3. Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p’ra cantar que a vida.
3
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
4. 4
I. A ceifeira e o canto
CARACTERIZAÇÃO DA CEIFEIRA
— A sua felicidade é aparente
(«julga-se feliz»)
— A sua vida é insignificante
e marcada pela perda («viuvez»)
Ela canta
O seu canto é comparado
ao canto de uma ave
A comparação sugere
duas ideias: naturalidade
e harmonia com a Natureza
Efeitos do canto da ceifeira
no sujeito poético
Contraditórios
Antítese: «alegra e entristece»
O canto
transmite
serenidade
e harmonia
— A felicidade
da ceifeira não
é verdadeira
+
— O sujeito
poético é
atormentado
pela dor de
pensar
5. 5
II. A dor de pensar
PENSAMENTO/CONSCIÊNCIA
DOR
O sujeito poético
intelectualiza
as suas emoções:
é incapaz de sentir
de forma pura
«O que em mim sente
stá pensando»
«Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso!»
Desejo impossível =
Contradição profunda
O sujeito poético só seria feliz
tendo consciência da sua
«alegre inconsciência»
OMNIPRESENÇA DA RAZÃO DOR