O documento discute as ideias de Maquiavel sobre como tornar-se e manter-se no poder como príncipe em diferentes tipos de principados. Maquiavel analisa principados hereditários, mistos, eclesiásticos e novos, explicando os desafios e estratégias para cada um. Ele também diferencia principados conquistados com virtude própria versus com a fortuna de outrem.
1. Ciências Sociais - Noturno
Elaine rocha***
Os desafios de tornar-se e manter-se príncipe nas várias espécies de principados.
Araraquara
2017
2. I. Introdução
Nicolau Maquiavel nasceu em 1469 em Florença, e faleceu em 1527 no mesmo
lugar. Foi filósofo, historiador, poeta, dramaturgo e diplomata do renascimento,
filho do antropocentrismo de seu século.
Foi considerado fundador do pensamento político moderno por ter abordado o
Estado e o governo através da ótica do realismo político, que distancia suas idéias de
postulados gregos, como por exemplo, Platão e sua cidade ideal através do governo
dos reis filósofos.
Aos 29 anos de idade fora secretário da segunda chancelaria (responsável pelas
políticas internas e guerras) em Florença, tendo, assim, a oportunidade de estudar o
comportamento dos políticos de sua época; experiência essa que fundamentou sua
obra.
Escreveu várias obras, dentre as quais “O Príncipe” teve maior visibilidade e
influência. Esta é responsável por compreender e explicar os desafios de tornar-se e
manter-se príncipe nas várias espécies de principados com base nos exemplos reais.
Contudo, antes da abordagem do tema, é necessário compreender o período historio
em que Maquiavel elaborou sua obra. Sua vida foi marcada pelo esplendor do
renascimento italiano, o retorno à cultura clássica. Na Itália renascentista reina
grande tumultuo, onde a tirania impera em pequenos principados, governados
despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos
contestáveis. A ilegitimidade do poder gera instabilidade e crises, onde somente o
cálculo político, astúcia e agilidade contra os adversários são os atributos que fazem
a manutenção do poder do príncipe.
A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um
vazio, que as mais fortes individualidades têm capacidade para ocupar. Até 1495,
tendo em vista os esforços de Lourenço Médici, a península experimentou certa
tranquilidade, entretanto, desse ano em diante, a desordem e instabilidade foram
incontroláveis. Além dos conflitos internos entre os principados, somaram-se as
3. desestruturadoras invasões dos países próximos como a França e a Espanha. E foi
em meio a este cenário conturbado, onde nenhum governante conseguia manter-se
no poder por mais de poucos meses, que Maquiavel viveu sua infância e juventude.
Passemos, agora, a analisar as formas de principados que existiam e como, segundo
o autor, um príncipe pode manter-se seguramente no poder.
II. Revisão Biliográfica
Maquiavel compõe sua obra mais conhecida, “O Príncipe”, em 1513, com vinte e
seis capítulos. O filósofo italiano enxergou a possibilidade de um príncipe unificar
toda a Itália e de defendê-la contra estrangeiros e potenciais ameaças. Ele irá definir
o principado e defender a necessidade do príncipe de fundamentar suas forças não
em mercenários, mas em exércitos próprios e tratar do governo propriamente dito e
dos motivos por trás da fraqueza dos Estados italianos. Segundo Maquiavel, o
objeto de sua reflexão debruça-se sobre as características gerais dos principados e,
entre elas, os meios de conquista e manutenção de poder.
Ao utilizar-se do termo “conquista”, Maquiavel faz alusão aos principados novos,
porém, também aborda os velhos principados (hereditários e eclesiásticos), assim
como os mistos, que não se enquadram em nenhuma das definições propostas.
Vejamos, agora, algumas de suas ideias de como tornar-se e manter-se no poder um
príncipe.
a. Principado Hereditário:
Por serem habituados ao sangue de seu príncipe, basta apenas não desprezar a ordem
de seus antepassados e contemporizar, conciliar com os acidentes de percurso, de
forma que o príncipe há de manter-se sempre em seu Estado.
“O príncipe natural tem menores razões e menos necessidade de ofender: donde se
conclui dever ser mais amado e, se não se faz odiar por desbragados vícios, é lógico
e natural seja benquisto de todos.” (Maquiavel, 2013, p. 51)
4. b. Principado Misto:
Quando um principado não é completamente novo, mas faz parte de um membro
acrescentado a um corpo maior, ou seja, um principado, recentemente adquirido por
um monarca que governa outros principados, herdados e não conquistados, que se
chama “misto”, existem dificuldades comuns iguais a todos os novos principados,
visto que os homens mudam de senhor por própria vontade, acreditando que irão ter
suas vidas melhoradas, e quando isto não ocorre, são levados a tomar as armas
contra aquele; o que é consequência de outra necessidade natural, visto que o novo
príncipe sempre precisa ofender seus novos súditos com soldados e infinitas outras
infâmias, e terá, assim, como inimigos todos aqueles que ofender ao ocupar o
principado, e precisa estar ciente de que, mesmo com grandes e poderosos exércitos,
sempre terá necessidade do favor dos provincianos.
Maquiavel postula que os Estados anexados e conquistados, ou são da mesma
província e da mesma língua ou não são. Quando são, há grande facilidade em
conservá-los, principalmente quando os novos súditos não estão acostumados com a
liberdade e para possuí-la com segurança basta extinguir a linhagem do antigo
príncipe que os dominava, pois nas outras coisas, mantidas as antigas condições e
não havendo mudanças culturais, os homens vivem tranquilamente. Quem adquire
tais territórios e deseje mantê-los, deve seguir duas regras. 1) Extinguir o sangue do
príncipe anterior; 2) não alterar nem as leis nem os impostos do território
conquistado de forma que em breve período de tempo o novo território tornar-se-há
um só corpo, juntamente com o antigo.
Todavia a adversidade se encontra em fixar uma província com língua, costumes e
leis diferentes; nesse caso, será necessária muita sorte e astúcia para conservá-los.
Uma opção é que o conquistador se instale no território conquistado, o que tornaria
a posse mais durável, segura e legítima. Maquiavel cita a ocupação da península
balcânica pelos turcos à partir de 1453.
“Mas, quando se conquistam territórios numa província com língua, costumes e leis
diferentes, aqui surgemas dificuldades e é necessário haver muito boa sorte e habilidade
para mantê-los. E um dos maiores e mais eficientes remédios seria aquele do
conquistador ir habitá-los. Isto tornaria mais segura e mais duradoura a posse adquirida,
5. como ocorreu com o Turco da Grécia, que a despeito de ter observado todas as leis
locais, não teria conservado esse território se para aí não tivesse se transferido. Isso
porque, estando no local, pode-se ver nasceremas desordens e, rapidamente, podemser
elas reprimidas; aí não estando, delas somente se temnotícia quando já alastradas e não
mais passíveis de solução. Além disso, a província conquistada não é saqueada pelos
lugar-tenentes; os súditos ficam satisfeitos porque o recurso ao príncipe se torna mais
fácil, donde têm mais razões para amá-lo, querendo ser bons, e para temê-lo, caso
queiram agir por forma diversa.” (Maquiavel, 2013, p. 55)
Outra maneira seria fundar colônias em alguns pontos a província anexada.
Não se gasta em demasia com colônias e com poucas se pode fundá-las e mantê-las,
ofendendo apenas quem fosse expropriado de suas terras, porém, quanto a isso o
príncipe não deve se preocupar, por se tratar de pessoas sem recursos, que nada põem
fazer contra ele, e o resto o povo obedecerá, com medo de também ser expropriado.
Quem ocupa uma província estrangeira deve, ainda, enfraquecer os poderosos daquela
província, e cuidar para que nenhum outro estranho tão poderoso quanto o novo
conquistador tome as terras para si. É necessário, ainda, destacar o alerta feito pelo
autor, que remete àqueles que dão força a outrem e que, com tal atitude, podem se
arruinar.
c. Principado Eclesiástico:
Este principado é regido pela religião, e para chegar ao poder é necessário virtude ou
fortuna, contudo, para se manter no poder não é necessário nenhum dos dois, mas sim
uma moral religiosa, a qual manterá o príncipe no poder, independente do governo,
apoio popular ou justiça. A religião o mantém e protege. Contudo, Maquiavel não
discorre acerca deste pois acredita que o fator religioso torna presunçoso o homem que
o sonda.
“Mas, como são regidos por razões superiores, que a mente humana não alcança, não
falarei deles; pois, sendo exaltados e conservados por Deus, seria ofício de homem
presunçoso e temerário sobre eles discorrer.” (Maquiavel, 2012, p. 100).
d. Novos principados conquistados com os próprios exércitos e virtuosamente:
Segundo Maquiavel, um homem prudente deve sempre seguir a via dos grandes homens
de modo que, mesmo se não se alcançar a virtude destes, ao menos captará algo desta
qualidade. Portanto, os principados completamente novos, com um novo príncipe, é de
6. elevada dificuldade manter-se no comando, e isto dependerá absolutamente da virtude e
da fortuna do conquistador.
É de suma importância citar neste tópico os conceitos de virtude e fortuna abordados
pelo autor:
A concepção de “virtú”, para Maquiavel, não possui um significado exato, uma vez que
o autor seguia como modelo não a filosofia grega clássica, mas sim a retórica romana,
que valoriza aspectos impressionistas e conceituais, porém, pode-se influir que “Virtú”
seria a habilidade de adaptação aos acontecimentos políticos que levariam à manutenção
do poder. Esta qualidade funcionaria como um escudo que deteria os desígnios do
destino. O poder de um príncipe é ameaçado se ele não tiver a capacidade de mudar,
acompanhado as alterações de conjuntura. Sem virtú, é demasiadamente difícil um
governante perdurar no poder. Segundo Althusser:
“Maquiavel é incapaz de definir a própria virtú de outra maneira que não seja seus
próprios efeitos. Ele é incapaz de defini-la de outra maneira que não seja pela resolução
na ação, pela continuidade na ação, pela capacidade de ir até o fim de seu
empreendimento, pela radicalidade na necessidade.” (Althusser 1, p. 242)
Fortuna era, na mitologia romana, a Deusa da sorte e dos acontecimentos inevitáveis.
Para o autor, nunca se sabe se as circunstâncias históricas serão favoráveis ao governo,
todavia, quem fosse portador da virtú seria agraciado pela percepção da fortuna.
“A fortuna (negativa) nada mais é que a incompreensão humana da necessidade dos
tempos, aqui estamos numa necessidade de direito inteligível ao homem. Toda a (má)
fortuna humana é a incompreensão e a cegueira humana para as transformações dos
tempos, ou seja, para o fenômeno de crescimento e de devir da sociedades. E a fortuna
positiva é a capacidade dos homens de adaptar-se às situações existentes e à evolução
delas.” (Althusser 1, p.245-6).
Com relação aos principados novos, aqueles que os conquistam por vias de virtude,
passam por dificuldade, mas conservam com mais tranquilidade e são os novos modos
de ordens que são obrigados a introduzir para fundar seu Estado que causam tantas
complicações. Para Maquiavel, não há nada mais complicado do que empregnar novas
práticas políticas e nova ordem institucional em um Estado, visto que, farás por
inimigos todos aqueles que outrora se beneficiavam da antiga ordem vigente e terás,
ainda, como defensores os que se beneficiam da nova ordem. Por isto, segundo o
7. pensador, é sempre melhor iniciar uma coisa se pode pô-la em prática sem o auxílio de
outros, caso contrário, existe o risco iminente de titubear ou periclitar.
e. Sobre principados novos que se conquistam com o exército e a fortuna de
outrem:
O cidadão que vira príncipe pela fortuna o faz com pouco esforço, porém é necessário
muito esforço para a manutenção do poder, tendo em vista as dificuldades do percurso
de governo. Estes homens estão sempre dependentes da vontade e da fortuna (ambas
instáveis e volúveis) de quem lhes concedeu os meios para chegar ao poder, e não
sabem e nem podem manter-se no posto de novos príncipes. Não sabem, pois, se não
são homens de grande engenho e virtude, e ausentes da vida pública, é certo que não
saibam comandar, além de não possuírem forças e amizades politicamete confiáveis.
Entretanto, caso se trate de um homem de virtude, este rapidamente se preparará para
conservar tudo aquilo que a fortuna deu-lhe.
Sobre as duas formas de manter-se no poder, Maquiavel cita:
“[...] quero acrescentar dois exemplos de nossa história recente: Francisco Sforza e
Cesar Borgia. De cidadão comum Francisco tornou-se duque de Milão, pelos devidos
meios e com grande irtude; e manteve com pouco esforço aquilo que conquistara com
grande sofrimento. Cesar Borgia, por sua vez, conhecido como duque Valentino,
adquiriu o Estado com a fortuna do pai e comesta o perdeu, não obstante usasse todas
as obras e fizesse todas as coisas que um homem prudente e virtuoso deve fazer para
manter-se nos Estados que as armas e a fortuna de outrem lhe concederam.”
(Maquiavel, 2013, p. 77)
f. Sobre aqueles que conquistam o principado por meio do crime:
Além da virtú e fortuna, existem outros meios de se obter um principado. Maquiavel
disserta sobre principados conquistados de forma violenta e perversa, o que acarreta em
poder, mas não em glória, no excerto:
“Agátocles, da Sicilia, não apenas um cidadão comum, mas de ínfima e desprezível
fortuna, tornou-se rei de Siracusa. [...] reuniu numa manhã o povo e o senado de
Siracusa, como se tivesse de deliberar sobre assuntos pertinentes à republica, e, a um
sinal combinado, fez que seus soldados matassemtodos os senadores e os mais ricos do
povo; com estas mortes, ocupou e manteve o principado daquela cidade sem nenhuma
controvérsia civil.” (Maquiavel, 2013, p. 86-7)
8. Conclui que, ao tomar um Estado, deve o ocupador selecionar todas as ofensas eu
precisa fazer e fazê-las todas de uma vez, pois assim seria mais temido por seus
inimigos; já os benefícios, deve ele concedê-los de forma lenta e intermitente para que
não se esqueçam de sua benevolência.
g. Sobre o principado civil:
Quando um cidadão comum chega ao poder com apoio de seus concidadãos (o que pode
se chamar de principado civil), não é preciso que ele seja portador de grande virtú ou
fortuna, mas sim que seja demasiadamente astuto.
O príncipe pode alcançar o poder com o apoio do povo ou com o favor dos grandes e,
com toda a cidade, se encontram essas duas exigências políticas, pois o povo não deseja
ser comandado ou oprimido pelos grandes, e estes desejam comandar e oprimir o povo.
Os apetites podem ocasionar nas cidades três efeitos: principado, liberdade ou
desordem. Aquele que chega ao principado com o auxílio dos grandes se mantém com
mais dificuldade do que aquele que recebe auxílio do povo, pois tem ao seu redor,
muitos que lhe parecem iguais, e por isto não os pode comandar ou manipular; mas
aquele que chega ao principado com o povo e acha-se só e ninguém ao seu redor recusa-
se a obedecer. Além disso, não se pode satisfazer os grandes sem ofender alguém, mas
ao povo, ao contrário, pois o príncipe do povo é mais honesto que o príncipe dos
grandes, visto que estes querem oprimir aquele que não aceita opressão.
Um príncipe deve sempre governar com o mesmo povo, mas não existe a necessidade
de manter sempre os mesmos grandes e poderosos, podendo conceder a eles honrarias e
riquezas quando melhor lhe aprouver.
III. Conclusão
Maquiavel dedica boa parte de suas obras a avaliar que é necessário ver a política como
ela é, não como deveria ser. Assim, em sua visão, é essencialmente estratégica: definir o
objetivo, enxergar a realidade, refletir à partir dela as probabilidades de alcançar o
objetivo, e finalmente, pensar nas táticas que podem ajudar a concretizá-lo através de
um processo racional que integra metas realistas e concretas. É desta forma que o autor
9. traça suas lições ao príncipe, que discorre ao longo da obra “O Príncipe” como tornar-se
e manter-se príncipe nos principados, tendo em vista os exemplos já consumados.
Sobre o principado pode-se concluir que diferenciá-los não significa que não possuam
uma unidade, e que, por isso, podem ser resumidos em um modelo geral. É necessário
analisar como viviam estes principados, sob quais égides e comandos, circunstâncias e
culturas presentes, para que, enfim, um homem possa conquistá-los ou, inclusive,
recebê-los.
O fundamental, para Maquiavel, é a forma de governo, e não o governante. Ele
demonstra meticulosamente cada particularidade, cada sentença necessária para que se
possa conquistar os principados, é, pois, a forma de manutenção e de conquista que
define cada principado.
IV. Bibliografia
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Editora Martin Claret, 2012.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
ALTHUSSER, L. Política e História. São Paulo: Martins Fontes, 2007.