4. Mal rompia a manhã, o
Urso-Formigueiro saía da
cama, de olhitos piscos
pousados no chão,
espreita que espreita, em
busca dos negros
carreirinhos ou, ao menos,
de uma formiga
descuidada que andasse
por aí sozinha a descobrir
o mundo.
Não havia sebe, tronco de
árvore, relvado ou
rochedo que não
farejasse.
5. Riam-se os coelhos
anafados, satisfeitos da
vida, pois sabiam que o
urso-Formigueiro não
lhes faria mal. Sem medo,
pousavam-lhe nas costas
pombos e pardais. E as
abelhas, descansadas,
construíam as colmeias
em frente da sua toca,
pois estavam seguras de
que ele não iria
sorrateiro, como o urso-
pardo, sugar-lhes o mel.
6. Só as formigas andavam
num permanente
sobressalto.
Era vê-las correr,
carregadas de sementes,
tão cansadas, tão
nervosas, tão magras,
com as antenas
tremelicando no alto das
cabecitas pretas, a
cintura tão fina que
quase parecia partir-se,
as patas tão esguias
como linhas.
7. Dia após dia, o Urso-
Formigueiro, peludo,
trombudo e com passos
de veludo, ia procurando
alimento de nariz na
terra. Pé ante pé, não
fosse assustar as
formigas medrosas e
atentas, prontas a
escaparem por qualquer
buraco.
8. No formigueiro havia
contudo uma formiga
ladina, viva e esperta que
nem um rato. Era a
Formiga Rabiga.
─ Amigas formigas ─
disse ela ─, não nos
vamos deixar comer, lá
porque esse urso peludo,
trombudo e com passos
de veludo resolveu gostar
de nós… para almoçar.
9. Vamos dar-lhe uma lição.
─ Mas como, se somos
tão fracas?
─ Nada podemos contra
ele.
─ Se ficamos em casa
morremos de fome, se
saímos somos comidas ─
choramingavam as
companheiras.
Mas a Formiga Rabiga
traçara o seu plano.
10. Junto ao rio crescia uma
pimenteira-verde, muito
verde, salpicada de
bolinhas cor-de-rosa.
Estava o campo
atapetado desses
pequenos grãos
redondos, de casca tão
brilhante que parecia
envernizada.
─ Em vez de carregarmos
sementes vamos carregar
pimenta ─ propôs a
Formiga Rabiga.
11. Era ver agora a fileira de
formigas, que mais
parecia um colar, cada
uma com sua conta cor-
de-rosa. Não tardou que
o urso as descobrisse.
A Formiga Rabiga
avançou e pôs-se a
desafiar o urso.
12. ─ Eu sou a Formiga Rabiga que te salto em cima e te
queimo a barriga.
─ Eu sou o Urso-Formigueiro que te como a ti mais ao
teu carreiro.
E, dito isto, propunha-se engolir a formiga.
13. Mal o bicho peludo,
trombudo e com passos
de veludo entreabriu a
boca, a Formiga Rabiga
atirou-lhe o grão de
pimenta.
O urso deu um uivo.
Aproximou-se da
formiga seguinte e ela
fez o mesmo.
14. Escusado será dizer que o
urso não chegou ao fim do
carreirinho.
Ardia-lhe a língua como um
braseiro.
Queimava-lhe a barriga
como uma fogueira.
15. Riam-se as formigas ao
vê-lo fugir. Só parou à
beira do rio e passou todo
o dia a beber.
─ Livra, que as formigas
estavam picantes. É prato
que não quero tornar a
provar.
16. Para maior desespero
do Urso-Formigueiro, a
Formiga Rabiga, ao vê-
lo naquele estado, de
língua de fora, todo a
pingar água, punha-se a
gracejar:
17. Sou a Formiga Rabiga,
saltei-te em cima,
queimei-te a barriga.