Os cinco juristas, entre eles o ex-Procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, e o ex-Subprocurador-geral da República,, Wagner Gonçalves, ajuizaram Mandado de Segurança junto à presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, contra o arquivamento determinado por Renan Calheiros do pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes.
Mandado de Segurança contra Renan Calheiros pelo impeachment de Gilmar Mendes
1. 1
Excelentíssima Senhora Ministra Presidente do Supremo Tribunal Federal
Os impetrantes Claudio Lemos Fonteles, Gisele Guimarães Cittadino, Wagner
Gonçalves, Antônio Gomes Moreira Maués e Marcelo da Costa Pinto Neves,
devidamente identificados e qualificados no instrumento de mandato anexo, vêm, pelo
seu advogado infra-assinado, devidamente qualificado, perante esse e. Tribunal propor o
presente Mandado de Segurança contra ato do Senhor Presidente do Senado Federal, o
Senador Renan Calheiros, pelas seguintes razões de fato e de direito.
I.
Dos Fatos
Os ora requerentes, na condição de cidadãos brasileiros e no exercício do direito de
denúncia conferido pelo art. 41 da Lei n° 1.079 de 1950, pleitearam junto à autoridade
impetrada a instauração de processo de impedimento do Excelentíssimo Senhor
Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal, com base em farta e eloquente
documentação, que se constitui em declarações do denunciado publicadas,
sucessivamente, na imprensa escrita.
É o seguinte o resumo da Denúncia Pet. nº 12/2016-SF (Doc. 1), cuja íntegra está
anexa com toda a documentação correspondente então apresentada à Mesa do Senado
Federal dada sua competência privativa:
1. Aspectos gerais
Em 13 de setembro de 2016, por volta de 15h, foi apresentada
denúncia perante o Senado Federal contra o Ministro do STF Gilmar
Ferreira Mendes por crimes de responsabilidade.
A denúncia, de caráter estritamente técnico-jurídico é subscrita
por Claudio Lemos Fonteles, ex-Procurador-Geral da República,
Gisele Guimarães Cittadino, Professora de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), Wagner
Gonçalves, ex-Subprocurador Geral da República, Antônio Gomes
Moreira Maués, Professor de Direito da Universidade Federal do
2. 2
Pará (UFPA), e Marcelo da Costa Pinto Neves, Professor Titular de
Direito Público da Universidade de Brasília (UnB).
Na primeira seção da denúncia, concernentes aos fatos, os
denunciantes narraram as seguintes situações: 1) manifestações
públicas sobre processos, inquéritos e investigações na alçada do
Supremo Tribunal Federal; 2) o uso de linguagem impolida,
desrespeitosa e indecorosa; 3) julgamento em casos em que seja
suspeito ou impedido: quebra da imparcialidade; 4) pedido de vista
com protelamento patentemente injustificado na devolução dos autos
para julgamento; 5) envolvimento em atividades político-partidárias.
Na segunda seção da denúncia, foram apresentados os
fundamentos jurídicos, enquadrando-se os fatos nos tipos de crime de
responsabilidade previstos no art. 39, itens 2 a 5, da Lei nº
1.079/1950: “Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros
do Supremo Tribunal Federal: [...] 2 – proferir julgamento, quando,
por lei, seja suspeito na causa; 3 – exercer atividade político-
partidária; 4 – ser patentemente desidioso no cumprimento dos
deveres do cargo; 5 – proceder de modo incompatível com a honra
dignidade e decoro de suas funções.”
2. Proferimento de julgamento quando legalmente suspeito (ou
impedido) na causa (crime de responsabilidade previsto no art. 39,
item 2, da Lei nº 1.079/1950)
2.1. Do julgamento pelo denunciado de causas ou processos em
que seus amigos íntimos são advogados.
Os autores da denúncia referem-se, em especial, à participação em
julgamento de processos em que atua como advogado Rodrigo de
Bittencourt Mudrovitsch, seu ex-orientando de mestrado na
Faculdade de Direito da Universidade Brasília, professor do IDP
(instituição de ensino na qual o Ministro Gilmar Ferreira Mendes é
proprietário), colaborador em diversas publicações e projetos de
pesquisa e advogado particular em várias causas. Nesse particular,
aplicam-se sobretudo as normas de suspeição expressas no art. 135,
inciso V, do Código de Processo Civil de 1973, e no art. 145, inciso I,
do novo Código de Processo Civil.
2.2. Julgamento de causas em que é inimigo de uma das partes:
A esse respeito, os autores referem-se a particularmente às
declarações de desapreço e mesmo injuriosas sobre o ex-Presidente
Luís Inácio Lula da Silva, que configuram inimizade. Apontam que,
apesar disso, o Ministro continua julgando ou participando de
julgamentos do ex-Presidente. A base para a suspeição encontra-se
no art. 135, inciso I, do CPC de 1973, e no art. 145, inciso I, do novo
CPC.
2.3. Do julgamento em hipótese de impedimento: julgamento pelo
denunciado de casos em que a parte é cliente de escritório de
advocacia do qual é membro e sócia a cônjuge do julgador
A respeito de julgamento em casos no qual se encontra impedido,
cabe observar que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes
participou/participa, como relator, do julgamento de causas ou
exerceu/exerce funções em processos nos quais Guilherme Pitta atuou
ou atua como advogado no Tribunal Superior Eleitoral. Guilherme
3. 3
Pitta é advogado e sócio do Escritório de Advocacia Sérgio
Bermudes, do qual a esposa do Ministro Gilmar Ferreira Mendes,
advogada Guiomar Feitosa Lima Mendes, é membro ativa e sócia.
Aplicam-se a esses casos as normas de impedimento previstas no art.
144, § 3º combinado com inciso III e VIII, do novo Código de
Processo Civil.
2.4. Interessado no julgamento da causa ou do processo em favor
de qualquer das partes: exercício de função judicante ou julgamento
após prejulgamento do respectivo processo em declarações públicas.
Os autores da denúncia referem-se a diversas situações em que o
Ministro Gilmar Ferreira Mendes julgou causas em relação às quais
já havia se manifestado sobre a matéria concreta em típico
prejulgamento. Desataca-se, a esse respeito, o julgamento do de
Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 34.070/DF, em 18 de
março 2016, no qual suspendeu ato de nomeação do ex-Presidente
Lula para Ministro de Estado, embora nos dois dias anteriores tenha
feito prejulgamentos do caso perante a imprensa. Nesse particular,
aplicam-se as normas de suspeição previstas no art. 135, inciso V, do
CPC de 1973, e o art. 145, inciso IV, do novo CPC.
3. Exercício de atividade político-partidária (crime de
responsabilidade previsto no art. 39, item III, da Lei nº 1.079/1050).
Os autores da denúncia apontam para diversas manifestações de
cunho político-partidário, mas também para articulações com certas
forças político-partidárias em detrimento de outras. As manifestações
dizem respeito a posições de desprezo e mesmo de criminalização de
partidos e políticos, especialmente o Partido dos Trabalhadores e o
ex-Presidente Lula, combinada com opiniões de apreço a outras
forças político-partidárias. Os denunciantes também se referem a
articulações em ambiente privado com membros do atual governo, no
sentido de reverter decisão do STF que corresponde aos interesses da
oposição e contrariam os interesses do governo (proibição de
financiamento das campanhas por pessoa jurídica), assim como para
influenciar no andamento do impeachment da presidenta Dilma
Rousseff. O Ministro, dessa maneira, está publicamente envolvido em
típica atividade político-partidária.
4. Atitude patentemente desidiosa no cumprimento dos deveres do
cargo (crime de responsabilidade previsto no art. 139, item 4, da Lei
nº 1.079/1950)
Os denunciantes esclarecem ser “patentemente desidioso” o
pedido de vista de processo, sem nenhuma justificação razoável, para
fins de protelar a solução do caso quando já se formou maioria ou se
vislumbra claramente a formação de uma maioria do colegiado
contrária à posição do respectivo magistrado, especialmente se este
ultrapassa absurdamente todos os prazos juridicamente estabelecidos
para a devolução do processo para julgamento, ferindo
manifestamente a boa-fé processual. Concentram-se, nesse particular,
na atuação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes no julgamento da
ADI 4650/DF. O Ministro reteve os autos por mais de 17 (dezessete)
meses, extrapolando todos os limites de prazo estabelecidos
regimentalmente para a devolução do processo, sem nenhuma
4. 4
justificativa que pudesse apresentar um mínimo de aparência de
razoabilidade, senão a de estar caprichosamente inconformado com
formação de maioria contrária ao seu posicionamento.
5. Conduta incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de
suas funções (crime de responsabilidade previsto no art. 39, item 5,
da Lei nº 1.079/1950)
Os denunciantes apontam particularmente para as inumeráveis
situações em que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes fez uso de
linguagem impolida e depreciativa para com as partes, advogados,
membros de outros poderes, lideranças políticas, colegas, membros
do Ministério Público, instituições da sociedade civil e mesmo para
com parcela do eleitorado. Destaca-se, recentemente, o uso de
palavras como “cretino” para membros do MP e juízes; “bêbados”
para os responsáveis pela Lei da Ficha Limpa, de inciativa popular,
aprovada por ampla maioria do Congresso Nacional, com apoio da
CNBB, OAB e AMB, e subscrita por cerca de 1.600.000 eleitores.
Também se enfatiza a postura recente do Ministro Gilmar Ferreira
Mendes de desprezo e desconsideração pelo Presidente do STF,
quando o Ministro denunciado afirmou que o responsável (o
Presidente do STF) pela decisão de separar a votação do julgamento
da inabilitação da Presidenta Dilma Rousseff para o exercício de
função pública “não passa na prova dos 9 do jardim de infância do
direito constitucional”. Ofensas verbais de tal magnitude, em tom de
zombaria e desdém contra colegas do STF, membros do Judiciário e
do MP, o Congresso Nacional, seus membros, parcela do eleitorado e
importantes instituições da sociedade civil, configura obviamente
insulto incompatível com a dignidade, a honra e o decoro inerentes à
função de Magistrado, particularmente à função de Ministro do
Supremo Tribunal Federal.
6. Do pedido
Diante de tudo o que foi exposto, os denunciantes requerem ao
Presidente do Senado Federal que a denúncia seja recebida e o
cidadão Gilmar Ferreira Mendes seja destituído do seu cargo de
Ministro do Supremo Tribunal Federal, nos termos do processo
estabelecido nos artigos 41 a 73 da Lei nº 1.079/1950, e inabilitado,
por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das
demais sanções judiciais cabíveis (CF, art. 52, parágrafo único), por
ter o Ministro ora denunciado praticado os crimes de
responsabilidade, tipificados no art. 39, incisos 2, 3, 4 e 5, dessa Lei
especial.
A autoridade ora impetrada, no entanto, entendeu de não conhecer do pedido com a
seguinte alegação (Doc. 2):
“No presente caso, não se revela presente a necessária justa causa
para o processamento da denúncia articulada, amparada
exclusivamente em matérias jornalísticas e supostas declarações do
Ministro denunciado à luz de alegada violação de princípios
constitucionais Código de Processo Civil, Lei Orgânica da
Magistratura e Regimento Interno do STF.
5. 5
Pela completa ausência de conjunto probatório carreado aos
autos, não se vislumbra, em análise inicial, incompatibilidade de seus
atos com a honra ou decoro de suas funções, muito menos as demais
condutas descritas na Lei que regula os crimes de responsabilidade.
Além disso, não caberia ao Senado Federal processar e julgar o
Ministro Denunciado por condutas atinentes exclusivamente ao cargo
que ocupa, nos exatos limites de seus poderes. Se é que poderia ter
havido qualquer desvio em sua conduta como magistrado – repito,
ausente do conjunto probatório constante dos autos – caberia aos
órgãos próprios de fiscalização do Poder Judiciário verificação e
dilação probatória necessária, bem como eventual penalização. Tudo
em absoluta observância ao principio da separação e harmonia dos
Poderes da República.
Com esses fundamentos, não conheço da denuncia e determino o
seu arquivamento.
Brasília, setembro de 2016 [assinado sem data]
Senador Renan Calheiros
Presidente do Senado Federal”
II.
Da Competência
De acordo com o disposto no art. 102, I, ‘d’, segunda parte, da Constituição Federal,
compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer, processar e julgar originariamente o
mandado de segurança contra ato do Presidente da Mesa do Senado Federal.
III.
Da tempestividade
A presente impetração volta-se contra o ato referido, de autoria do ora
impetrado, pelo qual este liminarmente não conheceu e determinou o arquivamento do
pedido dos impetrantes, ato esse datado de 20 de setembro do corrente ano (decisão
proferida em sessão do dia 20 de setembro de 2016, publicada no Diário do Senado em
21 de setembro de 2016, pp. 163/164), portanto abrigado no período de cabimento do
pedido.
6. 6
IV.
Dos Fundamentos
O ato coator, como visto, é constituído por decisão singular do impetrado cuja
edição, ao ver dos impetrantes, incorre em três ordens de questionamento.
1. Da ausência de fundamento.
É certo e inquestionável que o processo por crime de responsabilidade, que tramita
no Parlamento, é de natureza judicialiforme.
Nessa orientação, fixou o STF no julgamento do Mandado de Segurança nº
21.673/DF, referente ao impeachment do ex-Presidente Fernando Collor de Mello:
“Quando a Câmara Legislativa – o Senado Federal – se investe de
‘função judicialiforme’, a fim de processar e julgar a acusação, ela se
submete, é certo, a regras jurídicas, regras, entretanto, próprias, que o
legislador previamente fixou e que compõem o processo político-
penal” (STF, Tribunal Pleno, MS 21623/DF, rel. Min. Carlos Veloso,
julg. 17/12/1992, DJ 28/05/1993, item VI da Ementa – grifamos).
No plano doutrinário, inclusive Paulo Brossard de Souza Pinto, que sustentou a tese
do caráter primariamente político do processo de impeachment do Presidente da
República, já alertava na mesma linha da citada decisão do STF:
“Em glosa ao Regimento do Senado norte-americano, Thomas
Jefferson, que o presidiu, escreveu que, em matéria de impeachment, a
decisão senatória ‘must be secundum, non ultra legem’. E não só a
sentença, mas o processo todo, no que diz respeito a suas fases e
formalidades” (Pinto, Paulo Brossard de Souza. O impeachment.
Aspectos da Responsabilidade Política do Presidente da República.
Porto Alegre: Globo, 1965, § 169 – grifamos).
Portanto, no processo por crime de responsabilidade, e especificamente na situação
aqui versada, e que se define no inciso II, do artigo 52, da Constituição Federal, é da
competência privativa do Senado Federal: “processar e julgar os Ministros do Supremo
Tribunal Federal [...] nos crimes de responsabilidade”.
Em conclusão, clara e objetiva, o Senado da República, excepcionalmente, assume
função judicante porque desenvolvida em processo de natureza judicialiforme.
7. 7
Isso assentado, irrefragavelmente, tem plena incidência ao debatido o disposto no
inciso IX, do artigo 93, da Constituição Federal, que estabelece como princípio
norteador do ato de julgar a sua impostergável necessidade de se constituir em ato de
decisão motivada: “fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade”, é a
cristalina expressão constitucional, presente no texto mencionado.
Impõe-se, portanto, conhecer, como se pôs mesmo em título, a “Decisão do
Presidente do Senado Federal” (Doc. 2). Está posta em 2 (duas) páginas. A primeira
página é breve relatório. Aqui, é de se destacar as palavras sucintas, que fecham o
relatório:
“Apesar das alegações, não juntam quaisquer provas, tão somente
transcrevem trechos de matérias jornalísticas e supostas declarações
do Denunciado” - (grifamos).
A denúncia formalizada por crime de responsabilidade não transcreve trechos
de matérias jornalísticas.
A denúncia, nessa parte, transcreve declarações do Ministro Gilmar Mendes,
colocadas pelos órgãos noticiosos entre aspas, a marcar, indubitavelmente, a autoria
objetiva dessas declarações. Mais: O Ministro Gilmar Mendes, em instante algum, e
no suceder dos fatos, repudiou as expressões reproduzidas pela imprensa de suas
falas o que, obviamente, confirma a sua autoria pelas declarações avivadas na denúncia.
Em conclusão, e se constituindo esse dado como o único a embasar a falta de justa
causa para concluir pelo “não conhecimento da denúncia”:
“No presente caso, não se revela presente a necessária justa
causa para o processamento da denúncia articulada, amparada
exclusivamente em matérias jornalísticas e supostas declarações
do Ministro denunciado à luz de alegada violação de princípios
constitucionais, Código de Processo Civil, Lei Orgânica da
Magistratura e Regimento Interno do STF” (segunda página da
Decisão).
É claríssimo concluir-se que no texto posto na Decisão, fundamentação alguma
há.
8. 8
Segue-se outro tópico – segundo parágrafo da segunda página - da Decisão, a dizer:
“Pela completa ausência de conjunto probatório carreado aos
autos, não se vislumbra, em análise inicial, incompatibilidade de seus
atos com a honra ou decoro de suas funções, muito menos as demais
condutas descritas na Lei que regula os crimes de responsabilidade”.
Com a devida vênia, aqui não se diz nada porque se tem diante poucas frases
lançadas em generalidade e abstração.
Por fim, diz a Decisão que não tem cabimento o Senado Federal “processar e julgar o
Ministro Denunciado”, tarefa a ser transferida “aos órgãos próprios de fiscalização do
próprio Poder Judiciário” (terceiro e último/ parágrafo na segunda página da Decisão).
Ora, esse argumento redunda em tornar letra morta o disposto no inciso II, do
artigo 52, da Constituição Federal porque sempre que cidadãs e cidadãos
brasileiros desejassem fazer valer essa determinação constitucional, no exercício
concreto da cidadania, contra Ministros do Supremo Tribunal Federal; contra o
Procurador-Geral da República e contra o Advogado-Geral da União isso seria
transferido do Parlamento para os órgãos de controle interno dessas Instituições.
Tudo assim apresentado, a conclusão é a ausência de fundamentação da Decisão
subscrita pelo Presidente do Senado Federal: Senador Renan Calheiros.
Já com base nesse argumento objetivo da falta de fundamentação, pode-se
adiantar que a concessão do mandado de segurança é juridicamente procedente
para que se prossiga, no âmbito do Senado Federal, o processamento e ulterior
julgamento do pleito como consolidado na Denúncia (Petição nº 12/2016-SF).
2. Da ilegalidade da decisão como monocrática.
A decisão monocrática do Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros,
liminarmente arquivando a denúncia por crimes de responsabilidade imputados ao
Ministro Gilmar Mendes é flagrantemente ilegal.
Não se desconhece que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se
no sentido de que quando a denúncia por crimes de responsabilidade se apresenta como
peça “patentemente inepta ou despida de justa causa”, legitima-se a decisão liminar por
9. 9
seu arquivamento, de plano. Nesse sentido, é de se destacar cristalino trecho de ementa
da lavra do em. Min. Ricardo Lewandowski:
“I – Na linha da jurisprudência firmada pelo Plenário desta
Corte, a competência do Presidente da Câmara dos
Deputados e da Mesa do Senado Federal para recebimento, ou
não, da denúncia no processo de impeachment não se restringe
a uma admissão meramente burocrática, cabendo-lhes,
inclusive, a faculdade de rejeitá-la, de plano, acaso entendam ser
patentemente inepta ou despida de justa causa - (grifamos).
II – Previsão que guarda consonância com as disposições
previstas nos Regimentos Internos de ambas as Casas
Legislativas, quanto na Lei 1.079/1950, que define os crimes de
responsabilidade e regula o respectivo processo e julgamento...
(consulte-se: MS nº 30672/DF).
O em. Min. Ricardo Levandowski, apreciando agravo regimental interposto
dessa sua decisão, é explícito:
“Neguei seguimento à pretensão, com supedâneo em orientação
desta Corte que, em casos análogos, assentou que a competência
do Presidente da Câmara dos Deputados para recebimento, ou
não, de denúncia no processo de impeachment, não se restringe
a uma admissão meramente burocrática, cabendo-lhe, inclusive,
a faculdade de rejeitá-la imediatamente acaso entenda ser
patentemente inepta ou despida de justa causa.
Dessa forma, com base em precedentes proferidos pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal, verifiquei que o
arquivamento da denúncia pela Mesa do Senado Federal,
mediante aprovação do despacho proferido por seu Presidente,
foi efetuado por autoridade competente para tanto, em
consonância com as disposições previstas tanto no Regimento
Interno do Senado Federal, quanto na Lei dos Crimes de
Responsabilidade.”
10. 10
Clareza maior é impossível.
No âmbito da Câmara dos Deputados o arquivamento liminar da denúncia,
presente sua patente inépcia ou estar despida de justa causa, é atribuição do Presidente
dessa Casa Legislativa. Já no Senado Federal, o ato isolado de sua Presidência, no
sentido do arquivamento liminar, se sujeita ao controle da Mesa Diretora que, nessa
etapa, detém o controle decisório.
Portanto, o Presidente do Senado é flagrantemente incompetente para
praticar monocraticamente o ato de recebimento ou arquivamento liminar da
denúncia contra ministro do Supremo Tribunal Federal por crime de
responsabilidade.
Tornando ao caso presente, a denúncia por crimes de responsabilidade,
apresentada pelos subscritores deste mandado de segurança contra o Min.Gilmar
Mendes, lastreia-se em elenco de fatos claros e objetivos. Ela não se constitui em peça
calcada em abstrações, valorações subjetivas, enunciados políticos. Insista-se: são fatos
descritos cristalina e concretamente propiciando, então, plena e necessária averiguação,
situação essa cabalmente diversa dos corretos pressupostos – patente inépcia e despida
de justa causa – que ensejam rejeição liminar da peça inaugural.
É que tanto a decisão solitária do Presidente do Senado, Senador Renan
Calheiros, quanto a não caracterização dos pressupostos acima referidos, significam,
acaso perdurem, flagrante desrespeito ao disposto no artigo 44, da Lei nº 1079/51, na
primeira situação, e inadequada compreensão da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, a propósito.
3. Da suspeição.
Como já assentado na seção IV.1, o processo e o julgamento dos crimes de
responsabilidade, perpetrados por quem desempenhe os cargos públicos, nominados no
inciso II, do artigo 52, da Constituição Federal, são de natureza judicialiforme.
É de se dizer, portanto, que predicados ínsitos, inerentes, ao ato de julgar hão de
ser, rigorosamente, observados.
11. 11
Eis porque, a demonstração objetiva da ausência de fundamentação em ato decisório,
assumido nesse quadro, cabe ser, perfeitamente, versada a se amparar direito líquido e
certo, que tanto tem por escopo resguardar.
Na mesma trilha, e porque também se constitui em “predicado ínsito, inerente, ao
ato de julgar”, quem julga não pode ser suspeito de julgar.
Ora, o senador Renan Calheiros, avocando a si o ato, que então se fez monocrático,
de decidir sobre o recebimento ou a rejeição da denúncia, assumiu conduta de óbvia
suspeição. Ou seja, praticou o ato quando já era investigado por crimes diversos no
Inquérito nº 2593/DF (Relator Ministro Edson Fachin).
É que - e isso é de domínio público - o senador Renan Calheiros vem de receber
juízo positivo de admissibilidade, por sólida maioria formada na composição plenária
dos ems. Ministros do Supremo Tribunal Federal, passando a figurar como réu de
acusação contra ele formalizada pelo Procurador-Geral da República por crime de
peculato. É o caso tratado no Inquérito originário nº 2593/DF.
O Min. Gilmar Mendes, que é denunciado na ação por crimes de responsabilidade
contra ele proposta pelos autores deste Mandado de Segurança, é membro do Supremo
Tribunal Federal e, na referida sessão plenária, acontecida no dia 1º do mês em
curso, participou do julgamento, emitindo juízo de rejeição da denúncia.
Textual para a situação, que se descreve, o disposto no artigo 254, inciso III, do
Código de Processo Penal:
Artigo 254: “O juiz dar-se-á por suspeito e, se não o fizer, poderá
ser recusado por qualquer das partes:
[...]
III – se ele, seu cônjuge, ou parente consanguíneo, ou afim, até o
terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo
que tenha de ser julgado por qualquer das partes” (grifamos).
Renan Calheiros, que se fez juiz monocrático para repelir a denúncia contra
Gilmar Mendes, por crimes de responsabilidade, teve, a seu favor, o voto do Min.
Gilmar Mendes para, igualmente, rejeitar a denúncia contra si ajuizada pelo
Procurador-Geral da República.
A incidência, faça-se esse registro final, do Código de Processo Penal é inequívoca
porque preceitua o artigo 73, da Lei nº 1.079/50:
12. 12
“Art. 73 No processo e julgamento de Ministro do Supremo
Tribunal Federal, ou do Procurador-Geral da República, serão
subsidiários desta lei, naquilo em que lhe forem aplicáveis, o
Regimento Interno do Senado Federal e o Código de Processo Penal”.
V.
Do Pedido
Ante o exposto, pedem os impetrantes, após colhidas as informações da autoridade
impetrada e recebido o parecer da Procuradoria Geral da República, seja julgado
procedente o presente mandado de segurança para que se assente:
- a suspeição do Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros, para
assumir qualquer ato no processo por crimes de responsabilidade, formalizado pelos ora
impetrantes contra o Min. Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal; ou
- a ilegalidade da decisão monocrática do Senador Renan Calheiros pelo
arquivamento liminar da denúncia apresentada pelos impetrantes contra o Min. Gilmar
Mendes do Supremo Tribunal Federal; ou
- a ausência de fundamentação na decisão monocrática do Senador Renan Calheiros
pelo arquivamento liminar da denúncia apresentada pelos impetrantes contra o Min.
Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal.
Por fim, requerem que se declare nula decisão ora impugnada, determinando-se que
se prossiga com o processamento da Denúncia Pet. nº 12/2016-SF, de acordo com o rito
estabelecido nas normas pertinentes já referidas.
Brasília, 07 de dezembro de 2016.
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Bruno Rodrigues de Lima
OAB/BA nº 42.319