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Momento de Leitura por Ferreira de Castro
(1898 – 1974)
Memórias [1931]
«Eu nasci a 24 de Maio de 1898. Mas, quando penso na minha idade, sinto-me sempre mais novo,
sinto-me sempre beneficiado por quatro anos a menos. São quatro anos iguais a um noite
escuríssima, onde não é possível acender luz alguma. Não os viveu o meu espírito. Não estão na
minha memória. Não me pertencem. Para a minha realidade espiritual eu tenho 28 anos. É que em
1902 que começo a povoar o museu da minha vida, a decorar a galeria das minhas recordações. Foi
numa tarde de sol – tarde de luz forte que eu vejo ainda – que dei início ao longo da casa onde nasci.
A diabrura que pratiquei, desvaneceu-se no esquecimento, mas lembro-me, sim, que minha mãe,
saindo do quinteiro e agarrando-me por um braço, castigou-me. Passava na estrada, enxada ao
ombro, um homem alto, bigode retorcido festonando as faces trigueiras. Deteve-se, sorriu e disse:
– “Assim é que é, senhora Mariquinhas! Nessa idade é que eles se ensinam”.
Odiei aquele homem. Por que, em vez de me proteger com a sua força, ele estimulava minha mãe a
castigar-me ainda mais? Por que era ele tão mau e por que sorria vendo-me sofrer, se eu não nunca
lhe tinha feitio mal?
É esta a minha recordação. E foram de ódio e de sofrimento as primeiras sensações que a vida me
deu. Eu tinha quatro anos e meio.
Aos seis anos fui para a escola. Era de Inverno. Ia de chancas, friorento, enroupadito. Creio que foi
minha mãe que me acompanhou até meio do caminho. Não me recordo bem. Mas lembro-me,
nitidamente, da minha entrada na escola. Lá estava, ao fundo, à secretária, instalada sobre um
estrado, o professor Portela. Era gordo e de carne muito branca e fofa. No primeiro plano, as carteiras
com os alunos chilreantes. Alguns conhecia-os eu cá de fora. Mas tomavam, ali, para a minha timidez,
o papel de inimigos.
Eu sentia um respeito enorme por tudo aquilo e estava envergonhado. Sentei-me em uma carteira e,
não tendo coragem de levantar os olhos, fixei-os no abecedário, que crescia e se deformava
constantemente. Nesses primeiros dias, a minha única distracção era seguir as moscas que passeavam
no sujo rebordo do tinteiro. Veio, depois, a inveja, a única que tive na minha vida: a de não ser igual
aos outros, a de não possuir o seu à-vontade, a de não ter o sangue frio de que eles dispunham e
graças ao qual brilhavam nas lições mais do que eu, embora soubessem muito menos.»
In Jaime Brasil, Ferreira de Castro e a Sua Obra, Livraria Civilização, Porto, 1931, pp.8-9.
[Grafia actualizada]

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