Este documento analisa o uso de expressões nominais indefinidas em depoimentos publicados no site Orkut. O objetivo é examinar como essas expressões são usadas em recategorizações lexicais. A análise é baseada em pressupostos da linguística textual sociocognitiva e sociodiscursiva. Foram analisados 34 depoimentos coletados no Orkut e identificadas diferentes funções e tipos de recategorizações com expressões nominais indefinidas.
Introdução às ontologias por Gisele Dziekaniak EDUTEC FURG 2009
A recategorização lexical com ENI no depoimento do Orkut
1. “O QUE VOCÊ TEM A DIZER SOBRE (...)?
Expressões nominais indefinidas
no depoimento do orkut
Carla Edila Silveira
Orientadora: Profª Drª Claudia Mendes Campos
Curitiba
2011
3. O ESTUDO
Objetivo: examinar o funcionamento de
recategorizações lexicais com expressão nominal
indefinida (ENI) – cujo determinante é o artigo indefinido
um(a) – em 34 textos de depoimento publicados no site
de relacionamentos orkut. Fenômeno reconhecido
apenas por Koch (2004b), Cavalcante (2004a), Cunha
Lima (2004).
Fundamentação: pressupostos da Linguística Textual
de vertente sociocognitivista (APÓTHELOZ &
REICHLER-BÉGUELIN, 1995; KOCH & MARCUSCHI,
1998; MARCUSCHI & KOCH, 2002; MONDADA &
DUBOIS, 1995) e sociodiscursiva (BAKHTIN, 2003;
MARCUSCHI, 2003, 2005).
4. JUSTIFICATIVAS
Adesão à proposta de estudo de gêneros
emergentes no ambiente de interação virtual
(MARCUSCHI, 2005).
Depoimento do orkut – declaração pessoal
(COSTA, 2008) sobre indivíduo com quem se mantém
vínculo social no contexto real ou virtual.
5. JUSTIFICATIVAS
As redes sociais são as opções interativas que mais
atraem brasileiros (SHELP, 2009) e essa é a
nacionalidade declarada por mais da metade de
usuários do orkut.
6. A RECATEGORIZAÇÃO LEXICAL
CATEGORIZAÇÃO - seleção de item
lexical (expressão referencial) que ativa
determinada informação na memória
discursiva, é a primeira menção do objeto
de discurso no texto.(KOCH 2006a, p. 64)
RECATEGORIZAÇÃO – renomeação de objeto
de discurso com retomada de elemento
introduzido na memória discursiva por
expressão que designa outra categoria ou
classe de indivíduos/entidades. (APÓTHELOZ &
REICHLER-BÉGUELIN, 1995)
RECATEGORIZAÇÃO – remissão a item cotextual
antecedente, de natureza lexical, ideacional ou
contextual. Em geral, a remissão recategorizante
baseia-se em relação estereotípica, pode ou não
fazer retomada, não requer correferencialidade e
seu traço mais forte é a impossibilidade de
cossignificação. (MARCUSCHI & KOCH, 2002)
concepção
clássica
concepção
atual
7. A RECATEGORIZAÇÃO LEXICAL
Esse gurizinho (categorização) → Um amigão
pra todas as horas (recategorização) → uma
pessoa maravilhosa de se conviver
(recategorização)
9. A RECATEGORIZAÇÃO LEXICAL
Classificação de funções discursivas pelo
viés da argumentação (MATOS, 2004)
1- avaliativa
2- não-avaliativa
3- glosa (definição, correção, especificação)
4- estético-conotativa
10. A ANÁFORA COM ENI POR SCHWARZ (2000)
Fenômeno localizado durante o estudo de
anáforas indiretas, que diz respeito a:
(i) relações parte-todo;
(ii) nomeação parcial de elemento já
introduzido para efeito de suspense;
(iii) focalização do conteúdo informacional do
anafórico sem avanço da cadeia coesiva.
11. A ANÁFORA COM ENI POR CUNHA LIMA (2004)
- relação meronímica;
- meu chimas (todo/conjunto) → um mate (parte);
Análise: recategorização com modificação da
extensão do objeto; de função não-avaliativa; noção
de extração de elemento de um conjunto sobrepõe-
se à cossignificação que o núcleo nominal da ENI
anafórica (o sinônimo mate) pode marcar.
12. A ANÁFORA COM ENI POR CUNHA LIMA (2004)
- tematização-remática em oração predicativa;
- o pâncreas → um órgão muito mais profundo (...)
Análise: recategorização com tematização-remática
marcada pela introdução de dado novo que remete
a dado conhecido no texto; função de glosa
especificadora e estético-conotativa; núcleo nominal
estabelece relação hiperonímica
(pâncreas/hipônimo – órgão/hiperônimo)
13. JUSTIFICATIVAS
Há poucos estudos em LT focados na questão do
uso anafórico de ENI (KOCH, 2004b [2002]).
A investigação de operação referencial relacionada
a características de um gênero da mídia eletrônica
demonstra sintonia com a agenda de estudos da LT
(KOCH, 2008b; BENTES, 2010).
14. BASES PARA UM ESTUDO LINGUÍSTICO-
TEXTUAL DE TRAÇADO SOCIOCOGNITIVISTA
Cognição Social – traço interacional, natureza situada
(KOCH & CUNHA LIMA, 2004)
Língua – trabalho cognitivo, atividade social, supõe
negociação. (KOCH & MARCUSCHI, 1998)
Linguagem – fundada no dialogismo constitutivo.
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2006)
Texto – evento comunicativo e de natureza processual
que reúne atos linguísticos, sociais e cognitivos.
(BEAUGRANDE, 1997)
Gênero discursivo – arcabouços cognitivo-discursivos
ou enquadres enunciativos, diferenciados pela
composição, tema e estilo (KOCH 2006a; BAKHTIN,
2003)
Referenciação – construção de elos referenciais nos
textos através de objetos de discurso que resultam de
designações negociadas nas interações pelos sujeitos
falantes (MONDADA & DUBOIS, 1995)
15. A LOCALIZAÇÃO DA RECATEGORIZAÇÃO LEXICAL ENTRE
OS PROCESSOS DE REFERENCIAÇÃO (MARCUSCHI &
KOCH, 2002)
16. A NATUREZA DOS DADOS E O MÉTODO DE
PESQUISA
Metodologia: análise qualitativa de 34 textos de
depoimentos coletados no site orkut, retirados do perfil
de 11 usuários do software de suporte do gênero.
Seleção do corpus: determinada pela recorrência do
uso de ENI (introduzidas por artigo indefinido) nos textos
e a comparação entre amostras da pesquisa de Cunha
Lima (2004) e os dados que coletamos.
17. A NATUREZA DOS DADOS E O MÉTODO DE
PESQUISA
Fundada no pressuposto de
envolvimento constante de ENIs
em recategorizações lexicais
(CUNHA LIMA, 2004).
Hipótese 1: a anáfora
recategorizante com ENI
pode ter a ocorrência
favorecida nos
depoimentos devido à
recorrência da seleção
de ENIs nos dados.
18. A NATUREZA DOS DADOS E O MÉTODO DE
PESQUISA
Fundada na necessidade de
estudar indícios condicionantes do
funcionamento da recategorização
lexical em certos gêneros
discursivos (MATOS, 2004).
Hipótese 2: relação entre
a recategorização com
ENI e traços do
depoimento do orkut de
modo similar ao que se
observou em outros tipos
de anáforas textuais.
19. CRITÉRIOS DE ANÁLISE
1 – cadeias referenciais, tendo em vista as
expressões referenciais e as expressões
atributivas (RONCARATI, 2010).
2 – estratégias referenciais que ocorrem junto
com a recategorização, para refocalizar ou alterar o
objeto (MARCUSCHI & KOCH, 2002).
3 – funções discursivas concebidas pelo critério
de argumentação (MATOS, 2004).
4 – núcleo nominal, no tocante às diretivas para a
compreensão da temática e estilo do gênero
(KOCH, 2004a).
20. A RECATEGORIZAÇÃO LEXICAL COM ENI NO
DEPOIMENTO DO ORKUT
A recategorização com ENI combina-se com outras
estratégias referenciais, além da anáfora com relação
parte-todo e tematização-remática (mais recorrente
nos dados), encontramos:
- recategorização com rotulação por encapsulamento;
- recategorização metafórica;
- recategorização com rotulação metaenunciativa.
21. A RECATEGORIZAÇÃO LEXICAL COM ENI NO
DEPOIMENTO DO ORKUT
[Aquilo sim é que é mulher de verdade! (...) e dos
personagens da TV Pirata (Barboosa).] → Um poço de
sabedoria (rótulo encapsulador)
Análise: recategorização com rotulação por encapsulamento
ou síntese de porção textual e recategorização metafórica
(seleção de ENI que não remete a um sentido literal); função
avaliativa e estético-conotativa; núcleo nominal poço, de teor
metafórico, realça um atributo do objeto de discurso dentro
de uma escala de valoração positiva do perfil do usuário.
22. A RECATEGORIZAÇÃO LEXICAL COM ENI NO
DEPOIMENTO DO ORKUT
[contexto textual do site orkut] → um testemunho inédito e
humilde do senhoro paçoco para a senhora paçoca
Análise: recategorização com rotulação metaenunciativa
(rótulo um testemunho) com modificação da extensão do
objeto (inédito e humilde); função avaliativa e de glosa
definidora; núcleo nominal é um nome metalinguístico que
focaliza a percepção do enunciador quanto ao ato
enunciativo e por ser um sinônimo poderia descaracterizar a
recategorização com rotulação metaenunciativa?
23. A RECATEGORIZAÇÃO LEXICAL COM ENI NO
DEPOIMENTO DO ORKUT
- prevalece a recategorização de função avaliativa, sendo
recorrentes também as funções de glosa e estético-conotativa;
- núcleos nominais (hiperônimos, termos genéricos) ao lado dos
determinantes indefinidos reforçam a identificação da categoria ou
classe atribuída ao objeto de discurso que pode ser modificado
totalmente ou reapresentado de modo generalizante;
- as restrições do suporte para a escrita de depoimentos propiciam
as recategorizações com ENI via tematização-remática, pois
assim é possível produzir um texto de forma rápida, devido à
dinâmica das interações virtuais, e publicar conteúdos de modo
conciso em espaço limitado.
24. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, não é por acaso que o enunciador emite
declarações a respeito de sujeito pertencente ao
seu círculo de relações evitando qualquer
manifestação negativa. Talvez por estar ciente da
exposição pública no site de relacionamentos,
parece tentar preservar tanto a imagem do outro
quanto a sua. Desse modo, torna-se evidente o
caráter dialógico do enquadre enunciativo
propiciado pelo depoimento do orkut em um
espaço utilizado para a construção da alteridade,
ou melhor dizendo, da relação mútua entre as
imagens das categorias atribuídas ao eu e ao
outro que se entrecruzam nos textos.
25. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APOTHÉLOZ, D. & REICHLER-BÉGUELIN, M. J. Construction de la référence et strategies de designation. In:
BERRENDONNER e REICHLER-BÉGUELIN, M-J. (eds.). Du sintagme nominal aux objects-de-discours: SNs
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BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. de P. Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979].
______./VOLOSHINOV. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006 [1929].
BEAUGRANDE, R. New Foundations for a Science of Text and discourse: cognition, communication, and the
freedom of access to knowledge and society. Norwood, NJ: Ablex, 1997. Disponível em:
<http://www.beaugrande.com/new_foundations_for_a_science.htm>. Acesso em: 21 jul. 2007.
BENTES, A. C. A abordagem do texto: considerações em torno dos objetos e unidades de análise. In: LIMA-
HERNANDES, M. C. Gramaticalização em perspectiva: cognição, textualidade e ensino. São Paulo:
Paulistana, 2010. p. 139-154.
CAVALCANTE, M. M. Entre o definido e o indefinido. In:______.; BRITO, M. A. P. (Orgs.). Gêneros textuais e
referenciação. 1. ed. Fortaleza: Protexto, v. 1, 2004a. p. 1-11. CD-ROM.
COSTA, S. R. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
CUNHA LIMA, M. L. Indefinido, Anáfora e Construção Textual da Referência. 231f. Tese (Doutorado em
Linguística) – Departamento de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de
Campinas. Campinas, 2004.
26. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KOCH, I. G. V. Sobre a seleção do núcleo das formas nominais anafóricas na progressão referencial. In: NEGRI, L.;
FOLTRAN, M. J.; OLIVEIRA, R. P. (Org.) Sentido e significação: em torno da obra de Rodolfo Ilari. São Paulo:
Contexto, 2004a. p. 244-262.
______. Expressões nominais indefinidas e a progressão referencial. In: CAVALCANTE, M. M.; BRITO, M. A. P.
(Orgs.). Gêneros textuais e referenciação. 1. ed. Fortaleza: Protexto, v. 1, 2004b. p. 1-8. CD-ROM.
______. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2006a.
______. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2008a [1989].
______. Princípios teórico-analíticos da Linguística Textual. In: ______. As tramas do texto. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2008b. p. 11-25.
______. & CUNHA LIMA, M. L. Do cognitivismo ao sociocognitivismo. In: MUSSALIN, F. & BENTES, A. C. (Orgs.)
Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. v. 3. São Paulo: Cortez, 2004. p. 251-310.
______. & MARCUSCHI, L. A. Processos de referenciação na produção discursiva. In: DELTA, São Paulo, v. 14, n.
especial, 1998.
MARCUSCHI, L. A. A questão do suporte dos gêneros textuais. DLCV: Língua, linguística e literatura, João Pessoa,
v.1, n.1, p. 9-40, 2003.
______. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: MARCUSCHI, L. A; XAVIER, A. C.
(Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
p. 13–67.
27. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______. & KOCH, I. G. V. Estratégias de referenciação e progressão referencial na língua falada. In:
ABAURRE, M. B. (Org.). Gramática do português falado. v. 8. Campinas, SP: Ed. da Unicamp/FAPESP,
2002. p. 31-56.
MATOS, J. G. As funções discursivas das recategorizações. 146f. Dissertação (Mestrado em
Lingüística) – Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza,
2004.
MONDADA, L. & DUBOIS, D. Construction des objets de discours et catégorisation: une approche des
processus de référenciation. In: BERRENDONNER, A. & REICHLER-BÉGUELIN, M-J. (eds.). Du
sintagme nominal aux objets-de-discours: SN complexes, nominalisations, anaphores. Neuchâtel:
Université de Neuchâtel, 1995. p. 273-302.
SHELP, D. Nos laços (fracos) da internet. Veja, n. 2120, 08 jul. 2009. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/080709/nos-lacos-fracos-internet-p-94.shtml>. Acesso em: 18. jul. 2009.
TAVARES, D. P. F. Processos de recategorização – uma proposta classificatória. 157p. Dissertação
(Mestrado em Lingüística) – Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Universidade Federal do
Ceará. Fortaleza, 2003.
www.orkut.com