aberto.
6
7. Objetivo: Projetar objetos lúdicos que trabalhem com encaixes através de um workshop onde os
alunos e alguns professores estariam localizados em São Paulo e Lima, e alguns outros professores e
as máquinas que produziriam os objetos estariam localizado em Barcelona. Esta idéia surgiu da
necessidade de proporcionar aos alunos de Design de Produto a experiência da fabricação digital.
Sempre no intuito de situá-los junto às práticas contemporâneas de Design, buscou-se trabalhar em
rede para que eles tivessem contato com esta realidade que naquele momento somente era acessível
desta maneira. De um lado os alunos ganhavam novas experimentações. Do outro, o laboratório já
equipado ganharia novas metodologias de trabalho e ampliaria sua rede de contatos.
A idéia inicial seria a de usar como ferramenta de trabalho a máquina digital cortadora a laser, e como
material o papel cartão de 3mm. O objeto a ser fabricado deveria ser um objeto lúdico que contivesse
encaixes e que pudesse ser fabricado digitalmente. Os participantes foram conectados online via
skype. O workshop contou com a presença de 40 pessoas.
Etapas do Workshop: apresentação dos laboratórios participantes do workshop, apresentação das
máquinas e breve explicação sobre suas potencialidades, construção manual dos objetos lúdicos e com
encaixes, escolha entre os grupos do projeto que se encontravam em melhores condições de ser
fabricado, digitalização do objeto, envio do arquivo para o Fab Lab Barcelona, fabricação do objeto
em cortadora a laser e visualização de todos em tempo real via skype, montagem do objeto com
transmissão ao vivo, fechamento do workshop com reflexões sobre a importância de se compartilhar
conhecimentos e máquinas, indicação de continuação dos projetos via página web do grupo.
Conclusão: O workshop trouxe a confirmação de que grupos conectados podem trazer grandes
benefícios para ambos os lados. Estes benefícios são visíveis no aumento do conhecimento
educacional (pela troca de informações entre membros que se encontram em realidades tão distintas),
visualização da situação atual do design em diversos países, fortalecimentos dos laços entre regiões,
acesso a tecnologia ainda não disponibilizada localmente (no caso deste experimento, Brasil e Lima),
experimentação de novas possibilidades de trabalho, gestão e produção. Além disto, conclui-se que a
partir do momento em que o projeto torna-se código, ele realmente aumenta sua possibilidades
geográficas de produção (local production) e nos mostra que a customização em massa (do it yourself)
é realmente um caminho possível para o design; desde que devidamente estruturado.
4.2 (Un)Limited Design Contest
(Un)Limited Design trabalha basicamente com o conceito de Open Design, compartilhando projetos,
permitindo que se utilize os desenhos feitos por outros, copiando-os ou adaptando-os sobre condições
previamente estipuladas via licença Creative Commons. Este é um projeto da Waag Society e
Premsela em cooperação com o Fab Lab Holanda e Creative Commons Holanda. O projeto
(Un)Limited Design funciona via plataforma online e eventos presenciais. A plataforma possibilita
que qualquer pessoa insira na página online um projeto de design ou faça um derivado de um projeto
existente apresentado por outras pessoas. Já o encontro presencial é o próprio (Un)Limited Design
Contest, uma exibição e premiação dos projetos inseridos na plataforma online. Ele foi realizado pela
primeira vez na Holanda em 2009 e no ano seguinte se espalhou pela Alemanha e Bélgica.
O objetivo maior deste concurso é divulgar o open design enquanto projeto colaborativo e o conceito
do ‘do it yourself’. Existem seis passos a seguir para participação: ter acesso a um laboratório de
fabricação, pensar exatamente o que deseja fazer, desenhar o projeto ou readequar um já existente,
fabricar, montar e enviar pela página web. A votação é feita pelos próprios visitantes do site. Os
desenhos com mais votos em cada categoria são automaticamente parte da seleção dos projetos a ser
julgado pelo júri. Todos os produtos podem ser vendidos através de um canal de serviço de vendas
online. Todos os projetos devem estar licenciados via Creative Commons. Com esta licença, concede-
se o produto para cópias, distribuição e transmissão do projeto, bem como adaptação; desde que o
nome do autor ou autores seja sempre citado e que o produto não seja usado pra fins comerciais.
Portanto, este projeto foi escolhido por reunir dois itens importantes: a plataforma colaborativa e uma
estrutura de fabricação e premiação do próprio objeto. Este projeto, dentre os estudos de caso
selecionados, é o menos conhecido mundialmente, porém é mais completo por trabalhar
7
8. conjuntamente criação via plataforma online, possibilidade de redesenho do objeto de outra pessoa,
registro de informação via Creative Commons, fabricação e distribuição.
Falando basicamente sobre a exibição dos produtos e do próprio concurso, o Waag Society incentiva
sua expansão em nós locais a fim de que o projeto ganhe corpo mundial e um número maior de
pessoas possam participar. Para tanto, disponibiliza um manual de como exibir os produtos em outros
locais fora da Holanda e os arquivos de cenografia e montagem. Este manual possui regras básicas a
serem seguidas por quem se habilitar a organizar um (Un)Limited Design Contest em seu país.
Os experimentos práticos propostos nesta pesquisa e posteriormente detalhados se envolverão com
esta questão especifica: experimentar como seria criar um nó brasileiro do (Un)Limited Design
Contest, o qual acolheria projetos nacionais seguindo as mesmas regras da plataforma existente
(possivelmente utilizando a mesma plataforma) e posteriormente, exibindo-os através da utilização das
regras divulgadas através da plataforma com o objetivo de se experimentar aqui no Brasil um projeto
colaborativo que esteja em rede com outros países; já que estas são premissas do tema.
5 Conclusões acerca do Open Design
Pelo tema ser um processo em andamento, este artigo foi tratado enquanto uma discussão sobre o
assunto, sem expectativas de conclusão ou comprovação de hipóteses. Portanto, nossas conclusões se
caracterizam através de outros questionamentos a serem pensados a partir de agora:
Quem é o autor dentro de um processo aberto e colaborativo?
Será que o modelo standard de produtos não existirá mais?
Sendo implementado como uma alternativa aos produtos produzidos em massa, como será sua gestão?
Como será a estratégia de reciprocidades quando o objeto se tornar inteligente e pertencer a uma
cadeia de compartilhamento?
O que acontecerá quando o designer possuir somente um pequeno controle sobre a própria aparência
dos produtos que cria?
O fato do usuário estar envolvido na criação do produto pode diminuir o valor do produto ou adicionar
valor a ele?
Estes questionamentos são recorrentes nos textos referentes ao assunto e também nas discussões entre
pesquisadores e designers. Somente a prática, atrelada a um pensamento teórico, conseguirá solucioná-
los e conceituá-los levando o Open Design a um novo patamar processual.
Referências
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Ghershenfeld, Neil. Fab: The Coming Revolution on Your Desktop. EUA: Basic Books, 2007
Hummels, Carolien; Frens, J. The Reflective Transformative Design Process. CHI 2009,. Boston:
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Rheingold, Howard. Multitudes Inteligentes: La Proxima Revolución Social. Barcelona: Gedisa, 2004
Tapscot, Don e Willian, Anthony. Wikinomics: Exploring How Mass Collaboration Changes Everything. Sao
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Troxler, Peter; Atkinson, Paul; Hummels, Caroline. Open Design Now: Why Design Cannot Remain Exclusive.
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