O documento discute o dilema de Getúlio Vargas na Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil precisou escolher entre os Aliados e as potências do Eixo. Vargas hesitou devido a divisões em seu gabinete e simpatias pessoais pelo Eixo, mas acabou rompendo relações com a Alemanha em 1942 sob pressão dos Estados Unidos. Seu governo autoritário adotou uma política externa pragmática de negociar com ambos os lados.
1. 38 Sábado, 28 de janeiro de 2012
OGLOBO
HISTÓRIA
O dilema de Vargas
Com o primeiro escalão dividido, ditador hesitou antes de romper com o Eixo na 2a Guerra
CPDOC/FGV AgÃancia O Globo
Renato Grandelle
renato.grandelle@oglobo.com.br
A
ntes dos bombardeios da Se-
gunda Guerra Mundial, a Ale-
manha e os Estados Unidos
polarizaram outra disputa,
esta na América Latina: quem domi-
naria bolsos e mentes dos governos
da região. Exatos 70 anos atrás, o
Brasil decidiu o seu lado. Tornou-se
o primeiro país entre seus vizinhos
a romper relações diplomáticas
com o Eixo. A decisão dividiu não
apenas o continente, como também
o próprio Estado Novo, ditadura
conduzida por Getúlio Vargas. O
presidente passou anos aflito, pres-
sionado por seu primeiro escalão a
pender para um lado. Embora tenha
reforçado as fileiras dos Aliados,
suas preferências pessoais até hoje CH Rio de Janeiro (RJ) 25/01/2012
são questionadas. Não falta quem
lhe acuse de ser simpático ao nazis-
mo. Há, também, especialistas que
o veem como pai de uma política ex-
terna pragmática, justamente por
negociar com os representantes de
dois extremos ideológicos — algo
que volta e meia se repete por aqui,
embora com outros personagens.
Mas o recreio do gaúcho em livrar-
se da teia americana, que se impu-
nha do comércio à cultura, acabou
pesando mais em seu discurso.
Entre os germanófilos estavam
Góis Monteiro, chefe do Estado
Maior do Exército; Eurico Gaspar
Dutra, ministro da Guerra; e Filinto
Müller, o temido líder da polícia po- O PRESIDENTE americano Franklin Roosevelt (no jipe) visita a base aérea de Natal,
lítica. O front americano era capita-
acompanhado por Vargas (atrás). Ao lado, a primeira página do GLOBO nas três
neado pelo ministro das Relações
Exteriores, Oswaldo Aranha, e por edições de 28/1/42 e na edição matinal do dia seguinte
Amaral Peixoto, interventor do Es-
tado do Rio e genro do ditador. Var- da por décadas em que tratou seus desde que os EUA financiassem a concordasse com a instalação de Segundo Ferreira, quando os 25 mil
gas ora conversava mais com um vizinhos do Sul como quintal. Se- reestruturação de nossas Forças Ar- bases americanas no Nordeste, pracinhas embarcaram rumo à Euro-
grupo; ora confabulava com o ou- gundo, a visão global de falência madas, cujo poder era nulo. “muito possivelmente haveria uma pa, Vargas sabia que seu Estado Novo
tro. Recebeu ministros da Itália, um das democracias. Os países que invasão dos EUA à região”. estava próximo do suspiro final. O dita-
EUA poderiam
país do Eixo, mas também foi anfi- mais cresciam à época, Alemanha e Em janeiro de 1942, o Brasil rom- dor seria deposto em outubro de 1945,
trião do presidente americano União Soviética, estavam sob réde- peu com o Eixo — garantindo caixa um mês após o fim da guerra.
invadir Nordeste
Franklin Roosevelt. Assinou vanta- as totalitárias. não só para as suas Forças Armadas, — A postura tomada pelo gover-
josos acordos comerciais com am- Cientes de que a fama da Casa como também para construir a Com- no brasileiro no início da guerra,
bos os lados. E, enquanto (não) de- Branca não era das melhores, os panhia Siderúrgica Nacional, em com uma política externa liderada
cidia, manteve o cofre aberto para EUA comemoraram quando os l Dulce Pandolfi, do Centro de Volta Redonda. pelo pragmatismo, ficou até hoje —
seus planos econômicos. chanceleres latino-americanos, reu- Pesquisa e Documentação de Histó- — Filinto Müller, que era favorá- assinala. — Essa independência re-
— Nos anos 30, os EUA eram o mai- nidos no Panamá em 1939, decidi- ria Contemporânea do Brasil (CP- vel ao alinhamento com a Alema- lativa dos grandes centros se repe-
or parceiro econômico da América ram que a região iria manter-se neu- Doc-FGV), não duvida da habilidade nha, proibiu diversas manifesta- te em diversos outros governos, co-
Latina, mas a Alemanha já vinha em tra na guerra. política e da capacidade de barga- ções que exigiam a entrada do Bra- mo os de Jânio (Quadros), Jango
segundo lugar — ressalta Jorge Fer- — Saber que as águas do continen- nha de Vargas. Mas, após ler os diá- sil na guerra — conta Israel Beloch, (João Goulart) e até (Ernesto) Gei-
reira, professor de História do Brasil te não ficariam à disposição de navi- rios do ditador, ela concluiu que o editor do site Brasiliana Eletrônica, sel. Todos deixaram as ideologias
da UFF. — Com os EUA, trocava-se, os de guerra alemães era uma vitó- alinhamento com os EUA foi sofrido. da UFRJ. — Então Amaral Peixoto, de lado para negociar o que fosse
em dólar, matéria-prima por produ- ria para os EUA — destaca Ferreira. — Vargas tinha uma simpatia muito que sempre fora favorável aos EUA, melhor para o país.
tos industrializados. Já o Terceiro — Mas logo depois aumentou a grande pelo Eixo e acreditava na sobe- levava esses protestos a Niterói, se- Boa parte dos simpáticos ao Reich
Reich oferecia o chamado comércio pressão sobre Vargas, que manti- rania militar alemã. E o Estado Novo de de seu governo e fora da jurisdi- do Estado Novo fizeram parte do
compensado. O Brasil, por exemplo, nha uma política externa chamada estava mais afinado com a ideologia ção de Filinto. golpe que depôs Vargas. Um deles,
exportava café e ficava com crédito de equidistância pragmática. Em totalitária — ressalta. — Mas havia Em agosto, a Alemanha retaliou a Dutra, sucedeu-o na Presidência.
no Banco Central Alemão para, com 1940, os militares americanos consi- um investimento muito grande, seja escolha de Vargas. Afundou cinco — Havia um temor do caminho
ele, importar o que bem entendesse. deraram que a neutralidade brasilei- militar ou cultural, dos EUA no Brasil. navios mercantes do país em nossa que Vargas seguiria, amparado por
Era uma grande vantagem. ra era incompatível, e que seria fun- De certa forma, ele foi um refém, em- costa, provocando a morte de cente- suas alianças trabalhistas — avalia
Washington colecionava proble- damental instalar bases militares bora isso não tenha sido consciente. nas de pessoas. O Brasil, no entanto, Dulce. — A elite ajustou-se para
mas nos trópicos. Primeiro, sua em Recife, Natal e Fernando de No- A Casa Branca, de fato, soube se só iniciou o envio de tropas para a manter o seu poder. Mudou para, no
própria imagem negativa, cultiva- ronha. O Estado Novo concordou, impor. Para Ferreira, se Vargas não Itália em julho de 1944. fim das contas, nada mudar. n
Divulgação
O olhar dos prisioneiros
Recuperados 32 desenhos inéditos feitos por preso de campo de Auschwitz
Graça Magalhães-Ruether que a criança foi imediatamente selecionada para a morte,
ciencia@oglobo.com.br o que acontecia também com os doentes e fracos, enquan-
Correspondente • BERLIM
to o pai ficou do lado dos que eram destinados ao trabalho
forçado. Em um outro desenho, uma cena anterior, o mes-
l Quase 70 anos depois da libertação do campo de concen- mo garoto, de cerca de quatro anos, aparece com a mão
tração que entrou para a História como sinônimo da mons- agarrada ao pai, na rampa de Auschwitz, pouco depois de
truosidade do regime nazista, o Museu de Auschwitz- desembarcar do trem. Atrás dos dois, pode ser vista uma
Birkenau, na Polônia, acaba de publicar um livro com 32 multidão de pessoas portando a estrela amarela.
desenhos inéditos feitos por um dos prisioneiros do cam- Os desenhos, publicados com o título de “The Sketchbo-
po, mostrando o dia a dia dos presos. Segundo Jarek Mens- ok from Auschwitz”, com 115 páginas, editados pela histo-
ACIMA, o desenho do menino em roupa de marinheiro; felt, porta-voz do Museu Auschwitz-Birkenau, o autor dos riadora Agnieszka Sieradzka, ajudam a reconstituir os
abaixo, um prisioneiro ao lado de um guarda de Auschwitz desenhos, que assinava os trabalhos com as iniciais M.M., acontecimentos no maior campo de extermínio. Para Sie-
continua desconhecido. Ao contrário dos outros cerca de radzka, o autor dos desenhos deve ter sido um prisioneiro
dois mil desenhos e pinturas que já eram conhecidos, fei- antigo, que tinha acesso a diversas áreas. Uma das possibi-
tos pelos prisioneiros por encomenda dos nazistas, os 32 lidades é que o autor tenha sido o pai do menino vestido de
que acabam de ser publicados mostram as cenas do martí- traje de marinheiro. De acordo com o porta-voz do museu,
rio das vítimas de perto, o transporte dos mortos das câ- o desenhista deve ter trabalhado nas “tropas de triagem”
maras de gás para os fornos crematórios, cenas que mos- dos prisioneiros e pode ter tido acesso também à enferma-
tram uma certa rotina de trabalho que era acompanhado ria, pois, de outra forma, não teria conseguido lápis e pa-
de perto pelos indiferentes guardas nazistas. pel. Também não se sabe o que aconteceu com o autor. O
Num dos desenhos, um guarda nazista fuma enquanto os fato é que o desenhista, que arriscou tudo ao fazer cada
prisioneiros cuidam do transporte de corpos esqueléti- desenho, para mostrar ao mundo o que na época parecia
cos. Um outro desenho mostra o desembarque dos prisio- inacreditável — pois era estritamente proibido pelos na-
neiros, alguns estafados, outros ainda bem vestidos e com zistas registrar informações sobre o que acontecia no
boa aparência, o que indica que tinham sido presos em um campo — escondeu os 32 desenhos feitos em um papel
lugar não muito distante. O mais chocante dos desenhos é amarelado em uma garrafa, que depositou no fundamento
o de número 14, que mostra um garoto vestido de traje de de uma barraca próximas às câmaras de gás e a dois cre-
marinheiro que é arrancado do pai por um guarda nazista. matórios. Em 1947, dois anos depois da libertação do cam-
O pai continua com os braços estendidos, como se ainda po, o ex-prisioneiro Józef Odi, um dos cofundadores do
tivesse a chance de recuperar o menino. O desenho indica museu, encontrou os contundentes documentos.